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Psicologia & Sociedade; 20 (3): 475-484, 2008
                                                                                 Psicologia & Sociedade; 20 (3): 453-464, 2008



                                               A PSICOLOGIA SOCIAL COMO HISTÓRIA*

                                                                                            Kenneth J. Gergen1
                                                                      Swarthmore College, Swarthmore, E.U.A.
                                                                                 Tradução de Filipe M. Boechat
                                                   Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
                                                                 Revisão técnica de Francisco Teixeira Portugal
                                                   Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil


       A psicologia é usualmente definida como ciência          dida à estabilidade geral dos eventos no mundo da natu-
do comportamento humano e a psicologia social como              reza. A velocidade da queda dos corpos ou a combinação
aquele ramo dessa ciência que lida com a interação hu-          dos elementos químicos, por exemplo, são eventos alta-
mana. Um dos maiores propósitos da ciência é o estabe-          mente estáveis ao longo do tempo. São eventos que po-
lecimento de leis gerais por meio da observação sistemá-        dem ser recriados em qualquer laboratório, 50 anos atrás,
tica. Para o psicólogo social, tais leis gerais são desen-      hoje, ou 100 anos depois. Porque são tão estáveis, largas
volvidas a fim de descrever e explicar a interação social.      generalizações podem ser estabelecidas com um alto grau
Essa visão tradicional da lei científica repete-se de uma       de confiança, explicações podem ser empiricamente tes-
ou outra forma em quase todas as pesquisas fundamen-            tadas e formulações matemáticas podem ser desenvolvi-
tais do campo. Em sua discussão sobre o papel da expli-         das com êxito. Se os eventos fossem instáveis, se a velo-
cação nas ciências do comportamento, DiRenzo (1966)             cidade da queda dos corpos ou a composição dos ele-
apontou que uma “explicação completa” nas ciências              mentos químicos estivesse em fluxo contínuo, o desen-
comportamentais “é aquela que assumiu o estatuto inva-          volvimento das ciências naturais estaria drasticamente
riável de lei” (p. 11). Krech, Crutchfield e Ballachey (1962)   impedido. Leis gerais não apareceriam, e o registro de
declararam que “enquanto estivermos interessados em             eventos naturais destinar-se-ia principalmente à análise
psicologia social como uma ciência básica ou como uma           histórica. Se os eventos naturais fossem caprichosos, a
ciência aplicada, um conjunto de princípios científicos é       ciência natural seria amplamente substituída pela história
essencial” (p. 3). Jones e Gerard (1967) propagaram esta        natural.
visão: “a Ciência busca compreender os fatores respon-                O objetivo deste artigo é demonstrar que a psicolo-
sáveis por relações estáveis entre eventos” (p. 42). Como       gia social é principalmente um inquérito histórico. Dife-
Mills (1969) colocou, “psicólogos sociais querem des-           rentemente das ciências naturais, ela lida com fatos que
cobrir relações causais que permitam estabelecer princí-        são em grande medida irrepetíveis e notadamente instá-
pios básicos que explicarão o fenômeno da psicologia            veis. Os princípios da interação humana dificilmente po-
social” (p. 412).                                               dem ser desenvolvidos porque os fatos sobre os quais
       Esta visão da psicologia é, certamente, descenden-       são baseados geralmente não permanecem estáveis. O
te direta do pensamento setecentista. Em um tempo em            conhecimento não pode ser acumulado, no sentido usu-
que as ciências físicas produziram contribuições notá-          al, porque tal conhecimento geralmente não transcende
veis ao conhecimento, poder-se-ia ver com grande oti-           seus limites históricos. Na discussão seguinte, duas li-
mismo a possibilidade de aplicação do método científico         nhas centrais de argumentação serão desenvolvidas a fim
ao comportamento humano (Carr, 1963). Se princípios             de sustentar essa tese: a primeira, centrada no impacto
gerais do comportamento pudessem ser estabelecidos,             da ciência no comportamento social; a segunda, centrada
talvez fosse possível eliminar os conflitos sociais, dar        na mudança histórica. Após examinar estes argumentos,
um fim aos problemas de doença mental e criar condi-            focaremos nas alterações no domínio e objetivos do cam-
ções sociais em máximo benefício dos membros da so-             po sugerido por essa análise.
ciedade. Como outros esperaram outrora, poderia mes-
mo ser possível dar a tais princípios uma forma matemá-             Impacto da ciência na interação social
tica, desenvolver “uma matemática do comportamento
humano tão precisa quanto a matemática das máquinas”                   Tal como Back (1963) mostrou, a ciência social
(Russell, 1956, p. 142).                                        pode proveitosamente ser vista como um extenso siste-
       O notável sucesso das ciências naturais em estabe-       ma de comunicações. Na execução da pesquisa, os cien-
lecer princípios gerais pode ser atribuído em grande me-        tistas recebem mensagens transmitidas pelo sujeito do


                                                                                                                        475
GERGEN, K. J. “A Psicologia Social como História”

experimento. Em sua forma crua, tais mensagens geram           cação de nossos princípios pode alterar o dado sobre o
apenas “ruído” para o cientista. Teorias científicas ser-      qual eles estão baseados, como o próprio desenvolvimen-
vem como dispositivo decodificador que converte o ba-          to dos princípios pode vir a invalidá-los. Três linhas de
rulho em informação útil. Embora Back tenha usado esse         argumentação são pertinentes: a primeira é derivada do
modelo de várias maneiras instigantes, sua análise termi-      viés avaliativo da pesquisa psicológica; a segunda, dos efei-
na no ponto da decodificação. Esse modelo precisa ser          tos libertadores do conhecimento; a terceira, da importân-
estendido além do processo de coleta e decodificação           cia dos valores prevalecentes na cultura.
das mensagens. A tarefa do cientista é também aquela do
comunicador. Se suas teorias provam ser dispositivos                Viés Prescritivo da Teoria Psicológica
úteis de decodificação, elas são comunicadas à popula-
ção a fim de que ela possa beneficiar-se de sua utilidade.            Como cientistas da interação humana, estamos
Ciência e sociedade retroalimentam-se.                         engajados numa dualidade peculiar. Por um lado, cientifi-
       Esse tipo de relação do cientista com a sociedade       camente, avaliamos desinteressadamente o comportamen-
expandiu-se progressivamente durante a última década.          to. Estamos bem avisados dos efeitos enviesadores de
Canais de comunicação desenvolveram-se rapidamente.            intensos compromissos normativos. Por outro lado, como
No nível da educação superior, mais de oito milhões de         seres humanos socializados, nós sustentamos inúmeros
estudantes anualmente deparam-se com cursos ofereci-           valores acerca da natureza das relações sociais. Raro o
dos no domínio da psicologia, ofertas que se tornaram,         psicólogo social em que seus valores não influenciam o
nos últimos anos, insuperáveis em popularidade. A edu-         tema de sua pesquisa, seus métodos de observação, ou
cação liberal de hoje exige familiaridade com as idéias        mesmo os termos de sua descrição. Na geração de co-
centrais da psicologia. Os veículos de comunicação de          nhecimento sobre a interação social, comunicamos tam-
massa vêm também satisfazer o vasto público interessa-         bém nossos valores pessoais. O receptor do conheci-
do em psicologia. A imprensa monitora cuidadosamente           mento provê-se assim de duas classes de mensagens:
os encontros profissionais tanto quanto os periódicos da       mensagens que desinteressadamente descrevem o que
profissão. Editoras acharam rentável apresentar a visão        parece ser, e aquelas que sutilmente prescrevem o que é
dos psicólogos sobre os padrões contemporâneos de              desejável.
comportamento, e revistas quase exclusivamente volta-                 Este argumento é mais claramente evidente nas
das à psicologia ostentam hoje um total de mais de 600.000     pesquisas sobre disposições pessoais. A maioria de nós
leitores. Quando acrescentamos a essas marcas a osten-         sentir-se-ia insultado se fosse caracterizado como pos-
siva expansão do mercado de brochuras, a crescente             suindo baixa auto-estima ou alto grau de busca de apro-
demanda governamental por conhecimento justificando            vação, cognitivamente indiferenciado, autoritário, com-
o investimento público na pesquisa psicológica, a prolife-     pulsivo anal, dependente do campo, ou de mentalidade
ração de encontros técnicos, o estabelecimento de em-          fechada. Em parte, nossas relações refletem nossa
preendimentos comerciais vendendo psicologia através           aculturação. Não é preciso ser psicólogo para ofender-se
de jogos e pôsteres, e a crescente confiança das grandes       por tais rótulos. Mas, igualmente em parte, tais reações
instituições (comerciais, governamentais, militares e so-      são criadas pelos conceitos utilizados na descrição e ex-
ciais) depositada na competência de seus cientistas            plicação de fenômenos. Por exemplo, no prefácio a The
comportamentais; começa-se então a sentir a força do           Authoritarian Personality (Adorno, Frenkel-Brunswik,
laço pelo qual os psicólogos encontram-se vinculados,          Levinson & Sanford, 1950), os leitores são informados
em mútua comunicação, à cultura que lhes envolve.              de que “em contraste com o intolerante de antigamente,
       A maioria dos psicólogos sustenta o desejo de que o     (o autoritário) parece combinar as idéias e as habilidades
conhecimento psicológico irá causar algum impacto na           de uma sociedade altamente industrializada a crenças ir-
sociedade. Muitos de nós nos sentimos gratificados quan-       racionais e anti-racionais” (p. 3). Discutindo a personali-
do tal conhecimento pode ser utilizado para fins benéficos.    dade maquiavélica, Christie e Geis (1970) notaram que
De fato, para muitos psicólogos sociais, o comprometi-
mento com o campo depende em grande medida da cren-
                                                                      Inicialmente, nossa imagem dos maquiavélicos foi
ça na utilidade social do conhecimento científico. Contu-             negativa, associada a manipulações sombrias e de-
do, não se assume corriqueiramente que tal utilização alte-           sagradáveis. Entretanto ... encontramo-nos nós mes-
rará o caráter das relações causais da interação social. Es-          mos diante de uma admiração perversa pela habilida-
peramos sim que o conhecimento do funcionamento seja                  de daqueles para ultrapassar os outros em situações
utilizado na alteração de comportamentos, mas não espe-               experimentais (p. 339).
ramos que uma tal utilização afete o caráter subseqüente
                                                                    Em sua capacidade prescritiva, tais comunicações
do próprio funcionamento. Nossas expectativas, nesse
                                                               tornam-se agentes de mudança social. Num nível ele-
caso, podem ser bastante infundadas. Não apenas a apli-
                                                               mentar, o estudante de psicologia poderia certamente

