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AS MULTIPLAS FACES DE EROS
UM X LO AÇ O PSICOANALÍTICA DA SEXUALIDADE HUMANA
M 111111 011t
Com certeza nossas vidas
seriam bem mais simples - mas
também mais pobres - se a
nossa sexualidade fosse, como
nos animais, redutível a um
instinto pré-formado que
conhece seu objeto, sua
fi nalidade, seus modos de
satisfação. Como seríamos mais
seguros se o nosso sexo
anatômico garantisse a nossa
identidade sexual!
O polimorfismo e a persistência
da sexualidade infantil anterior
à maturação dos órgãos
genitais, a bissexualidade
psíquica, os conflitos da
identificação, a existência deste
nigmático "X" chamado libido,
capaz de migrar para onde
menos se esperaria, complicam
ria mente o quadro.
ros não nos deixa em paz!
A tal ponto isto é verdade que
yc pode iniciar seu livro com
(, 1111t/11ua na , unda or lho/
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AS MÚLTIPLAS
FACES DE EROS
J J
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AS MÚLTIPLAS
FACES DE EROS
Uma exploração psicoanalítica
da sexualidade humana
Joyce McDougall
Tradução
PEDRO HENRIQUE BERNARDES RONDON
Martins Fontes
São Paulo 200 I
EJta vhra /01 1mhl1rnda ofl,{f111alme11te em 1111,:lfs com o 1Ít11l0 TNE MANY
FACES OF EROS por Fru Assoáariou Books. Lo11do,1, ""' /995
Co11.wif.:ht © Joyce McD011glllf. /995.
De acordo com o Copyn~lu. Desif,:ns mui Pt11e111s Art. /988 fir" gammulo
a Joyce McDougall o direiro de ser reco11hecidt1fomo " ,wtora desta obro.
Copvri1d11 © 1997. LH'roria Marti11s Fontes Editoro Lula.,
Sâo Pm,lo. paro " prt.':tt•mt• ediçtio.
1• edição
março de 1997
2' tiragem
março de ZOO/
Tradução
l'EDRO 1/ENRIQUE BERNAIWES RONDON
Revisf1
0 da lrnclU1çi1
0
Clmulia Berli,wr
Revis:io gráfica
Ctlf,a R,•.l!illa Rodri,:1w.r de Lima
h't•tt• /Jatista dos Santos
Produção gráfica
Gt•mldo Afres
Paginação/Fololitos
Stmho J Desrm·ofrimenro Etlitorwl
Ca pa
Katw fl<,rwm TeraJaka
lluslra~ão da capa
Olfrer
Dados lnlemacionais de Calalogaç::"io nu Publicm;:"io (CJI')
(Cihnurn Urasileira do Livm , SP, Brasil)
McDoug:ill. Joyce
A, nnilt1plas face:,, de Ero!> : uma cxploraç:io psico:111:11í1ica da
:,,cxua lid:1dc humana / Joyce McDoug.all : tradu~·ào Pedro Henrique
Bcmardc~ Rondon). - S:io Paulo: Mantm, Fo111c,. 1997.
Título ongmal: TI1c many face,; of Eros.
81bliografia.
ISBN 85-336-0597-8
1. P~1canáli~c 2. Sexo (P,1cologrn) 1. Thulo.
97- 1094 CDD-150.195
Índices para co1tálogo "islcmático:
1. Scxu:1lidadc humana : Psicanáli!>e : Teoria, :
P, icologi:1 150. 195
Todos os direiws para o Brasil reser'lulvs â
Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
R11a Consl'iheiro Ramalho, 33013./0
OI325-000 Sâo Pa11lo SI' Brasil
frl./1/ )239-3677 Fax ( /1 )3/05-6867
e•mail: i11fo@mar1i11sfo111es.com
http:llwww.marri,Bfo111es.com
À memória de Robert Stoller, eminente escritor e
pesquisador dos mistérios da sexualidade humana,
com imorredoura gratidão por suas idéias estimulantes
e sua valiosa amizade ao longo de muitos anos.
,
Indice
/>
rfácio: Sexualidade humana: uma busca eterna?. ................ IX
Parte I - Feminilidade e sexualidade
'upítulo 1- Os componentes homossexuais da sexualidade
feminina....................................................... ......... 3
'upítulo 2 - A mulher analista e a mulher analisanda ............... 19
'upítulo 3 - Sexualidades femininas: temas e variações........... 35
Parte II - Sexualidade e criatividade
' ,pltul 4 - A sexualidade e o processo criativo....................... 59
' 1pltulo 5 - Criatividade e identificações bissexuais ............... 77
'npftulo 6 - Trauma e criatividade............................................ 103
Parte III - O sexo e o soma
'11pltul 7 - As sexualidades arcaicas e o psicossoma .............. 127
( '11pltul 8 - O "self" do olfato e o "self" da pele ..................... 145
' 1pltulo 9 - Do silêncio do soma às palavras do psiquismo ..... 167
Parte IV - Os desvios do desejo
Capítulo 1O- As soluções neo-sexuais......................................
Capítulo 11 -As neonecessidades e as sexualidades adictivas ...
Capítulo 12 - Desvio sexual e sobrevivência psíquica ..............
Parte V - Psicanálise no divã
Capítulo 13 - Os desvios da atitude psicanalítica .....................
Capítulo 14 -Além das seitas psicanalíticas, em busca de um
novo paradigma...................................................
Referências bibliográficas .........................................................
185
197
217
233
251
265
PREFÁCIO
SEXUALIDADE HUMANA: UMA BUSCA ETERNA?
Há o outro universo, o do coração do homem
do qual nada sabemos e que não ousamos investiga,:
Estranha distância cinzenta separa
nossa pálida mente do continente/remente
do coração do homem.
Precursores apenas desembarcaram na praia
E nenhum homem sabe, mulher alguma conhece
o mistério do interior
quando, ainda mais obscuros que o Congo ou o Amazonas,
correm os rios de plenitude, de desejo e de dor
do coração.
D. H. Lawrence
A sexualidade humana é inerentemente traumática. Os múltiplos
conflitos psíquicos produzidos na busca de amor e satisfação, os quais
surgem como resultado do choque entre o mundo interno de pulsões
instintivas primitivas e as forças coercitivas do mundo externo, ini-
ciam-se com nosso primeiro relacionamento sensual. Quando o bebê
encontra o "seio-universo", inaugura-se o período de "amor canibal",
no qual os impulsos eróticos e sádicos estão fundidos. A noção de um
"outro" - de um objeto separado do self -, lentamente adquirida,
surge a partir da frustração, da fúria e de uma forma primitiva de
depressão que todo bebê vivencia em relação ao objeto primordial de
amor e desejo. A felicidade está na abolição da diferença entre o selfe
o outro. Portanto, não é de espantar que, no curso da viagem analítica,
descubramos vestígios daquilo que bem poderia ser chamado de
"sexualidade arcaica", que traz as marcas amalgamadas de libido e
mortido* e na qual o amor é impossível de distinguir do ódio. A ten-
são que emana dessa dicotomia, com seu potencial depressivo, impele
à eterna busca de resolução e, de fato, proporciona um substrato vital
e empre presente em todas as formas de amor e sexualidade adultos.
• Libido e mortido: neologismo da autora para indicar as pulsões de vida e de
morte. (N. do T.)
X AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
O reconhecimento da alteridade é seguido pela descoberta,
igualmente traumática, da diferença entre os sexos. Sabemos hoje
que esta descoberta não está primariamente ligada a conflitos edi-
pianos, como Freud tinha concluído, mas ocorre bem antes da cha-
mada fase edipiana clássica. Os muitos anos de pesquisa de Roiphe
e Galenson (1981) são esclarecedores a este propósito. Seus estudos
de observações demonstraram que, muito antes de as crianças esta-
rem lutando com os angustiantes conflitos que circundam a crise
edipiana, o fato da diferença em si mesma desperta angústia. Entre-
tanto, constata-se que a descoberta da diferença sexual tem efeito de
amadurecimento (diferente para os dois sexos) desde que a angústia
tenha sido, em certa medida, atenuada.
A crise edipiana, em suas duas dimensões, homossexual e hete-
rossexual, força as crianças a chegarem a um acordo com o impossí-
vel desejo de encarnar os dois sexos e de possuir ambos os genito-
res. Concomitantemente, ao aceitarem sua inelutável monossexuali-
dade, os jovens humanos devem compensar de outros modos essa
renúncia aos seus anseios bissexuais. (Esses "outros modos" estão
estudados nos capítulos que tratam da criatividade e de desvios
sexuais.) A descoberta da diferença sexual contribui para a repre-
sentação, lentamente adquirida, de um "gênero nuclear", no sentido
em que Stoller (1968) define este termo. Sobre essa base a criança
virá a identificar-se como "masculina·" ou "feminina", por meio de
representações mentais que, mais do que provenientes de dados bio-
lógicos, são predominantemente criadas pelas injunções do incons-
ciente biparenta! e pelos conceitos transmitidos pelo ambiente so-
cial e cultural ao qual os pais pertencem.
A psicanálise tem uma contribuição específica a fazer para o
estudo das aberrações da identidade de gênero nuclear e dos confli-
tos psíquicos relacionados à identidade de papel sexual, na medida
em que as orientações sexuais são moldadas pelas experiências do
início da infância. Ainda que esteja-fora de questão que um bebê de
sexo masculino tem sensações anatômicas diferentes das do bebê de se-
xo feminino, este "dado" não implica que alguma representação psí-
quica de identidade de gênero nuclear seja inata. Freud enfatizou
que os objetos do desejo sexual não são inatos, mas têm de ser "en-
contrados" (1905); propôs também que os sentimentos de self e de
orientação sexual, ainda que estabelecidos no início da infância, são
"redescobertos" em sua força total, logo após a puberdade.
PREFÁCIO
XI
Conforme Licbtenstein (1961) observou, o desenvolvimento de
nosso sentido de identidade pessoal é semelhante a Janus em sua
construção, por um lado, englobando "aquilo que se assemelha a
mim" e, por outro, "aquilo que é diferente de mim". Nas palavras de
Lichtenstein "a identidade do animal é 'fixa', [enquanto] o homem
t m de lutar, ~ara sempre com a necessidade de definir a si mesmo, de
criar uma identidade que não lhe é basicamente inerente à força de
automatismos inatos".
É evidente que a aquisição de um sentimento seguro de identi-
dade tanto pessoal quanto sexual vai exigir uma série de proces_
sos
de luto a fim de abandonar o desejo de possuir "aquilo que é dife-
rente d~ mim". Estes passos de amadurecimento não se dão sem dor
e sacrificio. Algumas crianças recebem mais ajuda parental do que
utras, no sentido de realizar o trabalho de luto que é imperativo nes-
se estágio inicial do desenvolvimento psíquico.
Dois conceitos centrais a propósito das origens do self sexual
formam um pano de fundo contínuo nos capítulos que se seguem: a
importância de longo alcance da bissexualidade psíquica e a yro-
t'unda relevância das fantasias de cena primária na estrutura ps1cos-
scxual da humanidade.
Sobre a bissexualidade psíquica
Freud, ainda que indeciso quanto ao papel de fatores genéticos
1111 bissexualidade, deu considerável importância ao conceito en-
quanto estrutura psicológica e considerava que os desejos bissexuais
•stavam universalmente presentes na infância (Freud, 1905, 1919,
19 O). Uma vez que a maioria dos bebês tem dois genitores, é de se
•spcrar que as crianças se sintam libidinalmente atraídas por ambos,
dundo origem ao desejo de obter o amor exclusivo de cada um ~eles.
1 , fato, toda criança quer possuir os misteriosos órgãos sexuais e o
l'untasiado poder, tanto de seu pai quanto de sua mãe, de homem e
inulhcr. A obrigação de chegar a um acordo com o destino monosse-
uul de cada um constitui uma das mais graves feridas narcísicas da
111 meia.
Por intermédio de que recursos chegamos a integrar essas exi-
n ias bissexuais à nossa estrutura psíquica, assumindo ao mesmo
t •mpo nossa identidade anatômica predestinada? Após cerca de trin-
XII AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
ta anos_de reflexão e observação clínica, estou convencida de que a
c~nfusao a que os desejos bissexuais dão origem na organização ini-
cial da estrutura psicossexual afeta consideravelmente muitas áreas
da _
vida ~dulta. Embora a integração desses desejos seja fonte de
e~nquec1m~n~o. p~íquico, su~ não-integração é causa freqüente de
sintomas e 1mb1çoes em muitos aspectos da vida adulta. Assim as
múltiplas maneiras p_elas quais tentamos lidar com o desejo impo~sí-
vel de ser e ter os dois sexos merecem consideração clínica e teórica.
Libido: homossexual ou heterossexual?
Conceitos como "libido homossexual" ou "libido heterossexual"
precisam ser definidos. Libido foi a palavra escolhida por Freud
para descrever todos os aspectos da energia pulsional sexual nos se-
r~s_ h~manos. ~le enfatizou também que a energia libidinal podia ser
dmg1d~ pa_ra, diferentes pessoas, para os dois sexos e para o próprio
se/fdo md1v1duo. Conseqüentemente, a expressão "libido homosse-
xu~I" _d_e~ignaria a parte dos impulsos libidinais que, na infância,
esta dmg1da para o genitor de mesmo sexo.
Ademais, é pouco reconhecido o fato de que, nas crianças de
ambo~ os _
sexos: os des~jos homossexuais sempre têm duplo objeti-
vo. Pnme1ro, ha o desejo de possuir sexualmente o genitor de mes-
mo sexo para si próprio; há, em seguida, o desejo igualmente forte
d_e ~er o genitor d~ sexo oposto e, com isso, encarnar todos os privi-
!eg10s e prerrogativas de que aquele genitor é considerado dotado. É
importante distinguir esses dois objetivos homossexuais comple-
mentares e algo contraditórios, visto que coexistem em toda criança
pequena - e estão eternamente presentes no inconsciente de todo
adulto! Além disso, levando em conta esses desejos primários, pode-
rem_os favorecer nossa compreensão das diversas maneiras pelas
quais as duas correntes homossexuais podem achar expressão igual-
mente em adultos homossexuais e heterossexuais.
Sobre a homossexualidade primária
A homo~sexualidade primária da menina pequena impele-a a
querer possu1r sexualmente sua mãe, penetrar sua vagina, "subir
l'/(/:ºFA 10
XIII
diretamente para dentro dela" e "comê-la", no desejo de incorporá-
1
11 totalmente, juntamente com todos os seus poderes mágicos. A
111 ·nina também quer ser penetrada por sua mãe, criar filhos com ela
·, assim, tornar-se o objeto singular do amor de sua mãe, excluindo
, cu pai. Ao mesmo tempo, deseja de maneira igualmente ardente ser
um homem como seu pai, ter os genitais dele tanto quanto os pode-
1cs e as outras qualidades que lhe atribui e, desse modo, representar
1
111vida de sua mãe um papel tão importante quanto aquele represen-
tndo por seu pai. Esta constelação é estudada nos capítulos sobre a
s · uaiidade feminina, na Parte I.
menino, por sua vez, desenvolve sua própria forma de ho-
11osscxualidade primária, imaginando-se parceiro amoroso de seu
pni, incorporando seja anal ou oralmente o pênis dele e, com isso, "tor-
111111d -se" seu pai ao apossar-se de seus genitais e de seus privilé-
' ios masculinos1
•
Outras fantasias comuns aos meninos incluem penetrar o pai
·om eles imaginam que a mãe é penetrada, um devaneio que impli-
·n a destruição do pênis do pai. Este desejo coexiste com o de tomar
o lugar da mãe, com a esperança de que o pai lhe dê um bebê para
·rcscer dentro de seu próprio espaço interior imaginado.
ste último ponto evoca em mim a recordação de uma vívida dis-
·ussão que ocorreu entre meu neto Daniel, de quatro anos de idade, e
uu mãe, que, na época, estava no sexto mês de gravidez. Daniel estava
, ·ariciando o abdome de sua mãe e perguntando-Lhe pela centésima
·1. como o bebê tinha ido parar lá dentro. Pacientemente, ela explicou
que papai tinha colocado a semente do novo bebê na barrig~ dela e
que, cm breve, Daniel teria um irmãozinho ou uma irmãzinha. A noite,
quando seu pai chegou em casa, Daniel gritou impacientemente:
" Papai, tenho uma coisa especial para te pedir. Quer, por favor,
·olocar um bebê na minha barriga também?"
O pai explicou que os papais só põem bebês na barriga das
mamães, porém acrescentou que um dia Daniel teria uma esposa e
•ntfio poderia colocar um bebê na barriga dela. Com expressão de
determinação nos olhos, Daniel correu para sua mãe e, dando tapi-
11has no abdome dela, disse:
1. Estas fantasias de incorporação, nas crianças pequenas dos dois sexos,
1
111cm lembrar as crenças das tribos primitivas de que comer o coração do leão (ou
dn leoa) daria ao indivíduo a capacidade de adquirir sua força, seu poder onipotente
• ~un invencibilidade.
XN AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
"M~ãe, quando você não precisar mais, quer, porfavor, pas-
sar para mim?"
Este incidente te~e uma divertida conseqüência no dia seguinte.
Aco_mp~ando Daniel e seu amigo John ao jardim-de-infância
ouvi-o dizer: '
"Ei, John, sabe o que a minha mãe tem na barriga?"
"Não, o que é?"
"Um bebê!"
Um ar de repulsa surgiu no rosto de John e ele replicou·
"Eca! Ela comeu um?" ·
"Não, seu bobo! Meu pai é que colocou ele lá dentro."
. John (cujos pais se sep~aram antes de seu nascimento) prosse-
~um procl~ando que Daniel estava dizendo bobagem. Sua mãe
tinha,~lh~ dito que só Deus põe bebês no corpo das mães.
SeJa como for, este não foi Ele quem colocou na minha mãe"
respond~u Daniel com firmeza. (Pensei comigo mesma O quanto &,
~erdade~o que a "realidade" não existe de modo absoluto e, de fato,
e quase mterramente construída a partir das comunicações parentais
sobre ela.)
A ambivalência de anseios insatisfeitos
Esses a~seio_s b!ssexuais infantis estão, é claro, destinados a
permane~er ms~tisfe1tos, pois a menina não vai se tomar homem,
n~ca vai possurr sua mãe sexualmente e fazer bebês com ela nem
vai receber um bebê de seu pai. Semelhantemente, o menino não vai
se _
tornar mulher, não vai fazer b~bês ~om seu pai nem tornar-se par-
ce':o _
sexual dele, como outrora Irnagmou. Ademais, esta forma fan-
tas~~t1ca ~~ posse, comum a t~?_as ~s crianças, implica a destruição
do outro_ e ~em como c~nse9~enc1a confusos sentimentos de culpa
e depressao. E, portanto, mev1tavel que emoções complexas venham
a enxertar-se nesses ans_
eios insatisfeitos tão antigos, uma vez que a
f~lta de s~cesso na ~atisfação de desejos homossexuais primários
fica_associada a sentiment?s d_e f~rida narcísica, agressão e inveja.
Assim, uma ~rofund~ amb1valenc1a complica o apego e atração por
am~os os gemt~res. E compreensível que os componentes homosse-
xuais da sexualidade humana estejam infiltrados de afetos de natu-
reza tanto altam_
ente p~sitiva quanto fortemente negativa.
Embora seJa poss1vel fazer afirmação idêntica a propósito dos
componentes heterossexuais, os desejos heterossexuais primários,
l 'IU:'t·A !O XV
·onquanto de nenhum modo isentos de inveja e ódio, estão fadados
11 ·n ontrar respostas menos escarnecedoras e impedimentos menos
111 ·onciliáveis à sua subseqüente satisfação do que aqueles ligados
, s primeiras pulsões homossexuais. (Um de meus pacientes, profes-
.or de psiquiatria de sessenta anos de idade, ainda se lembra vivida-
111 ·nte da humilhação que sofreu diante de sua família inteira quan-
do. aos três anos de idade, pediu que lhe dessem uma boneca no
Notai.) É provável que os desejos heterossexuais primários conte-
11ham um potencial menor para gerar alguma forma invejosa ou con-
11 ituosa de desejo sexual e que culmina em sofrimento psíquico
d ·ssa natureza.
Finalmente, todas as crianças têm de aceitar o fato de que nun-
·11 1ossuirão os dois gêneros e serão para sempre apenas metade da
·on ·telação sexual. Esta escandalosa afronta à megalomania infantil
•omplica-se ainda mais pela necessidade de chegar a um acordo
rom a crise edípica, em suas dimensões homossexuais e heterosse-
11ni , bem como com a impossibilidade de possuir sexualmente
qualquer dos genitores.
Um estudo dos múltiplos processos pelos quais as crianças pe-
quenas realizam essas monumentais tarefas psicológicas pode con-
11 ibuir para aumentar nossa compreensão, tanto das homossexuali-
ludes manifestas quanto dos impulsos homossexuais inconscientes
dos heterossexuais. Nesse ponto, é preciso também acentuar que as
t11 icntações homossexuais da vida adulta de modo nenhum podem
·r apreendidas como simples fixação aos desejos bissexuais uni-
v ·rsais da infância. Numerosos outros elementos contribuem para o
·omplexo desenvolvimento da identidade e da escolha objetal, tanto
homossexual quanto heterossexual.
E importante estudar as diversas maneiras pelas quais os an-
. ·i s homossexuais primários, em suas versões binárias, são trans-
formados e integrados na vida de indivíduos adultos, a fim de alcançar
uma certa harmonia no sexo e no amor. Há muitos canais disponí-
v·i · para o investimento dessa corrente libidinal essencial nas nossas
vidas adultas. Os conflitos acerca dos impulsos bissexuais, con-
quanto possam criar sofrimento neurótico, podem com a mesma pres-
1·za enriquecer a personalidade. O substrato bissexual, por exemplo,
p de ervir como elemento fundamental para estimular as capacida-
d ·s criativas; porém, na eventualidade de conflito inconsciente nes-
su área, pode também dar origem a grave inibição. Ademais, mesmo
XVI AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
que os aspectos conflituosos dos desejos bissexuais possam, com
toda a probabilidade, ter sido manejados de maneira bem-sucedida
por meio do recalcamento ou da atividade sublimatória, o colapso
sempre poderá ocorrer, dando origem a sintomas ou ao bloqueio cria-
tivo (estes aspectos serão ilustrados nos capítulos das Partes I e 11).
A descoberta, por parte da criança, da diferença entre os sexos
é equivalente, em qualidade traumática, à anterior descoberta da
alteridade e à ulterior revelação da inevitabilidade da morte. Alguns
indivíduos nunca resolvem nenhum desses traumas universais e, em
alguma medida, todos nós os negamos nos mais profundos recessos
de nossas mentes, lá onde temos a liberdade de ser onipotentes, bis-
sexuais e imortais.
Cena primária e sexualidades primitivas
Como conceito, "cena primária" engloba o estoque total de sa-
ber inconsciente e a mitologia pessoal que a criança tem a propósito
das relações sexuais humanas, especialmente as dos pais.
Afora os aspectos genitais da cena primária e os conflitos fáli-
co-edipianos associados a ela (descritos por Freud como típicos das
neuroses, quando estas inibem alguma ou todas as formas de ex-
pressão libidinal), essa cena também pode ser descrita em termos
pré-genitais, tais como fantasias orais-eróticas e orais-devoradoras,
trocas anais-eróticas e anais-sádicas, confusões bissexuais, em fan-
tasias arcaicas de trocas vampirescas ou o medo de perder o próprio
sentimento de identidade ou a representação dos limites corporais.
Quando essas fantasias desempenham um papel predominante no
mundo da realidade psíquica, as relações sexuais e amorosas ficam
prontamente igualadas a castração, aniquilamento ou morte.
O aprofundamento dos insights acerca da importância incons-
ciente das fantasias de cena primária também me levou à descoberta
de sua profunda influência nos estados fronteiriços e, de modo ainda
mais impressionante, como fator que contribui para as irrupções psi-
cossomáticas. Ao esforçar-me para ouvir as "comunicações" somá-
ticas de meus analisandos polissomatizantes, aprendi que os terrores
de dissolver-se, de perder os limites corporais ou o sentimento de
self, de explodir no outro ou de ser invadido e implodido pelo outro,
eram freqüentes e revelavam as ligações sepultadas com sentimen-
tos sexuais e amorosos originários da infância mais inicial. Esses
/'l(l:FÁC/0
XVII
111 ·dos, próprios de bebês, ligados às primeiras transações entre mãe
· lactente, não tendo acesso a representações verbais, tinham ficado
11111azenados na memória do corpo.
