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Compra e venda real ou obrigacional
• A e B, advogados de C e D, pretendem redigir a
escrito um contrato de compra e venda de uma
quadro de arte moderna, exibido numa feira de
arte moderna de Miami, e cujo preço é de 25
milhões de euros. A e B não se entendem quanto
à possibilidade de existir, ou não, no Direito
português contratos de compra e venda com
eficácia meramente obrigacional. Recorrem, por
isso, ao parecer de um jurisconsulto. Se fosse o
parecerista consultado o que responderia?
•Artigo 874.º
•Artigo 879.º
•Artigos 408.º e 409.º
• Vimos como o artigo 879.º inclui entre os
efeitos essenciais da compra e venda a
transmissão da propriedade de uma coisa ou
outro direito
• Mais importante ainda, o artigo 874.º
considera a eficácia real translativa ou quoad
effectum como um elemento essencial da
compra e venda. Pareceria, assim, que um
contrato do qual não decorra a transmissão da
propriedade de uma coisa ou outro direito
não pode ser qualificado como compra e
venda.
• Contudo, o artigo 408.º/1 do Código Civil
estabelece que:
• ARTIGO 408º -
• (Contratos com eficácia real)
• 1. A constituição ou transferência de direitos
reais sobre coisa determinada dá-se por mero
efeito do contrato, salvas as excepções
previstas na lei.
• ARTIGO 409º
• (Reserva da propriedade)
• 1. Nos contratos de alienação é lícito ao alienante
reservar para si a propriedade da coisa até ao
cumprimento total ou parcial das obrigações da
outra parte ou até à verificação de qualquer
outro evento.
• 2. Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel
sujeita a registo, só a cláusula constante do
registo é oponível a terceiros.
• Ao mencionar a existência de exceções, à
regra da eficácia real dos contratos
translativos ou constitutivos de direitos reais,
o artigo 408.º do Código Civil leva-nos a
colocar a questão da eventual admissibilidade
de situações de compra e venda com simples
eficácia obrigacional.
• Mas depois de concluída a análise das várias
modalidades e formas de compra e venda
reguladas pelo nosso Direito Civil, constata-se
não existir nenhuma correspondente ao
modelo da compra e venda obrigatória.
• Nem mesmo nos casos nos quais se assiste a
uma falta de coincidência entre, de um lado, o
momento da transferência da propriedade da
coisa ou titularidade do direito e, do outro, a
altura da celebração do contrato de compra e
venda.
• Na venda de coisa ou bem futuro a
transmissão da propriedade ou titularidade
ocorre apenas quando a coisa for adquirida
pelo alienante (artigo 408.º/2 do Código Civil).
O alienante fica, tão só, obrigado a
desenvolver as diligências necessárias para
que o comprador adquira os bens vendidos
(artigo 880.º/1 do Código Civil).
• Ele não necessita de praticar nenhum ato
translativo da propriedade. Uma vez
adquiridos os bens a respetiva transferência
ocorre por simples efeito do contrato.
• Na venda de coisa indeterminada, de coisa
genérica ou em alternativa, a transferência da
propriedade tanto poderá depender de um
ato do vendedor (artigo 539.º do Código Civil)
como verificar-se por outros meios (artigos
541.º e 542.º do Código Civil).
• Ora basta a possibilidade de a concentração
não surgir como consequência ou resultado de
um ato do vendedor para logo se poder
concluir ou constatar não ter a venda de coisa
indeterminada, genérica ou em alternativa,
carácter obrigatório.
• Na venda sujeita a condição suspensiva ou
sujeita a termo inicial é o próprio contrato que
fica paralisado nos seus efeitos essenciais e
não apenas a transferência da propriedade.
Trata-se, assim, uma vez mais, de um caso de
venda bem distinta da venda obrigatória ou
obrigacional
No caso da compra de frutos naturais ou
partes componentes ou integrantes, a
transferência verifica-se no momento da
colheita ou separação. Não há pois
qualquer obrigação de dare da qual fique
dependente a transferência da propriedade.
Na compra e venda de bens alheios, uma vez
adquirida pelo vendedor a titularidade do
direito ou coisa vendida, a venda consolida-se e
verifica-se transmissão para o comprador (artigo
895.º do Código Civil).
O vendedor fica obrigado a sanar a nulidade da
compra e venda, através da aquisição da
propriedade da coisa ou titularidade do direito
vendido (artigo 897.º do Código Civil).
Contudo, não tem qualquer obrigação de
transmitir.
O comprador adquire por simples efeito do
contrato.
• Caso mais disputado é o da compra e venda
com reserva de propriedade. Perante este
preceito Assunção Cristas e França Gouveia
sustentam poder ter a compra e venda efeito
obrigacional.
• Mas o artigo 409.º/1, não pode ser
interpretado isoladamente, como se existisse
sozinho no universo jurídico. Ele tem de se
conjugar com os artigos 874.º e 879.º.
• Ora estes preceitos são claros ao indicar ser
elemento essencial da compra e venda a
transmissão da propriedade de uma coisa ou
direito. Por isso, se essa transferência se não
verificar não estamos já, perante o tipo
compra e venda de direito civil.
• Aliás não falta quem sustente poder na venda
com reserva de propriedade a transmissão
ficar subordinada ou dependente de um ato
do comprador, nomeadamente o pagamento
do preço), mas não de ato do vendedor.
• A única particularidade está na circunstância
de nos casos de exceção não haver
coincidência temporal entre o momento da
celebração do contrato de compra e venda e o
momento da transferência da propriedade.
