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Prefácio*
Neste trabalho sublinha-se a importância do estudo dos testemunhos de dois
cantadores e demais agentes da cena musical de Pernambuco1
em que se insere o Coco
de Roda para, posteriormente, compreender a dinâmica patente no processo
contemporâneo de industrialização musical e inserção deste gênero no mercado de
entretenimento nacional e internacional. Focaliza os problemas sócio-políticos e as
perspectivas adotadas por dois performers do Coco de Roda. Aborda igualmente os
agentes da indústria do entretenimento e da cultura, e o modo como apropriam e
reinterpretam o modelo tradicional de representação deste gênero transformando-o
numa expressão musical midiatizada. Examina a utilização do Coco como mecanismo
de articulação de identidade, forma de entretenimento e mobilidade social, tendo em
conta o processo de globalização em que o Coco está inserido. Analisa os intercâmbios,
conflitos, desencontros e desigualdades nas histórias de vida de Ana Lúcia Nunes da
Silva e Severino José da Silva – dois coquistas do bairro Olindense do Amaro Branco,
Estado de Pernambuco, Brasil.
Partindo da perspectiva de Nèstor Garcia Canclini enfocando o papel da cultura
na sociedade contemporânea (1997), foram cruzados depoimentos, testemunhos de vida,
bem como dados estatísticos a fim de compreender o processo de globalização do Coco
de Roda como parte de uma política transnacional de produção e consumo da cultura do
nordeste do Brasil. Tal método de aproximação fornece pistas sobre o modo como os
artistas e músicos locais interagem dentro do sistema cultural global.
Numa primeira parte, este estudo busca, nos capítulos 2 e 3, uma abordagem
centrada nas perspectivas simbólicas imaginadas do fazer do Coco de Roda segundo
testemunhos dos coquistas Ana Lúcia Nunes da Silva e Severino José da Silva.
Contemplando num primeiro momento o fazer do Coco em seus sentidos lato do
emocional, simbólico e técnico musical, trazendo a tona planos de relações hoje
presente nesta manifestação musicada. Este mecanismo de aproximação do fazer Coco
*
O presente estudo apresenta uso do português na grafia atual do Brasil.
1
Ver anexo, Pernambuco: perfil geográfico e demográfico
10
através das experiências de Ana Lúcia do Coco e Severino Pombo Roxo me possibilitou
edificar um percurso etnográfico de abordagem através da articulação dessa prática
segundo as memórias, problemas sociais de realização pessoal e planos de representação
política, social, econômica e cultural desta atividade expressiva. Os significados,
concepções, conflitos e aspirações vivenciadas no quotidiano destes coquistas
trouxeram a esta etnografia um conjunto de relações sociais e conexões trabalhistas
articuladas pelo coquista com outros agentes que atualmente interferem direta ou
indiretamente na realização simbólica, econômica e imaginada do Coco de Roda.
A transformação da música do Coco de Roda numa forma de se obter lucro
incide diretamente nos universos particulares de homens e mulheres que agora se vêem
envolvidos por uma nova maneira de conceber suas relações com o evento sonoro
tradicionalmente vinculado ao religioso e comemorativo. Esta nova inclinação na
vertente econômica da realização musical destes atores concorre a programas de
políticas culturais que mobilizam medidas estratégicas de incentivo a produção musical
de gêneros de identidade e tradição, tornando-os mais competitivos e preparados para
atuar no mercado interno e externo. Revelando que o processo reverte o padrão de
tradição a um formato flexível condizente ao mercado global de entretenimento.
Em sua segunda parte, este estudo busca uma abordagem que complemente o
testemunho dos coquistas e demais atores no campo da realização do Coco. Abordam
aspectos do desenvolvimento setorial da produção musical brasileira e suas implicações
no desempenho musical dos coquistas, enfatizando as ligações entre a produção musical
brasileira e o mercado internacional. Esta aproximação se fez necessária ante a
complexidade das conexões e interesses que, nas histórias de vida de cantadores de uma
tradição oral como Ana Lúcia Nunes da Silva e Severino José da Silva, representa o
campo dos negócios e a política cultural, os mecanismos de apropriação do Coco como
gênero mobilizador de uma fatia do mercado global de representações e os conflitos
advindos desse novo modo de conceber o Coco no cotidiano.
Neste sentido, busquei no capítulo 4 introduzir, com base nas narrativas e
dramas experimentados pelos coquistas e demais atores, uma abordagem do
desenvolvimento setorial da produção musical brasileira, e suas implicações no fazer
musical dos coquistas. Concluindo que a dinâmica de uma mercadorização do
11
conhecimento projeta uma redução deste na forma de sua representação simbólica
afetivo-volitiva e que as imagens de uma identidade cultural, fundada numa política de
resgate de tradições, em benefícios de interesses econômicos, podem corromper o
padrão de tradição dos coquistas quando estes se apropriam de perspectivas inerentes ao
formato de representação global.
O capítulo 5 busca revelar que, na cena musical em que atualmente se insere o
Coco, os modos de apropriação do conhecimento de tradição estão diretamente
relacionados aos modos como a imagem desse saber é apropriada como mecanismo de
inclusão no plano global de concepções. Observando que, o atual plano de relações do
coquista com a tradição tende à fragmentação e hibridismo em valores simbólicos
relativos a memória e identidade cultural, devido este processo de apropriação estar
motivado pelo desejo de ascensão, bem estar, entretenimento e inclusão social.
Concluindo que as dimensões econômica, política e social presentes no imaginário de
realizações (sonhos e fantasias) pessoais, nas histórias de vida de atores do Coco de
Roda em processo de globalização do seu saber, reverte-se num processo de
desencontros e conflitos no cotidiano dos coquistas.
12
CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO
O Coco de Roda é um gênero performativo específico ao Nordeste do Brasil,
que, alicerçado em paradigmas extra musicais, se configura por meio de complexa rede
de relações sociais. Cultivado desde o período colonial por negros – escravos e seus
descendentes –, como também por índios e grupos mestiços de classe pobre da periferia
dos centros urbanos, veio a ser classificado pelo folclorista Édison Carneiro (1982)
como uma variante do “samba de umbigada”, gênero representado em festas populares
nos Estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Ceará. Sob a designação
específica de Coco de Roda, representa hoje, no Estado de Pernambuco, uma
manifestação urbana veiculada através dos órgãos de comunicação de massas como uma
das marcas de referência da identidade local.
Sua origem é fonte de controvérsias que realçam a sua matriz africana,
identificada como “batuque”, ou remetem a sua gênese ao encontro entre as matrizes
culturais negras e ameríndias. Tal controvérsia repercute numa revisão da afirmação da
origem do Coco estar unicamente associada ao Quilombo dos Palmares2
, reduto de
negros escravos fugidos das senzalas de trabalho forçado no período colonial brasileiro.
Este local específico compõe uma área geográfica brasileira de grande valor histórico
que hoje faz parte do Município dos Palmares, localizado a 104 km de Recife, a capital
do Estado de Pernambuco e a 223 km de Maceió, capital de Alagoas, Estado vizinho.
O folclorista José Aloísio Vilela (1980), postula que essa manifestação popular
tivera sua origem e evolução na pratica da colheita do coco, com fins de suprir
necessidades alimentares, e que no processo de retirada das amêndoas configuraram-se
cantos de trabalhos acompanhados pela rítmica dos sucessivos golpes das pedras contra
os duros cascos dos cocos.
2
Quilombo. Termo que no Brasil designa o refúgio, abrigo, ou asilo de escravos fugidos. O Quilombo
dos Palmares era constituído de negros fugidos, os quais, no séc. XVII, se estabeleceram no interior de
Pernambuco, formando uma república. O termo Quilombo também é usado para designar o folguedo
praticado no interior do Estado de Alagoas durante o Natal (período de festas natalinas nos meses de
Dezembro e Janeiro), em que dois grupos numerosos, figurando negros fugidos e índios, vestidos a
caráter e armados de compridas espadas e terçados, lutam pela posse da rainha índia, acabando a função
pela derrota dos negros que são vendidos aos expectadores como escravos.
13
1.1. Estudos em torno do Coco
Existe pouca documentação em torno da cultura expressiva do Coco de Roda na
literatura brasileira. Os primeiros registros etnográficos deste gênero3
foram realizados
por Mário de Andrade, entre os anos de 1928 e 1929 (editados em 1962) quando
Andrade desenvolveu o primeiro estudo da história de vida de um coquista – Francisco
Antônio Moreira, o Chico Antônio – , no Município de Pedro Velho do Estado do Rio
Grande do Norte. Diversos estudiosos das manifestações populares no Nordeste do
Brasil empreenderam concisos registros etnográficos sobre o Coco de Roda como
fenômeno social e cultural, enquanto meio de construção da identidade local, regional e
nacional, tal como Ascenso Ferreira (1951), Leonardo Dantas (1962), Câmara Cascudo
(1962), Borba Filho (1966), Katarina Real (1967), Waldemar de Oliveira (1985) e
Roberto Benjamim (1989). Estes autores, entre outros, contribuíram com estudos do
cotidiano das populações do Nordeste brasileiro.
Abordagens mais significativas dessa prática expressiva apenas foram
desenvolvidas a partir da segunda metade do século XX, nos Estados de Alagoas (Vilela
1951), e Paraíba (Ayala 2000) que forneceram base comparativa que contribui para a
compreensão do Coco em Pernambuco.
No ano de 1951, o folclorista alagoano, Aloísio Vilela, publicou a primeira
edição de estudos sobre o Coco de Roda na cidade de Maceió, no Estado de Alagoas,
intitulado O Coco de Alagoas: origem, evolução, dança e modalidades (reeditado em
1980). Este estudo procurou reunir vasta documentação e depoimentos de praticantes do
Coco, descrevendo o gênero como dança popular de provável origem negra, com
influência indígena, ou seja, uma expressão afro-indígena. Em 1961 Édison Carneiro no
seu estudo sobre “samba de umbigada”, classifica o Coco de Roda como uma variante
do samba. Wa Mukuna (1970) estuda a influência da música Bantu na música brasileira
e identifica dança similar de umbigada em terras do Congo. Marcus Ayala e Maria
Ignez Ayala organizaram o livro Cocos: Alegria e Devoção, uma densa pesquisa
interdisciplinar coletiva integrando estudos a partir das perspectivas das Letras, Ciências
Sociais e Artes, desenvolvida entre 1992 e 1999, acerca de 170 coquistas (cantores,
3
Andrade, Mário de. (1984). Os Cocos. São Paulo, Fundação Nacional Pró/Memória.
em notas de Oneyda Alvarenga.
14
dançarinos e músicos) em doze cidades do Estado da Paraíba. Ignez Ayala observa: “...
os cocos não constam com estudos recentes rigorosos e sistemáticos que permitam
analisar sua diversidade. Por causa das diferenças ocultadas sob essa designação, parece
mais apropriado atribuir-lhes um tratamento plural, equivalendo a dizer que sob o
mesmo nome podem se revelar mais do que múltiplas formas de uma única
manifestação cultural; podem se apresentar diferentes práticas poéticas de mais de um
sistema literário.” (2000:231).
Desde 2001 Carlos Sandroni vem desenvolvendo estudos das práticas musicais
populares de Pernambuco, incluindo o Coco. Rosa Sobrinho (2001) cataloga o Coco
em Olinda na sua Monografia do Curso de Especialização em Etnomusicologia,
realizado na Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação do Doutor Carlos
Sandroni. Oliveira (2001) foca, sobretudo a percussão de origem negro-africana
presente no âmbito do Coco.
Em 2002, Asa Veghed, em monografia para obtenção do grau de especialização
em etnomusicologia, sob orientação do Doutor Carlos Sandroni na Universidade
Federal de Pernambuco estuda o ‘coquista’ Severino José da Silva, em registro de dados
do Coco como produto de consumo vinculado ao movimento Mangue Beat. Galinsky
(2002: 228) aborda o mangue beat e sua possível relação com o Coco, e analisa
exemplos de hibridismo e fusão como uma das tendências da cultura pop globalizada do
Brasil, nos últimos trinta anos. Analisa igualmente a nova cena nacional e do nordeste
do Brasil, incorporando debates recentes sobre pós-modernidade, globalização.
Em seu estudo sobre o cantador Francisco Antônio Moreira, o Chico Antônio4
,
Gilmara Benevides Costa (2004) descreve o modo como a produção literária e musical
de um ator da cultura de identificação popular é apropriada por intelectuais e produtores
culturais locais como representação de uma memória nacional, revelando um plano de
relações entre artistas populares e os intermediários culturais.
A pouca documentação etnográfica e a emergente inclusão de atividades e
artistas de origem popular no mercado fonográfico torna pertinente uma aproximação
4
Primeiro cantador de Coco a ter sua historia de vida etnografada. C.f. p.13
15
etnográfica ao Coco de Roda, que virá a preencher lacuna nos estudos em torno dessa
cultura expressiva no Brasil.
1.2. Objetivo e Problemática
O objetivo desta dissertação de Mestrado é elaborar uma etnografia do Coco
de Roda no início do século XXI (2000-2006), com ênfase nas suas componentes
simbólica e econômica. Como estratégia de investigação, busquei seguir as pistas
ditadas pelas relações articuladas pelos atores dessa prática expressiva – os ‘coquistas’ –
, com os agentes da política cultural que dinamizam o turismo e a indústria audiovisual,
e verificar as estratégias de ascensão social dos coquistas, ante o modelo de reprodução
de uma estratificação de classe.
Foram estudados alguns dos meios da produção simbólica como reflexo dos
mecanismos de inserção de um artista popular no processo de midiatização globalizada.
Este processo implica na transformação de uma prática que, desde registros dos anos 20
até fins dos anos 80, estava inserida numa dimensão micro-familiar e local, e que
atualmente, após sua apropriação pela indústria cultural em discurso e uso de elementos
da tradição de identidade local em convergência a tendências do mercado global5
, se
projeta como meio de construção de uma identidade imaginada pernambucana,
nordestina, e brasileira.
Este estudo focaliza o fenômeno do Coco de Roda em processo de
midiatização, articulado por aspirações de ascensão social, produção e consumo
cultural, utilizando como principais métodos a história de vida e a etnografia da
performance. Procurei valorizar não só a versão oficial das políticas culturais e sociais,
5
Este processo que acarretou uma mobilidade de idéias e de valores sociais na arte local de Pernambuco
teve sua ebulição logo após a inclusão no mercado discográfico brasileiro, nos anos 90, de composições e
arranjos musicais produzidos no âmbito do Movimento Mangue Beat – movimento intelectual de
expressões conectadas à produção musical local – . José Machado Pais (2004:12) identificou o Mangue
Beat como termo conceptual às idéias de se produzir artisticamente uma interface do passado com o
presente. Desde então o Coco passou a ser uma das ferramentas dinamizadoras do pop-rock, no cenário
musical brasileiro e na world music, no cenário internacional, através da inclusão de elementos musicais
tradicionais na composição, arranjo e performance. Esta tendência teve sua principal alavanca quando a
crítica musical e as principais editoras do país convergiram em reconhecimento da popularidade dessa
expressão musical junto da parcela jovem e intelectual das zonas urbanas, do Nordeste e Sudeste do país.
O que veio a permitir que artistas populares ligados ao Coco concorressem aos fins e interesses da
indústria fonográfica e de entretenimento no mercado nacional e internacional.
16
das finanças e dos meios de comunicação globalizados, mas também a versão não-
oficial local, num confronto das relações entre as perspectivas dos artistas, dos
participantes no Coco, dos políticos culturais e dos agentes da indústria..
A valorização das perspectivas dos estudiosos acima mencionados e as dos
‘coquistas’, estabelecidas por uma aproximação com as expectativas que giram em
torno das relações e interesses da classe dos atores desta tradição, permitiu uma
compreensão das tendências e do impacte sofrido no ‘fazer do Coco de Roda’ após sua
adoção pelo mercado de comunicação de massas. Desta forma, este estudo buscou
analisar as mudanças nos imaginários dos “artistas populares”, as relações (simbólicas,
de gênero, e de classe) estabelecidas entre os artistas e a prática midiatizada, tendo em
conta as ideologias e o impacte dos processos migratórios, comercial, midiático e
tecnológico aos níveis local, regional e global. Deste modo procurei compreender o
modo como os diferentes atores envolvidos no Coco de Roda e no processo de sua
midiatização contribuem para o processo de construção da identidade cultural
imaginada de Pernambuco.
A partir da perspectiva acima delineada, busquei abordar as seguintes
questões:
• Qual o contexto de realização de um Coco de Roda como fenômeno artístico e
social no início do século XXI?
• Como os coquistas e agentes da política cultural concebem o Coco de Roda nas
dimensões simbólica e econômica?
• Quais as expectativas, aspirações e conflitos experimentados pelos coquistas em seu
processo de inclusão no mercado da música?
• Quais as concepções que os coquistas têm da dinâmica de mudança nas suas vidas e
no processo de criação e performance, nas relações sociais, no contexto de
realização, nos significados e valores simbólicos, após sua inclusão na indústria
cultural? O que motiva seu ingresso no mercado de espetáculo e discográfico? O
que o motiva perseverar na manutenção da tradição?
• Como os coquistas renegociam os paradigmas do passado frente aos novos critérios
de representação necessários a sua inclusão no mercado musical globalizado?
17
• Qual o critério utilizado pelos agentes da política cultural na seleção, apropriação e
construção do novo perfil de representação do Coco enquanto gênero musical de
consumo?
• Quem é que os agentes do mercado discográfico (como no caso pernambucano e o
francês) elege como representante de uma produção legítima de identidade cultural e
tradição popular? ?
• Qual é o impacte a nível local de integração das representações do Coco de Roda no
mercado World Music?
1.3. Enquadramento Teórico
Guiado sob a óptica multidisciplinar que caracteriza a atual etnomusicologia, o
presente projeto buscou uma apreciação distinta para cada modo específico de conceber
as relações patentes no Coco de Roda em processo de midiatização.
Optei por uma abordagem de cunho “sócio-semiótico” (Canclini 1997: 61-62) para
o estudo da cultura de produção, circulação e consumo, com fins de mostrar a cultura
como processo no qual os significados podem variar, numa perspectiva comparativa
entre indivíduos de uma sociedade, e entre modelos de sociedade. O objetivo é verificar
se existe no imaginário desses atores sociais alguns dualismos entre o econômico e o
simbólico, e entre o individual e o coletivo .
Porém o problema do “sentido aberto da globalização” (Canclini 1997; Mato
1996, e Passeron 1991 in Canclini 1997) integra nesta apreciação as questões culturais e
políticas que engendram concepções construídas no imaginário, sobretudo a respeito das
relações e conexões entre culturas. Nesta acepção, o Coco, enquanto conhecimento e
atividade de classe, grupo racial e espaço geográfico específico, quando deslocado de
seu ambiente de ocorrência, para os planos do regional, nacional e internacional, vem a
ser associado, entre outras concepções imaginadas, a uma arte a ser preservada, a um
discurso político e ideológico, como também ao lazer e entretenimento na crescente
economia industrializada de cultura. Tal estágio de apropriações de um fazer cultural
18
como produto da teia global de perspectivas incide na multiplicidade de imagens,
interesses e concepções engendradas a partir deste fazer.
Segundo Canclini (1997: 61-62) tal apreciação solicita uma abordagem teórica,
conforme propõem Arjun Appadurai (1996) e Frederic Jamerson (1993), considerando a
cultura como uma dimensão expressiva que emerge, ao menos, a partir da relação de
dois grupos, como veículo através do qual esta relação é formalizada subjetivamente e,
única e especificamente num plano do imaginário intercultural, e não no suplemento
que cada cultura possa representar isoladamente dessa relação social de carácter
intercultural. Aqui o que se evidencia é o imaginário articulado especificamente no
momento do cruzamento intercultural.
Tal abordagem torna pertinente verificarmos que o Coco, no universo de seus
artistas não é o mesmo articulado fora de seu contexto original, pois a performance
estandardizada pela indústria do entretenimento necessita de um formato regular e
estereotipado que possa ser etiquetado como categoria de consumo no imaginário
intercultural. Este deslocamento no espaço e no tempo de percepção e realização
permite que o Coco articulado pelo cantador seja percebido e apropriado pelo seu
receptor no conflituoso cruzamento temporal e espacial de concepções entre a função
social, o valor emotivo, e a idéia de entretenimento.
A concepção de perspectivas imaginadas relacionadas ao fazer musical do Coco de
Roda é neste trabalho utilizada, segundo Canclini (1997), na apreciação dos distintos
modos com os quais ‘coquistas’, e os diversos atores com os quais estes se relacionam,
abstraem seu particular percurso no processo de globalização do fazer do Coco de Roda.
Pois cada ator guarda uma particular impressão valorativa dos ganhos e percas
necessárias e toleráveis na conquista de espaços e realizações. Isto se dá através de uma
avaliação pessoal dos riscos postos em jogo quando estes atores se lançam no projeto de
mudança de suas perspectivas de vida. Estas perspectivas representam um imaginário de
concepções que se realizam no plano simbólico antes do plano material da vida social.
Gravar um CD, possuir um empresário ou tocar em público com cachê, pode representar
relativamente um grau de fama e riqueza, segundo suas referências pessoais de sucesso
e fracasso. Sob este ponto de vista, o conceito de realização profissional, pessoal e
social pode variar de ‘coquista’ para ‘coquista’, conforme seu grupo social de relações.
19
Desta forma, este estudo realizado em torno das experiências, aspirações e
expectativas dos coquistas Ana Lucia e Severino Pombo Roxo, foi guiado por discursos
e perspectivas6
relativas à problemática do prazer, da escolha e da realização pessoal – a
nível profissional, de classe, de geração e de gênero –, ao sugerir que as mudanças que
emergem do processo de midiatização de suas criações musicais tenham reflexos na
prática musical, na prática doméstica, referências tradicionais do cotidiano, e no
processo de transmissão oral, na medida em que o indivíduo incorpora a inovação
tecnológica em padrões de vida. Anthony Giddens (1992) postula que estas mudanças
sejam elaboradas por referência interna – reflexiva –, e não só externa dos atores sociais.
Por sua vez, Tomlinson7
(1990) e Putman (1994) afirmam que o consumo deixa de ser
exclusivamente motivado pela busca de um bem-estar, para assumir uma materialização
de uma esfera das aspirações sociais.
O cruzamento das concepções dos planos simbólico e artístico que se apresentaram
reflexivamente nas motivações de Ana Lúcia e Pombo Roxo, me fez perceber que entre
coquistas detentores de uma tradição herdada pela oralidade, a música é usada como
instrumento simbólico de interação social que a remete para além de um sentido
puramente artístico que o Coco em suas características musicais possa revelar. Esta
observação trouxe a este trabalho a necessidade de uma abordagem que, indutivamente
às questões e perspectivas concebidas por estes atores, a partir do conceito local de
desempenho musical ‘legítimo’ de um coquista (pela tradição), possa dar conta do
processo de midiatização que induz a incorporação de novos padrões sociais de vida,
motivando a mudança das aspirações e métodos de desempenho musical no Coco de
Roda.