• freqüente que esses analisandos venham a compreender que,
por baixo de sua inexplicável tendência a atacarem seu próprio fun-
r ionamento somático, combinada ao medo que têm da destruição
1·01 poral ou mental na relação sexual, eles também têm medo de suas
p1 óprias tendências destrutivas, recusadas, dirigidas contra seus par-
' •iro , exuais. Essas angústias recapitulam a fúria própria do bebê,
h •m como os desejos letais e vampirizadores anteriormente projeta-
dos na figuras parentais. No mundo psíquico da infância, em que o
1'1 lit e o amor coincidem numa corrente dinâmica de investimento
Ili idinal, essas trocas fantasiadas com os objetos parentais contri-
l111 •m para a formação de imagens fascinantes, ainda que terríveis,
d11 ·ena primária.
A verbalização desses desejos primitivos e o terror arcaico que
d •spcrtam desempenham um papel capital na modificação psíquica
q11 • ocorre à medida que prossegue a análise das fantasias recupera-
cl 1
s. Alguns analisandos descobrem que seus relacionamentos com os
11111ros significativos se aprofundam e, em especial, que sua vida amo-
111. , e uas relações sexuais se tornam consideravelmente mais ricas.
lµun · conseguem a resolução de sintomas psicossomáticos que du-
111v11m a vida toda, como alergias, úlceras gástricas, hipertensão essen-
. il, li funções respiratórias e cardíacas. Outros são capazes de supe-
1111 t rnvcs inibições criativas ou de desenvolver habilidades artísticas
1nt ·lcctuais que, anteriormente, eram apenas vagamente percebidas
,111 tulvcz totalmente não-reconhecidas.A partir de enorme quantidade
d • mutcrial clínico escolhi alguns exemplos para ilustrar a fantasia de
1
'l'lll1primária em relação à sexualidade primitiva.
1111strnções clínicas
O a111or que estrangula
J ·an-Paul está falando: "Uma vez coloquei uma aranha e uma la-
111i11hn juntas numa teia de aranha. Elas lutaram até morrer. Foi atroz!
111 tnmbém adorava ver aranhas estrangulando moscas com seus fios
h · lu. ·las são assustadoramente agressivas e venenosas."
XVIII AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
Meu paciente prosseguiu contando outros dramas entomológi-
cos dos quais ele era o diretor teatral - horas de brincadeiras da
inf'ancia, nas quais vespas, abelhas, formigas, lesmas e minhocas
eram atiradas em cenas primárias de insetos, infindavelmente repe-
tidas. A ferroada mortal, o encontro esmagador e estrangulador,
estavam presentes invariavelmente e eram relembrados com deleite.
Por baixo das associações de Jean--Paul, eu podia perceber um meni-
no excitado e angustiado tentando conter e dominar, por meio do
jogo, aterrorizantes fantasias do relacionamento sexual de seus pais,
nas quais um estrangula o outro até a morte. Jean-Paul recordava
que, em suas práticas masturbatórias da adolescência, costumava
estrangular seu pênis com cordões amarrados bem-apertados; entre-
tanto, as fantasias sexuais profundamente perturbadoras que se des-
carregavam por essa prática tinham desaparecido de sua consciência
adulta. À medida que Jean-Paul tornou-se adulto, o horror da "vagi-
na estranguladora" deu lugar, dentre outras manobras defensivas, a
uma fobia de aranhas. Nesse meio tempo, sua vida sexual não apre-
sentava expressões de inibição. Em vez disso, à medida que sua
aventura analítica avançou, descobrimos que essa vida sexual apa-
rentemente livre de sintomas estava intimamente ligada à irrupção
de sintomatologia psicossomática. Seu desejo sexual infantil por sua
mãe tinha permanecido consciente, porém a fantasia de desejo de
estrangular e devorar sua mãe em êxtase erótico e semelhante à
morte tinha ficado totalmente apagada da consciência, juntamente
com outros devaneios semelhantes e igualmente primitivos. Ao
mesmo tempo, essas fantasias sepultadas protegiam Jean-Paul do
reconhecimento de um desejo ainda mais regressivo: o de fundir-se
completamente com sua mãe - e, de fato, tornar-se ela. Entretanto,
a fantasia inconsciente da cena ptimária, em sua forma mais arcaica
- aquela de uma luta de fusão erótica porém semelhante à morte - ,
encontrava expressão em suas reações alérgicas de pele e em suas
graves úlceras gástricas (outra dimensão da análise de Jean-Paul vai
ser utilizada para ilustrar o tema do capítulo 9).
O amor canibal
Georgette tinha sofrido, a vida inteira, de reações alérgicas a
peixes, crustáceos e frutos como morangos e framboesas, os quais
l'/IJIFA '/O XIX
1
1·lt 1vu atraentes e ansiava por comer. Qualquer transgressão desses
11hus s máticos resultava em edema maciço ou em espantosas erup-
~1 •s dermatológicas. Os sonhos, associações livres e sentimentos
11 111sfcrenciais de Georgette revelavam, dentre outros elementos,
11111 1 ·onexão oculta entre determinados odores (em particular, o de
1 1 11stú ·eos e frutos do mar) e suas fantasias a propósito da vida amo-
111 u d, seus pais. Numa sessão, relatou um sonho no qual era um
111•h procurando o seio, porém o mamilo tinha sido substituído por
111111 framboesa; num outro sonho, um corpo de mulher estava co-
11 11 de morangos que se transformavam em cola quando ela os
11ku11çava para apanhá-los. No sonho, ela compreendia que tinha de
111 111 ·ar sua pele para escapar à morte e despertava aterrorizada. Em
11111111 o asião, lembrou-se de que, quando tinha cerca de quatro anos
d1· 1dnde, seu pai lhe oferecera um mexilhão.
"Ainda o vejo abrindo os dois pequeninos lábios e pingando
11111
s de caldo de limão ali dentro. Eu engoli aquilo vorazmente. Era
d •l1 ·ios ."
F i por volta dessa época que se desenvolveram suas graves
1 111,·1 ·s alérgicas a todas as formas de frutos do mar. Com a recupe:
111c1 o, trinta e cinco anos mais tarde, dessa recordação, Georgette foi
111p111 de reconstruir a significação erótica da "cena primária" odorí-
li 111 · ,ustativa, na qual o pai tinha pingado seu "caldo" no "mexi-
Ih 11" da mãe; à medida que elaboramos esse material, suas ~umero-
1 li •rgias a esses "frutos proibidos" desapareceram g_
radat1vame~-
h (llsta parte da análise de Georgette está relatada mais pormenon-
11d11mcntc no capítulo 8.)
Outras ansiedades ligadas à fantasia de cena primária tinham
li•tto ·om que Gcorgette, quando menina, estivesse constantemente
11111 medo de "cair pelo espaço, de fazer-se em pedaços". Durante a
1
111 11 ·iu, linha ensinado a si mesma a prender a respiração, de ma-
111 11 1mágica, para evitar essas catástrofes fantasísticas. Viemos a com-
111 ••nder que, dentre outros objetivos, essa ativi_dade ta~bé~ sus-
p 11d •ria o relacionamento sexual dos pais e dana a ela dire1tos m-
1111di •i nais como única parceira sexual da mãe. Conforme nosso
1111h tlh pro seguia, Georgette descobriu, por intermédio de uma
l11111nsia transferencial, que o desejo de engolir a mãe numa relação
1
1
1111I ·111 .
apaixonada também lhe daria a capacidade de substituí-la
s do pai, tornando-se assim parceira sexual exclusiva dele
XX AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
Outro analisando, mencionado em livro anterior (McDougall,
1982) lembrava-se de fantasias orais semelhantes, nas quais os dese-
jos sexuais e as angústias que despertavam encontravam seu lugar.
"Isaac" temia que pudesse ser "engolido" ou "mutilado" por objetos
inanimados; esta fobia finalmente levou à descoberta de uma fanta-
sia na qual ele corria perigo de ser "devorado" por sua mãe. Seu pai
também, na fantasia de Isaac, corria perigo iminente de sofrer o mes-
mo destino.
"Talvez minha mãe, com seu jeito devorador, fosse a causa dos
ataques cardíacos de meu pai", cismava Isaac.
À medida que nossa viagem analítica prosseguiu, a revelação
da crença infantil de Isaac de que seus pais se entredevoravam em
sua união sexual foi um momento dramático, como o foi a descober-
ta de que ele próprio abrigava um profundo anseio de ser devorado
por sua mãe.
O amor respiratório
Louise (que vamos encontrar novamente no capítulo 7) descre-
veu, no inicio de sua análise, um "problema" com sua mãe.
"Minha mãe vive em Estrasburgo, onde eu nasci. Freqüentemente
vou visitá-la, mas mal começo a preparar minha viagem, começo a
ter asma - e vou piorando invariavelmente, à medida que me aproxi-
mo de minha cidade natal."
Conforme a análise progrediu, conseguimos recompor, peça
por peça, uma profunda, porém até então insuspeitada, ligação com
sua mãe, a quem conscientemente odiava.
Viemos a compreender que, em suas tentativas de manter um
relacionamento com aquilo que Louise descrevia ironican1ente como
"mãe-amante-sufocante", ela se sentia "espremida" pelo contato pró-
ximo com qualquer pessoa que lhe lembrasse sua mãe. Mais tarde,
isso levou à recuperação de uma crença infantil de que seus pais se
"espremiam" e evacuavam substâncias tóxicas um no outro, no curso
de seus encontros sexuais. Com o prosseguimento de sua viagem ana-
lítica, a patologia respiratória de Louise veio a ligar-se a outras formas
de excitação erótica pré-genital que geravam uma versão inteiramente
nova da vida sexual de seus pais. Em conseqüência, importantes mo-
dificações ocorreram em seu relacionamento com seu marido e sua
patologia psicossomática diminuiu acentuadamente.
1•11HvA !O XXI
O amor urofilico
uando Nancy tinha dezoito meses, seu pai foi recrutado para
lutar na Segunda Guerra Mundial e, desde então, ela tomou o lugar
d ·I · na cama da mãe. Ela relatou que toda noite "inundava" a cama
d11 mãe com torrentes de urina, com as quais "sua mãe parecia não
l' 111 modar". Foram necessários alguns anos de análise para des-
1
·nbrirmos que esta era a visão de Nancy acerca do relacionamento
p 11 ·ntal e da maneira pela qual os bebês eram feitos. Um irmãozi-
11ho na ceu nove anos mais tarde e, com seu amor urinário traído
d ·ssu forma, a enurese noturna de Nancy cessou abruptamente. Sua
h1 1 ria e tá discutida na Parte III.
Uma união de vampiros
Marion, que sofria de graves crises asmáticas durante toda a
1111 infância e contraiu tuberculose na adolescência, reviveu na aná-
11 l' o terror que sentia, quando criança, cada vez que ouvia água
11111 ·ndo no banheiro ou na cozinha. Acreditava que tinha de lutar
111111ia o perigo de ser sugada pelo cano. Em seguida a essas revela-
1,1l'S, ocorreram sonhos e fantasias permeados de cenas sexuais, nas
q1111s os dois parceiros estavam em perigo iminente de ser sugados
1111111 vazio em fim, perdendo todos os limites corporais, se não a
p1 1'11 1in vida. No decurso da análise, essa fantasia assustadora trans-
1111111ou-se em outra, esta excitante, na qual a fusão mútua dava ori-
111 u uma excitação infinita e a um prazer inefável.
o J..!Cral
Esses fragmentos de análises são predominantemente ilustrati-
·11 d · expressões psicossomáticas de fantasias de cena primária.
l 111 1111-11,c necessários muitos anos para compreender o significado
p1111'11nd , proto-simbólico, subjacente aos fenômenos psicossomáti-
111 • pura discernir as formas iniciais de sexualidade que estão por
1, 11 du f"nchada corporal. Os capítulos englobados na Parte UI deste
1 111 foram escritos como resultado de dificuldades encontradas na
li 111111v11 de conceituar minhas observações clínicas a propósito dos
XXII AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
problemas psicossomáticos de meus analisandos. Esses capítulos
dão seqüência à pesquisa iniciada em Theaters of the Body (Mc-
Dougall, 1989)*.
Entretanto, o desejo que a criança incestuosa tem de possuir os
dois genitores e de encarnar o poder imaginado que se sente que cada
um deles possui, e as fantasias de cena primária que acompanham
esses desejos, também podem expressar-se de muitas outras maneiras,
tais como atividades sublimatórias, sintomatologia neurótica e sexuali-
dades desviantes. (A Parte II estuda a inspiração e a inibição associa-
das ao processo criativo. A Parte rv focaliza os desvios do desejo e
examina o complexo nó de problemas que circundam o desenvolvi-
mento de cada um como indivíduo, lbem como até que ponto as formas
desviantes e adictivas de sexualidade podem ser utilizadas para fortifi-
car um frágil sentimento de identidade pessoal ou sexual.)
Em suma, neste livro, estudo as fantasias bissexuais e as fanta-
sias de cena primária em suas formas arcaicas e pré-genitais e o
efeito dinâmico dessas fantasias em relação aos desvios sexuais, aos
sintomas psicossomáticos e aos distúrbios de caráter, bem como
suas expressões sublimadas em todos os campos da criatividade.
No curso da viagem psicanalítica, quando as fantasias de cena
primária podem ser reconhecidas em seus variados disfarces e pro-
clamadas, pela primeira vez, na memória do paciente, os objetos
parentais internalizados são então libertados das projeções pré-
genitais e arcaicas da criança de outrora; a visão infantil acerca da
cena primária pode agora ser elaborada psíquicamente, encarada
como experiência mutuamente gratificadora e, finalmente, aceita
igualmente pelas partes criança e adulta da personalidade. O terror
da destruição violenta de si mesmo ou do parceiro desaparece, jun-
tamente com a angústia de que se poderiam perder os limites cor-
porais ou a identidade pessoal nos relacionamentos amorosos e
sexuais. À medida que a imaginação erótica sai da sua sombra
semelhante à morte, as relações sexuais, qualquer que seja sua
orientação, são uma vez mais retomadas com as forças da pulsão de
vida.
Quando o amor não é mais igual a catástrofe, castração ou
morte, quando os pais podem ser reconhecidos em sua individuali-
* No Brasil, Teatros do corpo, São Paulo, Martins Fontes, 1991. Tradução de
Pedro Henrique Bernardes Rondon. (N. do T.)
XXIII
d 111 ·, cm suas identidades sexuais separadas e em sua complemen-
1111 idade genital, a cena primária internalizada, em sua versão trans-
lrn 111ada, torna-se uma aquisição psíquica que dá aos adultos-crian-
~11 o direito ao seu lugar na constelação familiar, aos seus corpos, à
111,, sexualidade.
PARTE!
FLMINILIDADE E SEXUALIDADE
CAPÍTULO 1
OS COMPONENTES HOMOSSEXUAIS DA
SEXUALIDADE FEMININA
(..) a necessidade de conciliação das duas partes da nature-
za da mulher é um problema antiqüíssimo. (..) É antes uma
questão de como ela vai se adaptar aos princípios masculi-
nos efemininos que, de dentro, governam seu ser.
Esther Harding
Antes de considerar a questão da integração dos desejos ho-
111ossexuais primários na mulher heterossexual, vamos rever os con-
1
•ui10s de Freud a respeito do acesso da menininha à condição de
111ulher e à maternidade.
As descobertas revolucionárias de Freud a propósito da impor-
1nncia dinâmica da sexualidade humana na vida da criança e do
11<lulto têm agora quase um século. De tal forma constituem parte
1
•t11nbelecida do pensamento ocidental que já as tomamos como cer-
l11s por antecipação. E, no entanto, os analistas modernos continuam
lcccndo fortes críticas às limitações conceituais de Freud, sobretudo
110 que se refere às suas teorias sobre a sexualidade feminina. Esta,
1cconhecidamente, é uma área na qual Freud era particularmente
vulnerável. É interessante lembrar, entretanto, que Freud devia às
111ulheres os insights iniciais que o levaram ao conceito de incons-
:lonte. Anna O., Lucy R., Irma, Emmy von N., Dora, Katarina e
111uitas outras foram as nascentes de sua inspiração. É igualmente
11olável que, em seu tempo, ele realmente as ouvisse e considerasse
ludo o que diziam como sendo significativo e importante. Na época
predominantemente falocrática de Freud, essa receptividade era
,uvolucionária em si mesma. De todos os que estudaram o funciona-
4 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
mento da mente humana, ele foi o primeiro a interessar-se séria e
cientificamente pela sexualidade das mulheres. Fascinava-o, sem dú-
vida, o mistério da feminilidade e do sexo feminino em si mesmo
(característica que, proclamava ele, partilhava com homens de todos
os tempos).
Freud, porém, tinha também um pouco de medo dos objetos de
sua fascinação. Suas metáforas revelavam constantemente uma re-
presentação do genital feminino como um vazio ameaçador, uma
falta, um continente obscuro e inquietante no qual não era possível
ver o que ocorria. Insistia também em que, nessa linha de pesquisa,
fora obrigado a tomar como ponto de partida seu saber acerca da se-
xualidade masculina. Com esse telescópio refrator nas mãos, não é
de surpreender que "deduzisse" aquilo que, estava convencido, seria
a resposta de uma menina: a extrema inveja do órgão visível e inte-
ressante do menino, bem como seu desejo de possuir um pênis dela
própria. A noção de que os meninos também teriam inveja da vagina
de uma menina, de sua capacidade de gerar filhos e de seu potencial
de atração sobre o macho, precisamente porque ela não tinha pênis,
não ocorreu a Freud, até onde sabemos.
Mas foi também o próprio Freud, com sua típica honestidade,
quem primeiro expressou sentimentos de profunda insatisfação e
incerteza a propósito de suas teorias sobre a mulher e a natureza de
seu desenvolvimento psicossexual. De fato, esperou até 1931 para
publicar "A sexualidade feminina", seu primeiro trabalho sobre o
assunto. Tinha então setenta e cinco anos. Talvez sentisse que, nessa
fase de sua vida, já não precisava temer tanto a mulher e seus misté-
rios sexuais nem a revelação de suas teorias sobre ela.
Em seu segundo artigo famoso e muito criticado, "A feminili-
dade", publicado dois anos mais tarde, escreveu: "... a psicologia... é
incapaz de resolver o enigma da feminilidade" e observou ainda que
"... o desenvolvimento da menina até ela tornar-se uma mulher nor-
mal é mais difícil e complicado, uma vez que inclui duas tarefas a
mais, às quais nada há que corresponda no desenvolvimento do
homem". As "tarefas" se referem a dois importantes conceitos de
Freud a propósito das dificuldades de alcançar a condição de
mulher: primeiro a menininha tem de chegar a um acordo com sua
configuração anatômica e efetuar a troca do órgão de excitação, do
clitóris para a vagina; em segundo lugar, tem de efetuar a troca de
11 e <JAl/'ONENTES HOMOSSEXUAIS DA SEXUALIDADE FEMININA 5
111111•111. "Quando e por que ela abandona sua fixação a sua mãe em
111 111 d· seu pai?", perguntava-se Freud.
l•,mbora concorde que essas duas dimensões representam ge-
1111 1111. desafios à consecução da feminilidade adulta e do prazer
1111 1, penso, não obstante, que elas estão longe de ser exaustivas
1 111111 ·onceitos explicativos. Vamos examiná-las mais de perto.
1111f omin como destino?
1loje, a maioria dos analistas, homens e mulheres, concorda-
111
1111 quanto ao fato de que a inveja do pênis do pai é apenas uma
plit· 1çt o parcial das dificuldades encontradas pela menina em seu
1
11111 11110 cm direção à situação de mulher adulta. De fato, muitos
1 111•1u·du ria m quanto a que a "inveja do pênis" não é específica da
111 1 111 1 mea. Os meninos também sofrem de sua própria forma
1111 •t ·dstica de inveja do pênis, invariavelmente achando que seus
111 111 o pequenos demais em comparação com os de seus pais. Se,
111 11111 do homem adulto, persistir a crença de que seu pênis é
1111 11111 do que deveria ser, baseada na fantasia inconsciente de que o
1111 , 11 •xo adequado é o paterno, precipitar-se-ão sintomas neuróti-
11 111 ústias, com a mesma freqüência com que estes ocorrem na
d 1 • uni da mulher jovem, se esta se agarra inconscientemente à
ti 111 •I l'untasia de ser um menino castrado. A experiência clínica
11111h ' m · nfirma que a inveja e a admiração do corpo e da sexuali-
d 1111 1111 iniie, por parte do menino, são similares à inveja e à admira-
,, q11 • u menina tem em relação ao pênis e às proezas sexuais de
, 11 p11i . s crianças de ambos os sexos se dão conta de que a mãe
1111111111'i ·a poder mágico de atrair o pênis do pai e de fazer os
111 li 111• s dois genitores desejam.
N • te contexto é pertinente lembrar que o falo (que invariavel-
1111 11h refere ao pênis em estado de ereção nos ritos itifálicos gre-
11 ) 1111  etimologicamente falando, símbolo do órgão sexual mas-
11111111, 111us ·im da fertilidade, da completude narcísica e do desejo
, 11111. 1 •sse ponto de vista, o falo poderia ser considerado o signi-
1 1 1
1111, l'undamental do desejo humano, para ambos os sexos. (De-
' 11111 11111it à precisão de Lacan nesta terminologia, ainda que mui-
1t1 1111 distas discordem de alguns de seus pontos de vista sobre a
11 il d ide feminina.) A palavra símbolo vem do grego symbolon,
6 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
objeto que, cortado ao meio, visava a servir de sinal de reconheci-
mento entre pessoas, cada uma levando consigo metade do symbo-
lon. Assim, poderíamos dizer que cada sexo possui metade daquilo
que é exigido para completar o símbolo. Em termos de relaciona-
mento sexual, o pênis ereto está intiimamente ligado à vagina recep-
tiva e, do ponto de vista do parceiro de sexo feminino (contanto que
sua atração pelo parceiro de sexo masculino esteja livre de conflito e
angústia), é correspondido por excitação vaginal e interpretado co-
mo sinal de desejo mútuo.
Essa digressão é necessária porque, em inglês, a palavra falo é
muitas vezes usada de maneira indiscriminada para significar pênis.
Algumas escritoras feministas, empenhadas em detectar e denunciar
atitudes depreciativas em relação às mulheres (talvez em função de
suas próprias experiências a esse respeito e do sofrimento que estas
podem ter-lhes causado), fulminam o emprego da palavrafa/o. O
fato de igualarem pênis e falo sugere, paradoxalmente, uma atitude
falocêntrica oculta de sua parte! Confundir o símbolo (falo) com o
objeto parcial (pênis) pode toldar a pesquisa de questões capitais
referentes à identidade sexual, à masculinidade e à feminilidade.
Como já foi observado, a monossexualidade é, para homens e
mulheres, uma das principais feridas narcísicas da humanidade. A
internalização de uma representaçã.o simbólica da complementari-
dade dos dois sexos exige a renúncia ao desejo, próprio da criança,
de ser e ter ambos. As conseqüentes complicações, advindas de nos-
sa bissexualidade psíquica e de nossos anseios homossexuais primá-
rios, serão discutidas mais adiante.
Voltemos à questão do "destino" biológico da menina. Muitos
analistas concordariam em que a configuração anatômica da menina
pequena apresenta para ela vicissitudes específicas em seu desen-
volvimento psicossexual e que a inveja do órgão visível do menino é
apenas um dos aspectos de suas preocupações. A teoria psicanalítica
teve de esperar pela obra de analistas de sexo feminino - em particu-
lar, a pesquisa original de Karen Horney (1924, 1926) e de Melanie
Klein (1945) - para esclarecer as complicações adicionais que com-
põem o quinhão da mulher jovem. Já em 1926, Karen Horney assi-
nalou que, em vista das sensações vaginais, a criança de sexo femi-
nino"... deve, desde o início, ter um vívido sentimento deste caráter
específico de seu próprio papel sexual; seria dificil dar conta de uma
inveja do pênis primária com a força daquela postulada por Freud".
- - ~ . ---~
t t t 11 ll'ONENTES HOMOSSEXUAIS DA SEXUALIDADE FEMININA 7
nos mais tarde, Klein (1945) formulou a noção de que a posse
,h 11111 p nis é narcisicamente tranqüilizadora para o menino por
, 111 11 d · sua vi ibilidade e de sua facilidade de representação mental.
1111 , ,rntrnstc, a menina pequena não consegue ver sua vagina e tem
1hl h 11 ld ,d • de visualizar seu clitóris. Como resultado, embora inti-
111111111·111 •se aperceba das sensações clitoridianas e vaginais, vivencia
, 11 i'11~1 1 ,enital como faltando, em comparação com o órgão visível
il11111 11 11H e do pai. É preciso que espere até a puberdade para ganhar
1111 III mação visual de sua própria identidade sexual singular, por
1111 11 do ·rc cimento de seus seios e do início de suas menstruações.
1 11111 sns mudanças externas, vem a tranqüilização narcísica de que
111,111 p >e eu genital femininos são projetados para despertar dese-
11, , 1111 ·m em si a promessa de gerar bebês.
