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Memória Familiar e Educação não-formal : Um olhar sobre a
(re) construção de identidades

Claudete de Sousa Nogueira1
UNICAMP/FE
PALAVRAS CHAVES: Memória-Familiar, Cultura, Identidade

Introdução
O batuque de umbigada, também conhecido como tambu ou caiumba é uma
manifestação cultural trazida para o Brasil pelos escravos de origem bantu. Com seus
instrumentos como o Tambú, uma espécie de tambor feito de tronco oco de árvore;
quinzengue, um tambor mais agudo que faz a marcação rítmica do tambú e nele se apóia;
as matracas, que são os paus que batem no tambú do lado oposto do couro; guaiás ou
chocalhos de metal em forma de cones ligados, essa manifestação conseguiu se manter
através do tempo, passando de geração para geração.
No interior de São Paulo, a hipótese mais provável é a de que o batuque de
umbigada chegou trazido pelos escravos que vieram da região nordeste do Brasil para
trabalhar nas fazendas de açúcar e de café. A manifestação se propagou pela região onde
se localizam as cidades de Campinas, Piracicaba, Capivari, Monte-mor, Tietê, Porto
Feliz, entre outras.
Essa tradição cultural herdada pelos escravos, apesar de manter a forte presença
africana dos tambores e da dança de umbigada se juntou ao universo caipira das modas.
(Dias, 2001) “ Nas plantações das grandes fazendas, negros e caipiras conviveram e
trocaram conhecimentos, irmãos na pobreza, no tipo de vida, na paixão pela música.”
(Nepomuceno, 1999.p.166)
Atualmente as cidades de Tietê, Capivari e Piracicaba continuam sendo espaços
dessas manifestações. O Treze de Maio em Piracicaba, o Sábado de Aleluia em Capivari e
a Festa de São Benedito em Tietê são ocasiões em que passado e presente se confundem:
na dança de umbigada, nos reaquecimentos dos tambores ao calor da fogueira, nos longos
versos improvisados em que homens e mulheres, jovens e velhos revivem um ritual que o
1

Doutoranda da faculdade de Educação/UNICAMP. Pesquisa orientada pela Profª Olga Rodrigues de
Moraes von Sinsom.
tempo não conseguiu apagar. “Essa dança nossa aqui é caiumba. Nêgo dançava no mato.
Escravo dançava no mato. Furava esse pau aí com fogo, que ocê ta veno aí..furava com
fogo, escondido de sinhô.Africano, no mato, furava esse pau com fogo.Pá podê diverti,
escondido de sinhô.Naquele tempo que existia escravidão.”2
Em Piracicaba, baluarte dessa tradição, observamos na Vila África, a criação de
um ONG preocupada em ensinar aos jovens do bairro e arredores o batuque de
umbigada, entre outras danças afro-brasileiras.Essa nova experiência, além de recuperar
um processo de transmissão de conhecimento, permitiu ao grupo desenvolver uma
educação diferenciada, baseada na própria cultura.
O presente artigo tem o objetivo de apresentar algumas reflexões sobre a
educação não-formal e seu papel no processo de valorização cultural e (re)construção de
identidade

1.1 Vila África: uma história de resistência e etnicidade

2

Theotônio de Moura, neto de escravos, do Batuque de Piracicaba,SP.In: Documentos sonoros
Brasileiros.Acervo Cachuera
Com o fim da escravidão, excluídos sócio-economicamente, os descendentes dos
escravos que habitavam as regiões do interior do estado de São Paulo foram se
agrupando em bairros periféricos das cidades, formando verdadeiros “territórios negros”.
Utilizamos aqui, o conceito territórios negros3 também denominado “Redutos
Espaciais Negros”4, pois nos possibilita compreender como as populações negras das
diversas regiões brasileiras, não somente ocuparam, mas marcaram cultural e
socialmente o espaço, desenvolvendo atividades ligadas a sua tradição.Muniz Sodré
(1987) denomina esse espaço físico ocupado, como um lugar de cultura, ressaltando que
"A territorialização não se define como um mero decalque da
territorialidade animal, mas como força de apropriação exclusiva do espaço
(resultado de um ordenamento simbólico) capaz de engendrar regimes de
relacionamentos, relações de proximidade e distancia (...) o território
aparece assim como um dado necessário à formação de identidade
grupal/individual, ao reconhecimento de si por outros."(p.14)