• Esta, embora decorra ainda do contrato,
depende também da verificação de um outro
facto posterior à compra e venda. É a
necessidade de verificação desse facto que dá
a certas modalidades de venda carácter
excecional.
• Elas não deixam, por isso, de corresponder a
contratos dotados de eficácia real, poiso
carácter real da venda significa que esta é
causa da transmissão, seja imediata ou
transmissão futura.
• Mais complicada é a situação da compra e
venda de valores mobiliários. VERA EIRÓ,
COUTINHO DE ABREU e FERREIRA DE
ALMEIDA defendem que a compra e venda de
valores mobiliários tem efeito obrigacional e
que é o modo a operar a respetiva
transferência. A orientação tem adesão
nalguma jurisprudência.
• As formas de transmissão destes títulos é a
seguinte:
• os valores mobiliários escriturais transmitem-
se pelo registo na conta do adquirente (artigo
80.º/1, do CVM);
•
• – os valores mobiliários ao portador transmitem-
se por entrega do título ao adquirente ou ao
depositário por ele indicado (101.º/1, do CVM);
• – os valores mobiliários titulados nominativos
transmitem-se por declaração de transmissão,
escrita no título, a favor do transmissário,
seguida de registo junto do emitente ou junto do
intermediário financeiro que o represente
(102.º/1, do CVM).
• Será que este regime consagra o modelo do
título e do modo na compra e venda de
valores mobiliários?
Chame-se, desde logo, a atenção para o artigo
80.º/2 do CVM.
Por força deste a compra em mercado
regulamentado de valores mobiliários escriturais
confere ao comprador, independentemente do
registo e a partir da realização da operação,
legitimidade para a sua venda nesse mercado.
• Ora, isso significa que no mercado
regulamentado a transferência se opera com o
simples consenso, sob pena de se estar a
consagrar positivamente uma situação de
venda a non domino.
• o artigo 210.º/1 do CVM desmente,
categoricamente, também no âmbito do
mercado regulamentado e negociação
multilateral, a afirmação de que, entre a data
da compra e a efetivação do suposto modo, a
transferência não se opera.
• De facto, diz-se, aí, pertencerem ao
comprador, desde a data da operação, os
direitos patrimoniais, inerentes a valores
mobiliários vendidos
• Uma última nota para a questão de saber se a
compra e venda comercial é obrigacional.
• Adriano Antero em obra datada de 1914
sustentou-o.
• Pedro Pais de Vasconcelos segue-o nesta
matéria.
• Nenhum dos dois invoca qualquer
fundamento para sustentar a respetiva
posição. Limitam-se a dizer que a compra e
venda comercial tem natureza obrigacional.
• No caso do Professor Pedro Pais de
Vasconcelos, o autor defende a natureza
obrigacional da compra e venda, ou pelo
menos a sua possibilidade, mas a natureza
real da compra e venda civil.
• Ora como o Código Comercial é omisso
quanto a este ponto valem as regras de direito
civil (direito comum). Donde a admissibilidade
ou não de compra e venda no Direito
comercial depende da respetiva
admissibilidade no Direito comum. Não se
pode rejeitá-la neste e admiti-la no outro.
• Depois de concluída a análise das várias
modalidades e formas de compra e venda
reguladas pelo nosso Direito Civil, constata-se
não existir nenhuma correspondente ao
modelo da compra e venda obrigatória.
• Na verdade, em lugar ou circunstância alguma
o nosso Direito Civil faz depender a
transmissão da propriedade da coisa ou da
titularidade do direito de um ato translativo
posterior ao contrato de compra e venda
Nem mesmo nos casos nos quais se assiste a
uma falta de coincidência entre, de um lado, o
momento da transferência da propriedade da
coisa ou titularidade do direito e, do outro, a
altura da celebração do contrato de compra e
venda.
Efeitos obrigacionais
• Efeitos obrigacionais:
• Obrigação de entrega da coisa:
• Pode haver contrato de compra e venda em que o
vendedor não está obrigado a entregar a coisa?
• Passará a posse para o comprador por efeito do
contrato independentemente da entrega da
coisa?
• Ou noutra formulação: transfere-se a posse solo
consensu?
• É contrato de compra e venda aquele em que as
partes afastam a obrigação de entrega?
• A) dizendo que o vendedor não está obrigado a
entregar nunca a coisa que se encontra em seu
poder?
• B) dizendo que não entrega a coisa porque ela se
encontra já em poder do comprador?
• C) dizendo que não entrega a coisa porque ela foi
roubada/furtada mas que o comprador é livre de
fazer o que bem entender para a recuperar?
• Quanto à questão da transferência da posse a resposta
é: sim. Cfr. artigo 1263.º
• ARTIGO 1263º
• (Aquisição da posse)
• A posse adquire-se:
• a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos
materiais correspondentes ao exercício do direito;
• b) Pela tradição material ou simbólica da coisa,
efectuada pelo anterior possuidor;
• c) Por constituto possessório;
• d) Por inversão do título da posse.
• ARTIGO 1264º
(Constituto possessório)
• 1. Se o titular do direito real, que está na posse da
coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de
considerar-se transferida a posse para o adquirente,
ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter
a coisa.
• 2. Se o detentor da coisa, à data do negócio translativo
do direito, for um terceiro, não deixa de considerar-se
• igualmente transferida a posse, ainda que essa
detenção haja de continuar.