Esta perspectiva de aproximação me fez considerar que a questão que se torna
evidente no ato e aptidão de representar o Coco está na noção de competência e
6
O discurso in loco constituiu-se como método principal de aproximação e comparação das perspectivas
imaginadas e representações articuladas nas relações implementadas pelos coquistas no processo de
mercantilização do Coco de roda, e suas experiências de vida.
7
estas afirmações de Tomlinson (1990) constam em Alison J. Clarke (2001), The Aesthetics of Social
Aspirations”, in Miller, D. ed., Home Possessions. Material Culture Behind Closed Doors, Oxford, Berg.
20
desempenho ideal adotada, prioritariamente, pela classe de coquistas ou, a seu turno,
pela classe de agentes culturais, visto que a classe de aficionados, de certa forma, está
diretamente vinculada às perspectivas dos coquistas (quando esta categoria do público
guarda vínculos com os coquistas), ou às perspectivas dos agentes culturais (quando o
público concebe o Coco por veículos midiáticos). Neste sentido, escolhi considerar, em
identificação aos critérios de desempenho musical presentes neste processo de mediação
do Coco de Roda, as concepções postuladas por Lev Semenovich Vygotsky (1993) e
John Blacking (1987).
Em seu estudo dos mecanismos do pensamento humano e conseqüente uso de
linguagens em contexto social, Vygotsky identifica que a linguagem (música) somente é
codificada numa ação comunicativa (canto ↔ audição) após o pensamento (poder de
formalizar concepções e interpretação) elaborar juízo e conceitos das coisas (processo
de mediação interpretativa). Em sua análise do pensamento verbalizado pela ação em
contexto social, Vygotsky conclui que “(...) O pensamento propriamente dito é gerado
pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções.
Por trás de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva, que traz em si a
resposta ao último “por que” de nossa análise do pensamento. Uma compreensão
plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendermos sua
base afetivo-volitiva.” (1993:129).
Neste sentido, as experiências e aspirações que emergem de contextos sociais são
codificadas na produção cultural, o que condiciona o coquista, na qualidade de ator
(cantador e interprete de Coco), a transformar os fatos e objetos (físicos, simbólicos e
imaginados) que são representados sobre estes planos de relações, tais como se lhe
apresentam à vista, em significados específicos para cada contexto situacional.
Na presente abordagem etnomusicológica, estes significados (das impressões e
experiências que emergem do contexto de um Coco de Roda) se apresentam
reflexivamente em padrões de performance musical, resultantes das convergências e
divergências de perspectivas suscitadas e sublimadas pelas aspirações, realizações,
conflitos e decepções advindas das relações sociais. Deste modo, a criação musical, na
qualidade de linguagem (produção cultural), somente é materializada na forma de um
desempenho de performance musical (produto cultural) após a mediação das
21
experiências adquiridas no passado (que passam a compor o extrato estrutural das
convenções culturais) com as condições motivacionais paralelas às convenções
estabelecidas (estas condições motivacionais paralelas emergem dos contextos de
realização). Desta forma, conforme propõe Vygotsky (1993129), o pensamento musical
tem que passar primeiro pela elaboração dos significados (competência) e depois pela
produção cultural (Desempenho musical)(c.f. graf. 1).
Gráfico 1 – Modelo de Vigotsky (1993) aplicado ao processo
de desempenho de performance musical do coquista.
Para John Blacking (1987) a música é uma linguagem expressiva, marcada por um
poder comunicativo. Em sua proposição ele observa que o uso da música como
instrumento simbólico e interativo em contexto social é mais importante que as suas
características musicais. E conclui,8
“o poder comunicativo da música numa sociedade
depende da forma como ela é usada para mediar as convenções culturais e a liberdade
individual e do modo como a intensa criação pessoal se pode transformar numa
propriedade pública”(Blacking 1987:34) (cf. Graf.2).
8
Segundo tradução de Sardo (2004:19),
Experiências Passadas:
Extrato das Convenções Culturais
Mediação de
experiências
Motivos Contextuais:
Relações Sociais, aspirações,
expectativas, esperanças,
Performance musical Produção Cultural
• Desempenho Musical
Construção de Significados:
• Reflexividade
• Codificação de conceitos
• Poder de Interpretação
Pensamento Musical:
• Experiências Musicais
• Motivos contextuais
22
Gráfico 2 – Modelo de articulação do desempenho musical proposto por Blacking (1987)
Esta assertiva traz a possibilidade de compreender que essa perspectiva de
Blacking vai além de um domínio da codificação estritamente musical, referindo-se,
primordialmente, ao domínio simbólico das significações musicais, que Blacking
identifica como o poder comunicativo que a música pode assumir numa sociedade ou
comunidade cultural imaginada. Pois, segundo afirma Sardo, “desde que se verifique
alguma compatibilidade entre os códigos musicais e culturais de quem compõe
(individual) e os códigos musicais e culturais de quem recebe (coletivo) existem
condições para que as criações individuais se transformem num patrimônio coletivo”
(Sardo 2004:19).
Quando Blacking (1987:34) observa que a criação e a motivação musical estão
num plano pessoal e individual de relação para cada ator social, apesar das convenções
culturais desenvolverem o sentimento e a habilidade musical para a comunicação com o
‘outro’ num plano coletivo, entendo que a componente individual, que surge como
resultado da experimentação interpessoal de situações sociais e emocionais (Blacking
1987:32 in Sardo 2004:20), contempla um complexo de relações que se geram no
interior uma das outras, interagindo permanentemente e modificando-se conforme os
contextos e concepções culturais onde se inscrevem. Esta perspectiva de observação me
Mediados através
da música
... o Poder comunicativo da música
Componente Individual:Convenções culturais
23
faz conceber em Blacking que a motivação pessoal do coquista em seu processo de
criação também esta condicionada às experiências paralelas (novos contextos musicais e
extramusicais) que emergem dos contextos de realização do Coco de Roda (experiência
musical). Pois o coquista utiliza o conceito de Coco, formatado em sua memória
(convenções culturais), como recurso de solução a tais experiências paralelas (novos
contextos musicais e extramusicais) na ação da performance musical (desempenho
como coquista).
Desta forma, concebo como representação desse processo de criação do Coco de
Roda e concepção do desempenho de um coquista, por seus atores e agentes, a
identificação da componente “experiências paralelas” na proposta de John Blacking.
(C.f. graf. 3)
Gráfico 3 – Modelo de articulação do desempenho musical proposto por Blacking (1987) integrando
convenções do gênero e experiências paralelas.
Guiado pelo interesse de melhor compreender o processo de reconhecimento e
validação de um coquista pelo respectivo desempenho, busquei encontrar
conjuntamente nestes dois modelos teóricos uma equação que satisfaça as variáveis que
Processo de
Mediação
... o Poder comunicativo da música
Experiência musical:
• Convenções do género
Experiência paralela:
• Novas experiências
Componente Individual:
• Motivação Pessoal
Convenções culturais
24
emergem das relações entre as ‘convenções culturais’, as formas das experiências de
ordem ‘musical’ (convenções musicais do gênero que dialogam com o sistema de
convenções socioculturais em que se inscrevem, e as condições externas a estas
convenções musicais que emergem em novas experiências) ou ‘extramusical’, e a
‘componente individual’ (as motivações), que permitem a música do Coco ser entendida
como um fato social próprio do sistema sociocultural que o gera.
Assim, a partir da premissa de que o fazer do Coco de Roda não é gerado como
um fenômeno estático e desconectado das histórias de vida, considerei, quando em
análise destes modelos teóricos frente às condições de performance de coquistas por
mim verificada, que o coquista (em sua condição de representante “pleno” da arte de
conceber e fazer Coco de Roda) ao experimentar um contacto com novos contextos de
realizações do Coco (ambientes e motivações que de alguma forma revelarem um
deslocamento dos contextos tradicionais) poderá vir a construir novas relações com o
meio (evento musicado) e codificar novos significados (referências externas)
unicamente diante destas condições específicas de realização. Pois estas relações
possibilitam experiências promovidas por um dado contexto social e sua regularidade.
Identifico em análise a estas relações que tais referências externas (Vigotsky,1993:129)
construídas pela vivência musical (com a tradição ou processo de midiatização) estão
relacionadas às convenções culturais identificadas no modelo de Blacking (1987:34).
Neste sentido, percebo que, em suas relações com o meio, o coquista recorre
reflexivamente (pelo seu poder de escolha, análise e interpretação) às convenções
culturais, sempre que contextos de uma festa de Coco for por ele experimentado. Nesta
abordagem a reflexividade surge como a variável funcional do desempenho musical,
para toda relação cumulativa das convenções culturais e experiências musicais mediadas
ante as ‘experiências extramusicais ou musicais paralelas’ (aquelas que de alguma
forma representem para o coquista uma alteração das convenções culturais e paradigmas
musicais já estabelecidos em sua experiência com o Coco).
Neste plano de relações, proponho equação algébrica do desempenho musical
que possa vir a ser satisfeita por um ou mais conjuntos de valores variáveis. Em tal
equação compatível ao desempenho musical, as Convenções Culturais (CC), quando
resgatadas no plano cognitivo da Reflexividade (R), proporcionarão ao coquista a
25
realização do fenômeno Coco da forma como se estabelece o padrão de tradição
concebido. Nesta condição, o Desempenho Musical (Dmusical) se manifestará em sentido
diretamente proporcional às Convenções Culturais (CC), o que indica que o coquista
apresentará uma competência de desempenho compatível a uma vivência previamente
experimentada com o evento do Coco. Desta forma, a componente ‘tradição’,
identificada com as Convenções Culturais (CC), passa a configurar um dos critérios de
identificação da competência e desempenho de um coquista.
Enquanto que, quando o plano das Experiências Musicais (Expmusical) for articulado no
plano cognitivo da Reflexividade (R), o coquista poderá vir a apresentar uma variação
na qualidade de seu desempenho. Pois o plano das experiências, como espaço social,
vem a ser determinado pelo sistema sociocultural que o gera, ou seja, se sua experiência
musical com as convenções do gênero Coco for convergente às condições contextuais
de realização, o coquista apresentará um desempenho diretamente proporcional às
convenções de tradição desse gênero. Mas se as condições do contexto de realização do
Coco não forem convenientemente adequadas a sua experiência musical com este
gênero, o coquista poderá não apresentar um desempenho diretamente proporcional às
convenções de tradição do Coco de Roda.
Nesta perspectiva, estes planos de relação do coquista com as Convenções Culturais e
os possíveis contextos de realização, esta representada pela soma ou união das funções
algébricas (Dmusical = CC . R ) e (Dmusical = Expmusical : R) da equação:
Dmusical = CC . R Φ Expmusical : R
Onde:
Na função algébrica “Dmusical = CC . R” o símbolo “.” representa que da
relação de multiplicação entre as ‘convenções culturais’ (CC ) e o poder de
‘reflexividade’ (R) o ‘Desempenho Musical’ tende a se apresentar no sentido
diretamente proporcional às Convenções da Culturais : ↑CC → ↑ Dmusical;
o símbolo “Φ” (phi) representa a soma ou união de funções;
e na função algébrica “Dmusical = Expmusical : R” o símbolo “::::” representa a
possibilidade de duas (02) funções de multiplicação serem verificadas entre
Expmusicais e R:
26
1. A primeira, advém em resultado a convergências entre a
experiência musical com as exigências do contexto, que determinará através
do poder de reflexividade do coquista um ‘Desempenho Musical’
diretamente proporcional às convenções do gênero:
↑Expmusical → ↑ Dmusical
2. A segunda, advém da possibilidade do não cumprimento de
padrões musicais do Coco de Roda quando as exigências do contexto
alterarem este padrão ou representarem novas experiências musicais para o
coquista, o que determina um ‘Desempenho Musical’ variável entre a
convergência e a divergência de sua performance com as convenções do
gênero:
↑Expmusical → ↕ Dmusical
O que não implica que numa situação adversa de realização, o coquista perca
sua competência, pois identifico que apenas seu desempenho estará em
provação.
Ao tomar a reflexividade (R) como a componente variável principal das funções9
desta equação, observo que, por seu plano de ação se desenvolver no campo da
dimensão cognitiva da mediação de experiências (Vygotsky 1993:129), faz considerar o
potencial processo de inovação contido neste plano de codificação de novos conceitos,
por intermédio da construção de significados, o que implica dizer que, pelo atributo da
Reflexividade (R) é possível se estabelecer a ruptura das Convenções Culturais (CC).
Assim, este modelo também comporta a inovação e ruptura das convenções do gênero.
Para tanto, entendo a ‘reflexividade’ (R) como uma ação cognitiva relacionada ao
poder de interpretar, sublimar e racionalizar experiências vividas com base em
convenções adquiridas e exercitadas no meio social. Desta forma, o poder de
reflexividade de um coquista, pressupõe sua potencial competência de reproduzir ou
inovar significados.
Na minha análise do Coco tive em conta igualmente, Thomas Turino (1999),
quando este etnomusicólogo relaciona a música às emoções e à identidade com base no
principio de que a música é uma fonte crucial para a construção da identidade pessoal e
coletiva. Assim o mais relevante é a resposta social que os signos e suas significações
9
Dmusical = CC . R e Dmusical = Expmusical : R
27
gera, e isso se prende aos aspectos associados à identidade, à experiência e às emoções,
na medida em que tende a envolver a área dos sentimentos humanos. Turino permite
perceber em sua abordagem a concepção triádica dos signos – o signo, seu objeto e seu
interprete –, tal como foi defendida por Charles Pierce (2000) que identifica os três
elementos básicos presentes na ação sistemática dos signos e sistemas de significação
que cooperam no processo humano da mediação entre as convenções, as motivações e
as experiências. Essa abordagem revela que não são os múltiplos signos que permeiam
as experiências do indivíduo, que serão importantes para sua interação e integração num
contexto musical, mas só aqueles signos, dentre todos, que efetivamente produzam os
respectivos efeitos suscitados pelo contexto musical.
Nesta medida, a memória social passa a ter um papel relevante no estudo do
imaginário contido nos signos que se reproduzem nas práticas sociais como a festa (a
brincadeira do coco) ou outra comemoração cíclica, onde as comunidades celebram a
rememoração do passado com o propósito da manutenção das suas referências
identitárias.
Penso que nesse processo a comemoração periódica surge igualmente numa
renegociação dos paradigmas do passado, uma vez que silenciam certos aspectos
contraditórios desses dois momentos que se cruzam na memória social, pelos conflitos
advindos deles nas relações e funções sociais dos indivíduos no concurso de uma
identidade local coletiva.
A memória passa assim, a compor uma clara relação com a ideologia que domina a
concepção particular de escolha de cada grupo de signos associados ao contexto de
identidade abstraído por seus agentes. Dessa forma, a ideologia tanto é um agente
modelador da memória, como também, resultado da relação advinda de uma inter-
influencia entre elas (ideologia ↔ memória), da qual surgem novas dinâmicas que tende
a se reproduzir nas novas ou atuais práticas sociais.
"La gente utiliza la ideología para pensar y discutir sobre el mundo
social y, por su parte, la ideología determina a su vez la naturaleza
de tales argumentos y la forma retórica que adquieren".
[Billig, M., 1988 ]
28
Neste sentido, a psicóloga Maria Laura Telo (2003) propõe abordarmos, como
ponto de discussão, os aspectos da história que mudaram em função dessa ideologia, se
levarmos em conta que a formação da memória coletiva veiculada na história social de
um grupo advém da ideologia que a determinou, marcando um diferencial de identidade
local em função do ‘outro’. O que me fez procurar nas perspectivas de tradição e
modernidade abstraídas por Ana Lúcia do Coco e Severino Pombo Roxo, o que mudou,
ou o que continua nessa manifestação. Pois segundo Lev Vigotsky (1993), a
consciência que um ator social tem de si, do seu campo de ação, de suas ações e do seu
mundo de integração, provêem de um conjunto de capacidades cognitivas reflexivas,
compostas pela memória e o pensamento coletivo e funcional aos quais os signos são
estabelecidos socialmente.
A memória, que entre os anos 20 e 30, fora tomada como faculdade isolada de
um fenômeno individual e íntimo, veio, nos fins do século XX, a ser observada por
Halbwachs (1990) como fenômeno coletivo e social, e a ser estudada por Michel Pollak
(1992), “como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações,
transformações, e mudanças constantes” (Pollak 1992:201). A memória, assim
concebida, constitui-se o lugar da conexão entre o real e o simbólico, que se relaciona
com o sentimento de proximidade das variáveis envolvidas nas concepções vividas e
imaginadas. Pollak, sob esta abordagem, propõe a discussão da ligação entre identidade
histórica e memória coletiva.
Como encarar o passado em função do presente? E Como encarar o futuro em
função do presente? Questão ética e filosófica presente nos problemas que se
estabelecem em torno das múltiplas concepções, identificações, classificações e
apropriações da idéia de cultura e patrimônio, visto que a memória e a identidade,
conforme postula Pollak (1992:206), são fenômenos que não devem ser compreendidos
como essências de um indivíduo ou grupo particular, e que podem ser negociadas no
nível das relações sociais, pela ação do ‘outro’ no seu reconhecimento e validação, na
edificação de uma alteridade do fazedor e não do indivíduo potencial.
Ante a preocupação dessa complexa relação entre a memória e a identidade, Pollak
afirma:
29
“A construção da identidade é um fenômeno que se produz em
referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade,
de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio de
negociação directa com outros”
[Pollak 1992:206]
João de Jesus Paes Loureiros (2006)10
, toma em análise a cultura e o patrimônio
como níveis conceituais relacionados com a herança de um passado, e que devem ser
apreciados em três instâncias inter-relacionáveis dentro de uma dimensão temporal: o
passado, o presente e o futuro. Em sua articulação dessa relação, Paes Loureiro
referencia, no espaço temporal concebido pelo indivíduo, o tempo presente e suas
relações com o passado e o futuro:
“... constatamos o ‘tempo presente’, porque o vivemos. Constatamos
o ‘tempo passado’, pela memória. E constatamos o ‘tempo futuro’,
quando interpretamos e articulamos um tempo passado, presente pela
memória, em função do tempo presente, que vivenciamos.”
[Paes Loureiro, fevereiro de 2006]
O conceito de identidade e familiaridade do evento cultural, como o de expressão
musical, perpassa pelo plano da estratificação social, pela adoção no imaginário coletivo
da idéia da diferença, legitimidade, originalidade e autenticidade de gêneros, raça,
criatividade, musicalidade, formas e estilos, numa transformação de significados e
valores que, entre os coquistas e seus atuais contextos de relação, acentuam
descontinuidades como “desencaixes do tempo e espaço” (Giddens, 1992).
No que se refere aos processos de mundialização e globalização de concepções e
perspectivas Canclini (1999) observa que o contexto atual de homogeneização global é
mobilizado por múltiplos interesses privados de produção, circulação e consumo, e
muitas vezes sem um controle político dos Estados-Nação, o que faz Nestor Garcia
Canclini (ibidem) tomar a globalização, na definição de Daniel Mato (1996 in Canclini
10
João de Jesus Paes Loureiros professor da Universidade Federal do Pará, em seminário Cultura,
Patrimônio e Meio Ambiente, realizado em 21 de fevereiro de 2006, na Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
30
1997), como uma conseqüência de múltiplos movimentos, em parte contraditórios, com
resultados abertos, que não oferecem um conjunto coerente e consistente de paradigmas
para um estudo empírico e consciencioso a nível científico, econômico (Jean-Claude
Passeron 1991 in Canclini 1997) e político, que implicam diversas conexões “local-
global” e “local-local”. O que faz do personagem ativo da ação social em foco, o
coquista, uma variável de suma importância no estudo das relações, acordos e
interligações de livre comércio (Marc Abélès,1994-1996, in Canclini 1997) que
desencadeiam e/ou que são desencadeadas pela globalização a que estão submetidos ao
fazer musical na atualidade, como no caso específico do Coco de Roda.
Tomarei ainda como base teórica a tese de Krister Malm (1992-1993) sobre o papel
da mídia de massa na transformação dos valores de identidade e tradição, como também
os estudos sobre os desenvolvimentos tecnológicos, econômicos, organizacionais e
respectivos efeitos na vida musical local, global e glocal, implementados por Roger
Wallis e Malm (1993), como argumento de apreciação e análise do papel da identidade,
do poder e pertença presentes, coadjuvantes e conseqüentes da política cultural e
midiática das conexões globalizadas que constituem na atualidade a mobilidade social e
a manutenção das tradições.
1.4. Metodologia
Com base numa perspectiva indutiva, a presente dissertação utiliza uma
abordagem etnográfica do Coco de Roda, através de uma imersão direta no cotidiano
das comunidades de ‘coquistas’ do litoral pernambucano, que não se restringiu apenas
ao fenômeno sonoro, mas sim a todo um sistema de atividades musicais e extra
musicais. Conforme propõe Timothy Rice (2004:151-79), procurei focalizar as historias
de vida de Ana Lucia Nunes da Silva e Severino José da Silva, aprofundando o meu
conhecimento das relações sociais provindas dessa prática expressiva, num espaço
propicio a vivencia musical, sob três dimensões: tempo, espaço (local, nacional e
global) e o sentido contido no fazer musical.
A escolha destes artistas populares do bairro olindense do Amaro Branco foi
motivada por estarem reconhecidos, entre seus iguais, como “autênticos” atores desse
31
saber, ao mesmo tempo que estão contidos no grupo de artistas populares ainda em
processo de integração no universo comercial do Coco de Roda.
Os critérios utilizados na escolha destes atores teve como baliza questões de
gênero, classe social, estado de exclusão no cenário musical midiatizado, identidade,
processo de formação musical, ligações religiosas, e conflitos que emergem do processo
de industrialização da música (direitos autorais e concepções de performance).
Ana Lúcia Nunes da Silva, motivada por concepções religiosas e de relações
familiares possibilitou verificar os modos de relação que um coquista mantêm com a
memória de uma tradição oral, e o cruzamento destas com as imagens simbólicas no
decorrer de sua experiência, frente às novas concepções e contextos em que se insere o
Coco e seus praticantes..
Severino José da Silva, o Pombo Roxo, possibilita uma aproximação de uma
realidade econômica que se reproduz entre os artistas dessa classe desde os fins da
escravatura. Seu discurso revela problemas do cotidiano que justifica a adoção de
práticas e mecanismos de sobrevivência.
Juntos representam os demais atores deste folguedo que anima o Bairro
Olindense do Amaro Branco11
e os arredores das cidades de Olinda e Recife, e que
foram iniciados na arte de cantar e improvisar coco por coquistas que fizeram historia
nesta específica comunidade de atores de expressão popular do litoral pernambucano.