Para Simson(1989) a proximidade do centro urbano comercial, os limites com
bairros nobres que abriam possibilidades ao empregos domésticos e a localização em
áreas urbanas desvalorizadas caracterizavam a formação desses espaços.Algumas dessas
características, que marcaram a formação de bairros da capital paulista como Bexiga e
Barra funda, também estavam presentes na formação desses territórios negros no interior
do Estado.
Na década de 50, um trecho do bairro Vila Independência tornava-se conhecido
em Piracicaba, interior de São Paulo pela concentração de famílias negras que
compraram terrenos e construíram suas casas na rua Frei Luiz Santana e arredores. Essa
região passou a ser motivo de gozação dos moradores de outros bairros que a apelidaram
de “Vila África”, uma referência pejorativa que estabelecia as fronteiras sociais.
Os antigos moradores relatam em seus depoimentos que o local no início era
cercado por barrocas e canaviais. Sem asfalto, nem energia elétrica os terrenos eram
desvalorizados e seus moradores eram penalizados com a distância do Centro e a falta de
infra-estrutura.
Fica evidente que, esses novos espaços de socialização acabaram contribuindo
para a manutenção e o fortalecimento das tradições trazidas na memória. O batuque de
3

Conceito utilizado nas reflexões feitas por alguns pesquisadores como Muniz Sodré(1987), em seu
trabalho O Terreiro e a Cidade e Raquel Rolnik(1989).”Territórios negros nas cidades
brasileiras(etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro), 1989
4
Conceito utilizado pelas Profªs Olga R. M. von Simson e Neusa Mendes Gusmão em artigo intitulado: A
criação cultural na diáspora e o exercício da resistência inteligente. In: Ciências Sociais Hoje, ANPOCS,
1989
umbigada permaneceu “vivo” graças à influência que receberam dos antepassados
diretos: pais, tios e avós, tornando-se uma prática cultural portadora dos anseios da
comunidade.
Os depoimentos dos batuqueiros e batuqueiras são permeados por minuciosos
relatos de acontecimentos familiares onde à figura dos avós, pais, irmãos, tios e
padrinhos estão sempre presentes. As falas e os retratos antigos guardados
carinhosamente também evidenciam essa relação, que representa a herança cultural. Nas
letras das músicas relembradas atualmente por esses batuqueiros e batuqueiras podemos
compreender o papel que a cultura exerce sobre o grupo. As indignações estavam
presentes, como na letra criada pela Dona Anicide Toledo, de Capivari, para denunciar
a situação do filho que sofria discriminação no trabalho:

“ Eu moro em Capivari, gosto muito da minha terra,
eu moro em Capivari, gosto muito da minha terra,
São João que me perdoe, do que eu vou falar aqui.
Precisa acabar o racismo, mas dentro de Capivari.”

Em pesquisa sobre o carnaval de São Paulo, Olga von Simson(1991) destaca a
importância do espaço do carnaval pra o exercício da resistência, considerado pela
autora como “resistência inteligente”,: Aquela resistência que se exerce no cotidiano, ao
nível da cultura, aproveitando as brechas que a religião, o lazer e a política possam
apresentar, e que o negro paulistano sempre soube alargar.
O que se percebe na Vila África é que, essa união estabelecida em torno dessas
famílias negras contribuiu para que aos poucos fossem conquistando o respeito dos
moradores de outros bairros e, transformando-se em valores positivos para o grupo.
Nesse processo, entende-se a memória familiar como patrimônio simbólico dessa cultura
no qual cada membro representa um elo entre passado e presente.
Nesse mesmo período, o batuque de umbigada passou a ser considerado imoral e,
conseqüentemente não podia mais ser realizado publicamente. Os participantes foram
fotografados, fichados e alguns presos. Essa intervenção judicial e policial, resultado de
uma pressão feita pela classe média e pela Igreja, é apontada por alguns estudiosos como
uma das causas da decadência do batuque de umbigada na região. (Cândido, 1947; Dias,
2001)
No entanto, ao que tudo indica mesmo proibido de exercer essa prática
publicamente, o grupo conseguiu preservar esse espaço social, que se manteve as festas
em dias de celebrações religiosas ou familiares. Inseridos em ocupações como serviços
públicos e braçais, a maioria desses negros continuou se encontrando, o que permitiu
manter os laços de solidariedade. Em 1957, houve a junção das manifestações das três
cidades, Piracicaba, Capivari e Tietê, o que, segundos relatos, deu-se devido à percepção
por parte dos batuqueiros do enfraquecimento dos grupos locais:
É..Foi falecendo os batuqueiros antigos, não houve aquela substituição
natural; e foi tendo a necessidade de se juntar o grupo, juntar as três
cidades pra formar um grupo e aí que a gente acha que foi assim uma
sacada fantástica pra permanecer o grupo até hoje.De três formou um, que
permaneceu a manifestação sóbria, que trouxe pra gente até hoje. Então
esse foi o grande momento, acho que é como a gente fala, o batuque até
1957 e o batuque depois de 1957. 5