( ulr marco na pesquisa psicanalítica a propósito da sexuali-
il 111 l' •minina é o original artigo de Judith Kestenberg (1968) sobre
1111111 lantc distinção entre configurações anatômicas "de dentro"
,h lorn" e os diferentes medos e fantasias a que dão origem. Este
111111111 d· vi ta, estudado minuciosamente, chama a atenção para a
11111111 11cia da representação que a menin~ tem de seu genita_l ~~mo
111~·0 1ntcrno, a qual afeta sua experiência total de sua femm1ltda-
1lt d •suas relações sexuais.
)11trns dificuldades inerentes ao desenvolvimento do sentido
d•111i lade de gênero da criança de sexo feminino também têm
111 , 1;, ·s m seu destino anatômico. Uma vez que, em essência,
111 , 1 uma porta de entrada em seu corpo, a vagina está fadada
, 11 uulada, no inconsciente, ao ânus, à boca e à uretra e, portan-
111 p 1
ssivcl de partilhar tanto os investimentos ~ibidi.nais sádicos _
e
111, 11quistas quanto as fantasias que essas zonas implicam. Amem-
1111 I' •q11 •na (e freqüentemente a futura mulher) tem maior probabili-
d 11h , do que sua contrapartida masculina, de temer que seu corpo
1 , •1111
sidcrado sujo ou perigoso por causa dessas confusões zo-
111 , nl •m d fato anatômico de não haver órgão visível que possa
11 1•11l'i ·ado e controlado.
•sm a mulher adulta freqüentemente experimenta seu corpo
1 1111111 11111 ntinente obscuro no qual monstros anais e orais esprei-
11111 (, ·luro que boa parte da representação inconsciente que tem de
1 11 , rn p l e ele seus genitais reflete a importância libidinal e nareísi-
1q11 sua mãe dava ao self fisico e psicológico de sua filha, bem
, 1111
111 d • o quanto transmitiu seus temores inconscientes relativos a
8 A MÚLTIPLAS FACES DE EROS
suas próprias funções sexuais e corporais. As comunicações não-ver-
bais sensuais e, mais tarde, as comunicações verbais entre mãe e fi-
lha determinam, em larga medida, se o erotismo oral há de triunfar
sobre a agressão oral e se os impulsos eróticos anais hão de tornar-
se mais importantes do que os impulsos sádicos anais, ou se vão com-
binar-se harmoniosamente com eles.
Um terceiro aspecto do destino anatômico feminino envolve a
experiência auto-erótica. Uma vez que não consegue verificar seus
genitais e, portanto, tende a criar urna representação psíquica deles
imprecisa ou zonalmente condensada, a menina pequena tem difi-
culdade de localizar as sensações sexuais das quais se apercebe des-
de o início da infãncia. Sensações clitoridianas, vaginais, uretrais e
outras sensações internas tendem a confundir-se. Esta imprecisão das
sensações internas tem importantes repercussões nas fantasias femi-
ninas relacionadas com a masturbação.
Masturbação e feminilidade
, Embora seja a sexualidade normal das crianças, a masturbação
e eventualmente inibida pela piressão parental. Todas as crianças
aprendem que não é permissível defecar, urinar ou masturbar-se em
público. Mesmo quando são impostas com delicadeza e compreen-
são, essas restrições deixam marcas na vida de fantasia inconsciente.
Quando são impostas asperamente, por causa das inquietações inter-
nas dos próprios pais com a subseqüente necessidade de diminuir
sua angústia por via do controle dos corpos de seusfilhos, o risco de
problemas neuróticos ulteriores cresce consideravelmente.
Quando é dito publicamente a urn menino que pare de se mas-
turbar, ele é capaz de imaginar que, se não conseguir fazer o que
m~ndam, seu pai vai atacar seu pênis, certo agora de que esse pai
ad1vmhou seu desejo sexual pela mãe e seus sentimentos ambivalen-
tes para com ele. Na mesma fase de reorganização edipiana, é mais
provável que a menina tema que sua mãe ataque e destrua todo o
interior de seu corpo como castigo fantasiado por seu desejo de to-
mar o lugar dela, de partilhar os jogos eróticos com seu pai e de fazer
com ele um bebê. Assim, o castigo que o menino teme pelas fanta-
sias masturbatórias é a castração, enquanto, para a menina, freqüen-
temente a retribuição pela mastw·bação e pelos devaneios eróticos é
igual à morte.
rJ <'OMPONENTES HOMOSSEXUAIS DA SEXUALIDADE FEMININA 9
Morte por masturbação
Uma jovem psiquiatra, altamente inteligente e totalmente infor-
11111da obre teoria psicanalítica, declarava que nunca tinha se mastur-
h11do 11em na inf'ancia nem quando adulta. Expressava também dúvida
rnli'1tica quanto a que a masturbação pudesse ser parte inevitável da
vivência infantil. Foram necessários dois anos de trabalho analítico
111'• que ela pudesse ao menos permitir-se pronunciar a palavra "mas-
111rbação", já que a idéia de atividade auto-erótica era para ela tão suja
l' depreciativa. Embora não tivesse dificuldades aparentes em seus
, ·!acionamentos sexuais, sofria de um cortejo de manifestações so-
111útica que pareciam estar ligadas a estados de tensão sexual e angús-
1i1
1. (De modo algum ela era alexitímica ou dominada por métodos
operatórios de pensamento.) Sendo uma mulher jovem esguia e
111rnente, vivenciava seu corpo como sem forma, grande e sujo e,
quando menstruava, chorava, temendo que eu achasse sua presença
d ·sagradável.
No quarto ano da análise, ela trouxe o seguinte sonho: "Eu estava
w lhendo flores no jardim da frente da casa onde morei quando era
criança. Estava dançando com prazer quando, de repente, meu pri-
1110 Pierre apareceu na porta e acordei gritando."
Uma vez que esta era a primeira vez que o primo Pierre apare-
·ia no palco psicanalítico, pedi-lhe que me falasse mais sobre ele.
1
:la suspirou e disse: "Acho que nunca quis pensar nele. Ele era mui-
tos anos mais velho do que eu e uma vez fez brincadeiras sexuais
·omigo, quando eu era pequena. Depois, quando ele tinha vinte e
um anos e eu doze, ele foi eletrocutado quando tomava banho. Pelo
menos, foi o que nos disseram."
Já que ela parecia questionar esta versão dos fatos, perguntei:
"O que você pensou sobre essa maneira de morrer?" Com grande
di íiculdade, admitiu que achava que ele tinha sido eletrocutado por-
que estava brincando com seu pênis durante o banho. Afinal, ela sou-
bera desde a infãncia que ele era um menino "sexual" mau. Começou
então a chorar. Pedi-lhe que me dissesse o que estava sentindo naque-
le momento e ela disse: "A senhora sabe bem que o meu marido está
íora há três semanas e estou com medo de que a senhora esteja
achando que tenho estado me masturbando. Mas eu juro que não... e
tenho certeza de que a senhora não acredita em mim!" "É claro
que acredito. Se não fosse assim, você estaria morta!", respondi.
10 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
Pela primeira vez em nossa viagem analítica, minha paciente
conseguiu rir de seus temores e fantasias sexuais, mas ainda nos
foram necessários muitos meses para reconstruir - além de elemen-
tos significantes como "eletricidade", "colher flores" e "dançando"
- todas as recordações, recalcadas há tanto tempo, das sensações se-
xuais espontâneas e das fantasias masturbatórias da menina peque-
na. Como era de esperar, a vida amorosa de minha paciente com seu
marido tornou-se mais plena eroticamente e consideravelmente
mais satisfatória, em seguida a esta fase de sua análise. Entretanto,
outro fato interessante, para o qual não posso oferecer explicação
teórica conclusiva, foi que dois sintomas somáticos também desapa-
receram. Por muitos anos ela tinha sofrido de dores artríticas recor-
rentes e de asma brônquica. Nenhum dos dois voltou nos três anos
remanescentes de sua análise comigo.
Como devorar sua mãe e tê-la também
A segunda área de dificuldade para a sexualidade feminina é a
integração da profunda ligação homoerótica com a mãe. Desde o
nascimento, os bebês dos dois sexos começam a tecer fortes liga-
ções libidinais e sensuais com os pais, uima vez que os pais sejam
ternos, sensuais e amorosos para com eles. Nos braços da mãe, todo
bebê vivencia o primeiro projeto psíquico (e, talvez, uma marca cor-
poral) dos futuros relacionamentos amorosos e sexuais. A atitude do
pai é igualmente vital nesta transmissão de investimento libidinal
inicial. Um pai que seja ausente ou desinteressado de seu pequenino
rebento e que considere a mãe como sendo responsável exclusiva
pelo bebê deles - ou que aceite que sua mulher o veja como uma
não-entidade em relação ao bebê de ambos - corre o risco de deixar
seus filhos vulneráveis a representar um papel que resulta unica-
mente das necessidades libidinais e dos problemas inconscientes da
mãe. Uma mãe que considera seu bebê urna extensão narcísica dela
mesma ou que toma seus filhos como objetos amorosos no lugar do
pai deles pode estar lançando a pedra fundamental de futuros rela-
cionamentos conflituosos. Convém notar que a mãe que cria seus
filhos sozinha não incorre obrigatoriamente nesses riscos se não
considerar seu relacionamento com eles como substituto para uma
relação amorosa adulta.
t 1. e'OMPONENTES HOMOSSEXUAIS DA SEXUALIDADE FEMININA 11
Se, desde a infância, as crianças virem seus pais comportando-
1· rnmo um par amoroso que se respeita e deseja sexualmente e se
111111hé111 observam que nem mesmo a briga mais feroz entre eles
1 11 11-.;11 dano duradouro (isto é, se aprendem que a agressão não é
111·11 g o 'ªquando o amor é mais forte que o ódio), tenderão a seguir o
11111d ·lo parental na vida adulta. A menininha vai querer identificar-
• ·0111 sua mãe não apenas em sua maternidade, mas também em
u ,~relações amorosas e sexuais, freqüentemente devaneando acer-
11 do homem (tipicamente moldado a partir da imagem do pai) que
11111 dia será seu amante, seu marido e pai de seus filhos.
Em seus primórdios, a busca libidinal está profundamente en-
11 ·mesclada com o desejo de viver e cabe à mãe a tarefa de incitar
•11 fil ho a querer viver. (A força de vida não é tão forte quanto ten-
d·m s a imaginar; o bebê que não seja desejado tem probabilidade
d · adoecer e mesmo morrer.) Este relacionamento essencial que os
hl'l)ês normalmente partilham com suas mães nos primeiros meses
d· vida proporciona dupla identificação ao bebê de sexo feminino,
1•111 e ntraste com o de sexo masculino. As imagens somatopsíqui-
111s que estão destinadas a tornar-se representações mentais de seu
1 mpo feminino e de suas zonas erógenas já estão sendo formadas. É
11 ·ssa tenra idade que a boca e a vagina ficam ligadas em sua signifi-
nçt o erógena e, juntamente com outros órgãos erógenos e sensa-
,1 ·s internas, são integradas às representações somatopsíquicas.
A estas é preciso acrescentar as sensações clitoridianas estimu-
11dus pelo manejo físico e pela limpeza do bebê, feitos pela mãe.
l·.stns sensações específicas eram as únicas ligações erógenas do cor-
pn u que Freud deu muita atenção, em sua teoria sobre o desenvolvi-
111 ·nto do erotismo feminino. Por razões que lhe eram próprias, Freud
11ssimilou o clitóris feminino ao pênis masculino. Não se apercebia
du fato de que o clitóris é um órgão extremamente complexo e, em
vista de sua considerável extensão para dentro do corpo feminino, é
11ma estrutura relativamente grande. É interessante observar que o
úr •ão clitoridiano completo, com seus apêndices internos, só em
11 ·asião relativamente recente foi mapeado e mesmo nomeado [ver o
notável livro A New View ofa Woman sBody (1981), compilado pela
1
:·dcration ofFeminist Women's Health Centers].
12 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
A estrutura psicossexual descrita anteriormente fornece a base
primitiva da futura vida amorosa da menina pequena. Nas melhores
circunstâncias vão se enxertar nela os elementos do modelo heteros-
sexual mencionado anteriormente: um relacionamento com cada
genitor que é tisica e psíquicamente amoroso e sensual; e um mode-
lo de casal parental que se ama mutuamente, que desfruta de seu
relacionamento sexual e não faz da criança seu objeto escolhido
para a completude erótica ou narcísica. Além disso, a menina preci-
sa ouvir de seu pai expressões de apreço e valor por sua feminilida-
de e pela feminilidade da mãe dela - sua esposa. Precisa ouvir sua
mãe expressar valor e respeito pelo pai, bem como pela identidade
sexual de sua filhinha, assim como também atribuir valor a sua pró-
pria vida social e sexual como mulher. Uma menina a quem é dito
que os homens são porcos egoístas, que só querem se aproveitar das
mulheres, seduzi-las e dominá-las, terá dificuldade para gostar de
alguém de sexo masculino, confiar nele, bem como para separar-se
de sua mãe. Se ela "aprender" de seu pai que as meninas são fracas,
incapazes, pouco inteligentes e menos merecedoras de estima e con-
sideração que os meninos, poderá criar urna imagem narcisicamente
prejudicada de seu selfe de seu sexo e sentir medo, suspeita ou ódio
do mundo masculino.
Não obstante, a pergunta de Freud (op. cit., 1931) a propósito
da forte ligação libidinal da menininha com a mãe continua perti-
nente: como é que ela se destaca da mãe e integra o profundo víncu-
lo erótico que partilhavam? Onde é investido, na vida adulta, esse
componente homossexual vital?
A teoria de Freud a esse respeito (1931 , 1933) pode ser resumi-
da como se segue. O primeiro desejo da menina é possuir sua mãe
sexualmente; depois, ela substitui este foco pelo desejo de possuir
um pênis; depois, por ter um filho com seu pai e, finalmente, por ter
um filho de sexo masculino. Na lógica aparentemente implacável
dessa cadeia de significantes está a implicação de que o desejo da
menina de ter um bebê é um simples substituto do desejo de ter o
pênis que ela não possui; e seu amor por seu pai é mera conseqüên-
cia da inveja do pênis! Embora as fantasias em que Freud baseou
sua teoria sejam freqüentes no uni erso psíquico da mulher, estão
longe de ser os únicos fatores; ou sequer os principais, dentre as com-
plexidades que contribuem para a imagem de feminilidade e mater-
nidade de cada mulher.Ademais, o conceito freudiano dessas substi-
t JS e'()MPONENTES HOMOSSEXUA IS DA SEXUALIDADE FEMININA 13
11111;<cs objetais implica que as ligações homossexuais da menina
prqucna ão simplesmente eliminadas por intermédio da inveja do
p l' lliS.
No entanto, Freud (1905) também articulou a teoria dos desejos
l11sscx uais universais da infância - conceito que é importante consi-
dnar do ponto de vista feminino.
llomossexualidade primária
A menininha quer possuir sua mãe sexualmente, gerar filhos
l 11111 ela e ser singularmente amada por ela num mundo do qual
lodos os homens estão excluídos. Ela quer também ser um homem
l orno seu pai e possuir os genitais dele, bem como as qualidades
1d ·alizadas que lhe atribui. Devido à falta de satisfação, essas pul-
11 ·s tendem a ficar associadas a uma ferida narcísica.
Embora a dupla polaridade da libido homossexualmente orien-
111d11 na infância seja igualmente forte nos dois sexos, o problema da
111 ·nina é mais intrincado que o de seu irmão no que se refere ao
d •scjo de possuir a mãe sexualmente, uma vez que a menina e sua
111 • não são sexualmente complementares. Ela não é capaz, como
·u irmão, de acreditar que tem uma configuração sexual singular-
111 ·111c diferente e, talvez, por essa razão, um valor específico aos
11lhos de sua mãe. Como, portanto, a mulher jovem se desenreda des-
11 situação duplamente complicada com sua mãe? Complicando
11111da mais essa tarefa do desenvolvimento, existe ua forte atração
l ' I úlica por seu pai, a qual impele a menina a introjetar muitos aspec-
lo~da imagem da mãe. Estes, por sua vez, vão coalescer para formar
111na figura fundamental de identificação que vai afetar todo o de-
·11volvimento feminino futuro. Nesse ponto, há uma quantidade de
" 1111 cs internas" diferentes no mundo psíquico feminino. Um objeto
mntcrnal introjetado é adorado, outro é desejado, outro despertares-
, •11ti111ento, outro é profundamente temido. A menina precisa arran-
. 1r de sua mãe o direito de ser ela própria; identificando-se com sua
11111c cm seu mundo psíquico interno, mas também precisa de sua
111u -, externamente, como guia, como consoladora e auxiliadora nos
1110s que se seguem. Após o tumulto da adolescência, período du-
1111tc o qual a filha tipicamente rejeita a mãe de quase todos os
modos, é freqüente que se volte para a mãe com apego renovado ao
14 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
tomar-se mãe ela própria. É nesse momento que muitas meninas final-
mente perdoam suas mães por todos os ressentimentos infantis que
abrigavam contra elas e as duas podem, então, tomar-se amigas adultas
intimas. Exatamente como cada criança que uma filha gera representa,
na fantasia inconsciente, o bebê que fez com seu pai, assim também
seus bebês são muitas vezes sentidos como um presente dado à mãe (e,
de fato, nas camadas mais profundas do inconsciente, é um bebê que
ela fez de maneira mágica com sua mãe). Conquanto possa causar dor e
conflito psíquicos, cada um desses fatores pode também acrescentar-se
à imensa alegria de cada novo nascimento.
Algumas mulheres podem identificar-se com a mãe como adul-
tas sexuais, mas não desejam ter filhos. Neste caso, são capazes de
vivenciar suas atividades profissionais, artísticas e intelectuais
como o nascimento de filhos simbólicos. Nada proíbe que mulheres
adultas desfrutem da maternidade ou de vivenciar o prazer da criati-
vidade pessoal, mas aqui novamente surgem problemas femininos
específicos. Muitas mulheres, na análise, revelam um temor de que
tenham de optar entre a maternidade e as atividades profissionais;
outras expressam sentimento semelhante de dicotomia entre suas
vidas como amantes e suas vidas como mães. A realização desses
três desejos femininos distintos - o sexual, o maternal e o profissio-
nal - exige delicado equilíbrio, para que as mulheres possam evitar
a convicção de serem impelidas a sacrificar suas próprias necessida-
des libidinais e narcísicas em qualquer uma dessas áreas.
O investimento de impulsos homossexuais
Essas considerações a propósito da vida amorosa, social e pro-
fissional das mulheres e da maternidade trazem-nos de volta à ques-
tão dos desejos bissexuais e da libido homossexual na mulher adul-
ta. Como e onde são investidos? Como é que os desejos comple-
mentares de ter a mãe e de ser o pai são transformados e integrados
na vida da mulher, seja sua orientação homossexual ou heterosse-
xual? Em que medida o fracasso em integrar essa corrente libidinal
vitalmente importante cria problemas neuróticos quando desejos
homossexuais não-reconhecidos dão origem a um conflito psíquico?
Minhas reflexões sobre meu próprio processo, assim como cer-
ca de trinta e cinco anos de trabalho analítico com pacientes de sexo
/JS COMPONENTES HOMOSSEXUAIS DA SEXUALIDADE FEMININA 15
1 •minino, levaram-se a identificar cinco caminhos potenciais para a
111tcgração da constelação edipiana homossexual. Apesar das pro-
lundas diferenças entre as sexualidades masculina e feminina, os
·aminhos da integração de desejos homossexuais descritos abaixo
,plicam-se igualmente a homens e mulheres.
l. A estabilização da auto-imagem. A libido homossexual fe-
111inina serve para enriquecer e estabilizar a auto-imagem narcísica.
1mia menina pequena precisa ser capaz de dar a si mesma um pouco
dt amor e do apreço iniciais que experimentou em relação a sua
111àc c ao corpo desta, a fim de ter afeição e estima por seus próprios
,cl(e órgãos sexuais femininos. Em outras palavras, a menina deixa
d • querer ter a mulher a fim de ser a mulher. Por meio do mesmo
,nov imento psíquico, sua inveja do pênis transmuta-se em desejo
p •I pênis.
2. A intensificação do prazer erótico. O profundo desejo de ser
do outro sexo, se é abandonado e quando o é, encontra importante
111ve timento na vida amorosa da mulher, especialmente no próprio
, ·(acionamento sexual, no qual a identificação com o prazer~ o dese-
1u do seu parceiro intensifica seu próprio prazer erótico. E no ato
s ·xual que podemos recriar a ilusão de sermos dos dois sexos e de
p ·rdennos, ainda que momentaneamente, os limites narcísicos que a
monossexualidade impõe à humanidade.
3. A intensificação dos sentimentos maternais. O relaciona-
11H.:nto das mulheres com seus filhos é também um tesouro de rique-
1as homossexuais. Ainda me lembro do imenso prazer que tive ao
dar à luz o meu filho e do sentimento de orgulho por seu pênis,
·01110 se também fosse meu. Após o nascimento de minha filhinha,
tumbém me lembro bem do meu orgulho por seu corpo deliciosa-
mente feminino, de meu apreço por aquilo que já me parecia serem
csto essencialmente femininos e de meu desejo narcísico de que
·ln realizasse em sua vida tudo aquilo que eu considerava como
s ·ndo falhas da minha própria realização. Essas recordações deixa-
111111-me com poucas dúvidas acerca da contribuição da dimensão
homossexual para os meus sentimentos maternais.
16 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
4. O emprego criativo das identificações homossexuais. Sem-
pre me pareceu que o prazer experimentado nas realizações artísticas
e intelectuais estivesse impregnado de considerável fantasia narcísica
e homossexual. Em tais produções, cada um é homem e mulher ao
mesmo tempo. Nesse sentido, nossas obras artísticas e intelectuais
são rebentos criados partenogeneticamente. A observação clínica
convenceu-me de que os conflitos relacionados com qualquer dos
dois pólos dos objetivos homossexuais femininos - isto é, o desejo
inconsciente de possuir o poder criativo da mãe bem como a potência
do pênis do pai - podem criar grave inibição, ou mesmo total esterili-
dade, na capacidade de dar à luz "filhos simbólicos".
5. O enriquecimento das amizades de mesmo sexo. Finalmente,
o investimento homossexual, sempre despido de seu objetivo sexual
consciente, proporciona calor e riqueza às amizades afetuosas e
essenciais que as mulheres mantêm com outras mulheres. No que se
refere à mulher lésbica, houve uma elaboração diferente de suas pul-
sões homossexuais primárias. Conquanto elas também possam ter
cálidos relacionamentos dessexualizados com mulheres, suas aman-
tes são também mulheres.
Esses cinco caminhos representam uma descrição algo idealista
da maneira pela qual os desejos narcísicos e homossexuais podem
ser harmoniosamente investidos na vida sexual, na vida de família,
nas atividades sociais e profissionais.
No trabalho analítico com mulheres que se identificam como
heterossexuais, podem ser encontrados numerosos sinais de conflito
homossexual profundamente inconsciente, levando potencialmente
ao repentino colapso em qualquer dos campos de investimento
mencionados acima e dando origem a sintomas e inibições associa-
dos a eles. Um infindável cortejo de brigas domésticas, problemas
sexuais, dificuldades com os filhos, com colegas, com colaborado-
res e amigos, bem como com as buscas criativas, tudo isso é capaz
de revelar sua contrapartida homossexual no curso do processo ana-
lítico.
O que dizer da própria relação terapêutica? Com que freqüên-
cia temores, desejos e projeções homossexuais são negligenciados
nessa arena crítica? Quando há impasse na elaboração de qualquer
1IS ( "OMPONENTES HOMOSSEXUA IS DA SEXUALIDADE FEMININA 17
dus dimensões da estrutura psicossexual anteriormente citadas, de
,,11e111 é a homossexualidade inconsciente que está obstruindo o pro-
1
'l·sso analítico? A homossexualidade não-reconhecida da analisan-
do? Ou da analista? Com o auxílio de uma ilustração clínica, levare-
111os mais adiante esta questão no próximo capítulo.
CAPÍTUL02
A MULHER ANALISTA E A MULHER ANALISANDA
(..) todo o mundo possui, em seu próprio inconsciente, um
instrumento com o qual é possível interpretar as manif
esta-
ções do inconsciente das outras pessoas.
Sigmund Freud
A fim de estudar a dimensão da homossexualidade inconscien-
1• na situação analítica vou relatar rapidamente a análise de uma de
minhas pacientes. Um ponto decisivo de sua aventura analítica foi
·atalisado por um sonho que ela relatou no segundo ano de nosso
trabalho conjunto. Na noite seguinte a esta sessão, tive um sonho
·ujo tema estava relacionado ao fato de que determinadas fantasias
inconscientes minhas tinham sido ativadas pelo sonho de minha pa-
·icnte e por suas associações a ele.