Evidenciam ainda as atuais aspirações de ascensão social que mobilizam toda uma
geração de coquistas e demais atores envolvidos no processo de midiatização,
promovido pela indústria discográfica e pelos meios de comunicacção de massas, numa
política cultural sensível às relações econômicas e financeiras, públicas e privadas, que
se estabelecem com o mercado turístico e cultural globalizado.
Seguindo a abordagem proposta por Néstor Garcia Canclini (1999), busquei
focalizar o processo de homogeneização do Coco de Roda em sua produção e consumo
frente as perspectivas dos coquistas Ana Lúcia e Pombo Roxo, e agentes articuladores
11
Amaro Branco. Bairro da Cidade de Olinda de ativa produção desse género específico, sobretudo pelo
número e expressiva qualidade de coquistas que ali se encontram.
32
de uma imagem de tradição e identidade pernambucana idealizada na performance do
Coco. Para tanto, procurei identificar as curvas de necessidades que mobilizam os atores
envolvidos no Coco de Roda (coquistas, músicos, agentes de política cultural, etc.), os
conflitos advindos no cruzamento de interesses e perspectivas e os métodos usados na
resolução das diferenças.
A elaboração de histórias de vida, possibilitou adotar uma abordagem específica
para cada caso e análise de conteúdo. Foram realizadas entrevistas não direcionadas em
que minha preocupação primeira foi interagir com o entrevistado, promovendo um
estímulo capaz de favorecer a espontânea retransmissão de suas experiências, conforme
propõem Daniel Bertaux (1997), Jean Poirier, Simone Clapier-Valladon e Paul Raybaut.
(1995). Neste processo participei, enquanto percussionista, como músico performer
junto às atividades artísticas destes atores, além de interagir com eles em seus processos
de articulação de inclusão no mercado de discos e políticas culturais, como estratégia
investigativa de melhor perceber a dinâmica em que estão inseridos, e as formas e
contextos de desempenho do Coco em seu processo de globalização.
Porém, com base na metodologia articulada por Canclini (1999), busquei na
construção e análise dos registros coletados no terreno, cruzar dados estatísticos, relatos
e imagens, em prol de comparar os distintos modos como se globalizam as perspectivas
dos atores desse fenômeno contemporâneo como reflexo de uma política transnacional
de produção e consumo, aos quais Ana Lúcia, Severino Pombo Roxo e outros coquistas,
juntamente a demais agentes sociais da política cultural, estão inseridos na atualidade.
Para tanto, procurei identificar na ótica de Ana Lucia Nunes da Silva e Severino
José da Silva, fatos e articulações que envolvem o Coco de Roda, tais como: contexto
social e de mercado, consciência e uso de artifícios de defesa e apropriação (manejos e
relações ambivalentes estratégicas) com produtores, empresários, instituições religiosas,
investigadores, mídia, músicos e demais atores concorrentes ou convergentes dessa
atividade expressiva.
33
1.5. Entre músico e etnógrafo
Meu interesse pelo estudo do Coco de Roda em Pernambuco surgiu do contacto
pessoal com coquistas, em meu cotidiano de educador musical e músico profissional,
principalmente quando na esfera dessa expressão de tradição artística popular.
As experiências quotidianas com o fenômeno sonoro que configuram a minha
história de vida levaram-me a escolher a música como mecanismo apropriado para
relação e compreensão do mundo. Esta escolha se deu pelo contacto com as expressões
populares desde a infância. Meus pais já demonstravam e rememoravam no cotidiano
do lar suas afinidades e intimidades com expressões musicais de tradição oral. Fazia
parte do meu cotidiano cantar um Baião, dançar Ciranda, batucar um Samba, ouvir
Coco e Embolada, acompanhar Caboclinhos em pleno carnaval, tocar Maracatu,
solfejar composições antológicas da tradição popular, ouvir diariamente gravações que
marcaram a história de uma identificação coletiva com o Estado de Pernambuco, e as
cidades de Recife e Olinda.
Entretanto, minha iniciação musical foi marcada por estereótipos que
relacionavam o fazer popular a condutas contrárias às normas sociais dominantes nas
classes de músicos profissionais. Relativamente esta categoria de qualificação ainda
pesa sobre artistas populares que desenvolvem atividades expressivas de tradição oral e
que hoje dinamizam a cena musical local da world music.
Em minha formação musical no Conservatório Pernambucano de Música, a
identidade da música dos descendentes de negros e índios sempre esteve reconhecida
pela sua estética e expressividade, porém fora pouco estimulada nos contextos artísticos
por não se contemplarem plenamente em sua forma os padrões estéticos e estilísticos da
cultura dominante. Cultura esta que instituiu um paradigma de formação musical
especializada que desvalorizava em seus iniciados toda experiência que não fosse a
formal e prescritiva. Fato que repercutia na vida artística de muitos estudantes, no
abandono ou afastamento das suas experiências de tradição oral frente a formal, ou na
reclusão dessas nos espaços e tempos próprios de períodos de realização de festividades
da igreja. Acredito ser este um ponto relevante a ser considerado quanto à formação das
34
perspectivas dos músicos no Brasil12
, por influir na sua articulação do desejável ante o
necessário e prático no cotidiano dos planos do produzir e apreciar música.
Ainda assim, gêneros como o Coco continuaram ativos em seus redutos de
tradição, através de eventos privados de festas familiares abertas ao público. A este
respeito, minha família guardava uma relação com o Coco e outros gêneros de tradição,
formando em minha imagem simbólica da tradição uma paisagem sonora de forte
relação com todas as formas de expressão da identidade negra, indígena, pernambucana
e brasileira. Como redutos de tradição, estes espaços faziam e ainda se fazem
pertinentes a um reencontro com a memória e o saber de tradição oral, visto que a
música popular oportuna ao músico profissional uma experiência que se reverte em
competência de desempenho satisfatório as necessidades de sua função. Este exercício
da memória também se fazia presente quando músicos profissionais se deparavam com
arranjos e composições antológicas destas tradições que identificam um caráter de
diversidade e multiculturalidade da tradição cultural pernambucana13
. Mesmo
qualificadas no senso comum como músicas estilizadas, estas criações e
instrumentações me estimulavam uma busca às origens e padrão de estética e estilos de
cada gênero, suscitando-me a rememorar e articular minhas experiências musicais com
o tradicional. Esta busca se fazia pela motivação de uma afinidade aos modelos
musicais e expressivos da minha região geográfica, pela importância deste
conhecimento para um instrumentista do naipe de percussão e pela necessidade de
racionalizar e interagir junto aos detentores deste saber (o Coco de Roda) no âmbito do
trabalho de terreno.
O Coco de Roda foi por mim redescoberto entre antigos costumes de familiares
que testemunharam e externaram suas experiências passadas em festas particulares e
12
A este respeito, Costa (1999:6) afirma que: “A valorização da herança cultural afro-brasileira ao longo
do século XX combinada com a exclusão social e econômica da população afro-descendente apresenta-se
como a característica mais marcante da discriminação racial no Brasil. Ao mesmo tempo em que a nação
de brancos, mestiços e negros celebra a cultura afro-brasileira como parte inseparável de seu patrimônio
cultural, a integração social e econômica da população afro-descendente se dá em condições
extremamente desvantajosa (...). Essa combinação particular de integração cultural e exclusão social
permitiu que, historicamente, se constituísse aquilo que ficou conhecido como o mito da democracia
racial, ou seja, a presença forte do racismo nas relações sociais e sua negação na auto-representação da
nação brasileira.”
13
Estes estilos de composições e arranjos figuram anualmente no panorama sonoro pernambucano
durante os Ciclos Carnavalesco, Junino e Natalino, mantendo vivo na memória colectiva o formato
estético de diversos géneros.
35
públicas de dança e cantoria, como também entre as oportunidades que tive de subir ao
palco com coquistas ou dividindo com estes seqüências de apresentações no mesmo
evento público, e ainda pela necessidade de estar atualizado frente aos meus alunos de
percussão popular, no âmbito da minha atividade da docência no Centro
Profissionalizante de Musica de Recife. Oportunidades nas quais pude reformular e
refletir minhas concepções do fazer tradicional e do ator desse fazer em sua realização
conforme costume popular e quando imerso no cenário de shows, festas públicas e
mercado de discos.
Neste exercício etnográfico revigorei meu entendimento e articulação do Coco
de Roda em suas nuances de forma, função, e representação performativa e estética, o
que possibilitou realizar uma abordagem analítico-comparativa do fazer intuitivo e
emotivo, edificado pela experiência coletiva da oralidade. Partindo da redescoberta e
cruzamento de experiências proporcionadas pela etnografia e atividade profissional de
músico, procurei realizar uma análise sistemática dos dados.
Conhecer Ana Lúcia Nunes da Silva e Severino José da Silva propiciou-me
vivenciar através de suas palavras, concepções, costumes, experiências de vida,
conflitos, aspirações e articulações musicais (criação e interpretação), um resgate das
convenções culturais que permeiam meu fazer artístico e saber etnográfico. Em parte
estas convenções culturais (Blacking, 1987) se formaram de testemunhos e relatos de
amigos e parentes envolvidos no fenômeno Coco de Roda, e das minhas atuações como
músico.
O contacto com Ana Lúcia me transportou às histórias narradas por meus pais,
avós e tios que na juventude “brincaram” Coco de Roda. Neste transporte identifiquei o
valor afetivo do evento marcado por relações com o religioso e com o compromisso
com esta atividade expressiva. Nesta concepção última, a festa do Coco não comporta
outra motivação que a devoção e cumprimento de um compromisso particular de seu
fazedor, mas que se torna público pela essência de um testemunho dos benefícios
realizados ou realizáveis. Do relacionamento edificado com Severino Pombo Roxo,
encontrei outro plano de relações com o divino e o encantado. Sua iniciação a cultos
afro-brasileiros tornaram mais evidente minhas antigas impressões de uma ligação do
36
fenômeno Coco com a liturgia aos espíritos14
, além de um importante depoimento de
vida marcada por carências, limitações e exclusão social que impulsionam indivíduos a
mercantilizar seu saber, unicamente para sobrevivência – como ocorrera com os ex-
escravos, afro descendentes, índios, e mestiços, em sociedades pós-coloniais como o
Brasil.
A relação resultante do cruzamento destas experiências frente ao fenômeno
sonoro do Coco de Roda, vivenciado por pessoas com produção de expressão artística
que ainda estão fora da dinâmica globalizada da sociedade contemporânea por falta de
oportunidades de se fazerem ouvir, denota a importância da tomada de posição
ideológica e política, na representatividade dos interesses de discursos impetrados por
artistas populares. Esta consciência da responsabilidade social do músico e do etnógrafo
contribuiu para edificar a minha personalidade como homem, músico e estudioso.
14
Porém, como o foco deste estudo esteve delimitado no processo de mercantilização do saber tradicional
na cena musical pernambucana, e suas repercussões nas histórias de vida destes dois atores, não
aprofundei minhas atenções na ligação do Coco a idiomas religiosos. Apenas registrando sucintamente
este dado nas linhas que se seguem.
37
Parte I
O Coco de Roda e seus praticantes
38
Imagem 5. Dança da umbigada no Coco de Roda.
03/Maio/1938. Itabaiana (PB). Fotógrafo: Luis Saia
durante Missão de Pesquisas Folclóricas
CAPÍTULO 2. A BRINCADEIRA DO COCO DE RODA
Este capítulo tem o objetivo de desvendar o Coco de Roda numa aproximação
etnográfica do evento no início de século XXI. Abordarei os contextos de performação,
as ralações sociais, a dança, a música e poesia. Procurarei compreender sua ligação com
fatos do cotidiano urbano, e a sua apropriação no imaginário individual e coletivo.
2.1. Introdução
O coco de Roda é um gênero
performativo presente predominantemente no
cotidiano do litoral do nordeste do Brasil.
Classificado por folcloristas como ‘dança de
umbigada’ (Carneiro 1961:65-69), devido seus
praticantes movimentarem seus corpos, em pares,
na intenção de contato entre seus umbigos, em
conformidade aos pulsos rítmicos dos tambores e chocalhos articulados por acentuações
sob padrão contrametrico 3+3+2 ( ) de origem identificada com padrões
rítmicos africanos. Existem hipóteses de seu bailado estar relacionado, em sua origem, a
grupos indígenas dos Tupis da Costa.
Esta classificação foi primeiramente adotada por folcloristas nos anos 30 do
século passado, permanecendo por todo o processo de construção da identidade nacional
brasileira, durante e após o Estado Novo (1937 a 1945), quando tais movimentos da
dança foram interpretados como próprios deste fenômeno cultural do cotidiano popular,
nas reuniões de ex-escravos, afro-descendentes, índios e mestiços, como também em
festas públicas e festejos aos santos da igreja católica, também freqüentadas por brancos
de diversas classes sociais. Tal classificação tem sido recompilada em estudos sem
nenhum aprofundamento. Entretanto, após contato com os brincantes15
(participantes de
folguedos) freqüentadores deste gênero, verifiquei que não existe um padrão
performativo contido na dança do Coco de Roda, ficando a cargo de cada participante,
15
Termo adotado por folcloristas em designação do participante de folguedo popular, a partir da
expressão êmica ‘brincadeira’, utilizada em identificação da festa em seu caráter profano.
39
ou contexto de validação de grupo, a adoção de um sentido próprio de expressão
gestual.
O espaço da ocorrência do Coco de Roda passa a identificar este gênero como
uma modalidade variante daquela antes praticada nos terreiros de senzalas. Conforme
relato de Severino Pombo Roxo, as festas aconteciam nos arredores dos sítios e
fazendas de grandes proprietários de terras, como também em vilas e casas de zonas
vizinhas a centros urbanizados. A história social, econômica e política do espaço
geográfico de ocorrência do Coco de Roda, aliada a particularidades dos contextos de
sua realização, determina o formato específico que diferencia as formas de se brincar o
Coco. O clima de diversão e informalidade é dinamizado por comidas e bebidas
oferecidas pelo dono da festa, quando o Coco é destinado a comemoração ou fins
privados (casamentos, batizados, etc.), ou quando o contexto é público da comunidade.
Momento em que as comidas e bebidas são comercializadas nos arredores do palco ou
sala de realização da dança.
Como atividade expressiva no litoral de Pernambuco, o Coco é designado coco-
de-praia, coco-de-roda, coco-de-furar, coco-de-embolada, coco-de-rebate, coco-de-
história, dentre outras designações que referem o espaço de realização, a forma e
maneira de cantar, modo de executar os instrumentos ou o bailado, e contexto de
realização. Entretanto, entre os brincantes há uma predominância pela adoção da
designação ‘-de-roda’ frente qualquer outra, mesmo quando recorrem eventualmente ao
termo ‘-de-praia’ na intenção de situar sua brincadeira ao espaço geográfico do litoral.
Neste sentido, o termo coco-de-roda, para cada brincante, encerra distintas concepções
e perspectivas que se vinculam emotivamente, numa interdependência, à forma de se
dançar, ao espaço físico e geográfico de realização, às estruturas das estrofes, aos temas
cantados, à maneira de tocar os instrumentos, à quem está legitimamente apropriado a
estes níveis de performance, aos contextos de realização e respectivos significados, e às
relações com a liturgia da igrejas católica e afro-brasileira.
A música do Coco gira em torno de textos simples e de fácil memorização, em
estruturas de respostas sobre temas diversos entoados melodicamente por um coro que
canta em uníssono. Conforme assegura Ayala (1988:20), todo conhecimento adquirido
através das experiências de vida e do cruzamento de culturas é armazenado pelo
40
cantador para ser utilizado na situação de cantoria. O Cantador (que será neste trabalho
designado conforme o termo êmico ‘coquista’) recorre à articulação ordenada de
expressões, termos e palavras do vocabulário cotidiano para tecer uma imagem sonora
de seus versos.
Guiado pelos padrões rítmicos executados das palmas, pelo sapateado dos
brincantes, acentuações rítmicas e pulso do tambor, pandeiro e chocalhos (idiofone
êmicamente designado de ganzá ou mineiro), o coquista, também identificado como
‘tirador de coco’, faz uso de agilidade mental, sensibilidade poética e conhecimento
geral para descrever, em seu cantar, fatos ocorridos na história de vida de qualquer um
dos brincantes. Um outro componente da cantoria é a poesia não improvisada,
constituída por composições fixas, cujos autores não são, necessariamente, os coquistas
que as interpretam16
. Entretanto, enquanto intérprete de contextos do cotidiano, o
coquista busca ser criador na intenção de se distinguir dos demais. Neste sentido, a
criação toma forma de improviso, que segue normas encontradas na embolada,
categoria de cantoria em desafio entre dois coquistas habilidosos na criação de versos
metrificados, muitas vezes em tempo simultâneo aos temas cantados.
A antropóloga Maria Ignez Ayala (2000:22) observa que vários estudos
assinalam a origem negra do Coco, mas não contemplam características que conferem
uma identidade cultural afro-brasileira. Pois, em seu percurso histórico, o Coco fora
percebido como manifestação negra em contexto de cruzamento cultural, tendo em
conta este contexto se estabelecer em relações interétnicas vinculadas com o prazer e o
lazer em festas públicas de dias santos da igreja e comemorações de cunho social. No
âmbito de uma função social coletiva, o Coco já trazia o princípio de uma relação
harmoniosa entre culturas numa rede global de perspectivas e apropriações. Esta
identificação pelo fazer e se apropriar diversamente de evento musicado revela que esta
dinâmica, que hoje se faz presente nas rádios, palcos, e demais meios de comunicação
de massas, já existia num plano local das periferias dos centros urbanos do Nordeste do
Brasil, durante e após a colonização.
16
A este respeito, leia-se Ayala. No arranco do grito:aspectos da cantoria nordestina São Paulo: Àtica
(1988): Cascudo, Luis da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Rio de Janeiro: Tecnoprint (1968): e também
Almeida, Àtila A. F. de & Alves Sobrinho, José. Dicionário bio-bibliográfico de repentistas e poetas de
bancada. João Pessoa/Campina Grande: Editora Universitária/Centro de Ciências e Tecnologia (1978).
41
Imagem 6. O sentido de brincadeira do Coco de
Roda. 03/mai/1938. Itabaiana (PB) . Fotógrafo: Luis
Saia durante Missão de Pesquisas Folclóricas
2.2. Contexto de realização
O Coco tem lugar em ambiente coletivo
e informal, o que tem levado à associação do
gênero a contextos de diversão e
entretenimento. Em sua realização são ativadas
uma multiplicidade de motivações que fazem
desta prática uma manifestação plural em
contextos e significados. Seu sentido social em
contexto de festa serviu de ferramenta de
classificação redutora dos seus atores e
simpatizantes que, sob a designação genérica de coquistas, são relacionados a estigmas
em categorização a negros, não-alfabetizados ou mestiços de índios e negros habitantes
da periferia, tais como ‘irreverência’, ‘lascividade’, ‘libertinagem’, ‘malandragem’,
‘irresponsabilidade’, etecetera. Estes, em sua maioria, herdeiros de práticas de confissão
religiosa não aceitável nos centros urbanos, seitas afro-brasileiras, também identificadas
de catimbó (prática de rituais de ascendência afro-indígena), tinham uma vida ligada a
atividades laborais de subsistência pela agricultura, pesca, coleta e serviços domésticos
gerais em meios urbanos. Em sua maioria, os coquistas são do sexo masculino, visto no
passado a arte de cantar e puxar o responsório estava nos domínios da ação dos homens.
Porém na atualidade, as mulheres têm assumido, igualmente aos homens, as funções da
composição, interpretação (voz guia de repertório musical, performance de palco, e
canto em desafio) e direção de festas de Coco.
Hábeis oradores de versos metrificados dinamizam também as práticas sociais e
comerciais em ambientes de livre comércio ao proporcionarem um fundo musical ao
cotidiano das ruas e dinâmicas de vidas, ao modo do que hoje vem sendo exercido pelas
rádios, discos, e DJ’s. Estes coquistas de vias públicas buscam uma arrecadação de
dinheiro para sua alimentação e dos seus dependentes. Apesar do caráter de diversão
imposto pela sua presença nos trajetos dos pedestres. Estes homens (em maioria) não
estão para brincadeira e diversão, mas sim para cumprirem seu trabalho diário. Seu
discurso é sempre divertido e por vezes debochado ao caricaturar outros coquistas ou as
pessoas com quem se defronta. A esse respeito, Ayala faz uma descrição dura e sóbria
42
de uma das nuances desta prática em via pública, desenvolvida pelo coquistas que, neste
espaço, passa a ter denominação de embolador – àquele que embola o texto numa fala
rápida, demarcada por uma rítmica que se aproxima da contrametrticidade17
3+3+2
presente no pandeiro ou outro instrumento de percussão:
“ (...) os emboladores improvisam seus versos, sendo cada qual utilizado um
instrumento de percussão (pandeiro e, hoje mais raramente, ganzá) para marcar o
ritmo, que faz fluir a poesia. O confronto se dá de modo a cada coquista procurar
ridicularizar mais seu companheiro através de comparações grotescas, provocando
o riso da platéia. A maneira como os cantadores de coco se dirigem ao público nem
sempre é respeitosa e formal. Basta não receberem o dinheiro no chapéu ou obterem
uma quantia pequena daqueles que compõem sua platéia para a ridicularização
também se voltar contra o público.”
Ayala(2000:21-22)
Em minha análise, tais ridicularizações e comparações grotescas, ora citadas,
são formas estéticas que os coquistas emboladores exercitam ostensivamente para que
essa icônica virtuosidade da rima seja contemplada e agraciada com as moedas dos
aficionados e simpatizantes que param sua rotina diária para, numa fuga as tensões do
cotidiano, buscarem diversão e entretenimento. Porém, é natural que a idéia de
desrespeito e abusos à ordem pública e direitos dos indivíduos que não apreciam esta
arte esteja presente nos discursos de muitas das pessoas abordadas por estes cantadores.
Ainda existe uma certa resistência a esta prática como arte musical no seio da sociedade
urbanizada, fato que denota o processo de exclusão vivenciado por esta categoria de
artista popular. Concebo que a concepção de uma embolada sem esta estrutura de
articulação que envolve o público surtiria numa mudança radical de um modelo que
17
In Sandroni 2001:21-22 – ‘Premissas Musicais’. Designação terminológica introduzida na
etnomusicologia por Mieczyslaw Kolinski, no livro “Review of Studies in African Music by A.M. Jones”
publicad em janeiro de 1960 no artigo The Musical Quarterly , XLVI/1, p.105-10, quando Kolinski
identificou que nas polirritmias africanas, a métrica seriam as pulsações isócronas (se realizam em
intervalos iguais de tempo) que, conforme define Simha Arom (in Analyse Musicale, 10, 1988:16;22),
possibilitando a coordenação do conjunto, às vezes são manifestadas pelas palmas ou pelos passos de
dança dos participantes.