1.2 A Educação não-formal e a identidade coletiva

5

Vanderlei, batuqueiro de Piracicaba, filho, neto e bisneto de batuqueiros.depoimento concedido em 02/12/2005.
Segundo a fala dos velhos batuqueiros6, a inserção das crianças na prática do
batuque era proibida, sendo que sua participação se limitava a acompanhar os pais e
observar as danças e o batuque. Toniquinho batuqueiro, descendente dos antigos
batuqueiros de Piracicaba, relata esse processo de aprendizagem que ocorria com as
crianças:
Então, o que eu aprendi foi emprenhado pelo ouvido, quer dizer eles me
levavam na roda de samba, ou na roda do cururu ou na roda do tambú e a
cada batida entrava em mim, os cantos entravam em mim a dança entrava
...cá, pela retina e pelo ouvido. Então eu via e ouvia o toque do tambú, a
dança do tambú, é...a preparação de como é que eles ficavam lá no chão,
como é que as meninas, as moças dançavam(...).

Com o tempo, as crianças foram se inserindo nas festas, aprendendo as danças,
os cantos e o batuque. Em Piracicaba, algumas datas comemorativas como o Dia das
Crianças passaram a ser espaços em que o batuque de umbigada era ensinado aos mais
jovens pelos velhos mestres.
Motivados pelas lembranças, pela necessidade de preservar essa tradição africana
e reconstituir parte da história de Piracicaba, por meio da dança e da música, os velhos
batuqueiros criaram em 2001 uma associação com o objetivo de transmitir os
ensinamentos do batuque, das danças afro-brasileiras e a ancestralidade de sua cultura
para as crianças. 7 Antonio Filogênio de Paula Júnior, integrante do grupo de batuque de
umbigada de Piracicaba, destaca a importância desse processo.
“E começou ali um trabalho na Vila África, esse trabalho foi
ampliado e a gente tentou já pensar no que levar exatamente, onde
eram os antigos redutos do batuque. Desenvolver na Paulicéia, e em
outros bairros onde tinha uma predominância de descendentes, é de
negros, de afros - descendentes. E deu certo. Então a partir do modelo
de Piracicaba, a gente começou com essas crianças, com esses jovens
a revitalizar esse grupo que une Piracicaba, Tietê e Capivari. Isso
começou a servir de estímulo também pra Tietê e Capivari, como um
elemento provocador... E acabou dando certo, hoje de Capivari já
vem alguns jovens, de Tietê já vem alguns jovens e de Piracicaba
também”.Essa nova experiência, além de recuperar um processo de
transmissão de conhecimento, permitiu ao grupo desenvolver uma
educação diferenciada, baseada na própria cultura.”
6

Essa questão aparece em alguns relatos das entrevistas já realizadas.Para os depoentes, o fato de se ter mantido a
tradição de proibir a participação das crianças no batuque foi responsável pelo enfraquecimento do grupo.
7
A associação esportiva e cultural Vila África de Piracicaba foi criada no início de 2004 e atualmente está sediada na
Vila África. O trabalho é coordenado pela profª. de dança Márcia e pelo Prof.Marcos que recebem orientação dos
mestres do batuque, que ainda estão em atividades, como mestre Plínio, mestre Dado e dona Odete, padrinhos do
grupo infantil.
A Vila África transformou-se em referência do batuque, ponto de encontro dos
vários batalhões existentes nas cidades, o que possibilitou um fortalecimento entre os
grupos. Márcia, batuqueira de Piracicaba e uma das Coordenadoras do grupo das
crianças, relata como foi o início das atividades:
Quando começou a gente tava só com as crianças da vila
África, a gente começou só com os nossos daqui. Começamos na
verdade no 13 a ensaiar com o 30. Daí foi aumentando. (...) Aí depois
começou o trabalho fora nos outros bairros, a gente chegou hoje até
umas 400 crianças.A gente trabalha não só com o batuque, mas
também com o jongo, com o maculelê e a capoeira.
A coordenação do grupo, atualmente jovens batuqueiros, nascidos e criados na
Vila África, conta também com o acompanhamento dos velhos batuqueiros, participam
frequentemente das atividades, acompanham as excursões do grupo, (re) vivendo a todo
o momento a tradição.
Nas inúmeras viagens feitas pelo grupo, as histórias sobre o passado são
revividas , por meio das brincadeiras e músicas cantadas pelos mais velhos e repetidas
pelas crianças.Márcia, uma das coordenadoras do grupo nos relata sobre essa troca de
experiências que ocorrem nas estradas:
“Quando a gente vai pro batuque, a gente já vai na História.
Quando a gente ta na estrada a gente já vai fazendo moda, a criançada ta
junto. Então a gente já vai cantando moda. E as histórias vão surgindo no
decorrer que a gente vai ficando...”

