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A Missão Integral da Igreja 
Breve história de uma idéia que mudou a face da Igreja Evangélica 
Alfredo dos Santos Oliva 
Júlio Paulo Tavares Zabatiero 
Wander de Lara Proença
Prefácio 
Um novo século em um novo milênio. Tempo de mudanças ocorrendo em 
altíssima velocidade. Internet, transgênicos, governo de esquerda, pluralismo 
religioso jamais visto antes no Brasil, fragmentação do Protestantismo, novos 
movimentos religiosos, são apenas alguns dos sintomas dos novos tempos em 
que vivemos. O II Congresso Brasileiro de Evangelização se realiza em um 
período extremamente rico e conturbado da história do nosso país e da Igreja 
Evangélica. 
Novos tempos, novos desafios. Problemas e possibilidades sequer 
imaginados quando da realização do I CBE ocupam a nossa agenda 
contemporânea. A fragmentação das identidades eclesiásticas é um deles, que 
veio a reboque de grande crescimento numérico das Igrejas Protestantes. O 
sucesso de mídia e de número de membros e valores financeiros do Neo- 
Pentecostalismo e da Teologia da Prosperidade colocou o mundo evangélico de 
sobreaviso. A busca de maior comunhão fraternal nas igrejas locais e de um 
despertamento para uma nova visão da espiritualidade cristã são sintomas do 
mover do Espírito entre nós. Em vinte anos, além das mudanças, aprofundaram-se 
velhos problemas: a pobreza continua alarmante no Brasil, taxas elevadas de 
desemprego, exclusão social, mortalidade infantil continuam a nos provocar a 
indignação e a busca de justiça social. A corrupção continua existindo como um 
câncer que corrói a ética e o tecido social. O clamor por justiça permanece 
ecoando alto em todos os cantos de nosso grande país. 
Novos e antigos desafios nos convocam, como evangélicos, a discernir os 
tempos e a nos engajarmos mais intensamente na missão integral que Deus 
confiou à Igreja. Nas palavras da convocatória para o II CBE: “Reconhecemos a 
necessidade de se elaborar uma nova síntese que seja capaz de responder às 
seguintes questões: Quais os desafios que a igreja precisa enfrentar? Que 
respostas estão sendo dadas para estes desafios? As respostas estão em sintonia 
com a vontade de Deus e os paradigmas do Seu Reino? Como podemos ser
apoio e inspiração comunitária para os líderes e igrejas periféricas, lutando contra 
toda espécie de opressão, em circunstâncias tão adversas? Qual é a palavra de 
Deus para a nossa geração?” 
Com este pequeno livro queremos contribuir para a resposta a essas 
questões. Uma contribuição claramente delimitada. Nós nos propusemos a 
escrever uma pequena história de uma grande idéia. Optamos por concentrar 
nossa memória sobre o tema da difusão da idéia de missão integral. Focalizamos 
apenas três agentes dessa difusão. Uma instituição e dois movimentos: Visão 
Mundial do Brasil, Aliança Bíblica Universitária do Brasil e Fraternidade Teológica 
Latino-Americana seção Brasil. Certamente elas não foram as únicas difusoras da 
missão integral. Uma idéia abraçada por inúmeras igrejas locais e movimentos 
evangélicos. Uma prática de milhares de pessoas comprometidas com o Reino de 
Deus, uma vivência de centenas de igrejas locais e projetos ministeriais que 
fervilham em nosso país neste exato instante. Mas foram as três principais 
responsáveis pela reflexão teológica sobre a missão integral e pela difusão desta 
idéia, que veio do Espírito de Deus para seu povo, em todo o nosso país. 
A nossa contribuição tem a seguinte estrutura: na introdução (escrita por 
Wander) aborda-se O Contexto Social Brasileiro e a Urgência da Missão Integral, 
seguida por três capítulos que abordarão, individualmente, a contribuição da Visão 
Mundial (escrito por Wander de Lara Proença), da ABUB (escrito por Alfredo dos 
Santos Oliva) e da FTL-Brasil (escrito por Júlio Paulo Tavares Zabatiero) na 
difusão e aperfeiçoamento da compreensão e prática evangélicas da missão 
integral. Após esses capítulos, uma reflexão final (coletiva) tentará apontar alguns 
rumos para a atividade teológica diante dos desafios do presente, em sintonia com 
a convocatória do II CBE. 
Nosso convite é para que você reflita conosco e, ao reler antigos – mas 
tão próximos – caminhos, ajude a Igreja a perceber onde Deus está andando e 
agindo hoje, nos ajude a ouvir a Sua voz com nitidez em nosso tempo presente. 
Os autores
‘Introdução 
O Contexto Social Brasileiro e a Urgência da Missão Integral 
Conforme a narrativa de Mateus 2:1-12, ao procurarem pelo menino 
recém-nascido surpreenderam-se os magos do oriente: afinal, não deveriam 
encontrar o “rei dos judeus” na importante cidade de Jerusalém, no aconchego de 
uma família socialmente destacada naquela sociedade, ou ainda, estando ainda 
acercado de pessoas ilustres? Que surpresa constatar que o novo rei se revelara 
na efrata Belém! Também, à semelhança do que fora dito aos pastores, dois mil 
anos depois o sinal comunicativo de Deus à humanidade continua, pela sua 
simplicidade, a surpreender: “encontrareis uma criança envolta em panos e 
deitada em manjedoura.”(Lc. 1:12). Ou seja, o rosto de Jesus no contexto 
brasileiro atual assume feições que continua a surpreender a muitos que 
imaginam mais facilmente encontrá-lo em suntuosos templos ou, quem sabe, nos 
ambientes religiosos que, em seu nome, atraem geram competitivas 
aglomerações. Sem desconsiderar, evidentemente, tal possibilidade, é preciso que 
se atente para os traços e perfis com Ele mesmo se identificou conforme relato do 
evangelho de Mateus, anteriormente citado. 
Neste sentido, não será difícil encontrá-lo nas diferentes e precárias regiões 
que configuram o nosso país. Nossa realidade é fortemente marcada pela 
opressão política, econômica e cultural, o que se traduz em fome, miséria, 
injustiça, forte distinção entre pobres e ricos, alto índice de prostituição, violência a 
menores e marginalização. Como resultado de uma miséria espiritual geradora do 
egoísmo, da ambição, e da desumanidade, que se expressa ainda em sistemas 
político-econômicos descomprometidos com a justiça e o bem comum, 
convivemos hoje com uma triste realidade de morte, de contrastes sociais, onde a 
miséria e a marginalização mantêm milhões de pessoas em condições sub-humanas. 
Denominando este contexto de "sociedade de crucificados", o teólogo 
brasileiro Leonardo Boff utiliza as seguintes palavras: 
Há uma cruz dolorosa e persistente que pesa sobre as 
culturas dominadas dos indígenas e dos negros latino-americanos... 
milhões e milhões de classes subjugadas 
continuam sendo crucificadas com salários de fome, em 
condições de trabalho que lhes encurtam a vida... Outras
pessoas penam sob a cruz da discriminação pelo fato de 
serem mulheres, pobres, negros e outras formas de exclusão 
social.1 
Vale ressaltar que no momento da inserção da Visão Mundial no Brasil, 
na década de 1970, à semelhança de todo o contexto latino-americano, o país 
passava por intensas transformações sociais. Ronaldo Muñoz, citando o 
documento produzido pelo Concílio Católico de Puebla, realizado no México, em 
1979, descreve os dramas de tal realidade social: 
Lançando um olhar sobre nosso mundo latino-americano, 
nos deparamos com a verdade de que aumenta, cada dia 
mais, a distância entre os muitos que têm pouco e os poucos 
que têm muito. Estão sendo violados os direitos 
fundamentais do ser humano. Comprovamos, pois, como o 
mais devastador e humilhante flagelo a situação de pobreza 
desumana em que vivem milhões de latino-americanos e que 
se exprime, por exemplo, em mortalidade infantil, em falta de 
moradia adequada, em problemas de saúde, salários de 
fome, desemprego e subemprego, desnutrição, instabilidade 
no trabalho, migrações maciças, forçadas e sem proteção. 
Somam-se a isto as angústias produzidas pelo abuso do 
poder, típicas de regime de força... Angústias ante uma 
injustiça submissa e manietada.2 
O sistema em que estamos inseridos, marcado pelo consumismo e pela 
busca escalonária de produção, classifica e valoriza o ser humano por sua 
capacidade de produzir. Por isso, crianças, idosos, doentes e indígenas, que 
“nada produzem”, mas que, ao contrário, são causa de "gastos" aos cofres do 
sistema, representam quase que nenhum interesse. Com isso, o ser humano é 
agredido em sua dignidade. A imagem de Deus é ultrajada, violentada. 
Analisando esta realidade que mantém as grandes massas em 
situação de pobreza desumana e intolerável opressão, Muñoz descreve com 
detalhes as feições do Cristo que se solidariza com o seu povo: 
Esta situação de extrema pobreza generalizada adquire, na 
vida real, feições sofredoras de Cristo, o Senhor, que nos 
1 BOFF, Leonardo. Como pregar a Cruz hoje em uma sociedade de crucificados? Petrópolis: 
Vozes, 1986, p.19-20. 
2 MUÑOZ, Ronaldo. Evangelho e libertação na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1981, p.14.
questiona e interpela: feições de crianças, golpeadas pela 
pobreza ainda antes de nascer...; feições de jovens, 
desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade e 
frustrados... feições de indígenas... e também de afro-americanos, 
que, vivendo segregados e em situações 
desumanas, podem ser considerados como os mais pobres 
dentre os pobres; feições de camponeses, que, como grupo 
social, vivem relegados ..., em situação de dependência 
interna e externa, submetidos a sistemas de comércio que os 
enganam e os exploram; feições de operários, com 
freqüência mal remunerados, que tem dificuldade de se 
organizar e defender os próprios direitos; feições de 
subempregados e desempregados, despedidos pelas duras 
exigências das crises econômicas e, muitas vezes, de 
modelos desenvolvimentistas que submetem os 
trabalhadores e suas famílias a frios cálculos econômicos; 
feições de marginalizados e amontoados de nossas cidades, 
sofrendo o duplo impacto da carência dos bens materiais e 
da ostentação da riqueza de outros setores sociais; feições 
de anciãos cada dia mais numerosos, freqüentemente postos 
à margem da sociedade do progresso, que prescinde das 
pessoas que não produzem.3 
Não obstante tão grande visibilidade da face de Jesus em nossa 
realidade, prevalecem ainda, infelizmente, atitudes de indiferença e de 
negligência: “E eles lhe perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos com fome, 
com sede, com sede, forasteiro, nu enfermo ou preso, e não te assistimos?” (Mt. 
25:44) 
Tais impercepções advêm de diferentes órgãos oficiais do poder 
público, mas também da própria igreja situada no contexto brasileiro. Uma grande 
crise de identidade doutrinária e missiológica da igreja contemporânea tem gerado 
a falta de discernimento e de compreensão quanto à sua razão de ser no mundo: 
servir a Jesus Cristo dando continuidade à missão integral por Ele mesmo 
inaugurada, para que o Reino de Deus seja então consolidado em plenitude. Os 
obstáculos para o desenvolvimento da missão integral decorrem, ainda, de dois 
extremos de espiritualidade vivenciados pela igreja brasileira. Primeiro, o extremo 
do “celeste porvir”, conforme o conceitua o pesquisador Antônio de Gouvêa 
3 MUÑOZ, ibid, p.29.
Mendonça, ao falar de um "vazio histórico" como marca do protestantismo 
histórico que se inseriu no Brasil a partir do século XIX, ao mesmo tempo em que 
faz também uma denúncia: 
Tanto a cristologia católica como protestante deixaram para 
trás a história da América Latina: a primeira apresentou o 
Cristo morto, a segunda o Cristo vivo mas distante, em 
nenhuma delas aparece o Cristo vivo dos evangelhos 
anunciando o Reino em meio aos homens.4 
Falando ainda da alienação, do comodismo e da omissão da igreja em 
realizar sua missão integral, Mendonça faz um alerta: 
A visão do Cristo do céu implantou na América Latina um 
protestantismo já de inicio em crise, porque colocou a igreja 
numa encruzilhada até aqui não superada. O Cristo do Céu 
nas apresenta saída entre duas alternativas: ou arrebata a 
Igreja para que vá ao seu encontro ou desce novamente 
para encerrar a história e inaugurar o milênio. Qualquer 
dessas alternativas tem levado as igrejas a expectativas de 
plenitude além da história. São comunidades de espera (...).5 
O resultado desta proposta de espiritualidade é a alienação ou a 
indiferença para com as dificuldades de ordem social em que vivem milhões de 
brasileiros. São pessoas que buscam uma vida "espiritual" de contemplação e 
pureza pessoal apenas. Apesar de não aceitarem a dura realidade dos dias atuais, 
não fazem praticamente nada para mudar tal situação, preferindo apenas 
aguardar que por meio de acontecimentos apocalípticos haja alguma intervenção 
sobrenatural e catastrófica de Deus na história humana, com o propósito de julgar 
o mundo e dar, então, aos "puros" o direito de usufruir do novo céu e da nova 
terra. Ou seja, projetam para o além pós-morte toda a perspectiva de uma vida de 
justiça e de paz. 
Também ao falar desta crise que envolve a identidade da igreja, o 
teólogo Júlio Zabatiero aponta para alguns fatores de ordem litúrgica, que 
evidenciam tal realidade: 
4 MENDONÇA, Antônio de Gouvêa. “A Bíblia cativa, Cristo no céu e a igreja ausente”. In: Ciências 
da Religião n.6. São Bernardo do Campo: UMESP, 1989, p.169. 
5 MENDONÇA, ibid, p. 169,170
O individualismo subjetivo de nossos cânticos é patente e 
preocupante. Considerando-a como um todo, a hinódia 
protestante é alienante. Desvia os olhares dos cristãos da 
história e os transfere a um mundo místico, inexistente (...) a 
práxis cristã que a prática do culto oferece, além de 
alienante, é individualizante. Destaca o cristão da igreja e o 
transfere para o mundo do céu. Prejudica tanto a vida interna 
da igreja como sua inserção no mundo.6 
Em contrapartida, há hoje um outro extremo de espiritualidade 
vivenciada por determinados segmentos cristãos, que poderíamos chamá-lo de 
“terrestre presente”. Tem se convencionado denomina-se a isto de “teologia da 
prosperidade”. Segundo tal proposta religiosa, o usufruto de toda forma de 
consumismo que o mercado moderno oferece é um direito assegurado ao cristão. 