476
Psicologia & Sociedade; 20 (3): 475-484, 2008

desejar excluir da observação pública comportamentos                A observação crítica subjacente a estas notas não é
rotulados pelos respeitados acadêmicos como autoritári-      inadvertida. Parece infeliz que uma profissão dedicada ao
os, maquiavélicos e assim por diante. A comunicação do       desenvolvimento objetivo e imparcial do conhecimento
conhecimento pode, dessa maneira, homogeneizar os            devesse usar esta posição para fazer propaganda àqueles
indicadores comportamentais de disposições subjacentes.      que inocentemente recebem esse mesmo conhecimento.
Num nível mais complexo, o conhecimento dos correlatos       Os conceitos do campo são raramente desprovidos de
da personalidade pode induzir o comportamento a supri-       valor, e muitos poderiam ser substituídos por conceitos
mir os correlatos. Não é estranho que muitas pesquisas       de uma carga valorativa bastante diferente. Brown (1965)
sobre diferenças individuais coloquem os psicólogos pro-     indicou o fato interessante de que a personalidade autori-
fissionais em alta conta. Assim, mais os sujeitos asseme-    tária clássica, tão temida em nossa própria literatura, era
lham-se aos profissionais – em termos de educação, con-      bastante similar à “personalidade tipo-J” (Jaensch, 1938),
dição econômica, religião, raça, sexo e valores pessoais –   em alta conta entre os alemães. Aquilo que nossa literatu-
, mais vantajosas suas posições em exames psicológi-         ra nomeou rigidez foi visto por eles como estabilidade;
cos. Elevada educação, por exemplo, favorece diferenci-      flexibilidade e individualismo na nossa literatura foram
ação cognitiva (Witkin, Dyk, Faterson, Goodenough &          vistos como falta de firmeza e excentricidade. Tais
Karp, 1962), baixo grau de autoritarismo (Christie &         rotulações enviesadas percorrem nossa literatura. Por
Jahoda, 1954), mentalidade aberta (Rokeach, 1960) etc.       exemplo, elevada alta-estima poderia ser nomeada egoís-
Munidos dessas informações, aquelas pessoas deprecia-        mo; necessidade de aprovação social poderia ser traduzida
das pela pesquisa poderiam contrabalancear a fim de eva-     por necessidade de integração social; diferenciação
dir-se do estereótipo ofensivo. Por exemplo, mulheres        cognitiva como perfeccionismo; criatividade como des-
que aprenderam que são mais persuasíveis que homens          vio; controle interno como egocentrismo. Do mesmo
(cf. Janis & Field, 1959) podem retaliar, e, ao longo do     modo, se nossos valores fossem outros, conformidade
tempo, a correlação é invalidada ou revertida.               social poderia ser vista como comportamento solidário;
       Embora vieses avaliativos sejam facilmente identi-    mudança de atitude como adaptação cognitiva; e o des-
ficados em pesquisas sobre personalidade, eles não estão     vio em direção ao risco como uma conversão corajosa.
de modo algum limitados a esta área. A maioria dos mo-              Ainda assim, mesmo que os efeitos de disseminação
delos de interação social também contém juízos de valor      da terminologia psicológica precisem ser lamentados, é
implícitos. Por exemplo, pesquisas sobre conformidade        importante traçar suas fontes. Em parte, a carga valorativa
freqüentemente tratam o conformado como um cidadão           dos termos teóricos parece bastante intencional. O ato de
de segunda categoria, uma ovelha social que abre mão de      tornar público implica o desejo de ser ouvido. Entretanto,
convicções pessoais em troca das opiniões errôneas dos       termos neutros têm pouco valor para o leitor potencial, e a
outros. Assim, modelos de conformidade social sensibi-       pesquisa não-valorativa rapidamente torna-se obscura. Se
lizam-no a fatores que poderiam levá-lo a ações sociais      obediência fosse renomeada para comportamento alfa e
deploráveis. Com efeito, o conhecimento protege contra       não fosse tornada deplorável a partir de associações com
a eficácia futura destes mesmos fatores. Pesquisas so-       Adolph Eichman, o interesse público seria indubitavelmente
bre mudança de atitude freqüentemente levam a essas          menor. Além de angariar o interesse do público e da profis-
mesmas implicações. Saber sobre a mudança de atitude         são, conceitos carregados de valor provêem também um
estimula a crer que se tem o poder de mudar os outros.       considerável meio de expressão para os psicólogos. Con-
Conseqüentemente, outros são relegados ao status de          versei com inúmeros estudantes graduados que se volta-
manipuláveis. Assim, teorias de mudança de atitude po-       ram para a psicologia como decorrência de profundas pre-
deriam sensibilizar em direção à proteção contra fatores     ocupações humanísticas. Dentre muitos se encontra um
que poderiam potencialmente influenciá-lo. Do mesmo          poeta frustrado, filósofo ou humanitário que vê, no méto-
modo, teorias de agressão usualmente condenam o              do científico, simultaneamente, um meio para expressar
agressor, modelos de negociação interpessoal desapro-        seus valores e um obstáculo à livre expressão. Triste é o
vam a espoliação e modelos de desenvolvimento moral          fato aparente de que a chave para a livre expressão na
depreciam aqueles abaixo do estágio ótimo (Kohnlberg,        mídia profissional é uma vida próxima ao laboratório. Muitos
1970). A teoria da dissonância cognitiva (Brehm & Cohen,     desejam compartilhar seus valores diretamente, sem se-
1966; Festinger, 1957) podia parecer neutra, porém a         rem limitados pela constante demanda por evidência siste-
maioria dos estudos nesta área tem apresentado o redu-       mática. Para eles, conceitos sobrecarregados de valor com-
tor de dissonância em termos nada elogiosos. “Quão es-       pensam o conservadorismo usualmente oriundo dessas
túpido”, dizemos, “que as pessoas tenham que trapacear,      demandas. O psicólogo de maior reputação pode perdoar-
tirar notas baixas em exames, mudar suas opiniões sobre      se mais diretamente. Normalmente, no entanto, nós não
os outros, ou mesmo comer alimentos indesejáveis, ape-       costumamos ver nossas opiniões como propagandísticas,
nas para manter a consistência”.                             mas sim como o reflexo de “verdades básicas”.


                                                                                                                     477
GERGEN, K. J. “A Psicologia Social como História”

       Ainda que a comunicação de valores através do co-       ao risco produzidas pelo grupo de discussão até tais com-
nhecimento seja em certa medida intencional, ela não o é       portamentos tornarem-se normais.
de todo. A defesa de valores é quase um produto inevitável            Como premissa geral, admite-se que o profundo
da existência social, e como participantes da sociedade        conhecimento de princípios psicológicos liberte os sujei-
raramente nos dissociamos desses valores ao perseguir          tos de suas implicações comportamentais. Princípios es-
metas profissionais. Além disso, se confiamos na lingua-       tabelecidos do comportamento tornam-se estímulos à
gem da cultura para a comunicação científica, é difícil en-    tomada de decisão de alguém. Como Winch (1958) indi-
contrar termos dizendo respeito à interação social despro-     cou, “na medida em que compreender algo envolve com-
vidos de valor prescritivo. Nós poderíamos reduzir as pres-    preender sua contradição, alguém que, inteligentemente,
crições implícitas contidas em nossas comunicações se          realiza X deve ser capaz de visualizar a possibilidade de
adotássemos uma linguagem completamente técnica. En-           fazer não-X” (p. 89). Princípios psicológicos também
tretanto, mesmo uma linguagem técnica torna-se avaliativa      sensibilizam os sujeitos a influências que agem sobre eles
sempre que a ciência é usada como veículo de mudança           e dirigem sua atenção a certos aspectos do meio e deles
social. Talvez nossa melhor opção seja mantermo-nos tão        mesmos. Nesse processo, seus padrões de comporta-
sensível quanto possível aos nossos vieses e comunicá-         mento podem ser fortemente influenciados. Como May
los tão abertamente quanto possível. A defesa de valores       (1971) expôs mais apaixonadamente, “cada um de nós
pode ser inevitável, mas podemos evitar mascará-la como        herda da sociedade um fardo de tendências que nos mo-
reflexões objetivas da verdade.                                delam inevitavelmente; porém nossa capacidade de ser
                                                               consciente desse fato salva-nos de sermos estritamente
Conhecimento e Liberação Comportamental                        determinados” (p. 100). Dessa forma, o conhecimento
       É comum na prática de pesquisa em psicologia evitar     de signos não-verbais de estresse ou calma (Eckman,
comunicar quaisquer premissas teóricas ao sujeito antes        1965) habilita-nos a utilizá-los toda vez que nos é útil
ou durante a pesquisa. A pesquisa de Rosenthal (1966)          fazê-lo. Saber que pessoas em problema são menos dis-
indicou que mesmo as pistas mais sutis das expectativas        postas a serem ajudadas quando há um grande número
do experimentador podem alterar o comportamento do             de espectadores (Latané & Darley, 1970) pode aumentar
sujeito. Desse modo, sujeitos ingênuos são requeridos          o desejo de oferecer ajuda em tais condições. Saber que
pelos padrões comuns de rigor. As implicações dessa            o estado de excitação pode influenciar a interpretação de
cautela metodológica simples são de considerável               eventos (cf. Jones & Gerard, 1967) pode suscitar caute-
significância. Se os sujeitos possuem conhecimento pre-        la quando esse mesmo estado encontra-se em grau ele-
liminar, tais como premissas teóricas, não podemos tes-        vado. Em cada caso, o conhecimento aumenta as alter-
tar adequadamente nossas hipóteses. Da mesma manei-            nativas de ação, e padrões prévios de comportamento
ra, se a sociedade é psicologicamente informada, teorias       são modificados ou dissolvidos.
sobre isso mesmo que é informado tornam-se difíceis de
serem testadas sem o risco de contaminação. Eis aqui           Fuga em direção à Liberdade
uma diferença fundamental entre as ciências naturais e                A invalidação histórica da teoria psicológica pode
sociais. Formalmente, o cientista não pode comunicar           ser mais profundamente investigada em sentimentos
seu conhecimento aos sujeitos de seu estudo de tal for-        comumente observados no interior da cultura ocidental.
ma que suas disposições comportamentais sejam modifi-          Da maior importância é o desconforto geral que as pes-
cadas. Nas ciências sociais tal comunicação pode ter um        soas parecem sentir quando têm o número de suas alter-
impacto vital no comportamento.                                nativas de respostas diminuído. Como Fromm (1941)
       Um exemplo simples pode ser suficiente. Parece          viu, o desenvolvimento inclui a aquisição de fortes dese-
que numa enorme variedade de condições, grupos de              jos de autonomia. Weinstein e Platt (1969) discutiram
tomada de decisão realizam decisões arriscadas através         bastante o mesmo sentimento em termos de “desejo do
de grupos de discussão (cf. Dion, Baron, & Miller, 1970;       homem de ser livre”, e vincularam esta disposição à es-
Wallach, Kogan & Bem, 1964). Investigadores nessa área         trutura do desenvolvimento social. Brehm (1966) usou
acautelam-se bastante para que os sujeitos experimentais       essa mesma disposição como pedra angular de sua teoria
não ignorem seu conhecimento neste assunto. Esses su-          da reatância psicológica. A prevalência desse valor apren-
jeitos, uma vez cientes, poderiam resguardar-se dos efei-      dido teve importantes implicações para a validade, a lon-
tos do grupo de discussão ou responder apropriadamen-          go prazo, da teoria psicossociológica.
te a fim de ganhar a aprovação do experimentador. En-                 Teorias válidas sobre o comportamento social cons-
tretanto, se o desvio em direção ao risco viesse a se trans-   tituem significantes instrumentos de controle social. Na
formar em conhecimento comum, sujeitos ingênuos tor-           medida em que o comportamento de um indivíduo é
nar-se-iam inalcançáveis. Membros da cultura poderiam          predizível, ele torna-se vulnerável. Outros podem alterar
sistematicamente compensar as tendências em direção            as condições ambientais ou seu próprio comportamento

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Psicologia & Sociedade; 20 (3): 475-484, 2008