As músicas e as danças fazem reviver as histórias do passado, do tempo da
escravidão, dos tempos dos avós, enfim, como nos transmite Halbwachs(1990) essa
apropriação comum dos símbolos e dos significados e a comunhão de noções que
compartilhamos com os membros do grupo social é o que define o caráter social das
memórias individuais. É este "sentimento de realidade" a base para a reconstrução do
passado.
Essa transmissão de conhecimentos que envolvem oralidade e Educação nãoformal torna-se fundamental no processo de construção de valores positivos, em que as
crianças sentem orgulho de sua cultura e ao mesmo tempo a transforma como sujeitos
participantes desse processo.
Percebe-se que, as crianças não apenas se apropriam dessa cultura, como dão a
ela novos significados, o que fica evidente quando se observa as letras de músicas
criadas por esses meninos e meninas batuqueiras, as diferentes performances na hora da
umbigada, enfim, transformam-se em sujeitos culturais.
Considerações Finais
Dessa forma podemos perceber que, assim como a família, a escola formal pode
exercer papel fundamental no processo de construção de identidades. No entanto, ela se
transforma em espaço que geralmente reproduz a visão estigmatizada da cultura afrobrasileira, através da omissão e do silêncio.
Nesse contexto, o surgimento de uma proposta alternativa de educação torna-se
uma possibilidade, frente às novas necessidades sociais. A Educação não- formal tem
sido atualmente mais uma opção de aprendizagem, beneficiando grupos que até então
foram excluídos da escola formal e tiveram suas histórias omitidas nesses espaços.

8

Diante dessas questões é possível compreender a criação de opções educativas, uma vez
que a família e a escola não são capazes de suprir sozinhas as necessidades atuais, pois
elas podem oferecer novas possibilidades de formação e socialização.
Para Maria da Glória Gohn,(2006) a Educação não- formal possibilita “a
crianças ou jovens adolescentes resgatar o sentimento de valorização de si próprio(...)
ou seja, dá condições aos indivíduos para desenvolverem sentimentos de autovalorização, de rejeição dos preconceitos que lhes são dirigidos, o desejo de lutarem
para ser reconhecidos como iguais( enquanto seres humanos), dentro de suas
diferenças” (30)
A partir da observação e da coleta de depoimentos orais fui compreendendo
como essa prática cultural constituiu-se para o grupo em processo educativo de
valorização para seus filhos, ajudando-os a construir - ou reconstruirem muitas vezes uma identidade positiva por meio de uma memória familiar (com) partilhada, ou seja,
uma construção do conhecimento convivida. Fica evidente tanto nas falas como nas
imagens guardadas e selecionadas pelos depoentes a importância das experiências
familiares que atuam como referências na vida cotidiana presente, além de ser
caracterizado como fonte de transmissão.

8

Incluem-se trabalhos importantes como a pesquisa-ação desenvolvida em bairros periféricos de Campinas. A
proposta de reconstrução de memórias familiares de migrantes busca, através da história oral e educação não formal
desenvolver nos jovens e adolescentes seus talentos e criatividades. SIMSON, Olga R. M.von .Historia oral e
educação não formal na reconstrução das memórias familiares negadas aos jovens migrantes da periferia das grandes
cidades.relatório Unicamp/CNPq/FAPESP
BIBLIOGRAFIA
CERTEAU,Michael
de.
fazer.Petrópolis:Vozes.1996

A

invenção

do

Cotidiano.

Artes

de

GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de professores/as:
um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa, jan./jun.
2003, vol.29, no.1, p.167-182. ISSN 1517-9702.
GILROY, Paul. Atlântico Negro: Modernidade e Dupla Consciência. Rio de
Janeiro, Editora 34/UCAM — Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.
GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal, participação da sociedade civil
e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: aval. Pol.públ. Educ.,Rio de
Janeiro,v.14,nº 50,p. 27-38.2006
GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Antropologia e Educação: origens de um
diálogo. CADERNOS CEDES 43- Antropologia e Educação : Interfaces do
ensino e da Pesquisa.Ano XVIII, n.43(p.8-25).Campinas: CEDES.dezembro/1997
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. S. Paulo: Vértice, 1990.
SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes von. Carnaval em Branco e Negro:
carnaval popular paulistano 1914-1988.Tese (Doutorado em Sociologia)USP,1989.
_________.Folguedo Carnavalesco. Memória e Identidade Sócio Cultural. In:
Resgate, nº3.CMU.1991
________.; et all. Educação não-formal – cenários da criação. Campinas:
Editora da Unicamp, 2001.
________; & GUSMÃO, N. A criação cultural na diáspora e o exercício da
resistência inteligente. In: Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, 1989

SODRÉ, Muniz. O Terreiro e a Cidade, a Forma Social Negro-Brasileira. Rio de
Janeiro, Vozes,1988.

