SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 34
1
FACULDADE ÚNICA
DARC VIANEY CORDEIRO MOURA GASPARINO
ABANDONO AFETIVO: A PERSPECTIVA JURÍDICA E PROCESSUAL
APLICÁVEL AOS FILHOS
JUATUBA – MINAS GERAIS
2022
2
FACULDADE ÚNICA
DARC VIANEY CORDEIRO MOURA GASPARINO
ABANDONO AFETIVO: A PERSPECTIVA JURÍDICA E PROCESSUAL
APLICÁVEL AOS FILHOS
Monografia apresentada à Faculdade Única,
como parte das exigências para a obtenção
do título de pós- graduação.
JUATUBA – MINAS GERAIS
2022
3
Dedico este trabalho...
A Jeová Jiré, o grande provedor da minha vida,
o Senhor dos senhores, o Deus fiel que me
mantém de pé diante de todas as dificuldades.
A Geovane Gasparino Ferreira (in memoriam),
que foi um grande incentivador aos meus
estudos, que nunca permitiu que eu desistisse
e esteve ao meu lado enquanto pode.
Aos meus pais, Sebastião e Maria Aparecida,
por serem os melhores pais e amigos que
alguém poderia ter, me sinto muito honrada por
ser filha de vocês.
4
“Que todo o meu ser louve ao Senhor, e que
eu não esqueça nenhuma das suas
bênçãos!” (SALMOS 103:2)
5
ABANDONO AFETIVO: A PERSPECTIVA JURÍDICA E PROCESSUAL
APLICÁVEL AOS FILHOS
Darc Vianey Cordeiro Moura Gasparino
RESUMO
Esse trabalho teve como objeto a análise da perspectiva jurídica e processual, em que os filhos
buscam no ordenamento jurídico, o auxílio do Estado para comprovação de dano decorrente de
abandono afetivo, diante de fatos e motivos, que ocasionaram transtornos que feriram a sua moral
como filho, como ser humano e até mesmo como uma pessoa de direitos. Existe uma perspectiva de
direito que traz a garantia de ser cuidado em um ambiente em que seu crescimento e
desenvolvimento seja exercido de maneira segura e dotada de responsabilidades, com uma boa
educação, onde nada possa interferir na sua formação de personalidade. Também existe uma
perspectiva de fato, em que a ausência do afeto fere direitos fundamentais e fica comprovado o dano
causado. E a perspectiva processual, que trata dos requisitos necessários de um processo. O método
utilizado nesse trabalho, foi o de referencial bibliográfico, com estudo de pesquisas já relacionadas ao
tema proposto, jurisprudências, doutrinas e legislação vigente. Há um certa divisão entre a doutrina e
a jurisprudência sobre o direito ou não a indenização pelo abandono afetivo, questionando-se sobre a
proporcionalidade em que o dano por falta de afeto pode prejudicar a vida de um indivíduo. Por fim, é
possível concluir que, o abandono afetivo é uma omissão por parte daquele que deveria cuidar, dar
educação, porém, ninguém é obrigado a amar alguém, nem mesmo um filho, mas a cuidar sim, e a
falta desse cuidado, pode ocasionar responsabilizações processuais a quem causou o abandono.
Palavras-chave: Abandono. Indenização. Perspectiva. Processo. Responsabilidade.
6
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................07
1 A PERSPECTIVA JURÍDICA.................................................................................09
1.1 O Poder Familiar...................................................................................12
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA.......16
2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.......................................16
2.2 Princípio Da Paternidade/Maternidade Responsável .......................16
2.3 Princípio Da Igualdade Entre Os Filhos ............................................17
2.4 Princípio Do Melhor Interesse Da Criança ........................................18
2.5 Princípio Da Afetividade E O Abandono Afetivo...............................18
3 RESPONSABILIZAÇÃO DOS GENITORES E POSSIBILIDADE DE
INDENIZAÇÃO...........................................................................................................22
Conclusão................................................................................................................31
REFERÊNCIAS ........................................................................................................33
7
Introdução
O Direito de família vem se adaptando às mudanças que ocorrem no
comportamento da sociedade, as relações familiares estão mais evidentes e
respeitadas no ordenamento jurídico brasileiro. Nos últimos anos, o conceito de
poder familiar vem sofrendo modificações e é visto hoje, como uma proteção e não
somente um status utilizado para denominar família, pois, foram surgindo cada vez
mais, a obrigação de ambos os pais para com os filhos, podendo ocorrer à perda
desse poder familiar caso sejam descumpridas essas obrigações.
As relações familiares são identificadas pelo vínculo de afetividade entre seus
membros, os pais têm o dever de educar, assistir, cuidar, participar do
desenvolvimento e dar condições necessárias para que seus filhos possam ser
criados em um ambiente saudável com amor e carinho. O abandono afetivo se
tornou um assunto que vem ganhando grande repercussão e relevância, pois, pode
trazer aos filhos sérios prejuízos para sua vida, que podem até gerar transtornos
psicológicos ocasionados pelo abandono.
Há um debate no sentido de que o amor não se compra, nem o afeto, nem
mesmo o carinho, por isso, surgem às questões: É cabível a indenização àqueles
que se sentem desamparados emocionalmente pelos seus parentes? Caberia a
indenização por não ter tido a presença de quem se ama? O que ocorre, quando o
vínculo afetivo paterno-filial é cortado precocemente ou este vínculo não é nem
mesmo estabelecido? O abandono afetivo se tornou um tema relevante e tem
recebido muitas críticas quanto aos direitos que estão sendo violados, e ainda se
tornou um tema de análise da atualidade que está sendo vivenciada pela atual
sociedade.
Independentemente da idade, as pessoas sentem a necessidade de ter apoio,
afeto, e carinho de seus familiares, é de se entender que o afeto é um sentimento, e
ninguém é obrigado a sentir algo por alguém. Por isso, busca-se entender qual seria
a perspectiva do abandono afetivo, levando-se em consideração esse sentimento
que ninguém é obrigado a dar.
A significância deste tema está justamente na sua perspectiva, ou seja, os
filhos buscam no ordenamento jurídico, o auxílio do estado, para que este, diante de
fatos e motivos, venha agir em defesa desse filho que foi abandonado pelos pais,
tendo adquirido transtornos por esse motivo. Existe assim, uma perspectiva de
8
direito quando os filhos desejam ter dos seus pais o que lhes é assegurado pela
constituição federal de 1988 no seu art. 227 e no estatuto da criança e do
adolescente, em seu art. 22. Também, existe uma perspectiva de fato quando
comprovado o dano causado, gerando assim, o direito dos filhos. E por fim, existe
uma perspectiva processual, quando se preenche todos os requisitos necessários
para o processo.
O objetivo principal desse trabalho foi mostrar a perspectiva jurídica e
processual em que o abandono afetivo tem alcançado nos últimos anos, a sua
aplicação, além do posicionamento dos juristas e doutrinadores, em relação à
efetividade da prestação pecuniária indenizatória, àqueles que se sentem afetados
pelo abandono emocional de seus genitores.
Teve-se como objetivos específicos identificar os fatores que levam ao pedido
de indenização por abandono afetivo, apontar as questões que influenciam no
transtorno causado pelo abandono e levantar quais as medidas cabíveis para que o
abandono se torne menos doloroso para quem o sofre, e as medidas que devem ser
tomadas, para que haja a diminuição deste problema para a sociedade, bem como,
os meios processuais cabíveis para possível indenização.
A metodologia apresentada neste trabalho foi uma pesquisa didática de
referencial bibliográfico, baseada no estudo de materiais já relacionadas ao tema
proposto, por meio da leitura de artigos e monografias onde será feita a análise de
pontos que auxiliarão no andamento deste, além disso, as doutrinas e as
jurisprudências serão meios fundamentais para que seja elaborado um bom estudo
desse tema, além de ter como norteamento a legislação vigente, absorvendo ao
máximo todo entendimento dos estudiosos sobre o assunto, para que ao final deste,
seja possível entender o que se propõe nesse trabalho.
9
1 A PERSPECTIVA JURÍDICA
O abandono afetivo tem sido um tema muito abordado na atualidade, onde
muitos juristas discutem sobre a eficácia ou não da indenização aos filhos, como
meio de suprir uma falta, ou um vazio por parte dos pais.
A significância deste tema está justamente na sua perspectiva, ou seja, os
filhos buscam no ordenamento jurídico, o auxílio do estado, para que este, diante
de fatos e motivos, venha agir em defesa desse filho que foi abandonado pelos pais,
tendo adquirido transtornos por esse motivo.
Pode se perceber que existe uma perspectiva de direito quando os filhos
desejam ter dos seus pais o que lhes é assegurado pela constituição federal de
1988 no seu art. 227 e no estatuto da criança e do adolescente, em seu art. 22.
Também, existe uma perspectiva de fato quando comprovado o dano causado,
gerando assim, o direito dos filhos a uma reparação pelo dano que foi lhe causado:
Art. 227, CF:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)
Art. 22, ECRIAD:
Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos
menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir
e fazer cumprir as determinações judiciais. (BRASIL, 1990)
O abandono afetivo se torna um tema muito antigo se for levado em
consideração o código civil de 1916, que não continha nenhum dispositivo que
assegurasse a todos os filhos um tratamento igualitário, como os filhos provenientes
de um casamento em comparação àqueles fora do casamento, conhecidos como
bastardos, esses não possuíam nenhum direito efetivo.
Foi a partir da Constituição Federal de 1988, que ocorreu a mudança nessa
concepção, quando no art. 227, § 6°, dispôs sobre a igualdade dos filhos. Mais
tarde, em 2002, entrou-se em vigor o novo código civil, assegurando esses direitos
no art. 1.596, os mesmos já adquiridos pela constituição.
10
Art. 227, § 6º CF:
Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1988)
Art. 1.596, CC:
Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 2002)
Acontece que há uma discussão sobre a subjetividade do afeto, ou seja, os
pais têm o dever de cuidar dos filhos enquanto menores e dependentes, mas não há
lei que obrigue esses pais a terem afeto, pois, é facultativa a demonstração de
sentimentos pelos filhos.
Os entendimentos se dividem entre o direito ou não à reparação pelo
abandono afetivo, onde, é questionado o dever emocional e de cuidado dos filhos
pelos pais e a não obrigação de amá-los.
Dias (2015, p. 47), vem dizer o seguinte sobre o conceito de família:
O conceito atual de família é centrado no afeto como elemento agregador, e
exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho
se passou a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos
filhos com os pais não é um direito, é um dever. Não há direito de visitá-
lo, há obrigação de conviver com ele. O distanciamento entre pais e filhos
produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio
desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos
permanentes em sua vida.” (DIAS, pág. 47, 2015)
As discussões a respeito desse tema geraram muitas dúvidas levando em
consideração a efetividade da reparação pelo abandono afetivo, buscando entender
o real dano causado, como por exemplo, a ausência do exercício do poder familiar.
Nos últimos anos o conceito de família teve grandes mudanças, onde ouve a
passagem da família patriarcal para os diversos modelos de famílias dessa
atualidade.
Na família patriarcal, havia a preocupação em ter filhos, o casal que não
tinham filhos era malvisto diante da sociedade, pois eram os filhos que davam
continuidade na geração da família.
Diniz (2015, p. 19) afirma que:
11
há relações familiares fora do matrimônio que podem ser pessoais,
patrimoniais e assistenciais; que foram ignoradas pelo nosso Código
Civil de 1916, que apenas indiretamente as regulava (arts. 248, IV,
1.177 e 1.719, III) com o escopo de fortalecer a família legítima. (DINIZ,
2015, p. 19)
Não eram considerados como filhos aqueles que provenientes de
relacionamentos extraconjugais, aqueles conhecidos como bastardos. Nos modelos
de famílias atuais não existem separação entre os filhos, sejam os de pais casados
ou advindos de fora de um casamento.
Maluf (2010, p.10), vem falar sobre um conceito considerado retrógrado, este
preceitua que:
o esteio da família não se fincava na afetividade [...] Assim, dispõe-se
que a gênese da família encontrava-se na autoridade parental e na
marital, ungidas à forca suprema da crença religiosa, sendo, na
concepção antiga, a sua formação mais uma associação religiosa do
que uma formação natural. (MALUF, 2010, p. 10)
Antigamente eram valorizados os filhos provenientes do casamento, sendo
desprezados os filhos bastardos, e hoje, essa história ainda não mudou, pois, os
filhos fora do casamento, por mais que se tenha apoio financeiro de seus genitores,
como exemplo a pensão alimentícia, existem grandes indícios de filhos com
transtornos gerados por essa ausência familiar. Independentemente da idade, as
pessoas sentem a necessidade de ter apoio, afeto, e carinho daqueles com quem
possuem laços de parentesco.
Dias (2015, p. 132), vem dizer que, devido a emancipação feminina, houve
um distanciamento entre o Estado e a Igreja, onde o ingresso da mulher no mercado
de trabalho, fez com que ela fosse levada para fora do lar. Desde então, o homem
deixou de ser o único provedor da família, bem como, começou-se a ser exigida a
partição deste nas atividades domésticas.
Além disso, esse afrouxamento de lações que havia entre Estado e Igreja,
trouxe um profunda evolução social, surgindo assim, novas estruturas de convívio
com terminologias que se adequem ao que as diferenciem.
O conceito de poder familiar é visto hoje, como uma proteção e não somente
um status utilizado para denominar família, pois, foram surgindo cada vez mais, a
obrigação de ambos os pais para com os filhos, podendo ocorrer à perda desse
poder familiar caso sejam descumpridas essas obrigações.
12
Gagliano; Filho (2017, p. 43) ao abordam o seguinte sobre o atual conceito
de família:
até́ mesmo por honestidade intelectual, a uma primeira e importante
conclusão: não é possível apresentar um conceito único e absoluto de
Família, apto a aprioristicamente delimitar a complexa e multifária
gama de relações socioafetivas que vinculam as pessoas, tipificando
modelos e estabelecendo categorias. Qualquer tentativa nesse
sentido restaria infrutífera e desgarrada da nossa realidade. (GAGLIANO;
FILHO. 2017, p.43)
As relações familiares são identificadas pelo vínculo de afetividade entre seus
membros, os pais têm o dever de educar, assistir, cuidar, participar do
desenvolvimento e dar condições necessárias para que seus filhos possam ser
criados em um ambiente saudável com amor e carinho.
Gonçalves (2015, p. 28 e 29) se posicionou da seguinte forma sobre a nova
concepção jurisdicional sobre filhos:
Os filhos que não precediam de justas núpcias, mas de relações
extramatrimoniais, eram classificados como ilegítimos e não tinham
sua filiação assegurada pela lei, podendo ser naturais e espúrios. Os
primeiros eram os que nasciam de homem e mulher entre os quais
não haviam impedimento matrimonial. Os espúrios eram os nascidos
de pais impedidos de se casar entre si em decorrência de parentesco,
afinidade ou casamento anterior e se dividiam em adulterinos e
incestuosos. Somente os filhos naturais podiam ser reconhecidos,
embora apenas os legitimados pelo casamento dos pais, após sua
concepção ou nascimento, fossem em tudo equiparados aos legítimos
(art. 352). (GONÇALVES, 2015, p. 28 e 29)
Se antes os filhos bastardos ou advindos de divórcio dos genitores eram
excluídos do seio familiar, hoje a obrigação dos genitores é mútua e solidária.
Art. 22, ECRIAD:
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e
deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da
criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas
crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta
Lei. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) (BRASIL, 1990)
O dever de cuidado dos pais é um exercido de ambos, para que ocorra o
necessário para o bem-estar dos filhos, garantindo boa educação, estudos,
alimentação, cuidados com a saúde, momentos de laser.
1.1 O Poder Familiar
13
Inicialmente o poder familiar era conhecido como pátrio poder, como o nome
mesmo já diz, pátrio significa que o poder advinha do pai, o cabeça da família, onde
regia muitas regras que deveriam ser cumpridas pelos outros membros da família,
pois o pai era o senhor das decisões.
A única família que era reconhecida era a proveniente de um casamento. E
não se falava em compartilhar o dever sobre os filhos, pois, quem exercia era
somente o pai, os membros da família eram de propriedade do pai, este detinha o
poder absoluto sobre os bens e as pessoas, além disso, apenas o pai possuía
capacidade de direito.
Somente em 1962 a mãe, teve a oportunidade de começar a participar do
pátrio poder unicamente como colaboradora. Sobre isso o código civil revogado dizia
o seguinte nos art. 233 e 240:
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal. Compete-lhe:
I. A representação legal da família.
II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao
marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou
do pacto antenupcial (arts. 178, § 9º, nº I, c, 274, 289, nº I, e 311).
III. direito de fixar e mudar o domicílio da família (arts. 46 e 233, nº IV).
IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do
teto conjugal (arts. 231, nº II, 242, nº VII, 243 a 245, nº II, e 247, nº III).
V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277.
Art. 240. A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a
condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família.
(BRASIL, 1916)
Atualmente, é necessário fazer uma interpretação mais ampla a respeito do
art. 226 da Constituição Federal de 1988, nesse sentido, Pereira (2012, p. 7), dispõe
que:
apesar de certa timidez no texto quando se diz entidade familiar em
vez de família, podemos marcar aí uma evolução. É compreensível
que a elaboração de um texto legislativo seja eivada de forças políticas
diversas. Mas talvez seja mesmo na diversidade que esteja a
democracia. Apesar de alguns resisti- rem ainda em não entender o
atual Texto constitucional, ele é a tradução da família atual, que não é
mais singular, mas cada vez mais plural. E nele estão contidas todas
as novas estruturas parentais e conjugais. (PEREIRA, 2012, p. 7)
14
A constituição brasileira de 1988 e o código civil de 2002 vieram mudar toda
essa concepção que prevalecia até então, e começou a favorecer os filhos, sejam
advindos do casamento ou não.
Art. 227, § 6º CF:
Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1988)
Art. 1.596 CC:
Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 2002)
No ano de 1847, as sucessões só eram admitidas para filhos reconhecidos
por escritura pública ou testamentos, e somente 1890 começaram-se a autorização
de investigação de paternidade em alguns casos.
O Código Civil de 1916, artigo 358 estabelecia: "os filhos incestuosos e os
adulterinos não podem ser reconhecidos". O próprio código que era vigente
descriminava os filhos advindos de fora do casamento, sendo esses desamparados
por genitores e pela lei.
Era claramente demonstrado que o erro dos pais deveria recair sobre os
filhos, sendo estes frutos de uniões condenadas, por causa do ato incestuoso e
adulterino de seus pais. E esses filhos eram tratados como marginais, perdendo a
dignidade como pessoa.
Mas acontece que mesmo com o amparo da Constituição, do código civil e da
ECRIAD, ainda existem muitos filhos que são tratados como bastardos, sendo
desamparados pelos genitores e até mesmo pela sociedade.
O poder familiar traz aos genitores o dever de cuidado dos filhos menores,
com finalidade protetiva, equiparando os filhos legítimos, sendo esses biológicos ou
não. Esse poder familiar surge quando nasce um filho, criando assim um direito
personalíssimo, devendo estes, criar, educar, proteger, prover, e cuidar desse filho.