43
intenta chamar a atenção dos ouvintes, aos problemas e necessidades sociais urbanas
vivenciadas por esta classe de atores. Esta resistência preconceituosa, presente em
parcela dos receptores que se defrontam com esta atividade musical, vai além da prática
performativa do coquista em si, abarcando uma concepção redutora, do coquista, às suas
possíveis competências de reproduzir satisfatoriamente a estrutura pericial do sistema de
conceitos dominantes. Pois, a grosso modo, ser negro ou mestiço, pertencer a classe
excluída por sua pobreza e possuir comportamento transgressor a ordem vigente,
incomoda o processo de homogeneização de comportamentos que se instaura pela
globalização de concepções. Esta afirmativa encontra respaldo no fato de que quando
um jovem de classe média e alta, de cútis clara, cabelos lisos, possuidor de beleza em
padrões europeus e de formação compatível com o modelo de representação global,
passa a cantar Coco, este gênero é de rápido assimilado pela sociedade.
O cantar no interior dos transportes públicos, pode ser aqui descrito como o
momento em que o atrito entre concepções contrárias de simpatia, antipatia e tolerância
a esta arte se dá em maior grau quando de forma icônica, sem artifícios e adornos aos
seus interesses, os emboladores sobem nos ônibus (autocarros) pedindo aos passageiros
uma colaboração a sua arte prosaica de cantar, como um recurso complementar as suas
finanças, em anseio de sua sobrevivência. Esta prática, exercida nos pátios e ruas, se dá
de forma espontânea e desinibida através de uma abordagem direta, particular e sem
rodeios a cada passageiro, motorista e cobrador, cantando em alto e bom tom, numa
prosa narrativa ao som do pandeiro, sobre os trejeitos e reações do abordado, tirando
risos de todos os demais presentes, que a seu turno também integrarão, agora
exclusivamente como protagonistas, historias fictícias de uma caricatura real .
Ao contrário do que, para aqueles estranhos a essa realidade de vida, parece ser
uma hostil provocação investida aos direitos do indivíduo, esta pratica implementa uma
aproximação de relações fecundas por entre os passageiros que ao se riem uns dos
outros e de si mesmos, rompem as barreiras e os espaços que separam os indivíduos. A
partir do momento em que passam a se olhar, se reconhecer, se respeitar e conviver sem
medos e receios com seus limites e os dos outros, a informalidade toma conta de toda a
viagem, e do silêncio e isolamento inicial, percebemos trocas de olhares, e sorrisos
incontidos entre todos.
44
Em 1961 Edison Carneiro identificou o Coco como expressão de uma das três
grandes zonas de incidência de formas de batuque no Brasil – designação geral que
cronistas portugueses deram a essa tipologia de dança – que em fases distintas
transformou-se de danças rurais de diversão de escravos, para dança urbana social. Em
sua leitura, o Coco resultara da combinação do samba, dança de umbigada, e do
baiano18
– danças sociais registradas na virada do século XIX. Ou seja, nesta
perspectiva o Coco coexistia com o samba e o baiano e representava uma dança
acompanhada com umbigada como coreografia baseada na iniciativa individual de
interação, envolvida por texto e melodia cantada em estrutura de pergunta e resposta.
Esta concepção do evento Coco esteve presente em quase todas as descrições,
que demarcavam um estilo lascivo de seus praticantes, em conformidade com
perspectivas que classificavam este fazer como marginal frente ao modelo de vida
urbana ideal. Porém, se considerarmos o processo de assimilação do modelo urbano
pelos detentores do Coco, tendo em conta o considerável crescimento das áreas urbanas
de metrópoles como Recife, que praticamente transformou regiões periféricas, antes
marginais, em pólos econômicos e residenciais, notaremos que o Coco não mudou nem
na sua realização, nem no seu conteúdo e que a festa não apresenta obrigatoriamente
esta tendência ao lascivo. Pelo contrário, o Coco encerra uma ligação com a devoção e
compromisso religiosos. A sua configuração urbana de festa pública representa uma
realização paralela, destinada a interesses pontuais da vida social.
A festa do Coco se faz em ambientes públicos, ou aberto a veiculação de
curiosos. A rítmica ininterrupta do tambor, sob cadência de chocalhos cilíndricos
(ganzás ou mineiros), como também pela articulação de pandeiros, e eventualmente
melês (congas), dão a festa um caráter dinâmico, no qual a dominante é o canto de
‘loas19
’. Estimulados pelo tema cantado, todos os presentes extravasam suas emoções,
gesticulando o corpo livremente em conformidade com as unidades mínimas do ritmo
extraídas dos chocalhos (ganzás ou mineiros) e acentuações que dinamizam as
execuções do tambor. A este respeito Pombo Roxo20
afirma: “Não há porque resistir se
18
Baiano era uma espécie regional do lundu, em que os parceiros eram convidados às vezes com
umbigadas
19
Cantigas populares estruturadas nos cânticos em honra dos santos e espíritos reverenciados em liturgias
afro-brasileira - encantados.
20
Em entrevista cedida em 25 de julho de 2004, no bairro do Amaro Branco, Olinda.
45
todos estão também dançando com o toque, qualquer pessoa fica com vontade de entrar
na dança”. (2004)
Durante a brincadeira, lembra Pombo Roxo, cada qual que chegasse e montasse
seu repertório no decorrer da festa, ou, quando convidados com antecedência – prática
mais corriqueira –, criavam suas loas durante os dias anteriores a consagração da festa.
O objetivo principal aos tiradores era apresentar sempre uma criação nova para cada
contexto festivo.
Com base em sua memória, Pombo Roxo observa que o Coco era dançado no
piso batido (barro) forrado com capim (relva) ou palha de coqueiro. Os tiradores
chegavam ordenadamente ao local do salão onde já estava o zabumbeiro, sempre bem
instalado no canto da parede para aproveitar a acústica da casa, com sua ‘paleta’
(bacalhau)21
na mão e a ‘maceta’ (birro)22
na outra. A paleta é de rebate, ou seja,
constrói uma linha rítmica em resposta consecutiva a cada batida da maceta.
Ana Lúcia23
(2004) relata que para cantar Coco, o interprete tem que ter o
domínio da oralidade sob atributo de uma eloqüência na narrativa, não se deixando
perturbar pela possível complexidade na organização de palavras que se ordenam numa
prosa em rimas cantadas. Como detentor e articulador do elemento principal no Coco, o
cantador carrega a função de guiar o responsório, e induzir o zabumbeiro a valorizar sua
interpretação no ato da participação do coro em resposta. Em suas palavras, Ana Lúcia
sempre faz referencias a um passado de domínio dos homens nesta função que, após
mulheres como Dona Jove e Maria Belém, o Coco passou a ser composto e interpretado
por mulheres.
Pombo Roxo observa um processo de desencaixe temporal no fazer Coco de
Roda, ao verificar que hoje o músico (zabumbeiro) de Coco de Roda é detentor de um
referendo de performance, que o possibilita competir na cena musical com o cantador.
Antes, o zabumbeiro era um brincante de desempenho certo, que dialogava com a loa e
21
Paleta ou bacalhau é designação êmica para baqueta utilizada na articulação de tambores artesanais
tocados durante o Coco de Roda. Trata-se de uma peça em madeira com reduzido diâmetro de espessura.
22
Maceta ou birro designa êmicamente a baqueta, também em uso na articulação de tambores que tem
espessura em diâmetro mais grosso que o ‘bacalhau’.
23
Quando em entrevista cedida em 05 de setembro de 2004, no bairro do Amaro Branco, Olinda.
46
a interpretação do tirador de Coco (o cantador). Seu papel no evento era estritamente
funcional e não estrutural. Ou seja, em sua concepção, a rítmica própria do Coco não é
dependente da performance do zabumbeiro para caracterizar o Coco frente outros
gêneros. O zabumbeiro apenas cumpre a função de tornar esta rítmica evidente no
evento. Assim a rítmica do Coco é a estrutura do gênero, e o zabumbeiro dá-lhe a
execução. Uma prova disto é que um cantador mesmo sem a presença de um
zabumbeiro, pode cantar uma loa de Coco de Roda, e esta ainda conter em suas
características, elementos de contornos estéticos e estilísticos na rítmica, prosa e
motivos melódicos próprios e definidores do que se concebe como Coco de Roda.
O conceito hoje vigente (globalizado) de performação, identificado por Pombo
Roxo, desloca o zabumbeiro do plano de acompanhante e contextualizador de uma
performance do cantador, para o plano de uma atuação expressiva de desempenho,
paralela a do cantador, no todo performático. Esta tendência de um tecnicismo do
desempenho, originada da perspectiva erudita, toma conta da nova cena musical do
Coco de Roda pela identificação do fazer funcional tradicional com outros
desenvolvidos em gêneros e estilos globalmente difundidos pelos mass media. Os
instrumentistas instruídos em escolas de música e conservatórios buscam articular no
toque do Coco de Roda desempenhos relacionados a competências técnicas de gêneros,
estéticas e estilos atribuídos a músicos eruditos, de funk, de rock, pop music, world
music, jazz, musica-latina e tecno.
Os jovens instrumentistas, que não receberam instrução formal em instituições
de ensino musical buscam uma realização competitiva em seus desempenhos com os
instrumentistas instruídos em escolas de música e conservatórios. Sua referência padrão
de articulação é desenvolvida nos terreiros de umbanda, onde apreendem fórmulas
intimamente ligadas ao sistema contramétrico (Sandroni 2001:21-28) presente na
rítmica das loas. Entretanto, as perspectivas de competência tendem a contemplar tanto
a instrução prática nos terreiros de culto afro-brasileiro quanto uma instrução formal em
escolas de música. Esta tendência tem revelado conflitos que se manifestam em
estigmas da competência do músico de Coco não estar vinculada majoritariamente a
instrução formal erudita, quando se trata de contratos, formas e vantagens de pagamento
dos músicos. Fato que leva os músicos que vivenciaram o Coco por seu processo
unicamente oral passarem a recorrer ao conhecimento teórico das escolas de música na
47
expectativa de se manterem no mercado. Por outro lado, o fato da perspectiva
globalizada da música pernambucana encerrar conhecimentos genuínos de tradição oral
tem favorecido a concepção de que a instrução formal não supre o desempenho
encontrado nas rodas de coco, levando músicos profissionais e de escolas e
conservatórios de música às rodas de coco e ao terreiro de umbanda.
Esta corrida à aquisição de competência e desempenho condizente com
expectativas da indústria cultural revela duas perspectivas que se cruzam
conflituosamente nas histórias de vida de coquistas: uma, é a de que não basta saber
fazer o Coco, tem que se ter certa formação teórica (competência de ler partituras); a
outra, é a de que não basta ter uma competência teórica, tem que se ter uma experiência
no terreiro (desempenho prático).
Esta tendência, que busca suprir a demanda de consumo da música do Coco
como entretenimento, presente no cruzamento destas perspectivas, interfere na
manutenção de um padrão tradicional que se vê obrigado a adaptar-se aos novos
pressupostos econômicos como produto hibrido entre o exótico e o erudito. Revelando
que a dinâmica global de um imediatismo na produção da arte como objeto pontual de
consumo não encerra compromisso com os meios e processos de produção, apenas com
seu valor econômico.
2.3. Estrutura musical e coreográfica
O gênero Coco-de-Roda é dominado por uma métrica e temática publicamente
conhecida no local e própria ao evento que permite seus participantes interagirem
dinamicamente. A voz ativa é promovida por uma relação social entre seus participantes
que, sem limites gestuais e expressivos cantam e jogam seus corpos ao ritmo dominante
do tambor que sincopa em estrutura contramétrica (Sandroni 2001:21-28) seus timbres
graves.
Basicamente o Coco está representado em Pernambuco por duas grandes
categorias, no que diz respeito ao plano de relação do coquista com o público: a do
Coco-de-Roda, na qual o coquista, a grosso modo, divide o espaço de ação com o
público que se aglomera em sua volta interagindo e respondendo, no cantar e no agir,
48
simultaneamente a sua manifestação cantada; e a do Coco-de-embolada, na qual o
coquista passa a explorar em seu público a competência de decodificar os significados
contidos em seu jogo com as palavras, destacando assim uma distinção entre o espaço
do cantador (centro do espetáculo) e o do público (espectador). A embolada tem sua
forma poético-musical articulada quase que simultaneamente a fatos ocorridos ou em
andamento, o que a faz ser relacionada, pelo senso comum dos espectadores, ao poder
de improviso do cantador que declama melodicamente em prosa, frases que se
intercalam em intervalos de tempo curtos, normalmente em valores rápidos de
articulação, com o predomínio da rima espontânea que melhor se molde aos versos
elaborados, em estilo oral de exprimir-se, comum no cotidiano da região e uso de
vocabulário jargão.
Conforme cita Ayala (1988:15), numa breve distinção entre os cantadores de
viola e os emboladores, o espaço de ocorrência das cantorias dos violeiros repentistas,
está:
“delineado para comportar uma platéia, acomodada em bancos,
cadeiras, ou mesmo em pé, mas que para lá se dirige,
essencialmente, motivada pelo espetáculo. (...) Pode-se afirmar que ,
em geral, os cantadores contam com mediadores para o exercício de
sua profissão, que os convidam ou permitem a utilização de
estabelecimentos comerciais para a realização de cantorias, o que
normalmente não acontece com os emboladores.”
A poesia popular do nordeste do Brasil traz em sua forma a narrativa. Processo
de ‘troca de experiências’ a qual Walter Benjamin (1980:57), em seu ensaio O
narrador, identifica como caráter inalienável às relações sociais e culturais das
sociedades. Essa forma narrativa desenvolvida no cantar do Coco se dá
predominantemente através do uso da rima, geralmente no final dos versos ou das
quadras da poesia, de maneira que a repetição de sons nas ultimas silabas estabeleça
para o ouvinte uma expectativa do bom cumprimento desta convenção. A estrutura
desse cantar está dominantemente fundamentado sob o padrão rítmico contramétrico
3+3+2 (Sandroni 2004:21-28) presente ao jogo de palavras, e que sobre o qual a dança e
as palmas se desenvolve.
49
Este padrão rítmico é possível de ser visualizado analiticamente através da
métrica e contramétrica contida na imagem sonora proveniente das palmas. A fórmula
3+3+2, equivale, quando subdividida ou decomposta, ao seguinte modelo de contagem
do tempo de realização: (1+2) + (1+2) + (1+1).
Onde a primeira sub-parte de cada divisão é acentuada, como segue o exemplo:
3 + 3 + 2
(1+2) (1+2) (1+1)
Gráfico 4 – Articulação contramétrica 3+3+2 presente no Coco
Esta articulação contramétrica, presente nas fórmulas rítmicas cantadas, também
se verifica nas fórmulas tocadas nos instrumentos de percussão ou outros objetos
eventualmente tomados em substituição a estes instrumentos, quando na sua falta no
momento de realização.
O corpo do brincante, ao dançar, segue movimentos repetitivos em
deslocamentos comandados pelo pé direito que, apoiado pelo pé esquerdo segue,
eventualmente palmas, no mesmo padrão contramétrico 3+3+2. Deste modo a parte
impar deste padrão é marcada em seu início pelo pé direito – primeiro com o pé direito
indo pisar à frente e na seqüência pisando na linha do corpo – , enquanto que na parte
par deste padrão o início é marcado pelo pé esquerdo – na linha do corpo – , conforme o
modelo que segue: D x x + D x x + E x (onde o x representa contagem sem movimento
do padrão).
50
D x x + D x x + E x
Gráfico 5 – Movimentos comandados pelo pé direito na dança do Coco
Seguindo as considerações sugeridas nas Premissas Musicais postuladas por
Carlos Sandroni (2001), faço uso do termo “síncope” (ou sincopa), por este vocábulo ter
uso corrente no universo conceitual brasileiro e internacional. Entretanto sou de pleno
acordo com Sandroni de que a lógica do ouvinte atípico ao fazer e vivenciar da rítmica
do Coco é diversa daquela experimentada pelo ouvinte imerso nesta prática expressiva.
Acredito que o choque de culturas promoveu uma concepção cultural dominante que se
impôs sobre as demais por uma soma de fatores extra-musicais que foram
condicionantes do processo colonial e que desencadearam um estranhamento às
estruturas articuladas em eventos sonoros de origem africana, ameríndia e mestiça,
quando da necessidade de designar as articulações contramétricas (Sandroni 2001)
presentes no sistema rítmico do Coco de Roda, que, como Sandroni faz saber, John
Blacking24
(1973) designaria de “estruturas profundas” destas “categorias nativa-
importada”.
A lógica da música erudita ocidental, frente ao cotidiano dos nativos dessa
prática, atribui a fórmulas como: 3+3+2, 3+2+3+2+2 e 3+2+2+3+2+2+2, um caráter de
exceções a regras do sistema “clássico” europeu por resultarem de uma mistura de
agrupamentos binários e ternários. Sandroni destaca que estas fórmulas comportam-se
como time-lines, dos maracatus e xangôs de Pernambuco, do tambor-de-mina do
Maranhão, do candomblé e da capoeira da Bahia, da macumba e sambas cariocas, e que
se revelam de diversas formas nas linguagens musicadas dessas categorias de
manifestação expressiva, seja nas palmas, batidas de agogôs, ou em polirritmias de um
conjunto percussivo.
24
Blacking, (1973) How Musical is Man, Cap.I.
51
O Coco em particular, igualmente ao jongo e ao samba-de-roda, também é
estruturado por tais articulações contramétricas, seja no tocar percussivo, no dançar ou
no cantar. A este respeito, por diversas vezes verifiquei que Veridiano, irmão de Ana
Lúcia e tocador de bombo, articulara o Coco pela fórmula 3+3+2. Esta fórmula também
está presente no bater das palmas como que uma chave rítmica na percepção de muitos
brincantes de Coco e músicos. Porém sua pulsação quando articulada por palmas segue
dinâmica em que a cabeça de cada subdivisão, ou decomposição de cada agrupamento
principal da fórmula 3+3+2, seja destacada por acentuação.
A relação dos sons percutidos e a gesticulação dos brincantes é refletida na
expressividade contida na interpretação do dançarino quando responde freneticamente
com os quadris25
, ombros, ou tórax como acompanhamento das acentuações do tambor,
ou chocalho (grande ganzá), como que numa conversação que busca, ao mesmo tempo,
homogeneizar um padrão rítmico entre o tambor e o gesto do corpo, e, quase que
simultaneamente, busca desequilibrar esta regularidade pelos deslocamentos da
acentuação identificada no timbre grave da articulação do tambor.
2.4. Os instrumentos do Coco de Roda
Conforme supracitado, o cantador (coquista) traz em si a função de conduzir as
condições musicais (convenções) a serem utilizadas por todos os presentes no decorrer
de sua cantoria. Não fugindo a regra à participação dos instrumentistas que o
acompanham. Basicamente o Coco é acompanhado por instrumentos de percussão que
cumprem as funções estruturais da regularidade cíclica do andamento da cantoria, dos
movimentos da dança e das articulações contramétricas no tocar percurssivo.
Os instrumentos que se utilizam com mais freqüência no conjunto percussivo do
Coco são: um Tambor (Zabumba, Alfaia/Tambor-de-corda ou Surdo/Surdinho), o
Pandeiro, e um Chocalho (Ganzá/ Mineiro). Eventualmente se utilizam Caixa-Clara
(snare drum), Congas, ‘Melê’ e Djembê (membranofones de percussão direta – com as
mãos) e ‘Abê’ (idiofone feito de guizos sobre uma cabaça grande).
25
Cada uma de duas regiões, uma de cada lado da pelve, em que se situa cada articulação de fêmur com
ilíaco; anca.
52
Imagem 7. Zabumba.
acessada no Site
www.google.com em
23.07.2006
Zabumba
Zabumba é um membranofone cilíndrico largamente disseminado
no Nordeste brasileiro. Igualmente conhecido como Bumbo ou
Bombo, é utilizado freqüentemente no Coco, Forró, Baião, Xote,
Ciranda, e noutros gêneros performativos. Introduzido nas
manifestações locais pelos colonizadores europeus, o seu
principal papel é reforçar a condução e manutenção da cadência rítmica.
Trata-se de um cilindro de madeira delimitado em suas extremidades por duas
membranas denominadas "pele de batida" e "pele de resposta". Antes as membranas
eram exclusivamente de pele animal. Atualmente estas são substituídas por peles
sintéticas que se moldam ao corpo do instrumento por aros metálicos. A tensão
responsável por sua afinação é regulada por meio de parafusos distribuídos
regularmente pelo aro e presos ao seu corpo (fuste). Ainda se encontram zabumbas de
fabricação artesanal (predominantemente encontrado na zona ‘rural’ da região) que
obedecendo a padrões tradicionais apresentam menor altura e diâmetro, possibilitando
uma afinação única para as duas membranas determinada por amarração de corda, da
qual originou a designação de Tambor-de-Corda. Como variante deste, atualmente
encontra-se no mercado de instrumentos o zabumba de metal, , também denominado de
"urbanizado", bombo ou bumbo, é um tambor de fuste em flandres de fabricação
industrial. Por esse motivo trazem de fábrica dimensões normalmente fixadas em 18, 20
ou 22 polegadas de diâmetro, de afinação única determinada por varões que se
estendem paralelamente de uma membrana a outra .
Considerado símbolo da identidade nordestina, o zabumba sintetiza, com
características regionais, a fusão dos ritmos africanos, ameríndios e europeus utilizados
nos Ternos de Pífanos, Banda Cabaçal, Esquenta-muié (termos que designam um tipo
de formação instrumental do Nordeste, constituído de Zabumba, Caixa, Pífano ou
Gaita), Marcha de Procissão, Trios de Forró, Bandinhas de retreta em festas e benditos,
etc.
Executa-se com "birro" – baqueta apropriada para o tipo de articulação e
intensidade de som desejada –, também conhecido no meio profissional como baqueta
53
Imagem 9. Surdo
acessada no Site
www.google.com
em 23.07.2006
Imagem 8. Alfaia ou
Tambor de Corda. Imagem
acessada no Site
www.google.com em
23.07.2006
de bombo ou maçaneta. Sua articulação se dá com uma mão na pele de batida. Porém
usa-se outra baqueta no complemento das articulações feitas com o ‘birro’.Trata-se do
‘bacalhau’, uma vara (galho) fina, resistente e flexível que é articulada com a outra mão
na mesma pele de batida ou na pele de resposta. Enquanto a maçaneta executa a célula
rítmica característica na pele de batida, o bacalhau responde energicamente com figuras
ritmicamente sincopadas na pele de resposta, construindo uma textura sonora
característica dos gêneros musicais nordestinos. O som articulado com o birro produz a
nota fundamental da membrana (membrana solta).
Alfaia ou “Tambor-de-corda”
Alfaia ou “Tambor-de-corda” é um membranofone
cilíndrico feito do tronco da Macaíba, palmeira típica da mata
atlântica da região litorânea do Nordeste brasileiro. Por sua
dimensão de diâmetro avantajado, casco duro e fibroso, gera,
quando talhado internamente (tronco oco), uma sonoridade grave e
densa. A alfaia pode ser utilizada na função do zabumba. Dentre outros tambores, a
alfaia, é o instrumento mais utilizado pelos coquistas.