• Nalgumas hipóteses em que a coisa é vendida
ela já se encontra, porém, na posse do
comprador ou no caso de o contrato de
compra e venda respeitar a direitos sobre
coisas incorpóreas nem sequer se afigura
necessária a entrega da coisa.
• Isto tem sido visto como um indicador
segundo o qual, não obstante a circunstância
de o artigo 879.º do Código Civil incluir a
obrigação de entrega da coisa entre os efeitos
essenciais deste tipo de contrato não se
estaria realmente na presença de algo de
essencial, mas, sim, de um mero efeito legal
de cariz obrigacional do contrato de compra e
venda.
• A celebra um contrato de compra e venda
com B no qual se afasta a obrigação de
entrega. Pode fazê-lo?
• A questão que se deve colocar é se ainda
poderia ser considerado como um contrato de
compra e venda um negócio em que sendo
possível e tendo sentido a realização da
obrigação da entrega da coisa fosse suprimida
semelhante obrigação. A resposta é negativa.
• Outro cenário é o de as partes estipularem
não haver obrigação de entrega, mas não
excluem, antes pressupõem, ter o comprador
a possibilidade de tomar o efetivo controle
material da coisa. Imagine-se ter uma coisa
sido furtada ao seu proprietário ou por ele
perdida. Ainda, assim, aparece um comprador
interessado. A coisa é vendida com expressa
estipulação de não ser o vendedor obrigado a
entregá-la. Será isso possível?
• A consideração normativa do preceito permite
afirmar não residir a importância ou pedra de
toque da obrigação de entrega – do ponto de
vista da finalidade da respectiva consagração
como efeito essencial – no comportamento do
devedor, mas na situação pretendida para o
comprador.
• O pretendido pelo Direito é a possibilidade de o
comprador ter o bem vendido à sua disposição para
poder exercer sobre ele os poderes correspondentes à
posição de proprietário.
• Dado essa consequência se encontrar normalmente
associada à entrega da coisa, o Código Civil
estabeleceu como efeito essencial do contrato de
compra e venda a obrigação correspetiva.
• Na verdade, porém, aquilo que se mostra
verdadeiramente essencial não é a obrigação de
entregar em si mesma mas o seu efeito.
• Ora respetiva a consecução pode ser bem diversa
consoante os casos impondo, destarte, condutas
igualmente distintas ao vendedor:
• a) o comportamento do alienante pode ser irrelevante
por a coisa já se encontrar em poder do comprador
• b) a atitude do transmitente pode consistir, em certas
hipóteses, apenas em não impedir o comprador de
tomar para si a coisa colocada à disposição;
• c) o vendedor tem de facto, in casu, de proceder à
entrega da coisa, no sentido de ser necessária uma
actividade de sujeição da coisa ao efectivo controlo
material do comprador.
• Apenas no último caso há o cumprimento da
obrigação de entrega em sentido estrito. Não
é, contudo, o sentido restrito a relevar, mas
sim o normativo. Ora, normativamente está-se
diante do cumprimento da obrigação de
entrega em todas as situações antes referidas.
• Importa, pois, concluir no sentido segundo o
qual a obrigação de entrega não tem sempre o
mesmo o mesmo conteúdo efetivo.
• Terceiro efeito essencial da compra e venda é
a obrigação de pagar o preço.
• A vende a B o bem X. Entrega-lhe de imediato
esse bem. B devia pagar o preço quatro dias após
a venda. Não o faz. A interpela-o fixando, nos
termos do artigo 808.º do Código Civil, um novo
prazo, razoável, de mais quatro dias para cumprir.
B volta a não cumprir. Pode A resolver o contrato
com fundamento em incumprimento definitivo?
A resposta seria diferente se existisse convenção
a permitir a resolução? E se não tivesse havido
entrega da coisa? E se tivesse havido entrega,
mas com reserva de propriedade?
• Artigos 798 e ss..
• Artigo 801.º/2: condição resolutiva tácita. Em
regra a parte fiel pode, nos contratos
bilaterais, resolver o contrato.
• E quanto à compra e venda, havendo falta de
pagamento do preço?
• V. artigo 886.º do Código Civil para a falta de
pagamento do preço. De acordo com o disposto
nesse preceito, transmitida a propriedade da
coisa, ou direito sobre ela, e feita a respetiva
entrega, o vendedor não pode, salvo convenção
em contrário, resolver o contrato por falta de
pagamento do preço.
• Esta solução representa uma exceção à regra do
artigo 801.º do Código Civil.
• Quando é que se pode então proceder à resolução do
contrato de compra e venda com fundamento no não
pagamento do preço? Nas seguintes situações.
• - Na eventualidade de isso ter sido convencionado;
• - Na hipótese de não se ter ainda assistido à
entrega da coisa;
• - no caso de, apesar da celebração do contrato de
compra e venda, o vendedor reservar para si a
propriedade da coisa nos termos do artigo 409.º do
Código Civil, até ao pagamento do preço.
• O preço é essencial, mas pode não estar
determinado.
• Como se fixa então o preço se ele não estiver
determinado?
• Nesse último caso aplicam-se as regras do artigo 883.º:
• 1. Se o preço não estiver fixado por entidade pública, e
as partes o não determinarem nem convencionarem o
modo de ele ser determinado, vale como preço
contratual o que o vendedor normalmente praticar à
data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do
mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar
em que o comprador deva cumprir; na insuficiência
destas regras, o preço é determinado pelo tribunal,
segundo juízos de equidade.
• 2. (…).