em relação a ele a fim de obter um máximo de recompen-         tência de um estabelecimento privado desenvolvendo fer-
sa com um mínimo de custo. Da mesma maneira que                ramentas de controle público. Para a maioria de nós, tal
um estrategista militar entrega-se a uma derrota quando        proposta é repugnante, e nossa inclinação é, ao contrá-
suas ações tornam-se predizíveis, que um oficial de uma        rio, procurar uma solução científica ao problema da de-
organização pode ser traído por seus subordinados, e           pendência histórica. Muito do que se disse aqui sugere
que esposas manipuladas por seus maridos farristas quan-       uma resposta desse tipo. Se pessoas que são psicologi-
do seus padrões de comportamento são confiáveis. O             camente esclarecidas reagem aos princípios gerais con-
conhecimento torna-se assim poder nas mãos de outros.          tradizendo-lhes, ratificando-lhes, ignorando-lhes, e assim
Segue-se que princípios psicológicos colocam uma ame-          por diante, então deveria ser possível estabelecer as con-
aça potencial a todos aqueles com que estão relaciona-         dições sob as quais essas várias reações ocorrerão. Base-
dos. Investimentos em liberdade podem assim                    ado em noções de reatância psicológica (Brehm, 1966),
potencializar um comportamento visando invalidar a teo-        profecias auto-realizadoras (Merton, 1948) e efeitos de
ria. Estamos satisfeitos com princípios de mudança de          expectativa (Gergen & Taylor, 1969), poderíamos cons-
atitude até o momento em que os encontramos sendo              truir uma teoria geral das reações à teoria. Uma psicolo-
usados em campanhas dedicadas à modificação de nos-            gia dos efeitos de esclarecimento deveria habilitar-nos a
so comportamento. Nesse ponto, podemos nos ressentir           predizer e controlar os efeitos do conhecimento.
e reagir recalcitrantemente. Maior o poder da teoria em               Embora uma psicologia dos efeitos de esclareci-
prever o comportamento, maior seu público de dissemi-          mento pareça um promissor suplemento a teorias gerais,
nação e mais prevalente e reverberante sua reação. As-         sua utilidade é seriamente limitada. Uma tal psicologia
sim, as teorias fortes podem estar sujeitas à invalidação      pode investir-se de valor, aumentar nossas alternativas
mais rapidamente do que as fracas.                             comportamentais, e pode ser ofensiva por sua ameaça a
       O valor comum atribuído à liberdade pessoal não é o     sentimentos de autonomia. Assim, a teoria que prediz re-
único ponto que responde pela ruína de uma teoria              ações à teoria é também suscetível à violação ou justifi-
psicossociológica. Na cultura ocidental, parece haver um       cação. Nas relações entre pais e filhos ocorre
grande valor atribuído à singularidade ou individualidade. A   freqüentemente algo que ilustra esse ponto. Pais estão
imensa popularidade de Erikson (1968) e Allport (1965)         acostumados a usar recompensas diretas a fim de influ-
pode se dever ao grande apoio que esses autores dão a este     enciar o comportamento de suas crianças. Com certo
valor, e recente pesquisa em laboratório (Fromkin, 1970,       tempo, as crianças adquirem consciência da premissa
1972) demonstrou a força desse valor na alteração do com-      dos adultos de que uma recompensa atingirá os resulta-
portamento social. A teoria psicológica, na sua estrutura      dos desejados e tornam-se obstinadas. O adulto pode então
nomotética, é insensível às ocorrências singulares. Indiví-    reagir com uma psicologia ingênua dos efeitos de escla-
duos são tratados como exemplares de classes maiores.          recimento e expressar desinteresse pela realização da ta-
Uma reação comum é a de que a teoria psicológica é             refa por parte da criança, novamente com a intenção de
desumanizante, e como Maslow (1968) notou, pacientes           alcançar o objetivo desejado. A criança pode responder
sustentam um forte ressentimento ao receberem a rubrica        apropriadamente, mas muito freqüentemente irá emitir
ou serem rotulados com termos clínicos convencionais.          alguma variação de “você só está dizendo que você não
Similarmente, negros, mulheres, ativistas, suburbanos,         se importa porque você realmente quer que eu faça”.
educadores e idosos têm todos reagido amargamente a            Nos termos de Loevinger (1959), “... um aumento no
explicações sobre seus comportamentos. Dessa forma,            controle parental é contrabalanceado por um aumento no
podemos nos esforçar em invalidar teorias que nos sedu-        controle filial” (p. 149). Em bom português, nomeia-se-
zem por sua aparência impessoal.                               lhe psicologia reversa, e é freqüentemente mal vista. Cer-
                                                               tamente, pode-se contar com pesquisa sobre reações à
Psicologia dos Efeitos de Esclarecimento                       psicologia dos efeitos de esclarecimento, porém rapida-
       Até agora discutimos três modos através dos quais       mente pode-se ver que essa troca de ações e reações
a psicologia social altera o comportamento que ela pre-        poderia ser estendida indefinidamente. Uma psicologia dos
tende estudar. Antes de passarmos a um segundo grupo           efeitos de esclarecimento está sujeita às mesmas limita-
de argumento em favor da dependência histórica da teo-         ções históricas como outras teorias de psicologia social.
ria psicológica, devemos lidar com um importante meio
de combate aos efeitos descritos até agora. A fim de pre-           Teoria psicológica e mudança cultural
servar a validade transhistórica dos princípios psicológi-
cos, a ciência poderia ser removida do domínio público e              O argumento contra leis transhistóricas em psico-
a compreensão científica reservada a uma elite seleta.         logia social não apenas reside na consideração do impac-
Essa elite seria, evidentemente, cooptada pelo Estado, uma     to da ciência na sociedade. Uma segunda importante li-
vez que nenhum governo poderia admitir o risco da exis-        nha de pensamento merece consideração. Se examinar-

                                                                                                                       479
GERGEN, K. J. “A Psicologia Social como História”

mos as mais proeminentes linhas de pesquisa durante a            & Hovland, 1953) porque, atualmente, não nos parece útil
última década, logo perceberemos que as regularidades            reter a associação. Em pesquisas sobre conformidade, pes-
observadas e, assim, os princípios teóricos mais impor-          soas conformam-se mais a amigos do que a não-amigos
tantes, estão firmemente vinculados a circunstâncias his-        (Back, 1951) parcialmente porque aprenderam que amigos
tóricas. A dependência histórica dos princípios psicológi-       punem comportamentos desviantes na sociedade contem-
cos é mais notável em áreas onde o foco incide sobre o           porânea. Pesquisas em atribuição causal (cf. Jones, Davis
público. Psicólogos sociais têm se preocupado muito,             & Gergen, 1961; Kelley, 1971) dependem da tendência cul-
por exemplo, em isolar indicadores de ativismo político          turalmente dependente a perceber o homem como a fonte
durante a última década (cf. Mankoff & Flacks, 1971;             de sua ação. Essa tendência pode ser modificada (Hallowell,
Soloman & Fishman, 1964). Entretanto, se se examina              1958) e alguns (Skinner, 1971) de fato demonstraram que
esta literatura ao longo do tempo, inúmeras inconsistênci-       isso pode acontecer.
as aparecem. Variáveis que predizem com êxito o ativismo                Talvez a garantia principal de que a psicologia social
político durante os primeiros estágios da guerra do Vietnã       nunca desaparecerá pela sua redução à fisiologia seja a de
são distintos daqueles que predizem com êxito o ativismo         que a fisiologia não pode dar conta das variações do com-
durante os períodos finais. Parece clara a conclusão de          portamento humano ao longo do tempo. As pessoas podem
que os fatores mobilizadores do ativismo político muda-          preferir roupas de cores abertas e alegres hoje e fechadas e
ram com o tempo. Assim, qualquer teoria do ativismo po-          sóbrias amanhã; podem valorizar autonomia nessa era e de-
lítico construída de achados anteriores seria invalidada por     pendência na próxima. Certamente, a variação das respos-
achados posteriores. Pesquisas futuras em ativismo políti-       tas ao meio repousa em variações na função fisiológica.
co encontrarão ainda, indubitavelmente, outros indicado-         Todavia, a fisiologia nunca pode especificar a natureza do
res mais úteis.                                                  estímulo ou do contexto da resposta a que cada indivíduo
       Tais alterações nas relações funcionais não estão limi-   está exposto. Não pode nunca dar conta do contínuo deslo-
tadas em princípio às áreas concernentes ao público imedi-       camento dos padrões do que é considerado bom e desejável
ato. A teoria da comparação social de Festinger (1957), por      na sociedade, de uma série de fontes de motivação primária
exemplo, e a extensiva linha de pesquisa dedutiva (cf. Latané,   para o indivíduo. Entretanto, ainda que a psicologia social
1966) estão baseadas na dupla suposição de que (a) pessoas       esteja imunizada do reducionismo fisiológico, suas teorias
desejam avaliar-se corretamente e (b) a fim de fazê-lo, com-     não estão isoladas da mudança histórica.
param-se com outros. Há pouquíssimas razões para achar                  É possível inferir dessa última classe de argumentos
que tais disposições são geneticamente determinadas, e po-       um compromisso com pelo menos uma teoria da validade
demos facilmente imaginar pessoas, e mesmo sociedades,           transhistórica. Tem-se argumentado que a estabilidade nos
nas quais tais suposições não se sustentariam. Muitos de         padrões de interação sob a qual a maioria de nossas teorias
nossos comentadores sociais são críticos da tendência co-        repousa depende de disposições adquiridas de duração li-
mum a buscar na opinião dos outros a definição de si e           mitada. Isso sugere implicitamente a possibilidade de uma
tentam mudar a sociedade com sua crítica. Com efeito,            teoria da aprendizagem social transcendendo as circuns-
toda a linha de pesquisa parece depender de um conjunto de       tâncias históricas. No entanto, tal conclusão não é confiável.
propensões aprendidas, propensões que poderiam ser alte-         Consideremos, por exemplo, uma teoria elementar de re-
radas pelo tempo e circunstâncias.                               forço. Poucos duvidariam de que a maioria das pessoas
       Da mesma maneira, a teoria da dissonância cognitiva       responde às contingências recompensadoras e punitivas
depende da suposição de que as pessoas não toleram               em seu meio, e é difícil imaginar um tempo em que isso
cognições contraditórias. A base de tal intolerância não pare-   não seria verdadeiro. Tais premissas parecem assim váli-
ce ser geneticamente dada. Há certamente indivíduos que          das transhistoricamente, e a primeira tarefa do psicólogo
entendem tais contradições de modo bastante diferente. Es-       poderia ser o isolamento das formas funcionais precisas
critores existencialistas recentes, por exemplo, celebram o      relacionadas aos padrões de recompensa e punição do
ato inconsistente. Contrariamente, devemos concluir que a        comportamento.
teoria é preditiva em razão do estado atual das disposições             Esta conclusão peca em dois pontos importantes.
aprendidas. Do mesmo modo, o trabalho de Schachter               Muitos críticos da teoria do reforço têm sustentado que a
(1959) sobre afiliação está sujeito aos argumentos elabora-      definição de recompensa (e punição) é circular. Reforço é
dos a partir da teoria da comparação social. O fenômeno da       tipicamente definido como aquilo que aumenta a freqüência
obediência de Milgram (1965) é certamente dependente das         de resposta; aumento de resposta é definido como aquilo
atitudes contemporâneas frente à autoridade. Na pesquisa         que reforça. Assim, a teoria parece limitada à interpretação
sobre mudança de atitudes, a credibilidade do comunicador        post hoc. Apenas quando a mudança do comportamento
é um potente fator porque aprendemos a confiar em autori-        ocorreu pode-se identificar o reforçador. A réplica mais
dades na nossa cultura, e a mensagem comunicada tornar-          significante a esse criticismo reside no fato de que recom-
se dissociada de sua fonte com o passar do tempo (Kelman         pensas e punições ganham valor preditivo tão logo são


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Psicologia & Sociedade; 20 (3): 475-484, 2008