Surdo
Os termos Surdo e Surdinho, designam igualmente membranofone cilíndrico
também utilizado pelos coquistas em funções idênticas ao zabumba. Tanto o surdo
quanto seu similar proporcionalmente menor, o surdinho, foram
igualmente introduzidos nas manifestações musicais profanas e
religiosas pelas mãos dos colonizadores. O seu papel é a condução
e manutenção da cadência rítmica. O diferencial entre os
instrumentos deste naipe está na profundidade do seu fuste (no
corpo alongado), o que determina suas características sonoras e consequentemente
tímbricas e funcionais.
Cilindro de madeira, delimitado em suas extremidades por duas membranas
denominadas "pele de batida" e "pele de resposta", o surdo utilizado por alguns
executantes de Coco tem uma proporção mais reduzida do que o surdo utilizado no
frevo ou numa escola de samba. É comum entre os coquistas afinar esse instrumento
com membranas exclusivamente de pele animal. Também é comum músicos que façam
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A industrialização do Coco de Roda e seus impactos na vida dos coquistas

  • 1. 9 Prefácio* Neste trabalho sublinha-se a importância do estudo dos testemunhos de dois cantadores e demais agentes da cena musical de Pernambuco1 em que se insere o Coco de Roda para, posteriormente, compreender a dinâmica patente no processo contemporâneo de industrialização musical e inserção deste gênero no mercado de entretenimento nacional e internacional. Focaliza os problemas sócio-políticos e as perspectivas adotadas por dois performers do Coco de Roda. Aborda igualmente os agentes da indústria do entretenimento e da cultura, e o modo como apropriam e reinterpretam o modelo tradicional de representação deste gênero transformando-o numa expressão musical midiatizada. Examina a utilização do Coco como mecanismo de articulação de identidade, forma de entretenimento e mobilidade social, tendo em conta o processo de globalização em que o Coco está inserido. Analisa os intercâmbios, conflitos, desencontros e desigualdades nas histórias de vida de Ana Lúcia Nunes da Silva e Severino José da Silva – dois coquistas do bairro Olindense do Amaro Branco, Estado de Pernambuco, Brasil. Partindo da perspectiva de Nèstor Garcia Canclini enfocando o papel da cultura na sociedade contemporânea (1997), foram cruzados depoimentos, testemunhos de vida, bem como dados estatísticos a fim de compreender o processo de globalização do Coco de Roda como parte de uma política transnacional de produção e consumo da cultura do nordeste do Brasil. Tal método de aproximação fornece pistas sobre o modo como os artistas e músicos locais interagem dentro do sistema cultural global. Numa primeira parte, este estudo busca, nos capítulos 2 e 3, uma abordagem centrada nas perspectivas simbólicas imaginadas do fazer do Coco de Roda segundo testemunhos dos coquistas Ana Lúcia Nunes da Silva e Severino José da Silva. Contemplando num primeiro momento o fazer do Coco em seus sentidos lato do emocional, simbólico e técnico musical, trazendo a tona planos de relações hoje presente nesta manifestação musicada. Este mecanismo de aproximação do fazer Coco * O presente estudo apresenta uso do português na grafia atual do Brasil. 1 Ver anexo, Pernambuco: perfil geográfico e demográfico
  • 2. 10 através das experiências de Ana Lúcia do Coco e Severino Pombo Roxo me possibilitou edificar um percurso etnográfico de abordagem através da articulação dessa prática segundo as memórias, problemas sociais de realização pessoal e planos de representação política, social, econômica e cultural desta atividade expressiva. Os significados, concepções, conflitos e aspirações vivenciadas no quotidiano destes coquistas trouxeram a esta etnografia um conjunto de relações sociais e conexões trabalhistas articuladas pelo coquista com outros agentes que atualmente interferem direta ou indiretamente na realização simbólica, econômica e imaginada do Coco de Roda. A transformação da música do Coco de Roda numa forma de se obter lucro incide diretamente nos universos particulares de homens e mulheres que agora se vêem envolvidos por uma nova maneira de conceber suas relações com o evento sonoro tradicionalmente vinculado ao religioso e comemorativo. Esta nova inclinação na vertente econômica da realização musical destes atores concorre a programas de políticas culturais que mobilizam medidas estratégicas de incentivo a produção musical de gêneros de identidade e tradição, tornando-os mais competitivos e preparados para atuar no mercado interno e externo. Revelando que o processo reverte o padrão de tradição a um formato flexível condizente ao mercado global de entretenimento. Em sua segunda parte, este estudo busca uma abordagem que complemente o testemunho dos coquistas e demais atores no campo da realização do Coco. Abordam aspectos do desenvolvimento setorial da produção musical brasileira e suas implicações no desempenho musical dos coquistas, enfatizando as ligações entre a produção musical brasileira e o mercado internacional. Esta aproximação se fez necessária ante a complexidade das conexões e interesses que, nas histórias de vida de cantadores de uma tradição oral como Ana Lúcia Nunes da Silva e Severino José da Silva, representa o campo dos negócios e a política cultural, os mecanismos de apropriação do Coco como gênero mobilizador de uma fatia do mercado global de representações e os conflitos advindos desse novo modo de conceber o Coco no cotidiano. Neste sentido, busquei no capítulo 4 introduzir, com base nas narrativas e dramas experimentados pelos coquistas e demais atores, uma abordagem do desenvolvimento setorial da produção musical brasileira, e suas implicações no fazer musical dos coquistas. Concluindo que a dinâmica de uma mercadorização do
  • 3. 11 conhecimento projeta uma redução deste na forma de sua representação simbólica afetivo-volitiva e que as imagens de uma identidade cultural, fundada numa política de resgate de tradições, em benefícios de interesses econômicos, podem corromper o padrão de tradição dos coquistas quando estes se apropriam de perspectivas inerentes ao formato de representação global. O capítulo 5 busca revelar que, na cena musical em que atualmente se insere o Coco, os modos de apropriação do conhecimento de tradição estão diretamente relacionados aos modos como a imagem desse saber é apropriada como mecanismo de inclusão no plano global de concepções. Observando que, o atual plano de relações do coquista com a tradição tende à fragmentação e hibridismo em valores simbólicos relativos a memória e identidade cultural, devido este processo de apropriação estar motivado pelo desejo de ascensão, bem estar, entretenimento e inclusão social. Concluindo que as dimensões econômica, política e social presentes no imaginário de realizações (sonhos e fantasias) pessoais, nas histórias de vida de atores do Coco de Roda em processo de globalização do seu saber, reverte-se num processo de desencontros e conflitos no cotidiano dos coquistas.
  • 4. 12 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO O Coco de Roda é um gênero performativo específico ao Nordeste do Brasil, que, alicerçado em paradigmas extra musicais, se configura por meio de complexa rede de relações sociais. Cultivado desde o período colonial por negros – escravos e seus descendentes –, como também por índios e grupos mestiços de classe pobre da periferia dos centros urbanos, veio a ser classificado pelo folclorista Édison Carneiro (1982) como uma variante do “samba de umbigada”, gênero representado em festas populares nos Estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Ceará. Sob a designação específica de Coco de Roda, representa hoje, no Estado de Pernambuco, uma manifestação urbana veiculada através dos órgãos de comunicação de massas como uma das marcas de referência da identidade local. Sua origem é fonte de controvérsias que realçam a sua matriz africana, identificada como “batuque”, ou remetem a sua gênese ao encontro entre as matrizes culturais negras e ameríndias. Tal controvérsia repercute numa revisão da afirmação da origem do Coco estar unicamente associada ao Quilombo dos Palmares2 , reduto de negros escravos fugidos das senzalas de trabalho forçado no período colonial brasileiro. Este local específico compõe uma área geográfica brasileira de grande valor histórico que hoje faz parte do Município dos Palmares, localizado a 104 km de Recife, a capital do Estado de Pernambuco e a 223 km de Maceió, capital de Alagoas, Estado vizinho. O folclorista José Aloísio Vilela (1980), postula que essa manifestação popular tivera sua origem e evolução na pratica da colheita do coco, com fins de suprir necessidades alimentares, e que no processo de retirada das amêndoas configuraram-se cantos de trabalhos acompanhados pela rítmica dos sucessivos golpes das pedras contra os duros cascos dos cocos. 2 Quilombo. Termo que no Brasil designa o refúgio, abrigo, ou asilo de escravos fugidos. O Quilombo dos Palmares era constituído de negros fugidos, os quais, no séc. XVII, se estabeleceram no interior de Pernambuco, formando uma república. O termo Quilombo também é usado para designar o folguedo praticado no interior do Estado de Alagoas durante o Natal (período de festas natalinas nos meses de Dezembro e Janeiro), em que dois grupos numerosos, figurando negros fugidos e índios, vestidos a caráter e armados de compridas espadas e terçados, lutam pela posse da rainha índia, acabando a função pela derrota dos negros que são vendidos aos expectadores como escravos.
  • 5. 13 1.1. Estudos em torno do Coco Existe pouca documentação em torno da cultura expressiva do Coco de Roda na literatura brasileira. Os primeiros registros etnográficos deste gênero3 foram realizados por Mário de Andrade, entre os anos de 1928 e 1929 (editados em 1962) quando Andrade desenvolveu o primeiro estudo da história de vida de um coquista – Francisco Antônio Moreira, o Chico Antônio – , no Município de Pedro Velho do Estado do Rio Grande do Norte. Diversos estudiosos das manifestações populares no Nordeste do Brasil empreenderam concisos registros etnográficos sobre o Coco de Roda como fenômeno social e cultural, enquanto meio de construção da identidade local, regional e nacional, tal como Ascenso Ferreira (1951), Leonardo Dantas (1962), Câmara Cascudo (1962), Borba Filho (1966), Katarina Real (1967), Waldemar de Oliveira (1985) e Roberto Benjamim (1989). Estes autores, entre outros, contribuíram com estudos do cotidiano das populações do Nordeste brasileiro. Abordagens mais significativas dessa prática expressiva apenas foram desenvolvidas a partir da segunda metade do século XX, nos Estados de Alagoas (Vilela 1951), e Paraíba (Ayala 2000) que forneceram base comparativa que contribui para a compreensão do Coco em Pernambuco. No ano de 1951, o folclorista alagoano, Aloísio Vilela, publicou a primeira edição de estudos sobre o Coco de Roda na cidade de Maceió, no Estado de Alagoas, intitulado O Coco de Alagoas: origem, evolução, dança e modalidades (reeditado em 1980). Este estudo procurou reunir vasta documentação e depoimentos de praticantes do Coco, descrevendo o gênero como dança popular de provável origem negra, com influência indígena, ou seja, uma expressão afro-indígena. Em 1961 Édison Carneiro no seu estudo sobre “samba de umbigada”, classifica o Coco de Roda como uma variante do samba. Wa Mukuna (1970) estuda a influência da música Bantu na música brasileira e identifica dança similar de umbigada em terras do Congo. Marcus Ayala e Maria Ignez Ayala organizaram o livro Cocos: Alegria e Devoção, uma densa pesquisa interdisciplinar coletiva integrando estudos a partir das perspectivas das Letras, Ciências Sociais e Artes, desenvolvida entre 1992 e 1999, acerca de 170 coquistas (cantores, 3 Andrade, Mário de. (1984). Os Cocos. São Paulo, Fundação Nacional Pró/Memória. em notas de Oneyda Alvarenga.
  • 6. 14 dançarinos e músicos) em doze cidades do Estado da Paraíba. Ignez Ayala observa: “... os cocos não constam com estudos recentes rigorosos e sistemáticos que permitam analisar sua diversidade. Por causa das diferenças ocultadas sob essa designação, parece mais apropriado atribuir-lhes um tratamento plural, equivalendo a dizer que sob o mesmo nome podem se revelar mais do que múltiplas formas de uma única manifestação cultural; podem se apresentar diferentes práticas poéticas de mais de um sistema literário.” (2000:231). Desde 2001 Carlos Sandroni vem desenvolvendo estudos das práticas musicais populares de Pernambuco, incluindo o Coco. Rosa Sobrinho (2001) cataloga o Coco em Olinda na sua Monografia do Curso de Especialização em Etnomusicologia, realizado na Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação do Doutor Carlos Sandroni. Oliveira (2001) foca, sobretudo a percussão de origem negro-africana presente no âmbito do Coco. Em 2002, Asa Veghed, em monografia para obtenção do grau de especialização em etnomusicologia, sob orientação do Doutor Carlos Sandroni na Universidade Federal de Pernambuco estuda o ‘coquista’ Severino José da Silva, em registro de dados do Coco como produto de consumo vinculado ao movimento Mangue Beat. Galinsky (2002: 228) aborda o mangue beat e sua possível relação com o Coco, e analisa exemplos de hibridismo e fusão como uma das tendências da cultura pop globalizada do Brasil, nos últimos trinta anos. Analisa igualmente a nova cena nacional e do nordeste do Brasil, incorporando debates recentes sobre pós-modernidade, globalização. Em seu estudo sobre o cantador Francisco Antônio Moreira, o Chico Antônio4 , Gilmara Benevides Costa (2004) descreve o modo como a produção literária e musical de um ator da cultura de identificação popular é apropriada por intelectuais e produtores culturais locais como representação de uma memória nacional, revelando um plano de relações entre artistas populares e os intermediários culturais. A pouca documentação etnográfica e a emergente inclusão de atividades e artistas de origem popular no mercado fonográfico torna pertinente uma aproximação 4 Primeiro cantador de Coco a ter sua historia de vida etnografada. C.f. p.13
  • 7. 15 etnográfica ao Coco de Roda, que virá a preencher lacuna nos estudos em torno dessa cultura expressiva no Brasil. 1.2. Objetivo e Problemática O objetivo desta dissertação de Mestrado é elaborar uma etnografia do Coco de Roda no início do século XXI (2000-2006), com ênfase nas suas componentes simbólica e econômica. Como estratégia de investigação, busquei seguir as pistas ditadas pelas relações articuladas pelos atores dessa prática expressiva – os ‘coquistas’ – , com os agentes da política cultural que dinamizam o turismo e a indústria audiovisual, e verificar as estratégias de ascensão social dos coquistas, ante o modelo de reprodução de uma estratificação de classe. Foram estudados alguns dos meios da produção simbólica como reflexo dos mecanismos de inserção de um artista popular no processo de midiatização globalizada. Este processo implica na transformação de uma prática que, desde registros dos anos 20 até fins dos anos 80, estava inserida numa dimensão micro-familiar e local, e que atualmente, após sua apropriação pela indústria cultural em discurso e uso de elementos da tradição de identidade local em convergência a tendências do mercado global5 , se projeta como meio de construção de uma identidade imaginada pernambucana, nordestina, e brasileira. Este estudo focaliza o fenômeno do Coco de Roda em processo de midiatização, articulado por aspirações de ascensão social, produção e consumo cultural, utilizando como principais métodos a história de vida e a etnografia da performance. Procurei valorizar não só a versão oficial das políticas culturais e sociais, 5 Este processo que acarretou uma mobilidade de idéias e de valores sociais na arte local de Pernambuco teve sua ebulição logo após a inclusão no mercado discográfico brasileiro, nos anos 90, de composições e arranjos musicais produzidos no âmbito do Movimento Mangue Beat – movimento intelectual de expressões conectadas à produção musical local – . José Machado Pais (2004:12) identificou o Mangue Beat como termo conceptual às idéias de se produzir artisticamente uma interface do passado com o presente. Desde então o Coco passou a ser uma das ferramentas dinamizadoras do pop-rock, no cenário musical brasileiro e na world music, no cenário internacional, através da inclusão de elementos musicais tradicionais na composição, arranjo e performance. Esta tendência teve sua principal alavanca quando a crítica musical e as principais editoras do país convergiram em reconhecimento da popularidade dessa expressão musical junto da parcela jovem e intelectual das zonas urbanas, do Nordeste e Sudeste do país. O que veio a permitir que artistas populares ligados ao Coco concorressem aos fins e interesses da indústria fonográfica e de entretenimento no mercado nacional e internacional.
  • 8. 16 das finanças e dos meios de comunicação globalizados, mas também a versão não- oficial local, num confronto das relações entre as perspectivas dos artistas, dos participantes no Coco, dos políticos culturais e dos agentes da indústria.. A valorização das perspectivas dos estudiosos acima mencionados e as dos ‘coquistas’, estabelecidas por uma aproximação com as expectativas que giram em torno das relações e interesses da classe dos atores desta tradição, permitiu uma compreensão das tendências e do impacte sofrido no ‘fazer do Coco de Roda’ após sua adoção pelo mercado de comunicação de massas. Desta forma, este estudo buscou analisar as mudanças nos imaginários dos “artistas populares”, as relações (simbólicas, de gênero, e de classe) estabelecidas entre os artistas e a prática midiatizada, tendo em conta as ideologias e o impacte dos processos migratórios, comercial, midiático e tecnológico aos níveis local, regional e global. Deste modo procurei compreender o modo como os diferentes atores envolvidos no Coco de Roda e no processo de sua midiatização contribuem para o processo de construção da identidade cultural imaginada de Pernambuco. A partir da perspectiva acima delineada, busquei abordar as seguintes questões: • Qual o contexto de realização de um Coco de Roda como fenômeno artístico e social no início do século XXI? • Como os coquistas e agentes da política cultural concebem o Coco de Roda nas dimensões simbólica e econômica? • Quais as expectativas, aspirações e conflitos experimentados pelos coquistas em seu processo de inclusão no mercado da música? • Quais as concepções que os coquistas têm da dinâmica de mudança nas suas vidas e no processo de criação e performance, nas relações sociais, no contexto de realização, nos significados e valores simbólicos, após sua inclusão na indústria cultural? O que motiva seu ingresso no mercado de espetáculo e discográfico? O que o motiva perseverar na manutenção da tradição? • Como os coquistas renegociam os paradigmas do passado frente aos novos critérios de representação necessários a sua inclusão no mercado musical globalizado?
  • 9. 17 • Qual o critério utilizado pelos agentes da política cultural na seleção, apropriação e construção do novo perfil de representação do Coco enquanto gênero musical de consumo? • Quem é que os agentes do mercado discográfico (como no caso pernambucano e o francês) elege como representante de uma produção legítima de identidade cultural e tradição popular? ? • Qual é o impacte a nível local de integração das representações do Coco de Roda no mercado World Music? 1.3. Enquadramento Teórico Guiado sob a óptica multidisciplinar que caracteriza a atual etnomusicologia, o presente projeto buscou uma apreciação distinta para cada modo específico de conceber as relações patentes no Coco de Roda em processo de midiatização. Optei por uma abordagem de cunho “sócio-semiótico” (Canclini 1997: 61-62) para o estudo da cultura de produção, circulação e consumo, com fins de mostrar a cultura como processo no qual os significados podem variar, numa perspectiva comparativa entre indivíduos de uma sociedade, e entre modelos de sociedade. O objetivo é verificar se existe no imaginário desses atores sociais alguns dualismos entre o econômico e o simbólico, e entre o individual e o coletivo . Porém o problema do “sentido aberto da globalização” (Canclini 1997; Mato 1996, e Passeron 1991 in Canclini 1997) integra nesta apreciação as questões culturais e políticas que engendram concepções construídas no imaginário, sobretudo a respeito das relações e conexões entre culturas. Nesta acepção, o Coco, enquanto conhecimento e atividade de classe, grupo racial e espaço geográfico específico, quando deslocado de seu ambiente de ocorrência, para os planos do regional, nacional e internacional, vem a ser associado, entre outras concepções imaginadas, a uma arte a ser preservada, a um discurso político e ideológico, como também ao lazer e entretenimento na crescente economia industrializada de cultura. Tal estágio de apropriações de um fazer cultural
  • 10. 18 como produto da teia global de perspectivas incide na multiplicidade de imagens, interesses e concepções engendradas a partir deste fazer. Segundo Canclini (1997: 61-62) tal apreciação solicita uma abordagem teórica, conforme propõem Arjun Appadurai (1996) e Frederic Jamerson (1993), considerando a cultura como uma dimensão expressiva que emerge, ao menos, a partir da relação de dois grupos, como veículo através do qual esta relação é formalizada subjetivamente e, única e especificamente num plano do imaginário intercultural, e não no suplemento que cada cultura possa representar isoladamente dessa relação social de carácter intercultural. Aqui o que se evidencia é o imaginário articulado especificamente no momento do cruzamento intercultural. Tal abordagem torna pertinente verificarmos que o Coco, no universo de seus artistas não é o mesmo articulado fora de seu contexto original, pois a performance estandardizada pela indústria do entretenimento necessita de um formato regular e estereotipado que possa ser etiquetado como categoria de consumo no imaginário intercultural. Este deslocamento no espaço e no tempo de percepção e realização permite que o Coco articulado pelo cantador seja percebido e apropriado pelo seu receptor no conflituoso cruzamento temporal e espacial de concepções entre a função social, o valor emotivo, e a idéia de entretenimento. A concepção de perspectivas imaginadas relacionadas ao fazer musical do Coco de Roda é neste trabalho utilizada, segundo Canclini (1997), na apreciação dos distintos modos com os quais ‘coquistas’, e os diversos atores com os quais estes se relacionam, abstraem seu particular percurso no processo de globalização do fazer do Coco de Roda. Pois cada ator guarda uma particular impressão valorativa dos ganhos e percas necessárias e toleráveis na conquista de espaços e realizações. Isto se dá através de uma avaliação pessoal dos riscos postos em jogo quando estes atores se lançam no projeto de mudança de suas perspectivas de vida. Estas perspectivas representam um imaginário de concepções que se realizam no plano simbólico antes do plano material da vida social. Gravar um CD, possuir um empresário ou tocar em público com cachê, pode representar relativamente um grau de fama e riqueza, segundo suas referências pessoais de sucesso e fracasso. Sob este ponto de vista, o conceito de realização profissional, pessoal e social pode variar de ‘coquista’ para ‘coquista’, conforme seu grupo social de relações.
