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ISSN 1808-6381
AS CONCEPÇÕES DE CRIANÇA E INFÂNCIA COMO NORTEADORES DE UMA PRÁTICA
PEDAGÓGICA
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Marília Fabiana Pires Mendonça - UFRN
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Vanessa Maria da Silva Clemente - UFRN
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Orientadora: Profª. Drª. Mariangela Momo - UFRN
RESUMO
O estudo trata de uma pesquisa realizada no âmbito da disciplina Fundamentos da Educação
Infantil, do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e tem como
objetivo discutir o papel das concepções de criança e infância na prática pedagógica de uma
Instituição de Educação Infantil. A relevância dessa pesquisa está na possibilidade de refletir
sobre a função das concepções de criança e infância como fator decisivo para a prática
escolar. A investigação foi realizada em uma instituição da rede privada do município de Natal-
RN e desenvolvida em três etapas. Inicialmente, foi feito um estudo bibliográfico sobre as
concepções de criança e de infância em diferentes epocas. Logo em seguida partimos para a
observação da organização da instituição e dos espaços dedicados à criança. E para finalizar
foi realizada uma entrevista com uma das professoras do quadro docente da Instituição. Como
referencial teórico optou-se por Phillip Áries (1978); Craidy e Kaercher (2001); Franco (2006);
Kuhlmann e Fernandes (2004); Stearns (2006); Urbim (2009). Como resultado observou-se que
a instituição pesquisada é regida por concepções em que a criança é vista como um ser
integrante na sociedade que ele faz parte. Desse modo as práticas presentes na escola são
regidas pelos Parâmetros Nacionais de Qualidade para as Instituições de Educação Infantil
elaborado pelo Ministério da Educação visando um ensino de qualidade e significativo para a
vida da criança.
Palavras-chaves: Criança, infância, prática pedagógica.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é parte de uma pesquisa realizada na disciplina Fundamentos da
Educação Infantil do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O
estudo tem como objetivo investigar de que maneira a Instituição de Educação Infantil
abordada na pesquisa compreende as concepções de criança e infância e como o
entendimento desses conceitos é refletido na prática educativa. A relevância desse estudo está
na possibilidade de observar na prática como as concepções de criança e infância contribuem
para o desenvolvimento das atividades pedagógicas na Instituição de Educação Infantil.
Muito se tem falado acerca dos conceitos de criança e infância. Estudiosos como Ariès
(1978), Del Priore (1998), Freitas (1997), Rice (1998) vem tentando mostrar a relevância de
estudar a construção desses conceitos ao longo da história para entender o papel social da
criança em diferentes epocas. O modo como uma sociedade enxerga as questões da infância
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norteia sua forma de tratar as crianças, de vê-las como seres inseridos na sociedade da qual
fazem parte. Da mesma forma, o entendimento que a escola tem sobre o que é ser criança e o
que é a infância interfere diretamente na maneira de conduzir as atividades pedagógicas.
Nesse contexto, a pesquisa investigativa partiu de um estudo bibliográfico sobre os
conceitos de criança e infância ao longo da história. Logo em seguida realizamos a observação
de uma Instituição de Educação Infantil privada, situada no bairro Morro Branco, zona
administrativa oeste da cidade de Natal, em que foram analisados os aspectos físicos e
pedagógicos da instituição. Por último foi realizada uma entrevista semi-estruturada com uma
das professoras do quadro docente da instituição.
Este trabalho colaborou para a aplicação dos conceitos apreendidos na disciplina
Fundamentos da Educação Infantil e em estudos bibliográficos, nos levando a interagir e lidar
com as mais diversas formas de relação educador/criança no que concerne à afetividade como
também às atividades pedagógicas destinadas às crianças.
AS CONCEPÇÕES DE CRIANÇA E INFÂNCIA AO LONGO DA HISTÓRIA
Tanto a concepção de criança quanto a de infância, assim como a construção de
qualquer conceito subjetivo, são elaboradas a partir da visão de mundo de uma sociedade,
sendo assim um produto histórico e cultural (FRANCO, 2006). Logo, não é possível formular
um único conceito, fechado e restrito, sobre o que seja infância e criança. Esses conceitos
variam conforme o tempo e o espaço.