Não é porque o filho é advindo de fora do casamento que ele deve ser
rejeitado pelos genitores, pois ali se encontra um ser humano, que tem sentimentos
e capacidades, e que precisa de cuidados como qualquer outro filho. Deve ser
aplicado o Princípio da Dignidade Humana, pois, todo filho é digno de
15
reconhecimento de paternidade e maternidade, de ter apoio, de ter carinho, de ter
suporte financeiro, de ter presença.
O filho que antes era conhecido como “bastardo”, é tanto filho como qualquer
outro, e com o código civil de 2002, foram eliminadas as expressões: “bastardos”,
“espúrios” e “adulterinos”. Hoje não há diferença na nomenclatura dos filhos,
devendo todos serem referenciados como legítimos, sendo eles filhos biológicos ou
não.
16
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA
O princípio na linguagem jurídica tem uma definição de fonte do direito e é
muito importante para ordenamento jurídico brasileiro, pois sua força alcança toda
amplitude jurídica.
Os princípios constitucionais, ou seja, presentes na constituição, e que
protegem o direito de família, sendo objetos ligados ao assunto de abandono
afetivo são os seguintes: a dignidade da pessoa humana, a paternidade
responsável, a igualdade entre os filhos, o melhor interesse da criança e o que está
mais ligado ao tema, princípio da afetividade.
2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Esse princípio possui dois aspectos, o primeiro em que ele age como um
direito individual de proteção e o segundo como um dever de tratamento entre os
indivíduos.
A dignidade é um direito inestimável e indisponível, pois não possui preço e
não há a possibilidade de ser objeto de troca. Conforme a Declaração dos direitos
do homem e do cidadão, proclamada pela Organização das Nações Unidas de
1948 em seu art. 1°: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e
direitos”
É considerado o maior e mais importante dos princípios ligados a pessoa
humana, onde não existe a possibilidade de se pensar nos direitos de alguém sem
se pensar na dignidade. Dessa forma, sendo a família a base da sociedade, a
dignidade se torna um instrumento indispensável para o desenvolvimento de um
indivíduo, pois é na família que esse indivíduo encontra afeto e cuidado.
2.2 Princípio Da Paternidade/Maternidade Responsável
Esse princípio surge no planejamento familiar, onde acontece o
nascimento da criança. Mas esse princípio não finaliza com o nascimento do filho
em si, pois, esse princípio não tem fim aplicável à paternidade, ou seja, mesmo
que o filho venha a óbito, a paternidade sempre existirá.
17
A paternidade/maternidade responsável é aquela em que há a
conscientização da importância da família, dos filhos, onde são cumpridas todas as
obrigações paternas/maternas.
Para Dias (2015, p. 532), ao tratar sobre a convivência, afirma que
o direito de convivência não é assegurado somente ao pai ou à mãe,
é direito do próprio filho de com eles conviver, o que reforça os
vínculos paterno e materno-filial. É direito da criança manter contato
com o genitor com o qual não convive cotidianamente, havendo o
dever do pai de concretizar esse direito. [...] O interesse a ser
resguardado, prioritariamente, é o do filho, e objetiva atenuar a perda
da convivência diuturna na relação parental. (DIAS, 2015, p. 532)
Não significa que o os pais apenas deem condições de sobrevivência, mas
também respeite os filhos em sua dignidade. No art. 21 do ECRIAD, é expresso o
entendimento sobre a igualdade de condições entre os pais.
Esse princípio tem garantia expressa no art. 226, § 7º da Constituição
Federal:
Art. 226 CF
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal,
competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas. (BRASIL, 1988)
A importância deste princípio está no fato de que a paternidade ou
maternidade, é questão de consciência e de respeito aos filhos, de disposição
afetiva, espiritual, material, pois, o exercício inadequado de suas funções, como
desprezo, falta de afeto, acarretam vários problemas para os filhos, problemas
estes que, podem trazer transtornos por muitos anos.
2.3 Princípio Da Igualdade Entre Os Filhos
Dispõe no art. 227, § 6º da CF que, “os filhos advindos ou não de um
relacionamento de casamento terão os mesmos direitos e qualificações daqueles
que são, pois não se pode fazer distinção entre o filho matrimonial e não
matrimonial, adotivo ou socioafetivo.”
18
A igualdade entre os filhos possui o significado formal em que é vedado
termos que diminuam os valores do filho, como legítimo, natural ou bastardo; e o
significado material em que não pode haver distinção, diferença ou falta de
proteção em desfavor de nenhum filho, isso porque, todos os filhos são iguais
independente da origem.
2.4 Princípio Do Melhor Interesse Da Criança
Esse princípio tem a finalidade de proteger o menor, buscando o melhor
interesse e preservando a sua dignidade, para que não venha a ser atingido por
males e omissões, sejam, afetivas ou materiais.
Segundo Rodrigo da Cunha Pereira (2005. Págs. 128/129):
“O entendimento sobre seu conteúdo pode sofrer variações culturais,
sociais e axiológicas. É por esta razão que a definição de mérito só pode
ser feita no caso concreto, ou seja, naquela situação real, com
determinados contornos predefinidos, o que é o melhor para o menor.(…)
Para a aplicação do princípio que atenda verdadeiramente ao interesse
dos menores, é necessário em cada caso fazer uma distinção entre moral
e ética.” (DA CUNHA PEREIRA, 2005, p. 128/129))
O menor é vulnerável e frágil, está em processo de crescimento e
amadurecimento, e é nesse momento que são formados os seus valores e
personalidade, sendo essa uma fase em que esse menor depende do apoio de
seus genitores.
2.5 Princípio Da Afetividade E O Abandono Afetivo
Esse é um princípio que está diretamente ligado ao direito de personalidade
de um indivíduo. Devido as grandes transformações na família, o afeto vem se
tornando muito importante.
A afetividade é algo específico do direito de família, e está disposto na CF
no art. 227 e no art. 1583, § 2°, I do CC.
Art. 227 CF
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
19
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda
Constitucional nº 65, de 2010) (BRASIL, 1988)
Art. 1.583 CC
A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 2o Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser
dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em
vista as condições fáticas e os interesses dos filhos:
I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; (BRASIL, 2002)
Os laços de afeto surgem com a convivência familiar, estar na posse de
estado de filho é um reconhecimento jurídico de afeto, onde o laço envolve os
integrantes da família.
Madaleno (2018, p. 97) vem dizer que:
O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações
interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao
cabo dar sentido e dignidade à existência humana. A afetividade deve
estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão
somente na sua intensidade e nas especificidades do caso
concreto. [...] A sobrevivência humana também depende e muito da
interação do afeto; é valor supremo, necessidade ingente, bastando
atentar para as demandas que estão surgindo para apurar
responsabilidade civil pela ausência do afeto. [...] certamente nunca
será inteiramente saudável aquele que não pode merecer o afeto de
seus pais, ou de sua família e muito mais grave se não recebeu o afeto
de ninguém. (MADALENO, 2018, p. 97)
O afeto é o exercício de direito de intimidade, em que, as pessoas se
aproximam e dão origem a relacionamentos, criando assim uma família. Esse
princípio está ligado ao direito de convivência, em que a pessoa possui seus
valores fundamentais e se desenvolve como pessoa humana.
O afeto acaba por se tornar um aspecto intrínseco para o ser humano. Dias
(2015, p. 52), por sua vez, dispõe que:
a afetividade é o princípio que fundamenta o direito de família na
estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com
primazia em face de considerações de caráter patrimonial ou
biológico. [...] O direito ao afeto está muito ligado ao direito
fundamental à felicidade. Também há a necessidade de o Estado
atuar de modo a ajudar as pessoas a realizarem seus projetos
racionais de realização de preferências ou desejos legítimos. Não
basta a ausência de interferências estatais. O Estado precisa criar
instrumentos (políticas públicas) que contribuam para as aspirações
de felicidade das pessoas, municiado por elementos informacionais a
respeito do que é importante para a comunidade e para o indivíduo.
(DIAS, 2015, p. 52)
20
Como todos sabem, a Constituição garante aos filhos o dever de cuidado
pelos seus genitores. Dessa forma, deve ser respeitado os direitos e deveres de
todos que estão ligados pelo laço de parentesco e possuem a família como um
norte, de modo a não ser deixado de lado os direitos da pessoa humana.
Conforme Giselle Câmara Groeninga (2008, p. 28):
O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito
de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade
dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que
possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às
relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações
das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o
da afetividade. (GROENINGA, 2008)
Não há como medir o amor ou qualquer outro sentimento, isso vai muito
além de quantificar um afeto por alguém, porém, os vínculos afetivos costumam
ser muito fortes, levando-se em consideração os laços consanguíneos e/ou
biológicos, pois, o sentimento que se nutre por alguém depende unicamente da
convivência harmoniosa.
Fica claro que, o que se trata aqui não é de amor, mas sim de elo de ligação
entre as pessoas, seja de sangue ou de afinidade. Observa-se a contextualização
de Antônio Jeová dos Santos a respeito do abandono afetivo:
O abandono é a ausência da presença. Como regra, é o homem que deixa
de dar atenção ao filho. Seja no casamento frustrado pelo divórcio em que
ele deixa o lar conjugal, seja com a existência de filho com a parceira ou
convivente e ocorre a ruptura da vida em comum, o homem sai de casa,
por vezes cumpre a obrigação de pagar a pensão alimentícia e
desaparece. Os filhos nunca mais o veem ou tal ocorre de forma
espaçada, demorada, de tal arte que ficam se na proteção e agasalho da
referência paterna. Por descuido, desleixo ou raiva porque ocorreu a
separação, o pai se afasta gradativamente até a ausência completa e
total, (SANTOS, 2015, p. 220)
De acordo com Tânia da Silva Pereira (2008, p. 309), “o ser humano precisa
ser cuidado para atingir sua plenitude, para que possa superar obstáculos e
dificuldades da vida humana”.
Essa fala da autora, vem alertar sobre atitudes de “não cuidado” que podem
vir a desenvolver sentimento de impotência, perda, desvalorização como pessoa e
vulnerabilidade, bem como, de “tornar-se uma cicatriz que, embora possa ser
21
esquecida, permanece latente na memória.” E isso que vem a ser o abandono
afetivo.
O abandono afetivo se caracteriza quando os genitores não exercem o
dever de cuidado e começam a não ter interesse pelo filho, ou seja, o tratando com
descaso. Esse tratamento sem afeto, pode causar problemas escolares, problemas
na alimentação, depressão e também interferir no indivíduo a sua visão familiar.
Obviamente se percebe, esses não são os únicos problemas que podem ser
causados, mas, é de grande importância analisar que esses problemas têm sido
muito comuns na vida de quem sofre com o abandono afetivo, de modo que, os
danos causados muitas vezes tornam-se irreparáveis.
22
3 RESPONSABILIZAÇÃO DOS GENITORES E POSSIBILIDADE DE
INDENIZAÇÃO
Antes de ser abordado sobre a responsabilização, convém entender o que é
responsabilidade civil. Responsabilidade civil é a obrigação dada a alguém com
intuito de reparar dano causado a outrem, ou seja, aquele que causou danos a
alguém deve repará-lo na medida do que foi lhe causado.
O art. 186 do Código Civil dispõe o seguinte a respeito da responsabilidade:
Art. 186 CC
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato lícito". (BRASIL, 2002)
A partir do Código civil de 2002 foi adotada uma divisão referente a
responsabilidade, sendo classificada como responsabilidade objetiva e subjetiva.
Na objetiva a responsabilidade independe de dolo ou culpa, ou seja, acontecendo
o dano deve ser reparado mesmo que não tenha havido a intenção do agente que
lhe deu causa, recaindo sobre este a obrigação de indenizar a vítima.
Gagliano; Pamplona (2018, p. 60), ao conceituarem responsabilidade civil
explicam que:
a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de
alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica
preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às
consequências do seu ato (obrigação de reparar). Trazendo esse
conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo essa mesma
linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da
agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim,
o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima,
caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas. (GAGLIANO;
PAMPLONA, 2018, p. 60)
A responsabilidade subjetiva, como regra geral do Código civil, sustenta que,
deve haver a responsabilização referente ao dever do ofensor em restituir,
restaurar, fazer voltar, ou até mesmo, aproximar ao máximo ao estado quo ante da
ação ou omissão que causou o dano, de modo que o ofendido não venha a ter
prejuízos maiores em decorrência do ato do agente causador.
23
Na responsabilidade subjetiva, necessariamente deve ter dolo ou culpa. É
com a comprovação da culpa que poderá gerar a indenização que o agente deverá
repassar para a vítima, conforme os prejuízos sofridos por esta.
Carlos Roberto Gonçalves dispõe o seguinte:
Diz-se, pois, ser ‘subjetiva’ a responsabilidade quando se esteia na ideia
de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário
do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador
do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. (GONÇALVES.
2015, p.48)
Apesar de englobar dolo e culpa na responsabilidade subjetiva, o requisito
indispensável para se gerar indenização é a culpa. O entendimento de Flávio
Tartuce é o seguinte:
Conforme demonstrado, a responsabilidade subjetiva constitui regra geral
em nosso ordenamento jurídico, baseada na teoria da culpa. Dessa forma,
para que o agente indenize, ou seja, para que responda civilmente, é
necessária a comprovação da sua culpa genérica, que inclui o dolo
(intenção de prejudicar) e a culpa em sentido restrito (imprudência,
negligência ou imperícia). (TARTUCE. 2019)
Percebe-se que, além da presença da culpa, o agredido deve encontrar
meios legais que comprove o seu dano. Ou seja, restado comprovado a culpa/
dolo, o agressor tem o dever de reparar o dano conforme os prejuízos causados.
Em setembro de 2007, foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos, o
Projeto de Lei do Senado 700/2007, promoveu uma mudança significativa no
Estatuto da Criança e do Adolescente, mudança essa que veio impor aos pais a
reparação por danos causados por deixar de prestar assistência afetiva aos filhos,
seja pela própria convivência ou a falta de visitação. Dessa forma, esse abandono
moral ficou caracterizado como ato ilícito civil e penal, vindo então a gerar
responsabilização para os pais.
Marcelo Crivella (senador licenciado- PRB-RJ), ressaltou na época que “a
pensão alimentícia não esgota os deveres dos pais em relação a seus filhos. Os
cuidados devidos às crianças e adolescentes compreendem atenção, presença e
orientação.”
Pelo projeto de lei, os §§ 2º e 3º, do art. 4º do ECRIAD, passou a ter a
seguinte redação:
24
Art. 4º ECRIAD
§ 2º. Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º
desta Lei, prestar aos filhos assistência moral, seja por convívio, seja por
visitação periódica, que permitam o acompanhamento da formação
psicológica, moral e social da pessoa em desenvolvimento.
3º. Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência moral devida
aos filhos menores de dezoito anos:
I – a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades
profissionais, educacionais e culturais;
II – a solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou
dificuldade;
III – a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou
adolescente e possível de ser atendida. (BRASIL, 1990)
A possibilidade de reparação pelo abandono afetivo está disposto no
parágrafo único do artigo 5º:
Art. 5º ECRIAD
Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de
danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que
ofenda direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei,
incluindo os casos de abandono moral. (BRASIL, 1990)
O crime que configura abandono afetivo está expresso no artigo 232-A,
do ECRIAD:
“Art. 232-A ECRIAD
Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de
dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei, prejudicando-
lhe o desenvolvimento psicológico e social.
Pena – detenção, de um a seis meses” (BRASIL, 1990)
No Art. 1634 do CC, dispõe sobre a Relação de parentesco, ou seja, os
vínculos do filho com seus genitores, bem como suas responsabilidades:
Art. 1634 CC:
Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o
pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
I - dirigir-lhes a criação e a educação; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de
2014)
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; (Redação
dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
25
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
(Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua
residência permanente para outro Município; (Redação dada pela Lei nº
13.058, de 2014)
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro
dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder
familiar; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos,
nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem
partes, suprindo-lhes o consentimento; (Redação dada pela Lei nº 13.058,
de 2014)
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; (Incluído pela Lei nº
13.058, de 2014)
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de
sua idade e condição. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014) (BRASIL, 2002)
Apesar de haver os dispositivos legais que vem demonstrar de maneira
expressa que o abandono é punível, não tem como falar em abandono afetivo sem
citar as palavras da Ministra Nancy Andrighi, onde foram as palavras pioneiras
para o entendimento de que a indenização por abandono é cabível ao filho
abandonado.
Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e
legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade
das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.
O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes
legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa
materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da
religião.
O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se
do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de
seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença;
contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole;
comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem
–, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do
julgador, pelas partes.
Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever. (MINISTRA NANCY
ANDRIGHI. STJ, Recurso Especial nº 2009⁄ 1.159.242- SP)
Sobre esse julgado, devem ser observadas palavras do professor Flávio
Tartuce (2014) em seu blog, onde este entende que, se esse fato for levado a
contento, haveria que torna-se prática indenizatória:
26
Por maioria, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
rejeitou o cabimento dos embargos de divergência em recurso especial
contra decisão da Terceira Turma que concedeu indenização de dano moral
a uma filha, por ter sido vítima de abandono afetivo por parte do pai. Com
isso, fica mantida a decisão anterior no caso, que admitiu a compensação à
filha, no valor de R$ 200 mil, em razão do abandono afetivo. O valor foi