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Memória familiar e educação não formal - claudete de sousa nogueira

  • 1. Memória Familiar e Educação não-formal : Um olhar sobre a (re) construção de identidades Claudete de Sousa Nogueira1 UNICAMP/FE PALAVRAS CHAVES: Memória-Familiar, Cultura, Identidade Introdução O batuque de umbigada, também conhecido como tambu ou caiumba é uma manifestação cultural trazida para o Brasil pelos escravos de origem bantu. Com seus instrumentos como o Tambú, uma espécie de tambor feito de tronco oco de árvore; quinzengue, um tambor mais agudo que faz a marcação rítmica do tambú e nele se apóia; as matracas, que são os paus que batem no tambú do lado oposto do couro; guaiás ou chocalhos de metal em forma de cones ligados, essa manifestação conseguiu se manter através do tempo, passando de geração para geração. No interior de São Paulo, a hipótese mais provável é a de que o batuque de umbigada chegou trazido pelos escravos que vieram da região nordeste do Brasil para trabalhar nas fazendas de açúcar e de café. A manifestação se propagou pela região onde se localizam as cidades de Campinas, Piracicaba, Capivari, Monte-mor, Tietê, Porto Feliz, entre outras. Essa tradição cultural herdada pelos escravos, apesar de manter a forte presença africana dos tambores e da dança de umbigada se juntou ao universo caipira das modas. (Dias, 2001) “ Nas plantações das grandes fazendas, negros e caipiras conviveram e trocaram conhecimentos, irmãos na pobreza, no tipo de vida, na paixão pela música.” (Nepomuceno, 1999.p.166) Atualmente as cidades de Tietê, Capivari e Piracicaba continuam sendo espaços dessas manifestações. O Treze de Maio em Piracicaba, o Sábado de Aleluia em Capivari e a Festa de São Benedito em Tietê são ocasiões em que passado e presente se confundem: na dança de umbigada, nos reaquecimentos dos tambores ao calor da fogueira, nos longos versos improvisados em que homens e mulheres, jovens e velhos revivem um ritual que o 1 Doutoranda da faculdade de Educação/UNICAMP. Pesquisa orientada pela Profª Olga Rodrigues de Moraes von Sinsom.
  • 2. tempo não conseguiu apagar. “Essa dança nossa aqui é caiumba. Nêgo dançava no mato. Escravo dançava no mato. Furava esse pau aí com fogo, que ocê ta veno aí..furava com fogo, escondido de sinhô.Africano, no mato, furava esse pau com fogo.Pá podê diverti, escondido de sinhô.Naquele tempo que existia escravidão.”2 Em Piracicaba, baluarte dessa tradição, observamos na Vila África, a criação de um ONG preocupada em ensinar aos jovens do bairro e arredores o batuque de umbigada, entre outras danças afro-brasileiras.Essa nova experiência, além de recuperar um processo de transmissão de conhecimento, permitiu ao grupo desenvolver uma educação diferenciada, baseada na própria cultura. O presente artigo tem o objetivo de apresentar algumas reflexões sobre a educação não-formal e seu papel no processo de valorização cultural e (re)construção de identidade 1.1 Vila África: uma história de resistência e etnicidade 2 Theotônio de Moura, neto de escravos, do Batuque de Piracicaba,SP.In: Documentos sonoros Brasileiros.Acervo Cachuera
  • 3. Com o fim da escravidão, excluídos sócio-economicamente, os descendentes dos escravos que habitavam as regiões do interior do estado de São Paulo foram se agrupando em bairros periféricos das cidades, formando verdadeiros “territórios negros”. Utilizamos aqui, o conceito territórios negros3 também denominado “Redutos Espaciais Negros”4, pois nos possibilita compreender como as populações negras das diversas regiões brasileiras, não somente ocuparam, mas marcaram cultural e socialmente o espaço, desenvolvendo atividades ligadas a sua tradição.Muniz Sodré (1987) denomina esse espaço físico ocupado, como um lugar de cultura, ressaltando que "A territorialização não se define como um mero decalque da territorialidade animal, mas como força de apropriação exclusiva do espaço (resultado de um ordenamento simbólico) capaz de engendrar regimes de relacionamentos, relações de proximidade e distancia (...) o território aparece assim como um dado necessário à formação de identidade grupal/individual, ao reconhecimento de si por outros."