Os estudos sobre a criança e a infância revelam que os autores não podem chegar a
um consenso a respeito do conceito de criança, mas podem apontar características do que é
ser criança de acordo com cada tempo e lugar. Segundo Stearns (2006), algumas
características são tidas como universais. Toda criança é dotada de fragilidade e necessita de
atenção e cuidados especiais, como alimentação e cuidados físicos, requerendo esses
cuidados durante muito tempo. Além disso, as crianças são vistas como seres diferentes dos
adultos, que precisam ser preparadas para esta outra fase da vida. Porém, o tratamento
dessas características tidas como universais nem sempre foram respeitadas. Durante os
séculos XV e XVI, as crianças não eram vistas como seres inseridos socialmente. Muitas
crianças morriam, pois não tinham a devida atenção para com sua saúde. Apenas nos séculos
XVII e XVIII as crianças começam a ser vistas de outra forma. Para Zibermam,
a mudança se deveu a outro acontecimento da época: a emergência de uma
nova noção de família, centrada não mais em amplas relações de
parentesco, mas num núcleo unicelular, preocupado em manter sua
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privacidade (impedindo a intervenção dos parentes em seus negócios
internos) e estimular o afeto entre seus membros. (ZIBERMAN, p.15, 2003).
Esse fato marca as transformações ocorridas na Idade Moderna, epoca em que a
infância é delimitada como uma faixa etária com tratamento diferenciado.
Quando observamos as características tidas como universais, percebemos logo que as
expressões criança e infância são bem distintas. Kuhlmann e Fernandes (2004) diferenciam
criança e infância da seguinte forma: infância refere-se a um período da vida humana enquanto
criança trata-se de uma “realidade psicobiológica” do indivíduo. Essa diferenciação é
extremamente importante, pois, apesar de serem expressões comumente usadas para
descrever um período da vida, ambas possuem suas especificidades.
Mas o estudo dessas concepções não é tão simples quanto possa parecer. Primeiro
porque a história da criança e da infância sempre foi narrada por um adulto, revelando sempre
o olhar deste sobre a criança. Depois, porque “lidar com a questão da infância pode ser muito
pessoal”, pois as questões subjetivas sempre envolvem a formação de um pensamento e/ou
idéia muito própria do indivíduo (STEARNS, 2006). Envolve uma visão de mundo própria do
adulto e do contexto sócio-cultural deste. Talvez seja por isso que muitas vezes encontramos
na literatura sobre a infância diversas discussões e posicionamentos diferentes.
Ariès (1978), grande estudioso deste tema, enxergou a Idade Média como um período
em que a criança e seu universo não eram valorizados e respeitados. Assim, afirma:
O homem moderno ficará surpreso com a incoveniência desses costumes:
eles nos parecem incompatíveis com nossas idéias sobre a infância e a
primeira adolescência, e já é muito os tolerarmos nos adultos das classes
populares, como indício de uma idade mental ainda aquém da maturidade.
Nos séculos XVI e XVII, os contemporâneos situavam os escolares no
mesmo mundo picaresco dos soldados, criados, e, de um modo geral, dos
mendigos (ARIÈS, 1978, p. 184).
É claro que nem todos os estudiosos concordam com Ariès. Alguns autores afimam
que era muito comum observar relações afetivas positivas entre mães e filhos. Segundo
Kuhlmann e Fernandes (2004), “a transposição imediata das questões de Ariès sobre a
infância francesa para outros países pode implicar desvios de interpretação, ao se nivelarem
realidades distintas”.
A conclusão que se chega com essas divergências é que estamos tratando de
conceitos muito complexos que são construídos de maneiras diferentes por cada sociedade em
cada tempo histórico, onde o contexto é de total importância. Mesmo hoje, com o processo de
globalização, onde as informações correm o mundo em uma velocidade assustadora e onde
quase toda a população tem acesso aos costumes e idéias das mais diversas culturas, as
crianças e a infância continuam sendo percebidas de formas diferentes. Ainda não chegaram a
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um consenso, a uma unicidade no que se refere a esses conceitos e certamente essa unidade
não é necessária. É certo que muita coisa mudou ao longo dos anos e que hoje a criança
desempenha um papel fundamental na maioria das sociedades, mas ainda assim, cada
sociedade, dentro de seu tempo, tem sua própria maneira de se relacionar com elas.
OBSERVAÇÃO DIAGNÓSTICA DA INSTITUIÇÃO ALVO
Tendo em vista as concepções observadas durante o estudo teórico, partimos para a
observação da organização dos espaços dedicados à criança em uma Instituição de Educação
Infantil para investigar como esta Instituição concebe a criança e seu papel na sociedade.