• Ou seja:
• Relevará em primeiro lugar o preço fixado por entidade
pública.
• Na falta dele recorrer-se sucessivamente:
• ao preço normalmente praticado pelo vendedor à data
da conclusão do contrato;
• ao preço do mercado ou bolsa no momento do
contrato e no lugar em que o comprador deve cumprir
• – ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade.
• Em vez de estipularem o preço, ou porção dele, os
outorgantes podem preferir que a sua determinação
seja logo confiada, nos termos do 400.º do Código
Civil, a uma ou outra das partes ou a terceiro.
• Nesse caso, se tiverem sido estipulados quais os
critérios de determinação da prestação será ele
apurado pela parte ou terceiro, chamado a intervir, em
conformidade com esses critérios (400.º, in fine). Não
havendo critérios pactuados deve a prestação ser
determinada de acordo com critérios de equidade
(400.º/1, segunda parte).
• A e B celebram um contrato de compra e venda
das ações da sociedade X. Não fixam logo o preço
incumbindo C de o fazer segundo determinados
critérios. C não respeita esses critérios
prejudicando seriamente A. O que pode este
fazer?
• E o que poderia A fazer se as partes tivessem
apenas indicado que o preço seria determinado
segundo critérios de equidade, por C, e o
resultado for manifestamente injusto?
• Imagine que A e B tinham deixado a
determinação do preço ao arbítrio de C. A
resposta seria a mesma?
• E alguma coisa mudaria se houvesse dolo ou
má fé do terceiro ao arbítrio do qual foi
deixada a determinação do preço?
• Mesmo nos casos em que a parte ou terceiro
decide de acordo com a equidade,
normalmente ele não dispõe de nenhum
poder de criação jurídica ou constitutivo
(Rechtsgestaltung) mas apenas de fixação de
declaração, se se quiser conformadora
• Se a determinação não puder ser feita ou não
tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo
tribunal, sem prejuízo do disposto acerca das
obrigações genéricas e alternativas (400.º/2).
• À luz de uma compreensão tradicional do
problema metodológico do fenómeno da
interpretação-compreensão-aplicação do Direito
dir-se-ia que o preceito em análise compreende
ou contempla apenas duas hipóteses: não ser
feita ou não poder ser feita.
• Neste caso a determinação foi feita, mas mal.
Quid juris?
• Uma solução passaria por se considerar a
existência de uma lacuna e aplicar
analogicamente o artigo 400.º/2 à suposta
lacuna.
• RAÚL VENTURA considerava que se a
determinação chegou a ser feita, mas, tendo
sido estipulados critérios para o fazer, não
foram estes obedecidos, o recurso ao tribunal
não é imposto pelo 400.º/2 e, destarte, uma
parte não pode ser forçada pela outra a
aceitar a determinação judicial.
• Mas logo acrescentava de seguida: «O acto
realizado pela parte ou pelo terceiro com
violação do critério estipulado ou legal não
pode, contudo, valer. Para se não cair na
nulidade do contrato, a parte interessada
deveria fazer declarar a nulidade do acto de
determinação e, deixando assim, de haver
determinação requerer a determinação
judicial».
• Quem entenda o problema da interpretação-
compreensão-aplicação do Direito como um
problema normativo a solução é
extremamente simples.
• Nesta perspetiva não há que reconhecer a
existência de nenhuma lacuna para as
hipóteses nas quais se tenha convencionado
determinados critérios para a fixação do preço
e eles não tenham sido observados. Também
se não mostra necessária a impugnação da
determinação incorreta e subsequente
recurso ao tribunal, nos termos dos artigo
400.º/2.
• Numa perspetiva normativa do problema
metodológico da interpretação-compreensão-
aplicação do Direito o que importa não é a
determinação textual do artigo 400.º/2
• . O que interessa apurar, isso sim, é o sentido
normativo do artigo 400.º/2, o sentido
jurídico da menção «ao não poder ser a
determinação feita ou não ter sido feita no
tempo devido».
• Nesta perspetiva não parece haver dúvidas de
que a realidade normativamente intencionada
pelo artigo 400.º/2 não foi esta ou aquela
concreta perturbação a que literalmente se
parece estar a referir, mas, sim, qualquer
perturbação ou incorreção no processo de
determinação do preço para a qual as partes
não tenham elas próprias previsto uma saída
autónoma.
• Uma determinação a fazer por uma das partes
ou por terceiros, de acordo com critérios
fixados pelos outorgantes, mas que não foram
cumpridos é, na realidade, uma determinação
insuscetível de utilização: é, portanto,
inaproveitável: do ponto de vista normativo é
em tudo equivalente a uma determinação que
não pode ser feita ou não foi feita em tempo
devido.
• O artigo 466.º do Código Comercial estabelece,
para a venda comercial, a propósito da
determinação do preço, poder este tornar-se
certo por qualquer meio, que desde logo fica
estabelecido, ou dependente de arbítrio de
terceiro. Por sua vez o § único do preceito em
referência esclarece que se o preço houver de ser
fixado por terceiro e este não quiser ou não
poder fazê-lo, ficará o contrato sem efeito, se
outra coisa não for acordada.
• Esta regra diferencia com clareza duas
situações: uma na qual o preço deve ser
fixado de acordo com determinados critérios –
mesmo se a concretização desses critérios
cabe a uma das partes ou a terceiro – caso em
que pode naturalmente intervir o tribunal
para sindicar a atividade de fixação do preço;
a outra na qual tudo é deixado ao arbítrio do
terceiro.