O primeiro encontro
Marie-Josée, trinta e cinco anos, veio procurar-me por causa de
várias fobias paralisadoras - o mais notável é que ela era tanto
<.:lau trofóbica quanto agorafóbica. Era incapaz de entrar num avião
(especialmente se o trajeto do vôo passasse por cima de alguma
extensão de água) sem tomar medicação pesada algumas horas
antes. Amante da ópera e do teatro, começava a sofrer vários dias an-
tes de cada espetáculo a que iria comparecer, por medo de não con-
seguir escapar se, repentinamente, irrompesse um ataque de angús-
20
AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
tia. Um encontro iminente com uma pessoa desconhecida enchia-a
de pânico antecipatório. Em todas essas ameaçadoras circunstâncias
ela recorria regularmente a medicação psiquiátrica. Não tinha filho~
e sentia-se perturbada demais para contemplar a maternidade. Com-
preendi que grande parte de seu tempo era gasto em buscas culturais,
e que ela era uma talentosa anfitriã para os numerosos conhecidos de
negócios de seu marido, com as respectivas esposas.
Durante nosso primeiro encontro, Marie-Josée também medis-
se que .ª fobia que lhe ~ausava o maior sofrimento ocorria quando
era obngada a ficar sozinha em casa à noite, por causa das freqüen-
t~s a~sên~ias de seu marido, devidas a seus compromissos profis-
s1ona1s. F.1cava dominada por sentimentos de terror em resposta a
uma convicção compulsiva de perigo iminente. Uma vez no leito ou
não conseguia dormir ou ficava acordando a noite toda. Para co~ba-
ter a insônia, drogava-se com soníferos ou, como último recurso ia
para a casa de seus pais até a volta do marido. Quando o marid~, a
quem era profundamente apegada, estava em casa ela não tinha di-
ficuldade para dormir. '
Filha única, Marie-Josée falava de seu pai com amor e admira-
ção. Ele, porém, como seu marido, sempre tinha sido mais ausente
do que presente. Descrevia sua mãe como "exemplo clássico de
amor sufocante" e expressava irritação quanto a sua superproteção.
Durante as longas ausências de seu marido, declarava que voltava
para a casa materna por insistência de sua mãe. Marie-Josée dava a
enten?er que achava que sua mãe estava, em certa medida, tirando
proveito de sua fragilidade fóbica.
O surgimento de um novo tema
Em nossa segunda entrevista de avaliação, Marie-Josée falou,
de passagem, de outro sintoma, porém foi enfática quanto a que este
era.o menor de seus pr~blemas: tinha de urinar muitas vezes por dia.
Dois eminentes urologistas tinham confirmado que não havia causa
fisiológica para essa freqüência urinária. Preocupava-se constante-
mente com que pudesse ter súbita necessidade de urinar em momen-
t?s inadeq,uados, como u1'.1 jantar de cerimônia ou durante um espe-
taculo de opera. Perguntei-lhe qual ela achava que podia ser a causa
disso. Respondeu-me:
I JI LIIER ANALISTA E A MULHER ANAL/SANDA 21
"Oh, não é problema psicológico, é só que a minha bexiga é
111 ·nor do que a das outras mulheres."
Nas notas que tomei em seguida a esta entrevista, escrevi que
l'ssc sintoma que ela parecia minimizar poderia bem ser indicação
d · um conflito psicológico central, que talvez lhe fosse difícil admi-
111. Pensando em sua afirmação de que sua "bexiga era menor do que
1 da outras mulheres", escrevi: "Será que ela acha que tem uma
h ·xiga de menina pequena e não uma de mulher adulta?"
Nessa altura de minha carreira, eu era uma analista jovem e relati-
vamente inexperiente e tinha ficado muito contente por receber essa
111dicação. Marie-Josée parecia sofrer de sintomatologia neurótica
l'lússica (enquanto, em sua maioria, os meus outros pacientes eram
·onsideravelmente mais perturbados). Ademais, tínhamos a mesma
idade, e eu a achava encantadora e inteligente. Assim, nossa aventura
psicanalítica inaugurou-se sob auspiciosas circunstâncias. O trabalho
111iciou-se, pouco tempo depois, à base de quatro sessões semanais.
A fobia de Marie-Josée de estar sozinha à noite e seu sintoma
de urinar freqüentemente foram elementos essenciais em sua via-
1•cm analítica, no que se refere à descoberta de anseios infantis e
fantasias eróticas primitivas, relacionados ao tema da homossexuali-
dade inconsciente.
Começa a viagem
No primeiro ano de nosso trabalho conjunto, minha analisanda
pa sou muitas sessões descrevendo seu pavor noturno quando ficava
sozinha em casa. À medida que o tempo passou, viemos a saber que
sua angústia só se tornava incontrolável no momento em que estava
se preparando para deitar. Encorajada por mim, tentou identificar os
r ensamentos que, teoricamente, poderiam ser capazes de despertar
emoção tão forte.
M.-J.: "Bem, à medida que penso nisso, sei do que tenho medo - é de que
alguém tente entrar pela janela do meu quarto."
.1. M. : "Fale-me mais sobre essa pessoa."
M.-J.: " É um homem~claro."
J. M.: "O que ele está fazendo lá?"
M.-J.: "Oh, é óbvio! Ele vai tentar me estuprar. E é claro que não vou dei-
xar, de modo que é bem provável que ele me mate."
22 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
Levou bastante tempo até que Marie-Josée admitisse uma inter-
venção minha de que ela era a autora desse roteiro de pesadelo e
que o personagem do estuprador-assassino era também criação pes-
soal dela. Para tentar demonstrar seu ponto de vista, ela esquadri-
nhava os jornais diários em busca de provas de que as mulheres cor-
riam perigo permanente de ser vítimas de ataques sexuais por parte
de homens desconhecidos e trazia para as sessões os resultados
desse trabalho de pesquisa. Entretanto, nunca conseguiu encontrar
nenhum incidente no qual o atacante tivesse entrado pela janela do
quarto d~ mulher. Nã_
o obstante, continuou a afirmar que seu pavor
era perfeitamente rac1onal. Sua insistência era tal que decidi contar-
lhe. uma p_iada acerca de uma mulher que sonhou que um homem
mmto bonito, com estranha luminosidade no olhar, estava se aproxi-
mando da cama dela. A mulher grita: "O que você vai fazer comi-
go?" e o belo camarada responde: "Sinto muito, senhora não sei o
que vai acontecer em seguida. A senhora sabe, o sonho é s'eu."
Pela primeira vez, Marie-Josée conseguiu rir de seu assassino-
~stuprador e aceitar que realmente ele era criação de seu teatro interno.
~ m_edida que o tempo passou, descobrimos inclusive que a fantasia
Jª nao era assustadora - era excitante! Tinham sido acrescentados à
fantasia elementos eróticos que Marie-Josée parecia preferir não
divulgar - até que conseguiu fazê-lo por sua própria iniciativa. Seu
terror da solidão noturna lentamente desapareceu; porém, finalmen-
te, revelou que agora tinha um impulso irreprimível de masturbar-se
sempre que estava sozinha à noite. Só assim conseguia dormir tran-
qüilamente sem medicação. Sua atividade auto-erótica recentemen-
te descoberta tinha-se tornado tão adictiva quanto o tinham sido os
soníferos; de fato, admitiu que se sentia "compelida a masturbar-
se", quisesse ou não.
Nesse mesmo período de sua análise, outras importantes asso-
ciações girava~ em torno do seu sentimento de ser perseguida pela
esmagadora solic1tude de sua mãe. Comecei a não gostar da mãe de
Marie-Josée. Pensava de mim para comigo: "Trata-se de uma mãe
canibal, perversa também! Queixa-se às amigas de que a filha este-
ve neuroticamente paralisada por mais de trinta anos e no entanto
faz tudo quanto pode para mantê-la nesse estado!" Ainda que ficas~
se lembrando a mim mesma que esta era apenas uma versão das
representações internas que Marie-Josée tinha de sua mãe e de que
ela precisava apresentá-la sob este aspecto, eu continuava a vê-la
1 IUUIER ANALISTA E A MULHER ANALISANDA
23
1 01110 um objeto externo ameaçador que estava impedindo sua filha
111inha paciente - de ficar bem!
t1
111 sonho revelador
O seguinte fragmento de sessão ocorreu por volta do final de
1111sso segundo ano de trabalho.
M J.: "Tive um sonho aterrorizador a noite passada. Eu estava nadando num
mar encapelado e temia que pudesse me afogar, embora observasse
que a água e o cenário eram bastante bonitos. Tinha um sentimento de
já ter estado ali anteriormente. As ondas aumentaram e eu disse para
mim mesma: 'tenho de encontrar algo a que possa me agarrar ou então
vou morrer nesta água.' Naquele momento notei um daqueles - esque-
ço-me como são chamados - aquele tipo de pilar de amarrar que se usa
para prender os barcos. Estendi os braços para alcançá-lo. Era feito de
pedra. De qualquer modo, acordei em pânico."
À medida que ouvia seu relato, minhas associações flutuantes
1•varam-me inicialmente a perguntar a mim mesma se o sonho se
11.:lacionava aos sentimentos dela quanto a ser sufocada ou afogada
pelas atenções de sua mãe (em francês, as palavras que significam
,1/{ie e mar têm sonoridade idêntica). Porém, fiquei pensando no
"pilar de amarrar", de cujo nome ela não conseguia se lembrar. O
pormenor de que era "feito de pedra" ("pedra", em francês, é pierre)
levou-me a recordar que o nome do pai dela era Pierre-José e tam-
bém que uma parte do nome dela derivava do dele. Marie-Josée
ficou em silêncio por um momento.
M.-J. : "Não acho que haja alguma coisa nova nesse sonho. É simplesmente
o pânico que sempre sinto quando tenho de sair, e tudo isso tem a ver
com a minha mãe. Ela está em toda parte, ameaçando apossar-se de
mim."
J. M.: "E quanto ao pilar de amarrar cujo nome verdadeiro lhe escapa?"
M.-J.: "Ah, eu me lembro! É une bitte d'amarrage; ou é une bitte de mouil-
lage? Nunca consigo me lembrar qual a diferença."
sses postes verticais se chamam cabeços. Aquele primeiro
termo francês se refere ao cabeço colocado num barco, e o segundo,
úquele do cais. Há também um jogo de palavras implícito nessas ex-
24
AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
pr~ss~es. Bite (ainda que a grafia seja diferente) é o termo de gíria para
o orgao. sexual masculino e mouiller é o termo de gíria que se refere
ao genital da ~ul~e~ quando ela está sentindo desejo sexual. o
~erbo amarrer s1g~,1f1ca "prender alguma coisa com segurança" ou
prender um barco . Por outro lado, o termo pilar de amarrar refe-
re-se a um po~te us~do ap~nas em terra, para amarrar cavalos. Pa-
recia que Mane-Josee desejava recalcar a significação subjacente a
es~as palavras c~nfundindo-as ou esquecendo-as. Entretanto, ela pró-
pna viu a conexao entre bitte e bite ("cabeço" e "peru").
M.-J.: "Ah, is~o tem alguma coisa a ver com o meu pai e com a minha
rec~rdaçao de ter visto o pênis dele naquele dia no banheiro, quando
eu_tinJ:ia mais ou menos quatro anos. Eu tinha medo de que a minha
ma~ f1ca~se zangada comigo por tê-lo espiado com tanta excitação.
Sera por isso que acordei com sentimento de pânico?"
. Uma vez mais ela insistiu em que o sonho não tinha verdadeiro
1
?te~esse, e_
m .que era o mesmo velho problema. Diante de sua resis-
tenc1.a, hes1te1 quanto a instigá-la a fazer associações com bitte de
mou~llage ou a procurar alguma ligação entre seu problema urinário
contm~o e o mar (la mere - a mãe) onírico enfurecido que ameaçava
engol~a-1.a.. Enquant~ ouvia o relato de seu sonho, ocorrera-me que
um .s1gn1f1cado subj.acente a seu sintoma de freqüência urinária
P?dia bem ser o desejo de afogar sua mãe com sua urina mas eu não
dispunha ~e material_ associativ? da parte dela que m~ permitisse
fazer uma mterpretaçao construtiva desse tipo.
Coe_rente ~om minha.hipótese, pensei também que era possível
que Mane~Josee pudesse inverter a situação na cena onírica e temer
que sua n:1ae a afogasse num mar vingativo de urina. Seu único re-
curso,,sena voltar~se para seu pai, o bitte d'amarrage, 0 "falo de
pedra com capacidade potencial de salvar vidas. Este símbolo pa-
terno a proteg~ria de ser destroçada no mar - isto é, de ser destroça-
da por_sua_ ma~ esmagadora e também por seu desejo de manter
essas hgaço.es mf?nt1s enraivecidas com sua mãe. Em sua fuga do
sonho, Mar1e-Josee voltou sua atenção para aquilo que via como
falta de progresso em nosso trabalho. Claramente eu me tornara
agora a m_
ãe má que não a ajudava a encontrar a saíd~ desse labirinto
de fantasias aterrorizadoras nem lhe ensinava a nadar em mares
encapela~os, nem,l~e indicava os meios de voltar-se para seu pai,
num desejo fantas1stico protetor e erótico.
1MUU IER ANALJSTA E A MULHER ANA LJSANDA 25
~I J.: "Tudo bem que o meu pânico por estar sozinha à noite desapareceu,
mas meus terrores diurnos estão fortes como sempre e cada vez tenho
mais vergonha deles. Não estou indo a parte alguma nesta análise.
Deixe-me só contar-lhe o que aconteceu ontem: eu tinha prometido ir
tomar chá com a Suzanne, uma senhora idosa que é muito amiga de
minha mãe e de quem eu gosto muito. Mas, como de costume, não
consegui arranjar vaga para estacionar perto da casa dela. Ela mora
numa rua de mão única e o único local de estacionamento permitido é
do outro lado do Boulevard Haussmann. Não havia vivalma por ali, e
a idéia de atravessar aquela avenida deserta quase fez meu coração
parar. Eu simplesmente não ia conseguir. Pensei que tinha de haver
algum meio de contornar o problema. De repente, tive a brilhante
idéia de andar de marcha à ré na rua de mão única, embora estivesse
realmente apavorada de ser apanhada por um guarda. Quando cheguei,
com mais ou menos meia hora de atraso, a Suzarme disse: "Ah meu
Deus, pensei que você não vinha mais. Sabe, você está muito atrasada."
Marie-Josée prosseguiu então, fazendo numerosas associações
rnm seu pânico diurno, referindo-se a tudo o que tínhamos desco-
1, ·rto j untas durante o ano anterior. Os sentimentos transferenciais
t·x pressados, bem como determinados relacionamentos pessoais, ti-
nham-nos levado a concluir que suas múltiplas fobias eram um meio
de projetar no palco do mundo um drama interior, no qual ela cons-
luntemente estava tentando escapar de alguma situação ou de algum
relacionamento que podia representar uma imagem arcaica de sua
mãe como ser onipresente e onipotente que procurava devorá-la. Em
·special, ela era compelida a evitar espaços vazios, alturas, sacadas
· janelas abertas. (Eu estava certa de que, em sua fantasia incons-
ciente e de maneira infantil, ela ainda esperava ter um encontro
amoroso com seu pai, disfarçado no estuprador-assassino de sua an-
1iga fantasia.) Este nexo de desejos sexuais infantis parecia-me ser
uma dinâmica possível por trás de suas angústias ferozmente fóbi-
cas. Nessa ocasião, a própria Marie-Josée propusera que seus dese-
JOS inconscientes pelo amor exclusivo de seu pai e pela proteção
dele contra sua mãe sufocadora, uma vez mais a tinham obrigado a
representar uma cena de terror agorafóbico.
Valendo-se daquilo que já tínhamos construído, Marie-Josée
reiterava que continuava a dotar sua mãe de onipotência ambiental,
que interpretava como sendo o desejo de sua mãe de "possuir-me,
de corpo e alma" e talvez, também, "de impedir-me de ter um rela-
26 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
cionamento mais próximo com meu pai". Em resposta a uma per-
gunta de minha parte, admitiu que, considerando que ela própria era
a autora do roteiro desse sonho, não havia dúvida quanto a que havia
alguma necessidade oculta de manter vivo esse drama infernal.
No final da sessão, eu estava tomada de um sentimento de in-
satisfação. Estávamos pisando em solo conhecido; muitas sessões
tinham sido dominadas por conteúdo similar. Eu estava convencida
de que havia uma ligação entre seu sonho noturno aterrorizador e
seu "pesadelo" diurno (o que se expressava pelo retorno de seu sin-
toma agorafóbico no trajeto para a casa de sua amiga). Entretanto,
eu não conseguia discernir os pormenores particulares desta cone-
xão, ainda que desconfiasse de que ambas as experiências tinham a
ver com imagens aterrorizantes da mãe dela. Nesse meio tempo, eu
tinha negligenciado completamente: o fato de que Suzanne era uma
figura de mãe por quem Marie-Josée expressava mais sentimentos
de amor do que ressentimentos e que, em sua dificuldade para esta-
cionar o carro, ela só conseguiu chegar à casa da amiga entrando de
forma proibida numa rua de mão única. Eu também tinha deixado
de lado minha idéia anterior de que alguma parte de Marie-Josée
desejava ser engolfada pelo encapelado mar materno. Refletindo
sobre o jogo de palavras do sonho, no qual Marie-Josée estava se
agarrando a um objeto de pedra que lembrava o nome do pai dela,
bem como a parte masculina de seu próprio nome, tornei a questio-
nar os conflitos que poderiam motivá-la a colocar uma imagem sim-
bólica do pai no palco do sonho, para evitar afogar-se num mar que
ela própria criara.
Estes, então, foram os restos diurnos que contribuíram para um
sonho, que eu própria tive, e que me surpreendeu por um conteúdo
manifesto tão intenso que me acordou no meio da noite e criou uma
impressão tão estranha que até hoje não o esqueci. Um outro porme-
nor importante é que eu, também, estava dormindo sozinha nessa
noite, uma vez que o parceiro da minha vida estava temporariamente
ausente. Ademais, tínhamos brigado na véspera por causa de minha
insistência em que eu precisava discutir um artigo com uma colega,
enquanto ele queria que eu guardasse a noite para ele.
I IULIIER ANALISTA E A MULHER ANAL/SANDA 27
lJIII sonho contratransferencial
Em meu sonho, supõe-se que eu vá encontrar alguém num bairro de
Paris (que conheço pouco), o qual tem a fama de ser perigoso à noite,
especialmente o metrô daquela área. Sou invadida por um sentimento
de algo sinistro ainda que, ao mesmo tempo, vagamente conhecido.
Diversas pessoas ficam no meu caminho e eu me apresso, empurran-
do-as para o lado. De repente, estou dentro de uma casa e encontro-me
cm presença de uma atraente mulher asiática, vestida de maneira pro-
vocante, estilo sexy. Ela olha para o relógio como para me dizer "sabe,
você está muito atrasada". Gaguejo alguma espécie de desculpa e
estendo as mãos para acariciar o tecido sedoso de seu vestido, como
que buscando perdão sendo sedutora. Fica evidente, nesse momento,
que é para eu ter algum contato erótico com essa misteriosa estrangei-
ra. Sinto-me constrangida, pois não tenho certeza do que se espera de
mim. Decido que não tenho escolha: devo renunciar a todo o poder da
vontade e submeter-me passivamente a tudo o que essa exótica criatu-
ra quiser. A angústia, provavelmente misturada com a excitação des-
pertada pela inquietante cena erótica, acordou-me com a chocante
convicção de que minha vida estava em perigo.
Incapaz de dormir novamente, tive tempo de sobra para pensar
1111 importância potencial desse sonho manifestamente homossexual.
té onde posso me lembrar, eu nunca tinha tido um sonho desse
tipo. Isso me levou a refletir que meus dois analistas, ambos homens,
nunca haviam interpretado nenhum material genuinamente homos-
·x ual durante todos os meus anos de análise (provavelmente por-
que não forneci as associações necessárias para permitir isso!). As-
1111, aqui estava eu, no meio da noite, tendo de perscrutar esse compli-
·11do problema por mim mesma.
A primeira associação que me veio à mente, através da ligação
v ·rbal de "estar atrasada" para um encontro, foi minha sessão com
Murie-Josée. Por que eu tinha seguido os passos da minha paciente?
I·. no entanto, meu encontro não era com uma idosa substituta ma-
l ·rna, mas com uma asiática langorosa e ·exótica! O que ela estava
1'111.cndo no meu sonho? Lentamente lembrei-me de uma paciente
·hincsa que viera consultar-me alguns anos antes. Devo tê-la visto,
110 todo, cinco ou seis vezes, e a natureza de sua demanda terapêuti-
l' , desaparecera completamente de minha cabeça. Tudo de que me
1·mbrei foi que seu pai tinha três esposas legais, a mãe dela sendo a
28 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS
terceira. Lembrei-me então do que ela dissera de sua mãe: "Ela não
era importante na família e era mais uma irmã mais velha do que
uma mãe para mim. Brincávamos juntas e partilhávamos segredos
acerca das outras pessoas da casa." Lembrei-me também de meu
sentimento de empatia com seu desapontamento por ter tido uma
"mãe-irmã", em vez de uma "mãe verdadeira". A única "mãe verda-
deira", explicara ela, era a primeira esposa do pai que mandava na
casa toda.
Fiquei pensando, então, por que não me ocorrera que, mesmo
que a menina tivesse ciúme da primeira esposa de seu pai e desejas-
se ter sido fi lha deles dois ou que tivesse desejado tomar o lugar
dela, também podia ser muito agradável ter uma "mãe-irmã", cúm-
plice sempre pronta para brincadeiras e para partilhar segredos. Por
alguma razão obscura, senti então que deveria recordar o nome
dessa paciente. Depois de sair tateando a minha memória, o preno-
me dela voltou-me num átimo: era Lili. Eu não tinha mais como
negar a representação inconscient,e da glamourosa criatura de meu
sonho. Minha mãe, que de nenhum modo se parecia com uma orien-
tal exótica, chamava-se Lillian! Mas talvez, aos meus olhos infantis,
ela fosse glamourosa e linda. E não tínhamos nós compartilhado
cumplicidade em relação a Mater, minha avó paterna que, segundo
minha mãe, "era quem mandava no terreiro e esperava que todos os
filhos a reverenciassem"? Mater não era o equivalente à "verdadei-
ra" mãe do discurso de minha paciente? E não éramos, minha mãe e
eu, também "irmãs" rebeladas contra ela?
A partir daí, comecei a buscar indícios de evidências de que eu
negara meus sentimentos eróticos infantis em relação a minha mãe.
Lembrei-me de uma noite, quando eu tinha oito ou nove anos de
idade. Ela viera dar boa-noite para mim e minha irmã, porque ia sair
com meu pai para uma festa. Estava usando um vestido de um lumi-
noso tecido cor de damasco que parecia mudar de cor à medida que
ela andava. Perguntei-lhe de que tipo de material o vestido era feito
e ela disse: "É de seda entretecida."
Pensei que nunca tinha visto nada tão bonito. Minha primeira
resposta a esta recordação foi de que eu devia ter ficado com ciúme
porque meu pai estava levando ela à festa e não eu. Mas essa suposi-
ção não excluía necessariamente o outro desejo possível: de que
minha mãe tivesse escolhido a mim e não ao meu pai, para ir à festa
1A/Ili 1/ER ANALISTA E A MULHER ANAL/SANDA 29
1 q11 • l.:U também estivesse vestida de seda entretecida cor de damas-
, 11 S ·ria esta a "mãe-irmã" que eu nunca conhecera? Pela qual tal-
1
•1 ansiasse? Continuei a pensar, compreendendo gradativamente
111111 ,s referências obscuras do tema onírico, as quais, por sua vez,
l,·v111 nm-me a pensamentos latentes encaixados no seu conteúdo
1111111i f'csto. Comecei a sentir um nostálgico anseio por um passado
11•,11mente recordado, aromatizado de sentimentos primitivos e ero-
1lt unente matizados de amor e ódio. Fantasias há muito esquecidas
1lt1 medo da morte - da minha própria morte, da de minha mãe -
li1111bém voltaram. Quanto ao meu pai, a menininha dentro de mim
1
111 ·ditava que ele era imortal. Só ele poderia salvar minha mãe e a
1111111 de algum tipo de morte fusional, erótica!
1
~m seguida comecei a me perguntar como meu sonho poderia
1 1111 ·ctar-se à análise de Marie-Josée. Pela primeira vez, permiti a
1111111 mesma reconhecer que, de diversas maneiras, minha mãe era
111 111 o contrário, em termos de caráter, da mãe descrita por Marie-
111 '• •. Os dias de minha mãe eram preenchidos com atividades
11 ·iuis. Trabalhava devotadamente para a igreja a que pertencia; era
j, 11'11dora entusiasta de croquet e golfe; tomava aulas de canto e estu-
d11v11 vi lino nos momentos de folga, quando não estava cozinhando
p11111 a família nem fazendo elegantes vestidinhos para mim e para
111111ha irmã. De fato, minha irmã e eu congratulávamo-nos por nos-
' liberdade quanto a constrangimentos maternais, em comparação
11111 algumas de nossas colegas de escola. Em suma, minha mãe não
1111hn nenhuma semelhança com o retrato da mãe exigente, sempre
p11 11 undo por perto, descrita por Marie-Josée.