fixado em 2012, quando a Terceira Turma, seguindo o voto da ministra
Nancy Andrighi, reconheceu a possibilidade de ser concedida a
indenização. Naquele julgamento, a Turma diferenciou a obrigação jurídica
de cuidar, como dever de proteção, de uma inexistente obrigação de amar.
A Turma apenas ajustou o valor da condenação que havia sido imposta pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), baixando a compensação de R$
400 mil para R$ 200 mil. Divergência Como em 2005 a Quarta Turma do
STJ, que também julga matérias de direito de família, havia negado o
cabimento desse tipo de indenização, o pai apresentou embargos de
divergência no recurso especial. Esse tipo de recurso serve para uniformizar
o entendimento do tribunal sobre uma mesma tese jurídica, de forma a ser
aplicado o mesmo direito ao mesmo fato. Por isso, o julgamento dos
embargos é de responsabilidade do colegiado que reúne os membros das
duas Turmas especializadas no tema – no caso, a Segunda Seção. Porém,
ao analisar as decisões supostamente conflitantes, a maioria dos ministros
da Seção entendeu que elas não podem ser comparadas. Conforme os
ministros, a decisão da Terceira Turma ressalvou expressamente a
peculiaridade do caso julgado pelo TJSP, de forma que o precedente não
serve para debate de uma tese jurídica mais geral. (TARTUCE, 2014,
online)
Na ementa a seguir, o recurso foi parcialmente provido, onde apenas foi
diminuído o valor da indenização, durante o processo foi constatado o direito a
indenização por abandono afetivo, pois, cabe aos genitores cumprir com as
obrigações familiares.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO.
COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem
restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade
civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2.
O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento
jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que
manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da
CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi
descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a
forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem
juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e
companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal,
exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos
morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que
minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em
relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que,
para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos
quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e
inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de
excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento
de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do
recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por
danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a
quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
27
7. Recurso especial parcialmente provido. (Recurso Especial nº 2009⁄
1.159.242- SP)
Nesse mesmo entendimento, Dias (2013, p. 363 apud HOPPE, 2014, p. 18),
vem dizer o seguinte:
A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência
familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou crianças e
adolescentes em sujeitos de direito. Deu prioridade à dignidade da pessoa
humana, abandonando a feição patrimonialista da família. Proibiu quaisquer
designações descriminatórias à filiação, assegurando os mesmos direitos e
qualificações aos filhos nascidos ou não da relação de casamento e aos
havidos por adoção (CF 227 § 6º).( HOPPE, 2014, p. 18)
Diniz (2005, p.3 apud CORBELLINI, 2012, p. 21) aponta que:
Na reparação do dano moral, o magistrado deverá apelar para o que lhe
parece equitativo ou justo, agindo sempre com um prudente arbítrio,
ouvindo as razões das partes, verificando os elementos probatórios, fixando
moderadamente uma indenização. O valor do dano moral deve ser
estabelecido cm base em parâmetros razoáveis, não podendo ensejar uma
fonte de enriquecimento, nem mesmo ser irrisório ou simbólico. A reparação
deve ser justa e digna. Portanto, ao fixar o quantum da indenização, o juiz
não procederá a seu bel-prazer, mas como um homem de responsabilidade,
examinando as circunstâncias de cada caso, decidindo com fundamento e
moderação. (CORBELLINI, 2012, p. 21)
A partir do momento em que os genitores não cumprem com suas
responsabilidades com o filho, conforme expresso no art. 1634 do CC, surge a
possibilidade de responsabilização. Contudo, há casos que são visíveis que não há
o direito de indenização, como pode ser visto no julgado a seguir:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO.
ABANDONO AFETIVO. NÃO OCORRÊNCIA. ATO ILÍCITO. NÃO
CONFIGURAÇÃO.
ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA.
PACTA CORVINA. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. VEDAÇÃO.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZADO. MATÉRIA
CONSTITUCIONAL.
1. A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais e
materiais por abandono afetivo exige detalhada demonstração do ilícito civil
(art. 186 do Código Civil) cujas especificidades ultrapassem, sobremaneira,
o mero dissabor, para que os sentimentos não sejam mercantilizados e para
que não se fomente a propositura de ações judiciais motivadas unicamente
pelo interesse econômico-financeiro.
2. Em regra, ao pai pode ser imposto o dever de registrar e sustentar
financeiramente eventual prole, por meio da ação de alimentos combinada
28
com investigação de paternidade, desde que demonstrada a necessidade
concreta do auxílio material.
3. É insindicável, nesta instância especial, revolver o nexo causal entre o
suposto abandono afetivo e o alegado dano ante o óbice da Súmula nº
7/STJ.
4. O ordenamento pátrio veda o pacta corvina e o venire contra factum
proprium.
5. Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não provido.
(REsp 1493125/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2016, DJe 01/03/2016). (BRASIL,
2016)
Outro exemplo que deve ser observado, é o caso em que o genitor foi
condenado a comprar um imóvel residencial em nome do filho, alguns bens
materiais, além do pensionamento mensal. Nesse caso, o TJ-RS e o STJ
mantiveram em R$ 35 mil o valor da indenização do dano moral que este causou em
seu filho. Mesmo tento recorrido da decisão, o Recurso Especial foi improvido, e o
genitor foi condenado, conforme a ementa a seguir:
"RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ABANDONO MATERIAL. MENOR.
DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA MATERIAL
AO FILHO. ATO ILÍCITO (CC/2002,ARTS. 186, 1.566, IV, 1.568, 1.579,
1.632 E 1.634, I; ECA, ARTS. 18-A, 18-B E 22). REPARAÇÃO. DANOS
MORAIS. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. O descumprimento
da obrigação pelo pai, que, apesar de dispor de recursos, deixa de prestar
assistência material ao filho, não proporcionando a este condições dignas
de sobrevivência e causando danos à sua integridade física, moral,
intelectual e psicológica, configura ilícito civil, nos termos do art. 186 do
Código Civil de 2002. 2. Estabelecida a correlação entre a omissão
voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material e os danos
morais ao filho dali decorrentes, é possível a condenação ao pagamento de
reparação por danos morais, com fulcro também no princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana. 3. Recurso especial improvido". (STJ,
REsp 1087561/RS, Rel. Min. Raul Araújo, 4a Turma, DJe 18/08/2017);
(BRASIL, 2017)
A Apelação Cível 1.0024.14.323999-4/001, também vem demonstrar que
houve a moral do filho ferida quando o genitor deixou de dar assistência ao convívio
paterno/filial, por isso, demonstra-se o ato lesivo a moral. Nesse caso em questão, o
genitor não conseguiu provar que não houve o abandono e por isso, configurou-se
na prática do abandono afetivo, conforme exposto a seguir:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS - PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO
DEMONSTRADO - ABANDONO AFETIVO DE MENOR - COMPROVAÇÃO
- VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONVÍVIO FAMILIAR - DANO MORAL -
OCORRÊNCIA.- Não demonstrado pela parte ré o impedimento, por parte
do perito judicial, da participação do assistente técnico na elaboração do
29
laudo pericial, bem como a ocorrência de prejuízo dela decorrente, não há
que se falar em cerceamento de defesa. 3- A falta da relação paterno-filial,
acarreta a violação de direitos próprios da personalidade humana,
maculando o princípio da dignidade da pessoa humana.- Mostra-se cabível
a indenização por danos morais decorrentes da violação dos direitos da
criança, decorrente do abandono afetivo. (TJMG - Apelação Cível
1.0024.14.323999-4/001, Relator (a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa
Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/08/2019, publicação da
sumula em 20/08/2019). (MINAS GERAIS, 2019)
Claro que há casos em que não é reconhecido o direito a indenização, onde
não foi provado que houve realmente o dano , ou seja, o abandono, conforme o
julgado a seguir:
Direito civil. Ação de indenização. Abandono afetivo pelo genitor. Nexo de
causalidade. Ausência. Dano moral. Não configurado. 1. A responsabilidade
civil extracontratual, decorrente da prática ato ilícito, depende da presença
de três pressupostos elementares: conduta culposa ou dolosa, dano e nexo
de causalidade. 2. Ausente o nexo de causalidade entre a conduta omissiva
do genitor e o abalo psíquico causado ao filho, não há que se falar em
indenização por danos morais, porque não restaram violados quaisquer
direitos da personalidade. 3. Ademais, não há falar em abandono afetivo,
pois que impossível se exigir indenização de quem nem sequer sabia que
era pai. 4. Recurso improvido. (tj-df -apc: 20090110466999 df
008980917.2009.8.07.0001, relator: Getúlio de Moraes oliveira data de
julgamento: 03/07/2013, 3ª turma cível, data de publicação: publicado no dje
: 16/07/2013 . Pág.: 100). (DISTRITO FEDERAL, 2013)
É necessário entender que há todo um processo a ser seguido para dar
andamento em uma ação indenizatória, não é apenas chegar e dizer que foi lesado,
que foi vítima de um dano, de um abandono, pois, para que haja uma compensação
indenizatória, deve ser provado o feito, ou seja, deve ser provado que o genitor
cometeu um ato ilícito e com o seu delito, houve uma ofensa ao seu filho.
Existem fases que devem acontecer para o prosseguimento de um processo
judicial. Inicia-se na petição inicial, onde o filho ofendido comunica a justiça que foi
abandonado pelo seu pai e por isso merece ser indenizado, logo após vem a
citação.
A próxima fase é a de audiência de conciliação, seguida da contestação caso
não façam nenhum acordo na conciliação. Na próxima fase, há a impugnação à
contestação ou réplica, e finalmente após essa fases, há a fase probatória, onde
cada parte deve apresentar as provas, seja de que houve o abandono ou de que
não houve.
30
A fase probatória é muito importante para o processo, tendo em vista que, ela
é uma fase decisiva, pois, o resultado das provas influenciam de maneira muito
significativa para decisão do final do processo.
Uma prova mal elaborada pode levar a perda do processo, e isso pode
ocasionar um grande prejuízo quando a parte perdedora deveria ganhar, porém,
não conseguiu provas suficientes e condizentes para o convencimento do
magistrado a respeito de seu direito.
Após a parte da fase probatória, vem a sentença seguida dos possíveis
recursos apresentados pelas partes. Deixando claro que, a indenização é devida
desde que, através de fatos, atos e motivos, seja demonstrado o dano, ou seja, de
procedência comprobatória. Não há o que se falar em indenização caso não seja
comprovado o sofrimento causado pelo abandono afetivo.
31
Conclusão
Neste presente trabalho foi abordado sobre a perspectiva jurídica e
processual de responsabilização dos genitores por abandono afetivo dos filhos. Foi
feita uma análise diante da visão civil, processual e constitucional, tendo como base
o direito de família, a responsabilidade civil, estatuto da criança e do adolescente e a
dignidade da pessoa humana.
É de se entender que o ser humano costuma ser ligado uns aos outros
através dos laços de afetividade, e já que o afeto é algo tão indispensável para a
dignidade humana acabou sendo acrescentado ao rol dos direitos de personalidade,
tornando-se amparado pela Constituição.
A partir do momento que o afeto desaparece da relação, aqueles que se
encontram presentes na relação familiar começam a perder suas raízes, suas
referências, isso pode vir a ocasionar problemas que afetam a vida pessoal,
profissional e social do indivíduo.
Sendo a família uma instituição tão importante para proteção e
desenvolvimento do indivíduo, a ausência do afeto, que faz a ligação dos laços entre
seus membros, pode fazer com que fatores de alto grau de subjetividade, como
mágoa, tristeza, desafeto, venham influenciar de maneira negativa a personalidade
do indivíduo.
Sabe-se que o direito familiar se encontra resguardado na Constituição
Federal em seu artigo 226, e que o Código Civil dispõe aos pais suas
responsabilidades, expressas no art. 1.634, a possibilidade de responsabilização
civil deve-se a partir do momento que não são assumidos os encargos da
paternidade e maternidade. Ou seja, é preciso que os elementos que são
indispensáveis às relações familiares sejam efetivamente violados, configurando
assim, o abandono.
Como já analisado neste trabalho, o STJ, através do Recurso Especial Nº
1.159.242, entendeu que as obrigações familiares vão muito além das necessidades
básicas de um filho, onde deve-se entender que amar é faculdade, mas, cuidar é
dever (STJ, 2009), e por ser um dever, surge a possibilidade de reparação aos
danos físicos e psicológicos causado ao filho, devido ao abandono por ele sofrido.
Percebe-se que, a conduta danosa ocorre pela omissão do genitor, onde a
partir da concepção de um filho, vem a responsabilidade dos pais em dar provimento
32
material e afetivamente, sendo inerentes ao poder familiar, devendo cumprir os
deveres de assistência, cuidado, educação, criação, englobados por uma obrigação
de cunho legal, prevista, principal e expressamente, no art. 227 da Constituição.
Os danos morais advindos do abandono afetivo tem o intuito de reparar os
danos causados, desde que comprovados, e também, de cessar a prática lesiva
causada pelo ofensor, ou seja, o dano moral deve condizer com a realidade e não
deve ser comparada a uma vingança, devendo ser analisada de acordo com o caso
concreto, de modo que, haja a compensação pelo dano sofrido por causa do
ofensor.
Diante dessas palavras, pode se perceber que o objetivo da indenização não
é o enriquecimento ilícito de ninguém, ou até mesmo o empobrecimento, mas sim,
que perante as provas apresentadas, possam de maneira a não prejudicar as partes,
mas apenas, vir a reparar o dano sofrido.
Por óbvio, pode se concluir que essa responsabilização não é uma
obrigação em possuir um sentimento de amor pelo filho; significa apenas uma forma
de conscientizar sobre a responsabilidade que os genitores possuem na vida do
filho, e é essa responsabilidade que irá de fato, gerar a perspectiva de direito deste.
Além disso, ressalta-se que somente ocorre a indenização quando, seguido
as fases processuais, consegue-se comprovar que de fato ocorreu todo o dano que
é alegado pelo filho, pois, conforme já mencionado, não basta apenas dizer que
sofreu, mas sim, comprovar que esse sofrimento foi decorrente do abandono afetivo.
33
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código civil de 2002- Lei n° 10.406/02. Vade Mecum, Saraiva, 19ª edição,
São Paulo, Saraiva Educação, 2018.
BRASIL. Código civil de 1916- Lei n° 3.071/16. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm. Acesso em: 10 de mar. de
2022 .
BRASIL. Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988. Vade Mecum,
Saraiva, 19ª edição, São Paulo, Saraiva Educação, 2018.
BRASIL. Estatuto da criança e do Adolescente- Lei n° 8.069/90. Vade Mecum,
Saraiva, 19ª edição, São Paulo, Saraiva Educação, 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2009⁄ 1.159.242- SP.
Recorrente: Antônio Carlos Jamas dos Santos. Recorrido: Luciane Nunes de Oliveira
Souza. Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/acordao-abandono-afetivo.pdf.
https://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20120510-02.pdf. Acesso em: 10 de
mar. de 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1493125/SP, Rel.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em
23/02/2016, DJe 01/03/2016. Disponível em:
https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp. Acesso em: 10 de mar.de 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1087561/RS. Relator:
Min. Raul Araújo, 4a Turma, DJe 18/08/2017. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/490422303/recurso-especial-resp-1087561-
rs-2008-0201328-0/inteiro-teor-490422312. Acesso em: 10 de mar. de 2022.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Recurso de
Apelação Cível n° 1.0024.14.323999-4/001. Relator (a): Des.(a) Evandro Lopes da
Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/08/2019, publicação da
sumula em 20/08/2019. Disponível em: https://tj-
mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/746203166/apelacao-civel-ac-
10024143239994001-mg/inteiro-teor-746203458. Acesso em: 10 de mar. de 2022.
CORBELLINI, Letícia da Rocha. O “quantum” indenizatório do dano moral.
Trabalho de Conclusão de curso. Unicruz, 2012.
DA CUNHA PEREIRA, Rodrigo. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito
de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. Pgs. 128/129.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed., São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Volume
5. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
34
Documentos Jurídicos. Declaração universal dos direitos do homem, 1978.
Resolução da III Sessão Ordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas,
aprovada em Paris, no Dia 10 de Dezembro de 1978. Disponível em:
http://www.ghente.org/doc_juridicos/decldirhumanos.htm. Acesso em: 10 de mar. de
2022.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil. V. 3:
responsabilidade civil. 16ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 6. Direito de
Família. 12ª edição. São Paulo. Saraiva. 2015.
GONÇALVES, CARLOS ROBERTO. Direito Civil, 1: esquematizado: parte geral:
Obrigações e Contratos/ Carlos Roberto Gonçalves; coordenador Pedro Lenza.- 5.
Ed.- São Paulo: Saraiva, 2015.
GROENINGA, Giselle Câmara. Direito Civil. Volume 7. Direito de Família.
Orientação: Giselda M. F Novaes Hironaka. Coordenação: Aguida Arruda Barbosa e
Cláudia Stein Vieira. São Paulo: RT, 2008, p. 28.
HOPPE, Anatane Pito. Das possibilidades jurídicas do reconhecimento da
maternidade socioafetiva. Trabalho de Conclusão de Curso. Unicruz, 2014.
MADALENO, Rolf. Direito de Família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas. Novas Modalidades de Família na Pós-
Modernidade. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: Uma análise psicanalítica. 4ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2012.
PEREIRA, Tânia da Silva. Abrigo e alternativas de acolhimento familiar, in:
PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O cuidado como valor
jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 309.
SANTOS, Jeová. Dano moral. São Paulo: Saraiva, 2015.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil
– v. 2 / Flávio Tartuce. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
TARTUCE, Flávio. Abandono afetivo. STJ não julga o mérito para uniformização de
jurisprudência. Disponível em:
http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2014/04/abandono-afetivo-stj-nao-
julgado-o.html. Acesso em 10 de mar. de 2022.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Apostila curso-casais-pronta-pdf-free
Apostila curso-casais-pronta-pdf-freeApostila curso-casais-pronta-pdf-free
Apostila curso-casais-pronta-pdf-freeJooAlbertoSoaresdaSi
 