À semelhança do grupo dos saduceus da época de Jesus, tais religiosos se 
acomodam ao "status quo", do qual se beneficiam, e por isso mesmo, não estão 
nem um pouco preocupados em transformar a realidade em que estão inseridos. 
Parafraseando o texto de Rm.12:2, pode-se que estão "conformados com este 
século", ou com este “esquema". Por meio de tal "teologia", tais pessoas justificam 
a posse egocêntrica e individualista de grandes riquezas no nome de Deus, 
indiferentemente à realidade de miséria e falta por que vivem milhões de outros 
seres humanos ao seu redor. A assimilação de tais conceitos tem levado os 
incautos à alienação quanto a verdadeira origem dos males sociais, e à 
transferência de responsabilidades pessoais ou coletivas, uma vez que são 
atribuídas ao diabo as causas de todas as mazelas. Assim, se eximem de suas 
responsabilidades pessoais, não se engajam na práxis libertadora, não podendo 
conseqüentemente exercer função profética de denúncia contra um sistema do 
qual se beneficiam, fazendo-os "prosperar" no nome de Deus. 
Em síntese, há que se dizer que não podemos conhecer o Deus que 
se revelou em Jesus Cristo, buscar sua face e fazer sua vontade, se voltamos as 
costas para o que está acontecendo em nossa história e fazemos ouvidos surdos 
ao clamor do povo sem salvação e fechamos os olhos para o quadro socialmente 
agravante em que vive grande parcela da população brasileira. 
6 ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. “Amós e a missão da igreja brasileira na atualidade”. In: Boletim 
Teológico n.7. São Leopoldo: FTLA,1985, p. 99.
VISÃO MUNDIAL E MISSÃO INTEGRAL: 
ENXERGANDO EM MATEUS 25 A FACE BRASILEIRA DE JESUS
Wander de Lara Proença7 
Introdução 
O texto bíblico de Mateus 25;31-46 apresenta um dos parâmetros 
estabelecidos por Jesus ao orientar aqueles que dariam continuidade à missão por 
Ele desenvolvida: os sinais da chegada e da presença efetiva do reino de Deus 
deveriam ser materializados por atitudes que expressassem solidariedade aos que 
experimentam diferentes formas de necessidade. O caráter cristocêntrico de tais 
ações, explicitado nas palavras “sempre que o fizestes a um destes meus 
pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt. 25:40), ganha delineamento com 
representações extremamente fortes, e até dramáticas, mas que revelam, ao 
mesmo tempo, a plena identificação do Salvador com a humanidade em 
sofrimento: “(...) tive fome, (...) tive sede, sendo forasteiro (...) estando nu (...) 
achando-me enfermo e preso (...) (Mt.25:42,43). 
Na verdade, quis Jesus assim mostrar que a sua identidade 
continuaria a ser aquela que a cruz definiu, quando solidariamente, ali, 
experimentou com e pela a humanidade as diferentes formas de violência que 
uma história ainda sob a égide do pecado é capaz de gerar: prisão, torturas, 
humilhação, fome, sede, desamparo, rejeição, exclusão. E, de igual modo, o grito 
desesperador do Calvário - “Deus meu, Deus, por que me desamparaste?” (Mt. 
27:46) – continua a ser um memorial que profética e escatologicamente ecoa a 
espera de justiça, de solidariedade, de amor, de acolhimento em favor de todos 
aqueles anseiam pelo direito e pela oportunidade de continuarem vivendo. 
Por isso na narrativa do evangelho, anteriormente citada, o próprio 
Cristo faz questão de ressaltar que quem quiser encontrá-lo e servi-lo, que o 
procure entre os desabrigados que vagueiam pelas ruas, entre os famintos, os 
excluídos, nas selas frias das prisões que lentamente destroem o sentido da 
existência, entre os abandonados pelos sistemas incapazes de oferecer 
oportunidade de vida a todos, ou ainda, na face de uma criança que, à espera do 
leite e do pão, insistentemente luta pelo sagrado direito de viver. 
7 Professor de História e Teologia da Faculdade Teológica Sul Americana, em Londrina; mestre 
em Teologia (FTSA); doutorando em História (UNESP); pastor presbiteriano.
Este capítulo tem como objetivos identificar os traços sociais da face 
brasileira de Jesus; analisar a atitude de diferentes segmentos da sociedade frente 
a tais necessidades; e destacar como a Visão Mundial tem conseguido, mediante 
a missão integral, fazer diferença qualitativa na vida de milhares de pessoas no 
contexto brasileiro. 
1. Surgimento e Propósitos da Visão Mundial 
Com a finalidade colocar em prática o ensinamento de Jesus, 
anteriormente citado, foi fundada, em 1950, pelo jornalista Bob Pierce, a Visão 
Mundial. Pierce, evangelista norte-americano, de 1947 a 1949, sob auspícios da 
Mocidade Para Cristo, viajou para a China e Coréia, onde se deparou com o 
sofrimento e o desespero humanos causados pela guerra. Chocado com a miséria 
e o sofrimento, sobretudo de crianças, registrou tudo em um filme que foi exibido 
nos Estados Unidos. Preocupados com a realidade a que foram expostos, muitos 
começaram a contribuir financeiramente. Torna-se clara diante do volume das 
contribuições, a necessidade de se fundar uma organização que pudesse 
canalizá-las adequadamente. A Visão Mundial viria, assim, a constituir-se na maior 
Organização Não Governamental cristã de apadrinhamento do mundo, estando 
hoje presente em mais de 90 países. 
Desde o seu momento inicial, a Visão Mundial tem adotado o seguinte 
propósito: 
Para a glória de Deus, unir pessoas em todos os 
lugares, no sentido de assistir os mais carentes, 
ajudando-os a atingir o potencial que Deus lhes 
deu, dentro de sua própria cultura e dando-lhes 
uma oportunidade válida de aceitar o evangelho de 
Jesus Cristo.8 
Preocupada com o ingente desafio da evangelização no mundo, a 
Visão Mundial participou ativamente do grande Congresso de Evangelização 
Mundial, realizado em Lausanne, em 1974. As questões ali debatidas foram 
aprofundadas na Consulta de Evangelização Mundial, realizada no período de 16 
8 Boletim da Visão Mundial, ano I, n.7, set., 1981, p.2
a 27 de Junho de 1980, em Pattaya, Tailândia, do qual participaram mais de 800 
cristãos, procedentes de diversas origens confessionais, nações e culturas. 
Nestes congressos foram discutidos importantes aspectos teológicos e 
metodológicos para a abordagem evangelizadora dos diferentes grupos humanos, 
reafirmando-se a necessidade de cooperação para um trabalho mais efetivo com 
implicações sociais. 
Através do seu boletim oficial, com circulação mensal no Brasil, a 
Visão Mundial procurou divulgar o Pacto de Lausanne: “ consideramos a 
divulgação do Pacto de Lausanne um serviço relevante à igreja no Brasil”, 
destacando o quinto item do Pacto que aponta para a responsabilidade social 
cristã: “devemos participar da solicitude divina pela justiça e Reconciliação em 
toda a sociedade humana, pela libertação do homem de toda forma de opressão.” 
9 
Procurando promover a justiça, o desenvolvimento transformador 
sustentável e o socorro em situações de emergência, a Visão Mundial tem, assim, 
como princípio de existência: 
Seguir a Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, 
trabalhando com os pobres e oprimidos para 
promover a transformação humana, buscar a 
justiça e testificar das boas novas do reino de 
Deus.1 0 
E os valores que orientam a sua atuação são desta forma declarados: 
(1) Somos cristãos; (2) estamos comprometidos 
com os pobres; (3) valorizamos as pessoas; (4) 
administramos com responsabilidade; (5) somos 
parceiros; (6) Somos sensíveis. 1 1 
No Brasil, a Visão Mundial se estabeleceu oficialmente em 22 de 
agosto de 1975, trazendo na bagagem um ideal de transformação, tendo como 
seu primeiro diretor o Rev. George Doepp, há nove anos missionário no Estado do 
9 Idem. 
10 http:// www. visaomundial.org.br (Acessado em 03 de agosto de 2003) 
11 Idem.
Maranhão. Com escritório central instalado na cidade de Belo Horizonte, 12 a Visão 
Mundial logo procurou identificar a face brasileira de Jesus para, então, passar a 
servi-Lo, assumindo também uma postura profética: 
Afirmamos que o evangelismo e o envolvimento 
sócio-político são ambos expressões necessárias 
das nossas doutrina acerca de Deus e do homem, 
do nosso amor para com o próximo e da nossa 
obediência a Jesus Cristo. A mensagem da 
salvação implica também em uma mensagem de 
juízo sobre toda forma de alienação, opressão, 
discriminação, e não devemos ter medo de 
denunciar o mal e a injustiça aonde quer que 
prevaleçam.1 3 
Com o compromisso de promover a vida, esta organização direciona 
seus investimentos em projetos sociais que enfatizam o desenvolvimento da 
criança. Através de programas de saúde preventiva, com enfoque na prevenção, 
na nutrição, educação infantil e acompanhamento escolar, a Visão Mundial busca 
oferecer uma vida mais digna às crianças brasileiras. Também presta suporte 
técnico, social, cultural, econômico-financeiro aos beneficiados, trazendo 
esperança não somente às crianças empobrecidas, mas também às comunidades 
onde vivem com as suas famílias. 
A Visão Mundial mobiliza-se com outras organizações não 
governamentais na defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Fomenta a 
articulação das instituições com os movimentos sociais e grupos que atuam na 
promoção da justiça e incentiva a participação em fóruns e conselhos municipais e 
estaduais, inclusive para elaboração de políticas públicas. Incentiva também, as 
comunidades a uma participação social responsável e solidária contribuindo, 
assim, para a construção de uma consciência de cidadania e defesa dos direitos 
da criança e do adolescente. 
Como organização cristã, trabalha com os pobres e oprimidos para 
promover a transformação humana, buscar a justiça e testemunhar as boas novas 
12 A sede da Visão Mundial no Brasil está localizada na Rua Tupis, 38 - 20º andar, Centro - Belo 
Horizonte -MG. 
13 Boletim da Visão Mundial, ibid.
do reino de Deus. Entende o desenvolvimento transformador sustentável como o 
desenvolvimento em que se pode conciliar o crescimento econômico, saúde, 
educação e a espiritualidade plena, visando o crescimento integral das pessoas e 
comunidades, à luz dos valores do reino de Deus. 
2 . A Visão Mundial Enxerga a Face Brasileira de Jesus 
Desde os seu momento de inserção no Brasil, a Visão Mundial dedicou 
incansáveis esforços no sentido de mobiliza a igreja e a sociedade brasileira de 
um modo gera para a promoção da vida em todas as suas dimensões. Para criar e 
promover consciência da missão integral a ser desenvolvida, seguiu algumas 
estratégias: (1) criou o Boletim da Visão Mundial, com tiragem mensal e 
distribuição gratuita, trazendo através do mesmo artigos com fundamentação 
bíblica e teológica sobre evangelismo e responsabilidade social, além de apontar 
as grandes necessidades sociais do país, prestando relatórios de trabalhos em 
desenvolvimento, além de apontar meios de contribuição; (2) participou da 
publicação e divulgação de livros que estivessem com os propósitos de sua visão, 
como por exemplo, a Série Lausanne, em pareceria com a ABU, com dez títulos, 
tendo como o primeiro destes: “Tive Fome: um desafio a servir a Deus no Mundo”, 
publicado em 1983; (3) a organização de congressos e simpósios, tematizando a 
missão integral, buscando diretrizes para o evangelismo, o serviço e a ação social. 
Neste sentido, vale ressaltar que deu grande destaque em seu boletim oficial, nas 
edições de 1983, ao primeiro Congresso Brasileiro de Evangelização, como se 
pode observar nos exemplos de manchete publicados na ocasião, transcritos, a 
seguir: 
Congresso Brasileiro de Evangelização - CBE. 
Propósito: conclamar o povo evangélico, espalhado 
nas mais diversas denominações e regiões do 
Brasil, para a obra de evangelização. (...) O CBE – 
1983 quer conclamar todas as igrejas evangélicas 
a participarem, plena e intensamente desse 
objetivo, colocando-se de mãos dadas, a serviço 
do grandioso propósito da salvação da parte de 
Deus.1 4 
14 Boletim da Visão Mundial, ano III, n.4, jun., 1983, p.1
O Boletim da Visão Mundial também apresentava os passos dados para a 
realização daquele evento: 
O CBE nasceu da reflexão e da oração de um 
pequeno grupo de irmãos que se reuniu, com certa 
regularidade na cidade de São Paulo. Um 
documento, a partir de uma pesquisa elaborada 
pela SEPAL, confirmava o desejo das bases da 
igreja evangélica quanto à realização de um 
congresso. O grupo de irmãos para desencadear 
um empreendimento de tamanho vulto, convocou, 
no dia 10 de setembro de 1981, um outro grupo de 
líderes representativos do espectro mais amplo da 
igreja evangélica brasileira, e decidiu três coisas: 
(1) que se realize o Congresso Brasileiro de 
Evangelização; (2) que à comissão iniciante 
fossem acrescentados mais 10 pessoas, votado 
pelo grupo presente; (3) que se trabalhasse no 
espírito de Lausanne, cujo pacto se tornaria o 
marco de referência teológica do CBE – 83. 1 5 . 