(p.14) Para Simson(1989) a proximidade do centro urbano comercial, os limites com bairros nobres que abriam possibilidades ao empregos domésticos e a localização em áreas urbanas desvalorizadas caracterizavam a formação desses espaços.Algumas dessas características, que marcaram a formação de bairros da capital paulista como Bexiga e Barra funda, também estavam presentes na formação desses territórios negros no interior do Estado. Na década de 50, um trecho do bairro Vila Independência tornava-se conhecido em Piracicaba, interior de São Paulo pela concentração de famílias negras que compraram terrenos e construíram suas casas na rua Frei Luiz Santana e arredores. Essa região passou a ser motivo de gozação dos moradores de outros bairros que a apelidaram de “Vila África”, uma referência pejorativa que estabelecia as fronteiras sociais. Os antigos moradores relatam em seus depoimentos que o local no início era cercado por barrocas e canaviais. Sem asfalto, nem energia elétrica os terrenos eram desvalorizados e seus moradores eram penalizados com a distância do Centro e a falta de infra-estrutura. Fica evidente que, esses novos espaços de socialização acabaram contribuindo para a manutenção e o fortalecimento das tradições trazidas na memória. O batuque de 3 Conceito utilizado nas reflexões feitas por alguns pesquisadores como Muniz Sodré(1987), em seu trabalho O Terreiro e a Cidade e Raquel Rolnik(1989).”Territórios negros nas cidades brasileiras(etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro), 1989 4 Conceito utilizado pelas Profªs Olga R. M. von Simson e Neusa Mendes Gusmão em artigo intitulado: A criação cultural na diáspora e o exercício da resistência inteligente. In: Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, 1989
  • 4. umbigada permaneceu “vivo” graças à influência que receberam dos antepassados diretos: pais, tios e avós, tornando-se uma prática cultural portadora dos anseios da comunidade. Os depoimentos dos batuqueiros e batuqueiras são permeados por minuciosos relatos de acontecimentos familiares onde à figura dos avós, pais, irmãos, tios e padrinhos estão sempre presentes. As falas e os retratos antigos guardados carinhosamente também evidenciam essa relação, que representa a herança cultural. Nas letras das músicas relembradas atualmente por esses batuqueiros e batuqueiras podemos compreender o papel que a cultura exerce sobre o grupo. As indignações estavam presentes, como na letra criada pela Dona Anicide Toledo, de Capivari, para denunciar a situação do filho que sofria discriminação no trabalho: “ Eu moro em Capivari, gosto muito da minha terra, eu moro em Capivari, gosto muito da minha terra, São João que me perdoe, do que eu vou falar aqui. Precisa acabar o racismo, mas dentro de Capivari.” Em pesquisa sobre o carnaval de São Paulo, Olga von Simson(1991) destaca a importância do espaço do carnaval pra o exercício da resistência, considerado pela autora como “resistência inteligente”,: Aquela resistência que se exerce no cotidiano, ao nível da cultura, aproveitando as brechas que a religião, o lazer e a política possam apresentar, e que o negro paulistano sempre soube alargar. O que se percebe na Vila África é que, essa união estabelecida em torno dessas famílias negras contribuiu para que aos poucos fossem conquistando o respeito dos moradores de outros bairros e, transformando-se em valores positivos para o grupo. Nesse processo, entende-se a memória familiar como patrimônio simbólico dessa cultura no qual cada membro representa um elo entre passado e presente. Nesse mesmo período, o batuque de umbigada passou a ser considerado imoral e, conseqüentemente não podia mais ser realizado publicamente. Os participantes foram fotografados, fichados e alguns presos. Essa intervenção judicial e policial, resultado de
  • 5. uma pressão feita pela classe média e pela Igreja, é apontada por alguns estudiosos como uma das causas da decadência do batuque de umbigada na região. (Cândido, 1947; Dias, 2001) No entanto, ao que tudo indica mesmo proibido de exercer essa prática publicamente, o grupo conseguiu preservar esse espaço social, que se manteve as festas em dias de celebrações religiosas ou familiares. Inseridos em ocupações como serviços públicos e braçais, a maioria desses negros continuou se encontrando, o que permitiu manter os laços de solidariedade. Em 1957, houve a junção das manifestações das três cidades, Piracicaba, Capivari e Tietê, o que, segundos relatos, deu-se devido à percepção por parte dos batuqueiros do enfraquecimento dos grupos locais: É..Foi falecendo os batuqueiros antigos, não houve aquela substituição natural; e foi tendo a necessidade de se juntar o grupo, juntar as três cidades pra formar um grupo e aí que a gente acha que foi assim uma sacada fantástica pra permanecer o grupo até hoje.De três formou um, que permaneceu a manifestação sóbria, que trouxe pra gente até hoje. Então esse foi o grande momento, acho que é como a gente fala, o batuque até 1957 e o batuque depois de 1957. 5 1.2 A Educação não-formal e a identidade coletiva 5 Vanderlei, batuqueiro de Piracicaba, filho, neto e bisneto de batuqueiros.depoimento concedido em 02/12/2005.