Na tentativa de descobrir as ligações entre a sessão de minha
p11 ·iente e o meu sonho, cheguei à espantosa conclusão de que eu
,luva com inveja da mãe possessiva de Marie-Josée - sempre tele-
l1111nndo, sempre propondo que partilhassem atividades culturais
d •11tre outras, sempre convidando-a a vir para a casa dela tão logo o
11111 ido de sua filha se afastava. (Certam<::nte sua mãe teria sugerido
q11 · Marie-Josée experimentasse o vestido dela de seda cor de da-
1111sc e que fossem juntas à ópera!) Por que eu não tinha uma mãe
, 11mo aquela? Eu tinha analisado tão cuidadosamente os sentimen-
111 de hostilidade ligados à imagem da mãe interna, tanto em mim
q1111nto em Marie-Josée, porém não tinha, ao mesmo tempo, negli-
/ l' II ·iado a importância dos sentimentos positivos de minha paciente
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As múltiplas faces de Eros - psicoologia

  • 1. , AS MULTIPLAS FACES DE EROS UM X LO AÇ O PSICOANALÍTICA DA SEXUALIDADE HUMANA M 111111 011t
  • 2. Com certeza nossas vidas seriam bem mais simples - mas também mais pobres - se a nossa sexualidade fosse, como nos animais, redutível a um instinto pré-formado que conhece seu objeto, sua fi nalidade, seus modos de satisfação. Como seríamos mais seguros se o nosso sexo anatômico garantisse a nossa identidade sexual! O polimorfismo e a persistência da sexualidade infantil anterior à maturação dos órgãos genitais, a bissexualidade psíquica, os conflitos da identificação, a existência deste nigmático "X" chamado libido, capaz de migrar para onde menos se esperaria, complicam ria mente o quadro. ros não nos deixa em paz! A tal ponto isto é verdade que yc pode iniciar seu livro com (, 1111t/11ua na , unda or lho/ !, 1 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS J J { )
  • 3. AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS Uma exploração psicoanalítica da sexualidade humana Joyce McDougall Tradução PEDRO HENRIQUE BERNARDES RONDON Martins Fontes São Paulo 200 I
  • 4. EJta vhra /01 1mhl1rnda ofl,{f111alme11te em 1111,:lfs com o 1Ít11l0 TNE MANY FACES OF EROS por Fru Assoáariou Books. Lo11do,1, ""' /995 Co11.wif.:ht © Joyce McD011glllf. /995. De acordo com o Copyn~lu. Desif,:ns mui Pt11e111s Art. /988 fir" gammulo a Joyce McDougall o direiro de ser reco11hecidt1fomo " ,wtora desta obro. Copvri1d11 © 1997. LH'roria Marti11s Fontes Editoro Lula., Sâo Pm,lo. paro " prt.':tt•mt• ediçtio. 1• edição março de 1997 2' tiragem março de ZOO/ Tradução l'EDRO 1/ENRIQUE BERNAIWES RONDON Revisf1 0 da lrnclU1çi1 0 Clmulia Berli,wr Revis:io gráfica Ctlf,a R,•.l!illa Rodri,:1w.r de Lima h't•tt• /Jatista dos Santos Produção gráfica Gt•mldo Afres Paginação/Fololitos Stmho J Desrm·ofrimenro Etlitorwl Ca pa Katw fl<,rwm TeraJaka lluslra~ão da capa Olfrer Dados lnlemacionais de Calalogaç::"io nu Publicm;:"io (CJI') (Cihnurn Urasileira do Livm , SP, Brasil) McDoug:ill. Joyce A, nnilt1plas face:,, de Ero!> : uma cxploraç:io psico:111:11í1ica da :,,cxua lid:1dc humana / Joyce McDoug.all : tradu~·ào Pedro Henrique Bcmardc~ Rondon). - S:io Paulo: Mantm, Fo111c,. 1997. Título ongmal: TI1c many face,; of Eros. 81bliografia. ISBN 85-336-0597-8 1. P~1canáli~c 2. Sexo (P,1cologrn) 1. Thulo. 97- 1094 CDD-150.195 Índices para co1tálogo "islcmático: 1. Scxu:1lidadc humana : Psicanáli!>e : Teoria, : P, icologi:1 150. 195 Todos os direiws para o Brasil reser'lulvs â Livraria Martins Fontes Editora Ltda. R11a Consl'iheiro Ramalho, 33013./0 OI325-000 Sâo Pa11lo SI' Brasil frl./1/ )239-3677 Fax ( /1 )3/05-6867 e•mail: i11fo@mar1i11sfo111es.com http:llwww.marri,Bfo111es.com À memória de Robert Stoller, eminente escritor e pesquisador dos mistérios da sexualidade humana, com imorredoura gratidão por suas idéias estimulantes e sua valiosa amizade ao longo de muitos anos.
  • 5. , Indice /> rfácio: Sexualidade humana: uma busca eterna?. ................ IX Parte I - Feminilidade e sexualidade 'upítulo 1- Os componentes homossexuais da sexualidade feminina....................................................... ......... 3 'upítulo 2 - A mulher analista e a mulher analisanda ............... 19 'upítulo 3 - Sexualidades femininas: temas e variações........... 35 Parte II - Sexualidade e criatividade ' ,pltul 4 - A sexualidade e o processo criativo....................... 59 ' 1pltulo 5 - Criatividade e identificações bissexuais ............... 77 'npftulo 6 - Trauma e criatividade............................................ 103 Parte III - O sexo e o soma '11pltul 7 - As sexualidades arcaicas e o psicossoma .............. 127 ( '11pltul 8 - O "self" do olfato e o "self" da pele ..................... 145 ' 1pltulo 9 - Do silêncio do soma às palavras do psiquismo ..... 167
  • 6. Parte IV - Os desvios do desejo Capítulo 1O- As soluções neo-sexuais...................................... Capítulo 11 -As neonecessidades e as sexualidades adictivas ... Capítulo 12 - Desvio sexual e sobrevivência psíquica .............. Parte V - Psicanálise no divã Capítulo 13 - Os desvios da atitude psicanalítica ..................... Capítulo 14 -Além das seitas psicanalíticas, em busca de um novo paradigma................................................... Referências bibliográficas ......................................................... 185 197 217 233 251 265 PREFÁCIO SEXUALIDADE HUMANA: UMA BUSCA ETERNA? Há o outro universo, o do coração do homem do qual nada sabemos e que não ousamos investiga,: Estranha distância cinzenta separa nossa pálida mente do continente/remente do coração do homem. Precursores apenas desembarcaram na praia E nenhum homem sabe, mulher alguma conhece o mistério do interior quando, ainda mais obscuros que o Congo ou o Amazonas, correm os rios de plenitude, de desejo e de dor do coração. D. H. Lawrence A sexualidade humana é inerentemente traumática. Os múltiplos conflitos psíquicos produzidos na busca de amor e satisfação, os quais surgem como resultado do choque entre o mundo interno de pulsões instintivas primitivas e as forças coercitivas do mundo externo, ini- ciam-se com nosso primeiro relacionamento sensual. Quando o bebê encontra o "seio-universo", inaugura-se o período de "amor canibal", no qual os impulsos eróticos e sádicos estão fundidos. A noção de um "outro" - de um objeto separado do self -, lentamente adquirida, surge a partir da frustração, da fúria e de uma forma primitiva de depressão que todo bebê vivencia em relação ao objeto primordial de amor e desejo. A felicidade está na abolição da diferença entre o selfe o outro. Portanto, não é de espantar que, no curso da viagem analítica, descubramos vestígios daquilo que bem poderia ser chamado de "sexualidade arcaica", que traz as marcas amalgamadas de libido e mortido* e na qual o amor é impossível de distinguir do ódio. A ten- são que emana dessa dicotomia, com seu potencial depressivo, impele à eterna busca de resolução e, de fato, proporciona um substrato vital e empre presente em todas as formas de amor e sexualidade adultos. • Libido e mortido: neologismo da autora para indicar as pulsões de vida e de morte. (N. do T.)
  • 7. X AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS O reconhecimento da alteridade é seguido pela descoberta, igualmente traumática, da diferença entre os sexos. Sabemos hoje que esta descoberta não está primariamente ligada a conflitos edi- pianos, como Freud tinha concluído, mas ocorre bem antes da cha- mada fase edipiana clássica. Os muitos anos de pesquisa de Roiphe e Galenson (1981) são esclarecedores a este propósito. Seus estudos de observações demonstraram que, muito antes de as crianças esta- rem lutando com os angustiantes conflitos que circundam a crise edipiana, o fato da diferença em si mesma desperta angústia. Entre- tanto, constata-se que a descoberta da diferença sexual tem efeito de amadurecimento (diferente para os dois sexos) desde que a angústia tenha sido, em certa medida, atenuada. A crise edipiana, em suas duas dimensões, homossexual e hete- rossexual, força as crianças a chegarem a um acordo com o impossí- vel desejo de encarnar os dois sexos e de possuir ambos os genito- res. Concomitantemente, ao aceitarem sua inelutável monossexuali- dade, os jovens humanos devem compensar de outros modos essa renúncia aos seus anseios bissexuais. (Esses "outros modos" estão estudados nos capítulos que tratam da criatividade e de desvios sexuais.) A descoberta da diferença sexual contribui para a repre- sentação, lentamente adquirida, de um "gênero nuclear", no sentido em que Stoller (1968) define este termo. Sobre essa base a criança virá a identificar-se como "masculina·" ou "feminina", por meio de representações mentais que, mais do que provenientes de dados bio- lógicos, são predominantemente criadas pelas injunções do incons- ciente biparenta! e pelos conceitos transmitidos pelo ambiente so- cial e cultural ao qual os pais pertencem. A psicanálise tem uma contribuição específica a fazer para o estudo das aberrações da identidade de gênero nuclear e dos confli- tos psíquicos relacionados à identidade de papel sexual, na medida em que as orientações sexuais são moldadas pelas experiências do início da infância. Ainda que esteja-fora de questão que um bebê de sexo masculino tem sensações anatômicas diferentes das do bebê de se- xo feminino, este "dado" não implica que alguma representação psí- quica de identidade de gênero nuclear seja inata. Freud enfatizou que os objetos do desejo sexual não são inatos, mas têm de ser "en- contrados" (1905); propôs também que os sentimentos de self e de orientação sexual, ainda que estabelecidos no início da infância, são "redescobertos" em sua força total, logo após a puberdade. PREFÁCIO XI Conforme Licbtenstein (1961) observou, o desenvolvimento de nosso sentido de identidade pessoal é semelhante a Janus em sua construção, por um lado, englobando "aquilo que se assemelha a mim" e, por outro, "aquilo que é diferente de mim". Nas palavras de Lichtenstein "a identidade do animal é 'fixa', [enquanto] o homem t m de lutar, ~ara sempre com a necessidade de definir a si mesmo, de criar uma identidade que não lhe é basicamente inerente à força de automatismos inatos". É evidente que a aquisição de um sentimento seguro de identi- dade tanto pessoal quanto sexual vai exigir uma série de proces_ sos de luto a fim de abandonar o desejo de possuir "aquilo que é dife- rente d~ mim". Estes passos de amadurecimento não se dão sem dor e sacrificio. Algumas crianças recebem mais ajuda parental do que utras, no sentido de realizar o trabalho de luto que é imperativo nes- se estágio inicial do desenvolvimento psíquico. Dois conceitos centrais a propósito das origens do self sexual formam um pano de fundo contínuo nos capítulos que se seguem: a importância de longo alcance da bissexualidade psíquica e a yro- t'unda relevância das fantasias de cena primária na estrutura ps1cos- scxual da humanidade. Sobre a bissexualidade psíquica Freud, ainda que indeciso quanto ao papel de fatores genéticos 1111 bissexualidade, deu considerável importância ao conceito en- quanto estrutura psicológica e considerava que os desejos bissexuais •stavam universalmente presentes na infância (Freud, 1905, 1919, 19 O). Uma vez que a maioria dos bebês tem dois genitores, é de se •spcrar que as crianças se sintam libidinalmente atraídas por ambos, dundo origem ao desejo de obter o amor exclusivo de cada um ~eles. 1 , fato, toda criança quer possuir os misteriosos órgãos sexuais e o l'untasiado poder, tanto de seu pai quanto de sua mãe, de homem e inulhcr. A obrigação de chegar a um acordo com o destino monosse- uul de cada um constitui uma das mais graves feridas narcísicas da 111 meia. Por intermédio de que recursos chegamos a integrar essas exi- n ias bissexuais à nossa estrutura psíquica, assumindo ao mesmo t •mpo nossa identidade anatômica predestinada? Após cerca de trin-
  • 8. XII AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS ta anos_de reflexão e observação clínica, estou convencida de que a c~nfusao a que os desejos bissexuais dão origem na organização ini- cial da estrutura psicossexual afeta consideravelmente muitas áreas da _ vida ~dulta. Embora a integração desses desejos seja fonte de e~nquec1m~n~o. p~íquico, su~ não-integração é causa freqüente de sintomas e 1mb1çoes em muitos aspectos da vida adulta. Assim as múltiplas maneiras p_elas quais tentamos lidar com o desejo impo~sí- vel de ser e ter os dois sexos merecem consideração clínica e teórica. Libido: homossexual ou heterossexual? Conceitos como "libido homossexual" ou "libido heterossexual" precisam ser definidos. Libido foi a palavra escolhida por Freud para descrever todos os aspectos da energia pulsional sexual nos se- r~s_ h~manos. ~le enfatizou também que a energia libidinal podia ser dmg1d~ pa_ra, diferentes pessoas, para os dois sexos e para o próprio se/fdo md1v1duo. Conseqüentemente, a expressão "libido homosse- xu~I" _d_e~ignaria a parte dos impulsos libidinais que, na infância, esta dmg1da para o genitor de mesmo sexo. Ademais, é pouco reconhecido o fato de que, nas crianças de ambo~ os _ sexos: os des~jos homossexuais sempre têm duplo objeti- vo. Pnme1ro, ha o desejo de possuir sexualmente o genitor de mes- mo sexo para si próprio; há, em seguida, o desejo igualmente forte d_e ~er o genitor d~ sexo oposto e, com isso, encarnar todos os privi- !eg10s e prerrogativas de que aquele genitor é considerado dotado. É importante distinguir esses dois objetivos homossexuais comple- mentares e algo contraditórios, visto que coexistem em toda criança pequena - e estão eternamente presentes no inconsciente de todo adulto! Além disso, levando em conta esses desejos primários, pode- rem_os favorecer nossa compreensão das diversas maneiras pelas quais as duas correntes homossexuais podem achar expressão igual- mente em adultos homossexuais e heterossexuais. Sobre a homossexualidade primária A homo~sexualidade primária da menina pequena impele-a a querer possu1r sexualmente sua mãe, penetrar sua vagina, "subir l'/(/:ºFA 10 XIII diretamente para dentro dela" e "comê-la", no desejo de incorporá- 1 11 totalmente, juntamente com todos os seus poderes mágicos. A 111 ·nina também quer ser penetrada por sua mãe, criar filhos com ela ·, assim, tornar-se o objeto singular do amor de sua mãe, excluindo , cu pai. Ao mesmo tempo, deseja de maneira igualmente ardente ser um homem como seu pai, ter os genitais dele tanto quanto os pode- 1cs e as outras qualidades que lhe atribui e, desse modo, representar 1 111vida de sua mãe um papel tão importante quanto aquele represen- tndo por seu pai. Esta constelação é estudada nos capítulos sobre a s · uaiidade feminina, na Parte I. menino, por sua vez, desenvolve sua própria forma de ho- 11osscxualidade primária, imaginando-se parceiro amoroso de seu pni, incorporando seja anal ou oralmente o pênis dele e, com isso, "tor- 111111d -se" seu pai ao apossar-se de seus genitais e de seus privilé- ' ios masculinos1 • Outras fantasias comuns aos meninos incluem penetrar o pai ·om eles imaginam que a mãe é penetrada, um devaneio que impli- ·n a destruição do pênis do pai. Este desejo coexiste com o de tomar o lugar da mãe, com a esperança de que o pai lhe dê um bebê para ·rcscer dentro de seu próprio espaço interior imaginado. ste último ponto evoca em mim a recordação de uma vívida dis- ·ussão que ocorreu entre meu neto Daniel, de quatro anos de idade, e uu mãe, que, na época, estava no sexto mês de gravidez. Daniel estava , ·ariciando o abdome de sua mãe e perguntando-Lhe pela centésima ·1. como o bebê tinha ido parar lá dentro. Pacientemente, ela explicou que papai tinha colocado a semente do novo bebê na barrig~ dela e que, cm breve, Daniel teria um irmãozinho ou uma irmãzinha. A noite, quando seu pai chegou em casa, Daniel gritou impacientemente: " Papai, tenho uma coisa especial para te pedir. Quer, por favor, ·olocar um bebê na minha barriga também?" O pai explicou que os papais só põem bebês na barriga das mamães, porém acrescentou que um dia Daniel teria uma esposa e •ntfio poderia colocar um bebê na barriga dela. Com expressão de determinação nos olhos, Daniel correu para sua mãe e, dando tapi- 11has no abdome dela, disse: 1. Estas fantasias de incorporação, nas crianças pequenas dos dois sexos, 1 111cm lembrar as crenças das tribos primitivas de que comer o coração do leão (ou dn leoa) daria ao indivíduo a capacidade de adquirir sua força, seu poder onipotente • ~un invencibilidade.
  • 9. XN AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS "M~ãe, quando você não precisar mais, quer, porfavor, pas- sar para mim?" Este incidente te~e uma divertida conseqüência no dia seguinte. Aco_mp~ando Daniel e seu amigo John ao jardim-de-infância ouvi-o dizer: ' "Ei, John, sabe o que a minha mãe tem na barriga?" "Não, o que é?" "Um bebê!" Um ar de repulsa surgiu no rosto de John e ele replicou· "Eca! Ela comeu um?" · "Não, seu bobo! Meu pai é que colocou ele lá dentro." . John (cujos pais se sep~aram antes de seu nascimento) prosse- ~um procl~ando que Daniel estava dizendo bobagem. Sua mãe tinha,~lh~ dito que só Deus põe bebês no corpo das mães. SeJa como for, este não foi Ele quem colocou na minha mãe" respond~u Daniel com firmeza. (Pensei comigo mesma O quanto &, ~erdade~o que a "realidade" não existe de modo absoluto e, de fato, e quase mterramente construída a partir das comunicações parentais sobre ela.) A ambivalência de anseios insatisfeitos Esses a~seio_s b!ssexuais infantis estão, é claro, destinados a permane~er ms~tisfe1tos, pois a menina não vai se tomar homem, n~ca vai possurr sua mãe sexualmente e fazer bebês com ela nem vai receber um bebê de seu pai. Semelhantemente, o menino não vai se _ tornar mulher, não vai fazer b~bês ~om seu pai nem tornar-se par- ce':o _ sexual dele, como outrora Irnagmou. Ademais, esta forma fan- tas~~t1ca ~~ posse, comum a t~?_as ~s crianças, implica a destruição do outro_ e ~em como c~nse9~enc1a confusos sentimentos de culpa e depressao. E, portanto, mev1tavel que emoções complexas venham a enxertar-se nesses ans_ eios insatisfeitos tão antigos, uma vez que a f~lta de s~cesso na ~atisfação de desejos homossexuais primários fica_associada a sentiment?s d_e f~rida narcísica, agressão e inveja. Assim, uma ~rofund~ amb1valenc1a complica o apego e atração por am~os os gemt~res. E compreensível que os componentes homosse- xuais da sexualidade humana estejam infiltrados de afetos de natu- reza tanto altam_ ente p~sitiva quanto fortemente negativa. Embora seJa poss1vel fazer afirmação idêntica a propósito dos componentes heterossexuais, os desejos heterossexuais primários, l 'IU:'t·A !O XV ·onquanto de nenhum modo isentos de inveja e ódio, estão fadados 11 ·n ontrar respostas menos escarnecedoras e impedimentos menos 111 ·onciliáveis à sua subseqüente satisfação do que aqueles ligados , s primeiras pulsões homossexuais. (Um de meus pacientes, profes- .or de psiquiatria de sessenta anos de idade, ainda se lembra vivida- 111 ·nte da humilhação que sofreu diante de sua família inteira quan- do. aos três anos de idade, pediu que lhe dessem uma boneca no Notai.) É provável que os desejos heterossexuais primários conte- 11ham um potencial menor para gerar alguma forma invejosa ou con- 11 ituosa de desejo sexual e que culmina em sofrimento psíquico d ·ssa natureza. Finalmente, todas as crianças têm de aceitar o fato de que nun- ·11 1ossuirão os dois gêneros e serão para sempre apenas metade da ·on ·telação sexual. Esta escandalosa afronta à megalomania infantil •omplica-se ainda mais pela necessidade de chegar a um acordo rom a crise edípica, em suas dimensões homossexuais e heterosse- 11ni , bem como com a impossibilidade de possuir sexualmente qualquer dos genitores. Um estudo dos múltiplos processos pelos quais as crianças pe- quenas realizam essas monumentais tarefas psicológicas pode con- 11 ibuir para aumentar nossa compreensão, tanto das homossexuali- ludes manifestas quanto dos impulsos homossexuais inconscientes dos heterossexuais. Nesse ponto, é preciso também acentuar que as t11 icntações homossexuais da vida adulta de modo nenhum podem ·r apreendidas como simples fixação aos desejos bissexuais uni- v ·rsais da infância. Numerosos outros elementos contribuem para o ·omplexo desenvolvimento da identidade e da escolha objetal, tanto homossexual quanto heterossexual. E importante estudar as diversas maneiras pelas quais os an- . ·i s homossexuais primários, em suas versões binárias, são trans- formados e integrados na vida de indivíduos adultos, a fim de alcançar uma certa harmonia no sexo e no amor. Há muitos canais disponí- v·i · para o investimento dessa corrente libidinal essencial nas nossas vidas adultas. Os conflitos acerca dos impulsos bissexuais, con- quanto possam criar sofrimento neurótico, podem com a mesma pres- 1·za enriquecer a personalidade. O substrato bissexual, por exemplo, p de ervir como elemento fundamental para estimular as capacida- d ·s criativas; porém, na eventualidade de conflito inconsciente nes- su área, pode também dar origem a grave inibição. Ademais, mesmo
  • 10. XVI AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS que os aspectos conflituosos dos desejos bissexuais possam, com toda a probabilidade, ter sido manejados de maneira bem-sucedida por meio do recalcamento ou da atividade sublimatória, o colapso sempre poderá ocorrer, dando origem a sintomas ou ao bloqueio cria- tivo (estes aspectos serão ilustrados nos capítulos das Partes I e 11). A descoberta, por parte da criança, da diferença entre os sexos é equivalente, em qualidade traumática, à anterior descoberta da alteridade e à ulterior revelação da inevitabilidade da morte. Alguns indivíduos nunca resolvem nenhum desses traumas universais e, em alguma medida, todos nós os negamos nos mais profundos recessos de nossas mentes, lá onde temos a liberdade de ser onipotentes, bis- sexuais e imortais. Cena primária e sexualidades primitivas Como conceito, "cena primária" engloba o estoque total de sa- ber inconsciente e a mitologia pessoal que a criança tem a propósito das relações sexuais humanas, especialmente as dos pais. Afora os aspectos genitais da cena primária e os conflitos fáli- co-edipianos associados a ela (descritos por Freud como típicos das neuroses, quando estas inibem alguma ou todas as formas de ex- pressão libidinal), essa cena também pode ser descrita em termos pré-genitais, tais como fantasias orais-eróticas e orais-devoradoras, trocas anais-eróticas e anais-sádicas, confusões bissexuais, em fan- tasias arcaicas de trocas vampirescas ou o medo de perder o próprio sentimento de identidade ou a representação dos limites corporais. Quando essas fantasias desempenham um papel predominante no mundo da realidade psíquica, as relações sexuais e amorosas ficam prontamente igualadas a castração, aniquilamento ou morte. O aprofundamento dos insights acerca da importância incons- ciente das fantasias de cena primária também me levou à descoberta de sua profunda influência nos estados fronteiriços e, de modo ainda mais impressionante, como fator que contribui para as irrupções psi- cossomáticas. Ao esforçar-me para ouvir as "comunicações" somá- ticas de meus analisandos polissomatizantes, aprendi que os terrores de dissolver-se, de perder os limites corporais ou o sentimento de self, de explodir no outro ou de ser invadido e implodido pelo outro, eram freqüentes e revelavam as ligações sepultadas com sentimen- tos sexuais e amorosos originários da infância mais inicial. Esses /'l(l:FÁC/0 XVII 111 ·dos, próprios de bebês, ligados às primeiras transações entre mãe · lactente, não tendo acesso a representações verbais, tinham ficado 11111azenados na memória do corpo. • freqüente que esses analisandos venham a compreender que, por baixo de sua inexplicável tendência a atacarem seu próprio fun- r ionamento somático, combinada ao medo que têm da destruição 1·01 poral ou mental na relação sexual, eles também têm medo de suas p1 óprias tendências destrutivas, recusadas, dirigidas contra seus par- ' •iro , exuais. Essas angústias recapitulam a fúria própria do bebê, h •m como os desejos letais e vampirizadores anteriormente projeta- dos na figuras parentais. No mundo psíquico da infância, em que o 1'1 lit e o amor coincidem numa corrente dinâmica de investimento Ili idinal, essas trocas fantasiadas com os objetos parentais contri- l111 •m para a formação de imagens fascinantes, ainda que terríveis, d11 ·ena primária. A verbalização desses desejos primitivos e o terror arcaico que d •spcrtam desempenham um papel capital na modificação psíquica q11 • ocorre à medida que prossegue a análise das fantasias recupera- cl 1 s. Alguns analisandos descobrem que seus relacionamentos com os 11111ros significativos se aprofundam e, em especial, que sua vida amo- 111. , e uas relações sexuais se tornam consideravelmente mais ricas. lµun · conseguem a resolução de sintomas psicossomáticos que du- 111v11m a vida toda, como alergias, úlceras gástricas, hipertensão essen- . il, li funções respiratórias e cardíacas. Outros são capazes de supe- 1111 t rnvcs inibições criativas ou de desenvolver habilidades artísticas 1nt ·lcctuais que, anteriormente, eram apenas vagamente percebidas ,111 tulvcz totalmente não-reconhecidas.A partir de enorme quantidade d • mutcrial clínico escolhi alguns exemplos para ilustrar a fantasia de 1 'l'lll1primária em relação à sexualidade primitiva. 1111strnções clínicas O a111or que estrangula J ·an-Paul está falando: "Uma vez coloquei uma aranha e uma la- 111i11hn juntas numa teia de aranha. Elas lutaram até morrer. Foi atroz! 111 tnmbém adorava ver aranhas estrangulando moscas com seus fios h · lu. ·las são assustadoramente agressivas e venenosas."