Nota-se que o CBE-83 nasceu em um momento de dados sociais 
alarmantes. Relatório de 1980 sobre o desenvolvimento mundial elaborado pelo 
Banco Mundial, apontava que 
800 milhões de pessoas estão presas à pobreza 
absoluta (...) Uma condição de vida de tal modo 
caracterizada pela desnutrição, analfabetismo, 
doença, ambiente miserável, alta mortalidade 
infantil e baixa perspectiva de vida, que está 
abaixo de qualquer definição razoável de decência 
humana. Há dois bilhões de pessoas mal 
alimentadas e quase meio milhão, de fato, 
morrendo à míngua, metade destas sendo crianças 
abaixo de cinco anos de idade. 1 6 
Diante deste quadro que o Brasil, infelizmente, ajudava a desenhar, a 
Visão Mundial foi incisiva em somar forças: “Eis a razão porque, neste número, 
fazemos explícito o nosso apoio ao CBE-83.” 17 
Após a realização daquele evento, a Visão Mundial noticiou: 
15 Ibid. p.6 
16 Boletim da Visão Mundial, ano II, n.1, mar, 1982, p.3 
17 Boletim da Visão Mundial, ano II, n.1, mar.,1982, p. 2
Para que o Brasil e o mundo ouçam a voz de Deus, 
realizou-se em Belo Horizonte, de 31 de outubro a 
5 de novembro o CBE, que reuniu 2009 
participantes, membros de mais de 60 
denominações, procedentes de todos os Estados 
brasileiros, exceto Acre. A responsabilidade 
social cristã também foi enfatizada como 
essencial (...) quando aproximadamente 75% da 
população brasileira vive em pobreza, e deste 
total, cerca de 30% em miséria extrema. 1 8 
Para cumprir, então, a sua vocação no Brasil, a Visão Mundial 
estrategicamente concentra suas atividades em regiões específicas, buscando a 
mobilização de toda a comunidade para a solução dos problemas. Trabalha com 
projetos de longo prazo, que possibilitam o desenvolvimento auto-sustentável das 
famílias assistidas. A partir da organização social, as comunidades são 
incentivadas a encontrar alternativas transformadoras, até que consigam caminhar 
com as próprias pernas. 
Priorizando o trabalho com os mais pobres, esta instituição procurou 
concentrar suas ações no Nordeste brasileiro, em Tocantins, no Norte de Minas 
Gerais, no Amazonas e em grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de 
Janeiro e Belo Horizonte. Atualmente, o trabalho desenvolvido alcança cerca de 
2,5 milhões de brasileiros carentes. Atende a mais de 57.500 crianças e beneficia 
indiretamente 3,7 milhões de pessoas. São também desenvolvidos e apoiados 76 
projetos/programas sociais, que se concentram em regiões empobrecidas como o 
Nordeste do Brasil, Norte de Minas Gerais, Amazonas, Tocantins e nos grandes 
centros urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. 
A Visão Mundial busca a mobilização de toda a comunidade para a solução 
dos problemas. Há também um esforço de fazer com as empresas sejam 
parceiras ao na transformação social e na busca do desenvolvimento sustentado. 
Trabalha com projetos de longo prazo, que possibilitam o desenvolvimento auto-sustentável 
das famílias assistidas. A partir da organização social, as 
comunidades são incentivadas a encontrar alternativas transformadoras, até que 
18 Ibid., n.9, p.1 (grifo nosso)
consigam caminhar com as próprias pernas. Mas é também realizado um trabalho 
que se volta para as necessidades imediatas. Um exemplo disto é uma doação de 
colchões feita neste ano e que veio a beneficiar de 2050 crianças: 
09 de Junho de 2003 – Sai hoje de Belo Horizonte 
em direção a cidade de São José da Tapera, no 
sertão de Alagoas, três caminhões carregados com 
2050 colchões. A doação é fruto de uma campanha 
realizada pela ONG Visão Mundial entre seus 
doadores a fim de atender crianças e famílias que 
dormiam em condições precárias nas comunidades 
em que vivem. Essas famílias fazem parte de 
programas sociais realizados pela Organização, 
recebendo apoio nas áreas de combate à 
desnutrição, saúde e educação. Os colchões 
doados receberam um reforço especial no tecido 
usado para sua confecção, uma vez que muitas 
dessas pessoas os utilizam diretamente no chão. 1 9 
Outro exemplo está no Projeto Tapera Brasil, que hoje atende a 581 
crianças e suas famílias. Neste, é desenvolvido um programa de reforma e 
construção das moradias, com o objetivo de diminuir a quantidade de insetos nas 
casas, uma vez que muitas das casas são feitas de taipa, propícia a proliferação 
de barbeiros, insetos transmissores da Doença de Chagas. 
Para agir nas situações em que a vida pede socorro, a Visão Mundial 
criou os projetos emergenciais. Quando busca a reabilitação de pessoas em 
situações de calamidade, a Visão Mundial também apresenta soluções 
duradouras para os problemas. Foi o que aconteceu no Programa SOS Seca, que 
ajudou centenas de famílias no interior do Estado de Alagoas. Além de distribuir 
cestas básicas para resolver imediatamente o problema da fome, a Visão Mundial 
construiu reservatórios que garantem o abastecimento de água para as famílias e 
criou o banco de sementes. Atuando em todas as circunstâncias em que a vida 
está ameaçada, a Visão Mundial alia-se a outras ONGs para fazer valer o Estatuto 
da Criança e do Adolescente. Uma das maiores preocupações é o combate à 
exploração e abuso sexual de crianças, e ao turismo sexual. 
19 http:// www. visaomundial.org.br (Acessado em 03 de agosto de 2003)
Os Programas de Desenvolvimento de Área (PDAs) são instrumentos para 
a promoção de um tipo de desenvolvimento comunitário integrado. Os projetos 
sociais apoiados devem ter suas ações orientadas por um planejamento 
estratégico, proporcionando mudanças sociais mais eficientes e efetivas. O 
planejamento estratégico prevê a análise do contexto, a elaboração do 
diagnóstico, o estudo da viabilidade e dos riscos, definição de objetivos e metas, 
procedimentos de monitoramento e critérios de avaliação. Aliada aos aspectos 
técnicos, a participação dos beneficiários no planejamento, na execução e na 
gestão dos projetos sociais é um dos fatores mais relevantes para o seu sucesso. 
Destacam-se os seguintes programas, de diferentes áreas, apoiados pela 
Visão Mundial. 
Saúde: Cuida para que as mães recebam atenção especial durante a 
gestação, parto e amamentação. São desenvolvidos programas de atenção 
primária à saúde infanto-juvenil, incluindo o aleitamento materno, a imunização, o 
controle nutricional, o acesso a água limpa e o saneamento básico. 
Educação: Viabiliza o ingresso da criança com menos de seis anos à 
pré-escola, facilita o acesso da criança em idade escolar à escola pública, assim 
como a permanência e o progresso nos estudos. Apóia a organização de oficinas 
culturais, de recreação e a capacitação profissional para adolescentes. 
Desenvolvimento Comunitário: Incorpora em seu trabalho conceitos 
de integração de recursos, mobilização, organização e formação de lideranças 
locais, de forma que as pessoas e associações estejam aptas a enfrentar, de 
forma pró-ativa, os problemas sociais. 
Desenvolvimento Econômico: Disponibiliza linhas de microcrédito 
urbano e rural, investe na formação profissional de trabalhadores e provê 
assistência técnica para produção, gerência e comércio de produtos. 
Direitos Humanos: Participa e promove o envolvimento de grupos em 
fóruns internacionais, nacionais, estaduais e municipais. No Brasil, atua junto a 
órgãos governamentais e não-governamentais, intervindo em políticas públicas,
através dos conselhos de direitos. O foco de atuação é a criança e o adolescente 
em seu contexto. Desenvolve, juntamente com outras OGs e ONGs, a Campanha 
de Combate à Violência Doméstica e Exploração Sexual Contra Crianças e 
Adolescentes de Minas Gerais, o Pacto São Paulo e os Fóruns Permanentes de 
Enfrentamento no Rio de Janeiro e Espírito Santo. Essas ações visam a estimular 
as denúncias, formando e articulando, junto às instituições parceiras, profissionais 
aptos a intervirem, de forma eficaz, no combate ao problema. As ações visam 
também a estimular a formulação de políticas públicas nos municípios nos quais 
atuam. 
Agroecologia: Apóia o desenvolvimento de tecnologias produtivas 
apropriadas às pequenas propriedades, o que inclui a preservação do ambiente, o 
cultivo de safras e animais, o comércio solidário e a capacitação de agricultores. 
Também cria programas de apoio a pequenos produtores e empreendedores, 
lutando pela concessão de micro-crédito rural e urbano, orientação técnica, 
projetos de irrigação e manejo da agricultura com preservação do meio ambiente, 
comercialização e abertura de mercados no Brasil e no exterior. 
Emergência e Reabilitação: Luta, ao lado de outras organizações, 
para amenizar o sofrimento de pessoas vítimas de desastres naturais, reduzindo o 
risco de novas ocorrências. Atuando em todas as circunstâncias em que a vida 
estiver ameaçada. Um exemplo disto ocorreu na década de 1980, quando a Visão 
mundial direcionou recorrentes esforços para a situação avassaladora da seca no 
Nordeste do Brasil: 
A Visão Mundial apoiou 10 projetos de emergência 
desenvolvidos por igrejas e instituições cristãs, 
nas regiões mais necessitadas do Nordeste. Cerca 
de 6.000 pessoas foram diretamente beneficiadas. 
As atividades desenvolvidas incluem: programa de 
nutrição (distribuição de cestas de alimentos às 
famílias e merenda às crianças); atividades que 
contribuam para o aumento da renda familiar; 
desenvolvimento de obras que se revertam em 
benefício à comunidade, tais como projetos de 
irrigação, hortas comunitárias, distribuição de
sementes, construção de cisternas, poços para 
armazenamento de água; criação de projetos que 
dêem à comunidade condições de responder às 
suas próprias necessidades.2 0 
Combate à Violência, Abuso e Exploração Sexual Contra a 
Criança e o Adolescente: Referendada pelos Conselhos Estaduais dos Direitos 
da Criança e do Adolescente da Região Sudeste, a Visão Mundial trabalha no 
processo de dar visibilidade à realidade de violência e exploração sexual contra 
crianças e adolescentes. As atividades de combate à violência, abuso e 
exploração sexual contra a infância, iniciadas em abril de 2000, no Estado de 
Minas Gerais, Região Sudeste do Brasil, como ação de uma rede articulada de 
instituições governamentais e não governamentais consolidaram esta temática. Na 
fase inicial, a Campanha preocupou-se em chamar a atenção para o fenômeno, 
colocando a discussão na sociedade, bem como agregou importantes parceiros, 
mobilizando propostas para o enfrentamento de todas as formas de agressão 
contra crianças. Nossa intervenção contribuiu sobremaneira para uma construção 
coletiva, através da criação/fortalecimento de redes de conscientização social. 
Recursos utilizados para a divulgação: Ligadas à organização da 
sociedade pela garantia dos direitos, pesquisas são elaboradas e realizadas por 
universidades. A temática da violência contra a infância ganha os meios de 
comunicação e estimuladas organizações de auto-ajuda aos agressores para 
reversão dessa postura. Surgem Frentes, Fóruns, Observatórios de Defesa dos 
Diretos, resultando, entre outras coisas, no fortalecimento dos Conselhos 
Municipais e Tutelares. Além do que, têm sido fortalecidas iniciativas regionais 
para a construção de estratégias, cada vez mais eficazes, conscientizando e 
mobilizando a população à eliminar as agressões. 
A Visão Mundial também desenvolve reflexões sobre temas ligados à 
espiritualidade e missão integral com as equipes funcionais. As instituições 
parceiras são incentivadas ao desenvolvimento de ações de educação cristã 
20 Boletim da Visão Mundial, ano IV, n.2, abril, 1984, p.3
infanto-juvenil, oficinas de reflexão bíblica e articulação com igrejas e pastorais 
populares. Estes são alguns exemplos da atuação transformadora da Visão 
Mundial para incentivar o desenvolvimento auto-sustentável. 
Há ainda um trabalho que busca ativamente conscientizar e mobilizar os 
internautas em relação às ações de desenvolvimento social. Mediante um 
programa denominado Comunidade Fazendo a Diferença, composto por Sites que 
disponibilizam Banners da Visão Mundial, muitas pessoas poderão fazer a 
diferença na vida de crianças e famílias das regiões empobrecidas do nosso país. 
Agindo como multiplicadores podemos garantir um futuro melhor para n Nação. A 
Visão Mundial como uma organização que está, assim, sintonizada com o seu 
tempo, vê o uso da internet como ferramenta necessária para atingir suas metas e 
ajudar a construir um mundo mais digno e justo. 
Anualmente, a Visão Mundial prestar contas a toda sociedade dos recursos 
que lhe são confiados. Mesmo que um relatório – por mais que queira – não 
consiga captar e traduzir a verdadeira importância do trabalho desenvolvido, é 
possível se obter, a partir do mesmo, alguma estimativa das ações solidárias que 
têm impactado a vida de milhares de crianças e suas famílias. A prestação de 
relatórios é também uma maneira de se dirigir aos colaboradores, funcionários, 
voluntários, doadores, comunidades, enfim, a todos que de forma abnegada 
confiam a ela os seus recursos. 
Não obstante a conjuntura sempre difícil para os que vivem em condição de 
pobreza – o que é agravado ainda mais pelo número cada vez mais crescente 
dos que se encontram em tal situação – os programas desenvolvidos pela Visão 
Mundial vão criando mais possibilidades e esperanças no enfrentamento da 
miséria. Alguns desses programas são inovadores e por si mesmos não são 
capazes de transformar toda a realidade, mas o são à medida que são referências 
e incorporados nas políticas públicas. 
Enfim, a rede de solidariedade que integra a Visão Mundial é cada vez mais 
extensa: em uma ponta, doadores, gente sensível e comprometida com um mundo
melhor para todos; em outra ponta as milhares de crianças, famílias e 
comunidades. Dessa maneira se criam a esperança e a possibilidade de vida. 
Conclusão 
Inegavelmente, a Visão Mundial, nestas três décadas de existência no 
Brasil, tornou significativamente marcante a presença cristã no país, não apenas 
ajudando a criar uma consciência quanto à missão integral, mas principalmente 
transformando em realidade os princípios de vida, de justiça e de solidariedade 
postulados pelo reino de Deus estabelecido por Jesus Cristo. Tal reconhecimento 
tem vindo de diferentes segmentos e instituições da sociedade. Exemplo disto é o 
fato de ter ganhado o Prêmio Bem Eficiente 2002, que é concedido às 
organizações sociais de destaque em ações sociais no país. Foi também lhe 
dedicado o Prêmio de Excelência em Serviços de Desenvolvimento Empresarial 
2002, concedido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) por seu 
programa de Comércio Solidário. O Prêmio é um reconhecimento às entidades 
que agem com transparência e eficiência, como a Visão Mundial. Vidas que 
transformam vidas. É acreditando nisso que a Visão Mundial mantém o seu 
trabalho. 