A Instituição de Educação Infantil alvo da pesquisa, encontra-se localizada no bairro
Morro Branco, Natal/RN. São 27 anos de existência, sendo esta instituição privada, que atende
crianças das classes média e alta da cidade. O contato com este espaço ocorreu no dia 06 de
maio de 2010 às 07h30min e terminou às 11h30min.
O quadro gestor da instituição constitui-se em: uma Diretora; uma Coordenadora; e
uma Consultora e Acessora Pedagógica. Além da equipe Pedagógica, a escola conta com
mais 71 funcionários, assim distribuídos: 04 porteiros, 02 secretárias, 03 cozinheiras, 01
nutricionista, 02 auxiliares de serviçoes gerais, 02 digitadores, 24 professoras, 28 professoras-
auxiliares, 01 professor de Música, 01 professor de Educação Física, 01 professor de Natação,
01 professor de Capoeira, 01 professor de Judô, 01 professora de Ballet.
A escola possui 26 turmas distribuídas conforme a tabela abaixo:
TURMA QUANTIDADE
Berçário 02
Nível I 02
Nível II 04
Nível III 02
Nível IV 02
Nível V 02
1º Ano 02
2º Ano 02
3º Ano 02
4º Ano 02
5º Ano 02
Semi-internato 02
Cada turma da Educação Infantil (Níveis I ao V) conta com cerca de 13 a 20 alunos,
variando a quantidade de acordo com o tamanho das salas e o número de professores e
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professores-auxiliares, tentando proporcionar aos alunos um ambiente espaçoso, que permita
às crianças se movimentarem na sala de aula. A escola também conta com 03 crianças com
necessidades especiais, sendo 01 com Síndrome de Down e 02 com Deficiência Mental.
Apesar de a escola não contar com nenhuma criança cadeirante, os ambientes da escola são
bastante acessíveis, com rampas e banheiro adaptado.
Todas as professoras da Educação Infantil são formadas em Pedagogia, tendo
algumas delas especialização em Psicopedagogia. Todas as professoras-auxiliares estão em
formação, cursando Pedagogia em diversas instituições, inclusive na UFRN.
Quando consultada a respeito do Projeto Político Pedagógico da escola (PPP), a
diretora que nos atendeu disse-nos que havia tal Projeto na instituição, mas que estava em
processo de reelaboração. Segundo a diretora, o PPP está sempre passando por mudanças, à
medida que a experiência do dia-a-dia mostra novas realidades e aponta para mudanças
importantes. Algumas informações concernentes à Proposta Pedagógica da escola foram
conseguidas através do site da instituição.
Em sua Proposta Pedagógica, a escola procura
pensar a criança com seus processos singulares, presentes em diferentes
culturas e contextos sociais, suas capacidades físicas, cognitivas, éticas e
emocionais, proporcionando-lhe um ambiente rico em interações e situações
de desafios e aprendizagem, no qual ela amplia gradativamente a
compreensão acerca de si mesma e do mundo. São estes os aspectos
priorizados na nossa ação pedagógica. O Balãozinho Mágico compreende o
aluno como um ser ativo na construção de sua aprendizagem, interagindo
com seus parceiros, com professores capacitados e habilitados para
promover intervenções em um ambiente de aprendizagem rico e motivador,
permitindo ao aluno a vivencia de experiências que ampliem a descoberta do
prazer de aprender a conhecer, a fazer, a ser e a viver juntos (PROPOSTA
PEDAGÓGICA).
Dentro especificamente da Educação Infantil, a instituição acredita que
educar, cuidar e brincar fazem parte da filosofia que articula o currículo da
Educação Infantil. Considerando o compromisso com a qualidade, e uma
prática educativa voltada para a formação do aluno com um ser ativo no
processo de aprendizagem, a Educação Infantil é formada de crianças
agrupadas em cinco níveis por idade aproximada” (PROPOSTA
PEDAGÓGICA).
Buscando integrar a familia às atividades escolares, a coordenação utiliza-se de
reuniões bimestrais e semestrais com os pais. Ao final de cada bimestre há um plantão
pedagógico em que os pais primeiramente recebem as atividades produzidas pelas crianças e
posteriormente comentam com as professoras os avanços e as possíveis deficiências de seus
filhos. Semestralmente há uma reunião em conjunto entre os pais e a Assessora Pedagógica e
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uma conversa individual com a professora. Em caso de avisos ao longo dos bimestres, a
agenda escolar é o maior veículo de comunicação entre a escola e a família.