  • 11. XVIII AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS Meu paciente prosseguiu contando outros dramas entomológi- cos dos quais ele era o diretor teatral - horas de brincadeiras da inf'ancia, nas quais vespas, abelhas, formigas, lesmas e minhocas eram atiradas em cenas primárias de insetos, infindavelmente repe- tidas. A ferroada mortal, o encontro esmagador e estrangulador, estavam presentes invariavelmente e eram relembrados com deleite. Por baixo das associações de Jean--Paul, eu podia perceber um meni- no excitado e angustiado tentando conter e dominar, por meio do jogo, aterrorizantes fantasias do relacionamento sexual de seus pais, nas quais um estrangula o outro até a morte. Jean-Paul recordava que, em suas práticas masturbatórias da adolescência, costumava estrangular seu pênis com cordões amarrados bem-apertados; entre- tanto, as fantasias sexuais profundamente perturbadoras que se des- carregavam por essa prática tinham desaparecido de sua consciência adulta. À medida que Jean-Paul tornou-se adulto, o horror da "vagi- na estranguladora" deu lugar, dentre outras manobras defensivas, a uma fobia de aranhas. Nesse meio tempo, sua vida sexual não apre- sentava expressões de inibição. Em vez disso, à medida que sua aventura analítica avançou, descobrimos que essa vida sexual apa- rentemente livre de sintomas estava intimamente ligada à irrupção de sintomatologia psicossomática. Seu desejo sexual infantil por sua mãe tinha permanecido consciente, porém a fantasia de desejo de estrangular e devorar sua mãe em êxtase erótico e semelhante à morte tinha ficado totalmente apagada da consciência, juntamente com outros devaneios semelhantes e igualmente primitivos. Ao mesmo tempo, essas fantasias sepultadas protegiam Jean-Paul do reconhecimento de um desejo ainda mais regressivo: o de fundir-se completamente com sua mãe - e, de fato, tornar-se ela. Entretanto, a fantasia inconsciente da cena ptimária, em sua forma mais arcaica - aquela de uma luta de fusão erótica porém semelhante à morte - , encontrava expressão em suas reações alérgicas de pele e em suas graves úlceras gástricas (outra dimensão da análise de Jean-Paul vai ser utilizada para ilustrar o tema do capítulo 9). O amor canibal Georgette tinha sofrido, a vida inteira, de reações alérgicas a peixes, crustáceos e frutos como morangos e framboesas, os quais l'/IJIFA '/O XIX 1 1·lt 1vu atraentes e ansiava por comer. Qualquer transgressão desses 11hus s máticos resultava em edema maciço ou em espantosas erup- ~1 •s dermatológicas. Os sonhos, associações livres e sentimentos 11 111sfcrenciais de Georgette revelavam, dentre outros elementos, 11111 1 ·onexão oculta entre determinados odores (em particular, o de 1 1 11stú ·eos e frutos do mar) e suas fantasias a propósito da vida amo- 111 u d, seus pais. Numa sessão, relatou um sonho no qual era um 111•h procurando o seio, porém o mamilo tinha sido substituído por 111111 framboesa; num outro sonho, um corpo de mulher estava co- 11 11 de morangos que se transformavam em cola quando ela os 11ku11çava para apanhá-los. No sonho, ela compreendia que tinha de 111 111 ·ar sua pele para escapar à morte e despertava aterrorizada. Em 11111111 o asião, lembrou-se de que, quando tinha cerca de quatro anos d1· 1dnde, seu pai lhe oferecera um mexilhão. "Ainda o vejo abrindo os dois pequeninos lábios e pingando 11111 s de caldo de limão ali dentro. Eu engoli aquilo vorazmente. Era d •l1 ·ios ." F i por volta dessa época que se desenvolveram suas graves 1 111,·1 ·s alérgicas a todas as formas de frutos do mar. Com a recupe: 111c1 o, trinta e cinco anos mais tarde, dessa recordação, Georgette foi 111p111 de reconstruir a significação erótica da "cena primária" odorí- li 111 · ,ustativa, na qual o pai tinha pingado seu "caldo" no "mexi- Ih 11" da mãe; à medida que elaboramos esse material, suas ~umero- 1 li •rgias a esses "frutos proibidos" desapareceram g_ radat1vame~- h (llsta parte da análise de Georgette está relatada mais pormenon- 11d11mcntc no capítulo 8.) Outras ansiedades ligadas à fantasia de cena primária tinham li•tto ·om que Gcorgette, quando menina, estivesse constantemente 11111 medo de "cair pelo espaço, de fazer-se em pedaços". Durante a 1 111 11 ·iu, linha ensinado a si mesma a prender a respiração, de ma- 111 11 1mágica, para evitar essas catástrofes fantasísticas. Viemos a com- 111 ••nder que, dentre outros objetivos, essa ativi_dade ta~bé~ sus- p 11d •ria o relacionamento sexual dos pais e dana a ela dire1tos m- 1111di •i nais como única parceira sexual da mãe. Conforme nosso 1111h tlh pro seguia, Georgette descobriu, por intermédio de uma l11111nsia transferencial, que o desejo de engolir a mãe numa relação 1 1 1111I ·111 . apaixonada também lhe daria a capacidade de substituí-la s do pai, tornando-se assim parceira sexual exclusiva dele
  • 12. XX AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS Outro analisando, mencionado em livro anterior (McDougall, 1982) lembrava-se de fantasias orais semelhantes, nas quais os dese- jos sexuais e as angústias que despertavam encontravam seu lugar. "Isaac" temia que pudesse ser "engolido" ou "mutilado" por objetos inanimados; esta fobia finalmente levou à descoberta de uma fanta- sia na qual ele corria perigo de ser "devorado" por sua mãe. Seu pai também, na fantasia de Isaac, corria perigo iminente de sofrer o mes- mo destino. "Talvez minha mãe, com seu jeito devorador, fosse a causa dos ataques cardíacos de meu pai", cismava Isaac. À medida que nossa viagem analítica prosseguiu, a revelação da crença infantil de Isaac de que seus pais se entredevoravam em sua união sexual foi um momento dramático, como o foi a descober- ta de que ele próprio abrigava um profundo anseio de ser devorado por sua mãe. O amor respiratório Louise (que vamos encontrar novamente no capítulo 7) descre- veu, no inicio de sua análise, um "problema" com sua mãe. "Minha mãe vive em Estrasburgo, onde eu nasci. Freqüentemente vou visitá-la, mas mal começo a preparar minha viagem, começo a ter asma - e vou piorando invariavelmente, à medida que me aproxi- mo de minha cidade natal." Conforme a análise progrediu, conseguimos recompor, peça por peça, uma profunda, porém até então insuspeitada, ligação com sua mãe, a quem conscientemente odiava. Viemos a compreender que, em suas tentativas de manter um relacionamento com aquilo que Louise descrevia ironican1ente como "mãe-amante-sufocante", ela se sentia "espremida" pelo contato pró- ximo com qualquer pessoa que lhe lembrasse sua mãe. Mais tarde, isso levou à recuperação de uma crença infantil de que seus pais se "espremiam" e evacuavam substâncias tóxicas um no outro, no curso de seus encontros sexuais. Com o prosseguimento de sua viagem ana- lítica, a patologia respiratória de Louise veio a ligar-se a outras formas de excitação erótica pré-genital que geravam uma versão inteiramente nova da vida sexual de seus pais. Em conseqüência, importantes mo- dificações ocorreram em seu relacionamento com seu marido e sua patologia psicossomática diminuiu acentuadamente. 1•11HvA !O XXI O amor urofilico uando Nancy tinha dezoito meses, seu pai foi recrutado para lutar na Segunda Guerra Mundial e, desde então, ela tomou o lugar d ·I · na cama da mãe. Ela relatou que toda noite "inundava" a cama d11 mãe com torrentes de urina, com as quais "sua mãe parecia não l' 111 modar". Foram necessários alguns anos de análise para des- 1 ·nbrirmos que esta era a visão de Nancy acerca do relacionamento p 11 ·ntal e da maneira pela qual os bebês eram feitos. Um irmãozi- 11ho na ceu nove anos mais tarde e, com seu amor urinário traído d ·ssu forma, a enurese noturna de Nancy cessou abruptamente. Sua h1 1 ria e tá discutida na Parte III. Uma união de vampiros Marion, que sofria de graves crises asmáticas durante toda a 1111 infância e contraiu tuberculose na adolescência, reviveu na aná- 11 l' o terror que sentia, quando criança, cada vez que ouvia água 11111 ·ndo no banheiro ou na cozinha. Acreditava que tinha de lutar 111111ia o perigo de ser sugada pelo cano. Em seguida a essas revela- 1,1l'S, ocorreram sonhos e fantasias permeados de cenas sexuais, nas q1111s os dois parceiros estavam em perigo iminente de ser sugados 1111111 vazio em fim, perdendo todos os limites corporais, se não a p1 1'11 1in vida. No decurso da análise, essa fantasia assustadora trans- 1111111ou-se em outra, esta excitante, na qual a fusão mútua dava ori- 111 u uma excitação infinita e a um prazer inefável. o J..!Cral Esses fragmentos de análises são predominantemente ilustrati- ·11 d · expressões psicossomáticas de fantasias de cena primária. l 111 1111-11,c necessários muitos anos para compreender o significado p1111'11nd , proto-simbólico, subjacente aos fenômenos psicossomáti- 111 • pura discernir as formas iniciais de sexualidade que estão por 1, 11 du f"nchada corporal. Os capítulos englobados na Parte UI deste 1 111 foram escritos como resultado de dificuldades encontradas na li 111111v11 de conceituar minhas observações clínicas a propósito dos
  • 13. XXII AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS problemas psicossomáticos de meus analisandos. Esses capítulos dão seqüência à pesquisa iniciada em Theaters of the Body (Mc- Dougall, 1989)*. Entretanto, o desejo que a criança incestuosa tem de possuir os dois genitores e de encarnar o poder imaginado que se sente que cada um deles possui, e as fantasias de cena primária que acompanham esses desejos, também podem expressar-se de muitas outras maneiras, tais como atividades sublimatórias, sintomatologia neurótica e sexuali- dades desviantes. (A Parte II estuda a inspiração e a inibição associa- das ao processo criativo. A Parte rv focaliza os desvios do desejo e examina o complexo nó de problemas que circundam o desenvolvi- mento de cada um como indivíduo, lbem como até que ponto as formas desviantes e adictivas de sexualidade podem ser utilizadas para fortifi- car um frágil sentimento de identidade pessoal ou sexual.) Em suma, neste livro, estudo as fantasias bissexuais e as fanta- sias de cena primária em suas formas arcaicas e pré-genitais e o efeito dinâmico dessas fantasias em relação aos desvios sexuais, aos sintomas psicossomáticos e aos distúrbios de caráter, bem como suas expressões sublimadas em todos os campos da criatividade. No curso da viagem psicanalítica, quando as fantasias de cena primária podem ser reconhecidas em seus variados disfarces e pro- clamadas, pela primeira vez, na memória do paciente, os objetos parentais internalizados são então libertados das projeções pré- genitais e arcaicas da criança de outrora; a visão infantil acerca da cena primária pode agora ser elaborada psíquicamente, encarada como experiência mutuamente gratificadora e, finalmente, aceita igualmente pelas partes criança e adulta da personalidade. O terror da destruição violenta de si mesmo ou do parceiro desaparece, jun- tamente com a angústia de que se poderiam perder os limites cor- porais ou a identidade pessoal nos relacionamentos amorosos e sexuais. À medida que a imaginação erótica sai da sua sombra semelhante à morte, as relações sexuais, qualquer que seja sua orientação, são uma vez mais retomadas com as forças da pulsão de vida. Quando o amor não é mais igual a catástrofe, castração ou morte, quando os pais podem ser reconhecidos em sua individuali- * No Brasil, Teatros do corpo, São Paulo, Martins Fontes, 1991. Tradução de Pedro Henrique Bernardes Rondon. (N. do T.) XXIII d 111 ·, cm suas identidades sexuais separadas e em sua complemen- 1111 idade genital, a cena primária internalizada, em sua versão trans- lrn 111ada, torna-se uma aquisição psíquica que dá aos adultos-crian- ~11 o direito ao seu lugar na constelação familiar, aos seus corpos, à 111,, sexualidade.
  • 15. CAPÍTULO 1 OS COMPONENTES HOMOSSEXUAIS DA SEXUALIDADE FEMININA (..) a necessidade de conciliação das duas partes da nature- za da mulher é um problema antiqüíssimo. (..) É antes uma questão de como ela vai se adaptar aos princípios masculi- nos efemininos que, de dentro, governam seu ser. Esther Harding Antes de considerar a questão da integração dos desejos ho- 111ossexuais primários na mulher heterossexual, vamos rever os con- 1 •ui10s de Freud a respeito do acesso da menininha à condição de 111ulher e à maternidade. As descobertas revolucionárias de Freud a propósito da impor- 1nncia dinâmica da sexualidade humana na vida da criança e do 11<lulto têm agora quase um século. De tal forma constituem parte 1 •t11nbelecida do pensamento ocidental que já as tomamos como cer- l11s por antecipação. E, no entanto, os analistas modernos continuam lcccndo fortes críticas às limitações conceituais de Freud, sobretudo 110 que se refere às suas teorias sobre a sexualidade feminina. Esta, 1cconhecidamente, é uma área na qual Freud era particularmente vulnerável. É interessante lembrar, entretanto, que Freud devia às 111ulheres os insights iniciais que o levaram ao conceito de incons- :lonte. Anna O., Lucy R., Irma, Emmy von N., Dora, Katarina e 111uitas outras foram as nascentes de sua inspiração. É igualmente 11olável que, em seu tempo, ele realmente as ouvisse e considerasse ludo o que diziam como sendo significativo e importante. Na época predominantemente falocrática de Freud, essa receptividade era ,uvolucionária em si mesma. De todos os que estudaram o funciona-
  • 16. 4 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS mento da mente humana, ele foi o primeiro a interessar-se séria e cientificamente pela sexualidade das mulheres. Fascinava-o, sem dú- vida, o mistério da feminilidade e do sexo feminino em si mesmo (característica que, proclamava ele, partilhava com homens de todos os tempos). Freud, porém, tinha também um pouco de medo dos objetos de sua fascinação. Suas metáforas revelavam constantemente uma re- presentação do genital feminino como um vazio ameaçador, uma falta, um continente obscuro e inquietante no qual não era possível ver o que ocorria. Insistia também em que, nessa linha de pesquisa, fora obrigado a tomar como ponto de partida seu saber acerca da se- xualidade masculina. Com esse telescópio refrator nas mãos, não é de surpreender que "deduzisse" aquilo que, estava convencido, seria a resposta de uma menina: a extrema inveja do órgão visível e inte- ressante do menino, bem como seu desejo de possuir um pênis dela própria. A noção de que os meninos também teriam inveja da vagina de uma menina, de sua capacidade de gerar filhos e de seu potencial de atração sobre o macho, precisamente porque ela não tinha pênis, não ocorreu a Freud, até onde sabemos. Mas foi também o próprio Freud, com sua típica honestidade, quem primeiro expressou sentimentos de profunda insatisfação e incerteza a propósito de suas teorias sobre a mulher e a natureza de seu desenvolvimento psicossexual. De fato, esperou até 1931 para publicar "A sexualidade feminina", seu primeiro trabalho sobre o assunto. Tinha então setenta e cinco anos. Talvez sentisse que, nessa fase de sua vida, já não precisava temer tanto a mulher e seus misté- rios sexuais nem a revelação de suas teorias sobre ela. Em seu segundo artigo famoso e muito criticado, "A feminili- dade", publicado dois anos mais tarde, escreveu: "... a psicologia... é incapaz de resolver o enigma da feminilidade" e observou ainda que "... o desenvolvimento da menina até ela tornar-se uma mulher nor- mal é mais difícil e complicado, uma vez que inclui duas tarefas a mais, às quais nada há que corresponda no desenvolvimento do homem". As "tarefas" se referem a dois importantes conceitos de Freud a propósito das dificuldades de alcançar a condição de mulher: primeiro a menininha tem de chegar a um acordo com sua configuração anatômica e efetuar a troca do órgão de excitação, do clitóris para a vagina; em segundo lugar, tem de efetuar a troca de 11 e <JAl/'ONENTES HOMOSSEXUAIS DA SEXUALIDADE FEMININA 5 111111•111. "Quando e por que ela abandona sua fixação a sua mãe em 111 111 d· seu pai?", perguntava-se Freud. l•,mbora concorde que essas duas dimensões representam ge- 1111 1111. desafios à consecução da feminilidade adulta e do prazer 1111 1, penso, não obstante, que elas estão longe de ser exaustivas 1 111111 ·onceitos explicativos. Vamos examiná-las mais de perto. 1111f omin como destino? 1loje, a maioria dos analistas, homens e mulheres, concorda- 111 1111 quanto ao fato de que a inveja do pênis do pai é apenas uma plit· 1çt o parcial das dificuldades encontradas pela menina em seu 1 11111 11110 cm direção à situação de mulher adulta. De fato, muitos 1 111•1u·du ria m quanto a que a "inveja do pênis" não é específica da 111 1 111 1 mea. Os meninos também sofrem de sua própria forma 1111 •t ·dstica de inveja do pênis, invariavelmente achando que seus 111 111 o pequenos demais em comparação com os de seus pais. Se, 111 11111 do homem adulto, persistir a crença de que seu pênis é 1111 11111 do que deveria ser, baseada na fantasia inconsciente de que o 1111 , 11 •xo adequado é o paterno, precipitar-se-ão sintomas neuróti- 11 111 ústias, com a mesma freqüência com que estes ocorrem na d 1 • uni da mulher jovem, se esta se agarra inconscientemente à ti 111 •I l'untasia de ser um menino castrado. A experiência clínica 11111h ' m · nfirma que a inveja e a admiração do corpo e da sexuali- d 1111 1111 iniie, por parte do menino, são similares à inveja e à admira- ,, q11 • u menina tem em relação ao pênis e às proezas sexuais de , 11 p11i . s crianças de ambos os sexos se dão conta de que a mãe 1111111111'i ·a poder mágico de atrair o pênis do pai e de fazer os 111 li 111• s dois genitores desejam. N • te contexto é pertinente lembrar que o falo (que invariavel- 1111 11h refere ao pênis em estado de ereção nos ritos itifálicos gre- 11 ) 1111 etimologicamente falando, símbolo do órgão sexual mas- 11111111, 111us ·im da fertilidade, da completude narcísica e do desejo , 11111. 1 •sse ponto de vista, o falo poderia ser considerado o signi- 1 1 1 1111, l'undamental do desejo humano, para ambos os sexos. (De- ' 11111 11111it à precisão de Lacan nesta terminologia, ainda que mui- 1t1 1111 distas discordem de alguns de seus pontos de vista sobre a 11 il d ide feminina.) A palavra símbolo vem do grego symbolon,
  • 17. 6 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS objeto que, cortado ao meio, visava a servir de sinal de reconheci- mento entre pessoas, cada uma levando consigo metade do symbo- lon. Assim, poderíamos dizer que cada sexo possui metade daquilo que é exigido para completar o símbolo. Em termos de relaciona- mento sexual, o pênis ereto está intiimamente ligado à vagina recep- tiva e, do ponto de vista do parceiro de sexo feminino (contanto que sua atração pelo parceiro de sexo masculino esteja livre de conflito e angústia), é correspondido por excitação vaginal e interpretado co- mo sinal de desejo mútuo. Essa digressão é necessária porque, em inglês, a palavra falo é muitas vezes usada de maneira indiscriminada para significar pênis. Algumas escritoras feministas, empenhadas em detectar e denunciar atitudes depreciativas em relação às mulheres (talvez em função de suas próprias experiências a esse respeito e do sofrimento que estas podem ter-lhes causado), fulminam o emprego da palavrafa/o. O fato de igualarem pênis e falo sugere, paradoxalmente, uma atitude falocêntrica oculta de sua parte! Confundir o símbolo (falo) com o objeto parcial (pênis) pode toldar a pesquisa de questões capitais referentes à identidade sexual, à masculinidade e à feminilidade. Como já foi observado, a monossexualidade é, para homens e mulheres, uma das principais feridas narcísicas da humanidade. A internalização de uma representaçã.o simbólica da complementari- dade dos dois sexos exige a renúncia ao desejo, próprio da criança, de ser e ter ambos. As conseqüentes complicações, advindas de nos- sa bissexualidade psíquica e de nossos anseios homossexuais primá- rios, serão discutidas mais adiante. Voltemos à questão do "destino" biológico da menina. Muitos analistas concordariam em que a configuração anatômica da menina pequena apresenta para ela vicissitudes específicas em seu desen- volvimento psicossexual e que a inveja do órgão visível do menino é apenas um dos aspectos de suas preocupações. A teoria psicanalítica teve de esperar pela obra de analistas de sexo feminino - em particu- lar, a pesquisa original de Karen Horney (1924, 1926) e de Melanie Klein (1945) - para esclarecer as complicações adicionais que com- põem o quinhão da mulher jovem. Já em 1926, Karen Horney assi- nalou que, em vista das sensações vaginais, a criança de sexo femi- nino"... deve, desde o início, ter um vívido sentimento deste caráter específico de seu próprio papel sexual; seria dificil dar conta de uma inveja do pênis primária com a força daquela postulada por Freud". - - ~ . ---~ t t t 11 ll'ONENTES HOMOSSEXUAIS DA SEXUALIDADE FEMININA 7 nos mais tarde, Klein (1945) formulou a noção de que a posse ,h 11111 p nis é narcisicamente tranqüilizadora para o menino por , 111 11 d · sua vi ibilidade e de sua facilidade de representação mental. 1111 , ,rntrnstc, a menina pequena não consegue ver sua vagina e tem 1hl h 11 ld ,d • de visualizar seu clitóris. Como resultado, embora inti- 111111111·111 •se aperceba das sensações clitoridianas e vaginais, vivencia , 11 i'11~1 1 ,enital como faltando, em comparação com o órgão visível il11111 11 11H e do pai. É preciso que espere até a puberdade para ganhar 1111 III mação visual de sua própria identidade sexual singular, por 1111 11 do ·rc cimento de seus seios e do início de suas menstruações. 1 11111 sns mudanças externas, vem a tranqüilização narcísica de que 111,111 p >e eu genital femininos são projetados para despertar dese- 11, , 1111 ·m em si a promessa de gerar bebês. ( ulr marco na pesquisa psicanalítica a propósito da sexuali- il 111 l' •minina é o original artigo de Judith Kestenberg (1968) sobre 1111111 lantc distinção entre configurações anatômicas "de dentro" ,h lorn" e os diferentes medos e fantasias a que dão origem. Este 111111111 d· vi ta, estudado minuciosamente, chama a atenção para a 11111111 11cia da representação que a menin~ tem de seu genita_l ~~mo 111~·0 1ntcrno, a qual afeta sua experiência total de sua femm1ltda- 1lt d •suas relações sexuais. )11trns dificuldades inerentes ao desenvolvimento do sentido d•111i lade de gênero da criança de sexo feminino também têm 111 , 1;, ·s m seu destino anatômico. Uma vez que, em essência, 111 , 1 uma porta de entrada em seu corpo, a vagina está fadada , 11 uulada, no inconsciente, ao ânus, à boca e à uretra e, portan- 111 p 1 ssivcl de partilhar tanto os investimentos ~ibidi.nais sádicos _ e 111, 11quistas quanto as fantasias que essas zonas implicam. Amem- 1111 I' •q11 •na (e freqüentemente a futura mulher) tem maior probabili- d 11h , do que sua contrapartida masculina, de temer que seu corpo 1 , •1111 sidcrado sujo ou perigoso por causa dessas confusões zo- 111 , nl •m d fato anatômico de não haver órgão visível que possa 11 1•11l'i ·ado e controlado. •sm a mulher adulta freqüentemente experimenta seu corpo 1 1111111 11111 ntinente obscuro no qual monstros anais e orais esprei- 11111 (, ·luro que boa parte da representação inconsciente que tem de 1 11 , rn p l e ele seus genitais reflete a importância libidinal e nareísi- 1q11 sua mãe dava ao self fisico e psicológico de sua filha, bem , 1111 111 d • o quanto transmitiu seus temores inconscientes relativos a
  • 18. 8 A MÚLTIPLAS FACES DE EROS suas próprias funções sexuais e corporais. As comunicações não-ver- bais sensuais e, mais tarde, as comunicações verbais entre mãe e fi- lha determinam, em larga medida, se o erotismo oral há de triunfar sobre a agressão oral e se os impulsos eróticos anais hão de tornar- se mais importantes do que os impulsos sádicos anais, ou se vão com- binar-se harmoniosamente com eles. Um terceiro aspecto do destino anatômico feminino envolve a experiência auto-erótica. Uma vez que não consegue verificar seus genitais e, portanto, tende a criar urna representação psíquica deles imprecisa ou zonalmente condensada, a menina pequena tem difi- culdade de localizar as sensações sexuais das quais se apercebe des- de o início da infãncia. Sensações clitoridianas, vaginais, uretrais e outras sensações internas tendem a confundir-se. Esta imprecisão das sensações internas tem importantes repercussões nas fantasias femi- ninas relacionadas com a masturbação. Masturbação e feminilidade , Embora seja a sexualidade normal das crianças, a masturbação e eventualmente inibida pela piressão parental. Todas as crianças aprendem que não é permissível defecar, urinar ou masturbar-se em público. Mesmo quando são impostas com delicadeza e compreen- são, essas restrições deixam marcas na vida de fantasia inconsciente. Quando são impostas asperamente, por causa das inquietações inter- nas dos próprios pais com a subseqüente necessidade de diminuir sua angústia por via do controle dos corpos de seusfilhos, o risco de problemas neuróticos ulteriores cresce consideravelmente. Quando é dito publicamente a urn menino que pare de se mas- turbar, ele é capaz de imaginar que, se não conseguir fazer o que m~ndam, seu pai vai atacar seu pênis, certo agora de que esse pai ad1vmhou seu desejo sexual pela mãe e seus sentimentos ambivalen- tes para com ele. Na mesma fase de reorganização edipiana, é mais provável que a menina tema que sua mãe ataque e destrua todo o interior de seu corpo como castigo fantasiado por seu desejo de to- mar o lugar dela, de partilhar os jogos eróticos com seu pai e de fazer com ele um bebê. Assim, o castigo que o menino teme pelas fanta- sias masturbatórias é a castração, enquanto, para a menina, freqüen- temente a retribuição pela mastw·bação e pelos devaneios eróticos é igual à morte. rJ <'OMPONENTES HOMOSSEXUAIS DA SEXUALIDADE FEMININA 9 Morte por masturbação Uma jovem psiquiatra, altamente inteligente e totalmente infor- 11111da obre teoria psicanalítica, declarava que nunca tinha se mastur- h11do 11em na inf'ancia nem quando adulta. Expressava também dúvida rnli'1tica quanto a que a masturbação pudesse ser parte inevitável da vivência infantil. Foram necessários dois anos de trabalho analítico 111'• que ela pudesse ao menos permitir-se pronunciar a palavra "mas- 111rbação", já que a idéia de atividade auto-erótica era para ela tão suja l' depreciativa. Embora não tivesse dificuldades aparentes em seus , ·!acionamentos sexuais, sofria de um cortejo de manifestações so- 111útica que pareciam estar ligadas a estados de tensão sexual e angús- 1i1 1. (De modo algum ela era alexitímica ou dominada por métodos operatórios de pensamento.) Sendo uma mulher jovem esguia e 111rnente, vivenciava seu corpo como sem forma, grande e sujo e, quando menstruava, chorava, temendo que eu achasse sua presença d ·sagradável. No quarto ano da análise, ela trouxe o seguinte sonho: "Eu estava w lhendo flores no jardim da frente da casa onde morei quando era criança. Estava dançando com prazer quando, de repente, meu pri- 1110 Pierre apareceu na porta e acordei gritando." Uma vez que esta era a primeira vez que o primo Pierre apare- ·ia no palco psicanalítico, pedi-lhe que me falasse mais sobre ele. 1 :la suspirou e disse: "Acho que nunca quis pensar nele. Ele era mui- tos anos mais velho do que eu e uma vez fez brincadeiras sexuais ·omigo, quando eu era pequena. Depois, quando ele tinha vinte e um anos e eu doze, ele foi eletrocutado quando tomava banho. Pelo menos, foi o que nos disseram." Já que ela parecia questionar esta versão dos fatos, perguntei: "O que você pensou sobre essa maneira de morrer?" Com grande di íiculdade, admitiu que achava que ele tinha sido eletrocutado por- que estava brincando com seu pênis durante o banho. Afinal, ela sou- bera desde a infãncia que ele era um menino "sexual" mau. Começou então a chorar. Pedi-lhe que me dissesse o que estava sentindo naque- le momento e ela disse: "A senhora sabe bem que o meu marido está íora há três semanas e estou com medo de que a senhora esteja achando que tenho estado me masturbando. Mas eu juro que não... e tenho certeza de que a senhora não acredita em mim!" "É claro que acredito. Se não fosse assim, você estaria morta!", respondi.