Finalizando, é preciso que permanentemente se retome a indagação 
feita pelo próprio Cristo, “e vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt.16), e também o 
imperativo, “segue-me.” (Mc.) Estas duas questões são das mais inquietantes e 
decisivas para aquele que se propõe a ser cristão. Afinal, da resposta dada à 
primeira, dependerá a atitude, o comportamento e vivência da fé por parte 
daqueles que desejam segui-lo. Diante disto, é preciso perguntar com que face de 
Cristo a igreja tem se identificado no contexto brasileiro atual. As palavras de John 
Stott são desafiadoras, neste aspecto: 
O Cristo que alguns seguem inspira amor, mas não 
justiça; oferece alívio, mas não desafios. Outros 
estão muito dispostos a cumprir a ordem para 
evangelizar, mas não ouvem o chamado a ocupar-
se dos pobres, dos enfermos, dos famintos e dos 
desesperados.2 1 
Em síntese, a partir de exemplos de missão integral praticada pelo 
trabalho da Visão Mundial no Brasil, o que se espera é que haja mais 
despertamento e motivação mobilizadora por parte da igreja brasileira no sentido 
de fazer com que este trabalho prossiga em proporções ainda maiores - uma vez 
que imensos ainda são os desafios trazidos pelo alvorecer deste novo milênio -, 
até que haja a vitória definitiva da vida em todas as suas dimensões. 
A Aliança Bíblica Universitária e a missão integral no Brasil 
Alfredo dos Santos Oliva22 
Introdução 
21 STOTT, Jonh. “A compaixão de Jesus”. In: Tive Fome: um desafio a servir a Deus no mundo. 
Belo Horizonte: Visão Mundial; São Paulo: ABU, 1989, p. 21. 
22 Historiador, professor da Faculdade Teológica Sul Americana, e-mail alfredo@ftsa.edu.br.
Todo discurso (conceito teológico elaborado e pronunciado espontânea ou 
formalmente) está atrelado a uma série de práticas (concretizadas através de 
instituições ou ações espontâneas de pessoas). A missão integral não foge a este 
princípio. Embora seja um conceito que ainda não recebeu o devido tratamento 
sistemático, há bastante tempo circula em solo brasileiro através de pessoas, 
movimentos e instituições. Um desses movimentos é a Aliança Bíblica 
Universitária do Brasil (ABUB). Desta agremiação de estudantes e profissionais e 
de sua relação com o conceito de missão integral no Brasil é que este capítulo se 
ocupa. 
A trajetória para levar adiante o propósito acima colocado começa por 
uma busca da identidade teológica e institucional da ABUB. Procuro responder a 
questões como: Que é a ABUB? Como está estruturada institucionalmente? Quais 
os seus objetivos? Que concepções teológicas endossa e procura difundir? Que 
sociabilidades procura construir? 
No segundo ítem deste capítulo passo a me ocupar especificamente da 
concepção de missão integral da ABUB. Começo conceituando missão integral, de 
uma forma geral, para depois colocar o foco sobre como esta elabora, 
compreende ou difunde o conceito em seu meio. 
O terceiro passo será analisar as estratégias que a ABUB utilizou ou tem 
utilizado para difundir sua concepção de missão integral. Alguns veículos de 
comunicação e socialização de idéias serão analisados, como sua Editora, a 
organização de congressos e treinamentos e seu site na rede mundial de 
computadores. 
1- A identidade da Aliança Bíblica Universitária do Brasil 
A ABUB é “essencialmente um movimento missionário, 
interdenominacional, eclesiástico e confessional, liderado pelos seus próprios 
participantes”. Os estudantes (do ensino médio e universitários) bem como os 
profissionais se “organizam em grupos por cidades, filiando-se assim ao 
movimento nacional da ABUB, respectivamente em seus grupos de ABS (Aliança
Bíblica Secundarista), ABU (Aliança Bíblica Universitária) e ABP (Aliança Bíblica 
de Profissionais)”.23 
Além disso, a ABUB está ligada a um movimento internacional de 
estudantes evangélicos. Esta afiliação é reconhecida pela liderança da 
agremiação estudantil e profissional brasileira como um dos elementos 
fundamentais de constituição de sua identidade teológica: “Há um conjunto de 
bases de fé que compõem o núcleo da identidade evangélica dos participantes. 
Essas bases de fé são conforme as da Comunidade Internacional de Estudantes 
Evangélicos (CIEE), da qual a ABUB faz parte como membro filiado”.24 
A identidade teológica do movimento parece estar em perfeita sintonia 
com o que se poderia denominar de evangélico no Brasil ou evangelical na 
Europa. Esta forma de auto-identificação doutrinária pode ser evidenciada pela 
afirmação de dogmas bastante tradicionais neste meio por parte da ABUB em sua 
base de fé, como autoridade das Escrituras, Jesus Cristo como único mediador 
entre o ser humano e Deus, bem como sua ressurreição e segunda vinda. A 
ABUB professa acreditar nos seguintes aspectos: 
a) A existência de um só Deus Pai, Filho e Espírito Santo, um 
em essência e trino em pessoas; b) A soberania de Deus na 
criação, revelação, redenção e juízo final; c) A inspiração 
divina, veracidade e integridade da bíblia, tal como foi 
revelado originalmente e sua suprema autoridade em 
assuntos de fé e conduta; d) A pecaminosidade universal e a 
culpabilidade de todos os homens, desde a queda de Adão, 
pondo-nos sob a ira da condenação de Deus; e) A redenção 
da culpabilidade, pena, domínio e corrupção do pecado, 
somente por meio da morte expiatória do Senhor Jesus 
Cristo o filho encarnado de Deus, nosso representante 
substituto; 
f) A ressurreição corporal do Senhor Jesus Cristo e sua 
ascensão à direita de Deus Pai; g) Missão pessoal do 
Espírito Santo para o arrependimento, a regeneração e a 
santificação dos crentes; h) A justificação do pecado somente 
pela graça de Deus, por meio da fé em Jesus Cristo; i) A 
intervenção de Jesus Cristo como único intercessor entre 
Deus e os homens; j) A única igreja santa e universal, que é 
o corpo de Cristo, à qual todos os crentes verdadeiros 
23 ESTRUTURA organizacional da ABUB. http://www.abub.org.br. 
24 Ibid.
pertencem e que, na terra, se manifesta nas congregações 
locais; k) A segurança da segunda vinda de cristo em corpo 
glorificado e a consumação de seu reino nesta manifestação; 
l) A ressurreição dos mortos, a vida eterna dos salvos e a 
condenação eterna dos injustos.25 
Para levar adiante sua missão, desde uma perspectiva evangélica, a 
ABUB se estrutura a partir de grupos dirigidos por estudantes e profissionais 
espalhados por todo território nacional. Principalmente os estudantes são 
assessorados por ex-abeuenses e profissionais remunerados: 
Atualmente a ABUB possui grupos em todos os Estados 
brasileiros, atingindo mais de 100 cidades. Como forma de 
suporte ao universitário, contamos com uma estrutura de 
assessoria aos Grupos. Os assessores geralmente são 
profissionais ex-abeuenses, pastores ou seminaristas, que 
dedicam alguns anos da sua vida à obra, ajudando no 
treinamento local e no discipulado de líderes. A ABUB possui 
10 assessores remunerados, muitos em parceria com igrejas 
locais, e mais de 150 assessores auxiliares que oferecem 
trabalho voluntário.26 
Para organizar seu trabalho a liderança da ABUB dividiu o país em seis 
regiões: 
[1] ABU Região Norte: Acre; Amapá; Amazonas; Maranhão; 
Pará; Rondônia; Roraima; [2] ABU Região Nordeste: 
Alagoas; Bahia; Ceará; Paraíba; Pernambuco; Piauí; Rio 
Grande do Norte; Sergipe 
[3] ABU Região Centro-Oeste: Distrito Federal, Goiás, Mato 
Grosso, Minas Gerais, Tocantins; [4] ABU Região Leste: 
Espírito Santo e Rio de Janeiro; [5] ABU Região São Paulo: 
Mato Grosso do Sul e São Paulo; [6] ABU Região Sul: 
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.27 
A filosofia de trabalho da ABUB se baseia em dois princípios, um de 
caráter doutrinário e outro estrutural/prático. O movimento de estudantes e 
profissionais se baseia teologicamente na centralidade da pessoa de Jesus Cristo 
25 BASE de fé da ABUB. http://www.abub.org.br. 
26 ESTRUTURA organizacional da ABUB. http://www.abub.org.br. 
27 Ibid.
e estrategicamente na ação evangelizadora de estudantes pelos próprios 
estudantes. 
A ABUB é um movimento que tem filosofia 
CRISTOCÊNTRICA e ESTUDANTECÊNTRICA. Já que a 
filosofia da ABUB é baseada no estudante, logo os objetivos 
só poderão ser cumpridos se houver iniciativa e 
responsabilidade do estudante. O estudante 
secundarista/universitário é o melhor evangelista, pois está 
no meio estudantil e entende melhor os problemas e a 
linguagem. A iniciativa estudantil evita o paternalismo do 
obreiro ou assessor auxiliar. Sem a responsabilidade 
estudantil o trabalho da ABUB é impossível. 
Responsabilidade que é conseqüência de uma vida cristã 
autêntica e de amor pela obra e que envolve: assiduidade; 
vida prática; amor pela obra; e doação financeira.28 
2- A concepção da Aliança Bíblica Universitária do Brasil de missão 
integral 
Antes mesmo de analisar o adjetivo integral, que busca caracterizar um 
certo modo de fazer missão, é preciso conceituar o que entendo por este 
substantivo. Vou tomar como a base a definição de David Bosch para quem a 
palavra missão deve ser compreendida de forma distinta de seu plural, missões: 
Temos de distinguir entre missão (no singular) e missões (no 
plural). O primeiro conceito designa primordialmente a missio 
Dei (missão de Deus), isto é, a auto-revelação de Deus como 
Aquele que ama o mundo, o envolvimento de Deus no e com 
o mundo, a natureza e atividade de Deus, que compreende 
tanto a igreja quanto o mundo, e das quais a igreja tem o 
privilégio de participar. Missio Dei enuncia a boa nova de que 
Deus é um Deus-para as/pelas-pessoas. Missões (as 
missiones eclesiae, os empreendimentos missionários da 
igreja) designa formas particulares, relacionadas com 
tempos, lugares ou necessidades específicos, de 
participação na missio Dei.29 
O fato de Deus ter enviado seu Filho Amado ao mundo por amor e 
solidariedade para com o gênero humano (missão de Deus), exige uma resposta 
28 FILOSOFIA da ABUB. http://www.abub.org.br. 
29 David BOSCH, Missão transformadora: mudanças no paradigma na teologia da missão, p. 28.
de sua igreja de também agir com o mesmo amor e solidariedade para com a 
humanidade. Estas ações da igreja precisam ser adequadas ao tempo e ao 
espaço que tem ocupado no mundo contemporâneo, o que significa que ela deve 
se preocupar em contextualizar cultural e socialmente suas formas de ação 
(missões). 
Concebida da forma como foi exposta acima, missão é um modo de ação 
que possui duas dimensões, uma de caráter positivo e outra de cunho negativo. A 
realização da missão implica em um sim de Deus ao mundo, expresso através sua 
de solidariedade para com o sofrimento e a desesperança humanos, bem como 
um não de Deus, expresso de forma conflitiva com os valores e as ações do 
mundo que são contrários ao seu reinado.30 O que significa que a igreja deve agir 
para difundir o reinado de Deus sobre o gênero humano anunciando e vivenciando 
amor e solidariedade, como deve também exercer seu papel profético e denunciar 
todas as formas de opressão e injustiça que ofuscam o brilho da vida, humana e 
não-humana. 
Uma vez que a missão da igreja desemboca sempre em um processo de 
contextualização de sua forma de ação no mundo, acho que seria bastante útil 
qualificar esta missão a partir do adjetivo usado, sobretudo, por missiólogos 
evangélicos latino-americanos. Para lembrar as igrejas que a sua missão não 
deve optar por um dos pólos opostos, salvação pessoal/espiritual ou libertação 
social/econômica, os missiólogos latino-americanos têm usado o qualificativo 
integral para a missão. Vou procurar detalhar um pouco mais a expressão missão 
integral a seguir. 
A expressão missão integral é utilizada sempre de modo a propor a 
superação de dualismos. René Padilla, em artigo clássico sobre o assunto de 
título homônimo, utiliza os termos para se referir à superação da dualidade 
crescimento quantitativo versus crescimento qualitativo: 
É possível usar as estatísticas de crescimento das igrejas 
para pintar um quadro luminoso da igreja nos últimos anos. 