  • 6. Segundo a fala dos velhos batuqueiros6, a inserção das crianças na prática do batuque era proibida, sendo que sua participação se limitava a acompanhar os pais e observar as danças e o batuque. Toniquinho batuqueiro, descendente dos antigos batuqueiros de Piracicaba, relata esse processo de aprendizagem que ocorria com as crianças: Então, o que eu aprendi foi emprenhado pelo ouvido, quer dizer eles me levavam na roda de samba, ou na roda do cururu ou na roda do tambú e a cada batida entrava em mim, os cantos entravam em mim a dança entrava ...cá, pela retina e pelo ouvido. Então eu via e ouvia o toque do tambú, a dança do tambú, é...a preparação de como é que eles ficavam lá no chão, como é que as meninas, as moças dançavam(...). Com o tempo, as crianças foram se inserindo nas festas, aprendendo as danças, os cantos e o batuque. Em Piracicaba, algumas datas comemorativas como o Dia das Crianças passaram a ser espaços em que o batuque de umbigada era ensinado aos mais jovens pelos velhos mestres. Motivados pelas lembranças, pela necessidade de preservar essa tradição africana e reconstituir parte da história de Piracicaba, por meio da dança e da música, os velhos batuqueiros criaram em 2001 uma associação com o objetivo de transmitir os ensinamentos do batuque, das danças afro-brasileiras e a ancestralidade de sua cultura para as crianças. 7 Antonio Filogênio de Paula Júnior, integrante do grupo de batuque de umbigada de Piracicaba, destaca a importância desse processo. “E começou ali um trabalho na Vila África, esse trabalho foi ampliado e a gente tentou já pensar no que levar exatamente, onde eram os antigos redutos do batuque. Desenvolver na Paulicéia, e em outros bairros onde tinha uma predominância de descendentes, é de negros, de afros - descendentes. E deu certo. Então a partir do modelo de Piracicaba, a gente começou com essas crianças, com esses jovens a revitalizar esse grupo que une Piracicaba, Tietê e Capivari. Isso começou a servir de estímulo também pra Tietê e Capivari, como um elemento provocador... E acabou dando certo, hoje de Capivari já vem alguns jovens, de Tietê já vem alguns jovens e de Piracicaba também”.Essa nova experiência, além de recuperar um processo de transmissão de conhecimento, permitiu ao grupo desenvolver uma educação diferenciada, baseada na própria cultura.” 6 Essa questão aparece em alguns relatos das entrevistas já realizadas.Para os depoentes, o fato de se ter mantido a tradição de proibir a participação das crianças no batuque foi responsável pelo enfraquecimento do grupo. 7 A associação esportiva e cultural Vila África de Piracicaba foi criada no início de 2004 e atualmente está sediada na Vila África. O trabalho é coordenado pela profª. de dança Márcia e pelo Prof.Marcos que recebem orientação dos mestres do batuque, que ainda estão em atividades, como mestre Plínio, mestre Dado e dona Odete, padrinhos do grupo infantil.
  • 7. A Vila África transformou-se em referência do batuque, ponto de encontro dos vários batalhões existentes nas cidades, o que possibilitou um fortalecimento entre os grupos. Márcia, batuqueira de Piracicaba e uma das Coordenadoras do grupo das crianças, relata como foi o início das atividades: Quando começou a gente tava só com as crianças da vila África, a gente começou só com os nossos daqui. Começamos na verdade no 13 a ensaiar com o 30. Daí foi aumentando. (...) Aí depois começou o trabalho fora nos outros bairros, a gente chegou hoje até umas 400 crianças.A gente trabalha não só com o batuque, mas também com o jongo, com o maculelê e a capoeira. A coordenação do grupo, atualmente jovens batuqueiros, nascidos e criados na Vila África, conta também com o acompanhamento dos velhos batuqueiros, participam frequentemente das atividades, acompanham as excursões do grupo, (re) vivendo a todo o momento a tradição. Nas inúmeras viagens feitas pelo grupo, as histórias sobre o passado são revividas , por meio das brincadeiras e músicas cantadas pelos mais velhos e repetidas pelas crianças.Márcia, uma das coordenadoras do grupo nos relata sobre essa troca de experiências que ocorrem nas estradas: “Quando a gente vai pro batuque, a gente já vai na História. Quando a gente ta na estrada a gente já vai fazendo moda, a criançada ta junto. Então a gente já vai cantando moda. E as histórias vão surgindo no decorrer que a gente vai ficando...” As músicas e as danças fazem reviver as histórias do passado, do tempo da escravidão, dos tempos dos avós, enfim, como nos transmite Halbwachs(1990) essa apropriação comum dos símbolos e dos significados e a comunhão de noções que compartilhamos com os membros do grupo social é o que define o caráter social das memórias individuais. É este "sentimento de realidade" a base para a reconstrução do passado. Essa transmissão de conhecimentos que envolvem oralidade e Educação nãoformal torna-se fundamental no processo de construção de valores positivos, em que as crianças sentem orgulho de sua cultura e ao mesmo tempo a transforma como sujeitos participantes desse processo. Percebe-se que, as crianças não apenas se apropriam dessa cultura, como dão a ela novos significados, o que fica evidente quando se observa as letras de músicas