• Nesta última hipótese se o terceiro não fixar
ou não puder fazê-lo fica o contrato sem
efeito, se outra coisa não tiver sido
convencionada é que a determinação, parece
ser a indicação intuitu personae.
• Embora consagrada apenas para a compra e
venda comercial deve entender-se que a
insindicabilidade do mero arbítrio vale,
também, para os casos de compra e venda
civil. As razões são as mesmas,
correspondendo, de resto, à solução
expressamente consagrada pelo BGB (§ 318,
2).
• Se houver má fé, dolo ou abuso de direito
deve entender-se que, mesmo na hipótese na
qual se remete para o arbítrio do terceiro,
pode haver sindicância pelo tribunal.

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  • 1. Compra e venda real ou obrigacional • A e B, advogados de C e D, pretendem redigir a escrito um contrato de compra e venda de uma quadro de arte moderna, exibido numa feira de arte moderna de Miami, e cujo preço é de 25 milhões de euros. A e B não se entendem quanto à possibilidade de existir, ou não, no Direito português contratos de compra e venda com eficácia meramente obrigacional. Recorrem, por isso, ao parecer de um jurisconsulto. Se fosse o parecerista consultado o que responderia?
  • 3. • Vimos como o artigo 879.º inclui entre os efeitos essenciais da compra e venda a transmissão da propriedade de uma coisa ou outro direito
  • 4. • Mais importante ainda, o artigo 874.º considera a eficácia real translativa ou quoad effectum como um elemento essencial da compra e venda. Pareceria, assim, que um contrato do qual não decorra a transmissão da propriedade de uma coisa ou outro direito não pode ser qualificado como compra e venda.
  • 5. • Contudo, o artigo 408.º/1 do Código Civil estabelece que:
  • 6. • ARTIGO 408º - • (Contratos com eficácia real) • 1. A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei.
  • 7. • ARTIGO 409º • (Reserva da propriedade) • 1. Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento. • 2. Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros.
  • 8. • Ao mencionar a existência de exceções, à regra da eficácia real dos contratos translativos ou constitutivos de direitos reais, o artigo 408.º do Código Civil leva-nos a colocar a questão da eventual admissibilidade de situações de compra e venda com simples eficácia obrigacional.
  • 9. • Mas depois de concluída a análise das várias modalidades e formas de compra e venda reguladas pelo nosso Direito Civil, constata-se não existir nenhuma correspondente ao modelo da compra e venda obrigatória.
  • 10. • Nem mesmo nos casos nos quais se assiste a uma falta de coincidência entre, de um lado, o momento da transferência da propriedade da coisa ou titularidade do direito e, do outro, a altura da celebração do contrato de compra e venda.
  • 11. • Na venda de coisa ou bem futuro a transmissão da propriedade ou titularidade ocorre apenas quando a coisa for adquirida pelo alienante (artigo 408.º/2 do Código Civil). O alienante fica, tão só, obrigado a desenvolver as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos (artigo 880.º/1 do Código Civil).
  • 12. • Ele não necessita de praticar nenhum ato translativo da propriedade. Uma vez adquiridos os bens a respetiva transferência ocorre por simples efeito do contrato.
  • 13. • Na venda de coisa indeterminada, de coisa genérica ou em alternativa, a transferência da propriedade tanto poderá depender de um ato do vendedor (artigo 539.º do Código Civil) como verificar-se por outros meios (artigos 541.º e 542.º do Código Civil).
  • 14. • Ora basta a possibilidade de a concentração não surgir como consequência ou resultado de um ato do vendedor para logo se poder concluir ou constatar não ter a venda de coisa indeterminada, genérica ou em alternativa, carácter obrigatório.
  • 15. • Na venda sujeita a condição suspensiva ou sujeita a termo inicial é o próprio contrato que fica paralisado nos seus efeitos essenciais e não apenas a transferência da propriedade. Trata-se, assim, uma vez mais, de um caso de venda bem distinta da venda obrigatória ou obrigacional
  • 16. No caso da compra de frutos naturais ou partes componentes ou integrantes, a transferência verifica-se no momento da colheita ou separação. Não há pois qualquer obrigação de dare da qual fique dependente a transferência da propriedade.
  • 17. Na compra e venda de bens alheios, uma vez adquirida pelo vendedor a titularidade do direito ou coisa vendida, a venda consolida-se e verifica-se transmissão para o comprador (artigo 895.º do Código Civil).
  • 18. O vendedor fica obrigado a sanar a nulidade da compra e venda, através da aquisição da propriedade da coisa ou titularidade do direito vendido (artigo 897.º do Código Civil). Contudo, não tem qualquer obrigação de transmitir. O comprador adquire por simples efeito do contrato.
  • 19. • Caso mais disputado é o da compra e venda com reserva de propriedade. Perante este preceito Assunção Cristas e França Gouveia sustentam poder ter a compra e venda efeito obrigacional.
  • 20. • Mas o artigo 409.º/1, não pode ser interpretado isoladamente, como se existisse sozinho no universo jurídico. Ele tem de se conjugar com os artigos 874.º e 879.º.
  • 21. • Ora estes preceitos são claros ao indicar ser elemento essencial da compra e venda a transmissão da propriedade de uma coisa ou direito. Por isso, se essa transferência se não verificar não estamos já, perante o tipo compra e venda de direito civil.
  • 22. • Aliás não falta quem sustente poder na venda com reserva de propriedade a transmissão ficar subordinada ou dependente de um ato do comprador, nomeadamente o pagamento do preço), mas não de ato do vendedor.