indutivamente estabelecidas. Assim, isolar a aprovação soci-   relatos do passado a fim de alcançar uma melhor com-
al como um reforço positivo para o comportamento huma-         preensão acerca da vida nos dias atuais. Entretanto, é
no depende inicialmente de uma observação post hoc. Con-       provável que os psicólogos do futuro encontrem pouco
tudo, uma vez estabelecida como um reforçador, a aprova-       valor no conhecimento contemporâneo. Esses argumen-
ção social prova ser, no que concerne à predição, um bem-      tos não são puramente acadêmicos e não se limitam a
sucedido meio de modificação do comportamento (cf. Barron,     uma simples redefinição de ciência. Aqui estão implicadas
Hecknmueller, & Schultz, 1971; Gewirtz & Baer, 1958).          significantes alterações na atividade de campo. Cinco
       Entretanto, parece também que o reforço não per-        dessas alterações merecem atenção.
manece estável ao longo do tempo. Reisman (1952), por
exemplo, convincentemente demonstrou que a aprovação           Rumo à Integração do Puro e do Aplicado
social tem um valor reforçador muito maior em nossa so-               Entre psicólogos acadêmicos encontra-se difundi-
ciedade contemporânea do que há um século. E enquanto          do um preconceito contra a pesquisa aplicada, um pre-
orgulho nacional poderia ser um forte reforçador do com-       conceito que é evidenciado pelo enfoque dado à pesquisa
portamento juvenil nos idos de 1940, para a juventude con-     pura pelos periódicos de prestígio e pela dependência de
temporânea tal sentimento provavelmente seria aversivo.        promoção e manutenção de contribuições à pesquisa pura
Com efeito, a circularidade essencial na teoria do reforço     em oposição à pesquisa aplicada. Esse preconceito ba-
pode a qualquer momento ser recolocada. Como os valo-          seia-se, em parte, na suposição de que a pesquisa aplica-
res reforçadores mudam, assim também a validade preditiva      da é de valor transitório. Enquanto esta se limitaria a re-
dessa pressuposição de base.                                   solver problemas imediatos, a pesquisa pura contribuiria
       A teoria do reforço encara outras limitações históri-   para um conhecimento básico e duradouro. Do ponto de
cas quando a consideramos em suas determinações mais           vista atual, o solo no qual se assentam tais preconceitos
precisas. Igualmente à maioria das teorias da interação        não é merecedor de respeito. O conhecimento que a pes-
humana, a teoria está sujeita ao investimento ideológico. A    quisa pura se dedica em estabelecer é também transitó-
noção de que o comportamento é totalmente governado            rio; generalizações nessa área de pesquisa geralmente não
por contingências externas é vista por muitos como vul-        perduram. A tal ponto que, quando generalizações da pes-
garmente desprovida de sentido. O conhecimento da teo-         quisa pura têm grande validade transhistórica, podem estar
ria habilita-nos a evitar ser capturado por suas predições.    refletindo processos de interesse periférico ou importan-
Assim como terapeutas da modificação do comportamen-           tes para o funcionamento da sociedade.
to sabem, pessoas que estão familiarizadas com essas pre-             Psicólogos sociais são treinados para usar ferramen-
missas teóricas podem subverter seus efeitos desejados         tas de análise conceitual e metodologia científica a fim de
com facilidade. Finalmente, já que a teoria provou-se tão      explicar a interação humana. No entanto, dada a esterilida-
efetiva na alteração do comportamento de organismos in-        de em aperfeiçoar os princípios gerais ao longo do tempo,
feriores, torna-se particularmente ameaçador a alguém que      essas ferramentas mostram-se mais produtivas quando
valorize a autonomia. De fato, muitos de nós não gostarí-      usadas na resolução de problemas de importância imediata
amos que tentassem modelar nosso comportamento atra-           para a sociedade. Isso não implica que tais pesquisas de-
vés de técnicas de reforço, e inclinar-nos-íamos a quebrar     vam ser de alcance restrito. Um defeito fundamental de
a expectativa do ofensor. Em suma, a elaboração da teoria      grande parte das pesquisas aplicadas é que os termos usa-
do reforço não é menos vulnerável a efeitos de esclareci-      dos para descrever e explicar são relativamente concretos
mento do que outras teorias da interação humana.               e específicos para o caso em mãos. Enquanto os compor-
                                                               tamentos concretos estudados pelos psicólogos acadêmi-
  Implicações para uma ciência histórica do                    cos são freqüentemente mais triviais, a linguagem
           comportamento social                                explicativa é altamente geral, e assim mais amplamente
                                                               heurística. É assim que os argumentos presentes sugerem
       Sob a luz dos presentes argumentos, a tentativa         uma intensa focalização em assuntos sociais contemporâ-
contínua de construir leis gerais do comportamento so-         neos, baseados na aplicação de métodos científicos e fer-
cial parece mal direcionada, e a crença associada a ela de     ramentas conceituais largamente generalizadas.
que o conhecimento da interação social pode ser acumu-
lado como nas ciências naturais revela-se injustificada.       Da Predição à Sensibilização
Em essência, o estudo em psicologia social é fundamen-                O objetivo central da psicologia é tradicionalmente
talmente um empreendimento histórico. Estamos essen-           encarado como a predição e o controle do comporta-
cialmente engajados em incontáveis questões contempo-          mento. Do nosso ponto de vista, esse objetivo é despro-
râneas. Utilizamos metodologia científica, porém os re-        positado e oferece pouca justificativa para a pesquisa.
sultados não são princípios científicos no sentido tradici-    Princípios do comportamento humano podem ter valor
onal. No futuro, historiadores poderão voltar-se para tais     preditivo temporalmente limitado, e seu alto conhecimento

                                                                                                                       481
GERGEN, K. J. “A Psicologia Social como História”

pode torná-los impotentes como ferramentas de controle      ma maneira que um sociólogo preocupa-se em medir
social. Todavia, previsão e controle não precisam servir    preferências parciais ou padrões de mobilidade no de-
de pedras angulares do campo. A teoria psicológica pode     curso do tempo, o psicólogo social poderia atentar para
desempenhar um papel excessivamente importante en-          os padrões de mudança das disposições psicológicas e a
quanto dispositivo de sensibilização. Pode esclarecer-nos   sua relação com o comportamento social. Se a redução
acerca da gama de fatores que potencialmente influenci-     de dissonância é um processo importante, então deverí-
am o comportamento sob várias condições. A pesquisa         amos estar aptos a medir a prevalência e a força de tal
pode também oferecer algumas estimativas da importân-       disposição no seio da sociedade ao longo de tempo e os
cia desses valores num determinado momento. Seja no         modos de redução de dissonância prediletos num dado
caso do domínio da política pública ou dos relaciona-       momento. Se a elevação da estima parece influenciar a
mentos pessoais, a psicologia social pode aguçar a sensi-   interação social, os amplos estudos culturais deveriam
bilidade de um indivíduo para influências sutis e apontar   revelar a extensão dessa disposição, sua força em várias
suposições sobre o comportamento que não se mostra-         subculturas, e a forma do comportamento social com a
ram úteis no passado.                                       qual se encontra mais associada a um dado momento.
       Quando se pede um conselho ao psicólogo social       Embora experimentos em laboratório sejam adequados
sobre um provável comportamento em uma situação             ao isolamento de disposições particulares, são pobres in-
concreta, a reação consiste em desculpar-se. É necessá-     dicadores da série e da significância dos processos da
rio explicar que o campo ainda não se encontra suficien-    vida social contemporânea. São extremamente necessá-
temente desenvolvido a ponto de que predições confiáveis    rias metodologias que estabeleçam contato com a
possam ser feitas. Do nosso ponto de vista, tais descul-    prevalência, força e forma das disposições sociais no tem-
pas são inapropriadas. O campo pode raramente forne-        po. Com efeito, uma tecnologia dos indicadores sociais
cer princípios para que predições confiáveis possam ser     psicologicamente sensíveis (Bauer, 1969) é desejada.
feitas. Padrões de comportamento estão sob constante
mudança. Contudo, o que o campo pode e deve oferecer        Pesquisa em Estabilidade Comportamental
são pesquisas informando o inquiridor do número de                 O fenômeno social pode variar consideravelmente
possíveis ocorrências, ampliando assim sua sensibilida-     na medida em que se submete à mudança histórica. Certos
de e preparando-o para uma acomodação mais rápida à         fenômenos podem ser mais estreitamente vinculados a
modificação ambiental. Pode prover ferramentas              dados fisiológicos. A pesquisa de Schachter (1970) sobre
conceituais e metodológicas com as quais um número          estados emocionais parece ter uma forte base fisiológica,
maior de juízos de discernimento pode ser efetuado.         assim como o trabalho de Hess (1965) sobre afeto e
                                                            constrição pupilar. Embora disposições adquiridas possam
Desenvolvendo Indicadores de Disposições                    vir a superar algumas tendências fisiológicas, tais tendên-
Psicossociais                                               cias deveriam se reafirmar gradualmente. Outras propen-
      Psicólogos sociais evidenciam uma contínua preo-      sões fisiológicas, ainda, podem ser irreversíveis. Pode ha-
cupação com processos psicológicos básicos, ou seja,        ver também disposições que são suficientemente podero-
processos que influenciam um vasto e variado conjunto       sas para que nem o esclarecimento e nem mesmo as mu-
de comportamentos sociais. Simulando a preocupação          danças históricas venham a causar-lhe algum impacto. Al-
de psicólogos experimentais com processos básicos,          gumas pessoas geralmente evitarão estímulos físicos do-
como visão em cores, aquisição da linguagem, memória        lorosos, apesar de suas sofisticações ou das normas cor-
e assim por diante, psicólogos sociais detiveram-se em      rentes. Devemos pensar, então, em termos de um contí-
alguns processos, tais como dissonância cognitiva, nível    nuo de durabilidade histórica, com fenômenos altamente
de aspiração e atribuição causal. Entretanto, há uma pro-   suscetíveis à influência histórica num extremo e proces-
funda diferença entre os processos estudados nos domí-      sos mais estáveis no outro.
nios da psicologia geral experimental e no domínio da              Assim, métodos de pesquisa habilitando-nos a
psicologia social. No primeiro caso, os processos estão     discernir a durabilidade relativa do fenômeno social são
freqüentemente guardados biologicamente no organismo,       bastante necessários. Métodos interculturais poderiam ser
não estão sujeitos a efeitos de esclarecimento e não de-    empregados para esse fim. Embora a replicação intercultural
pendem de circunstâncias culturais. Ao contrário, a mai-    seja repleta de dificuldades, similaridade numa dada fun-
oria dos processos de domínio social é dependente de        ção entre culturas amplamente divergentes atestaria forte-
disposições sujeitas a modificação ao longo do tempo.       mente sua durabilidade no tempo. Técnicas de análise de
      Assim sendo, é um erro considerar os processos        conteúdo poderiam também ser empregadas no exame de
em psicologia social como básicos no sentido das ciênci-    períodos históricos recentes. Até agora, tais empreendi-
as naturais. Antes, podem ser largamente considerados a     mentos têm fornecido pouco além de citações indicando
contrapartida psicológica de normas culturais. Da mes-      que algum grande pensador pressentiu uma hipótese fami-

482
Psicologia & Sociedade; 20 (3): 475-484, 2008
                                                                  1
liar. Temos ainda que travar contato com a vasta quantida-            Sou muito grato às seguintes pessoas pelas profundas considera-
de de informações referentes aos padrões de interação nos                ções às várias fases dessa análise: Shel Feldman, Mary Gergen,
                                                                         Kenneth Hammond, Louise Kidder, George Levinger, Paul
últimos períodos. Embora a progressiva sofisticação dos
                                                                         Rosenblatt, Ralph Rosnow, M. Brewster Smith, Siegfried
padrões de comportamento ao longo do espaço e do tem-                    Streufert, Lloyd Strickland, Karl Weick, and Lawrence
po fornecesse valiosas compreensões referentes à durabi-                 Wrightsman. Pedidos de reimpressão deverão ser enviados ao
lidade, alguns difíceis problemas apresentar-se-iam. Alguns              autor, no Departamento de Psicologia, Swarthmore College,
padrões de comportamento podem permanecer estáveis                       Swarthmore, Pensylvania 19080.
até uma observação minuciosa. Outros podem simples-
mente tornar-se disfuncionais com o passar do tempo. A                            Referências Bibliográficas
confiança do homem num conceito de deidade tem uma
longa história e é encontrada em numerosas culturas. En-          Adorno, T. W., Frenkel-Brunswik, E., Levinson, D. J., & Sanford,
tretanto, muitos são céticos sobre o futuro desta crença.            R. N. (1950). The authoritarian personality. New York: Harpers.
Taxas de durabilidade teriam assim que contribuir para a          Allport, G. W. (1965). Pattern and growth in personality. New
estabilidade potencial tanto quanto atual do fenômeno.               York: Holt, Rinehart & Winston.
                                                                  Back, K. W. (1951). Influence through social communication.
        Ainda que a pesquisa por disposições culturais mais
                                                                     Journal of Abnormal and Social Psychology, 46, 9-23.
duráveis seja extremamente valiosa, não deveríamos daí            Back, K. W. (1963). The proper scope of social psychology. Social
concluir que seja mais útil ou desejável que estudar os pa-          Forces, 41, 368-376.
drões passados de comportamento. Grande parte da vari-            Barron, R., Heckenmueller, J., & Schultz, S. (1971). Differences in
abilidade do comportamento social deve-se indubitavelmente           conditionability as a function of race of subjects and prior
a disposições historicamente dependentes, e o desafio de             avaiability of a social reinforcer. Journal of Personality, 39, 94-
                                                                     111.
capturar tais processos “em luta” e durante períodos pre-
                                                                  Bauer, R. (Ed.). (1969). Social indicators. Cambridge, Mass: M.I.T.
ciosos da história é imenso.                                         Press.
                                                                  Brehm, J. W. (1966). A theory of psychological reactance. New
Rumo a uma História Social Integrada                                 York: Academic Press.
       Sustentou-se que a pesquisa em psicologia social é         Brehm, J. W., & Cohen, A. R. (1966). Explorations in cognitive
fundamentalmente o estudo sistemático da história con-               dissonance. New York: Wiley.
                                                                  Brown, R. (1965). Social psychology. Glencoe, Ill: Free Press.
temporânea. Assim sendo, parece miopia manter a separa-           Carr, E. H. (1963). What is history? New York: Knopf.
ção disciplinar (a) do estudo tradicional de história e (b) de    Christie, R. & Jahoda, M. (Eds.). (1954). Studies in the scope and
outras ciências historicamente fronteiriças (incluindo so-           method of “The authoritarian personality”. Glencoe, Ill: Free
ciologia, ciência política e economia). As particulares es-          Press.
tratégias de pesquisa e a sensibilidade do historiador pode-      Crowne, D. P. & Marlowe, D. (1964). The approval motive: Studies
riam elevar a compreensão da psicologia social, passada e            in evaluative dependence. New York: Wiley.
                                                                  Dion, K. L., Baron, R. S., & Miller, N. (1970). Why do groups
presente. Particularmente útil seria a sensibilidade do his-         make riskier decisions than individuals? In L. Berkowitz (Ed.),
toriador às seqüências causais no curso do tempo. Muitas             Advances in experimental social psychology (Vol. 5). New York:
pesquisas em psicologia social centram-se em segmentos               Academic Press.
momentâneos de processos em andamento. Temos nos                  DiRenzo, G. (Ed.). (1966). Concepts, theory and explanation in the
concentrado muito pouco na função desses segmentos                   behavioral sciences. New York: Random House.
dentro de seu contexto histórico. Temos pouca teoria li-          Eckman, P. (1965). Communication through non-verbal behavior:
                                                                     A source of information about an interpersonal relationship. In
dando com a inter-relação entre eventos dentro de longos             S. S. Tomkins & C. Izard (Eds.), Affect, cognition and personality.
períodos de tempo. Da mesma feita, historiadores poderi-             New York: Springer.
am beneficiar-se das mais rigorosas metodologias empre-           Erickson, E. (1968). Identity and identity diffusion. In C. Gordon
gadas pelos psicólogos sociais tanto quanto de sua sensi-            & K. J. Gergen (Eds.), The self in social interaction (Vol. 1).
bilidade a variáveis psicológicas. Contudo, o estudo da his-         New York: Wiley.
tória, passada e presente, deveria ser empreendido da ma-         Festinger, L. (1957). A theory of cognitive dissonance. Evanston,
                                                                     Ill: Row, Peterson.
neira mais ampla possível. Fatores políticos, econômicos          Fromkin, H. L. (1970). Effects of experimentally aroused feelings
e institucionais são todos fatores necessários à compreen-           of undistinctiveness upon valuation of scarce and novel
são numa perspectiva integrada. A concentração em psi-               experiences. Journal of Personality and Social Psychology, 16,
cologia apenas oferece uma compreensão distorcida de                 521-529.
nossa condição presente.                                          Fromkin, H. L. (1972). Feelings of interpersonal undistinctiveness:
                                                                     An unpleasant affective state. Journal of Experimental Research
                                                                     in Personality, in press.
                           Notas                                  Fromm, E. (1941). Escape from freedom. New York: Rinehart.
                                                                  Gergen, K. J. & Taylor, M. G. (1969). Social expectancy and self-
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   Personality and Social Psychology, 26 (2), 309-320.               Social Psychology, 5, 79-92.