Prova conselho tutelar panorama questões sobre o eca - copia
Prova conselho tutelar panorama   questões sobre o eca - copiaProva conselho tutelar panorama   questões sobre o eca - copia
Prova conselho tutelar panorama questões sobre o eca - copiaacadalanceumflash
 
Eca estatuto da criança
Eca estatuto da criançaEca estatuto da criança
Eca estatuto da criançaÉrica Alegre
 
Apostila_de_Treinamento_DEP_INFANTIL.pdf
Apostila_de_Treinamento_DEP_INFANTIL.pdfApostila_de_Treinamento_DEP_INFANTIL.pdf
Apostila_de_Treinamento_DEP_INFANTIL.pdfalexandrazgoncalves
 
Manual de adocao
Manual de adocaoManual de adocao
Manual de adocaoAngel Rosa
 
Aprendei de mim primarios e menores (1)
Aprendei de mim primarios e menores (1)Aprendei de mim primarios e menores (1)
Aprendei de mim primarios e menores (1)Marilene Rangel Rangel
 
Sacramento do matrimônio
Sacramento do matrimônioSacramento do matrimônio
Sacramento do matrimôniofamiliaregsul4
 
Promovendo o DESENVOLVIMENTO da PRIMEIRA INFÂNCIA - síntese de evidências par...
Promovendo o DESENVOLVIMENTO da PRIMEIRA INFÂNCIA - síntese de evidências par...Promovendo o DESENVOLVIMENTO da PRIMEIRA INFÂNCIA - síntese de evidências par...
Promovendo o DESENVOLVIMENTO da PRIMEIRA INFÂNCIA - síntese de evidências par...Prof. Marcus Renato de Carvalho
 
Projeto Ebd Ibnjs
Projeto Ebd IbnjsProjeto Ebd Ibnjs
Projeto Ebd IbnjsFilipe
 
Apresentação Análise do Software Coelho Sabido
Apresentação Análise do Software Coelho Sabido Apresentação Análise do Software Coelho Sabido
Apresentação Análise do Software Coelho Sabido Alice Silva
 
Jovens estudo 5 - Namoro e Casamento
Jovens estudo 5 - Namoro e CasamentoJovens estudo 5 - Namoro e Casamento
Jovens estudo 5 - Namoro e Casamentouriank
 

Mais procurados (20)

Apostila curso-casais-pronta-pdf-free
Apostila curso-casais-pronta-pdf-freeApostila curso-casais-pronta-pdf-free
Apostila curso-casais-pronta-pdf-free
 
Prova conselho tutelar panorama questões sobre o eca - copia
Prova conselho tutelar panorama   questões sobre o eca - copiaProva conselho tutelar panorama   questões sobre o eca - copia
Prova conselho tutelar panorama questões sobre o eca - copia
 
Eca estatuto da criança
Eca estatuto da criançaEca estatuto da criança
Eca estatuto da criança
 
Educaçao sexual
Educaçao sexualEducaçao sexual
Educaçao sexual
 
Apostila_de_Treinamento_DEP_INFANTIL.pdf
Apostila_de_Treinamento_DEP_INFANTIL.pdfApostila_de_Treinamento_DEP_INFANTIL.pdf
Apostila_de_Treinamento_DEP_INFANTIL.pdf
 
Afetividade e sexualidade
Afetividade e sexualidadeAfetividade e sexualidade
Afetividade e sexualidade
 
Movimento lgbt
Movimento lgbtMovimento lgbt
Movimento lgbt
 
Gideão e os Trezentos - Eliã Oliveira
Gideão e os Trezentos - Eliã OliveiraGideão e os Trezentos - Eliã Oliveira
Gideão e os Trezentos - Eliã Oliveira
 
Manual de adocao
Manual de adocaoManual de adocao
Manual de adocao
 
Aprendei de mim primarios e menores (1)
Aprendei de mim primarios e menores (1)Aprendei de mim primarios e menores (1)
Aprendei de mim primarios e menores (1)
 
A casa que Deus quer
A casa que Deus querA casa que Deus quer
A casa que Deus quer
 
Sacramento do matrimônio
Sacramento do matrimônioSacramento do matrimônio
Sacramento do matrimônio
 
Culto infantil 2012
Culto infantil 2012Culto infantil 2012
Culto infantil 2012
 
Promovendo o DESENVOLVIMENTO da PRIMEIRA INFÂNCIA - síntese de evidências par...
Promovendo o DESENVOLVIMENTO da PRIMEIRA INFÂNCIA - síntese de evidências par...Promovendo o DESENVOLVIMENTO da PRIMEIRA INFÂNCIA - síntese de evidências par...
Promovendo o DESENVOLVIMENTO da PRIMEIRA INFÂNCIA - síntese de evidências par...
 