  • 23. • A única particularidade está na circunstância de nos casos de exceção não haver coincidência temporal entre o momento da celebração do contrato de compra e venda e o momento da transferência da propriedade.
  • 24. • Esta, embora decorra ainda do contrato, depende também da verificação de um outro facto posterior à compra e venda. É a necessidade de verificação desse facto que dá a certas modalidades de venda carácter excecional.
  • 25. • Elas não deixam, por isso, de corresponder a contratos dotados de eficácia real, poiso carácter real da venda significa que esta é causa da transmissão, seja imediata ou transmissão futura.
  • 26. • Mais complicada é a situação da compra e venda de valores mobiliários. VERA EIRÓ, COUTINHO DE ABREU e FERREIRA DE ALMEIDA defendem que a compra e venda de valores mobiliários tem efeito obrigacional e que é o modo a operar a respetiva transferência. A orientação tem adesão nalguma jurisprudência.
  • 27. • As formas de transmissão destes títulos é a seguinte: • os valores mobiliários escriturais transmitem- se pelo registo na conta do adquirente (artigo 80.º/1, do CVM); •
  • 28. • – os valores mobiliários ao portador transmitem- se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado (101.º/1, do CVM); • – os valores mobiliários titulados nominativos transmitem-se por declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto do intermediário financeiro que o represente (102.º/1, do CVM).
  • 29. • Será que este regime consagra o modelo do título e do modo na compra e venda de valores mobiliários?
  • 30. Chame-se, desde logo, a atenção para o artigo 80.º/2 do CVM. Por força deste a compra em mercado regulamentado de valores mobiliários escriturais confere ao comprador, independentemente do registo e a partir da realização da operação, legitimidade para a sua venda nesse mercado.
  • 31. • Ora, isso significa que no mercado regulamentado a transferência se opera com o simples consenso, sob pena de se estar a consagrar positivamente uma situação de venda a non domino.
  • 32. • o artigo 210.º/1 do CVM desmente, categoricamente, também no âmbito do mercado regulamentado e negociação multilateral, a afirmação de que, entre a data da compra e a efetivação do suposto modo, a transferência não se opera.
  • 33. • De facto, diz-se, aí, pertencerem ao comprador, desde a data da operação, os direitos patrimoniais, inerentes a valores mobiliários vendidos
  • 34. • Uma última nota para a questão de saber se a compra e venda comercial é obrigacional. • Adriano Antero em obra datada de 1914 sustentou-o. • Pedro Pais de Vasconcelos segue-o nesta matéria.
  • 35. • Nenhum dos dois invoca qualquer fundamento para sustentar a respetiva posição. Limitam-se a dizer que a compra e venda comercial tem natureza obrigacional.
  • 36. • No caso do Professor Pedro Pais de Vasconcelos, o autor defende a natureza obrigacional da compra e venda, ou pelo menos a sua possibilidade, mas a natureza real da compra e venda civil.
  • 37. • Ora como o Código Comercial é omisso quanto a este ponto valem as regras de direito civil (direito comum). Donde a admissibilidade ou não de compra e venda no Direito comercial depende da respetiva admissibilidade no Direito comum. Não se pode rejeitá-la neste e admiti-la no outro.
  • 38. • Depois de concluída a análise das várias modalidades e formas de compra e venda reguladas pelo nosso Direito Civil, constata-se não existir nenhuma correspondente ao modelo da compra e venda obrigatória.
  • 39. • Na verdade, em lugar ou circunstância alguma o nosso Direito Civil faz depender a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito de um ato translativo posterior ao contrato de compra e venda
  • 40. Nem mesmo nos casos nos quais se assiste a uma falta de coincidência entre, de um lado, o momento da transferência da propriedade da coisa ou titularidade do direito e, do outro, a altura da celebração do contrato de compra e venda.
  • 41. Efeitos obrigacionais • Efeitos obrigacionais: • Obrigação de entrega da coisa: • Pode haver contrato de compra e venda em que o vendedor não está obrigado a entregar a coisa? • Passará a posse para o comprador por efeito do contrato independentemente da entrega da coisa? • Ou noutra formulação: transfere-se a posse solo consensu?
  • 42. • É contrato de compra e venda aquele em que as partes afastam a obrigação de entrega? • A) dizendo que o vendedor não está obrigado a entregar nunca a coisa que se encontra em seu poder? • B) dizendo que não entrega a coisa porque ela se encontra já em poder do comprador? • C) dizendo que não entrega a coisa porque ela foi roubada/furtada mas que o comprador é livre de fazer o que bem entender para a recuperar?
  • 43. • Quanto à questão da transferência da posse a resposta é: sim. Cfr. artigo 1263.º • ARTIGO 1263º • (Aquisição da posse) • A posse adquire-se: • a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito; • b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor; • c) Por constituto possessório; • d) Por inversão do título da posse.
  • 44. • ARTIGO 1264º (Constituto possessório) • 1. Se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa. • 2. Se o detentor da coisa, à data do negócio translativo do direito, for um terceiro, não deixa de considerar-se • igualmente transferida a posse, ainda que essa detenção haja de continuar.
  • 45. • Nalgumas hipóteses em que a coisa é vendida ela já se encontra, porém, na posse do comprador ou no caso de o contrato de compra e venda respeitar a direitos sobre coisas incorpóreas nem sequer se afigura necessária a entrega da coisa.