Isto é, com efeito, o que se tem feito em círculos onde o 
crescimento quantitativo da igreja é considerado como “a 
tarefa principal” da missão. O quadro será mais sóbrio se 
30 Ibid., p. 28-29.
juntamente com os avanços numéricos forem colocados os 
problemas que afetam a igreja e que colocam em dúvida o 
futuro do cristianismo em certas regiões do mundo. Nesta 
perspectiva, o maior desafio que a igreja enfrenta é o desafio 
de uma missão integral.31 
O mesmo autor utiliza a expressão com o intuito de superar o dualismo 
necessidades espirituais versus necessidades materiais. A cidade contemporânea 
é o símbolo de uma desumanização que afeta a vida humana como um todo, logo 
as ações da igreja devem estar voltadas para a revigoração destas vidas na sua 
integralidade: 
A missão urbana, portanto, é uma prioridade em todas as 
partes. Lá, na cidade, com todo seu poder desumanizante, 
vê-se a necessidade de um evangelho com poder para 
transformar a totalidade da vida. Num mundo que que está 
se urbanizando rapidamente, a cidade é, sem dúvida, o 
símbolo do desafio que a evangelização e o discipulado 
colocam para a igreja.32 
A missão integral da igreja tem como horizonte de sua ação o Reino de 
Deus. O Reino ainda não se encontra em sua plenitude no mundo 
contemporâneo, mas isto não é motivo para se negar que seus sinais não estejam 
já entre nós. Os sinais do Reino foram semeados por Nosso Senhor Jesus Cristo, 
encontrando n'Ele sua expressão privilegiada, mas não se esgotando em suas 
ações. A missão integral da igreja deve ser concretizada tendo Jesus como 
modelo de manifestação dos valores do Reino e com vistas à superação do 
dualismo pregação conversionista versus serviço social amoroso: 
Já que o Reino foi inaugurado por Jesus, não é possível 
entender corretamente a missão da igreja independente da 
presença do Reino. A missão da igreja é uma extensão da 
missão de Jesus. É a manifestação, ainda que não 
completa, do Reino de Deus tanto por meio da proclamação 
como por meio da ação e do serviço social. (...) Como 
comunidade do reino, a igreja confessa e proclama ao 
Senhor Jesus Cristo. Ela também realiza boas obras que 
Deus preparou de antemão para que as faça, para o que 
31 Rene PADILLA, Missão integral: ensaios sobre o reino e a igreja, p. 139. 
32 Ibid., p. 142.
Deus a criou em Jesus Cristo (...) As boas obras, portanto, 
não são um mero apêndice da missão, mas uma parte 
integral da manifestação presente do Reino: elas apontam 
para o Reino que já veio e para o Reino que está porvir.33 
A ação integral da igreja também se fundamenta em uma concepção 
antropológica. Uma vez que se considere o ser humano como uma totalidade 
inseparável que possui dimensões diferentes, a igreja deve ser um meio pelo qual 
o amor de Deus é expresso a este todo. Mais um dualismo é, desta forma, 
desarticulado, agora o que vê o corpo como realidade distinta de alma e/ou 
espírito: 
Um ministério integral verdadeiro define a evangelização e a 
ação social como funcionalmente separadas, mas 
relacionalmente inseparáveis e necessárias para um 
ministério integral da igreja. (...) A idéia de ministério integral 
tem raízes bíblicas profundas. Tanto no Antigo como no 
Novo Testamento a Bíblia ordena à igreja que ministre à 
pessoa como um todo. Isto quer dizer que se deve atender 
tanto às necessidades físicas como às espirituais, que estão 
inseparavelmente relacionadas, ainda que sejam separadas 
em termos funcionais.34 
O conceito de missão integral da ABUB aparece de forma sutil já na 
descrição de seus objetivos, que são quatro: “A) Evangelização de estudantes; B) 
Maturidade do homem integral em Cristo; C) Missão e serviço e D) Assistência”.35 
Três destes objetivos, quando se observa a explicação que a liderança do 
movimento dá ao seu conteúdo, evidenciam um compromisso com o que se pode 
compreeender por missão integral acima analisado. A “maturidade do homem 
integral em Cristo” implica em: 
Desenvolvimento Pessoal - A ABUB tem por filosofia o 
discipulado um a um como Cristo fez. A VIDA PESSOAL 
(Intelectual, Espiritual, Psicológica, Física) é importante. 
Desenvolvimento Comunitário - O cristão maduro tem que 
influenciar o meio. A ABUB forja cristãos que sejam 
influentes no meio em que vivem e não alienados.36 
33 Ibid., p. 202-203. 
34 Tetsunao YAMAMORI, Servindo com os pobres na América Latina: modelos de ministério 
integral, p. 14-15. 
35 FILOSOFIA da ABUB. http://www.abub.org.br. 
36 Ibid.
O objetivo de cumprir sua “missão e serviço” implica em uma atitude 
profética, a de confronto da igreja com as estruturas sociais que estejam 
ofuscando a vida humana: 
A ABUB tem por objetivo a MISSÃO a partir do estudante, 
começando no seu âmbito estudantil até os confins do 
mundo. A ABUB tem por objetivo o serviço na Igreja e no 
mundo. Ser sal e luz e um verdadeiro profeta na situação 
atual. A ABUB tem por objetivo incentivar os estudantes a 
descobrirem sua função na sociedade e na igreja. E que 
tenham uma verdadeira ética cristã.37 
O seu objetivo de prestar “assistência” não tem como objeto apenas o 
estudante secundarista ou universitário nas suas dificuldade e conflitos, mas 
também à “comunidade - Através de projetos de assistência as comunidades, com 
serviços úteis. O amor de Deus deve ser demonstrado aos homens através da 
prática e discurso”.38 
A ABUB procura manter a coerência entre a teoria (aquilo que crê e 
professa formalmente) e a prática (vivência destes valores professados) 
transcendendo a mera atividade de evangelizar ou assistir ao estudante em suas 
necessidades. A instituição estudantil procura estimular os estudantes a se 
comprometerem com a totalidade da missão, o que envolve cuidar de questões 
espirituais tanto quanto de questões materiais, através de próprio exemplo. 
A Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) é um 
movimento missionário interdenominacional sem fins 
lucrativos de estudantes evangélicos que, por intermédio de 
núcleos de estudo bíblico, literatura e encontros de 
treinamento, promove a evangelização e a edificação de 
secundaristas, universitários e profissionais. Desenvolvemos 
esse trabalho em mais de 100 cidades em todos os Estados 
de nosso País, como também o Projeto Missionário Castelão 
em Fortaleza (CE), que oferece educação básica gratuita 
para mais de 500 crianças carentes.39 
37 Ibid. 
38 Ibid. 
39 QUEM Somos. http://www.abub.org.br.
3- A Aliança Bíblica Universitária do Brasil e a difusão da concepção de 
missão integral 
Através de seus Congressos, publicações, cursos e treinamentos; bem 
como através da participação de seus membros em eventos missionários, a ABUB 
tem contribuído significativamente para a difusão da concepção de missão integral 
no Brasil. Dois de seus congressos são fundamentais sob esta ótica, o que 
tematizou “Jesus Cristo: Senhorio, Propósito e Missão” e o que tematizou a 
“Igreja: Comunidade Missionária”. Além da conscientização da missão integral dos 
seus participantes, esses Congressos tiveram suas idéias difundidas através de 
livros homônimos publicados pela ABUB, ambos já esgotados, e que ajudaram a 
moldar a idéia de missão de muitas lideranças evangélicas. Se olharmos para a 
linha editoral da ABU Editora poderemos perceber o alcance de sua contribuição 
para a difusão da idéia de missão integral: 
“Vida Cristã - Livros para discipulado, liderança cristã, 
aconselhamento e edificação, segundo uma perspectiva 
bíblica equilibrada. Materiais para Evangelização - Folhetos e 
livretos ótimos para serem usados na evangelização de 
pessoas questionadoras. Ideal para estudantes e jovens. 
Igreja e Sociedade Atual - Temas relevantes à igreja que 
aceitar o desfio de ser bíblica, contextualizada e relevante 
para o mundo hoje. Doutrina e Bíblia - Livros importantes 
para aqueles que buscam o sadio entendimento das 
doutrinas da Bíblia através de enfoques honestos e atuais. 
Série: A Bíblia Fala Hoje - A série procura levar a sério o 
texto bíblico, aplicando-o sempre ao mundo moderno. 
Recomendado pelos seminários. Evangelização e 
Apologética - Obras de referência indispensáveis para a 
defesa da fé, evangelização e compreensão da realidade 
segundo as Escrituras. Estudo Bíblico Indutivo - Obras de 
referência para liderar e criar um grupo de estudo ou para 
preparar e dirigir um estudo bíblico.”40 
A Editora da ABUB tem se notabilizado pela amplitude dos temas 
publicados, que abrangem a quase totalidade das preocupações da missão 
integral. Pode-se perceber a importância do estudo da Bíblia, tanto em ótica 
40 http://www.abub.org.br/editora/livros.htm
exegética quanto em teológica, presente em duas áreas de publicação: a de 
“doutrina e Bíblia” e a série de comentários bíblicos expositivos “A Bíblia Fala 
Hoje”. Juntamente com a ênfase no estudo bíblico-teológico, há forte ênfase em 
material para evangelização em geral e de universitários em particular, 
especialmente através do estudo bíblico indutivo, marca registrada da estratégia 
evangelizadora dos abeuenses. Quem faz a missão integral precisa de uma 
espiritualidade integral. A linha de escritos sobre a “Vida Cristã” tematiza a 
espiritualidade necessária para a ação missionária no mundo atual, obviamente 
concentrando seus esforços em ajudar a juventude cristã a ser espiritual em meio 
aos desafios da vida universitária e profissional. 
Duas outras linhas complementam a visão da integralidade: “Igreja e 
Sociedade Atual”, na medida em que discernir o tempo presente é fundamental 
para se realizar a missão integral; e a série “Evangelização e Apologética”, que 
destaca a importância que a ABUB, como o movimento estudantil internacional, dá 
ao debate sobre a validade da fé cristã no ambiente intelectual contemporâneo. É 
aqui, a meu ver, que se encontra a maior contribuição peculiar da ABUB à 
concepção de missão integral e sua difusão no Brasil: fazer missão exige que 
sejamos capazes de responder aos desafios que o mundo intelectual apresenta à 
Igreja Evangélica. É parte integrante da missão “responder qual é a razão da 
nossa esperança”, e a ABUB se esmera em preparar a juventude evangélica para 
fazê-lo. 
É, por outro lado, praticamente impossível relatoriar a importância da 
ABUB na difusão da concepção de missão integral através da consciência 
missionária integral de seus participantes e, através deles, a influência que, qual 
fermento, permeia as Igrejas Evangélicas. Mas este é um dado que deve ser 
ressaltado: através do ministério e da influência de cada abeuense e ex-abeunse, 
a concepção de missão integral foi se espalhando pelo território nacional e por 
entre as várias denominações evangélicas. Testemunhas do evangelho, 
abeuenses também têm sido testemunhas da missão integral para a Igreja no 
Brasil.
Bibliografia 
ALIANÇA Bíblica Universitária do Brasil. http://www.abub.org.br. 
BAUMAN, Z. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 
BITTENCOURT, J. “Do protestantismo sincrético: um ensaio teológico-pastoral 
sobre o pentecostalismo brasileiro”. In: BEOZZO, J. O. (Org.). Curso de verão ano 
VII. São Paulo: Paulus, 1993. 
BOSCH, D. Missão transformadora: mudanças no paradigma na teologia da 
missão. São Leopoldo: Sinodal, 2002. 
DOMINGUES, J. M. Sociologia e modernidade. Rio de Janeiro: Civilização 
Brasileira, 1999. 
LEMERT, C. Pós-modernismo não é que você pensa. São Paulo: Loyola, 2000. 
LYON, D. Pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 1998. 
PADILLA, R. Missão integral: ensaios sobre o reino e a igreja. São Paulo: FTL, 
1992. 
____. (Org.). La iglesia local como agente de transformación: una eclesiología 
para la misón integral. Buenos Aires: Kairós, 2003. 
QUIROZ, P. A. et ali. El trino Dios y la misión integral. Buenos Aires: Kairós, 2003. 
STEUERNAGEL, V. R. (Org.). A missão da igreja: uma visão panorâmica sobre os 
desafios e propostas para a igreja na antevéspera do terceiro milênio. Belo 
Horizonte: Missão, 1994. 
YAMAMORI, T. et ali. Servindo com os pobres na América Latina: modelos de 
ministério integral. Londrina: Descoberta, 1998. 
WARREN, R. Uma igreja com propósitos. São Paulo: Vida, 1997. 
WILLARD, D. A conspiração divina: o verdadeiro sentido do discipulado cristão. 
São Paulo: Mundo Cristão, 2001. 
A Fraternidade Teológica Latino-Americana Brasil e a missão integral 
Júlio Paulo Tavares Zabatiero41 
A FTL (Fraternidade Teológica Latino Americana) é um movimento 
dedicado à reflexão teológica a serviço da vida e missão do Povo de Deus. 
41 Professor e diretor da Faculdade Teológica Sul Americana. Presidente da FTL-Brasil. Doutor em teologia 
e pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil.
Iniciada em 1975, continua a exercer seu ministério em vários países da América 
Latina e também na América do Norte. Em seu Estatuto, a FTL declara sua 
identidade e missão: 
1. Promover a reflexão em torno do Evangelho e seu 
significado para o ser humano e a sociedade na América 
Latina. Com esta finalidade estimula o desenvolvimento de 
um pensamento evangélico atento aos desafios da vida no 
continente latino-americano. Para tal reflexão se aceitar o 
caráter normativo da Bíblia como a Palavra escrita de Deus, 
ouvindo, sob a direção do Espírito Santo, a mensagem 
bíblica em relação às ambigüidades da situação concreta. 
2. Constituir uma plataforma de diálogo entre pensadores 
que confessam a Jesus Cristo como Salvador e Senhor e 
que estejam dispostos a refletir, à luz da Bíblia, a fim de 
comunicar o Evangelho em meio às culturas latino-americanas. 
3. Contribuir à vida e missão das Igrejas Evangélicas no 
Brasil e na América Latina, sem pretender falar em nome 
delas e nem assumir a posição de seu porta-voz no Brasil.” 
No âmbito continental, a FTL tem desempenhado um papel significativo no 
crescimento da reflexão teológica e na prática da missão integral, e tendo se 
tornado a principal promotora dos CLADEs (Congresso Latinoamericano de 
Evangelização), encontros que têm sido os grandes responsáveis pelo avanço da 
teologia e da prática da missão integral em nosso continente. No Brasil, a FTL-B 
(como é chamado o Núcleo-Brasil da FTL Continental) tem desempenhado papel 
similar, de forma mais modesta e mais semelhante ao fermento que leveda a 
massa. A FTL-B deve ser vista como um movimento e não como uma instituição. 
Com uma organização mínima, Diretoria e Núcleos Regionais, ela tem cumprido a 
missão declarada em seus Estatutos sem propaganda e alarde. A partir dela, ou 
lado a lado com ela, outros movimentos nasceram e se desenvolveram, como, por 
exemplo, o MEP - Movimento Evangélico Progressista. Como movimento, a FTL-B 
tem enfrentado, a partir da segunda metade dos anos noventa, as vicissitudes de 
todo movimento: institucionalizar-se para permanecer; dissolver-se por não ser 
mais uma resposta significativa para os novos desafios; ou renovar-se para
enfrentar a nova realidade. Ao que tudo indica, a terceira opção é a que está se 
concretizando. 