Quanto aos ambientes da escola, a mesma conta com 19 salas de aula, 06 banheiros
(sendo 05 destinados aos alunos e 01 aos funcionários da Instituição), 02 copas, 01 refeitório,
01 sala para a Secretaria, 01 sala para a Diretoria, 01 sala para a Coordenação, 01 sala de
informática, 01 sala de vídeo, 01 quadra, 01 pátio (com parquinho), 01 piscina, 01 parque
interno, 01 recepção.
Quanto aos materiais e equipamentos disponíveis, existem 02 televisores (um para a
sala de vídeo e um para o semi-internato), 01 DVD, 05 rádios portáteis, 01 mesa de som, 01
caixa de som, 01 projetor multimídia e 10 computadores (06 na sala de informática e 04 para o
funcionamento interno). Além desses equipamentos, há uma grande quantidade de materiais
para que professores e alunos possam utilizar em sala de aula durante o desenvolvimento das
atividades.
A turma escolhida como alvo da observação é do Nível II, composta de 13 alunos, onde
o mais novo tem 1 ano e 6 meses e o mais velho tem 2 anos e 3 meses, uma professora
especialista em Psicopedagogia e uma professora-auxiliar cursando o 6º período do curso de
Pedagogia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Observamos que o tamanho da sala é proporcional ao número de alunos e o espaço é
bem amplo e limpo. As paredes da sala são bem pintadas e não há sinal de rachaduras ou
mofo. Na sala há um armário onde são guardados os materiais para utilização durante as
atividades, bem como materiais de uso pessoal dos alunos (necessaires individuais contendo
materiais de higiene pessoal). Além desses materiais, o armário comporta também os materiais
utilizados pelas professoras e diversas pastas onde são armazenadas as atividades produzidas
pelas crianças. Além do armário, existe também uma mesa coletiva onde as crianças lancham
e fazem as atividades solicitadas. Há também na sala um espaço destinado à rodinha, onde as
crianças fazem atividades coletivas de movimentação do corpo e brincam. Neste espaço,
existem várias almofadas espalhadas pelo chão. As paredes da sala são decoradas com
motivos infantis (crianças brincando) e com os próprios trabalhos dos alunos, que são sempre
expostos. Os brinquedos ficam em prateleiras na parede da sala, para que possam ser
utilizados nos momentos destinados à brincadeira. A sala é bastante iluminada e arejada (com
vetiladores).
A rotina da sala é assim organizada:
Momento do Parque (logo quando as crianças chegam na escola, às 07h30, podendo ser
realizado na quadra em dias de chuva);
Momento da água (quando as crianças terminam de brincar, bebem água pra poder voltar
pra sala);
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Atividade coletiva (onde a professora introduz sempre algum aspecto que ela quer que
seja trabalhado durante o dia, de forma coletiva e dinâmica, geralmente priorizando o
desenvolvimento das capacidades motoras das crianças);
Momento do Banho;
Momento do Lanche;
Momento da Higienização (lavar as mãos, escovar os dentos, lavar o rosto);
Atividade individual (onde a professora trabalha individualmente com as crianças algum
aspecto importante para seu desenvolvimento cognitivo);
Brincar (depois das atividades individuais, as crianças são liberadas para brincarem na
sala de aula, até que seus pais cheguem para buscá-los, às 11h). Na sexta-feira este
momento é transferido para a sala de vídeo, e as crianças assistem DVD’s.
Como é oferecida a opção do semi-internato (que se estende das 7h às 16h), as
crianças das turmas que ficam a manhã e a tarde na instituição, tem uma rotina diferente. Não
foi o caso da turma que observamos, mas no caso das turmas do semi-internato, as crianças
após o período da brincadeira almoçam, são higienizadas e levadas ao dormitório. Quando
acordam, realizam algumas atividades, e brincam novamente até os pais chegarem.
A professora nos informou que a rotina é praticamente a mesma todos os dias, mas
que pode variar de acordo com alguns fatores. Quando julga necessário, a professora
incorpora outras atividades na rotina, ou substitui atividades. Em dias próximos à datas que a
escola comemora, a rotina também muda um pouco, para que as crianças realizem atividades
específicas, como por exemplo no Dia das Mães, Dia dos Pais, Festas Juninas e Natal.