  • 11. 19 Desta forma, este estudo realizado em torno das experiências, aspirações e expectativas dos coquistas Ana Lucia e Severino Pombo Roxo, foi guiado por discursos e perspectivas6 relativas à problemática do prazer, da escolha e da realização pessoal – a nível profissional, de classe, de geração e de gênero –, ao sugerir que as mudanças que emergem do processo de midiatização de suas criações musicais tenham reflexos na prática musical, na prática doméstica, referências tradicionais do cotidiano, e no processo de transmissão oral, na medida em que o indivíduo incorpora a inovação tecnológica em padrões de vida. Anthony Giddens (1992) postula que estas mudanças sejam elaboradas por referência interna – reflexiva –, e não só externa dos atores sociais. Por sua vez, Tomlinson7 (1990) e Putman (1994) afirmam que o consumo deixa de ser exclusivamente motivado pela busca de um bem-estar, para assumir uma materialização de uma esfera das aspirações sociais. O cruzamento das concepções dos planos simbólico e artístico que se apresentaram reflexivamente nas motivações de Ana Lúcia e Pombo Roxo, me fez perceber que entre coquistas detentores de uma tradição herdada pela oralidade, a música é usada como instrumento simbólico de interação social que a remete para além de um sentido puramente artístico que o Coco em suas características musicais possa revelar. Esta observação trouxe a este trabalho a necessidade de uma abordagem que, indutivamente às questões e perspectivas concebidas por estes atores, a partir do conceito local de desempenho musical ‘legítimo’ de um coquista (pela tradição), possa dar conta do processo de midiatização que induz a incorporação de novos padrões sociais de vida, motivando a mudança das aspirações e métodos de desempenho musical no Coco de Roda. Esta perspectiva de aproximação me fez considerar que a questão que se torna evidente no ato e aptidão de representar o Coco está na noção de competência e 6 O discurso in loco constituiu-se como método principal de aproximação e comparação das perspectivas imaginadas e representações articuladas nas relações implementadas pelos coquistas no processo de mercantilização do Coco de roda, e suas experiências de vida. 7 estas afirmações de Tomlinson (1990) constam em Alison J. Clarke (2001), The Aesthetics of Social Aspirations”, in Miller, D. ed., Home Possessions. Material Culture Behind Closed Doors, Oxford, Berg.
  • 12. 20 desempenho ideal adotada, prioritariamente, pela classe de coquistas ou, a seu turno, pela classe de agentes culturais, visto que a classe de aficionados, de certa forma, está diretamente vinculada às perspectivas dos coquistas (quando esta categoria do público guarda vínculos com os coquistas), ou às perspectivas dos agentes culturais (quando o público concebe o Coco por veículos midiáticos). Neste sentido, escolhi considerar, em identificação aos critérios de desempenho musical presentes neste processo de mediação do Coco de Roda, as concepções postuladas por Lev Semenovich Vygotsky (1993) e John Blacking (1987). Em seu estudo dos mecanismos do pensamento humano e conseqüente uso de linguagens em contexto social, Vygotsky identifica que a linguagem (música) somente é codificada numa ação comunicativa (canto ↔ audição) após o pensamento (poder de formalizar concepções e interpretação) elaborar juízo e conceitos das coisas (processo de mediação interpretativa). Em sua análise do pensamento verbalizado pela ação em contexto social, Vygotsky conclui que “(...) O pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. Por trás de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva, que traz em si a resposta ao último “por que” de nossa análise do pensamento. Uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendermos sua base afetivo-volitiva.” (1993:129). Neste sentido, as experiências e aspirações que emergem de contextos sociais são codificadas na produção cultural, o que condiciona o coquista, na qualidade de ator (cantador e interprete de Coco), a transformar os fatos e objetos (físicos, simbólicos e imaginados) que são representados sobre estes planos de relações, tais como se lhe apresentam à vista, em significados específicos para cada contexto situacional. Na presente abordagem etnomusicológica, estes significados (das impressões e experiências que emergem do contexto de um Coco de Roda) se apresentam reflexivamente em padrões de performance musical, resultantes das convergências e divergências de perspectivas suscitadas e sublimadas pelas aspirações, realizações, conflitos e decepções advindas das relações sociais. Deste modo, a criação musical, na qualidade de linguagem (produção cultural), somente é materializada na forma de um desempenho de performance musical (produto cultural) após a mediação das
  • 13. 21 experiências adquiridas no passado (que passam a compor o extrato estrutural das convenções culturais) com as condições motivacionais paralelas às convenções estabelecidas (estas condições motivacionais paralelas emergem dos contextos de realização). Desta forma, conforme propõe Vygotsky (1993129), o pensamento musical tem que passar primeiro pela elaboração dos significados (competência) e depois pela produção cultural (Desempenho musical)(c.f. graf. 1). Gráfico 1 – Modelo de Vigotsky (1993) aplicado ao processo de desempenho de performance musical do coquista. Para John Blacking (1987) a música é uma linguagem expressiva, marcada por um poder comunicativo. Em sua proposição ele observa que o uso da música como instrumento simbólico e interativo em contexto social é mais importante que as suas características musicais. E conclui,8 “o poder comunicativo da música numa sociedade depende da forma como ela é usada para mediar as convenções culturais e a liberdade individual e do modo como a intensa criação pessoal se pode transformar numa propriedade pública”(Blacking 1987:34) (cf. Graf.2). 8 Segundo tradução de Sardo (2004:19), Experiências Passadas: Extrato das Convenções Culturais Mediação de experiências Motivos Contextuais: Relações Sociais, aspirações, expectativas, esperanças, Performance musical Produção Cultural • Desempenho Musical Construção de Significados: • Reflexividade • Codificação de conceitos • Poder de Interpretação Pensamento Musical: • Experiências Musicais • Motivos contextuais
  • 14. 22 Gráfico 2 – Modelo de articulação do desempenho musical proposto por Blacking (1987) Esta assertiva traz a possibilidade de compreender que essa perspectiva de Blacking vai além de um domínio da codificação estritamente musical, referindo-se, primordialmente, ao domínio simbólico das significações musicais, que Blacking identifica como o poder comunicativo que a música pode assumir numa sociedade ou comunidade cultural imaginada. Pois, segundo afirma Sardo, “desde que se verifique alguma compatibilidade entre os códigos musicais e culturais de quem compõe (individual) e os códigos musicais e culturais de quem recebe (coletivo) existem condições para que as criações individuais se transformem num patrimônio coletivo” (Sardo 2004:19). Quando Blacking (1987:34) observa que a criação e a motivação musical estão num plano pessoal e individual de relação para cada ator social, apesar das convenções culturais desenvolverem o sentimento e a habilidade musical para a comunicação com o ‘outro’ num plano coletivo, entendo que a componente individual, que surge como resultado da experimentação interpessoal de situações sociais e emocionais (Blacking 1987:32 in Sardo 2004:20), contempla um complexo de relações que se geram no interior uma das outras, interagindo permanentemente e modificando-se conforme os contextos e concepções culturais onde se inscrevem. Esta perspectiva de observação me Mediados através da música ... o Poder comunicativo da música Componente Individual:Convenções culturais
  • 15. 23 faz conceber em Blacking que a motivação pessoal do coquista em seu processo de criação também esta condicionada às experiências paralelas (novos contextos musicais e extramusicais) que emergem dos contextos de realização do Coco de Roda (experiência musical). Pois o coquista utiliza o conceito de Coco, formatado em sua memória (convenções culturais), como recurso de solução a tais experiências paralelas (novos contextos musicais e extramusicais) na ação da performance musical (desempenho como coquista). Desta forma, concebo como representação desse processo de criação do Coco de Roda e concepção do desempenho de um coquista, por seus atores e agentes, a identificação da componente “experiências paralelas” na proposta de John Blacking. (C.f. graf. 3) Gráfico 3 – Modelo de articulação do desempenho musical proposto por Blacking (1987) integrando convenções do gênero e experiências paralelas. Guiado pelo interesse de melhor compreender o processo de reconhecimento e validação de um coquista pelo respectivo desempenho, busquei encontrar conjuntamente nestes dois modelos teóricos uma equação que satisfaça as variáveis que Processo de Mediação ... o Poder comunicativo da música Experiência musical: • Convenções do género Experiência paralela: • Novas experiências Componente Individual: • Motivação Pessoal Convenções culturais
  • 16. 24 emergem das relações entre as ‘convenções culturais’, as formas das experiências de ordem ‘musical’ (convenções musicais do gênero que dialogam com o sistema de convenções socioculturais em que se inscrevem, e as condições externas a estas convenções musicais que emergem em novas experiências) ou ‘extramusical’, e a ‘componente individual’ (as motivações), que permitem a música do Coco ser entendida como um fato social próprio do sistema sociocultural que o gera. Assim, a partir da premissa de que o fazer do Coco de Roda não é gerado como um fenômeno estático e desconectado das histórias de vida, considerei, quando em análise destes modelos teóricos frente às condições de performance de coquistas por mim verificada, que o coquista (em sua condição de representante “pleno” da arte de conceber e fazer Coco de Roda) ao experimentar um contacto com novos contextos de realizações do Coco (ambientes e motivações que de alguma forma revelarem um deslocamento dos contextos tradicionais) poderá vir a construir novas relações com o meio (evento musicado) e codificar novos significados (referências externas) unicamente diante destas condições específicas de realização. Pois estas relações possibilitam experiências promovidas por um dado contexto social e sua regularidade. Identifico em análise a estas relações que tais referências externas (Vigotsky,1993:129) construídas pela vivência musical (com a tradição ou processo de midiatização) estão relacionadas às convenções culturais identificadas no modelo de Blacking (1987:34). Neste sentido, percebo que, em suas relações com o meio, o coquista recorre reflexivamente (pelo seu poder de escolha, análise e interpretação) às convenções culturais, sempre que contextos de uma festa de Coco for por ele experimentado. Nesta abordagem a reflexividade surge como a variável funcional do desempenho musical, para toda relação cumulativa das convenções culturais e experiências musicais mediadas ante as ‘experiências extramusicais ou musicais paralelas’ (aquelas que de alguma forma representem para o coquista uma alteração das convenções culturais e paradigmas musicais já estabelecidos em sua experiência com o Coco). Neste plano de relações, proponho equação algébrica do desempenho musical que possa vir a ser satisfeita por um ou mais conjuntos de valores variáveis. Em tal equação compatível ao desempenho musical, as Convenções Culturais (CC), quando resgatadas no plano cognitivo da Reflexividade (R), proporcionarão ao coquista a
  • 17. 25 realização do fenômeno Coco da forma como se estabelece o padrão de tradição concebido. Nesta condição, o Desempenho Musical (Dmusical) se manifestará em sentido diretamente proporcional às Convenções Culturais (CC), o que indica que o coquista apresentará uma competência de desempenho compatível a uma vivência previamente experimentada com o evento do Coco. Desta forma, a componente ‘tradição’, identificada com as Convenções Culturais (CC), passa a configurar um dos critérios de identificação da competência e desempenho de um coquista. Enquanto que, quando o plano das Experiências Musicais (Expmusical) for articulado no plano cognitivo da Reflexividade (R), o coquista poderá vir a apresentar uma variação na qualidade de seu desempenho. Pois o plano das experiências, como espaço social, vem a ser determinado pelo sistema sociocultural que o gera, ou seja, se sua experiência musical com as convenções do gênero Coco for convergente às condições contextuais de realização, o coquista apresentará um desempenho diretamente proporcional às convenções de tradição desse gênero. Mas se as condições do contexto de realização do Coco não forem convenientemente adequadas a sua experiência musical com este gênero, o coquista poderá não apresentar um desempenho diretamente proporcional às convenções de tradição do Coco de Roda. Nesta perspectiva, estes planos de relação do coquista com as Convenções Culturais e os possíveis contextos de realização, esta representada pela soma ou união das funções algébricas (Dmusical = CC . R ) e (Dmusical = Expmusical : R) da equação: Dmusical = CC . R Φ Expmusical : R Onde: Na função algébrica “Dmusical = CC . R” o símbolo “.” representa que da relação de multiplicação entre as ‘convenções culturais’ (CC ) e o poder de ‘reflexividade’ (R) o ‘Desempenho Musical’ tende a se apresentar no sentido diretamente proporcional às Convenções da Culturais : ↑CC → ↑ Dmusical; o símbolo “Φ” (phi) representa a soma ou união de funções; e na função algébrica “Dmusical = Expmusical : R” o símbolo “::::” representa a possibilidade de duas (02) funções de multiplicação serem verificadas entre Expmusicais e R:
  • 18. 26 1. A primeira, advém em resultado a convergências entre a experiência musical com as exigências do contexto, que determinará através do poder de reflexividade do coquista um ‘Desempenho Musical’ diretamente proporcional às convenções do gênero: ↑Expmusical → ↑ Dmusical 2. A segunda, advém da possibilidade do não cumprimento de padrões musicais do Coco de Roda quando as exigências do contexto alterarem este padrão ou representarem novas experiências musicais para o coquista, o que determina um ‘Desempenho Musical’ variável entre a convergência e a divergência de sua performance com as convenções do gênero: ↑Expmusical → ↕ Dmusical O que não implica que numa situação adversa de realização, o coquista perca sua competência, pois identifico que apenas seu desempenho estará em provação. Ao tomar a reflexividade (R) como a componente variável principal das funções9 desta equação, observo que, por seu plano de ação se desenvolver no campo da dimensão cognitiva da mediação de experiências (Vygotsky 1993:129), faz considerar o potencial processo de inovação contido neste plano de codificação de novos conceitos, por intermédio da construção de significados, o que implica dizer que, pelo atributo da Reflexividade (R) é possível se estabelecer a ruptura das Convenções Culturais (CC). Assim, este modelo também comporta a inovação e ruptura das convenções do gênero. Para tanto, entendo a ‘reflexividade’ (R) como uma ação cognitiva relacionada ao poder de interpretar, sublimar e racionalizar experiências vividas com base em convenções adquiridas e exercitadas no meio social. Desta forma, o poder de reflexividade de um coquista, pressupõe sua potencial competência de reproduzir ou inovar significados. Na minha análise do Coco tive em conta igualmente, Thomas Turino (1999), quando este etnomusicólogo relaciona a música às emoções e à identidade com base no principio de que a música é uma fonte crucial para a construção da identidade pessoal e coletiva. Assim o mais relevante é a resposta social que os signos e suas significações 9 Dmusical = CC . R e Dmusical = Expmusical : R
  • 19. 27 gera, e isso se prende aos aspectos associados à identidade, à experiência e às emoções, na medida em que tende a envolver a área dos sentimentos humanos. Turino permite perceber em sua abordagem a concepção triádica dos signos – o signo, seu objeto e seu interprete –, tal como foi defendida por Charles Pierce (2000) que identifica os três elementos básicos presentes na ação sistemática dos signos e sistemas de significação que cooperam no processo humano da mediação entre as convenções, as motivações e as experiências. Essa abordagem revela que não são os múltiplos signos que permeiam as experiências do indivíduo, que serão importantes para sua interação e integração num contexto musical, mas só aqueles signos, dentre todos, que efetivamente produzam os respectivos efeitos suscitados pelo contexto musical. Nesta medida, a memória social passa a ter um papel relevante no estudo do imaginário contido nos signos que se reproduzem nas práticas sociais como a festa (a brincadeira do coco) ou outra comemoração cíclica, onde as comunidades celebram a rememoração do passado com o propósito da manutenção das suas referências identitárias. Penso que nesse processo a comemoração periódica surge igualmente numa renegociação dos paradigmas do passado, uma vez que silenciam certos aspectos contraditórios desses dois momentos que se cruzam na memória social, pelos conflitos advindos deles nas relações e funções sociais dos indivíduos no concurso de uma identidade local coletiva. A memória passa assim, a compor uma clara relação com a ideologia que domina a concepção particular de escolha de cada grupo de signos associados ao contexto de identidade abstraído por seus agentes. Dessa forma, a ideologia tanto é um agente modelador da memória, como também, resultado da relação advinda de uma inter- influencia entre elas (ideologia ↔ memória), da qual surgem novas dinâmicas que tende a se reproduzir nas novas ou atuais práticas sociais. "La gente utiliza la ideología para pensar y discutir sobre el mundo social y, por su parte, la ideología determina a su vez la naturaleza de tales argumentos y la forma retórica que adquieren". [Billig, M., 1988 ]
  • 20. 28 Neste sentido, a psicóloga Maria Laura Telo (2003) propõe abordarmos, como ponto de discussão, os aspectos da história que mudaram em função dessa ideologia, se levarmos em conta que a formação da memória coletiva veiculada na história social de um grupo advém da ideologia que a determinou, marcando um diferencial de identidade local em função do ‘outro’. O que me fez procurar nas perspectivas de tradição e modernidade abstraídas por Ana Lúcia do Coco e Severino Pombo Roxo, o que mudou, ou o que continua nessa manifestação. Pois segundo Lev Vigotsky (1993), a consciência que um ator social tem de si, do seu campo de ação, de suas ações e do seu mundo de integração, provêem de um conjunto de capacidades cognitivas reflexivas, compostas pela memória e o pensamento coletivo e funcional aos quais os signos são estabelecidos socialmente. A memória, que entre os anos 20 e 30, fora tomada como faculdade isolada de um fenômeno individual e íntimo, veio, nos fins do século XX, a ser observada por Halbwachs (1990) como fenômeno coletivo e social, e a ser estudada por Michel Pollak (1992), “como um fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, e mudanças constantes” (Pollak 1992:201). A memória, assim concebida, constitui-se o lugar da conexão entre o real e o simbólico, que se relaciona com o sentimento de proximidade das variáveis envolvidas nas concepções vividas e imaginadas. Pollak, sob esta abordagem, propõe a discussão da ligação entre identidade histórica e memória coletiva. Como encarar o passado em função do presente? E Como encarar o futuro em função do presente? Questão ética e filosófica presente nos problemas que se estabelecem em torno das múltiplas concepções, identificações, classificações e apropriações da idéia de cultura e patrimônio, visto que a memória e a identidade, conforme postula Pollak (1992:206), são fenômenos que não devem ser compreendidos como essências de um indivíduo ou grupo particular, e que podem ser negociadas no nível das relações sociais, pela ação do ‘outro’ no seu reconhecimento e validação, na edificação de uma alteridade do fazedor e não do indivíduo potencial. Ante a preocupação dessa complexa relação entre a memória e a identidade, Pollak afirma:
  • 21. 29 “A construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio de negociação directa com outros” [Pollak 1992:206] João de Jesus Paes Loureiros (2006)10 , toma em análise a cultura e o patrimônio como níveis conceituais relacionados com a herança de um passado, e que devem ser apreciados em três instâncias inter-relacionáveis dentro de uma dimensão temporal: o passado, o presente e o futuro. Em sua articulação dessa relação, Paes Loureiro referencia, no espaço temporal concebido pelo indivíduo, o tempo presente e suas relações com o passado e o futuro: “... constatamos o ‘tempo presente’, porque o vivemos. Constatamos o ‘tempo passado’, pela memória. E constatamos o ‘tempo futuro’, quando interpretamos e articulamos um tempo passado, presente pela memória, em função do tempo presente, que vivenciamos.” [Paes Loureiro, fevereiro de 2006] O conceito de identidade e familiaridade do evento cultural, como o de expressão musical, perpassa pelo plano da estratificação social, pela adoção no imaginário coletivo da idéia da diferença, legitimidade, originalidade e autenticidade de gêneros, raça, criatividade, musicalidade, formas e estilos, numa transformação de significados e valores que, entre os coquistas e seus atuais contextos de relação, acentuam descontinuidades como “desencaixes do tempo e espaço” (Giddens, 1992). No que se refere aos processos de mundialização e globalização de concepções e perspectivas Canclini (1999) observa que o contexto atual de homogeneização global é mobilizado por múltiplos interesses privados de produção, circulação e consumo, e muitas vezes sem um controle político dos Estados-Nação, o que faz Nestor Garcia Canclini (ibidem) tomar a globalização, na definição de Daniel Mato (1996 in Canclini 10 João de Jesus Paes Loureiros professor da Universidade Federal do Pará, em seminário Cultura, Patrimônio e Meio Ambiente, realizado em 21 de fevereiro de 2006, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
  • 22. 30 1997), como uma conseqüência de múltiplos movimentos, em parte contraditórios, com resultados abertos, que não oferecem um conjunto coerente e consistente de paradigmas para um estudo empírico e consciencioso a nível científico, econômico (Jean-Claude Passeron 1991 in Canclini 1997) e político, que implicam diversas conexões “local- global” e “local-local”. O que faz do personagem ativo da ação social em foco, o coquista, uma variável de suma importância no estudo das relações, acordos e interligações de livre comércio (Marc Abélès,1994-1996, in Canclini 1997) que desencadeiam e/ou que são desencadeadas pela globalização a que estão submetidos ao fazer musical na atualidade, como no caso específico do Coco de Roda. Tomarei ainda como base teórica a tese de Krister Malm (1992-1993) sobre o papel da mídia de massa na transformação dos valores de identidade e tradição, como também os estudos sobre os desenvolvimentos tecnológicos, econômicos, organizacionais e respectivos efeitos na vida musical local, global e glocal, implementados por Roger Wallis e Malm (1993), como argumento de apreciação e análise do papel da identidade, do poder e pertença presentes, coadjuvantes e conseqüentes da política cultural e midiática das conexões globalizadas que constituem na atualidade a mobilidade social e a manutenção das tradições. 1.4. Metodologia Com base numa perspectiva indutiva, a presente dissertação utiliza uma abordagem etnográfica do Coco de Roda, através de uma imersão direta no cotidiano das comunidades de ‘coquistas’ do litoral pernambucano, que não se restringiu apenas ao fenômeno sonoro, mas sim a todo um sistema de atividades musicais e extra musicais. Conforme propõe Timothy Rice (2004:151-79), procurei focalizar as historias de vida de Ana Lucia Nunes da Silva e Severino José da Silva, aprofundando o meu conhecimento das relações sociais provindas dessa prática expressiva, num espaço propicio a vivencia musical, sob três dimensões: tempo, espaço (local, nacional e global) e o sentido contido no fazer musical. A escolha destes artistas populares do bairro olindense do Amaro Branco foi motivada por estarem reconhecidos, entre seus iguais, como “autênticos” atores desse
  • 23. 31 saber, ao mesmo tempo que estão contidos no grupo de artistas populares ainda em processo de integração no universo comercial do Coco de Roda. Os critérios utilizados na escolha destes atores teve como baliza questões de gênero, classe social, estado de exclusão no cenário musical midiatizado, identidade, processo de formação musical, ligações religiosas, e conflitos que emergem do processo de industrialização da música (direitos autorais e concepções de performance). Ana Lúcia Nunes da Silva, motivada por concepções religiosas e de relações familiares possibilitou verificar os modos de relação que um coquista mantêm com a memória de uma tradição oral, e o cruzamento destas com as imagens simbólicas no decorrer de sua experiência, frente às novas concepções e contextos em que se insere o Coco e seus praticantes.. Severino José da Silva, o Pombo Roxo, possibilita uma aproximação de uma realidade econômica que se reproduz entre os artistas dessa classe desde os fins da escravatura. Seu discurso revela problemas do cotidiano que justifica a adoção de práticas e mecanismos de sobrevivência. Juntos representam os demais atores deste folguedo que anima o Bairro Olindense do Amaro Branco11 e os arredores das cidades de Olinda e Recife, e que foram iniciados na arte de cantar e improvisar coco por coquistas que fizeram historia nesta específica comunidade de atores de expressão popular do litoral pernambucano. Evidenciam ainda as atuais aspirações de ascensão social que mobilizam toda uma geração de coquistas e demais atores envolvidos no processo de midiatização, promovido pela indústria discográfica e pelos meios de comunicacção de massas, numa política cultural sensível às relações econômicas e financeiras, públicas e privadas, que se estabelecem com o mercado turístico e cultural globalizado. Seguindo a abordagem proposta por Néstor Garcia Canclini (1999), busquei focalizar o processo de homogeneização do Coco de Roda em sua produção e consumo frente as perspectivas dos coquistas Ana Lúcia e Pombo Roxo, e agentes articuladores 11 Amaro Branco. Bairro da Cidade de Olinda de ativa produção desse género específico, sobretudo pelo número e expressiva qualidade de coquistas que ali se encontram.