Enquanto um movimento a força da FTL-B se encontra no reunir pessoas 
para refletir comprometidamente sobre a teologia e a missão. Pessoas que, por 
sua vez, espalham a semente da missão integral e da teologia contextualizada 
pelos terrenos férteis – e nem tão férteis assim – do solo evangélico nacional. Um 
movimento, por sua própria natureza, não deixa grandes monumentos. Produz 
pequenas trilhas, deixa rastros que só podem ser seguidos por um olhar 
perscrutador. Ao olharmos para a produção teológica e missiológica da FTL-B 
vislumbraremos os rumos do pensamento sobre a missão integral no Brasil nos 
últimos vinte anos. Pensamento este que sempre acompanhou a prática da 
missão, jamais sendo uma reflexão desencarnada, meramente acadêmica. A 
teologia praticada nos círculos ligados à FTL-B é uma teologia nascida da vida e 
da prática da missão e, por isso, refletir sobre a sua história tem papel importante 
para nos tornarmos capazes de enxergar, hoje, os novos desafios da missão. 
A breve história da FTL-B pode ser dividida em dois períodos principais. 
No primeiro, que durou mais ou menos a primeira década de sua existência, a 
FTL-B não conseguiu se consolidar como movimento significativo no meio 
evangélico brasileiro. Vários fatores, internos e externos, contribuíram para que 
isso acontecesse. Entretanto, nos seus primeiros anos de vida no Brasil, a FTL-B 
começou a deitar raízes que foram germinar mais tarde do que se esperava. O 
segundo período da FTL-B pode ser datado a partir de sua reorganização em 
âmbito nacional, ocorrida ao final de 1983, a partir de um encontro realizado em 
Campinas, no estado de São Paulo. Várias pessoas – principalmente das 
denominações luterana, presbiterianas, metodistas e batistas – estavam se 
encontrando em núcleos isolados entre si, continuando a busca de uma teologia 
contextual, e, finalmente, se reuniram para canalizar melhor seus esforços. Uma 
diretoria foi eleita, o Boletim Teológico começou a ser publicado, consultas 
nacionais começaram a ser realizadas, e núcleos regionais se organizaram a 
fortaleceram a partir dessa data. Um sinal da providência divina: dentre essas 
pessoas, quase todas ligadas, de uma forma ou de outra, à ABU e à VMB .
Movimento sem recursos financeiros em um país de proporções 
continentais como o Brasil, a FTL-B atuou de forma quase que silenciosa, tendo 
suas reflexões se difundido “boca-a-boca” através de seus membros, consultas 
nacionais (que reuniam de 30 a 60 pessoas!) e o Boletim Teológico que, no auge 
de sua publicação, distribuía cerca de seiscentos exemplares. O primeiro grande 
compromisso foi o de refletir teologicamente sobre a missão da Igreja. A idéia e a 
prática da missão integral marcaram a atividade da FTL-B desde cedo. Nos 
primórdios da década de 80, do século passado, as Igrejas Evangélicas 
concentravam seus esforços na evangelização e missões. Missão integral ainda 
era uma exceção à regra – e o I CBE foi um marco decisivo na percepção dessa 
situação e na sua transformação. 
Em seus núcleos, a FTL-B refletia sobre como fazer teologia bíblica e 
relevante para o nosso contexto. Uma teologia que desse conta dos desafios 
missionários que a realidade brasileira apresentava ao povo de Deus. Dois 
grandes desafios foram a tônica dos primeiros anos: como enfrentar a pobreza e 
como atuar politicamente como cristãos mantendo, simultaneamente, a identidade 
bíblica e o compromisso evangelizador. Justiça social e participação política foram 
temas marcantes e decisivos na década de oitenta. Em um período marcado pela 
grande vitalidade da Teologia da Libertação, tratar de justiça social e participação 
política era arriscado no meio evangélico brasileiro. Era necessário distinguir-se 
claramente da Teologia da Libertação: afirmar a Bíblia como única regra de fé e 
prática, a conversão pessoal como caminho de acesso inicial a Deus, o 
compromisso com a igreja como marca da espiritualidade e identidade. Foi um 
tempo de afirmar a responsabilidade social da Igreja Evangélica, sem perder a 
identidade doutrinária e eclesial. Foi um tempo de afirmar a necessidde de uma 
teologia brasileira e latino-americana, sem perder os laços com o povo de Deus 
espalhado em todos os continentes. 
Isso se pode ver nos temas das primeiras consultas nacionais e nos 
primeiros números do Boletim Teológico: cristologia, hermenêutica bíblica, crítica à 
teologia, Espírito Santo, missão urbana, ação política. Para firmar a integralidade 
da missão era necessário atuar em duas frentes simultaneamente: (1) valorizar a
produção teológica contextual, autóctone, mostrando que teologia se faz, não se 
reproduz. Mostrar que fazer teologia não significa abandonar a fé e a tradição, 
mas, sim, revitalizar a fé e a tradição a partir da vivência decidida e comprometida 
do Reino de Deus no tempo presente e no contexto sócio-cultural da igreja. 
Mostrar que fazer teologia é parte integrante da vida e missão da Igreja e que sem 
reflexão teológica bíblica e contextual deixamos de perceber boa parte do que 
Deus está fazendo e propondo ao seu povo. (2) defender a urgente e imperiosa 
necessidade das igrejas se engajarem no serviço social aos mais pobres e 
necessitados, através de projetos viáveis de desenvolvimento comunitário, e na 
ação social, através de envolvimento político inteligente e crítico. E fazer isso 
vencendo a desconfiança então reinante de que o social era “coisa da Teologia da 
Libertação”, mostrando que o amor de Deus pela humanidade não poderia ser 
plenamente compreendido se o povo de Deus não o demonstrasse tanto em 
palavras quanto em ações amorosas a serviço das pessoas e comunidades fora 
da Igreja. 
O caminho escolhido, então, foi o de mostrar – em primeiro lugar – que o 
compromisso missionário integral estava presente na vida e missão de Jesus 
Cristo. Para sermos fiéis ao Senhor da Igreja, deveríamos trilhar os mesmos 
caminhos que Ele trilhou, caminhos que incluíam a prioridade dos pobres, a 
consciência crítica quanto aos poderes espirituais e terrenos, o engajamento 
integral do povo de Deus na obra missionária integral, em resposta à totalidade do 
Evangelho que Jesus viveu e pregou. Construir uma cristologia bíblica e 
contextual era imperativo para a que o povo de Deus percebesse a validade do 
engajamento nas questões sociais e políticas, para que o povo de Deus visse 
esse engajamento não como um abandono da responsabilidade evangelística, 
mas como o parceiro necessário da evangelização no testemunho do Evangelho 
na sua totalidade. A espiritualidade cristã passou a ser vista como espiritualidade 
cristocêntrica, espiritualidade do seguimento de Jesus Cristo na fidelidade 
missionária ao Pai. Ser um cristão espiritual era visto como ser semelhante a 
Jesus em sua atuação ministerial.
Imediatamente após a reflexão cristológica, tratou-se da “vida no Espírito”. 
A espiritualidade não era um tema marcante naquele tempo, que se caracterizou 
por amplos debates a respeito do poder e da ação do Espírito Santo. Uma 
pneumatologia latino-americana começava a se delinear então. Era necessário 
perceber que o Espírito de Deus não só renovava a igreja, mas também toda a 
humanidade e a criação. Precisávamos abrir os olhos para o fato de que o Espírito 
Santo não estava restrito às fronteiras eclesiásticas, mas era a pessoa da 
Trindade que agia em toda a criação e trazia a luz e a semente da vida para toda 
a humanidade. Precisávamos discernir a presença do Espírito no mundo e os 
desafios que essa presença lançava sobre o povo de Deus. Era tempo de 
reafirmar que o poder do Espírito Santo estava disponível para a igreja 
contemporânea e que esse poder era essencialmente poder para a missão. O 
Espírito foi compreendido primariamente como o Espírito de Cristo, revestindo o 
povo de Deus de poder para ser semelhante a Jesus, de poder para, como o 
Mestre, cumprir a missão integral de Deus. 
Com uma renovada cristologia e uma renovada pneumatologia, a reflexão 
teológica na FTL-B se ocupou intensamente da justiça social e da ação política. 
Realizou consultas sobre a responsabilidade política dos cristãos e sobre a 
integralidade da missão nas cidades. A integralidade da missão tornou-se o foco 
principal. Todavia, as lutas contextuais da época, fizeram com que se enfatizasse 
mais a responsabilidade social e política, lado a lado com a evangelização, do que 
propriamente a integralidade enquanto tal. O foco da reflexão missiológica, então, 
iluminava a multidimensionalidade da missão da igreja. Cumprir a Grande 
Comissão exigia, além de fazer discípulos, obedecer a tudo o que o Senhor havida 
ordenado – especialmente em socorrer os necessitados e em agir politicamente 
para transformar a sociedade injusta. O tema teológico que predominou, então, foi 
o do Reino de Deus. A redescoberta do tema do Reino de Deus na Escritura foi 
fundamental para o avanço da reflexão sobre a responsabilidade sócio-política da 
Igreja. A integralidade do Reino de Deus era a base da integralidade da missão da 
Igreja. A percepção de que o Reino é maior do que a Igreja, e a abrange, foi 
fundamental para o desenvolvimento da missiologia integral. Era libertador,
naquela época, perceber que o propósito de Deus era a consumação do Seu reino 
sobre a face da terra e que esse Reino era dEle e não nosso. Por isso, era maior 
do que a igreja, maior do que a missão, maior do que o povo de Deus. A 
soberania de Deus-Pai, então, foi o terceiro grande foco teológico trabalhado nos 
anos 80. 
A missão integral da Igreja só podia ser justificada a partir de uma 
renovada compreensão e experiência de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Se hoje 
é possível ver isto com clareza, naquele tempo essa noção foi se construindo 
progressivamente. Não houve um planejamento estratégico para se desenvolver 
um pensamento sistemático. Os temas trinitários foram surgindo ao longo da 
reflexão sobre a prática integral da missão e sobre a necessidade de mostrar a 
sua fidelidade à Escritura. Parcialmente ausente, então, das reflexões nesse 
período, foi a eclesiologia. A palavra de ordem era o Reino de Deus. A igreja só 
poderia ser entendida claramente se vista à luz do Reino de Deus, se percebida 
como a comunidade do Reino, e não como uma instituição auto-suficiente. A Igreja 
era compreendida, então, como agente da missão, como testemunha do Reino. 
Não havia necessidade, portanto, de se refletir especificamente sobre a igreja – 
sua organização, governo, natureza. A reflexão sobre a missão era, naturalmente, 
reflexão sobre a igreja. Missão e ministérios eram a marca da Igreja. O 
crescimento da igreja era visto então como conseqüência do engajamento na 
missão integral e como uma dádiva de Deus. O crescimento da igreja deixou de 
ser visto como um fim em si mesmo, mas como um meio para o cumprimento da 
missão de testemunhar do Reino de Deus em todo o mundo. 
Paralela e simultaneamente à reflexão sobre esses grandes temas 
teológicos e missiológicos, a FTL-B se ocupou da contextualidade. Dois grandes 
desafios foram enfrentados sob esse tópico. O primeiro era o desafio de discernir 
nosso contexto. Era tempo de se afirmar que para fazer missão era necessário 
conhecer o contexto social, econômico, político e cultural onde a Igreja estava 
inserida. Compreender o Brasil, a América Latina; vivenciar plenamente a 
brasilidade e a latinidade eram questões fundamentais para a missão integral. Foi 
um tempo de reconhecimento da nossa ignorância a respeito de nossa própria
realidade social e cultural. Víamo-nos como “estrangeiros em nossa própria terra.” 
Era necessário mudar essa situação. O segundo era o desafio da hermenêutica 
contextual da Bíblia. Para mostrar a validade da inserção em nosso contexto era 
fundamental percebermos a contextualidade do povo de Deus na Escritura. Era 
necessário mudar o foco da discussão bíblica, da natureza da Bíblia para a 
interpretação da Bíblia. Afirmando, sem nenhuma reserva, que a Bíblia é a Palavra 
de Deus, é necessário interpretar a Escritura dentro de seus contextos e buscando 
respostas para as perguntas que nascem do contexto do intérprete. Exegese se 
tornou uma atividade fundamental. Exegese da Bíblia e exegese do contexto 
presente. Para se fazer missão integral é necessário encontrar as respostas da 
Palavra de Deus para os dramas e angústias do presente mundo pecaminoso. 
Na primeira metade dos anos noventa, a reflexão teológica da FTL-B 
passa a ter duas marcas: (a) reafirmar as conquistas dos anos oitenta; e (b) 
ampliar a abrangência temática de sua reflexão. Muitos temas passaram a ser 
abordados, a partir das questões que iam surgindo nas Igrejas e Seminários que 
se envolviam com a missão integral. Dentre esses temas, pode-se destacar: a 
questão da mulher na igreja e missão, o lugar e papel do culto na vida missionária 
da igreja, a estrutura econômica da sociedade, a espiritualidade pessoal. Em um 
certo sentido, a FTL-B cumpriu sua tarefa primordial como movimento: em cerca 
de dez anos ajudou a difundir a missiologia integral no meio evangélico brasileiro. 
Missão integral deixou de ser uma questão estranha e passou a ser parte 
integrante da vida das Igrejas evangélicas e de muitos Seminários Teológicos. 
Simultaneamente, novas e imprevisíveis mudanças no cenário religioso e 
protestante no Brasil trouxeram problemas, possibilidades e desafios prementes, 
que colocaram em segunda plana a questão missiológica e a reflexão teológica. O 
crescimento espantoso do neo-pentecostalismo e o sucesso da sua teologia, a 
teologia da prosperidade, colocaram as igrejas e instituições evangélicas em uma 
situação de luta pela sobrevivência e afirmação da identidade. Uma das 
conseqüências dessa nova situação foi a fragmentação da Igreja Evangélica, que 
afetou profundamente a FTL-B. A segunda metade da década de 90 foi um tempo 
de enfraquecimento da reflexão teológica, dos encontros de pequenos grupos
para discutir e produzir teologia. Paradoxalmente, foi tempo de grande 
crescimento da teologia – surgimento de novos Seminários e Faculdades 
Teológicas, crescente número de livros teológicos publicados em português, 
valorização do saber como parte integrante da espiritualidade cristã. 