Durante a manhã em que lá estivemos, percebemos que a relação entre as crianças e
as professoras era muito era afetiva. As professoras são muito atenciosas e procuravam o
tempo todo incentivar as crianças a desenvolverem o que lhes era proposto. A relação
cuidar/educar estava muito presente naquele ambiente. A própria rotina da sala evidencia esta
preocupação, quando estabelece momentos específicos para o cuidado com as crianças. Além
desses momentos específicos, em todo o tempo em que estivemos presentes na sala, as
professoras demonstraram carinho pelas crianças, colocando-as no colo quando choravam, e
quando as crianças faziam algo “errado” eram “corrigidas” de modo muito afetuoso, sem
gritarias. Era sempre exposto o porque da repreensão e explicado como deveriam agir.
RELATO DOCENTE
A professora da sala observada é formada em Pedagogia pela Universidade Federal do
Rio Grande do Norte e especialista em Psicopedagogia. Atua na Educação Infantil há 10 anos
e na instituição a 6 anos.
Durante a entrevista, ela nos relatou que durante todo o tempo em que trabalha nesta
instituição, sempre achou a gestão muito centralizada. Segundo suas palavras, “a diretora é
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muito autoritária e não aceita que seja implementado na escola um regime de gestão
descentralizado e democrático”. A professora encontra diversas dificuldades ao tentar
desenvolver alguma atividade que fuja da rotina, pois a diretora muitas vezes não aprova.
Durante as reuniões pedagógicas, é consenso geral entre as professoras que há certa
dificuldade em colocar suas opiniões. Apesar de a escola contar com uma infra-estrutura
excelente, e disponibilizar materiais em grande quantidade para que as professoras
desenvolvam suas atividades com as crianças, a questão da gestão tem incomodado a muitos
na escola.
Quando perguntada sobre sua opinião a respeito da turma pela qual é responsável, a
professora se mostrou muito empolgada. Disse-nos que tem percebido muitos avanços em
todas as crianças. Algumas têm um pouco mais de dificuldade em alguns aspectos, mas essas
dificuldades tem sido vencidas a cada dia, causando uma sensação de alegria na professora,
que diz: “quando vejo uma criança avançando e vencendo suas próprias dificuldades, me sinto
feliz e realizada e vejo que foi pra isso que me tornei educadora”.
Quando questionada se gostaria de mudar algo em sua prática atual, ela respondeu
que procura sempre se renovar. Afirmou que busca se atualizar e melhorar sua prática docente
a cada dia, mas que não adianta somente o professor buscar melhorias se a direção da escola
não oferece o apoio necessário para que isso se concretize. As dificuldades com a gestão da
escola, mais uma vez aparecem no discurso da professora, que afirma que se pudesse mudar
algo na escola, seria a forma como ela é dirigida, demonstrando acreditar que uma gestão
menos centralizadora traria mais benefícios à escola e às próprias crianças. Inclusive, ela
critica a relação entre a escola e os pais das crianças, afirmando que acredita que “a escola
deveria aproximar mais os pais da rotina das crianças”.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante algum tempo a responsabilidade pela educação dedicada às crianças era
inteiramente da família ou de algum grupo social. Bujes (2001) afirma que
durante muito tempo a educação da criança foi considerada uma
responsabilidade das famílias ou do grupo social ao qual ela pertencia. Era
junto aos adultos e outras crianças com os quais convivia que a criança
aprendia a se tornar membro deste grupo, a participar das tradições que
eram importantes para ele e a dominar os conhecimentos que eram
necessários para a sua sobrevivência material e para enfrentar as exigências
da vida adulta (BUJES, p.13, 2001).
Na Idade Moderna, com a valorização da infância, a instituição familiar ganhou um
novo modo de viver, pois “a valorização da infância gerou maior união familiar, mais igualmente
meio de controle do desenvolvimento intelectual da criança e manipulação de suas emoções”
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(ZIBERMAM, p.15, 2003). Nesse contexto, ascende o valor da escola como meio de
manipulação do desenvolvimento intelectual das crianças. Sendo assim, vemos que a
Instituição de Educação Infantil é algo recente na educação dos “pequenos”.
Partindo desse fato histórico e cultural que é o surgimento da Instituição de Educação
Infantil como meio de desenvolvimento intelectual das crianças, a pesquisa investigou como
esta mantém as relações necessárias no cuidar e educar dos seus pequenos aprendizes. Para
isto utilizamos um dos documentos oficiais do Ministério da Educação – os Parâmetros
Nacionais de Qualidade para as Instituições de Educação Infantil, que percebe a criança como
um sujeito social e histórico, que é marcada pelo meio social em que está inserida, mas que
também contribui com ele (BRASIL, 2006).