                                                                                                                                  483
GERGEN, K. J. “A Psicologia Social como História”

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Krech, D., Crutchfield, R. S., & Ballachey, E. L. (1962). Individual
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                                                                                                                        kgergen1/
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   of Political and Social Science, 395, 54-67.                                                                 Tel.: (21) 9488-2003
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   studies in social psychology. New York: Holt, Rinehart &
                                                                          Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em
   Winston.
                                                                            Psicologia. Av. Pasteur, 250, Fundos - Pavilhão Nilton
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   Press.                                                                                                  Email: fportugal@ufrj.br
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   University Press.                                                      Revisão técnica de Francisco T. Portugal
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                                                                          Recebido: 09/10/2008
                                                                          Aceite final: 09/10/2008

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  • 1. Psicologia & Sociedade; 20 (3): 475-484, 2008 Psicologia & Sociedade; 20 (3): 453-464, 2008 A PSICOLOGIA SOCIAL COMO HISTÓRIA* Kenneth J. Gergen1 Swarthmore College, Swarthmore, E.U.A. Tradução de Filipe M. Boechat Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil Revisão técnica de Francisco Teixeira Portugal Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil A psicologia é usualmente definida como ciência dida à estabilidade geral dos eventos no mundo da natu- do comportamento humano e a psicologia social como reza. A velocidade da queda dos corpos ou a combinação aquele ramo dessa ciência que lida com a interação hu- dos elementos químicos, por exemplo, são eventos alta- mana. Um dos maiores propósitos da ciência é o estabe- mente estáveis ao longo do tempo. São eventos que po- lecimento de leis gerais por meio da observação sistemá- dem ser recriados em qualquer laboratório, 50 anos atrás, tica. Para o psicólogo social, tais leis gerais são desen- hoje, ou 100 anos depois. Porque são tão estáveis, largas volvidas a fim de descrever e explicar a interação social. generalizações podem ser estabelecidas com um alto grau Essa visão tradicional da lei científica repete-se de uma de confiança, explicações podem ser empiricamente tes- ou outra forma em quase todas as pesquisas fundamen- tadas e formulações matemáticas podem ser desenvolvi- tais do campo. Em sua discussão sobre o papel da expli- das com êxito. Se os eventos fossem instáveis, se a velo- cação nas ciências do comportamento, DiRenzo (1966) cidade da queda dos corpos ou a composição dos ele- apontou que uma “explicação completa” nas ciências mentos químicos estivesse em fluxo contínuo, o desen- comportamentais “é aquela que assumiu o estatuto inva- volvimento das ciências naturais estaria drasticamente riável de lei” (p. 11). Krech, Crutchfield e Ballachey (1962) impedido. Leis gerais não apareceriam, e o registro de declararam que “enquanto estivermos interessados em eventos naturais destinar-se-ia principalmente à análise psicologia social como uma ciência básica ou como uma histórica. Se os eventos naturais fossem caprichosos, a ciência aplicada, um conjunto de princípios científicos é ciência natural seria amplamente substituída pela história essencial” (p. 3). Jones e Gerard (1967) propagaram esta natural. visão: “a Ciência busca compreender os fatores respon- O objetivo deste artigo é demonstrar que a psicolo- sáveis por relações estáveis entre eventos” (p. 42). Como gia social é principalmente um inquérito histórico. Dife- Mills (1969) colocou, “psicólogos sociais querem des- rentemente das ciências naturais, ela lida com fatos que cobrir relações causais que permitam estabelecer princí- são em grande medida irrepetíveis e notadamente instá- pios básicos que explicarão o fenômeno da psicologia veis. Os princípios da interação humana dificilmente po- social” (p. 412). dem ser desenvolvidos porque os fatos sobre os quais Esta visão da psicologia é, certamente, descenden- são baseados geralmente não permanecem estáveis. O te direta do pensamento setecentista. Em um tempo em conhecimento não pode ser acumulado, no sentido usu- que as ciências físicas produziram contribuições notá- al, porque tal conhecimento geralmente não transcende veis ao conhecimento, poder-se-ia ver com grande oti- seus limites históricos. Na discussão seguinte, duas li- mismo a possibilidade de aplicação do método científico nhas centrais de argumentação serão desenvolvidas a fim ao comportamento humano (Carr, 1963). Se princípios de sustentar essa tese: a primeira, centrada no impacto gerais do comportamento pudessem ser estabelecidos, da ciência no comportamento social; a segunda, centrada talvez fosse possível eliminar os conflitos sociais, dar na mudança histórica. Após examinar estes argumentos, um fim aos problemas de doença mental e criar condi- focaremos nas alterações no domínio e objetivos do cam- ções sociais em máximo benefício dos membros da so- po sugerido por essa análise. ciedade. Como outros esperaram outrora, poderia mes- mo ser possível dar a tais princípios uma forma matemá- Impacto da ciência na interação social tica, desenvolver “uma matemática do comportamento humano tão precisa quanto a matemática das máquinas” Tal como Back (1963) mostrou, a ciência social (Russell, 1956, p. 142). pode proveitosamente ser vista como um extenso siste- O notável sucesso das ciências naturais em estabe- ma de comunicações. Na execução da pesquisa, os cien- lecer princípios gerais pode ser atribuído em grande me- tistas recebem mensagens transmitidas pelo sujeito do 475
  • 2. GERGEN, K. J. “A Psicologia Social como História” experimento. Em sua forma crua, tais mensagens geram cação de nossos princípios pode alterar o dado sobre o apenas “ruído” para o cientista. Teorias científicas ser- qual eles estão baseados, como o próprio desenvolvimen- vem como dispositivo decodificador que converte o ba- to dos princípios pode vir a invalidá-los. Três linhas de rulho em informação útil. Embora Back tenha usado esse argumentação são pertinentes: a primeira é derivada do modelo de várias maneiras instigantes, sua análise termi- viés avaliativo da pesquisa psicológica; a segunda, dos efei- na no ponto da decodificação. Esse modelo precisa ser tos libertadores do conhecimento; a terceira, da importân- estendido além do processo de coleta e decodificação cia dos valores prevalecentes na cultura. das mensagens. A tarefa do cientista é também aquela do comunicador. Se suas teorias provam ser dispositivos Viés Prescritivo da Teoria Psicológica úteis de decodificação, elas são comunicadas à popula- ção a fim de que ela possa beneficiar-se de sua utilidade. Como cientistas da interação humana, estamos Ciência e sociedade retroalimentam-se. engajados numa dualidade peculiar. Por um lado, cientifi- Esse tipo de relação do cientista com a sociedade camente, avaliamos desinteressadamente o comportamen- expandiu-se progressivamente durante a última década. to. Estamos bem avisados dos efeitos enviesadores de Canais de comunicação desenvolveram-se rapidamente. intensos compromissos normativos. Por outro lado, como No nível da educação superior, mais de oito milhões de seres humanos socializados, nós sustentamos inúmeros estudantes anualmente deparam-se com cursos ofereci- valores acerca da natureza das relações sociais. Raro o dos no domínio da psicologia, ofertas que se tornaram, psicólogo social em que seus valores não influenciam o nos últimos anos, insuperáveis em popularidade. A edu- tema de sua pesquisa, seus métodos de observação, ou cação liberal de hoje exige familiaridade com as idéias mesmo os termos de sua descrição. Na geração de co- centrais da psicologia. Os veículos de comunicação de nhecimento sobre a interação social, comunicamos tam- massa vêm também satisfazer o vasto público interessa- bém nossos valores pessoais. O receptor do conheci- do em psicologia. A imprensa monitora cuidadosamente mento provê-se assim de duas classes de mensagens: os encontros profissionais tanto quanto os periódicos da mensagens que desinteressadamente descrevem o que profissão. Editoras acharam rentável apresentar a visão parece ser, e aquelas que sutilmente prescrevem o que é dos psicólogos sobre os padrões contemporâneos de desejável. comportamento, e revistas quase exclusivamente volta- Este argumento é mais claramente evidente nas das à psicologia ostentam hoje um total de mais de 600.000 pesquisas sobre disposições pessoais. A maioria de nós leitores. Quando acrescentamos a essas marcas a osten- sentir-se-ia insultado se fosse caracterizado como pos- siva expansão do mercado de brochuras, a crescente suindo baixa auto-estima ou alto grau de busca de apro- demanda governamental por conhecimento justificando vação, cognitivamente indiferenciado, autoritário, com- o investimento público na pesquisa psicológica, a prolife- pulsivo anal, dependente do campo, ou de mentalidade ração de encontros técnicos, o estabelecimento de em- fechada. Em parte, nossas relações refletem nossa preendimentos comerciais vendendo psicologia através aculturação. Não é preciso ser psicólogo para ofender-se de jogos e pôsteres, e a crescente confiança das grandes por tais rótulos. Mas, igualmente em parte, tais reações instituições (comerciais, governamentais, militares e so- são criadas pelos conceitos utilizados na descrição e ex- ciais) depositada na competência de seus cientistas plicação de fenômenos. Por exemplo, no prefácio a The comportamentais; começa-se então a sentir a força do Authoritarian Personality (Adorno, Frenkel-Brunswik, laço pelo qual os psicólogos encontram-se vinculados, Levinson & Sanford, 1950), os leitores são informados em mútua comunicação, à cultura que lhes envolve. de que “em contraste com o intolerante de antigamente, A maioria dos psicólogos sustenta o desejo de que o (o autoritário) parece combinar as idéias e as habilidades conhecimento psicológico irá causar algum impacto na de uma sociedade altamente industrializada a crenças ir- sociedade. Muitos de nós nos sentimos gratificados quan- racionais e anti-racionais” (p. 3). Discutindo a personali- do tal conhecimento pode ser utilizado para fins benéficos. dade maquiavélica, Christie e Geis (1970) notaram que De fato, para muitos psicólogos sociais, o comprometi- mento com o campo depende em grande medida da cren- Inicialmente, nossa imagem dos maquiavélicos foi ça na utilidade social do conhecimento científico. Contu- negativa, associada a manipulações sombrias e de- do, não se assume corriqueiramente que tal utilização alte- sagradáveis. Entretanto ... encontramo-nos nós mes- rará o caráter das relações causais da interação social. Es- mos diante de uma admiração perversa pela habilida- peramos sim que o conhecimento do funcionamento seja de daqueles para ultrapassar os outros em situações utilizado na alteração de comportamentos, mas não espe- experimentais (p. 339). ramos que uma tal utilização afete o caráter subseqüente Em sua capacidade prescritiva, tais comunicações do próprio funcionamento. Nossas expectativas, nesse tornam-se agentes de mudança social. Num nível ele- caso, podem ser bastante infundadas. Não apenas a apli- mentar, o estudante de psicologia poderia certamente 476