De tempos tão recentes é difícil fazer a história. Por isso, encerramos a 
reflexão sobre a FTL-B no início da década passada. Sob a ótica da missão 
integral, os anos oitenta e o início dos anos noventa foram a idade áurea da 
reflexão teológica no Brasil encorajada pela FTL-B. Foi o tempo da afirmação da 
teologia da missão integral. Foi o tempo da afirmação da prioridade do Reino de 
Deus sobre a igreja e a vida cristã. Foi o tempo da afirmação que teologia se faz 
na conjugação da reflexão e do compromisso missionário integral. Foi o tempo da 
auto-afirmação da Igreja evangélica no Brasil como igreja maior de idade, capaz 
de fazer a sua teologia para servir a sua missão. Agora, o tempo é diferente. 
Novas perguntas, novos desafios. Qual será o papel da teologia hoje? 
Reflexão Final - Desafios para a missão integral na atualidade 
Pensamos que a Missão Integral enfrenta na atualidade pelo menos cinco 
grandes desafios. Gostaríamos de detalhá-los a seguir. 
Primeiro desafio: Evangelizar considerando o que o evangelizado tem a 
dizer sobre seu mundo. Os primeiros católicos que nestas terras chegaram no
século XVI não estavam preocupados com que os índios tinham a dizer sobre seu 
mundo e sobre sua religião. Apenas pensavam em lhes incutir sua cultura e sua 
religião. A mesma atitude etnocêntrica tiveram os primeiros protestantes que para 
cá vieram no século XIX. Não houve a preocupação de conhecimento e adaptação 
à realidade cultural e religiosa brasileira, mas a imposição da mensagem do 
Evangelho com uma forte roupagem cultural ocidental. 
O mundo plural contemporâneo exige que evangelizemos através de um 
diálogo com a cultura brasileira e considerando que os sujeitos a serem 
evangelizados têm a dizer sobre seu próprio mundo. A liderança da Igreja precisa 
saber dialogar com as pessoas a quem evangeliza e, assim, ser exemplo de 
diálogo para seus evangelistas na sua relação com os que fizeram uma opção 
religiosa não evangélica. Mais do que nunca precisamos evangelizar, para isso é 
que a igreja e as instituições para-eclesiáticas sempre existiram, mas cada vez 
mais este imperativo deve ser levado adiante com amor, sabedoria e 
discernimento. 
At 8:26-40 é um texto que narra um líder etíope sendo evangelizado por 
Filipe. Filipe vê que o etíope está lendo um texto bíblico e sente uma oportunidade 
para se aproximar. O etíope ia lendo em voz alta, como era de costume na época 
e Filipe vê que se trata de uma pessoa que tem sede de conhecer a Deus e 
estabelece o diálogo a partir de uma pergunta que o faz entrar no mundo do outro. 
Este texto nos ensina algumas coisas relevantes para o nosso contexto 
missionário de hoje: 1) Tal como na época de Filipe, estamos diante de um 
mundo que anseia por uma resposta, por um projeto de vida saudável e libertador; 
cabe a nós percebermos que Deus quer nos usar para evangelizar/expandir o 
conhecimento da Boa-Notícia; 2) Precisamos ter ousadia para chegar até as 
pessoas e lhes perguntar se entendem o que lêem, se estão satisfeitas com suas 
vidas; 3) Temos que respeitar as pessoas e nos aproximar delas por amor e 
somente se elas o permitirem e quiserem a nossa ajuda; 4) Devemos romper as 
barreiras dos preconceitos, pois não há etnia, categoria social ou nacionalidade, a 
quem Deus não queira demonstrar seu amor; se nossos irmãos e irmãs do 
passado não tivessem vencido preconceitos, não conheceríamos o cristianismo;
5) Não podemos parar de evangelizar, pois o texto mostra que Filipe não para 
quando o etíope aceita a Jesus, mas é arrebatado pelo Espírito para evangelizar 
em outro local; a tarefa de evangelização é o motivo de existência da igreja; a 
tarefa de evangelização só termina quando todos ouvirem a respeito de Cristo. 
Precisamos de cristãos que saibam evangelizar como Filipe, afinal ainda 
temos um mundo cheio de pessoas sedentas por um projeto de vida consistente 
como o é o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. A tarefa urgente e bela da 
evangelização não deve, todavia, atropelar a vontade e os limites do 
evangelizado. A evangelização não pode ser um monólogo, mas sim um diálogo. 
Segundo desafio: Superar a comunicação predominantemente 
intelectualizada e conceitual que predomina sobretudo no meio acadêmico e nos 
púlpitos das igrejas históricas. O que as pessoas procuram como meio de conferir 
sentido para suas vidas? Um belo sermão, milimetricamente planejado e 
construído, ou uma palavra simples e poderosa que transforme a sua vida? 
Parece-me que muitos líderes evangélicos, sobretudo os que estão em igrejas 
tradicionais, pensam que as pessoas querem uma mensagem bem articulada 
intelectualmente apenas. Mas estamos cada vez mais convencido de que as 
pessoas querem mesmo é uma palavra simples, poderosa e relevante para suas 
vidas. 
Um fato urgente que precisa ser percebido pela liderança evangélica 
brasileira é que o púlpito excessivamente racional e intelectualizado está em crise, 
o que não significa que devamos ser tragados pelo irracionalismo, mas que as 
pessoas precisam viver nos dias de hoje o que alguns dos primeiros seguidores 
de Cristo puderam receber, o poder transformador do Reino de Deus. Jesus 
anunciou e evidenciou a presença do Reino entre nós. Os sinais do Reino não se 
constituíam apenas de mensagens bem preparadas academicamente e bem 
faladas, embora Jesus tenha feito isto com muita eficácia, mas se manifestavam 
através de curas, milagres e libertação de demônios, de conceitos espirituais 
equivocados e escravizadores. 
Mesmo quando “pregava” Jesus estava muito longe de usar uma 
linguagem árida e intelectualizada, mas antes preferia as metáforas. Sua
comunicação primava pelas belas e cotidianas imagens dos trabalhadores rurais 
de seu tempo. Seu ensino empolgava as pessoas porque as suas palavras eram 
de vida e não de hipocrisia e legalismo. 
Não é a toa que o Antigo Testamento tem sido usado preferencialmente 
em igrejas populares como as de linhagem neopentecostal, pois sua linguagem é 
predominantemente figurativa e não conceitual como a do Novo testamento, 
exceção feita justamente aos Evangelhos. Os pentecostais perceberam isto, mas 
alguns ramos protestantes tradicionais ainda não conseguiram aprender tão 
importante lição. O desafio de uma linguagem apropriada ao povo brasileiro é 
urgente para a missão integral hoje. 
Terceiro desafio: Construir um modelo de espiritualidade capaz de integrar 
sensibilidade para o poder do Espírito Santo tanto quanto para as questões 
sociais. Dallas Willard diz que existe na atualidade duas formas de expressão do 
Evangelho que, por seu reducionismo, apenas se limitam a administrar o pecado 
humano, o Evangelho da direita e o Evangelho da esquerda.42 O primeiro modelo 
reducionista diz que o pecado é uma realidade apenas pessoal e que tudo que a 
pessoa precisa é se arrepender e, depois, esperar o fim da vida para ir ao céu, 
não importando muito o que venha a fazer neste interregno. O segundo modelo é 
apenas uma inversão do anterior e acentua a realidade estrutural do pecado, 
passando a propor uma visão de espiritualidade engajada nas questões sociais, 
mesmo que o caráter da pessoa não seja significativamente transformado. 
Como se pode ver, o velho dualismo está sempre ressurgindo de formas 
diferentes! A descrição acima de Dallas Willard serve muito bem para 
desmascarar mais esta forma de dualismo, esta tipicamente moderna, que opõe o 
pessoal/espiritual ao social/material. Penso que aprender a superar este dualismo 
é talvez o maior desafio para as lideranças evangélicas brasileiras. Cremos que o 
Reino/Reinado de Deus transforma a vida humana na sua integralidade, o que 
inclui a sua vida íntima/pessoal bem como o meio social em que esta vida está 
inserida. Se a primeira modernidade é dualista, a modernidade tardia precisa ser 
42 Dallas WILLARD, A conspiração divina: o verdadeiro sentido do discipulado cristão, p. 55-80.
holística, não no sentido vulgar/místico da palavra, mas no sentido de que vivemos 
em uma realidade sistêmica. Todas as coisas estão ligadas às demais. 
Nínguém é liberto se sua mente, seu corpo e seu espírito não forem 
curados e tocados pelo poder de Deus, mas se o mesmo poder não agir sobre as 
estruturas sociais até que sejam também transformadas, não haverá libertação na 
sua plenitude. Nenhum indivíduo pode ser liberto se a sociedade não for também 
liberta. O cristianismo não pode tolerar o egoísmo e a exploração econômica e 
social, mas se o poder de Deus não agir na vida individual dos sujeitos, jamais 
será construída uma sociedade justa. 
Por enquanto podemos observar líderes preocupados em orar, jejuar e ter 
experiências sobrenaturais, mas não são suficientemente piedosos para estender 
suas mãos para os aflitos. Por outro lado, podemos ver outros líderes engajados 
em um ativismo social vazio do poder sobrenatual de Deus. O momento é o de 
construirmos a síntese, a ponte de ligação entre as duas realidades e passarmos 
a viver e a pregar um Evangelho integral, onde o poder sobrenatural de Deus age 
para mudar o âmago das pessoas tanto quando age para recriar a vida social e a 
natureza! 
Quarto desafio: Vivemos em uma sociedade e economia sem 
solidariedade. A dimensão mais concreta da chamada pós-modernidade é a 
economia capitalista pós-industrial, ou neo-liberal. A sociedade capitalista neo-liberal 
é perversa e sem compaixão. Nela só há lugar para as pessoas capazes e 
competentes, que conseguem cumprir todas as exigências do mercado de 
trabalho e de consumo. Cada vez mais as empresas exigem maior qualificação 
para seus trabalhadores, e cada vez mais as máquinas substituem as pessoas no 
desempenho de funções e realização de serviços - e com isso aumenta o 
desemprego, a economia informal e a marginalidade. Todavia, o capitalismo neo-liberal 
afirma que esse é o único caminho para a prosperidade das nações! Decre-tando 
o “fim da história” o capitalismo neo-liberal tomou o lugar do marxismo como 
a religião messiânica sem Deus. 
Precisamos de compaixão e solidariedade para fazer a missão em nossos 
dias! Ao olhar para as pessoas e para as multidões de seus dias, Jesus as via
como “ovelhas sem pastor” e demonstrava-lhes compaixão. A compaixão 
(solidariedade) era o motor de suas ações a favor das pessoas (v. Mt 9,36; 14,14; 
15,32; 20,34; Mc 6,34; 8,2; Lc 7,13, etc.). Jesus demonstrava, através de seus 
atos, a compaixão de Deus pelos seus filhos e filhas escravizados ao pecado; 
demonstrava a solidariedade do Deus encarnado para com a humanidade 
pecadora (cf. Hb 2,14-17; 4,15-16). Para pregar o Evangelho não posso ver o 
“outro” como adversário - a “batalha espiritual” não pode gerar inimigos, mas, sim, 
pessoas reconciliadas com Deus e, conseqüentemente conosco e com elas 
mesmas - geramos, com a pregação do Evangelho, amigos e amigas de Jesus 
Cristo (Jo 15,14-15). 
Para realizarmos a missão é necessário resistir à tendência 
desumanizadora e brutalizante de nossa sociedade pós-moderna; precisamos 
resistir à tentação de vivermos apenas em função de nós mesmos e de nossos 
interesses e desejos. Precisamos de solidariedade, compaixão: sentir o sofrimento 
do outro, como o nosso próprio sofrimento. Participar na libertação do outro, como 
se a nossa própria libertação disso dependesse. Se somos amigos e amigas de 
Cristo, fazemos o que Ele manda. E o que Ele manda? “Eu vos escolhi para irdes 
produzir frutos e para que o vosso fruto permaneça ... O que eu vos ordeno é que 
vos ameis uns aos outros” (Jo 15,16-17). A Igreja existe para anunciar o 
Evangelho - essa é a grande comissão de Jesus (Mt 28,18-20 e paralelos), e esse 
é o poder do Espírito (At 1,8) - e se ela não o faz, deixa de ser povo de Deus, e se 
identifica com o mundo; torna-se sal sem sabor, não prestando para nada. 