Começando pela estrutura da sala de aula, os Parâmetros de Qualidade estabelecem
que “as crianças nunca ficam sozinhas, tendo sempre uma professora ou um professor de
Educação Infantil para cada grupo ou turma” (BRASIL, 2006). Dentro deste aspecto, percebe-
se que a instituição atende a um número de crianças de modo que a professora responsável
possa dar conta de cuidar de cada uma, sem que haja desmerecimento de nenhum presente
na sala, valorizando assim a função do cuidar que a criança merece. Assim, nota-se que a
escola respeita a concepção de que toda criança precisa de cuidado, visto que se trata de um
ser frágil e dependente do adulto, respeitando também as orientações dos Parâmetros, nunca
deixando as crianças sozinhas na sala.
A valorização da criança e deste período tão singular que é a infância pela instituição,
pode ser vista na rotina da escola, onde são apreciados o momento do parque, momento da
água, atividade coletiva, momento do banho, momento do lanche, momento da higienização,
atividade individual e o ato de brincar. Todos estes momentos atendem às orientações dos
Parâmetros de Qualidade que procura mostrar a importância de valorizar igualmente as
atividades de alimentação, leitura de histórias, troca de fraldas etc.
A instituição também segue os princípios estabelecidos pelos Parâmetros de
Qualidade, quanto ao item Proposta pedagógica das Instituições de Educação Infantil em que
se “contemplam os princípios éticos no que se refere à formação da criança para o exercício
progressivo da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum”
(BRASIL, 2006). A escola mantém essa proposta, visto que podemos observar a presença de
armários onde as crianças guardam seus pertences, desenvolvendo a autonomia e a
responsabilidade sobre seus próprios objetos.
Outro ponto extremamente relevante na instituição é o desenvolvimento de atividades
que promovam a movimentação das crianças, favorecendo o desenvolvimento motor e
psicológico. O ato do brincar é algo em destaque nas atividades em sala de aula, onde as
crianças dispõem de brinquedos da escola, valorizando o lúdico na construção de conflitos
entre o real e o ficcional. Assim, a criança é vista como um ser que tem o direito de brincar
como também o direito de participar ativamente na construção de sua aprendizagem. Percebe-
se que com essa postura a instituição valoriza os princípios estéticos, envolvendo a criatividade
e a ludicidade, também proposta pelos Parâmetros.
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Em contraposição aos aspectos expostos anteriormente, a instituição fica a desejar
quanto ao atendimento das orientações postas pelos Parâmetros de Qualidade no que diz
respeito à interação entre a Instituição de Educação Infantil e a família. Através da fala da
professora entrevistada percebemos que esta interação ainda não ocorre de maneira integral.
No período de acolhimento inicial, a presença dos pais não é permitida nas dependências da
instituição, sendo responsabilidade apenas dos professores propiciar a adaptação das
crianças.
Finalmente, percebemos que os diferentes aspectos presentes na instituição observada
obedecem em grande parte os Parâmetros Nacionais de Qualidade para as Instituições de
Educação Infantil, tendo em destaque a formação da criança como um ser social ativo e
presente na sociedade a qual ela faz parte. A criança é tida como um ser capaz, que tem suas
especificidades físicas e intelectuais e que precisa de cuidados. A instituição nesse sentido é o
espaço em que a criança recebe cuidados, como também é o lugar em que desafios para sua
vida ativa são proporcionados, possibilitando um ensino significativo, reflexivo e crítico para
essa faixa etária.
REFERÊNCIAS
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Guanabara, 1978.
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BUJES, Maria I. Edelweiss. Escola Infantil: pra que te quero? In.: GRAIDY, C. M; KAERCHER
SILVA, G. E. P. (Org.) Educação Infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed Editora,
2001.
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FRANCO, Márcia Elizabete Wilke. Compreendendo a Infância. A cumplicidade da escola com o
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ed. Porto Alegre: Editora Mediação, 2006. (Cadernos da Educação Infantil, v.11).
FREITAS, M. C. de. (Org.) História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997.
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STEARNS. Peter N. Introdução: A infância na história mundial. In.: ______ A infância. São
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ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. Ed. São Paulo: Global, 2003.