  • 3. Psicologia & Sociedade; 20 (3): 475-484, 2008 desejar excluir da observação pública comportamentos A observação crítica subjacente a estas notas não é rotulados pelos respeitados acadêmicos como autoritári- inadvertida. Parece infeliz que uma profissão dedicada ao os, maquiavélicos e assim por diante. A comunicação do desenvolvimento objetivo e imparcial do conhecimento conhecimento pode, dessa maneira, homogeneizar os devesse usar esta posição para fazer propaganda àqueles indicadores comportamentais de disposições subjacentes. que inocentemente recebem esse mesmo conhecimento. Num nível mais complexo, o conhecimento dos correlatos Os conceitos do campo são raramente desprovidos de da personalidade pode induzir o comportamento a supri- valor, e muitos poderiam ser substituídos por conceitos mir os correlatos. Não é estranho que muitas pesquisas de uma carga valorativa bastante diferente. Brown (1965) sobre diferenças individuais coloquem os psicólogos pro- indicou o fato interessante de que a personalidade autori- fissionais em alta conta. Assim, mais os sujeitos asseme- tária clássica, tão temida em nossa própria literatura, era lham-se aos profissionais – em termos de educação, con- bastante similar à “personalidade tipo-J” (Jaensch, 1938), dição econômica, religião, raça, sexo e valores pessoais – em alta conta entre os alemães. Aquilo que nossa literatu- , mais vantajosas suas posições em exames psicológi- ra nomeou rigidez foi visto por eles como estabilidade; cos. Elevada educação, por exemplo, favorece diferenci- flexibilidade e individualismo na nossa literatura foram ação cognitiva (Witkin, Dyk, Faterson, Goodenough & vistos como falta de firmeza e excentricidade. Tais Karp, 1962), baixo grau de autoritarismo (Christie & rotulações enviesadas percorrem nossa literatura. Por Jahoda, 1954), mentalidade aberta (Rokeach, 1960) etc. exemplo, elevada alta-estima poderia ser nomeada egoís- Munidos dessas informações, aquelas pessoas deprecia- mo; necessidade de aprovação social poderia ser traduzida das pela pesquisa poderiam contrabalancear a fim de eva- por necessidade de integração social; diferenciação dir-se do estereótipo ofensivo. Por exemplo, mulheres cognitiva como perfeccionismo; criatividade como des- que aprenderam que são mais persuasíveis que homens vio; controle interno como egocentrismo. Do mesmo (cf. Janis & Field, 1959) podem retaliar, e, ao longo do modo, se nossos valores fossem outros, conformidade tempo, a correlação é invalidada ou revertida. social poderia ser vista como comportamento solidário; Embora vieses avaliativos sejam facilmente identi- mudança de atitude como adaptação cognitiva; e o des- ficados em pesquisas sobre personalidade, eles não estão vio em direção ao risco como uma conversão corajosa. de modo algum limitados a esta área. A maioria dos mo- Ainda assim, mesmo que os efeitos de disseminação delos de interação social também contém juízos de valor da terminologia psicológica precisem ser lamentados, é implícitos. Por exemplo, pesquisas sobre conformidade importante traçar suas fontes. Em parte, a carga valorativa freqüentemente tratam o conformado como um cidadão dos termos teóricos parece bastante intencional. O ato de de segunda categoria, uma ovelha social que abre mão de tornar público implica o desejo de ser ouvido. Entretanto, convicções pessoais em troca das opiniões errôneas dos termos neutros têm pouco valor para o leitor potencial, e a outros. Assim, modelos de conformidade social sensibi- pesquisa não-valorativa rapidamente torna-se obscura. Se lizam-no a fatores que poderiam levá-lo a ações sociais obediência fosse renomeada para comportamento alfa e deploráveis. Com efeito, o conhecimento protege contra não fosse tornada deplorável a partir de associações com a eficácia futura destes mesmos fatores. Pesquisas so- Adolph Eichman, o interesse público seria indubitavelmente bre mudança de atitude freqüentemente levam a essas menor. Além de angariar o interesse do público e da profis- mesmas implicações. Saber sobre a mudança de atitude são, conceitos carregados de valor provêem também um estimula a crer que se tem o poder de mudar os outros. considerável meio de expressão para os psicólogos. Con- Conseqüentemente, outros são relegados ao status de versei com inúmeros estudantes graduados que se volta- manipuláveis. Assim, teorias de mudança de atitude po- ram para a psicologia como decorrência de profundas pre- deriam sensibilizar em direção à proteção contra fatores ocupações humanísticas. Dentre muitos se encontra um que poderiam potencialmente influenciá-lo. Do mesmo poeta frustrado, filósofo ou humanitário que vê, no méto- modo, teorias de agressão usualmente condenam o do científico, simultaneamente, um meio para expressar agressor, modelos de negociação interpessoal desapro- seus valores e um obstáculo à livre expressão. Triste é o vam a espoliação e modelos de desenvolvimento moral fato aparente de que a chave para a livre expressão na depreciam aqueles abaixo do estágio ótimo (Kohnlberg, mídia profissional é uma vida próxima ao laboratório. Muitos 1970). A teoria da dissonância cognitiva (Brehm & Cohen, desejam compartilhar seus valores diretamente, sem se- 1966; Festinger, 1957) podia parecer neutra, porém a rem limitados pela constante demanda por evidência siste- maioria dos estudos nesta área tem apresentado o redu- mática. Para eles, conceitos sobrecarregados de valor com- tor de dissonância em termos nada elogiosos. “Quão es- pensam o conservadorismo usualmente oriundo dessas túpido”, dizemos, “que as pessoas tenham que trapacear, demandas. O psicólogo de maior reputação pode perdoar- tirar notas baixas em exames, mudar suas opiniões sobre se mais diretamente. Normalmente, no entanto, nós não os outros, ou mesmo comer alimentos indesejáveis, ape- costumamos ver nossas opiniões como propagandísticas, nas para manter a consistência”. mas sim como o reflexo de “verdades básicas”. 477
  • 4. GERGEN, K. J. “A Psicologia Social como História” Ainda que a comunicação de valores através do co- ao risco produzidas pelo grupo de discussão até tais com- nhecimento seja em certa medida intencional, ela não o é portamentos tornarem-se normais. de todo. A defesa de valores é quase um produto inevitável Como premissa geral, admite-se que o profundo da existência social, e como participantes da sociedade conhecimento de princípios psicológicos liberte os sujei- raramente nos dissociamos desses valores ao perseguir tos de suas implicações comportamentais. Princípios es- metas profissionais. Além disso, se confiamos na lingua- tabelecidos do comportamento tornam-se estímulos à gem da cultura para a comunicação científica, é difícil en- tomada de decisão de alguém. Como Winch (1958) indi- contrar termos dizendo respeito à interação social despro- cou, “na medida em que compreender algo envolve com- vidos de valor prescritivo. Nós poderíamos reduzir as pres- preender sua contradição, alguém que, inteligentemente, crições implícitas contidas em nossas comunicações se realiza X deve ser capaz de visualizar a possibilidade de adotássemos uma linguagem completamente técnica. En- fazer não-X” (p. 89). Princípios psicológicos também tretanto, mesmo uma linguagem técnica torna-se avaliativa sensibilizam os sujeitos a influências que agem sobre eles sempre que a ciência é usada como veículo de mudança e dirigem sua atenção a certos aspectos do meio e deles social. Talvez nossa melhor opção seja mantermo-nos tão mesmos. Nesse processo, seus padrões de comporta- sensível quanto possível aos nossos vieses e comunicá- mento podem ser fortemente influenciados. Como May los tão abertamente quanto possível. A defesa de valores (1971) expôs mais apaixonadamente, “cada um de nós pode ser inevitável, mas podemos evitar mascará-la como herda da sociedade um fardo de tendências que nos mo- reflexões objetivas da verdade. delam inevitavelmente; porém nossa capacidade de ser consciente desse fato salva-nos de sermos estritamente Conhecimento e Liberação Comportamental determinados” (p. 100). Dessa forma, o conhecimento É comum na prática de pesquisa em psicologia evitar de signos não-verbais de estresse ou calma (Eckman, comunicar quaisquer premissas teóricas ao sujeito antes 1965) habilita-nos a utilizá-los toda vez que nos é útil ou durante a pesquisa. A pesquisa de Rosenthal (1966) fazê-lo. Saber que pessoas em problema são menos dis- indicou que mesmo as pistas mais sutis das expectativas postas a serem ajudadas quando há um grande número do experimentador podem alterar o comportamento do de espectadores (Latané & Darley, 1970) pode aumentar sujeito. Desse modo, sujeitos ingênuos são requeridos o desejo de oferecer ajuda em tais condições. Saber que pelos padrões comuns de rigor. As implicações dessa o estado de excitação pode influenciar a interpretação de cautela metodológica simples são de considerável eventos (cf. Jones & Gerard, 1967) pode suscitar caute- significância. Se os sujeitos possuem conhecimento pre- la quando esse mesmo estado encontra-se em grau ele- liminar, tais como premissas teóricas, não podemos tes- vado. Em cada caso, o conhecimento aumenta as alter- tar adequadamente nossas hipóteses. Da mesma manei- nativas de ação, e padrões prévios de comportamento ra, se a sociedade é psicologicamente informada, teorias são modificados ou dissolvidos. sobre isso mesmo que é informado tornam-se difíceis de serem testadas sem o risco de contaminação. Eis aqui Fuga em direção à Liberdade uma diferença fundamental entre as ciências naturais e A invalidação histórica da teoria psicológica pode sociais. Formalmente, o cientista não pode comunicar ser mais profundamente investigada em sentimentos seu conhecimento aos sujeitos de seu estudo de tal for- comumente observados no interior da cultura ocidental. ma que suas disposições comportamentais sejam modifi- Da maior importância é o desconforto geral que as pes- cadas. Nas ciências sociais tal comunicação pode ter um soas parecem sentir quando têm o número de suas alter- impacto vital no comportamento. nativas de respostas diminuído. Como Fromm (1941) Um exemplo simples pode ser suficiente. Parece viu, o desenvolvimento inclui a aquisição de fortes dese- que numa enorme variedade de condições, grupos de jos de autonomia. Weinstein e Platt (1969) discutiram tomada de decisão realizam decisões arriscadas através bastante o mesmo sentimento em termos de “desejo do de grupos de discussão (cf. Dion, Baron, & Miller, 1970; homem de ser livre”, e vincularam esta disposição à es- Wallach, Kogan & Bem, 1964). Investigadores nessa área trutura do desenvolvimento social. Brehm (1966) usou acautelam-se bastante para que os sujeitos experimentais essa mesma disposição como pedra angular de sua teoria não ignorem seu conhecimento neste assunto. Esses su- da reatância psicológica. A prevalência desse valor apren- jeitos, uma vez cientes, poderiam resguardar-se dos efei- dido teve importantes implicações para a validade, a lon- tos do grupo de discussão ou responder apropriadamen- go prazo, da teoria psicossociológica. te a fim de ganhar a aprovação do experimentador. En- Teorias válidas sobre o comportamento social cons- tretanto, se o desvio em direção ao risco viesse a se trans- tituem significantes instrumentos de controle social. Na formar em conhecimento comum, sujeitos ingênuos tor- medida em que o comportamento de um indivíduo é nar-se-iam inalcançáveis. Membros da cultura poderiam predizível, ele torna-se vulnerável. Outros podem alterar sistematicamente compensar as tendências em direção as condições ambientais ou seu próprio comportamento 478