  • 24. 32 de uma imagem de tradição e identidade pernambucana idealizada na performance do Coco. Para tanto, procurei identificar as curvas de necessidades que mobilizam os atores envolvidos no Coco de Roda (coquistas, músicos, agentes de política cultural, etc.), os conflitos advindos no cruzamento de interesses e perspectivas e os métodos usados na resolução das diferenças. A elaboração de histórias de vida, possibilitou adotar uma abordagem específica para cada caso e análise de conteúdo. Foram realizadas entrevistas não direcionadas em que minha preocupação primeira foi interagir com o entrevistado, promovendo um estímulo capaz de favorecer a espontânea retransmissão de suas experiências, conforme propõem Daniel Bertaux (1997), Jean Poirier, Simone Clapier-Valladon e Paul Raybaut. (1995). Neste processo participei, enquanto percussionista, como músico performer junto às atividades artísticas destes atores, além de interagir com eles em seus processos de articulação de inclusão no mercado de discos e políticas culturais, como estratégia investigativa de melhor perceber a dinâmica em que estão inseridos, e as formas e contextos de desempenho do Coco em seu processo de globalização. Porém, com base na metodologia articulada por Canclini (1999), busquei na construção e análise dos registros coletados no terreno, cruzar dados estatísticos, relatos e imagens, em prol de comparar os distintos modos como se globalizam as perspectivas dos atores desse fenômeno contemporâneo como reflexo de uma política transnacional de produção e consumo, aos quais Ana Lúcia, Severino Pombo Roxo e outros coquistas, juntamente a demais agentes sociais da política cultural, estão inseridos na atualidade. Para tanto, procurei identificar na ótica de Ana Lucia Nunes da Silva e Severino José da Silva, fatos e articulações que envolvem o Coco de Roda, tais como: contexto social e de mercado, consciência e uso de artifícios de defesa e apropriação (manejos e relações ambivalentes estratégicas) com produtores, empresários, instituições religiosas, investigadores, mídia, músicos e demais atores concorrentes ou convergentes dessa atividade expressiva.
  • 25. 33 1.5. Entre músico e etnógrafo Meu interesse pelo estudo do Coco de Roda em Pernambuco surgiu do contacto pessoal com coquistas, em meu cotidiano de educador musical e músico profissional, principalmente quando na esfera dessa expressão de tradição artística popular. As experiências quotidianas com o fenômeno sonoro que configuram a minha história de vida levaram-me a escolher a música como mecanismo apropriado para relação e compreensão do mundo. Esta escolha se deu pelo contacto com as expressões populares desde a infância. Meus pais já demonstravam e rememoravam no cotidiano do lar suas afinidades e intimidades com expressões musicais de tradição oral. Fazia parte do meu cotidiano cantar um Baião, dançar Ciranda, batucar um Samba, ouvir Coco e Embolada, acompanhar Caboclinhos em pleno carnaval, tocar Maracatu, solfejar composições antológicas da tradição popular, ouvir diariamente gravações que marcaram a história de uma identificação coletiva com o Estado de Pernambuco, e as cidades de Recife e Olinda. Entretanto, minha iniciação musical foi marcada por estereótipos que relacionavam o fazer popular a condutas contrárias às normas sociais dominantes nas classes de músicos profissionais. Relativamente esta categoria de qualificação ainda pesa sobre artistas populares que desenvolvem atividades expressivas de tradição oral e que hoje dinamizam a cena musical local da world music. Em minha formação musical no Conservatório Pernambucano de Música, a identidade da música dos descendentes de negros e índios sempre esteve reconhecida pela sua estética e expressividade, porém fora pouco estimulada nos contextos artísticos por não se contemplarem plenamente em sua forma os padrões estéticos e estilísticos da cultura dominante. Cultura esta que instituiu um paradigma de formação musical especializada que desvalorizava em seus iniciados toda experiência que não fosse a formal e prescritiva. Fato que repercutia na vida artística de muitos estudantes, no abandono ou afastamento das suas experiências de tradição oral frente a formal, ou na reclusão dessas nos espaços e tempos próprios de períodos de realização de festividades da igreja. Acredito ser este um ponto relevante a ser considerado quanto à formação das
  • 26. 34 perspectivas dos músicos no Brasil12 , por influir na sua articulação do desejável ante o necessário e prático no cotidiano dos planos do produzir e apreciar música. Ainda assim, gêneros como o Coco continuaram ativos em seus redutos de tradição, através de eventos privados de festas familiares abertas ao público. A este respeito, minha família guardava uma relação com o Coco e outros gêneros de tradição, formando em minha imagem simbólica da tradição uma paisagem sonora de forte relação com todas as formas de expressão da identidade negra, indígena, pernambucana e brasileira. Como redutos de tradição, estes espaços faziam e ainda se fazem pertinentes a um reencontro com a memória e o saber de tradição oral, visto que a música popular oportuna ao músico profissional uma experiência que se reverte em competência de desempenho satisfatório as necessidades de sua função. Este exercício da memória também se fazia presente quando músicos profissionais se deparavam com arranjos e composições antológicas destas tradições que identificam um caráter de diversidade e multiculturalidade da tradição cultural pernambucana13 . Mesmo qualificadas no senso comum como músicas estilizadas, estas criações e instrumentações me estimulavam uma busca às origens e padrão de estética e estilos de cada gênero, suscitando-me a rememorar e articular minhas experiências musicais com o tradicional. Esta busca se fazia pela motivação de uma afinidade aos modelos musicais e expressivos da minha região geográfica, pela importância deste conhecimento para um instrumentista do naipe de percussão e pela necessidade de racionalizar e interagir junto aos detentores deste saber (o Coco de Roda) no âmbito do trabalho de terreno. O Coco de Roda foi por mim redescoberto entre antigos costumes de familiares que testemunharam e externaram suas experiências passadas em festas particulares e 12 A este respeito, Costa (1999:6) afirma que: “A valorização da herança cultural afro-brasileira ao longo do século XX combinada com a exclusão social e econômica da população afro-descendente apresenta-se como a característica mais marcante da discriminação racial no Brasil. Ao mesmo tempo em que a nação de brancos, mestiços e negros celebra a cultura afro-brasileira como parte inseparável de seu patrimônio cultural, a integração social e econômica da população afro-descendente se dá em condições extremamente desvantajosa (...). Essa combinação particular de integração cultural e exclusão social permitiu que, historicamente, se constituísse aquilo que ficou conhecido como o mito da democracia racial, ou seja, a presença forte do racismo nas relações sociais e sua negação na auto-representação da nação brasileira.” 13 Estes estilos de composições e arranjos figuram anualmente no panorama sonoro pernambucano durante os Ciclos Carnavalesco, Junino e Natalino, mantendo vivo na memória colectiva o formato estético de diversos géneros.
  • 27. 35 públicas de dança e cantoria, como também entre as oportunidades que tive de subir ao palco com coquistas ou dividindo com estes seqüências de apresentações no mesmo evento público, e ainda pela necessidade de estar atualizado frente aos meus alunos de percussão popular, no âmbito da minha atividade da docência no Centro Profissionalizante de Musica de Recife. Oportunidades nas quais pude reformular e refletir minhas concepções do fazer tradicional e do ator desse fazer em sua realização conforme costume popular e quando imerso no cenário de shows, festas públicas e mercado de discos. Neste exercício etnográfico revigorei meu entendimento e articulação do Coco de Roda em suas nuances de forma, função, e representação performativa e estética, o que possibilitou realizar uma abordagem analítico-comparativa do fazer intuitivo e emotivo, edificado pela experiência coletiva da oralidade. Partindo da redescoberta e cruzamento de experiências proporcionadas pela etnografia e atividade profissional de músico, procurei realizar uma análise sistemática dos dados. Conhecer Ana Lúcia Nunes da Silva e Severino José da Silva propiciou-me vivenciar através de suas palavras, concepções, costumes, experiências de vida, conflitos, aspirações e articulações musicais (criação e interpretação), um resgate das convenções culturais que permeiam meu fazer artístico e saber etnográfico. Em parte estas convenções culturais (Blacking, 1987) se formaram de testemunhos e relatos de amigos e parentes envolvidos no fenômeno Coco de Roda, e das minhas atuações como músico. O contacto com Ana Lúcia me transportou às histórias narradas por meus pais, avós e tios que na juventude “brincaram” Coco de Roda. Neste transporte identifiquei o valor afetivo do evento marcado por relações com o religioso e com o compromisso com esta atividade expressiva. Nesta concepção última, a festa do Coco não comporta outra motivação que a devoção e cumprimento de um compromisso particular de seu fazedor, mas que se torna público pela essência de um testemunho dos benefícios realizados ou realizáveis. Do relacionamento edificado com Severino Pombo Roxo, encontrei outro plano de relações com o divino e o encantado. Sua iniciação a cultos afro-brasileiros tornaram mais evidente minhas antigas impressões de uma ligação do
  • 28. 36 fenômeno Coco com a liturgia aos espíritos14 , além de um importante depoimento de vida marcada por carências, limitações e exclusão social que impulsionam indivíduos a mercantilizar seu saber, unicamente para sobrevivência – como ocorrera com os ex- escravos, afro descendentes, índios, e mestiços, em sociedades pós-coloniais como o Brasil. A relação resultante do cruzamento destas experiências frente ao fenômeno sonoro do Coco de Roda, vivenciado por pessoas com produção de expressão artística que ainda estão fora da dinâmica globalizada da sociedade contemporânea por falta de oportunidades de se fazerem ouvir, denota a importância da tomada de posição ideológica e política, na representatividade dos interesses de discursos impetrados por artistas populares. Esta consciência da responsabilidade social do músico e do etnógrafo contribuiu para edificar a minha personalidade como homem, músico e estudioso. 14 Porém, como o foco deste estudo esteve delimitado no processo de mercantilização do saber tradicional na cena musical pernambucana, e suas repercussões nas histórias de vida destes dois atores, não aprofundei minhas atenções na ligação do Coco a idiomas religiosos. Apenas registrando sucintamente este dado nas linhas que se seguem.
  • 29. 37 Parte I O Coco de Roda e seus praticantes
  • 30. 38 Imagem 5. Dança da umbigada no Coco de Roda. 03/Maio/1938. Itabaiana (PB). Fotógrafo: Luis Saia durante Missão de Pesquisas Folclóricas CAPÍTULO 2. A BRINCADEIRA DO COCO DE RODA Este capítulo tem o objetivo de desvendar o Coco de Roda numa aproximação etnográfica do evento no início de século XXI. Abordarei os contextos de performação, as ralações sociais, a dança, a música e poesia. Procurarei compreender sua ligação com fatos do cotidiano urbano, e a sua apropriação no imaginário individual e coletivo. 2.1. Introdução O coco de Roda é um gênero performativo presente predominantemente no cotidiano do litoral do nordeste do Brasil. Classificado por folcloristas como ‘dança de umbigada’ (Carneiro 1961:65-69), devido seus praticantes movimentarem seus corpos, em pares, na intenção de contato entre seus umbigos, em conformidade aos pulsos rítmicos dos tambores e chocalhos articulados por acentuações sob padrão contrametrico 3+3+2 ( ) de origem identificada com padrões rítmicos africanos. Existem hipóteses de seu bailado estar relacionado, em sua origem, a grupos indígenas dos Tupis da Costa. Esta classificação foi primeiramente adotada por folcloristas nos anos 30 do século passado, permanecendo por todo o processo de construção da identidade nacional brasileira, durante e após o Estado Novo (1937 a 1945), quando tais movimentos da dança foram interpretados como próprios deste fenômeno cultural do cotidiano popular, nas reuniões de ex-escravos, afro-descendentes, índios e mestiços, como também em festas públicas e festejos aos santos da igreja católica, também freqüentadas por brancos de diversas classes sociais. Tal classificação tem sido recompilada em estudos sem nenhum aprofundamento. Entretanto, após contato com os brincantes15 (participantes de folguedos) freqüentadores deste gênero, verifiquei que não existe um padrão performativo contido na dança do Coco de Roda, ficando a cargo de cada participante, 15 Termo adotado por folcloristas em designação do participante de folguedo popular, a partir da expressão êmica ‘brincadeira’, utilizada em identificação da festa em seu caráter profano.
  • 31. 39 ou contexto de validação de grupo, a adoção de um sentido próprio de expressão gestual. O espaço da ocorrência do Coco de Roda passa a identificar este gênero como uma modalidade variante daquela antes praticada nos terreiros de senzalas. Conforme relato de Severino Pombo Roxo, as festas aconteciam nos arredores dos sítios e fazendas de grandes proprietários de terras, como também em vilas e casas de zonas vizinhas a centros urbanizados. A história social, econômica e política do espaço geográfico de ocorrência do Coco de Roda, aliada a particularidades dos contextos de sua realização, determina o formato específico que diferencia as formas de se brincar o Coco. O clima de diversão e informalidade é dinamizado por comidas e bebidas oferecidas pelo dono da festa, quando o Coco é destinado a comemoração ou fins privados (casamentos, batizados, etc.), ou quando o contexto é público da comunidade. Momento em que as comidas e bebidas são comercializadas nos arredores do palco ou sala de realização da dança. Como atividade expressiva no litoral de Pernambuco, o Coco é designado coco- de-praia, coco-de-roda, coco-de-furar, coco-de-embolada, coco-de-rebate, coco-de- história, dentre outras designações que referem o espaço de realização, a forma e maneira de cantar, modo de executar os instrumentos ou o bailado, e contexto de realização. Entretanto, entre os brincantes há uma predominância pela adoção da designação ‘-de-roda’ frente qualquer outra, mesmo quando recorrem eventualmente ao termo ‘-de-praia’ na intenção de situar sua brincadeira ao espaço geográfico do litoral. Neste sentido, o termo coco-de-roda, para cada brincante, encerra distintas concepções e perspectivas que se vinculam emotivamente, numa interdependência, à forma de se dançar, ao espaço físico e geográfico de realização, às estruturas das estrofes, aos temas cantados, à maneira de tocar os instrumentos, à quem está legitimamente apropriado a estes níveis de performance, aos contextos de realização e respectivos significados, e às relações com a liturgia da igrejas católica e afro-brasileira. A música do Coco gira em torno de textos simples e de fácil memorização, em estruturas de respostas sobre temas diversos entoados melodicamente por um coro que canta em uníssono. Conforme assegura Ayala (1988:20), todo conhecimento adquirido através das experiências de vida e do cruzamento de culturas é armazenado pelo
  • 32. 40 cantador para ser utilizado na situação de cantoria. O Cantador (que será neste trabalho designado conforme o termo êmico ‘coquista’) recorre à articulação ordenada de expressões, termos e palavras do vocabulário cotidiano para tecer uma imagem sonora de seus versos. Guiado pelos padrões rítmicos executados das palmas, pelo sapateado dos brincantes, acentuações rítmicas e pulso do tambor, pandeiro e chocalhos (idiofone êmicamente designado de ganzá ou mineiro), o coquista, também identificado como ‘tirador de coco’, faz uso de agilidade mental, sensibilidade poética e conhecimento geral para descrever, em seu cantar, fatos ocorridos na história de vida de qualquer um dos brincantes. Um outro componente da cantoria é a poesia não improvisada, constituída por composições fixas, cujos autores não são, necessariamente, os coquistas que as interpretam16 . Entretanto, enquanto intérprete de contextos do cotidiano, o coquista busca ser criador na intenção de se distinguir dos demais. Neste sentido, a criação toma forma de improviso, que segue normas encontradas na embolada, categoria de cantoria em desafio entre dois coquistas habilidosos na criação de versos metrificados, muitas vezes em tempo simultâneo aos temas cantados. A antropóloga Maria Ignez Ayala (2000:22) observa que vários estudos assinalam a origem negra do Coco, mas não contemplam características que conferem uma identidade cultural afro-brasileira. Pois, em seu percurso histórico, o Coco fora percebido como manifestação negra em contexto de cruzamento cultural, tendo em conta este contexto se estabelecer em relações interétnicas vinculadas com o prazer e o lazer em festas públicas de dias santos da igreja e comemorações de cunho social. No âmbito de uma função social coletiva, o Coco já trazia o princípio de uma relação harmoniosa entre culturas numa rede global de perspectivas e apropriações. Esta identificação pelo fazer e se apropriar diversamente de evento musicado revela que esta dinâmica, que hoje se faz presente nas rádios, palcos, e demais meios de comunicação de massas, já existia num plano local das periferias dos centros urbanos do Nordeste do Brasil, durante e após a colonização. 16 A este respeito, leia-se Ayala. No arranco do grito:aspectos da cantoria nordestina São Paulo: Àtica (1988): Cascudo, Luis da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Rio de Janeiro: Tecnoprint (1968): e também Almeida, Àtila A. F. de & Alves Sobrinho, José. Dicionário bio-bibliográfico de repentistas e poetas de bancada. João Pessoa/Campina Grande: Editora Universitária/Centro de Ciências e Tecnologia (1978).
  • 33. 41 Imagem 6. O sentido de brincadeira do Coco de Roda. 03/mai/1938. Itabaiana (PB) . Fotógrafo: Luis Saia durante Missão de Pesquisas Folclóricas 2.2. Contexto de realização O Coco tem lugar em ambiente coletivo e informal, o que tem levado à associação do gênero a contextos de diversão e entretenimento. Em sua realização são ativadas uma multiplicidade de motivações que fazem desta prática uma manifestação plural em contextos e significados. Seu sentido social em contexto de festa serviu de ferramenta de classificação redutora dos seus atores e simpatizantes que, sob a designação genérica de coquistas, são relacionados a estigmas em categorização a negros, não-alfabetizados ou mestiços de índios e negros habitantes da periferia, tais como ‘irreverência’, ‘lascividade’, ‘libertinagem’, ‘malandragem’, ‘irresponsabilidade’, etecetera. Estes, em sua maioria, herdeiros de práticas de confissão religiosa não aceitável nos centros urbanos, seitas afro-brasileiras, também identificadas de catimbó (prática de rituais de ascendência afro-indígena), tinham uma vida ligada a atividades laborais de subsistência pela agricultura, pesca, coleta e serviços domésticos gerais em meios urbanos. Em sua maioria, os coquistas são do sexo masculino, visto no passado a arte de cantar e puxar o responsório estava nos domínios da ação dos homens. Porém na atualidade, as mulheres têm assumido, igualmente aos homens, as funções da composição, interpretação (voz guia de repertório musical, performance de palco, e canto em desafio) e direção de festas de Coco. Hábeis oradores de versos metrificados dinamizam também as práticas sociais e comerciais em ambientes de livre comércio ao proporcionarem um fundo musical ao cotidiano das ruas e dinâmicas de vidas, ao modo do que hoje vem sendo exercido pelas rádios, discos, e DJ’s. Estes coquistas de vias públicas buscam uma arrecadação de dinheiro para sua alimentação e dos seus dependentes. Apesar do caráter de diversão imposto pela sua presença nos trajetos dos pedestres. Estes homens (em maioria) não estão para brincadeira e diversão, mas sim para cumprirem seu trabalho diário. Seu discurso é sempre divertido e por vezes debochado ao caricaturar outros coquistas ou as pessoas com quem se defronta. A esse respeito, Ayala faz uma descrição dura e sóbria
  • 34. 42 de uma das nuances desta prática em via pública, desenvolvida pelo coquistas que, neste espaço, passa a ter denominação de embolador – àquele que embola o texto numa fala rápida, demarcada por uma rítmica que se aproxima da contrametrticidade17 3+3+2 presente no pandeiro ou outro instrumento de percussão: “ (...) os emboladores improvisam seus versos, sendo cada qual utilizado um instrumento de percussão (pandeiro e, hoje mais raramente, ganzá) para marcar o ritmo, que faz fluir a poesia. O confronto se dá de modo a cada coquista procurar ridicularizar mais seu companheiro através de comparações grotescas, provocando o riso da platéia. A maneira como os cantadores de coco se dirigem ao público nem sempre é respeitosa e formal. Basta não receberem o dinheiro no chapéu ou obterem uma quantia pequena daqueles que compõem sua platéia para a ridicularização também se voltar contra o público.” Ayala(2000:21-22) Em minha análise, tais ridicularizações e comparações grotescas, ora citadas, são formas estéticas que os coquistas emboladores exercitam ostensivamente para que essa icônica virtuosidade da rima seja contemplada e agraciada com as moedas dos aficionados e simpatizantes que param sua rotina diária para, numa fuga as tensões do cotidiano, buscarem diversão e entretenimento. Porém, é natural que a idéia de desrespeito e abusos à ordem pública e direitos dos indivíduos que não apreciam esta arte esteja presente nos discursos de muitas das pessoas abordadas por estes cantadores. Ainda existe uma certa resistência a esta prática como arte musical no seio da sociedade urbanizada, fato que denota o processo de exclusão vivenciado por esta categoria de artista popular. Concebo que a concepção de uma embolada sem esta estrutura de articulação que envolve o público surtiria numa mudança radical de um modelo que 17 In Sandroni 2001:21-22 – ‘Premissas Musicais’. Designação terminológica introduzida na etnomusicologia por Mieczyslaw Kolinski, no livro “Review of Studies in African Music by A.M. Jones” publicad em janeiro de 1960 no artigo The Musical Quarterly , XLVI/1, p.105-10, quando Kolinski identificou que nas polirritmias africanas, a métrica seriam as pulsações isócronas (se realizam em intervalos iguais de tempo) que, conforme define Simha Arom (in Analyse Musicale, 10, 1988:16;22), possibilitando a coordenação do conjunto, às vezes são manifestadas pelas palmas ou pelos passos de dança dos participantes.