  • 19. 10 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS Pela primeira vez em nossa viagem analítica, minha paciente conseguiu rir de seus temores e fantasias sexuais, mas ainda nos foram necessários muitos meses para reconstruir - além de elemen- tos significantes como "eletricidade", "colher flores" e "dançando" - todas as recordações, recalcadas há tanto tempo, das sensações se- xuais espontâneas e das fantasias masturbatórias da menina peque- na. Como era de esperar, a vida amorosa de minha paciente com seu marido tornou-se mais plena eroticamente e consideravelmente mais satisfatória, em seguida a esta fase de sua análise. Entretanto, outro fato interessante, para o qual não posso oferecer explicação teórica conclusiva, foi que dois sintomas somáticos também desapa- receram. Por muitos anos ela tinha sofrido de dores artríticas recor- rentes e de asma brônquica. Nenhum dos dois voltou nos três anos remanescentes de sua análise comigo. Como devorar sua mãe e tê-la também A segunda área de dificuldade para a sexualidade feminina é a integração da profunda ligação homoerótica com a mãe. Desde o nascimento, os bebês dos dois sexos começam a tecer fortes liga- ções libidinais e sensuais com os pais, uima vez que os pais sejam ternos, sensuais e amorosos para com eles. Nos braços da mãe, todo bebê vivencia o primeiro projeto psíquico (e, talvez, uma marca cor- poral) dos futuros relacionamentos amorosos e sexuais. A atitude do pai é igualmente vital nesta transmissão de investimento libidinal inicial. Um pai que seja ausente ou desinteressado de seu pequenino rebento e que considere a mãe como sendo responsável exclusiva pelo bebê deles - ou que aceite que sua mulher o veja como uma não-entidade em relação ao bebê de ambos - corre o risco de deixar seus filhos vulneráveis a representar um papel que resulta unica- mente das necessidades libidinais e dos problemas inconscientes da mãe. Uma mãe que considera seu bebê urna extensão narcísica dela mesma ou que toma seus filhos como objetos amorosos no lugar do pai deles pode estar lançando a pedra fundamental de futuros rela- cionamentos conflituosos. Convém notar que a mãe que cria seus filhos sozinha não incorre obrigatoriamente nesses riscos se não considerar seu relacionamento com eles como substituto para uma relação amorosa adulta. t 1. e'OMPONENTES HOMOSSEXUAIS DA SEXUALIDADE FEMININA 11 Se, desde a infância, as crianças virem seus pais comportando- 1· rnmo um par amoroso que se respeita e deseja sexualmente e se 111111hé111 observam que nem mesmo a briga mais feroz entre eles 1 11 11-.;11 dano duradouro (isto é, se aprendem que a agressão não é 111·11 g o 'ªquando o amor é mais forte que o ódio), tenderão a seguir o 11111d ·lo parental na vida adulta. A menininha vai querer identificar- • ·0111 sua mãe não apenas em sua maternidade, mas também em u ,~relações amorosas e sexuais, freqüentemente devaneando acer- 11 do homem (tipicamente moldado a partir da imagem do pai) que 11111 dia será seu amante, seu marido e pai de seus filhos. Em seus primórdios, a busca libidinal está profundamente en- 11 ·mesclada com o desejo de viver e cabe à mãe a tarefa de incitar •11 fil ho a querer viver. (A força de vida não é tão forte quanto ten- d·m s a imaginar; o bebê que não seja desejado tem probabilidade d · adoecer e mesmo morrer.) Este relacionamento essencial que os hl'l)ês normalmente partilham com suas mães nos primeiros meses d· vida proporciona dupla identificação ao bebê de sexo feminino, 1•111 e ntraste com o de sexo masculino. As imagens somatopsíqui- 111s que estão destinadas a tornar-se representações mentais de seu 1 mpo feminino e de suas zonas erógenas já estão sendo formadas. É 11 ·ssa tenra idade que a boca e a vagina ficam ligadas em sua signifi- nçt o erógena e, juntamente com outros órgãos erógenos e sensa- ,1 ·s internas, são integradas às representações somatopsíquicas. A estas é preciso acrescentar as sensações clitoridianas estimu- 11dus pelo manejo físico e pela limpeza do bebê, feitos pela mãe. l·.stns sensações específicas eram as únicas ligações erógenas do cor- pn u que Freud deu muita atenção, em sua teoria sobre o desenvolvi- 111 ·nto do erotismo feminino. Por razões que lhe eram próprias, Freud 11ssimilou o clitóris feminino ao pênis masculino. Não se apercebia du fato de que o clitóris é um órgão extremamente complexo e, em vista de sua considerável extensão para dentro do corpo feminino, é 11ma estrutura relativamente grande. É interessante observar que o úr •ão clitoridiano completo, com seus apêndices internos, só em 11 ·asião relativamente recente foi mapeado e mesmo nomeado [ver o notável livro A New View ofa Woman sBody (1981), compilado pela 1 :·dcration ofFeminist Women's Health Centers].
  • 20. 12 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS A estrutura psicossexual descrita anteriormente fornece a base primitiva da futura vida amorosa da menina pequena. Nas melhores circunstâncias vão se enxertar nela os elementos do modelo heteros- sexual mencionado anteriormente: um relacionamento com cada genitor que é tisica e psíquicamente amoroso e sensual; e um mode- lo de casal parental que se ama mutuamente, que desfruta de seu relacionamento sexual e não faz da criança seu objeto escolhido para a completude erótica ou narcísica. Além disso, a menina preci- sa ouvir de seu pai expressões de apreço e valor por sua feminilida- de e pela feminilidade da mãe dela - sua esposa. Precisa ouvir sua mãe expressar valor e respeito pelo pai, bem como pela identidade sexual de sua filhinha, assim como também atribuir valor a sua pró- pria vida social e sexual como mulher. Uma menina a quem é dito que os homens são porcos egoístas, que só querem se aproveitar das mulheres, seduzi-las e dominá-las, terá dificuldade para gostar de alguém de sexo masculino, confiar nele, bem como para separar-se de sua mãe. Se ela "aprender" de seu pai que as meninas são fracas, incapazes, pouco inteligentes e menos merecedoras de estima e con- sideração que os meninos, poderá criar urna imagem narcisicamente prejudicada de seu selfe de seu sexo e sentir medo, suspeita ou ódio do mundo masculino. Não obstante, a pergunta de Freud (op. cit., 1931) a propósito da forte ligação libidinal da menininha com a mãe continua perti- nente: como é que ela se destaca da mãe e integra o profundo víncu- lo erótico que partilhavam? Onde é investido, na vida adulta, esse componente homossexual vital? A teoria de Freud a esse respeito (1931 , 1933) pode ser resumi- da como se segue. O primeiro desejo da menina é possuir sua mãe sexualmente; depois, ela substitui este foco pelo desejo de possuir um pênis; depois, por ter um filho com seu pai e, finalmente, por ter um filho de sexo masculino. Na lógica aparentemente implacável dessa cadeia de significantes está a implicação de que o desejo da menina de ter um bebê é um simples substituto do desejo de ter o pênis que ela não possui; e seu amor por seu pai é mera conseqüên- cia da inveja do pênis! Embora as fantasias em que Freud baseou sua teoria sejam freqüentes no uni erso psíquico da mulher, estão longe de ser os únicos fatores; ou sequer os principais, dentre as com- plexidades que contribuem para a imagem de feminilidade e mater- nidade de cada mulher.Ademais, o conceito freudiano dessas substi- t JS e'()MPONENTES HOMOSSEXUA IS DA SEXUALIDADE FEMININA 13 11111;<cs objetais implica que as ligações homossexuais da menina prqucna ão simplesmente eliminadas por intermédio da inveja do p l' lliS. No entanto, Freud (1905) também articulou a teoria dos desejos l11sscx uais universais da infância - conceito que é importante consi- dnar do ponto de vista feminino. llomossexualidade primária A menininha quer possuir sua mãe sexualmente, gerar filhos l 11111 ela e ser singularmente amada por ela num mundo do qual lodos os homens estão excluídos. Ela quer também ser um homem l orno seu pai e possuir os genitais dele, bem como as qualidades 1d ·alizadas que lhe atribui. Devido à falta de satisfação, essas pul- 11 ·s tendem a ficar associadas a uma ferida narcísica. Embora a dupla polaridade da libido homossexualmente orien- 111d11 na infância seja igualmente forte nos dois sexos, o problema da 111 ·nina é mais intrincado que o de seu irmão no que se refere ao d •scjo de possuir a mãe sexualmente, uma vez que a menina e sua 111 • não são sexualmente complementares. Ela não é capaz, como ·u irmão, de acreditar que tem uma configuração sexual singular- 111 ·111c diferente e, talvez, por essa razão, um valor específico aos 11lhos de sua mãe. Como, portanto, a mulher jovem se desenreda des- 11 situação duplamente complicada com sua mãe? Complicando 11111da mais essa tarefa do desenvolvimento, existe ua forte atração l ' I úlica por seu pai, a qual impele a menina a introjetar muitos aspec- lo~da imagem da mãe. Estes, por sua vez, vão coalescer para formar 111na figura fundamental de identificação que vai afetar todo o de- ·11volvimento feminino futuro. Nesse ponto, há uma quantidade de " 1111 cs internas" diferentes no mundo psíquico feminino. Um objeto mntcrnal introjetado é adorado, outro é desejado, outro despertares- , •11ti111ento, outro é profundamente temido. A menina precisa arran- . 1r de sua mãe o direito de ser ela própria; identificando-se com sua 11111c cm seu mundo psíquico interno, mas também precisa de sua 111u -, externamente, como guia, como consoladora e auxiliadora nos 1110s que se seguem. Após o tumulto da adolescência, período du- 1111tc o qual a filha tipicamente rejeita a mãe de quase todos os modos, é freqüente que se volte para a mãe com apego renovado ao
  • 21. 14 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS tomar-se mãe ela própria. É nesse momento que muitas meninas final- mente perdoam suas mães por todos os ressentimentos infantis que abrigavam contra elas e as duas podem, então, tomar-se amigas adultas intimas. Exatamente como cada criança que uma filha gera representa, na fantasia inconsciente, o bebê que fez com seu pai, assim também seus bebês são muitas vezes sentidos como um presente dado à mãe (e, de fato, nas camadas mais profundas do inconsciente, é um bebê que ela fez de maneira mágica com sua mãe). Conquanto possa causar dor e conflito psíquicos, cada um desses fatores pode também acrescentar-se à imensa alegria de cada novo nascimento. Algumas mulheres podem identificar-se com a mãe como adul- tas sexuais, mas não desejam ter filhos. Neste caso, são capazes de vivenciar suas atividades profissionais, artísticas e intelectuais como o nascimento de filhos simbólicos. Nada proíbe que mulheres adultas desfrutem da maternidade ou de vivenciar o prazer da criati- vidade pessoal, mas aqui novamente surgem problemas femininos específicos. Muitas mulheres, na análise, revelam um temor de que tenham de optar entre a maternidade e as atividades profissionais; outras expressam sentimento semelhante de dicotomia entre suas vidas como amantes e suas vidas como mães. A realização desses três desejos femininos distintos - o sexual, o maternal e o profissio- nal - exige delicado equilíbrio, para que as mulheres possam evitar a convicção de serem impelidas a sacrificar suas próprias necessida- des libidinais e narcísicas em qualquer uma dessas áreas. O investimento de impulsos homossexuais Essas considerações a propósito da vida amorosa, social e pro- fissional das mulheres e da maternidade trazem-nos de volta à ques- tão dos desejos bissexuais e da libido homossexual na mulher adul- ta. Como e onde são investidos? Como é que os desejos comple- mentares de ter a mãe e de ser o pai são transformados e integrados na vida da mulher, seja sua orientação homossexual ou heterosse- xual? Em que medida o fracasso em integrar essa corrente libidinal vitalmente importante cria problemas neuróticos quando desejos homossexuais não-reconhecidos dão origem a um conflito psíquico? Minhas reflexões sobre meu próprio processo, assim como cer- ca de trinta e cinco anos de trabalho analítico com pacientes de sexo /JS COMPONENTES HOMOSSEXUAIS DA SEXUALIDADE FEMININA 15 1 •minino, levaram-se a identificar cinco caminhos potenciais para a 111tcgração da constelação edipiana homossexual. Apesar das pro- lundas diferenças entre as sexualidades masculina e feminina, os ·aminhos da integração de desejos homossexuais descritos abaixo ,plicam-se igualmente a homens e mulheres. l. A estabilização da auto-imagem. A libido homossexual fe- 111inina serve para enriquecer e estabilizar a auto-imagem narcísica. 1mia menina pequena precisa ser capaz de dar a si mesma um pouco dt amor e do apreço iniciais que experimentou em relação a sua 111àc c ao corpo desta, a fim de ter afeição e estima por seus próprios ,cl(e órgãos sexuais femininos. Em outras palavras, a menina deixa d • querer ter a mulher a fim de ser a mulher. Por meio do mesmo ,nov imento psíquico, sua inveja do pênis transmuta-se em desejo p •I pênis. 2. A intensificação do prazer erótico. O profundo desejo de ser do outro sexo, se é abandonado e quando o é, encontra importante 111ve timento na vida amorosa da mulher, especialmente no próprio , ·(acionamento sexual, no qual a identificação com o prazer~ o dese- 1u do seu parceiro intensifica seu próprio prazer erótico. E no ato s ·xual que podemos recriar a ilusão de sermos dos dois sexos e de p ·rdennos, ainda que momentaneamente, os limites narcísicos que a monossexualidade impõe à humanidade. 3. A intensificação dos sentimentos maternais. O relaciona- 11H.:nto das mulheres com seus filhos é também um tesouro de rique- 1as homossexuais. Ainda me lembro do imenso prazer que tive ao dar à luz o meu filho e do sentimento de orgulho por seu pênis, ·01110 se também fosse meu. Após o nascimento de minha filhinha, tumbém me lembro bem do meu orgulho por seu corpo deliciosa- mente feminino, de meu apreço por aquilo que já me parecia serem csto essencialmente femininos e de meu desejo narcísico de que ·ln realizasse em sua vida tudo aquilo que eu considerava como s ·ndo falhas da minha própria realização. Essas recordações deixa- 111111-me com poucas dúvidas acerca da contribuição da dimensão homossexual para os meus sentimentos maternais.
  • 22. 16 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS 4. O emprego criativo das identificações homossexuais. Sem- pre me pareceu que o prazer experimentado nas realizações artísticas e intelectuais estivesse impregnado de considerável fantasia narcísica e homossexual. Em tais produções, cada um é homem e mulher ao mesmo tempo. Nesse sentido, nossas obras artísticas e intelectuais são rebentos criados partenogeneticamente. A observação clínica convenceu-me de que os conflitos relacionados com qualquer dos dois pólos dos objetivos homossexuais femininos - isto é, o desejo inconsciente de possuir o poder criativo da mãe bem como a potência do pênis do pai - podem criar grave inibição, ou mesmo total esterili- dade, na capacidade de dar à luz "filhos simbólicos". 5. O enriquecimento das amizades de mesmo sexo. Finalmente, o investimento homossexual, sempre despido de seu objetivo sexual consciente, proporciona calor e riqueza às amizades afetuosas e essenciais que as mulheres mantêm com outras mulheres. No que se refere à mulher lésbica, houve uma elaboração diferente de suas pul- sões homossexuais primárias. Conquanto elas também possam ter cálidos relacionamentos dessexualizados com mulheres, suas aman- tes são também mulheres. Esses cinco caminhos representam uma descrição algo idealista da maneira pela qual os desejos narcísicos e homossexuais podem ser harmoniosamente investidos na vida sexual, na vida de família, nas atividades sociais e profissionais. No trabalho analítico com mulheres que se identificam como heterossexuais, podem ser encontrados numerosos sinais de conflito homossexual profundamente inconsciente, levando potencialmente ao repentino colapso em qualquer dos campos de investimento mencionados acima e dando origem a sintomas e inibições associa- dos a eles. Um infindável cortejo de brigas domésticas, problemas sexuais, dificuldades com os filhos, com colegas, com colaborado- res e amigos, bem como com as buscas criativas, tudo isso é capaz de revelar sua contrapartida homossexual no curso do processo ana- lítico. O que dizer da própria relação terapêutica? Com que freqüên- cia temores, desejos e projeções homossexuais são negligenciados nessa arena crítica? Quando há impasse na elaboração de qualquer 1IS ( "OMPONENTES HOMOSSEXUA IS DA SEXUALIDADE FEMININA 17 dus dimensões da estrutura psicossexual anteriormente citadas, de ,,11e111 é a homossexualidade inconsciente que está obstruindo o pro- 1 'l·sso analítico? A homossexualidade não-reconhecida da analisan- do? Ou da analista? Com o auxílio de uma ilustração clínica, levare- 111os mais adiante esta questão no próximo capítulo.