Eca
EcaEca
Eca
 
Aula sobre o eca
Aula sobre o ecaAula sobre o eca
Aula sobre o eca
 
Projeto Ebd Ibnjs
Projeto Ebd IbnjsProjeto Ebd Ibnjs
Projeto Ebd Ibnjs
 
Apresentação Análise do Software Coelho Sabido
Apresentação Análise do Software Coelho Sabido Apresentação Análise do Software Coelho Sabido
Apresentação Análise do Software Coelho Sabido
 
Ética cristã e a sexualidade
Ética cristã e a sexualidadeÉtica cristã e a sexualidade
Ética cristã e a sexualidade
 
Jovens estudo 5 - Namoro e Casamento
Jovens estudo 5 - Namoro e CasamentoJovens estudo 5 - Namoro e Casamento
Jovens estudo 5 - Namoro e Casamento
 

Semelhante a Abandono afetivo: perspectivas jurídica e processual

Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentícia
Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentíciaAlienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentícia
Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentíciaVALAPAROD
 
Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentícia
Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentíciaAlienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentícia
Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentíciaVALAPAROD
 
Adoção por casais homoafetivo1
Adoção por casais homoafetivo1Adoção por casais homoafetivo1
Adoção por casais homoafetivo1Benicio Cruz
 
Práticas de pais sociais sperancetta e moré
Práticas de pais sociais   sperancetta e moréPráticas de pais sociais   sperancetta e moré
Práticas de pais sociais sperancetta e morétransformacaosocial
 
Cartilha cuidado idoso
Cartilha cuidado idosoCartilha cuidado idoso
Cartilha cuidado idosoViviane Campos
 
Proteção Social X Desproteção Familiar: O Papel da Família da Sociedade e do ...
Proteção Social X Desproteção Familiar: O Papel da Família da Sociedade e do ...Proteção Social X Desproteção Familiar: O Papel da Família da Sociedade e do ...
Proteção Social X Desproteção Familiar: O Papel da Família da Sociedade e do ...Eleni Cotinguiba
 
A PATERNIDADE no BRASIL - relatório de situação: ProMundo
A PATERNIDADE no BRASIL - relatório de situação: ProMundoA PATERNIDADE no BRASIL - relatório de situação: ProMundo
A PATERNIDADE no BRASIL - relatório de situação: ProMundoProf. Marcus Renato de Carvalho
 
Faceli - Direito - 2° Período - Curso de Psicologia Jurídica - 10
Faceli - Direito - 2° Período - Curso de Psicologia Jurídica - 10Faceli - Direito - 2° Período - Curso de Psicologia Jurídica - 10
Faceli - Direito - 2° Período - Curso de Psicologia Jurídica - 10Jordano Santos Cerqueira
 
Direito educacional uma discussão teórica
Direito educacional  uma discussão teóricaDireito educacional  uma discussão teórica
Direito educacional uma discussão teóricaSoraia Lima
 
Estatuto da Criança e do Adolescente completa 22 Anos
Estatuto da Criança e do Adolescente completa 22 AnosEstatuto da Criança e do Adolescente completa 22 Anos
Estatuto da Criança e do Adolescente completa 22 Anosctpocoes
 
Adoção aspectos gerais no brasil
Adoção aspectos gerais no brasil Adoção aspectos gerais no brasil
Adoção aspectos gerais no brasil MatheusFagundes20
 
#8 paulo ulrich agosto 2014
#8 paulo ulrich   agosto 2014#8 paulo ulrich   agosto 2014
#8 paulo ulrich agosto 2014Paulo Ulrich
 
Trabalho paginado tcc
Trabalho paginado tccTrabalho paginado tcc
Trabalho paginado tccsullper
 
alienacao_parental_e_familia_contemporanea_vol2.pdf
alienacao_parental_e_familia_contemporanea_vol2.pdfalienacao_parental_e_familia_contemporanea_vol2.pdf
alienacao_parental_e_familia_contemporanea_vol2.pdfanacarolina857728
 
Grupo 2 ligia fagundes - situação de prendizagem 1
Grupo 2  ligia fagundes - situação de prendizagem 1Grupo 2  ligia fagundes - situação de prendizagem 1
Grupo 2 ligia fagundes - situação de prendizagem 1simoneciailimitada
 

Semelhante a Abandono afetivo: perspectivas jurídica e processual (20)

Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentícia
Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentíciaAlienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentícia
Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentícia
 
1470 5521-1-pb
1470 5521-1-pb1470 5521-1-pb
1470 5521-1-pb
 
A adopção
A adopçãoA adopção
A adopção
 
Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentícia
Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentíciaAlienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentícia
Alienação parental em decorrência do inadimplemento de pensão alimentícia
 
Guarda compartilhada
Guarda compartilhadaGuarda compartilhada
Guarda compartilhada
 
Alienação Parental
Alienação ParentalAlienação Parental
Alienação Parental
 
Adoção por casais homoafetivo1
Adoção por casais homoafetivo1Adoção por casais homoafetivo1
Adoção por casais homoafetivo1
 
Práticas de pais sociais sperancetta e moré
Práticas de pais sociais   sperancetta e moréPráticas de pais sociais   sperancetta e moré
Práticas de pais sociais sperancetta e moré
 
Cartilha cuidado idoso
Cartilha cuidado idosoCartilha cuidado idoso
Cartilha cuidado idoso
 
Proteção Social X Desproteção Familiar: O Papel da Família da Sociedade e do ...
Proteção Social X Desproteção Familiar: O Papel da Família da Sociedade e do ...Proteção Social X Desproteção Familiar: O Papel da Família da Sociedade e do ...
Proteção Social X Desproteção Familiar: O Papel da Família da Sociedade e do ...
 
A PATERNIDADE no BRASIL - relatório de situação: ProMundo
A PATERNIDADE no BRASIL - relatório de situação: ProMundoA PATERNIDADE no BRASIL - relatório de situação: ProMundo
A PATERNIDADE no BRASIL - relatório de situação: ProMundo
 
Faceli - Direito - 2° Período - Curso de Psicologia Jurídica - 10
Faceli - Direito - 2° Período - Curso de Psicologia Jurídica - 10Faceli - Direito - 2° Período - Curso de Psicologia Jurídica - 10
Faceli - Direito - 2° Período - Curso de Psicologia Jurídica - 10
 
Adoção homoafetiva
Adoção homoafetivaAdoção homoafetiva
Adoção homoafetiva
 
Direito educacional uma discussão teórica
Direito educacional  uma discussão teóricaDireito educacional  uma discussão teórica
Direito educacional uma discussão teórica
 
Estatuto da Criança e do Adolescente completa 22 Anos
Estatuto da Criança e do Adolescente completa 22 AnosEstatuto da Criança e do Adolescente completa 22 Anos
Estatuto da Criança e do Adolescente completa 22 Anos
 
Adoção aspectos gerais no brasil
Adoção aspectos gerais no brasil Adoção aspectos gerais no brasil
Adoção aspectos gerais no brasil
 
#8 paulo ulrich agosto 2014
#8 paulo ulrich   agosto 2014#8 paulo ulrich   agosto 2014
#8 paulo ulrich agosto 2014
 
Trabalho paginado tcc
Trabalho paginado tccTrabalho paginado tcc
Trabalho paginado tcc
 
alienacao_parental_e_familia_contemporanea_vol2.pdf
alienacao_parental_e_familia_contemporanea_vol2.pdfalienacao_parental_e_familia_contemporanea_vol2.pdf
alienacao_parental_e_familia_contemporanea_vol2.pdf
 
Grupo 2 ligia fagundes - situação de prendizagem 1
Grupo 2  ligia fagundes - situação de prendizagem 1Grupo 2  ligia fagundes - situação de prendizagem 1
Grupo 2 ligia fagundes - situação de prendizagem 1
 