  • 35. 43 intenta chamar a atenção dos ouvintes, aos problemas e necessidades sociais urbanas vivenciadas por esta classe de atores. Esta resistência preconceituosa, presente em parcela dos receptores que se defrontam com esta atividade musical, vai além da prática performativa do coquista em si, abarcando uma concepção redutora, do coquista, às suas possíveis competências de reproduzir satisfatoriamente a estrutura pericial do sistema de conceitos dominantes. Pois, a grosso modo, ser negro ou mestiço, pertencer a classe excluída por sua pobreza e possuir comportamento transgressor a ordem vigente, incomoda o processo de homogeneização de comportamentos que se instaura pela globalização de concepções. Esta afirmativa encontra respaldo no fato de que quando um jovem de classe média e alta, de cútis clara, cabelos lisos, possuidor de beleza em padrões europeus e de formação compatível com o modelo de representação global, passa a cantar Coco, este gênero é de rápido assimilado pela sociedade. O cantar no interior dos transportes públicos, pode ser aqui descrito como o momento em que o atrito entre concepções contrárias de simpatia, antipatia e tolerância a esta arte se dá em maior grau quando de forma icônica, sem artifícios e adornos aos seus interesses, os emboladores sobem nos ônibus (autocarros) pedindo aos passageiros uma colaboração a sua arte prosaica de cantar, como um recurso complementar as suas finanças, em anseio de sua sobrevivência. Esta prática, exercida nos pátios e ruas, se dá de forma espontânea e desinibida através de uma abordagem direta, particular e sem rodeios a cada passageiro, motorista e cobrador, cantando em alto e bom tom, numa prosa narrativa ao som do pandeiro, sobre os trejeitos e reações do abordado, tirando risos de todos os demais presentes, que a seu turno também integrarão, agora exclusivamente como protagonistas, historias fictícias de uma caricatura real . Ao contrário do que, para aqueles estranhos a essa realidade de vida, parece ser uma hostil provocação investida aos direitos do indivíduo, esta pratica implementa uma aproximação de relações fecundas por entre os passageiros que ao se riem uns dos outros e de si mesmos, rompem as barreiras e os espaços que separam os indivíduos. A partir do momento em que passam a se olhar, se reconhecer, se respeitar e conviver sem medos e receios com seus limites e os dos outros, a informalidade toma conta de toda a viagem, e do silêncio e isolamento inicial, percebemos trocas de olhares, e sorrisos incontidos entre todos.
  • 36. 44 Em 1961 Edison Carneiro identificou o Coco como expressão de uma das três grandes zonas de incidência de formas de batuque no Brasil – designação geral que cronistas portugueses deram a essa tipologia de dança – que em fases distintas transformou-se de danças rurais de diversão de escravos, para dança urbana social. Em sua leitura, o Coco resultara da combinação do samba, dança de umbigada, e do baiano18 – danças sociais registradas na virada do século XIX. Ou seja, nesta perspectiva o Coco coexistia com o samba e o baiano e representava uma dança acompanhada com umbigada como coreografia baseada na iniciativa individual de interação, envolvida por texto e melodia cantada em estrutura de pergunta e resposta. Esta concepção do evento Coco esteve presente em quase todas as descrições, que demarcavam um estilo lascivo de seus praticantes, em conformidade com perspectivas que classificavam este fazer como marginal frente ao modelo de vida urbana ideal. Porém, se considerarmos o processo de assimilação do modelo urbano pelos detentores do Coco, tendo em conta o considerável crescimento das áreas urbanas de metrópoles como Recife, que praticamente transformou regiões periféricas, antes marginais, em pólos econômicos e residenciais, notaremos que o Coco não mudou nem na sua realização, nem no seu conteúdo e que a festa não apresenta obrigatoriamente esta tendência ao lascivo. Pelo contrário, o Coco encerra uma ligação com a devoção e compromisso religiosos. A sua configuração urbana de festa pública representa uma realização paralela, destinada a interesses pontuais da vida social. A festa do Coco se faz em ambientes públicos, ou aberto a veiculação de curiosos. A rítmica ininterrupta do tambor, sob cadência de chocalhos cilíndricos (ganzás ou mineiros), como também pela articulação de pandeiros, e eventualmente melês (congas), dão a festa um caráter dinâmico, no qual a dominante é o canto de ‘loas19 ’. Estimulados pelo tema cantado, todos os presentes extravasam suas emoções, gesticulando o corpo livremente em conformidade com as unidades mínimas do ritmo extraídas dos chocalhos (ganzás ou mineiros) e acentuações que dinamizam as execuções do tambor. A este respeito Pombo Roxo20 afirma: “Não há porque resistir se 18 Baiano era uma espécie regional do lundu, em que os parceiros eram convidados às vezes com umbigadas 19 Cantigas populares estruturadas nos cânticos em honra dos santos e espíritos reverenciados em liturgias afro-brasileira - encantados. 20 Em entrevista cedida em 25 de julho de 2004, no bairro do Amaro Branco, Olinda.
  • 37. 45 todos estão também dançando com o toque, qualquer pessoa fica com vontade de entrar na dança”. (2004) Durante a brincadeira, lembra Pombo Roxo, cada qual que chegasse e montasse seu repertório no decorrer da festa, ou, quando convidados com antecedência – prática mais corriqueira –, criavam suas loas durante os dias anteriores a consagração da festa. O objetivo principal aos tiradores era apresentar sempre uma criação nova para cada contexto festivo. Com base em sua memória, Pombo Roxo observa que o Coco era dançado no piso batido (barro) forrado com capim (relva) ou palha de coqueiro. Os tiradores chegavam ordenadamente ao local do salão onde já estava o zabumbeiro, sempre bem instalado no canto da parede para aproveitar a acústica da casa, com sua ‘paleta’ (bacalhau)21 na mão e a ‘maceta’ (birro)22 na outra. A paleta é de rebate, ou seja, constrói uma linha rítmica em resposta consecutiva a cada batida da maceta. Ana Lúcia23 (2004) relata que para cantar Coco, o interprete tem que ter o domínio da oralidade sob atributo de uma eloqüência na narrativa, não se deixando perturbar pela possível complexidade na organização de palavras que se ordenam numa prosa em rimas cantadas. Como detentor e articulador do elemento principal no Coco, o cantador carrega a função de guiar o responsório, e induzir o zabumbeiro a valorizar sua interpretação no ato da participação do coro em resposta. Em suas palavras, Ana Lúcia sempre faz referencias a um passado de domínio dos homens nesta função que, após mulheres como Dona Jove e Maria Belém, o Coco passou a ser composto e interpretado por mulheres. Pombo Roxo observa um processo de desencaixe temporal no fazer Coco de Roda, ao verificar que hoje o músico (zabumbeiro) de Coco de Roda é detentor de um referendo de performance, que o possibilita competir na cena musical com o cantador. Antes, o zabumbeiro era um brincante de desempenho certo, que dialogava com a loa e 21 Paleta ou bacalhau é designação êmica para baqueta utilizada na articulação de tambores artesanais tocados durante o Coco de Roda. Trata-se de uma peça em madeira com reduzido diâmetro de espessura. 22 Maceta ou birro designa êmicamente a baqueta, também em uso na articulação de tambores que tem espessura em diâmetro mais grosso que o ‘bacalhau’. 23 Quando em entrevista cedida em 05 de setembro de 2004, no bairro do Amaro Branco, Olinda.
  • 38. 46 a interpretação do tirador de Coco (o cantador). Seu papel no evento era estritamente funcional e não estrutural. Ou seja, em sua concepção, a rítmica própria do Coco não é dependente da performance do zabumbeiro para caracterizar o Coco frente outros gêneros. O zabumbeiro apenas cumpre a função de tornar esta rítmica evidente no evento. Assim a rítmica do Coco é a estrutura do gênero, e o zabumbeiro dá-lhe a execução. Uma prova disto é que um cantador mesmo sem a presença de um zabumbeiro, pode cantar uma loa de Coco de Roda, e esta ainda conter em suas características, elementos de contornos estéticos e estilísticos na rítmica, prosa e motivos melódicos próprios e definidores do que se concebe como Coco de Roda. O conceito hoje vigente (globalizado) de performação, identificado por Pombo Roxo, desloca o zabumbeiro do plano de acompanhante e contextualizador de uma performance do cantador, para o plano de uma atuação expressiva de desempenho, paralela a do cantador, no todo performático. Esta tendência de um tecnicismo do desempenho, originada da perspectiva erudita, toma conta da nova cena musical do Coco de Roda pela identificação do fazer funcional tradicional com outros desenvolvidos em gêneros e estilos globalmente difundidos pelos mass media. Os instrumentistas instruídos em escolas de música e conservatórios buscam articular no toque do Coco de Roda desempenhos relacionados a competências técnicas de gêneros, estéticas e estilos atribuídos a músicos eruditos, de funk, de rock, pop music, world music, jazz, musica-latina e tecno. Os jovens instrumentistas, que não receberam instrução formal em instituições de ensino musical buscam uma realização competitiva em seus desempenhos com os instrumentistas instruídos em escolas de música e conservatórios. Sua referência padrão de articulação é desenvolvida nos terreiros de umbanda, onde apreendem fórmulas intimamente ligadas ao sistema contramétrico (Sandroni 2001:21-28) presente na rítmica das loas. Entretanto, as perspectivas de competência tendem a contemplar tanto a instrução prática nos terreiros de culto afro-brasileiro quanto uma instrução formal em escolas de música. Esta tendência tem revelado conflitos que se manifestam em estigmas da competência do músico de Coco não estar vinculada majoritariamente a instrução formal erudita, quando se trata de contratos, formas e vantagens de pagamento dos músicos. Fato que leva os músicos que vivenciaram o Coco por seu processo unicamente oral passarem a recorrer ao conhecimento teórico das escolas de música na
  • 39. 47 expectativa de se manterem no mercado. Por outro lado, o fato da perspectiva globalizada da música pernambucana encerrar conhecimentos genuínos de tradição oral tem favorecido a concepção de que a instrução formal não supre o desempenho encontrado nas rodas de coco, levando músicos profissionais e de escolas e conservatórios de música às rodas de coco e ao terreiro de umbanda. Esta corrida à aquisição de competência e desempenho condizente com expectativas da indústria cultural revela duas perspectivas que se cruzam conflituosamente nas histórias de vida de coquistas: uma, é a de que não basta saber fazer o Coco, tem que se ter certa formação teórica (competência de ler partituras); a outra, é a de que não basta ter uma competência teórica, tem que se ter uma experiência no terreiro (desempenho prático). Esta tendência, que busca suprir a demanda de consumo da música do Coco como entretenimento, presente no cruzamento destas perspectivas, interfere na manutenção de um padrão tradicional que se vê obrigado a adaptar-se aos novos pressupostos econômicos como produto hibrido entre o exótico e o erudito. Revelando que a dinâmica global de um imediatismo na produção da arte como objeto pontual de consumo não encerra compromisso com os meios e processos de produção, apenas com seu valor econômico. 2.3. Estrutura musical e coreográfica O gênero Coco-de-Roda é dominado por uma métrica e temática publicamente conhecida no local e própria ao evento que permite seus participantes interagirem dinamicamente. A voz ativa é promovida por uma relação social entre seus participantes que, sem limites gestuais e expressivos cantam e jogam seus corpos ao ritmo dominante do tambor que sincopa em estrutura contramétrica (Sandroni 2001:21-28) seus timbres graves. Basicamente o Coco está representado em Pernambuco por duas grandes categorias, no que diz respeito ao plano de relação do coquista com o público: a do Coco-de-Roda, na qual o coquista, a grosso modo, divide o espaço de ação com o público que se aglomera em sua volta interagindo e respondendo, no cantar e no agir,
  • 40. 48 simultaneamente a sua manifestação cantada; e a do Coco-de-embolada, na qual o coquista passa a explorar em seu público a competência de decodificar os significados contidos em seu jogo com as palavras, destacando assim uma distinção entre o espaço do cantador (centro do espetáculo) e o do público (espectador). A embolada tem sua forma poético-musical articulada quase que simultaneamente a fatos ocorridos ou em andamento, o que a faz ser relacionada, pelo senso comum dos espectadores, ao poder de improviso do cantador que declama melodicamente em prosa, frases que se intercalam em intervalos de tempo curtos, normalmente em valores rápidos de articulação, com o predomínio da rima espontânea que melhor se molde aos versos elaborados, em estilo oral de exprimir-se, comum no cotidiano da região e uso de vocabulário jargão. Conforme cita Ayala (1988:15), numa breve distinção entre os cantadores de viola e os emboladores, o espaço de ocorrência das cantorias dos violeiros repentistas, está: “delineado para comportar uma platéia, acomodada em bancos, cadeiras, ou mesmo em pé, mas que para lá se dirige, essencialmente, motivada pelo espetáculo. (...) Pode-se afirmar que , em geral, os cantadores contam com mediadores para o exercício de sua profissão, que os convidam ou permitem a utilização de estabelecimentos comerciais para a realização de cantorias, o que normalmente não acontece com os emboladores.” A poesia popular do nordeste do Brasil traz em sua forma a narrativa. Processo de ‘troca de experiências’ a qual Walter Benjamin (1980:57), em seu ensaio O narrador, identifica como caráter inalienável às relações sociais e culturais das sociedades. Essa forma narrativa desenvolvida no cantar do Coco se dá predominantemente através do uso da rima, geralmente no final dos versos ou das quadras da poesia, de maneira que a repetição de sons nas ultimas silabas estabeleça para o ouvinte uma expectativa do bom cumprimento desta convenção. A estrutura desse cantar está dominantemente fundamentado sob o padrão rítmico contramétrico 3+3+2 (Sandroni 2004:21-28) presente ao jogo de palavras, e que sobre o qual a dança e as palmas se desenvolve.
  • 41. 49 Este padrão rítmico é possível de ser visualizado analiticamente através da métrica e contramétrica contida na imagem sonora proveniente das palmas. A fórmula 3+3+2, equivale, quando subdividida ou decomposta, ao seguinte modelo de contagem do tempo de realização: (1+2) + (1+2) + (1+1). Onde a primeira sub-parte de cada divisão é acentuada, como segue o exemplo: 3 + 3 + 2 (1+2) (1+2) (1+1) Gráfico 4 – Articulação contramétrica 3+3+2 presente no Coco Esta articulação contramétrica, presente nas fórmulas rítmicas cantadas, também se verifica nas fórmulas tocadas nos instrumentos de percussão ou outros objetos eventualmente tomados em substituição a estes instrumentos, quando na sua falta no momento de realização. O corpo do brincante, ao dançar, segue movimentos repetitivos em deslocamentos comandados pelo pé direito que, apoiado pelo pé esquerdo segue, eventualmente palmas, no mesmo padrão contramétrico 3+3+2. Deste modo a parte impar deste padrão é marcada em seu início pelo pé direito – primeiro com o pé direito indo pisar à frente e na seqüência pisando na linha do corpo – , enquanto que na parte par deste padrão o início é marcado pelo pé esquerdo – na linha do corpo – , conforme o modelo que segue: D x x + D x x + E x (onde o x representa contagem sem movimento do padrão).
  • 42. 50 D x x + D x x + E x Gráfico 5 – Movimentos comandados pelo pé direito na dança do Coco Seguindo as considerações sugeridas nas Premissas Musicais postuladas por Carlos Sandroni (2001), faço uso do termo “síncope” (ou sincopa), por este vocábulo ter uso corrente no universo conceitual brasileiro e internacional. Entretanto sou de pleno acordo com Sandroni de que a lógica do ouvinte atípico ao fazer e vivenciar da rítmica do Coco é diversa daquela experimentada pelo ouvinte imerso nesta prática expressiva. Acredito que o choque de culturas promoveu uma concepção cultural dominante que se impôs sobre as demais por uma soma de fatores extra-musicais que foram condicionantes do processo colonial e que desencadearam um estranhamento às estruturas articuladas em eventos sonoros de origem africana, ameríndia e mestiça, quando da necessidade de designar as articulações contramétricas (Sandroni 2001) presentes no sistema rítmico do Coco de Roda, que, como Sandroni faz saber, John Blacking24 (1973) designaria de “estruturas profundas” destas “categorias nativa- importada”. A lógica da música erudita ocidental, frente ao cotidiano dos nativos dessa prática, atribui a fórmulas como: 3+3+2, 3+2+3+2+2 e 3+2+2+3+2+2+2, um caráter de exceções a regras do sistema “clássico” europeu por resultarem de uma mistura de agrupamentos binários e ternários. Sandroni destaca que estas fórmulas comportam-se como time-lines, dos maracatus e xangôs de Pernambuco, do tambor-de-mina do Maranhão, do candomblé e da capoeira da Bahia, da macumba e sambas cariocas, e que se revelam de diversas formas nas linguagens musicadas dessas categorias de manifestação expressiva, seja nas palmas, batidas de agogôs, ou em polirritmias de um conjunto percussivo. 24 Blacking, (1973) How Musical is Man, Cap.I.
  • 43. 51 O Coco em particular, igualmente ao jongo e ao samba-de-roda, também é estruturado por tais articulações contramétricas, seja no tocar percussivo, no dançar ou no cantar. A este respeito, por diversas vezes verifiquei que Veridiano, irmão de Ana Lúcia e tocador de bombo, articulara o Coco pela fórmula 3+3+2. Esta fórmula também está presente no bater das palmas como que uma chave rítmica na percepção de muitos brincantes de Coco e músicos. Porém sua pulsação quando articulada por palmas segue dinâmica em que a cabeça de cada subdivisão, ou decomposição de cada agrupamento principal da fórmula 3+3+2, seja destacada por acentuação. A relação dos sons percutidos e a gesticulação dos brincantes é refletida na expressividade contida na interpretação do dançarino quando responde freneticamente com os quadris25 , ombros, ou tórax como acompanhamento das acentuações do tambor, ou chocalho (grande ganzá), como que numa conversação que busca, ao mesmo tempo, homogeneizar um padrão rítmico entre o tambor e o gesto do corpo, e, quase que simultaneamente, busca desequilibrar esta regularidade pelos deslocamentos da acentuação identificada no timbre grave da articulação do tambor. 2.4. Os instrumentos do Coco de Roda Conforme supracitado, o cantador (coquista) traz em si a função de conduzir as condições musicais (convenções) a serem utilizadas por todos os presentes no decorrer de sua cantoria. Não fugindo a regra à participação dos instrumentistas que o acompanham. Basicamente o Coco é acompanhado por instrumentos de percussão que cumprem as funções estruturais da regularidade cíclica do andamento da cantoria, dos movimentos da dança e das articulações contramétricas no tocar percurssivo. Os instrumentos que se utilizam com mais freqüência no conjunto percussivo do Coco são: um Tambor (Zabumba, Alfaia/Tambor-de-corda ou Surdo/Surdinho), o Pandeiro, e um Chocalho (Ganzá/ Mineiro). Eventualmente se utilizam Caixa-Clara (snare drum), Congas, ‘Melê’ e Djembê (membranofones de percussão direta – com as mãos) e ‘Abê’ (idiofone feito de guizos sobre uma cabaça grande). 25 Cada uma de duas regiões, uma de cada lado da pelve, em que se situa cada articulação de fêmur com ilíaco; anca.
  • 44. 52 Imagem 7. Zabumba. acessada no Site www.google.com em 23.07.2006 Zabumba Zabumba é um membranofone cilíndrico largamente disseminado no Nordeste brasileiro. Igualmente conhecido como Bumbo ou Bombo, é utilizado freqüentemente no Coco, Forró, Baião, Xote, Ciranda, e noutros gêneros performativos. Introduzido nas manifestações locais pelos colonizadores europeus, o seu principal papel é reforçar a condução e manutenção da cadência rítmica. Trata-se de um cilindro de madeira delimitado em suas extremidades por duas membranas denominadas "pele de batida" e "pele de resposta". Antes as membranas eram exclusivamente de pele animal. Atualmente estas são substituídas por peles sintéticas que se moldam ao corpo do instrumento por aros metálicos. A tensão responsável por sua afinação é regulada por meio de parafusos distribuídos regularmente pelo aro e presos ao seu corpo (fuste). Ainda se encontram zabumbas de fabricação artesanal (predominantemente encontrado na zona ‘rural’ da região) que obedecendo a padrões tradicionais apresentam menor altura e diâmetro, possibilitando uma afinação única para as duas membranas determinada por amarração de corda, da qual originou a designação de Tambor-de-Corda. Como variante deste, atualmente encontra-se no mercado de instrumentos o zabumba de metal, , também denominado de "urbanizado", bombo ou bumbo, é um tambor de fuste em flandres de fabricação industrial. Por esse motivo trazem de fábrica dimensões normalmente fixadas em 18, 20 ou 22 polegadas de diâmetro, de afinação única determinada por varões que se estendem paralelamente de uma membrana a outra . Considerado símbolo da identidade nordestina, o zabumba sintetiza, com características regionais, a fusão dos ritmos africanos, ameríndios e europeus utilizados nos Ternos de Pífanos, Banda Cabaçal, Esquenta-muié (termos que designam um tipo de formação instrumental do Nordeste, constituído de Zabumba, Caixa, Pífano ou Gaita), Marcha de Procissão, Trios de Forró, Bandinhas de retreta em festas e benditos, etc. Executa-se com "birro" – baqueta apropriada para o tipo de articulação e intensidade de som desejada –, também conhecido no meio profissional como baqueta
  • 45. 53 Imagem 9. Surdo acessada no Site www.google.com em 23.07.2006 Imagem 8. Alfaia ou Tambor de Corda. Imagem acessada no Site www.google.com em 23.07.2006 de bombo ou maçaneta. Sua articulação se dá com uma mão na pele de batida. Porém usa-se outra baqueta no complemento das articulações feitas com o ‘birro’.Trata-se do ‘bacalhau’, uma vara (galho) fina, resistente e flexível que é articulada com a outra mão na mesma pele de batida ou na pele de resposta. Enquanto a maçaneta executa a célula rítmica característica na pele de batida, o bacalhau responde energicamente com figuras ritmicamente sincopadas na pele de resposta, construindo uma textura sonora característica dos gêneros musicais nordestinos. O som articulado com o birro produz a nota fundamental da membrana (membrana solta). Alfaia ou “Tambor-de-corda” Alfaia ou “Tambor-de-corda” é um membranofone cilíndrico feito do tronco da Macaíba, palmeira típica da mata atlântica da região litorânea do Nordeste brasileiro. Por sua dimensão de diâmetro avantajado, casco duro e fibroso, gera, quando talhado internamente (tronco oco), uma sonoridade grave e densa. A alfaia pode ser utilizada na função do zabumba. Dentre outros tambores, a alfaia, é o instrumento mais utilizado pelos coquistas. Surdo Os termos Surdo e Surdinho, designam igualmente membranofone cilíndrico também utilizado pelos coquistas em funções idênticas ao zabumba. Tanto o surdo quanto seu similar proporcionalmente menor, o surdinho, foram igualmente introduzidos nas manifestações musicais profanas e religiosas pelas mãos dos colonizadores. O seu papel é a condução e manutenção da cadência rítmica. O diferencial entre os instrumentos deste naipe está na profundidade do seu fuste (no corpo alongado), o que determina suas características sonoras e consequentemente tímbricas e funcionais. Cilindro de madeira, delimitado em suas extremidades por duas membranas denominadas "pele de batida" e "pele de resposta", o surdo utilizado por alguns executantes de Coco tem uma proporção mais reduzida do que o surdo utilizado no frevo ou numa escola de samba. É comum entre os coquistas afinar esse instrumento com membranas exclusivamente de pele animal. Também é comum músicos que façam