  • 8. criadas por esses meninos e meninas batuqueiras, as diferentes performances na hora da umbigada, enfim, transformam-se em sujeitos culturais.
  • 9. Considerações Finais Dessa forma podemos perceber que, assim como a família, a escola formal pode exercer papel fundamental no processo de construção de identidades. No entanto, ela se transforma em espaço que geralmente reproduz a visão estigmatizada da cultura afrobrasileira, através da omissão e do silêncio. Nesse contexto, o surgimento de uma proposta alternativa de educação torna-se uma possibilidade, frente às novas necessidades sociais. A Educação não- formal tem sido atualmente mais uma opção de aprendizagem, beneficiando grupos que até então foram excluídos da escola formal e tiveram suas histórias omitidas nesses espaços. 8 Diante dessas questões é possível compreender a criação de opções educativas, uma vez que a família e a escola não são capazes de suprir sozinhas as necessidades atuais, pois elas podem oferecer novas possibilidades de formação e socialização. Para Maria da Glória Gohn,(2006) a Educação não- formal possibilita “a crianças ou jovens adolescentes resgatar o sentimento de valorização de si próprio(...) ou seja, dá condições aos indivíduos para desenvolverem sentimentos de autovalorização, de rejeição dos preconceitos que lhes são dirigidos, o desejo de lutarem para ser reconhecidos como iguais( enquanto seres humanos), dentro de suas diferenças” (30) A partir da observação e da coleta de depoimentos orais fui compreendendo como essa prática cultural constituiu-se para o grupo em processo educativo de valorização para seus filhos, ajudando-os a construir - ou reconstruirem muitas vezes uma identidade positiva por meio de uma memória familiar (com) partilhada, ou seja, uma construção do conhecimento convivida. Fica evidente tanto nas falas como nas imagens guardadas e selecionadas pelos depoentes a importância das experiências familiares que atuam como referências na vida cotidiana presente, além de ser caracterizado como fonte de transmissão. 8 Incluem-se trabalhos importantes como a pesquisa-ação desenvolvida em bairros periféricos de Campinas. A proposta de reconstrução de memórias familiares de migrantes busca, através da história oral e educação não formal desenvolver nos jovens e adolescentes seus talentos e criatividades. SIMSON, Olga R. M.von .Historia oral e educação não formal na reconstrução das memórias familiares negadas aos jovens migrantes da periferia das grandes cidades.relatório Unicamp/CNPq/FAPESP
  • 10. BIBLIOGRAFIA CERTEAU,Michael de. fazer.Petrópolis:Vozes.1996 A invenção do Cotidiano. Artes de GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa, jan./jun. 2003, vol.29, no.1, p.167-182. ISSN 1517-9702. GILROY, Paul. Atlântico Negro: Modernidade e Dupla Consciência. Rio de Janeiro, Editora 34/UCAM — Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001. GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: aval. Pol.públ. Educ.,Rio de Janeiro,v.14,nº 50,p. 27-38.2006 GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Antropologia e Educação: origens de um diálogo. CADERNOS CEDES 43- Antropologia e Educação : Interfaces do ensino e da Pesquisa.Ano XVIII, n.43(p.8-25).Campinas: CEDES.dezembro/1997 HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. S. Paulo: Vértice, 1990. SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes von. Carnaval em Branco e Negro: carnaval popular paulistano 1914-1988.Tese (Doutorado em Sociologia)USP,1989. _________.Folguedo Carnavalesco. Memória e Identidade Sócio Cultural. In: Resgate, nº3.CMU.1991 ________.; et all. Educação não-formal – cenários da criação. Campinas: Editora da Unicamp, 2001. ________; & GUSMÃO, N. A criação cultural na diáspora e o exercício da resistência inteligente. In: Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, 1989 SODRÉ, Muniz. O Terreiro e a Cidade, a Forma Social Negro-Brasileira. Rio de Janeiro, Vozes,1988.