Abandono afetivo: perspectivas jurídica e processual

  • 1. 1 FACULDADE ÚNICA DARC VIANEY CORDEIRO MOURA GASPARINO ABANDONO AFETIVO: A PERSPECTIVA JURÍDICA E PROCESSUAL APLICÁVEL AOS FILHOS JUATUBA – MINAS GERAIS 2022
  • 2. 2 FACULDADE ÚNICA DARC VIANEY CORDEIRO MOURA GASPARINO ABANDONO AFETIVO: A PERSPECTIVA JURÍDICA E PROCESSUAL APLICÁVEL AOS FILHOS Monografia apresentada à Faculdade Única, como parte das exigências para a obtenção do título de pós- graduação. JUATUBA – MINAS GERAIS 2022
  • 3. 3 Dedico este trabalho... A Jeová Jiré, o grande provedor da minha vida, o Senhor dos senhores, o Deus fiel que me mantém de pé diante de todas as dificuldades. A Geovane Gasparino Ferreira (in memoriam), que foi um grande incentivador aos meus estudos, que nunca permitiu que eu desistisse e esteve ao meu lado enquanto pode. Aos meus pais, Sebastião e Maria Aparecida, por serem os melhores pais e amigos que alguém poderia ter, me sinto muito honrada por ser filha de vocês.
  • 4. 4 “Que todo o meu ser louve ao Senhor, e que eu não esqueça nenhuma das suas bênçãos!” (SALMOS 103:2)
  • 5. 5 ABANDONO AFETIVO: A PERSPECTIVA JURÍDICA E PROCESSUAL APLICÁVEL AOS FILHOS Darc Vianey Cordeiro Moura Gasparino RESUMO Esse trabalho teve como objeto a análise da perspectiva jurídica e processual, em que os filhos buscam no ordenamento jurídico, o auxílio do Estado para comprovação de dano decorrente de abandono afetivo, diante de fatos e motivos, que ocasionaram transtornos que feriram a sua moral como filho, como ser humano e até mesmo como uma pessoa de direitos. Existe uma perspectiva de direito que traz a garantia de ser cuidado em um ambiente em que seu crescimento e desenvolvimento seja exercido de maneira segura e dotada de responsabilidades, com uma boa educação, onde nada possa interferir na sua formação de personalidade. Também existe uma perspectiva de fato, em que a ausência do afeto fere direitos fundamentais e fica comprovado o dano causado. E a perspectiva processual, que trata dos requisitos necessários de um processo. O método utilizado nesse trabalho, foi o de referencial bibliográfico, com estudo de pesquisas já relacionadas ao tema proposto, jurisprudências, doutrinas e legislação vigente. Há um certa divisão entre a doutrina e a jurisprudência sobre o direito ou não a indenização pelo abandono afetivo, questionando-se sobre a proporcionalidade em que o dano por falta de afeto pode prejudicar a vida de um indivíduo. Por fim, é possível concluir que, o abandono afetivo é uma omissão por parte daquele que deveria cuidar, dar educação, porém, ninguém é obrigado a amar alguém, nem mesmo um filho, mas a cuidar sim, e a falta desse cuidado, pode ocasionar responsabilizações processuais a quem causou o abandono. Palavras-chave: Abandono. Indenização. Perspectiva. Processo. Responsabilidade.
  • 6. 6 SUMÁRIO Introdução................................................................................................................07 1 A PERSPECTIVA JURÍDICA.................................................................................09 1.1 O Poder Familiar...................................................................................12 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA.......16 2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.......................................16 2.2 Princípio Da Paternidade/Maternidade Responsável .......................16 2.3 Princípio Da Igualdade Entre Os Filhos ............................................17 2.4 Princípio Do Melhor Interesse Da Criança ........................................18 2.5 Princípio Da Afetividade E O Abandono Afetivo...............................18 3 RESPONSABILIZAÇÃO DOS GENITORES E POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO...........................................................................................................22 Conclusão................................................................................................................31 REFERÊNCIAS ........................................................................................................33
  • 7. 7 Introdução O Direito de família vem se adaptando às mudanças que ocorrem no comportamento da sociedade, as relações familiares estão mais evidentes e respeitadas no ordenamento jurídico brasileiro. Nos últimos anos, o conceito de poder familiar vem sofrendo modificações e é visto hoje, como uma proteção e não somente um status utilizado para denominar família, pois, foram surgindo cada vez mais, a obrigação de ambos os pais para com os filhos, podendo ocorrer à perda desse poder familiar caso sejam descumpridas essas obrigações. As relações familiares são identificadas pelo vínculo de afetividade entre seus membros, os pais têm o dever de educar, assistir, cuidar, participar do desenvolvimento e dar condições necessárias para que seus filhos possam ser criados em um ambiente saudável com amor e carinho. O abandono afetivo se tornou um assunto que vem ganhando grande repercussão e relevância, pois, pode trazer aos filhos sérios prejuízos para sua vida, que podem até gerar transtornos psicológicos ocasionados pelo abandono. Há um debate no sentido de que o amor não se compra, nem o afeto, nem mesmo o carinho, por isso, surgem às questões: É cabível a indenização àqueles que se sentem desamparados emocionalmente pelos seus parentes? Caberia a indenização por não ter tido a presença de quem se ama? O que ocorre, quando o vínculo afetivo paterno-filial é cortado precocemente ou este vínculo não é nem mesmo estabelecido? O abandono afetivo se tornou um tema relevante e tem recebido muitas críticas quanto aos direitos que estão sendo violados, e ainda se tornou um tema de análise da atualidade que está sendo vivenciada pela atual sociedade. Independentemente da idade, as pessoas sentem a necessidade de ter apoio, afeto, e carinho de seus familiares, é de se entender que o afeto é um sentimento, e ninguém é obrigado a sentir algo por alguém. Por isso, busca-se entender qual seria a perspectiva do abandono afetivo, levando-se em consideração esse sentimento que ninguém é obrigado a dar. A significância deste tema está justamente na sua perspectiva, ou seja, os filhos buscam no ordenamento jurídico, o auxílio do estado, para que este, diante de fatos e motivos, venha agir em defesa desse filho que foi abandonado pelos pais, tendo adquirido transtornos por esse motivo. Existe assim, uma perspectiva de
  • 8. 8 direito quando os filhos desejam ter dos seus pais o que lhes é assegurado pela constituição federal de 1988 no seu art. 227 e no estatuto da criança e do adolescente, em seu art. 22. Também, existe uma perspectiva de fato quando comprovado o dano causado, gerando assim, o direito dos filhos. E por fim, existe uma perspectiva processual, quando se preenche todos os requisitos necessários para o processo. O objetivo principal desse trabalho foi mostrar a perspectiva jurídica e processual em que o abandono afetivo tem alcançado nos últimos anos, a sua aplicação, além do posicionamento dos juristas e doutrinadores, em relação à efetividade da prestação pecuniária indenizatória, àqueles que se sentem afetados pelo abandono emocional de seus genitores. Teve-se como objetivos específicos identificar os fatores que levam ao pedido de indenização por abandono afetivo, apontar as questões que influenciam no transtorno causado pelo abandono e levantar quais as medidas cabíveis para que o abandono se torne menos doloroso para quem o sofre, e as medidas que devem ser tomadas, para que haja a diminuição deste problema para a sociedade, bem como, os meios processuais cabíveis para possível indenização. A metodologia apresentada neste trabalho foi uma pesquisa didática de referencial bibliográfico, baseada no estudo de materiais já relacionadas ao tema proposto, por meio da leitura de artigos e monografias onde será feita a análise de pontos que auxiliarão no andamento deste, além disso, as doutrinas e as jurisprudências serão meios fundamentais para que seja elaborado um bom estudo desse tema, além de ter como norteamento a legislação vigente, absorvendo ao máximo todo entendimento dos estudiosos sobre o assunto, para que ao final deste, seja possível entender o que se propõe nesse trabalho.
  • 9. 9 1 A PERSPECTIVA JURÍDICA O abandono afetivo tem sido um tema muito abordado na atualidade, onde muitos juristas discutem sobre a eficácia ou não da indenização aos filhos, como meio de suprir uma falta, ou um vazio por parte dos pais. A significância deste tema está justamente na sua perspectiva, ou seja, os filhos buscam no ordenamento jurídico, o auxílio do estado, para que este, diante de fatos e motivos, venha agir em defesa desse filho que foi abandonado pelos pais, tendo adquirido transtornos por esse motivo. Pode se perceber que existe uma perspectiva de direito quando os filhos desejam ter dos seus pais o que lhes é assegurado pela constituição federal de 1988 no seu art. 227 e no estatuto da criança e do adolescente, em seu art. 22. Também, existe uma perspectiva de fato quando comprovado o dano causado, gerando assim, o direito dos filhos a uma reparação pelo dano que foi lhe causado: Art. 227, CF: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988) Art. 22, ECRIAD: Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. (BRASIL, 1990) O abandono afetivo se torna um tema muito antigo se for levado em consideração o código civil de 1916, que não continha nenhum dispositivo que assegurasse a todos os filhos um tratamento igualitário, como os filhos provenientes de um casamento em comparação àqueles fora do casamento, conhecidos como bastardos, esses não possuíam nenhum direito efetivo. Foi a partir da Constituição Federal de 1988, que ocorreu a mudança nessa concepção, quando no art. 227, § 6°, dispôs sobre a igualdade dos filhos. Mais tarde, em 2002, entrou-se em vigor o novo código civil, assegurando esses direitos no art. 1.596, os mesmos já adquiridos pela constituição.
  • 10. 10 Art. 227, § 6º CF: Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1988) Art. 1.596, CC: Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 2002) Acontece que há uma discussão sobre a subjetividade do afeto, ou seja, os pais têm o dever de cuidar dos filhos enquanto menores e dependentes, mas não há lei que obrigue esses pais a terem afeto, pois, é facultativa a demonstração de sentimentos pelos filhos. Os entendimentos se dividem entre o direito ou não à reparação pelo abandono afetivo, onde, é questionado o dever emocional e de cuidado dos filhos pelos pais e a não obrigação de amá-los. Dias (2015, p. 47), vem dizer o seguinte sobre o conceito de família: O conceito atual de família é centrado no afeto como elemento agregador, e exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho se passou a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos filhos com os pais não é um direito, é um dever. Não há direito de visitá- lo, há obrigação de conviver com ele. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida.” (DIAS, pág. 47, 2015) As discussões a respeito desse tema geraram muitas dúvidas levando em consideração a efetividade da reparação pelo abandono afetivo, buscando entender o real dano causado, como por exemplo, a ausência do exercício do poder familiar. Nos últimos anos o conceito de família teve grandes mudanças, onde ouve a passagem da família patriarcal para os diversos modelos de famílias dessa atualidade. Na família patriarcal, havia a preocupação em ter filhos, o casal que não tinham filhos era malvisto diante da sociedade, pois eram os filhos que davam continuidade na geração da família. Diniz (2015, p. 19) afirma que:
  • 11. 11 há relações familiares fora do matrimônio que podem ser pessoais, patrimoniais e assistenciais; que foram ignoradas pelo nosso Código Civil de 1916, que apenas indiretamente as regulava (arts. 248, IV, 1.177 e 1.719, III) com o escopo de fortalecer a família legítima. (DINIZ, 2015, p. 19) Não eram considerados como filhos aqueles que provenientes de relacionamentos extraconjugais, aqueles conhecidos como bastardos. Nos modelos de famílias atuais não existem separação entre os filhos, sejam os de pais casados ou advindos de fora de um casamento. Maluf (2010, p.10), vem falar sobre um conceito considerado retrógrado, este preceitua que: o esteio da família não se fincava na afetividade [...] Assim, dispõe-se que a gênese da família encontrava-se na autoridade parental e na marital, ungidas à forca suprema da crença religiosa, sendo, na concepção antiga, a sua formação mais uma associação religiosa do que uma formação natural. (MALUF, 2010, p. 10) Antigamente eram valorizados os filhos provenientes do casamento, sendo desprezados os filhos bastardos, e hoje, essa história ainda não mudou, pois, os filhos fora do casamento, por mais que se tenha apoio financeiro de seus genitores, como exemplo a pensão alimentícia, existem grandes indícios de filhos com transtornos gerados por essa ausência familiar. Independentemente da idade, as pessoas sentem a necessidade de ter apoio, afeto, e carinho daqueles com quem possuem laços de parentesco. Dias (2015, p. 132), vem dizer que, devido a emancipação feminina, houve um distanciamento entre o Estado e a Igreja, onde o ingresso da mulher no mercado de trabalho, fez com que ela fosse levada para fora do lar. Desde então, o homem deixou de ser o único provedor da família, bem como, começou-se a ser exigida a partição deste nas atividades domésticas. Além disso, esse afrouxamento de lações que havia entre Estado e Igreja, trouxe um profunda evolução social, surgindo assim, novas estruturas de convívio com terminologias que se adequem ao que as diferenciem. O conceito de poder familiar é visto hoje, como uma proteção e não somente um status utilizado para denominar família, pois, foram surgindo cada vez mais, a obrigação de ambos os pais para com os filhos, podendo ocorrer à perda desse poder familiar caso sejam descumpridas essas obrigações.
  • 12. 12 Gagliano; Filho (2017, p. 43) ao abordam o seguinte sobre o atual conceito de família: até́ mesmo por honestidade intelectual, a uma primeira e importante conclusão: não é possível apresentar um conceito único e absoluto de Família, apto a aprioristicamente delimitar a complexa e multifária gama de relações socioafetivas que vinculam as pessoas, tipificando modelos e estabelecendo categorias. Qualquer tentativa nesse sentido restaria infrutífera e desgarrada da nossa realidade. (GAGLIANO; FILHO. 2017, p.43) As relações familiares são identificadas pelo vínculo de afetividade entre seus membros, os pais têm o dever de educar, assistir, cuidar, participar do desenvolvimento e dar condições necessárias para que seus filhos possam ser criados em um ambiente saudável com amor e carinho. Gonçalves (2015, p. 28 e 29) se posicionou da seguinte forma sobre a nova concepção jurisdicional sobre filhos: Os filhos que não precediam de justas núpcias, mas de relações extramatrimoniais, eram classificados como ilegítimos e não tinham sua filiação assegurada pela lei, podendo ser naturais e espúrios. Os primeiros eram os que nasciam de homem e mulher entre os quais não haviam impedimento matrimonial. Os espúrios eram os nascidos de pais impedidos de se casar entre si em decorrência de parentesco, afinidade ou casamento anterior e se dividiam em adulterinos e incestuosos. Somente os filhos naturais podiam ser reconhecidos, embora apenas os legitimados pelo casamento dos pais, após sua concepção ou nascimento, fossem em tudo equiparados aos legítimos (art. 352). (GONÇALVES, 2015, p. 28 e 29) Se antes os filhos bastardos ou advindos de divórcio dos genitores eram excluídos do seio familiar, hoje a obrigação dos genitores é mútua e solidária. Art. 22, ECRIAD: Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) (BRASIL, 1990) O dever de cuidado dos pais é um exercido de ambos, para que ocorra o necessário para o bem-estar dos filhos, garantindo boa educação, estudos, alimentação, cuidados com a saúde, momentos de laser. 1.1 O Poder Familiar
  • 13. 13 Inicialmente o poder familiar era conhecido como pátrio poder, como o nome mesmo já diz, pátrio significa que o poder advinha do pai, o cabeça da família, onde regia muitas regras que deveriam ser cumpridas pelos outros membros da família, pois o pai era o senhor das decisões. A única família que era reconhecida era a proveniente de um casamento. E não se falava em compartilhar o dever sobre os filhos, pois, quem exercia era somente o pai, os membros da família eram de propriedade do pai, este detinha o poder absoluto sobre os bens e as pessoas, além disso, apenas o pai possuía capacidade de direito. Somente em 1962 a mãe, teve a oportunidade de começar a participar do pátrio poder unicamente como colaboradora. Sobre isso o código civil revogado dizia o seguinte nos art. 233 e 240: Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal. Compete-lhe: I. A representação legal da família. II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial (arts. 178, § 9º, nº I, c, 274, 289, nº I, e 311). III. direito de fixar e mudar o domicílio da família (arts. 46 e 233, nº IV). IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do teto conjugal (arts. 231, nº II, 242, nº VII, 243 a 245, nº II, e 247, nº III). V. Prover à manutenção da família, guardada a disposição do art. 277. Art. 240. A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família. (BRASIL, 1916) Atualmente, é necessário fazer uma interpretação mais ampla a respeito do art. 226 da Constituição Federal de 1988, nesse sentido, Pereira (2012, p. 7), dispõe que: apesar de certa timidez no texto quando se diz entidade familiar em vez de família, podemos marcar aí uma evolução. É compreensível que a elaboração de um texto legislativo seja eivada de forças políticas diversas. Mas talvez seja mesmo na diversidade que esteja a democracia. Apesar de alguns resisti- rem ainda em não entender o atual Texto constitucional, ele é a tradução da família atual, que não é mais singular, mas cada vez mais plural. E nele estão contidas todas as novas estruturas parentais e conjugais. (PEREIRA, 2012, p. 7)