  • 5. Psicologia & Sociedade; 20 (3): 475-484, 2008 em relação a ele a fim de obter um máximo de recompen- tência de um estabelecimento privado desenvolvendo fer- sa com um mínimo de custo. Da mesma maneira que ramentas de controle público. Para a maioria de nós, tal um estrategista militar entrega-se a uma derrota quando proposta é repugnante, e nossa inclinação é, ao contrá- suas ações tornam-se predizíveis, que um oficial de uma rio, procurar uma solução científica ao problema da de- organização pode ser traído por seus subordinados, e pendência histórica. Muito do que se disse aqui sugere que esposas manipuladas por seus maridos farristas quan- uma resposta desse tipo. Se pessoas que são psicologi- do seus padrões de comportamento são confiáveis. O camente esclarecidas reagem aos princípios gerais con- conhecimento torna-se assim poder nas mãos de outros. tradizendo-lhes, ratificando-lhes, ignorando-lhes, e assim Segue-se que princípios psicológicos colocam uma ame- por diante, então deveria ser possível estabelecer as con- aça potencial a todos aqueles com que estão relaciona- dições sob as quais essas várias reações ocorrerão. Base- dos. Investimentos em liberdade podem assim ado em noções de reatância psicológica (Brehm, 1966), potencializar um comportamento visando invalidar a teo- profecias auto-realizadoras (Merton, 1948) e efeitos de ria. Estamos satisfeitos com princípios de mudança de expectativa (Gergen & Taylor, 1969), poderíamos cons- atitude até o momento em que os encontramos sendo truir uma teoria geral das reações à teoria. Uma psicolo- usados em campanhas dedicadas à modificação de nos- gia dos efeitos de esclarecimento deveria habilitar-nos a so comportamento. Nesse ponto, podemos nos ressentir predizer e controlar os efeitos do conhecimento. e reagir recalcitrantemente. Maior o poder da teoria em Embora uma psicologia dos efeitos de esclareci- prever o comportamento, maior seu público de dissemi- mento pareça um promissor suplemento a teorias gerais, nação e mais prevalente e reverberante sua reação. As- sua utilidade é seriamente limitada. Uma tal psicologia sim, as teorias fortes podem estar sujeitas à invalidação pode investir-se de valor, aumentar nossas alternativas mais rapidamente do que as fracas. comportamentais, e pode ser ofensiva por sua ameaça a O valor comum atribuído à liberdade pessoal não é o sentimentos de autonomia. Assim, a teoria que prediz re- único ponto que responde pela ruína de uma teoria ações à teoria é também suscetível à violação ou justifi- psicossociológica. Na cultura ocidental, parece haver um cação. Nas relações entre pais e filhos ocorre grande valor atribuído à singularidade ou individualidade. A freqüentemente algo que ilustra esse ponto. Pais estão imensa popularidade de Erikson (1968) e Allport (1965) acostumados a usar recompensas diretas a fim de influ- pode se dever ao grande apoio que esses autores dão a este enciar o comportamento de suas crianças. Com certo valor, e recente pesquisa em laboratório (Fromkin, 1970, tempo, as crianças adquirem consciência da premissa 1972) demonstrou a força desse valor na alteração do com- dos adultos de que uma recompensa atingirá os resulta- portamento social. A teoria psicológica, na sua estrutura dos desejados e tornam-se obstinadas. O adulto pode então nomotética, é insensível às ocorrências singulares. Indiví- reagir com uma psicologia ingênua dos efeitos de escla- duos são tratados como exemplares de classes maiores. recimento e expressar desinteresse pela realização da ta- Uma reação comum é a de que a teoria psicológica é refa por parte da criança, novamente com a intenção de desumanizante, e como Maslow (1968) notou, pacientes alcançar o objetivo desejado. A criança pode responder sustentam um forte ressentimento ao receberem a rubrica apropriadamente, mas muito freqüentemente irá emitir ou serem rotulados com termos clínicos convencionais. alguma variação de “você só está dizendo que você não Similarmente, negros, mulheres, ativistas, suburbanos, se importa porque você realmente quer que eu faça”. educadores e idosos têm todos reagido amargamente a Nos termos de Loevinger (1959), “... um aumento no explicações sobre seus comportamentos. Dessa forma, controle parental é contrabalanceado por um aumento no podemos nos esforçar em invalidar teorias que nos sedu- controle filial” (p. 149). Em bom português, nomeia-se- zem por sua aparência impessoal. lhe psicologia reversa, e é freqüentemente mal vista. Cer- tamente, pode-se contar com pesquisa sobre reações à Psicologia dos Efeitos de Esclarecimento psicologia dos efeitos de esclarecimento, porém rapida- Até agora discutimos três modos através dos quais mente pode-se ver que essa troca de ações e reações a psicologia social altera o comportamento que ela pre- poderia ser estendida indefinidamente. Uma psicologia dos tende estudar. Antes de passarmos a um segundo grupo efeitos de esclarecimento está sujeita às mesmas limita- de argumento em favor da dependência histórica da teo- ções históricas como outras teorias de psicologia social. ria psicológica, devemos lidar com um importante meio de combate aos efeitos descritos até agora. A fim de pre- Teoria psicológica e mudança cultural servar a validade transhistórica dos princípios psicológi- cos, a ciência poderia ser removida do domínio público e O argumento contra leis transhistóricas em psico- a compreensão científica reservada a uma elite seleta. logia social não apenas reside na consideração do impac- Essa elite seria, evidentemente, cooptada pelo Estado, uma to da ciência na sociedade. Uma segunda importante li- vez que nenhum governo poderia admitir o risco da exis- nha de pensamento merece consideração. Se examinar- 479
  • 6. GERGEN, K. J. “A Psicologia Social como História” mos as mais proeminentes linhas de pesquisa durante a & Hovland, 1953) porque, atualmente, não nos parece útil última década, logo perceberemos que as regularidades reter a associação. Em pesquisas sobre conformidade, pes- observadas e, assim, os princípios teóricos mais impor- soas conformam-se mais a amigos do que a não-amigos tantes, estão firmemente vinculados a circunstâncias his- (Back, 1951) parcialmente porque aprenderam que amigos tóricas. A dependência histórica dos princípios psicológi- punem comportamentos desviantes na sociedade contem- cos é mais notável em áreas onde o foco incide sobre o porânea. Pesquisas em atribuição causal (cf. Jones, Davis público. Psicólogos sociais têm se preocupado muito, & Gergen, 1961; Kelley, 1971) dependem da tendência cul- por exemplo, em isolar indicadores de ativismo político turalmente dependente a perceber o homem como a fonte durante a última década (cf. Mankoff & Flacks, 1971; de sua ação. Essa tendência pode ser modificada (Hallowell, Soloman & Fishman, 1964). Entretanto, se se examina 1958) e alguns (Skinner, 1971) de fato demonstraram que esta literatura ao longo do tempo, inúmeras inconsistênci- isso pode acontecer. as aparecem. Variáveis que predizem com êxito o ativismo Talvez a garantia principal de que a psicologia social político durante os primeiros estágios da guerra do Vietnã nunca desaparecerá pela sua redução à fisiologia seja a de são distintos daqueles que predizem com êxito o ativismo que a fisiologia não pode dar conta das variações do com- durante os períodos finais. Parece clara a conclusão de portamento humano ao longo do tempo. As pessoas podem que os fatores mobilizadores do ativismo político muda- preferir roupas de cores abertas e alegres hoje e fechadas e ram com o tempo. Assim, qualquer teoria do ativismo po- sóbrias amanhã; podem valorizar autonomia nessa era e de- lítico construída de achados anteriores seria invalidada por pendência na próxima. Certamente, a variação das respos- achados posteriores. Pesquisas futuras em ativismo políti- tas ao meio repousa em variações na função fisiológica. co encontrarão ainda, indubitavelmente, outros indicado- Todavia, a fisiologia nunca pode especificar a natureza do res mais úteis. estímulo ou do contexto da resposta a que cada indivíduo Tais alterações nas relações funcionais não estão limi- está exposto. Não pode nunca dar conta do contínuo deslo- tadas em princípio às áreas concernentes ao público imedi- camento dos padrões do que é considerado bom e desejável ato. A teoria da comparação social de Festinger (1957), por na sociedade, de uma série de fontes de motivação primária exemplo, e a extensiva linha de pesquisa dedutiva (cf. Latané, para o indivíduo. Entretanto, ainda que a psicologia social 1966) estão baseadas na dupla suposição de que (a) pessoas esteja imunizada do reducionismo fisiológico, suas teorias desejam avaliar-se corretamente e (b) a fim de fazê-lo, com- não estão isoladas da mudança histórica. param-se com outros. Há pouquíssimas razões para achar É possível inferir dessa última classe de argumentos que tais disposições são geneticamente determinadas, e po- um compromisso com pelo menos uma teoria da validade demos facilmente imaginar pessoas, e mesmo sociedades, transhistórica. Tem-se argumentado que a estabilidade nos nas quais tais suposições não se sustentariam. Muitos de padrões de interação sob a qual a maioria de nossas teorias nossos comentadores sociais são críticos da tendência co- repousa depende de disposições adquiridas de duração li- mum a buscar na opinião dos outros a definição de si e mitada. Isso sugere implicitamente a possibilidade de uma tentam mudar a sociedade com sua crítica. Com efeito, teoria da aprendizagem social transcendendo as circuns- toda a linha de pesquisa parece depender de um conjunto de tâncias históricas. No entanto, tal conclusão não é confiável. propensões aprendidas, propensões que poderiam ser alte- Consideremos, por exemplo, uma teoria elementar de re- radas pelo tempo e circunstâncias. forço. Poucos duvidariam de que a maioria das pessoas Da mesma maneira, a teoria da dissonância cognitiva responde às contingências recompensadoras e punitivas depende da suposição de que as pessoas não toleram em seu meio, e é difícil imaginar um tempo em que isso cognições contraditórias. A base de tal intolerância não pare- não seria verdadeiro. Tais premissas parecem assim váli- ce ser geneticamente dada. Há certamente indivíduos que das transhistoricamente, e a primeira tarefa do psicólogo entendem tais contradições de modo bastante diferente. Es- poderia ser o isolamento das formas funcionais precisas critores existencialistas recentes, por exemplo, celebram o relacionadas aos padrões de recompensa e punição do ato inconsistente. Contrariamente, devemos concluir que a comportamento. teoria é preditiva em razão do estado atual das disposições Esta conclusão peca em dois pontos importantes. aprendidas. Do mesmo modo, o trabalho de Schachter Muitos críticos da teoria do reforço têm sustentado que a (1959) sobre afiliação está sujeito aos argumentos elabora- definição de recompensa (e punição) é circular. Reforço é dos a partir da teoria da comparação social. O fenômeno da tipicamente definido como aquilo que aumenta a freqüência obediência de Milgram (1965) é certamente dependente das de resposta; aumento de resposta é definido como aquilo atitudes contemporâneas frente à autoridade. Na pesquisa que reforça. Assim, a teoria parece limitada à interpretação sobre mudança de atitudes, a credibilidade do comunicador post hoc. Apenas quando a mudança do comportamento é um potente fator porque aprendemos a confiar em autori- ocorreu pode-se identificar o reforçador. A réplica mais dades na nossa cultura, e a mensagem comunicada tornar- significante a esse criticismo reside no fato de que recom- se dissociada de sua fonte com o passar do tempo (Kelman pensas e punições ganham valor preditivo tão logo são 480
  • 7. Psicologia & Sociedade; 20 (3): 475-484, 2008 indutivamente estabelecidas. Assim, isolar a aprovação soci- relatos do passado a fim de alcançar uma melhor com- al como um reforço positivo para o comportamento huma- preensão acerca da vida nos dias atuais. Entretanto, é no depende inicialmente de uma observação post hoc. Con- provável que os psicólogos do futuro encontrem pouco tudo, uma vez estabelecida como um reforçador, a aprova- valor no conhecimento contemporâneo. Esses argumen- ção social prova ser, no que concerne à predição, um bem- tos não são puramente acadêmicos e não se limitam a sucedido meio de modificação do comportamento (cf. Barron, uma simples redefinição de ciência. Aqui estão implicadas Hecknmueller, & Schultz, 1971; Gewirtz & Baer, 1958). significantes alterações na atividade de campo. Cinco Entretanto, parece também que o reforço não per- dessas alterações merecem atenção. manece estável ao longo do tempo. Reisman (1952), por exemplo, convincentemente demonstrou que a aprovação Rumo à Integração do Puro e do Aplicado social tem um valor reforçador muito maior em nossa so- Entre psicólogos acadêmicos encontra-se difundi- ciedade contemporânea do que há um século. E enquanto do um preconceito contra a pesquisa aplicada, um pre- orgulho nacional poderia ser um forte reforçador do com- conceito que é evidenciado pelo enfoque dado à pesquisa portamento juvenil nos idos de 1940, para a juventude con- pura pelos periódicos de prestígio e pela dependência de temporânea tal sentimento provavelmente seria aversivo. promoção e manutenção de contribuições à pesquisa pura Com efeito, a circularidade essencial na teoria do reforço em oposição à pesquisa aplicada. Esse preconceito ba- pode a qualquer momento ser recolocada. Como os valo- seia-se, em parte, na suposição de que a pesquisa aplica- res reforçadores mudam, assim também a validade preditiva da é de valor transitório. Enquanto esta se limitaria a re- dessa pressuposição de