  • 23. CAPÍTUL02 A MULHER ANALISTA E A MULHER ANALISANDA (..) todo o mundo possui, em seu próprio inconsciente, um instrumento com o qual é possível interpretar as manif esta- ções do inconsciente das outras pessoas. Sigmund Freud A fim de estudar a dimensão da homossexualidade inconscien- 1• na situação analítica vou relatar rapidamente a análise de uma de minhas pacientes. Um ponto decisivo de sua aventura analítica foi ·atalisado por um sonho que ela relatou no segundo ano de nosso trabalho conjunto. Na noite seguinte a esta sessão, tive um sonho ·ujo tema estava relacionado ao fato de que determinadas fantasias inconscientes minhas tinham sido ativadas pelo sonho de minha pa- ·icnte e por suas associações a ele. O primeiro encontro Marie-Josée, trinta e cinco anos, veio procurar-me por causa de várias fobias paralisadoras - o mais notável é que ela era tanto <.:lau trofóbica quanto agorafóbica. Era incapaz de entrar num avião (especialmente se o trajeto do vôo passasse por cima de alguma extensão de água) sem tomar medicação pesada algumas horas antes. Amante da ópera e do teatro, começava a sofrer vários dias an- tes de cada espetáculo a que iria comparecer, por medo de não con- seguir escapar se, repentinamente, irrompesse um ataque de angús-
  • 24. 20 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS tia. Um encontro iminente com uma pessoa desconhecida enchia-a de pânico antecipatório. Em todas essas ameaçadoras circunstâncias ela recorria regularmente a medicação psiquiátrica. Não tinha filho~ e sentia-se perturbada demais para contemplar a maternidade. Com- preendi que grande parte de seu tempo era gasto em buscas culturais, e que ela era uma talentosa anfitriã para os numerosos conhecidos de negócios de seu marido, com as respectivas esposas. Durante nosso primeiro encontro, Marie-Josée também medis- se que .ª fobia que lhe ~ausava o maior sofrimento ocorria quando era obngada a ficar sozinha em casa à noite, por causa das freqüen- t~s a~sên~ias de seu marido, devidas a seus compromissos profis- s1ona1s. F.1cava dominada por sentimentos de terror em resposta a uma convicção compulsiva de perigo iminente. Uma vez no leito ou não conseguia dormir ou ficava acordando a noite toda. Para co~ba- ter a insônia, drogava-se com soníferos ou, como último recurso ia para a casa de seus pais até a volta do marido. Quando o marid~, a quem era profundamente apegada, estava em casa ela não tinha di- ficuldade para dormir. ' Filha única, Marie-Josée falava de seu pai com amor e admira- ção. Ele, porém, como seu marido, sempre tinha sido mais ausente do que presente. Descrevia sua mãe como "exemplo clássico de amor sufocante" e expressava irritação quanto a sua superproteção. Durante as longas ausências de seu marido, declarava que voltava para a casa materna por insistência de sua mãe. Marie-Josée dava a enten?er que achava que sua mãe estava, em certa medida, tirando proveito de sua fragilidade fóbica. O surgimento de um novo tema Em nossa segunda entrevista de avaliação, Marie-Josée falou, de passagem, de outro sintoma, porém foi enfática quanto a que este era.o menor de seus pr~blemas: tinha de urinar muitas vezes por dia. Dois eminentes urologistas tinham confirmado que não havia causa fisiológica para essa freqüência urinária. Preocupava-se constante- mente com que pudesse ter súbita necessidade de urinar em momen- t?s inadeq,uados, como u1'.1 jantar de cerimônia ou durante um espe- taculo de opera. Perguntei-lhe qual ela achava que podia ser a causa disso. Respondeu-me: I JI LIIER ANALISTA E A MULHER ANAL/SANDA 21 "Oh, não é problema psicológico, é só que a minha bexiga é 111 ·nor do que a das outras mulheres." Nas notas que tomei em seguida a esta entrevista, escrevi que l'ssc sintoma que ela parecia minimizar poderia bem ser indicação d · um conflito psicológico central, que talvez lhe fosse difícil admi- 111. Pensando em sua afirmação de que sua "bexiga era menor do que 1 da outras mulheres", escrevi: "Será que ela acha que tem uma h ·xiga de menina pequena e não uma de mulher adulta?" Nessa altura de minha carreira, eu era uma analista jovem e relati- vamente inexperiente e tinha ficado muito contente por receber essa 111dicação. Marie-Josée parecia sofrer de sintomatologia neurótica l'lússica (enquanto, em sua maioria, os meus outros pacientes eram ·onsideravelmente mais perturbados). Ademais, tínhamos a mesma idade, e eu a achava encantadora e inteligente. Assim, nossa aventura psicanalítica inaugurou-se sob auspiciosas circunstâncias. O trabalho 111iciou-se, pouco tempo depois, à base de quatro sessões semanais. A fobia de Marie-Josée de estar sozinha à noite e seu sintoma de urinar freqüentemente foram elementos essenciais em sua via- 1•cm analítica, no que se refere à descoberta de anseios infantis e fantasias eróticas primitivas, relacionados ao tema da homossexuali- dade inconsciente. Começa a viagem No primeiro ano de nosso trabalho conjunto, minha analisanda pa sou muitas sessões descrevendo seu pavor noturno quando ficava sozinha em casa. À medida que o tempo passou, viemos a saber que sua angústia só se tornava incontrolável no momento em que estava se preparando para deitar. Encorajada por mim, tentou identificar os r ensamentos que, teoricamente, poderiam ser capazes de despertar emoção tão forte. M.-J.: "Bem, à medida que penso nisso, sei do que tenho medo - é de que alguém tente entrar pela janela do meu quarto." .1. M. : "Fale-me mais sobre essa pessoa." M.-J.: " É um homem~claro." J. M.: "O que ele está fazendo lá?" M.-J.: "Oh, é óbvio! Ele vai tentar me estuprar. E é claro que não vou dei- xar, de modo que é bem provável que ele me mate."
  • 25. 22 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS Levou bastante tempo até que Marie-Josée admitisse uma inter- venção minha de que ela era a autora desse roteiro de pesadelo e que o personagem do estuprador-assassino era também criação pes- soal dela. Para tentar demonstrar seu ponto de vista, ela esquadri- nhava os jornais diários em busca de provas de que as mulheres cor- riam perigo permanente de ser vítimas de ataques sexuais por parte de homens desconhecidos e trazia para as sessões os resultados desse trabalho de pesquisa. Entretanto, nunca conseguiu encontrar nenhum incidente no qual o atacante tivesse entrado pela janela do quarto d~ mulher. Nã_ o obstante, continuou a afirmar que seu pavor era perfeitamente rac1onal. Sua insistência era tal que decidi contar- lhe. uma p_iada acerca de uma mulher que sonhou que um homem mmto bonito, com estranha luminosidade no olhar, estava se aproxi- mando da cama dela. A mulher grita: "O que você vai fazer comi- go?" e o belo camarada responde: "Sinto muito, senhora não sei o que vai acontecer em seguida. A senhora sabe, o sonho é s'eu." Pela primeira vez, Marie-Josée conseguiu rir de seu assassino- ~stuprador e aceitar que realmente ele era criação de seu teatro interno. ~ m_edida que o tempo passou, descobrimos inclusive que a fantasia Jª nao era assustadora - era excitante! Tinham sido acrescentados à fantasia elementos eróticos que Marie-Josée parecia preferir não divulgar - até que conseguiu fazê-lo por sua própria iniciativa. Seu terror da solidão noturna lentamente desapareceu; porém, finalmen- te, revelou que agora tinha um impulso irreprimível de masturbar-se sempre que estava sozinha à noite. Só assim conseguia dormir tran- qüilamente sem medicação. Sua atividade auto-erótica recentemen- te descoberta tinha-se tornado tão adictiva quanto o tinham sido os soníferos; de fato, admitiu que se sentia "compelida a masturbar- se", quisesse ou não. Nesse mesmo período de sua análise, outras importantes asso- ciações girava~ em torno do seu sentimento de ser perseguida pela esmagadora solic1tude de sua mãe. Comecei a não gostar da mãe de Marie-Josée. Pensava de mim para comigo: "Trata-se de uma mãe canibal, perversa também! Queixa-se às amigas de que a filha este- ve neuroticamente paralisada por mais de trinta anos e no entanto faz tudo quanto pode para mantê-la nesse estado!" Ainda que ficas~ se lembrando a mim mesma que esta era apenas uma versão das representações internas que Marie-Josée tinha de sua mãe e de que ela precisava apresentá-la sob este aspecto, eu continuava a vê-la 1 IUUIER ANALISTA E A MULHER ANALISANDA 23 1 01110 um objeto externo ameaçador que estava impedindo sua filha 111inha paciente - de ficar bem! t1 111 sonho revelador O seguinte fragmento de sessão ocorreu por volta do final de 1111sso segundo ano de trabalho. M J.: "Tive um sonho aterrorizador a noite passada. Eu estava nadando num mar encapelado e temia que pudesse me afogar, embora observasse que a água e o cenário eram bastante bonitos. Tinha um sentimento de já ter estado ali anteriormente. As ondas aumentaram e eu disse para mim mesma: 'tenho de encontrar algo a que possa me agarrar ou então vou morrer nesta água.' Naquele momento notei um daqueles - esque- ço-me como são chamados - aquele tipo de pilar de amarrar que se usa para prender os barcos. Estendi os braços para alcançá-lo. Era feito de pedra. De qualquer modo, acordei em pânico." À medida que ouvia seu relato, minhas associações flutuantes 1•varam-me inicialmente a perguntar a mim mesma se o sonho se 11.:lacionava aos sentimentos dela quanto a ser sufocada ou afogada pelas atenções de sua mãe (em francês, as palavras que significam ,1/{ie e mar têm sonoridade idêntica). Porém, fiquei pensando no "pilar de amarrar", de cujo nome ela não conseguia se lembrar. O pormenor de que era "feito de pedra" ("pedra", em francês, é pierre) levou-me a recordar que o nome do pai dela era Pierre-José e tam- bém que uma parte do nome dela derivava do dele. Marie-Josée ficou em silêncio por um momento. M.-J. : "Não acho que haja alguma coisa nova nesse sonho. É simplesmente o pânico que sempre sinto quando tenho de sair, e tudo isso tem a ver com a minha mãe. Ela está em toda parte, ameaçando apossar-se de mim." J. M.: "E quanto ao pilar de amarrar cujo nome verdadeiro lhe escapa?" M.-J.: "Ah, eu me lembro! É une bitte d'amarrage; ou é une bitte de mouil- lage? Nunca consigo me lembrar qual a diferença." sses postes verticais se chamam cabeços. Aquele primeiro termo francês se refere ao cabeço colocado num barco, e o segundo, úquele do cais. Há também um jogo de palavras implícito nessas ex-
  • 26. 24 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS pr~ss~es. Bite (ainda que a grafia seja diferente) é o termo de gíria para o orgao. sexual masculino e mouiller é o termo de gíria que se refere ao genital da ~ul~e~ quando ela está sentindo desejo sexual. o ~erbo amarrer s1g~,1f1ca "prender alguma coisa com segurança" ou prender um barco . Por outro lado, o termo pilar de amarrar refe- re-se a um po~te us~do ap~nas em terra, para amarrar cavalos. Pa- recia que Mane-Josee desejava recalcar a significação subjacente a es~as palavras c~nfundindo-as ou esquecendo-as. Entretanto, ela pró- pna viu a conexao entre bitte e bite ("cabeço" e "peru"). M.-J.: "Ah, is~o tem alguma coisa a ver com o meu pai e com a minha rec~rdaçao de ter visto o pênis dele naquele dia no banheiro, quando eu_tinJ:ia mais ou menos quatro anos. Eu tinha medo de que a minha ma~ f1ca~se zangada comigo por tê-lo espiado com tanta excitação. Sera por isso que acordei com sentimento de pânico?" . Uma vez mais ela insistiu em que o sonho não tinha verdadeiro 1 ?te~esse, e_ m .que era o mesmo velho problema. Diante de sua resis- tenc1.a, hes1te1 quanto a instigá-la a fazer associações com bitte de mou~llage ou a procurar alguma ligação entre seu problema urinário contm~o e o mar (la mere - a mãe) onírico enfurecido que ameaçava engol~a-1.a.. Enquant~ ouvia o relato de seu sonho, ocorrera-me que um .s1gn1f1cado subj.acente a seu sintoma de freqüência urinária P?dia bem ser o desejo de afogar sua mãe com sua urina mas eu não dispunha ~e material_ associativ? da parte dela que m~ permitisse fazer uma mterpretaçao construtiva desse tipo. Coe_rente ~om minha.hipótese, pensei também que era possível que Mane~Josee pudesse inverter a situação na cena onírica e temer que sua n:1ae a afogasse num mar vingativo de urina. Seu único re- curso,,sena voltar~se para seu pai, o bitte d'amarrage, 0 "falo de pedra com capacidade potencial de salvar vidas. Este símbolo pa- terno a proteg~ria de ser destroçada no mar - isto é, de ser destroça- da por_sua_ ma~ esmagadora e também por seu desejo de manter essas hgaço.es mf?nt1s enraivecidas com sua mãe. Em sua fuga do sonho, Mar1e-Josee voltou sua atenção para aquilo que via como falta de progresso em nosso trabalho. Claramente eu me tornara agora a m_ ãe má que não a ajudava a encontrar a saíd~ desse labirinto de fantasias aterrorizadoras nem lhe ensinava a nadar em mares encapela~os, nem,l~e indicava os meios de voltar-se para seu pai, num desejo fantas1stico protetor e erótico. 1MUU IER ANALJSTA E A MULHER ANA LJSANDA 25 ~I J.: "Tudo bem que o meu pânico por estar sozinha à noite desapareceu, mas meus terrores diurnos estão fortes como sempre e cada vez tenho mais vergonha deles. Não estou indo a parte alguma nesta análise. Deixe-me só contar-lhe o que aconteceu ontem: eu tinha prometido ir tomar chá com a Suzanne, uma senhora idosa que é muito amiga de minha mãe e de quem eu gosto muito. Mas, como de costume, não consegui arranjar vaga para estacionar perto da casa dela. Ela mora numa rua de mão única e o único local de estacionamento permitido é do outro lado do Boulevard Haussmann. Não havia vivalma por ali, e a idéia de atravessar aquela avenida deserta quase fez meu coração parar. Eu simplesmente não ia conseguir. Pensei que tinha de haver algum meio de contornar o problema. De repente, tive a brilhante idéia de andar de marcha à ré na rua de mão única, embora estivesse realmente apavorada de ser apanhada por um guarda. Quando cheguei, com mais ou menos meia hora de atraso, a Suzarme disse: "Ah meu Deus, pensei que você não vinha mais. Sabe, você está muito atrasada." Marie-Josée prosseguiu então, fazendo numerosas associações rnm seu pânico diurno, referindo-se a tudo o que tínhamos desco- 1, ·rto j untas durante o ano anterior. Os sentimentos transferenciais t·x pressados, bem como determinados relacionamentos pessoais, ti- nham-nos levado a concluir que suas múltiplas fobias eram um meio de projetar no palco do mundo um drama interior, no qual ela cons- luntemente estava tentando escapar de alguma situação ou de algum relacionamento que podia representar uma imagem arcaica de sua mãe como ser onipresente e onipotente que procurava devorá-la. Em ·special, ela era compelida a evitar espaços vazios, alturas, sacadas · janelas abertas. (Eu estava certa de que, em sua fantasia incons- ciente e de maneira infantil, ela ainda esperava ter um encontro amoroso com seu pai, disfarçado no estuprador-assassino de sua an- 1iga fantasia.) Este nexo de desejos sexuais infantis parecia-me ser uma dinâmica possível por trás de suas angústias ferozmente fóbi- cas. Nessa ocasião, a própria Marie-Josée propusera que seus dese- JOS inconscientes pelo amor exclusivo de seu pai e pela proteção dele contra sua mãe sufocadora, uma vez mais a tinham obrigado a representar uma cena de terror agorafóbico. Valendo-se daquilo que já tínhamos construído, Marie-Josée reiterava que continuava a dotar sua mãe de onipotência ambiental, que interpretava como sendo o desejo de sua mãe de "possuir-me, de corpo e alma" e talvez, também, "de impedir-me de ter um rela-
  • 27. 26 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS cionamento mais próximo com meu pai". Em resposta a uma per- gunta de minha parte, admitiu que, considerando que ela própria era a autora do roteiro desse sonho, não havia dúvida quanto a que havia alguma necessidade oculta de manter vivo esse drama infernal. No final da sessão, eu estava tomada de um sentimento de in- satisfação. Estávamos pisando em solo conhecido; muitas sessões tinham sido dominadas por conteúdo similar. Eu estava convencida de que havia uma ligação entre seu sonho noturno aterrorizador e seu "pesadelo" diurno (o que se expressava pelo retorno de seu sin- toma agorafóbico no trajeto para a casa de sua amiga). Entretanto, eu não conseguia discernir os pormenores particulares desta cone- xão, ainda que desconfiasse de que ambas as experiências tinham a ver com imagens aterrorizantes da mãe dela. Nesse meio tempo, eu tinha negligenciado completamente: o fato de que Suzanne era uma figura de mãe por quem Marie-Josée expressava mais sentimentos de amor do que ressentimentos e que, em sua dificuldade para esta- cionar o carro, ela só conseguiu chegar à casa da amiga entrando de forma proibida numa rua de mão única. Eu também tinha deixado de lado minha idéia anterior de que alguma parte de Marie-Josée desejava ser engolfada pelo encapelado mar materno. Refletindo sobre o jogo de palavras do sonho, no qual Marie-Josée estava se agarrando a um objeto de pedra que lembrava o nome do pai dela, bem como a parte masculina de seu próprio nome, tornei a questio- nar os conflitos que poderiam motivá-la a colocar uma imagem sim- bólica do pai no palco do sonho, para evitar afogar-se num mar que ela própria criara. Estes, então, foram os restos diurnos que contribuíram para um sonho, que eu própria tive, e que me surpreendeu por um conteúdo manifesto tão intenso que me acordou no meio da noite e criou uma impressão tão estranha que até hoje não o esqueci. Um outro porme- nor importante é que eu, também, estava dormindo sozinha nessa noite, uma vez que o parceiro da minha vida estava temporariamente ausente. Ademais, tínhamos brigado na véspera por causa de minha insistência em que eu precisava discutir um artigo com uma colega, enquanto ele queria que eu guardasse a noite para ele. I IULIIER ANALISTA E A MULHER ANAL/SANDA 27 lJIII sonho contratransferencial Em meu sonho, supõe-se que eu vá encontrar alguém num bairro de Paris (que conheço pouco), o qual tem a fama de ser perigoso à noite, especialmente o metrô daquela área. Sou invadida por um sentimento de algo sinistro ainda que, ao mesmo tempo, vagamente conhecido. Diversas pessoas ficam no meu caminho e eu me apresso, empurran- do-as para o lado. De repente, estou dentro de uma casa e encontro-me cm presença de uma atraente mulher asiática, vestida de maneira pro- vocante, estilo sexy. Ela olha para o relógio como para me dizer "sabe, você está muito atrasada". Gaguejo alguma espécie de desculpa e estendo as mãos para acariciar o tecido sedoso de seu vestido, como que buscando perdão sendo sedutora. Fica evidente, nesse momento, que é para eu ter algum contato erótico com essa misteriosa estrangei- ra. Sinto-me constrangida, pois não tenho certeza do que se espera de mim. Decido que não tenho escolha: devo renunciar a todo o poder da vontade e submeter-me passivamente a tudo o que essa exótica criatu- ra quiser. A angústia, provavelmente misturada com a excitação des- pertada pela inquietante cena erótica, acordou-me com a chocante convicção de que minha vida estava em perigo. Incapaz de dormir novamente, tive tempo de sobra para pensar 1111 importância potencial desse sonho manifestamente homossexual. té onde posso me lembrar, eu nunca tinha tido um sonho desse tipo. Isso me levou a refletir que meus dois analistas, ambos homens, nunca haviam interpretado nenhum material genuinamente homos- ·x ual durante todos os meus anos de análise (provavelmente por- que não forneci as associações necessárias para permitir isso!). As- 1111, aqui estava eu, no meio da noite, tendo de perscrutar esse compli- ·11do problema por mim mesma. A primeira associação que me veio à mente, através da ligação v ·rbal de "estar atrasada" para um encontro, foi minha sessão com Murie-Josée. Por que eu tinha seguido os passos da minha paciente? I·. no entanto, meu encontro não era com uma idosa substituta ma- l ·rna, mas com uma asiática langorosa e ·exótica! O que ela estava 1'111.cndo no meu sonho? Lentamente lembrei-me de uma paciente ·hincsa que viera consultar-me alguns anos antes. Devo tê-la visto, 110 todo, cinco ou seis vezes, e a natureza de sua demanda terapêuti- l' , desaparecera completamente de minha cabeça. Tudo de que me 1·mbrei foi que seu pai tinha três esposas legais, a mãe dela sendo a
  • 28. 28 AS MÚLTIPLAS FACES DE EROS terceira. Lembrei-me então do que ela dissera de sua mãe: "Ela não era importante na família e era mais uma irmã mais velha do que uma mãe para mim. Brincávamos juntas e partilhávamos segredos acerca das outras pessoas da casa." Lembrei-me também de meu sentimento de empatia com seu desapontamento por ter tido uma "mãe-irmã", em vez de uma "mãe verdadeira". A única "mãe verda- deira", explicara ela, era a primeira esposa do pai que mandava na casa toda. Fiquei pensando, então, por que não me ocorrera que, mesmo que a menina tivesse ciúme da primeira esposa de seu pai e desejas- se ter sido fi lha deles dois ou que tivesse desejado tomar o lugar dela, também podia ser muito agradável ter uma "mãe-irmã", cúm- plice sempre pronta para brincadeiras e para partilhar segredos. Por alguma razão obscura, senti então que deveria recordar o nome dessa paciente. Depois de sair tateando a minha memória, o preno- me dela voltou-me num átimo: era Lili. Eu não tinha mais como negar a representação inconscient,e da glamourosa criatura de meu sonho. Minha mãe, que de nenhum modo se parecia com uma orien- tal exótica, chamava-se Lillian! Mas talvez, aos meus olhos infantis, ela fosse glamourosa e linda. E não tínhamos nós compartilhado cumplicidade em relação a Mater, minha avó paterna que, segundo minha mãe, "era quem mandava no terreiro e esperava que todos os filhos a reverenciassem"? Mater não era o equivalente à "verdadei- ra" mãe do discurso de minha paciente? E não éramos, minha mãe e eu, também "irmãs" rebeladas contra ela? A partir daí, comecei a buscar indícios de evidências de que eu negara meus sentimentos eróticos infantis em relação a minha mãe. Lembrei-me de uma noite, quando eu tinha oito ou nove anos de idade. Ela viera dar boa-noite para mim e minha irmã, porque ia sair com meu pai para uma festa. Estava usando um vestido de um lumi- noso tecido cor de damasco que parecia mudar de cor à medida que ela andava. Perguntei-lhe de que tipo de material o vestido era feito e ela disse: "É de seda entretecida." Pensei que nunca tinha visto nada tão bonito. Minha primeira resposta a esta recordação foi de que eu devia ter ficado com ciúme porque meu pai estava levando ela à festa e não eu. Mas essa suposi- ção não excluía necessariamente o outro desejo possível: de que minha mãe tivesse escolhido a mim e não ao meu pai, para ir à festa 1A/Ili 1/ER ANALISTA E A MULHER ANAL/SANDA 29 1 q11 • l.:U também estivesse vestida de seda entretecida cor de damas- , 11 S ·ria esta a "mãe-irmã" que eu nunca conhecera? Pela qual tal- 1 •1 ansiasse? Continuei a pensar, compreendendo gradativamente 111111 ,s referências obscuras do tema onírico, as quais, por sua vez, l,·v111 nm-me a pensamentos latentes encaixados no seu conteúdo 1111111i f'csto. Comecei a sentir um nostálgico anseio por um passado 11•,11mente recordado, aromatizado de sentimentos primitivos e ero- 1lt unente matizados de amor e ódio. Fantasias há muito esquecidas 1lt1 medo da morte - da minha própria morte, da de minha mãe - li1111bém voltaram. Quanto ao meu pai, a menininha dentro de mim 1 111 ·ditava que ele era imortal. Só ele poderia salvar minha mãe e a 1111111 de algum tipo de morte fusional, erótica! 1 ~m seguida comecei a me perguntar como meu sonho poderia 1 1111 ·ctar-se à análise de Marie-Josée. Pela primeira vez, permiti a 1111111 mesma reconhecer que, de diversas maneiras, minha mãe era 111 111 o contrário, em termos de caráter, da mãe descrita por Marie- 111 '• •. Os dias de minha mãe eram preenchidos com atividades 11 ·iuis. Trabalhava devotadamente para a igreja a que pertencia; era j, 11'11dora entusiasta de croquet e golfe; tomava aulas de canto e estu- d11v11 vi lino nos momentos de folga, quando não estava cozinhando p11111 a família nem fazendo elegantes vestidinhos para mim e para 111111ha irmã. De fato, minha irmã e eu congratulávamo-nos por nos- ' liberdade quanto a constrangimentos maternais, em comparação 11111 algumas de nossas colegas de escola. Em suma, minha mãe não 1111hn nenhuma semelhança com o retrato da mãe exigente, sempre p11 11 undo por perto, descrita por Marie-Josée. Na tentativa de descobrir as ligações entre a sessão de minha p11 ·iente e o meu sonho, cheguei à espantosa conclusão de que eu ,luva com inveja da mãe possessiva de Marie-Josée - sempre tele- l1111nndo, sempre propondo que partilhassem atividades culturais d •11tre outras, sempre convidando-a a vir para a casa dela tão logo o 11111 ido de sua filha se afastava. (Certam<::nte sua mãe teria sugerido q11 · Marie-Josée experimentasse o vestido dela de seda cor de da- 1111sc e que fossem juntas à ópera!) Por que eu não tinha uma mãe , 11mo aquela? Eu tinha analisado tão cuidadosamente os sentimen- 111 de hostilidade ligados à imagem da mãe interna, tanto em mim q1111nto em Marie-Josée, porém não tinha, ao mesmo tempo, negli- / l' II ·iado a importância dos sentimentos positivos de minha paciente