  • 14. 14 A constituição brasileira de 1988 e o código civil de 2002 vieram mudar toda essa concepção que prevalecia até então, e começou a favorecer os filhos, sejam advindos do casamento ou não. Art. 227, § 6º CF: Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1988) Art. 1.596 CC: Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 2002) No ano de 1847, as sucessões só eram admitidas para filhos reconhecidos por escritura pública ou testamentos, e somente 1890 começaram-se a autorização de investigação de paternidade em alguns casos. O Código Civil de 1916, artigo 358 estabelecia: "os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos". O próprio código que era vigente descriminava os filhos advindos de fora do casamento, sendo esses desamparados por genitores e pela lei. Era claramente demonstrado que o erro dos pais deveria recair sobre os filhos, sendo estes frutos de uniões condenadas, por causa do ato incestuoso e adulterino de seus pais. E esses filhos eram tratados como marginais, perdendo a dignidade como pessoa. Mas acontece que mesmo com o amparo da Constituição, do código civil e da ECRIAD, ainda existem muitos filhos que são tratados como bastardos, sendo desamparados pelos genitores e até mesmo pela sociedade. O poder familiar traz aos genitores o dever de cuidado dos filhos menores, com finalidade protetiva, equiparando os filhos legítimos, sendo esses biológicos ou não. Esse poder familiar surge quando nasce um filho, criando assim um direito personalíssimo, devendo estes, criar, educar, proteger, prover, e cuidar desse filho. Não é porque o filho é advindo de fora do casamento que ele deve ser rejeitado pelos genitores, pois ali se encontra um ser humano, que tem sentimentos e capacidades, e que precisa de cuidados como qualquer outro filho. Deve ser aplicado o Princípio da Dignidade Humana, pois, todo filho é digno de
  • 15. 15 reconhecimento de paternidade e maternidade, de ter apoio, de ter carinho, de ter suporte financeiro, de ter presença. O filho que antes era conhecido como “bastardo”, é tanto filho como qualquer outro, e com o código civil de 2002, foram eliminadas as expressões: “bastardos”, “espúrios” e “adulterinos”. Hoje não há diferença na nomenclatura dos filhos, devendo todos serem referenciados como legítimos, sendo eles filhos biológicos ou não.
  • 16. 16 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA O princípio na linguagem jurídica tem uma definição de fonte do direito e é muito importante para ordenamento jurídico brasileiro, pois sua força alcança toda amplitude jurídica. Os princípios constitucionais, ou seja, presentes na constituição, e que protegem o direito de família, sendo objetos ligados ao assunto de abandono afetivo são os seguintes: a dignidade da pessoa humana, a paternidade responsável, a igualdade entre os filhos, o melhor interesse da criança e o que está mais ligado ao tema, princípio da afetividade. 2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Esse princípio possui dois aspectos, o primeiro em que ele age como um direito individual de proteção e o segundo como um dever de tratamento entre os indivíduos. A dignidade é um direito inestimável e indisponível, pois não possui preço e não há a possibilidade de ser objeto de troca. Conforme a Declaração dos direitos do homem e do cidadão, proclamada pela Organização das Nações Unidas de 1948 em seu art. 1°: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos” É considerado o maior e mais importante dos princípios ligados a pessoa humana, onde não existe a possibilidade de se pensar nos direitos de alguém sem se pensar na dignidade. Dessa forma, sendo a família a base da sociedade, a dignidade se torna um instrumento indispensável para o desenvolvimento de um indivíduo, pois é na família que esse indivíduo encontra afeto e cuidado. 2.2 Princípio Da Paternidade/Maternidade Responsável Esse princípio surge no planejamento familiar, onde acontece o nascimento da criança. Mas esse princípio não finaliza com o nascimento do filho em si, pois, esse princípio não tem fim aplicável à paternidade, ou seja, mesmo que o filho venha a óbito, a paternidade sempre existirá.
  • 17. 17 A paternidade/maternidade responsável é aquela em que há a conscientização da importância da família, dos filhos, onde são cumpridas todas as obrigações paternas/maternas. Para Dias (2015, p. 532), ao tratar sobre a convivência, afirma que o direito de convivência não é assegurado somente ao pai ou à mãe, é direito do próprio filho de com eles conviver, o que reforça os vínculos paterno e materno-filial. É direito da criança manter contato com o genitor com o qual não convive cotidianamente, havendo o dever do pai de concretizar esse direito. [...] O interesse a ser resguardado, prioritariamente, é o do filho, e objetiva atenuar a perda da convivência diuturna na relação parental. (DIAS, 2015, p. 532) Não significa que o os pais apenas deem condições de sobrevivência, mas também respeite os filhos em sua dignidade. No art. 21 do ECRIAD, é expresso o entendimento sobre a igualdade de condições entre os pais. Esse princípio tem garantia expressa no art. 226, § 7º da Constituição Federal: Art. 226 CF A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (BRASIL, 1988) A importância deste princípio está no fato de que a paternidade ou maternidade, é questão de consciência e de respeito aos filhos, de disposição afetiva, espiritual, material, pois, o exercício inadequado de suas funções, como desprezo, falta de afeto, acarretam vários problemas para os filhos, problemas estes que, podem trazer transtornos por muitos anos. 2.3 Princípio Da Igualdade Entre Os Filhos Dispõe no art. 227, § 6º da CF que, “os filhos advindos ou não de um relacionamento de casamento terão os mesmos direitos e qualificações daqueles que são, pois não se pode fazer distinção entre o filho matrimonial e não matrimonial, adotivo ou socioafetivo.”
  • 18. 18 A igualdade entre os filhos possui o significado formal em que é vedado termos que diminuam os valores do filho, como legítimo, natural ou bastardo; e o significado material em que não pode haver distinção, diferença ou falta de proteção em desfavor de nenhum filho, isso porque, todos os filhos são iguais independente da origem. 2.4 Princípio Do Melhor Interesse Da Criança Esse princípio tem a finalidade de proteger o menor, buscando o melhor interesse e preservando a sua dignidade, para que não venha a ser atingido por males e omissões, sejam, afetivas ou materiais. Segundo Rodrigo da Cunha Pereira (2005. Págs. 128/129): “O entendimento sobre seu conteúdo pode sofrer variações culturais, sociais e axiológicas. É por esta razão que a definição de mérito só pode ser feita no caso concreto, ou seja, naquela situação real, com determinados contornos predefinidos, o que é o melhor para o menor.(…) Para a aplicação do princípio que atenda verdadeiramente ao interesse dos menores, é necessário em cada caso fazer uma distinção entre moral e ética.” (DA CUNHA PEREIRA, 2005, p. 128/129)) O menor é vulnerável e frágil, está em processo de crescimento e amadurecimento, e é nesse momento que são formados os seus valores e personalidade, sendo essa uma fase em que esse menor depende do apoio de seus genitores. 2.5 Princípio Da Afetividade E O Abandono Afetivo Esse é um princípio que está diretamente ligado ao direito de personalidade de um indivíduo. Devido as grandes transformações na família, o afeto vem se tornando muito importante. A afetividade é algo específico do direito de família, e está disposto na CF no art. 227 e no art. 1583, § 2°, I do CC. Art. 227 CF É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
  • 19. 19 à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) (BRASIL, 1988) Art. 1.583 CC A guarda será unilateral ou compartilhada. § 2o Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; (BRASIL, 2002) Os laços de afeto surgem com a convivência familiar, estar na posse de estado de filho é um reconhecimento jurídico de afeto, onde o laço envolve os integrantes da família. Madaleno (2018, p. 97) vem dizer que: O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto. [...] A sobrevivência humana também depende e muito da interação do afeto; é valor supremo, necessidade ingente, bastando atentar para as demandas que estão surgindo para apurar responsabilidade civil pela ausência do afeto. [...] certamente nunca será inteiramente saudável aquele que não pode merecer o afeto de seus pais, ou de sua família e muito mais grave se não recebeu o afeto de ninguém. (MADALENO, 2018, p. 97) O afeto é o exercício de direito de intimidade, em que, as pessoas se aproximam e dão origem a relacionamentos, criando assim uma família. Esse princípio está ligado ao direito de convivência, em que a pessoa possui seus valores fundamentais e se desenvolve como pessoa humana. O afeto acaba por se tornar um aspecto intrínseco para o ser humano. Dias (2015, p. 52), por sua vez, dispõe que: a afetividade é o princípio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia em face de considerações de caráter patrimonial ou biológico. [...] O direito ao afeto está muito ligado ao direito fundamental à felicidade. Também há a necessidade de o Estado atuar de modo a ajudar as pessoas a realizarem seus projetos racionais de realização de preferências ou desejos legítimos. Não basta a ausência de interferências estatais. O Estado precisa criar instrumentos (políticas públicas) que contribuam para as aspirações de felicidade das pessoas, municiado por elementos informacionais a respeito do que é importante para a comunidade e para o indivíduo. (DIAS, 2015, p. 52)
  • 20. 20 Como todos sabem, a Constituição garante aos filhos o dever de cuidado pelos seus genitores. Dessa forma, deve ser respeitado os direitos e deveres de todos que estão ligados pelo laço de parentesco e possuem a família como um norte, de modo a não ser deixado de lado os direitos da pessoa humana. Conforme Giselle Câmara Groeninga (2008, p. 28): O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da afetividade. (GROENINGA, 2008) Não há como medir o amor ou qualquer outro sentimento, isso vai muito além de quantificar um afeto por alguém, porém, os vínculos afetivos costumam ser muito fortes, levando-se em consideração os laços consanguíneos e/ou biológicos, pois, o sentimento que se nutre por alguém depende unicamente da convivência harmoniosa. Fica claro que, o que se trata aqui não é de amor, mas sim de elo de ligação entre as pessoas, seja de sangue ou de afinidade. Observa-se a contextualização de Antônio Jeová dos Santos a respeito do abandono afetivo: O abandono é a ausência da presença. Como regra, é o homem que deixa de dar atenção ao filho. Seja no casamento frustrado pelo divórcio em que ele deixa o lar conjugal, seja com a existência de filho com a parceira ou convivente e ocorre a ruptura da vida em comum, o homem sai de casa, por vezes cumpre a obrigação de pagar a pensão alimentícia e desaparece. Os filhos nunca mais o veem ou tal ocorre de forma espaçada, demorada, de tal arte que ficam se na proteção e agasalho da referência paterna. Por descuido, desleixo ou raiva porque ocorreu a separação, o pai se afasta gradativamente até a ausência completa e total, (SANTOS, 2015, p. 220) De acordo com Tânia da Silva Pereira (2008, p. 309), “o ser humano precisa ser cuidado para atingir sua plenitude, para que possa superar obstáculos e dificuldades da vida humana”. Essa fala da autora, vem alertar sobre atitudes de “não cuidado” que podem vir a desenvolver sentimento de impotência, perda, desvalorização como pessoa e vulnerabilidade, bem como, de “tornar-se uma cicatriz que, embora possa ser
  • 21. 21 esquecida, permanece latente na memória.” E isso que vem a ser o abandono afetivo. O abandono afetivo se caracteriza quando os genitores não exercem o dever de cuidado e começam a não ter interesse pelo filho, ou seja, o tratando com descaso. Esse tratamento sem afeto, pode causar problemas escolares, problemas na alimentação, depressão e também interferir no indivíduo a sua visão familiar. Obviamente se percebe, esses não são os únicos problemas que podem ser causados, mas, é de grande importância analisar que esses problemas têm sido muito comuns na vida de quem sofre com o abandono afetivo, de modo que, os danos causados muitas vezes tornam-se irreparáveis.
  • 22. 22 3 RESPONSABILIZAÇÃO DOS GENITORES E POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO Antes de ser abordado sobre a responsabilização, convém entender o que é responsabilidade civil. Responsabilidade civil é a obrigação dada a alguém com intuito de reparar dano causado a outrem, ou seja, aquele que causou danos a alguém deve repará-lo na medida do que foi lhe causado. O art. 186 do Código Civil dispõe o seguinte a respeito da responsabilidade: Art. 186 CC "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato lícito". (BRASIL, 2002) A partir do Código civil de 2002 foi adotada uma divisão referente a responsabilidade, sendo classificada como responsabilidade objetiva e subjetiva. Na objetiva a responsabilidade independe de dolo ou culpa, ou seja, acontecendo o dano deve ser reparado mesmo que não tenha havido a intenção do agente que lhe deu causa, recaindo sobre este a obrigação de indenizar a vítima. Gagliano; Pamplona (2018, p. 60), ao conceituarem responsabilidade civil explicam que: a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar). Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo essa mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas. (GAGLIANO; PAMPLONA, 2018, p. 60) A responsabilidade subjetiva, como regra geral do Código civil, sustenta que, deve haver a responsabilização referente ao dever do ofensor em restituir, restaurar, fazer voltar, ou até mesmo, aproximar ao máximo ao estado quo ante da ação ou omissão que causou o dano, de modo que o ofendido não venha a ter prejuízos maiores em decorrência do ato do agente causador.
  • 23. 23 Na responsabilidade subjetiva, necessariamente deve ter dolo ou culpa. É com a comprovação da culpa que poderá gerar a indenização que o agente deverá repassar para a vítima, conforme os prejuízos sofridos por esta. Carlos Roberto Gonçalves dispõe o seguinte: Diz-se, pois, ser ‘subjetiva’ a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. (GONÇALVES. 2015, p.48) Apesar de englobar dolo e culpa na responsabilidade subjetiva, o requisito indispensável para se gerar indenização é a culpa. O entendimento de Flávio Tartuce é o seguinte: Conforme demonstrado, a responsabilidade subjetiva constitui regra geral em nosso ordenamento jurídico, baseada na teoria da culpa. Dessa forma, para que o agente indenize, ou seja, para que responda civilmente, é necessária a comprovação da sua culpa genérica, que inclui o dolo (intenção de prejudicar) e a culpa em sentido restrito (imprudência, negligência ou imperícia). (TARTUCE. 2019) Percebe-se que, além da presença da culpa, o agredido deve encontrar meios legais que comprove o seu dano. Ou seja, restado comprovado a culpa/ dolo, o agressor tem o dever de reparar o dano conforme os prejuízos causados. Em setembro de 2007, foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos, o Projeto de Lei do Senado 700/2007, promoveu uma mudança significativa no Estatuto da Criança e do Adolescente, mudança essa que veio impor aos pais a reparação por danos causados por deixar de prestar assistência afetiva aos filhos, seja pela própria convivência ou a falta de visitação. Dessa forma, esse abandono moral ficou caracterizado como ato ilícito civil e penal, vindo então a gerar responsabilização para os pais. Marcelo Crivella (senador licenciado- PRB-RJ), ressaltou na época que “a pensão alimentícia não esgota os deveres dos pais em relação a seus filhos. Os cuidados devidos às crianças e adolescentes compreendem atenção, presença e orientação.” Pelo projeto de lei, os §§ 2º e 3º, do art. 4º do ECRIAD, passou a ter a seguinte redação:
  • 24. 24 Art. 4º ECRIAD § 2º. Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º desta Lei, prestar aos filhos assistência moral, seja por convívio, seja por visitação periódica, que permitam o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da pessoa em desenvolvimento. 3º. Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência moral devida aos filhos menores de dezoito anos: I – a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais; II – a solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade; III – a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente e possível de ser atendida. (BRASIL, 1990) A possibilidade de reparação pelo abandono afetivo está disposto no parágrafo único do artigo 5º: Art. 5º ECRIAD Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os casos de abandono moral. (BRASIL, 1990) O crime que configura abandono afetivo está expresso no artigo 232-A, do ECRIAD: “Art. 232-A ECRIAD Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei, prejudicando- lhe o desenvolvimento psicológico e social. Pena – detenção, de um a seis meses” (BRASIL, 1990) No Art. 1634 do CC, dispõe sobre a Relação de parentesco, ou seja, os vínculos do filho com seus genitores, bem como suas responsabilidades: Art. 1634 CC: Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) I - dirigir-lhes a criação e a educação; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
  • 25. 25 IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014) IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014) (BRASIL, 2002) Apesar de haver os dispositivos legais que vem demonstrar de maneira expressa que o abandono é punível, não tem como falar em abandono afetivo sem citar as palavras da Ministra Nancy Andrighi, onde foram as palavras pioneiras para o entendimento de que a indenização por abandono é cabível ao filho abandonado. Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever. (MINISTRA NANCY ANDRIGHI. STJ, Recurso Especial nº 2009⁄ 1.159.242- SP) Sobre esse julgado, devem ser observadas palavras do professor Flávio Tartuce (2014) em seu blog, onde este entende que, se esse fato for levado a contento, haveria que torna-se prática indenizatória:
  • 26. 26 Por maioria, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o cabimento dos embargos de divergência em recurso especial contra decisão da Terceira Turma que concedeu indenização de dano moral a uma filha, por ter sido vítima de abandono afetivo por parte do pai. Com isso, fica mantida a decisão anterior no caso, que admitiu a compensação à filha, no valor de R$ 200 mil, em razão do abandono afetivo. O valor foi fixado em 2012, quando a Terceira Turma, seguindo o voto da ministra Nancy Andrighi, reconheceu a possibilidade de ser concedida a indenização. Naquele julgamento, a Turma diferenciou a obrigação jurídica de cuidar, como dever de proteção, de uma inexistente obrigação de amar. A Turma apenas ajustou o valor da condenação que havia sido imposta pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), baixando a compensação de R$ 400 mil para R$ 200 mil. Divergência Como em 2005 a Quarta Turma do STJ, que também julga matérias de direito de família, havia negado o cabimento desse tipo de indenização, o pai apresentou embargos de divergência no recurso especial. Esse tipo de recurso serve para uniformizar o entendimento do tribunal sobre uma mesma tese jurídica, de forma a ser aplicado o mesmo direito ao mesmo fato. Por isso, o julgamento dos embargos é de responsabilidade do colegiado que reúne os membros das duas Turmas especializadas no tema – no caso, a Segunda Seção. Porém, ao analisar as decisões supostamente conflitantes, a maioria dos ministros da Seção entendeu que elas não podem ser comparadas. Conforme os ministros, a decisão da Terceira Turma ressalvou expressamente a peculiaridade do caso julgado pelo TJSP, de forma que o precedente não serve para debate de uma tese jurídica mais geral. (TARTUCE, 2014, online) Na ementa a seguir, o recurso foi parcialmente provido, onde apenas foi diminuído o valor da indenização, durante o processo foi constatado o direito a indenização por abandono afetivo, pois, cabe aos genitores cumprir com as obrigações familiares. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
  • 27. 27 7. Recurso especial parcialmente provido. (Recurso Especial nº 2009⁄ 1.159.242- SP) Nesse mesmo entendimento, Dias (2013, p. 363 apud HOPPE, 2014, p. 18), vem dizer o seguinte: A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou crianças e adolescentes em sujeitos de direito. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana, abandonando a feição patrimonialista da família. Proibiu quaisquer designações descriminatórias à filiação, assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos nascidos ou não da relação de casamento e aos havidos por adoção (CF 227 § 6º).( HOPPE, 2014, p. 18) Diniz (2005, p.3 apud CORBELLINI, 2012, p. 21) aponta que: Na reparação do dano moral, o magistrado deverá apelar para o que lhe parece equitativo ou justo, agindo sempre com um prudente arbítrio, ouvindo as razões das partes, verificando os elementos probatórios, fixando moderadamente uma indenização. O valor do dano moral deve ser estabelecido cm base em parâmetros razoáveis, não podendo ensejar uma fonte de enriquecimento, nem mesmo ser irrisório ou simbólico. A reparação deve ser justa e digna. Portanto, ao fixar o quantum da indenização, o juiz não procederá a seu bel-prazer, mas como um homem de responsabilidade, examinando as circunstâncias de cada caso, decidindo com fundamento e moderação. (CORBELLINI, 2012, p. 21) A partir do momento em que os genitores não cumprem com suas responsabilidades com o filho, conforme expresso no art. 1634 do CC, surge a possibilidade de responsabilização. Contudo, há casos que são visíveis que não há o direito de indenização, como pode ser visto no julgado a seguir: RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO. NÃO OCORRÊNCIA. ATO ILÍCITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. PACTA CORVINA. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZADO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. 1. A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais e materiais por abandono afetivo exige detalhada demonstração do ilícito civil (art. 186 do Código Civil) cujas especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor, para que os sentimentos não sejam mercantilizados e para que não se fomente a propositura de ações judiciais motivadas unicamente pelo interesse econômico-financeiro. 2. Em regra, ao pai pode ser imposto o dever de registrar e sustentar financeiramente eventual prole, por meio da ação de alimentos combinada
  • 28. 28 com investigação de paternidade, desde que demonstrada a necessidade concreta do auxílio material. 3. É insindicável, nesta instância especial, revolver o nexo causal entre o suposto abandono afetivo e o alegado dano ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. O ordenamento pátrio veda o pacta corvina e o venire contra factum proprium. 5. Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não provido. (REsp 1493125/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2016, DJe 01/03/2016). (BRASIL, 2016) Outro exemplo que deve ser observado, é o caso em que o genitor foi condenado a comprar um imóvel residencial em nome do filho, alguns bens materiais, além do pensionamento mensal. Nesse caso, o TJ-RS e o STJ mantiveram em R$ 35 mil o valor da indenização do dano moral que este causou em seu filho. Mesmo tento recorrido da decisão, o Recurso Especial foi improvido, e o genitor foi condenado, conforme a ementa a seguir: "RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ABANDONO MATERIAL. MENOR. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA MATERIAL AO FILHO. ATO ILÍCITO (CC/2002,ARTS. 186, 1.566, IV, 1.568, 1.579, 1.632 E 1.634, I; ECA, ARTS. 18-A, 18-B E 22). REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. O descumprimento da obrigação pelo pai, que, apesar de dispor de recursos, deixa de prestar assistência material ao filho, não proporcionando a este condições dignas de sobrevivência e causando danos à sua integridade física, moral, intelectual e psicológica, configura ilícito civil, nos termos do art. 186 do Código Civil de 2002. 2. Estabelecida a correlação entre a omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material e os danos morais ao filho dali decorrentes, é possível a condenação ao pagamento de reparação por danos morais, com fulcro também no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. Recurso especial improvido". (STJ, REsp 1087561/RS, Rel. Min. Raul Araújo, 4a Turma, DJe 18/08/2017); (BRASIL, 2017) A Apelação Cível 1.0024.14.323999-4/001, também vem demonstrar que houve a moral do filho ferida quando o genitor deixou de dar assistência ao convívio paterno/filial, por isso, demonstra-se o ato lesivo a moral. Nesse caso em questão, o genitor não conseguiu provar que não houve o abandono e por isso, configurou-se na prática do abandono afetivo, conforme exposto a seguir: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO DEMONSTRADO - ABANDONO AFETIVO DE MENOR - COMPROVAÇÃO - VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONVÍVIO FAMILIAR - DANO MORAL - OCORRÊNCIA.- Não demonstrado pela parte ré o impedimento, por parte do perito judicial, da participação do assistente técnico na elaboração do
  • 29. 29 laudo pericial, bem como a ocorrência de prejuízo dela decorrente, não há que se falar em cerceamento de defesa. 3- A falta da relação paterno-filial, acarreta a violação de direitos próprios da personalidade humana, maculando o princípio da dignidade da pessoa humana.- Mostra-se cabível a indenização por danos morais decorrentes da violação dos direitos da criança, decorrente do abandono afetivo. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.14.323999-4/001, Relator (a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/08/2019, publicação da sumula em 20/08/2019). (MINAS GERAIS, 2019) Claro que há casos em que não é reconhecido o direito a indenização, onde não foi provado que houve realmente o dano , ou seja, o abandono, conforme o julgado a seguir: Direito civil. Ação de indenização. Abandono afetivo pelo genitor. Nexo de causalidade. Ausência. Dano moral. Não configurado. 1. A responsabilidade civil extracontratual, decorrente da prática ato ilícito, depende da presença de três pressupostos elementares: conduta culposa ou dolosa, dano e nexo de causalidade. 2. Ausente o nexo de causalidade entre a conduta omissiva do genitor e o abalo psíquico causado ao filho, não há que se falar em indenização por danos morais, porque não restaram violados quaisquer direitos da personalidade. 3. Ademais, não há falar em abandono afetivo, pois que impossível se exigir indenização de quem nem sequer sabia que era pai. 4. Recurso improvido. (tj-df -apc: 20090110466999 df 008980917.2009.8.07.0001, relator: Getúlio de Moraes oliveira data de julgamento: 03/07/2013, 3ª turma cível, data de publicação: publicado no dje : 16/07/2013 . Pág.: 100). (DISTRITO FEDERAL, 2013) É necessário entender que há todo um processo a ser seguido para dar andamento em uma ação indenizatória, não é apenas chegar e dizer que foi lesado, que foi vítima de um dano, de um abandono, pois, para que haja uma compensação indenizatória, deve ser provado o feito, ou seja, deve ser provado que o genitor cometeu um ato ilícito e com o seu delito, houve uma ofensa ao seu filho. Existem fases que devem acontecer para o prosseguimento de um processo judicial. Inicia-se na petição inicial, onde o filho ofendido comunica a justiça que foi abandonado pelo seu pai e por isso merece ser indenizado, logo após vem a citação. A próxima fase é a de audiência de conciliação, seguida da contestação caso não façam nenhum acordo na conciliação. Na próxima fase, há a impugnação à contestação ou réplica, e finalmente após essa fases, há a fase probatória, onde cada parte deve apresentar as provas, seja de que houve o abandono ou de que não houve.
  • 30. 30 A fase probatória é muito importante para o processo, tendo em vista que, ela é uma fase decisiva, pois, o resultado das provas influenciam de maneira muito significativa para decisão do final do processo. Uma prova mal elaborada pode levar a perda do processo, e isso pode ocasionar um grande prejuízo quando a parte perdedora deveria ganhar, porém, não conseguiu provas suficientes e condizentes para o convencimento do magistrado a respeito de seu direito. Após a parte da fase probatória, vem a sentença seguida dos possíveis recursos apresentados pelas partes. Deixando claro que, a indenização é devida desde que, através de fatos, atos e motivos, seja demonstrado o dano, ou seja, de procedência comprobatória. Não há o que se falar em indenização caso não seja comprovado o sofrimento causado pelo abandono afetivo.
  • 31. 31 Conclusão Neste presente trabalho foi abordado sobre a perspectiva jurídica e processual de responsabilização dos genitores por abandono afetivo dos filhos. Foi feita uma análise diante da visão civil, processual e constitucional, tendo como base o direito de família, a responsabilidade civil, estatuto da criança e do adolescente e a dignidade da pessoa humana. É de se entender que o ser humano costuma ser ligado uns aos outros através dos laços de afetividade, e já que o afeto é algo tão indispensável para a dignidade humana acabou sendo acrescentado ao rol dos direitos de personalidade, tornando-se amparado pela Constituição. A partir do momento que o afeto desaparece da relação, aqueles que se encontram presentes na relação familiar começam a perder suas raízes, suas referências, isso pode vir a ocasionar problemas que afetam a vida pessoal, profissional e social do indivíduo. Sendo a família uma instituição tão importante para proteção e desenvolvimento do indivíduo, a ausência do afeto, que faz a ligação dos laços entre seus membros, pode fazer com que fatores de alto grau de subjetividade, como mágoa, tristeza, desafeto, venham influenciar de maneira negativa a personalidade do indivíduo. Sabe-se que o direito familiar se encontra resguardado na Constituição Federal em seu artigo 226, e que o Código Civil dispõe aos pais suas responsabilidades, expressas no art. 1.634, a possibilidade de responsabilização civil deve-se a partir do momento que não são assumidos os encargos da paternidade e maternidade. Ou seja, é preciso que os elementos que são indispensáveis às relações familiares sejam efetivamente violados, configurando assim, o abandono. Como já analisado neste trabalho, o STJ, através do Recurso Especial Nº 1.159.242, entendeu que as obrigações familiares vão muito além das necessidades básicas de um filho, onde deve-se entender que amar é faculdade, mas, cuidar é dever (STJ, 2009), e por ser um dever, surge a possibilidade de reparação aos danos físicos e psicológicos causado ao filho, devido ao abandono por ele sofrido. Percebe-se que, a conduta danosa ocorre pela omissão do genitor, onde a partir da concepção de um filho, vem a responsabilidade dos pais em dar provimento
  • 32. 32 material e afetivamente, sendo inerentes ao poder familiar, devendo cumprir os deveres de assistência, cuidado, educação, criação, englobados por uma obrigação de cunho legal, prevista, principal e expressamente, no art. 227 da Constituição. Os danos morais advindos do abandono afetivo tem o intuito de reparar os danos causados, desde que comprovados, e também, de cessar a prática lesiva causada pelo ofensor, ou seja, o dano moral deve condizer com a realidade e não deve ser comparada a uma vingança, devendo ser analisada de acordo com o caso concreto, de modo que, haja a compensação pelo dano sofrido por causa do ofensor. Diante dessas palavras, pode se perceber que o objetivo da indenização não é o enriquecimento ilícito de ninguém, ou até mesmo o empobrecimento, mas sim, que perante as provas apresentadas, possam de maneira a não prejudicar as partes, mas apenas, vir a reparar o dano sofrido. Por óbvio, pode se concluir que essa responsabilização não é uma obrigação em possuir um sentimento de amor pelo filho; significa apenas uma forma de conscientizar sobre a responsabilidade que os genitores possuem na vida do filho, e é essa responsabilidade que irá de fato, gerar a perspectiva de direito deste. Além disso, ressalta-se que somente ocorre a indenização quando, seguido as fases processuais, consegue-se comprovar que de fato ocorreu todo o dano que é alegado pelo filho, pois, conforme já mencionado, não basta apenas dizer que sofreu, mas sim, comprovar que esse sofrimento foi decorrente do abandono afetivo.
  • 33. 33 REFERÊNCIAS BRASIL. Código civil de 2002- Lei n° 10.406/02. Vade Mecum, Saraiva, 19ª edição, São Paulo, Saraiva Educação, 2018. BRASIL. Código civil de 1916- Lei n° 3.071/16. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm. Acesso em: 10 de mar. de 2022 . BRASIL. Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988. Vade Mecum, Saraiva, 19ª edição, São Paulo, Saraiva Educação, 2018. BRASIL. Estatuto da criança e do Adolescente- Lei n° 8.069/90. Vade Mecum, Saraiva, 19ª edição, São Paulo, Saraiva Educação, 2018. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2009⁄ 1.159.242- SP. Recorrente: Antônio Carlos Jamas dos Santos. Recorrido: Luciane Nunes de Oliveira Souza. Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/acordao-abandono-afetivo.pdf. https://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20120510-02.pdf. Acesso em: 10 de mar. de 2022. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1493125/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2016, DJe 01/03/2016. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp. Acesso em: 10 de mar.de 2022. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1087561/RS. Relator: Min. Raul Araújo, 4a Turma, DJe 18/08/2017. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/490422303/recurso-especial-resp-1087561- rs-2008-0201328-0/inteiro-teor-490422312. Acesso em: 10 de mar. de 2022. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Recurso de Apelação Cível n° 1.0024.14.323999-4/001. Relator (a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/08/2019, publicação da sumula em 20/08/2019. Disponível em: https://tj- mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/746203166/apelacao-civel-ac- 10024143239994001-mg/inteiro-teor-746203458. Acesso em: 10 de mar. de 2022. CORBELLINI, Letícia da Rocha. O “quantum” indenizatório do dano moral. Trabalho de Conclusão de curso. Unicruz, 2012. DA CUNHA PEREIRA, Rodrigo. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. Pgs. 128/129. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Volume 5. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
  • 34. 34 Documentos Jurídicos. Declaração universal dos direitos do homem, 1978. Resolução da III Sessão Ordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovada em Paris, no Dia 10 de Dezembro de 1978. Disponível em: http://www.ghente.org/doc_juridicos/decldirhumanos.htm. Acesso em: 10 de mar. de 2022. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil. V. 3: responsabilidade civil. 16ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 6. Direito de Família. 12ª edição. São Paulo. Saraiva. 2015. GONÇALVES, CARLOS ROBERTO. Direito Civil, 1: esquematizado: parte geral: Obrigações e Contratos/ Carlos Roberto Gonçalves; coordenador Pedro Lenza.- 5. Ed.- São Paulo: Saraiva, 2015. GROENINGA, Giselle Câmara. Direito Civil. Volume 7. Direito de Família. Orientação: Giselda M. F Novaes Hironaka. Coordenação: Aguida Arruda Barbosa e Cláudia Stein Vieira. São Paulo: RT, 2008, p. 28. HOPPE, Anatane Pito. Das possibilidades jurídicas do reconhecimento da maternidade socioafetiva. Trabalho de Conclusão de Curso. Unicruz, 2014. MADALENO, Rolf. Direito de Família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas. Novas Modalidades de Família na Pós- Modernidade. São Paulo: Editora Atlas, 2010. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: Uma análise psicanalítica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. PEREIRA, Tânia da Silva. Abrigo e alternativas de acolhimento familiar, in: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 309. SANTOS, Jeová. Dano moral. São Paulo: Saraiva, 2015. TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil – v. 2 / Flávio Tartuce. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. TARTUCE, Flávio. Abandono afetivo. STJ não julga o mérito para uniformização de jurisprudência. Disponível em: http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2014/04/abandono-afetivo-stj-nao- julgado-o.html. Acesso em 10 de mar. de 2022.