  • 46. • Isto tem sido visto como um indicador segundo o qual, não obstante a circunstância de o artigo 879.º do Código Civil incluir a obrigação de entrega da coisa entre os efeitos essenciais deste tipo de contrato não se estaria realmente na presença de algo de essencial, mas, sim, de um mero efeito legal de cariz obrigacional do contrato de compra e venda.
  • 47. • A celebra um contrato de compra e venda com B no qual se afasta a obrigação de entrega. Pode fazê-lo?
  • 48. • A questão que se deve colocar é se ainda poderia ser considerado como um contrato de compra e venda um negócio em que sendo possível e tendo sentido a realização da obrigação da entrega da coisa fosse suprimida semelhante obrigação. A resposta é negativa.
  • 49. • Outro cenário é o de as partes estipularem não haver obrigação de entrega, mas não excluem, antes pressupõem, ter o comprador a possibilidade de tomar o efetivo controle material da coisa. Imagine-se ter uma coisa sido furtada ao seu proprietário ou por ele perdida. Ainda, assim, aparece um comprador interessado. A coisa é vendida com expressa estipulação de não ser o vendedor obrigado a entregá-la. Será isso possível?
  • 50. • A consideração normativa do preceito permite afirmar não residir a importância ou pedra de toque da obrigação de entrega – do ponto de vista da finalidade da respectiva consagração como efeito essencial – no comportamento do devedor, mas na situação pretendida para o comprador.
  • 51. • O pretendido pelo Direito é a possibilidade de o comprador ter o bem vendido à sua disposição para poder exercer sobre ele os poderes correspondentes à posição de proprietário. • Dado essa consequência se encontrar normalmente associada à entrega da coisa, o Código Civil estabeleceu como efeito essencial do contrato de compra e venda a obrigação correspetiva. • Na verdade, porém, aquilo que se mostra verdadeiramente essencial não é a obrigação de entregar em si mesma mas o seu efeito.
  • 52. • Ora respetiva a consecução pode ser bem diversa consoante os casos impondo, destarte, condutas igualmente distintas ao vendedor: • a) o comportamento do alienante pode ser irrelevante por a coisa já se encontrar em poder do comprador • b) a atitude do transmitente pode consistir, em certas hipóteses, apenas em não impedir o comprador de tomar para si a coisa colocada à disposição; • c) o vendedor tem de facto, in casu, de proceder à entrega da coisa, no sentido de ser necessária uma actividade de sujeição da coisa ao efectivo controlo material do comprador.
  • 53. • Apenas no último caso há o cumprimento da obrigação de entrega em sentido estrito. Não é, contudo, o sentido restrito a relevar, mas sim o normativo. Ora, normativamente está-se diante do cumprimento da obrigação de entrega em todas as situações antes referidas. • Importa, pois, concluir no sentido segundo o qual a obrigação de entrega não tem sempre o mesmo o mesmo conteúdo efetivo.
  • 54. • Terceiro efeito essencial da compra e venda é a obrigação de pagar o preço.
  • 55. • A vende a B o bem X. Entrega-lhe de imediato esse bem. B devia pagar o preço quatro dias após a venda. Não o faz. A interpela-o fixando, nos termos do artigo 808.º do Código Civil, um novo prazo, razoável, de mais quatro dias para cumprir. B volta a não cumprir. Pode A resolver o contrato com fundamento em incumprimento definitivo? A resposta seria diferente se existisse convenção a permitir a resolução? E se não tivesse havido entrega da coisa? E se tivesse havido entrega, mas com reserva de propriedade?
  • 56. • Artigos 798 e ss.. • Artigo 801.º/2: condição resolutiva tácita. Em regra a parte fiel pode, nos contratos bilaterais, resolver o contrato. • E quanto à compra e venda, havendo falta de pagamento do preço?
  • 57. • V. artigo 886.º do Código Civil para a falta de pagamento do preço. De acordo com o disposto nesse preceito, transmitida a propriedade da coisa, ou direito sobre ela, e feita a respetiva entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço. • Esta solução representa uma exceção à regra do artigo 801.º do Código Civil.
  • 58. • Quando é que se pode então proceder à resolução do contrato de compra e venda com fundamento no não pagamento do preço? Nas seguintes situações. • - Na eventualidade de isso ter sido convencionado; • - Na hipótese de não se ter ainda assistido à entrega da coisa; • - no caso de, apesar da celebração do contrato de compra e venda, o vendedor reservar para si a propriedade da coisa nos termos do artigo 409.º do Código Civil, até ao pagamento do preço.
  • 59. • O preço é essencial, mas pode não estar determinado. • Como se fixa então o preço se ele não estiver determinado?
  • 60. • Nesse último caso aplicam-se as regras do artigo 883.º: • 1. Se o preço não estiver fixado por entidade pública, e as partes o não determinarem nem convencionarem o modo de ele ser determinado, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deva cumprir; na insuficiência destas regras, o preço é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade. • 2. (…).
  • 61. • Ou seja: • Relevará em primeiro lugar o preço fixado por entidade pública. • Na falta dele recorrer-se sucessivamente: • ao preço normalmente praticado pelo vendedor à data da conclusão do contrato; • ao preço do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deve cumprir • – ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade.
  • 62. • Em vez de estipularem o preço, ou porção dele, os outorgantes podem preferir que a sua determinação seja logo confiada, nos termos do 400.º do Código Civil, a uma ou outra das partes ou a terceiro. • Nesse caso, se tiverem sido estipulados quais os critérios de determinação da prestação será ele apurado pela parte ou terceiro, chamado a intervir, em conformidade com esses critérios (400.º, in fine). Não havendo critérios pactuados deve a prestação ser determinada de acordo com critérios de equidade (400.º/1, segunda parte).