base. solver problemas imediatos, a pesquisa pura contribuiria A teoria do reforço encara outras limitações históri- para um conhecimento básico e duradouro. Do ponto de cas quando a consideramos em suas determinações mais vista atual, o solo no qual se assentam tais preconceitos precisas. Igualmente à maioria das teorias da interação não é merecedor de respeito. O conhecimento que a pes- humana, a teoria está sujeita ao investimento ideológico. A quisa pura se dedica em estabelecer é também transitó- noção de que o comportamento é totalmente governado rio; generalizações nessa área de pesquisa geralmente não por contingências externas é vista por muitos como vul- perduram. A tal ponto que, quando generalizações da pes- garmente desprovida de sentido. O conhecimento da teo- quisa pura têm grande validade transhistórica, podem estar ria habilita-nos a evitar ser capturado por suas predições. refletindo processos de interesse periférico ou importan- Assim como terapeutas da modificação do comportamen- tes para o funcionamento da sociedade. to sabem, pessoas que estão familiarizadas com essas pre- Psicólogos sociais são treinados para usar ferramen- missas teóricas podem subverter seus efeitos desejados tas de análise conceitual e metodologia científica a fim de com facilidade. Finalmente, já que a teoria provou-se tão explicar a interação humana. No entanto, dada a esterilida- efetiva na alteração do comportamento de organismos in- de em aperfeiçoar os princípios gerais ao longo do tempo, feriores, torna-se particularmente ameaçador a alguém que essas ferramentas mostram-se mais produtivas quando valorize a autonomia. De fato, muitos de nós não gostarí- usadas na resolução de problemas de importância imediata amos que tentassem modelar nosso comportamento atra- para a sociedade. Isso não implica que tais pesquisas de- vés de técnicas de reforço, e inclinar-nos-íamos a quebrar vam ser de alcance restrito. Um defeito fundamental de a expectativa do ofensor. Em suma, a elaboração da teoria grande parte das pesquisas aplicadas é que os termos usa- do reforço não é menos vulnerável a efeitos de esclareci- dos para descrever e explicar são relativamente concretos mento do que outras teorias da interação humana. e específicos para o caso em mãos. Enquanto os compor- tamentos concretos estudados pelos psicólogos acadêmi- Implicações para uma ciência histórica do cos são freqüentemente mais triviais, a linguagem comportamento social explicativa é altamente geral, e assim mais amplamente heurística. É assim que os argumentos presentes sugerem Sob a luz dos presentes argumentos, a tentativa uma intensa focalização em assuntos sociais contemporâ- contínua de construir leis gerais do comportamento so- neos, baseados na aplicação de métodos científicos e fer- cial parece mal direcionada, e a crença associada a ela de ramentas conceituais largamente generalizadas. que o conhecimento da interação social pode ser acumu- lado como nas ciências naturais revela-se injustificada. Da Predição à Sensibilização Em essência, o estudo em psicologia social é fundamen- O objetivo central da psicologia é tradicionalmente talmente um empreendimento histórico. Estamos essen- encarado como a predição e o controle do comporta- cialmente engajados em incontáveis questões contempo- mento. Do nosso ponto de vista, esse objetivo é despro- râneas. Utilizamos metodologia científica, porém os re- positado e oferece pouca justificativa para a pesquisa. sultados não são princípios científicos no sentido tradici- Princípios do comportamento humano podem ter valor onal. No futuro, historiadores poderão voltar-se para tais preditivo temporalmente limitado, e seu alto conhecimento 481
  • 8. GERGEN, K. J. “A Psicologia Social como História” pode torná-los impotentes como ferramentas de controle ma maneira que um sociólogo preocupa-se em medir social. Todavia, previsão e controle não precisam servir preferências parciais ou padrões de mobilidade no de- de pedras angulares do campo. A teoria psicológica pode curso do tempo, o psicólogo social poderia atentar para desempenhar um papel excessivamente importante en- os padrões de mudança das disposições psicológicas e a quanto dispositivo de sensibilização. Pode esclarecer-nos sua relação com o comportamento social. Se a redução acerca da gama de fatores que potencialmente influenci- de dissonância é um processo importante, então deverí- am o comportamento sob várias condições. A pesquisa amos estar aptos a medir a prevalência e a força de tal pode também oferecer algumas estimativas da importân- disposição no seio da sociedade ao longo de tempo e os cia desses valores num determinado momento. Seja no modos de redução de dissonância prediletos num dado caso do domínio da política pública ou dos relaciona- momento. Se a elevação da estima parece influenciar a mentos pessoais, a psicologia social pode aguçar a sensi- interação social, os amplos estudos culturais deveriam bilidade de um indivíduo para influências sutis e apontar revelar a extensão dessa disposição, sua força em várias suposições sobre o comportamento que não se mostra- subculturas, e a forma do comportamento social com a ram úteis no passado. qual se encontra mais associada a um dado momento. Quando se pede um conselho ao psicólogo social Embora experimentos em laboratório sejam adequados sobre um provável comportamento em uma situação ao isolamento de disposições particulares, são pobres in- concreta, a reação consiste em desculpar-se. É necessá- dicadores da série e da significância dos processos da rio explicar que o campo ainda não se encontra suficien- vida social contemporânea. São extremamente necessá- temente desenvolvido a ponto de que predições confiáveis rias metodologias que estabeleçam contato com a possam ser feitas. Do nosso ponto de vista, tais descul- prevalência, força e forma das disposições sociais no tem- pas são inapropriadas. O campo pode raramente forne- po. Com efeito, uma tecnologia dos indicadores sociais cer princípios para que predições confiáveis possam ser psicologicamente sensíveis (Bauer, 1969) é desejada. feitas. Padrões de comportamento estão sob constante mudança. Contudo, o que o campo pode e deve oferecer Pesquisa em Estabilidade Comportamental são pesquisas informando o inquiridor do número de O fenômeno social pode variar consideravelmente possíveis ocorrências, ampliando assim sua sensibilida- na medida em que se submete à mudança histórica. Certos de e preparando-o para uma acomodação mais rápida à fenômenos podem ser mais estreitamente vinculados a modificação ambiental. Pode prover ferramentas dados fisiológicos. A pesquisa de Schachter (1970) sobre conceituais e metodológicas com as quais um número estados emocionais parece ter uma forte base fisiológica, maior de juízos de discernimento pode ser efetuado. assim como o trabalho de Hess (1965) sobre afeto e constrição pupilar. Embora disposições adquiridas possam Desenvolvendo Indicadores de Disposições vir a superar algumas tendências fisiológicas, tais tendên- Psicossociais cias deveriam se reafirmar gradualmente. Outras propen- Psicólogos sociais evidenciam uma contínua preo- sões fisiológicas, ainda, podem ser irreversíveis. Pode ha- cupação com processos psicológicos básicos, ou seja, ver também disposições que são suficientemente podero- processos que influenciam um vasto e variado conjunto sas para que nem o esclarecimento e nem mesmo as mu- de comportamentos sociais. Simulando a preocupação danças históricas venham a causar-lhe algum impacto. Al- de psicólogos experimentais com processos básicos, gumas pessoas geralmente evitarão estímulos físicos do- como visão em cores, aquisição da linguagem, memória lorosos, apesar de suas sofisticações ou das normas cor- e assim por diante, psicólogos sociais detiveram-se em rentes. Devemos pensar, então, em termos de um contí- alguns processos, tais como dissonância cognitiva, nível nuo de durabilidade histórica, com fenômenos altamente de aspiração e atribuição causal. Entretanto, há uma pro- suscetíveis à influência histórica num extremo e proces- funda diferença entre os processos estudados nos domí- sos mais estáveis no outro. nios da psicologia geral experimental e no domínio da Assim, métodos de pesquisa habilitando-nos a psicologia social. No primeiro caso, os processos estão discernir a durabilidade relativa do fenômeno social são freqüentemente guardados biologicamente no organismo, bastante necessários. Métodos interculturais poderiam ser não estão sujeitos a efeitos de esclarecimento e não de- empregados para esse fim. Embora a replicação intercultural pendem de circunstâncias culturais. Ao contrário, a mai- seja repleta de dificuldades, similaridade numa dada fun- oria dos processos de domínio social é dependente de ção entre culturas amplamente divergentes atestaria forte- disposições sujeitas a modificação ao longo do tempo. mente sua durabilidade no tempo. Técnicas de análise de Assim sendo, é um erro considerar os processos conteúdo poderiam também ser empregadas no exame de em psicologia social como básicos no sentido das ciênci- períodos históricos recentes. Até agora, tais empreendi- as naturais. Antes, podem ser largamente considerados a mentos têm fornecido pouco além de citações indicando contrapartida psicológica de normas culturais. Da mes- que algum grande pensador pressentiu uma hipótese fami- 482
  • 9. Psicologia & Sociedade; 20 (3): 475-484, 2008 1 liar. Temos ainda que travar contato com a vasta quantida- Sou muito grato às seguintes pessoas pelas profundas considera- de de informações referentes aos padrões de interação nos ções às várias fases dessa análise: Shel Feldman, Mary Gergen, Kenneth Hammond, Louise Kidder, George Levinger, Paul últimos períodos. Embora a progressiva sofisticação dos Rosenblatt, Ralph Rosnow, M. Brewster Smith, Siegfried padrões de comportamento ao longo do espaço e do tem- Streufert, Lloyd Strickland, Karl Weick, and Lawrence po fornecesse valiosas compreensões referentes à durabi- Wrightsman. Pedidos de reimpressão deverão ser enviados ao lidade, alguns difíceis problemas apresentar-se-iam. Alguns autor, no Departamento de Psicologia, Swarthmore College, padrões de comportamento podem permanecer estáveis Swarthmore, Pensylvania 19080. até uma observação minuciosa. Outros podem simples- mente tornar-se disfuncionais com o passar do tempo. A Referências Bibliográficas confiança do homem num conceito de deidade tem uma longa história e é encontrada em numerosas culturas. En- Adorno, T. W., Frenkel-Brunswik, E., Levinson, D. J., & Sanford, tretanto, muitos são céticos sobre o futuro desta crença. R. N. (1950). The authoritarian personality. New York: Harpers. Taxas de durabilidade teriam assim que contribuir para a Allport, G. W. (1965). Pattern and growth in personality. New estabilidade potencial tanto quanto atual do fenômeno. York: Holt, Rinehart & Winston. Back, K. W. (1951). Influence through social communication. Ainda que a pesquisa por disposições culturais mais Journal of Abnormal and Social Psychology, 46, 9-23. duráveis seja extremamente valiosa, não deveríamos daí Back, K. W. (1963). The proper scope of social psychology. Social concluir que seja mais útil ou desejável que estudar os pa- Forces, 41, 368-376. drões passados de comportamento. Grande parte da vari- Barron, R., Heckenmueller, J., & Schultz, S. 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  • 10. GERGEN, K. J. “A Psicologia Social como História” Gewirtz, J. L. & Baer, D. M. (1958). Deprivation and satiation of determinants of emotional states. In L. Berkowitz (Ed.), social reinforcers as drive conditions. Journal of Abnormal and Advances in experimental social psychology (Vol. 1). New York: Social Psychology, 57, 165-172. Academic Press. Hallowell, A. I. (1958). Ojibwa metaphysics of being and the Skinner, B. F. (1971). Beyond freedom and dignity. New York: perception of persons. In R. Tagiuri & L. Petrullo (Eds.), Person, Knopf. perception and interpersonal behavior. Stanford: Stanford Soloman, F. & Fishman, T. R. (1964). Youth and peace: A psycho- University Press. social study of student peace demonstrators in Washington, Hess, E. H. (1965). Attitude and pupil size. Scientific American, D.C. Journal of Social Issues, 20, 54-73. 212, 46-54. Wallach, M. A., Kogan, N., & Bem, D. J. (1964). Diffusion of Jaensch, E. R. (1938). Der Geqentypus. 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