  • 63. • A e B celebram um contrato de compra e venda das ações da sociedade X. Não fixam logo o preço incumbindo C de o fazer segundo determinados critérios. C não respeita esses critérios prejudicando seriamente A. O que pode este fazer? • E o que poderia A fazer se as partes tivessem apenas indicado que o preço seria determinado segundo critérios de equidade, por C, e o resultado for manifestamente injusto?
  • 64. • Imagine que A e B tinham deixado a determinação do preço ao arbítrio de C. A resposta seria a mesma? • E alguma coisa mudaria se houvesse dolo ou má fé do terceiro ao arbítrio do qual foi deixada a determinação do preço?
  • 65. • Mesmo nos casos em que a parte ou terceiro decide de acordo com a equidade, normalmente ele não dispõe de nenhum poder de criação jurídica ou constitutivo (Rechtsgestaltung) mas apenas de fixação de declaração, se se quiser conformadora
  • 66. • Se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal, sem prejuízo do disposto acerca das obrigações genéricas e alternativas (400.º/2). • À luz de uma compreensão tradicional do problema metodológico do fenómeno da interpretação-compreensão-aplicação do Direito dir-se-ia que o preceito em análise compreende ou contempla apenas duas hipóteses: não ser feita ou não poder ser feita.
  • 67. • Neste caso a determinação foi feita, mas mal. Quid juris?
  • 68. • Uma solução passaria por se considerar a existência de uma lacuna e aplicar analogicamente o artigo 400.º/2 à suposta lacuna.
  • 69. • RAÚL VENTURA considerava que se a determinação chegou a ser feita, mas, tendo sido estipulados critérios para o fazer, não foram estes obedecidos, o recurso ao tribunal não é imposto pelo 400.º/2 e, destarte, uma parte não pode ser forçada pela outra a aceitar a determinação judicial.
  • 70. • Mas logo acrescentava de seguida: «O acto realizado pela parte ou pelo terceiro com violação do critério estipulado ou legal não pode, contudo, valer. Para se não cair na nulidade do contrato, a parte interessada deveria fazer declarar a nulidade do acto de determinação e, deixando assim, de haver determinação requerer a determinação judicial».
  • 71. • Quem entenda o problema da interpretação- compreensão-aplicação do Direito como um problema normativo a solução é extremamente simples.
  • 72. • Nesta perspetiva não há que reconhecer a existência de nenhuma lacuna para as hipóteses nas quais se tenha convencionado determinados critérios para a fixação do preço e eles não tenham sido observados. Também se não mostra necessária a impugnação da determinação incorreta e subsequente recurso ao tribunal, nos termos dos artigo 400.º/2.
  • 73. • Numa perspetiva normativa do problema metodológico da interpretação-compreensão- aplicação do Direito o que importa não é a determinação textual do artigo 400.º/2 • . O que interessa apurar, isso sim, é o sentido normativo do artigo 400.º/2, o sentido jurídico da menção «ao não poder ser a determinação feita ou não ter sido feita no tempo devido».
  • 74. • Nesta perspetiva não parece haver dúvidas de que a realidade normativamente intencionada pelo artigo 400.º/2 não foi esta ou aquela concreta perturbação a que literalmente se parece estar a referir, mas, sim, qualquer perturbação ou incorreção no processo de determinação do preço para a qual as partes não tenham elas próprias previsto uma saída autónoma.
  • 75. • Uma determinação a fazer por uma das partes ou por terceiros, de acordo com critérios fixados pelos outorgantes, mas que não foram cumpridos é, na realidade, uma determinação insuscetível de utilização: é, portanto, inaproveitável: do ponto de vista normativo é em tudo equivalente a uma determinação que não pode ser feita ou não foi feita em tempo devido.
  • 76. • O artigo 466.º do Código Comercial estabelece, para a venda comercial, a propósito da determinação do preço, poder este tornar-se certo por qualquer meio, que desde logo fica estabelecido, ou dependente de arbítrio de terceiro. Por sua vez o § único do preceito em referência esclarece que se o preço houver de ser fixado por terceiro e este não quiser ou não poder fazê-lo, ficará o contrato sem efeito, se outra coisa não for acordada.
  • 77. • Esta regra diferencia com clareza duas situações: uma na qual o preço deve ser fixado de acordo com determinados critérios – mesmo se a concretização desses critérios cabe a uma das partes ou a terceiro – caso em que pode naturalmente intervir o tribunal para sindicar a atividade de fixação do preço; a outra na qual tudo é deixado ao arbítrio do terceiro.
  • 78. • Nesta última hipótese se o terceiro não fixar ou não puder fazê-lo fica o contrato sem efeito, se outra coisa não tiver sido convencionada é que a determinação, parece ser a indicação intuitu personae.
  • 79. • Embora consagrada apenas para a compra e venda comercial deve entender-se que a insindicabilidade do mero arbítrio vale, também, para os casos de compra e venda civil. As razões são as mesmas, correspondendo, de resto, à solução expressamente consagrada pelo BGB (§ 318, 2).
  • 80. • Se houver má fé, dolo ou abuso de direito deve entender-se que, mesmo na hipótese na qual se remete para o arbítrio do terceiro, pode haver sindicância pelo tribunal.