Assim como Jesus fez acompanhar sua pregação de sinais visíveis do 
amor de Deus pelos pecadores, também a Igreja solidária, na pós-modernidade, 
fará sua pregação da salvação ser acompanhada dos sinais do Reino. Quem ama, 
é compassivo e solidário com a pessoa toda, não faz divisão entre “alma” e 
“corpo”, pregando para salvar “a alma” e deixar o “corpo” morrer. Jesus cuidava 
das doenças do corpo, das doenças espirituais, dos problemas econômicos e 
sociais. Paulo, o evangelista aos gentios, recebeu a recomendação de “nos 
lembrar dos pobres, o que eu tive muito cuidado de fazer” (Gl 2,10). A diaconia 
cristã é a expressão concreta da compaixão evangelizadora da Igreja. A diaconia
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A Missão Integral e o Contexto Social Brasileiro

  • 1. A Missão Integral da Igreja Breve história de uma idéia que mudou a face da Igreja Evangélica Alfredo dos Santos Oliva Júlio Paulo Tavares Zabatiero Wander de Lara Proença
  • 2. Prefácio Um novo século em um novo milênio. Tempo de mudanças ocorrendo em altíssima velocidade. Internet, transgênicos, governo de esquerda, pluralismo religioso jamais visto antes no Brasil, fragmentação do Protestantismo, novos movimentos religiosos, são apenas alguns dos sintomas dos novos tempos em que vivemos. O II Congresso Brasileiro de Evangelização se realiza em um período extremamente rico e conturbado da história do nosso país e da Igreja Evangélica. Novos tempos, novos desafios. Problemas e possibilidades sequer imaginados quando da realização do I CBE ocupam a nossa agenda contemporânea. A fragmentação das identidades eclesiásticas é um deles, que veio a reboque de grande crescimento numérico das Igrejas Protestantes. O sucesso de mídia e de número de membros e valores financeiros do Neo- Pentecostalismo e da Teologia da Prosperidade colocou o mundo evangélico de sobreaviso. A busca de maior comunhão fraternal nas igrejas locais e de um despertamento para uma nova visão da espiritualidade cristã são sintomas do mover do Espírito entre nós. Em vinte anos, além das mudanças, aprofundaram-se velhos problemas: a pobreza continua alarmante no Brasil, taxas elevadas de desemprego, exclusão social, mortalidade infantil continuam a nos provocar a indignação e a busca de justiça social. A corrupção continua existindo como um câncer que corrói a ética e o tecido social. O clamor por justiça permanece ecoando alto em todos os cantos de nosso grande país. Novos e antigos desafios nos convocam, como evangélicos, a discernir os tempos e a nos engajarmos mais intensamente na missão integral que Deus confiou à Igreja. Nas palavras da convocatória para o II CBE: “Reconhecemos a necessidade de se elaborar uma nova síntese que seja capaz de responder às seguintes questões: Quais os desafios que a igreja precisa enfrentar? Que respostas estão sendo dadas para estes desafios? As respostas estão em sintonia com a vontade de Deus e os paradigmas do Seu Reino? Como podemos ser
  • 3. apoio e inspiração comunitária para os líderes e igrejas periféricas, lutando contra toda espécie de opressão, em circunstâncias tão adversas? Qual é a palavra de Deus para a nossa geração?” Com este pequeno livro queremos contribuir para a resposta a essas questões. Uma contribuição claramente delimitada. Nós nos propusemos a escrever uma pequena história de uma grande idéia. Optamos por concentrar nossa memória sobre o tema da difusão da idéia de missão integral. Focalizamos apenas três agentes dessa difusão. Uma instituição e dois movimentos: Visão Mundial do Brasil, Aliança Bíblica Universitária do Brasil e Fraternidade Teológica Latino-Americana seção Brasil. Certamente elas não foram as únicas difusoras da missão integral. Uma idéia abraçada por inúmeras igrejas locais e movimentos evangélicos. Uma prática de milhares de pessoas comprometidas com o Reino de Deus, uma vivência de centenas de igrejas locais e projetos ministeriais que fervilham em nosso país neste exato instante. Mas foram as três principais responsáveis pela reflexão teológica sobre a missão integral e pela difusão desta idéia, que veio do Espírito de Deus para seu povo, em todo o nosso país. A nossa contribuição tem a seguinte estrutura: na introdução (escrita por Wander) aborda-se O Contexto Social Brasileiro e a Urgência da Missão Integral, seguida por três capítulos que abordarão, individualmente, a contribuição da Visão Mundial (escrito por Wander de Lara Proença), da ABUB (escrito por Alfredo dos Santos Oliva) e da FTL-Brasil (escrito por Júlio Paulo Tavares Zabatiero) na difusão e aperfeiçoamento da compreensão e prática evangélicas da missão integral. Após esses capítulos, uma reflexão final (coletiva) tentará apontar alguns rumos para a atividade teológica diante dos desafios do presente, em sintonia com a convocatória do II CBE. Nosso convite é para que você reflita conosco e, ao reler antigos – mas tão próximos – caminhos, ajude a Igreja a perceber onde Deus está andando e agindo hoje, nos ajude a ouvir a Sua voz com nitidez em nosso tempo presente. Os autores
  • 4. ‘Introdução O Contexto Social Brasileiro e a Urgência da Missão Integral Conforme a narrativa de Mateus 2:1-12, ao procurarem pelo menino recém-nascido surpreenderam-se os magos do oriente: afinal, não deveriam encontrar o “rei dos judeus” na importante cidade de Jerusalém, no aconchego de uma família socialmente destacada naquela sociedade, ou ainda, estando ainda acercado de pessoas ilustres? Que surpresa constatar que o novo rei se revelara na efrata Belém! Também, à semelhança do que fora dito aos pastores, dois mil anos depois o sinal comunicativo de Deus à humanidade continua, pela sua simplicidade, a surpreender: “encontrareis uma criança envolta em panos e deitada em manjedoura.”(Lc. 1:12). Ou seja, o rosto de Jesus no contexto brasileiro atual assume feições que continua a surpreender a muitos que imaginam mais facilmente encontrá-lo em suntuosos templos ou, quem sabe, nos ambientes religiosos que, em seu nome, atraem geram competitivas aglomerações. Sem desconsiderar, evidentemente, tal possibilidade, é preciso que se atente para os traços e perfis com Ele mesmo se identificou conforme relato do evangelho de Mateus, anteriormente citado. Neste sentido, não será difícil encontrá-lo nas diferentes e precárias regiões que configuram o nosso país. Nossa realidade é fortemente marcada pela opressão política, econômica e cultural, o que se traduz em fome, miséria, injustiça, forte distinção entre pobres e ricos, alto índice de prostituição, violência a menores e marginalização. Como resultado de uma miséria espiritual geradora do egoísmo, da ambição, e da desumanidade, que se expressa ainda em sistemas político-econômicos descomprometidos com a justiça e o bem comum, convivemos hoje com uma triste realidade de morte, de contrastes sociais, onde a miséria e a marginalização mantêm milhões de pessoas em condições sub-humanas. Denominando este contexto de "sociedade de crucificados", o teólogo brasileiro Leonardo Boff utiliza as seguintes palavras: Há uma cruz dolorosa e persistente que pesa sobre as culturas dominadas dos indígenas e dos negros latino-americanos... milhões e milhões de classes subjugadas continuam sendo crucificadas com salários de fome, em condições de trabalho que lhes encurtam a vida... Outras
  • 5. pessoas penam sob a cruz da discriminação pelo fato de serem mulheres, pobres, negros e outras formas de exclusão social.1 Vale ressaltar que no momento da inserção da Visão Mundial no Brasil, na década de 1970, à semelhança de todo o contexto latino-americano, o país passava por intensas transformações sociais. Ronaldo Muñoz, citando o documento produzido pelo Concílio Católico de Puebla, realizado no México, em 1979, descreve os dramas de tal realidade social: Lançando um olhar sobre nosso mundo latino-americano, nos deparamos com a verdade de que aumenta, cada dia mais, a distância entre os muitos que têm pouco e os poucos que têm muito. Estão sendo violados os direitos fundamentais do ser humano. Comprovamos, pois, como o mais devastador e humilhante flagelo a situação de pobreza desumana em que vivem milhões de latino-americanos e que se exprime, por exemplo, em mortalidade infantil, em falta de moradia adequada, em problemas de saúde, salários de fome, desemprego e subemprego, desnutrição, instabilidade no trabalho, migrações maciças, forçadas e sem proteção. Somam-se a isto as angústias produzidas pelo abuso do poder, típicas de regime de força... Angústias ante uma injustiça submissa e manietada.2 O sistema em que estamos inseridos, marcado pelo consumismo e pela busca escalonária de produção, classifica e valoriza o ser humano por sua capacidade de produzir. Por isso, crianças, idosos, doentes e indígenas, que “nada produzem”, mas que, ao contrário, são causa de "gastos" aos cofres do sistema, representam quase que nenhum interesse. Com isso, o ser humano é agredido em sua dignidade. A imagem de Deus é ultrajada, violentada. Analisando esta realidade que mantém as grandes massas em situação de pobreza desumana e intolerável opressão, Muñoz descreve com detalhes as feições do Cristo que se solidariza com o seu povo: Esta situação de extrema pobreza generalizada adquire, na vida real, feições sofredoras de Cristo, o Senhor, que nos 1 BOFF, Leonardo. Como pregar a Cruz hoje em uma sociedade de crucificados? Petrópolis: Vozes, 1986, p.19-20. 2 MUÑOZ, Ronaldo. Evangelho e libertação na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1981, p.14.
  • 6. questiona e interpela: feições de crianças, golpeadas pela pobreza ainda antes de nascer...; feições de jovens, desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade e frustrados... feições de indígenas... e também de afro-americanos, que, vivendo segregados e em situações desumanas, podem ser considerados como os mais pobres dentre os pobres; feições de camponeses, que, como grupo social, vivem relegados ..., em situação de dependência interna e externa, submetidos a sistemas de comércio que os enganam e os exploram; feições de operários, com freqüência mal remunerados, que tem dificuldade de se organizar e defender os próprios direitos; feições de subempregados e desempregados, despedidos pelas duras exigências das crises econômicas e, muitas vezes, de modelos desenvolvimentistas que submetem os trabalhadores e suas famílias a frios cálculos econômicos; feições de marginalizados e amontoados de nossas cidades, sofrendo o duplo impacto da carência dos bens materiais e da ostentação da riqueza de outros setores sociais; feições de anciãos cada dia mais numerosos, freqüentemente postos à margem da sociedade do progresso, que prescinde das pessoas que não produzem.3 Não obstante tão grande visibilidade da face de Jesus em nossa realidade, prevalecem ainda, infelizmente, atitudes de indiferença e de negligência: “E eles lhe perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, com sede, forasteiro, nu enfermo ou preso, e não te assistimos?” (Mt. 25:44) Tais impercepções advêm de diferentes órgãos oficiais do poder público, mas também da própria igreja situada no contexto brasileiro. Uma grande crise de identidade doutrinária e missiológica da igreja contemporânea tem gerado a falta de discernimento e de compreensão quanto à sua razão de ser no mundo: servir a Jesus Cristo dando continuidade à missão integral por Ele mesmo inaugurada, para que o Reino de Deus seja então consolidado em plenitude. Os obstáculos para o desenvolvimento da missão integral decorrem, ainda, de dois extremos de espiritualidade vivenciados pela igreja brasileira. Primeiro, o extremo do “celeste porvir”, conforme o conceitua o pesquisador Antônio de Gouvêa 3 MUÑOZ, ibid, p.29.
  • 7. Mendonça, ao falar de um "vazio histórico" como marca do protestantismo histórico que se inseriu no Brasil a partir do século XIX, ao mesmo tempo em que faz também uma denúncia: Tanto a cristologia católica como protestante deixaram para trás a história da América Latina: a primeira apresentou o Cristo morto, a segunda o Cristo vivo mas distante, em nenhuma delas aparece o Cristo vivo dos evangelhos anunciando o Reino em meio aos homens.4 Falando ainda da alienação, do comodismo e da omissão da igreja em realizar sua missão integral, Mendonça faz um alerta: A visão do Cristo do céu implantou na América Latina um protestantismo já de inicio em crise, porque colocou a igreja numa encruzilhada até aqui não superada. O Cristo do Céu nas apresenta saída entre duas alternativas: ou arrebata a Igreja para que vá ao seu encontro ou desce novamente para encerrar a história e inaugurar o milênio. Qualquer dessas alternativas tem levado as igrejas a expectativas de plenitude além da história. São comunidades de espera (...).5 O resultado desta proposta de espiritualidade é a alienação ou a indiferença para com as dificuldades de ordem social em que vivem milhões de brasileiros. São pessoas que buscam uma vida "espiritual" de contemplação e pureza pessoal apenas. Apesar de não aceitarem a dura realidade dos dias atuais, não fazem praticamente nada para mudar tal situação, preferindo apenas aguardar que por meio de acontecimentos apocalípticos haja alguma intervenção sobrenatural e catastrófica de Deus na história humana, com o propósito de julgar o mundo e dar, então, aos "puros" o direito de usufruir do novo céu e da nova terra. Ou seja, projetam para o além pós-morte toda a perspectiva de uma vida de justiça e de paz. Também ao falar desta crise que envolve a identidade da igreja, o teólogo Júlio Zabatiero aponta para alguns fatores de ordem litúrgica, que evidenciam tal realidade: 4 MENDONÇA, Antônio de Gouvêa. “A Bíblia cativa, Cristo no céu e a igreja ausente”. In: Ciências da Religião n.6. São Bernardo do Campo: UMESP, 1989, p.169. 5 MENDONÇA, ibid, p. 169,170
  • 8. O individualismo subjetivo de nossos cânticos é patente e preocupante. Considerando-a como um todo, a hinódia protestante é alienante. Desvia os olhares dos cristãos da história e os transfere a um mundo místico, inexistente (...) a práxis cristã que a prática do culto oferece, além de alienante, é individualizante. Destaca o cristão da igreja e o transfere para o mundo do céu. Prejudica tanto a vida interna da igreja como sua inserção no mundo.6 Em contrapartida, há hoje um outro extremo de espiritualidade vivenciada por determinados segmentos cristãos, que poderíamos chamá-lo de “terrestre presente”. Tem se convencionado denomina-se a isto de “teologia da prosperidade”. Segundo tal proposta religiosa, o usufruto de toda forma de consumismo que o mercado moderno oferece é um direito assegurado ao cristão. À semelhança do grupo dos saduceus da época de Jesus, tais religiosos se acomodam ao "status quo", do qual se beneficiam, e por isso mesmo, não estão nem um pouco preocupados em transformar a realidade em que estão inseridos. Parafraseando o texto de Rm.12:2, pode-se que estão "conformados com este século", ou com este “esquema". Por meio de tal "teologia", tais pessoas justificam a posse egocêntrica e individualista de grandes riquezas no nome de Deus, indiferentemente à realidade de miséria e falta por que vivem milhões de outros seres humanos ao seu redor. A assimilação de tais conceitos tem levado os incautos à alienação quanto a verdadeira origem dos males sociais, e à transferência de responsabilidades pessoais ou coletivas, uma vez que são atribuídas ao diabo as causas de todas as mazelas. Assim, se eximem de suas responsabilidades pessoais, não se engajam na práxis libertadora, não podendo conseqüentemente exercer função profética de denúncia contra um sistema do qual se beneficiam, fazendo-os "prosperar" no nome de Deus. Em síntese, há que se dizer que não podemos conhecer o Deus que se revelou em Jesus Cristo, buscar sua face e fazer sua vontade, se voltamos as costas para o que está acontecendo em nossa história e fazemos ouvidos surdos ao clamor do povo sem salvação e fechamos os olhos para o quadro socialmente agravante em que vive grande parcela da população brasileira. 6 ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. “Amós e a missão da igreja brasileira na atualidade”. In: Boletim Teológico n.7. São Leopoldo: FTLA,1985, p. 99.
  • 9. VISÃO MUNDIAL E MISSÃO INTEGRAL: ENXERGANDO EM MATEUS 25 A FACE BRASILEIRA DE JESUS
  • 10. Wander de Lara Proença7 Introdução O texto bíblico de Mateus 25;31-46 apresenta um dos parâmetros estabelecidos por Jesus ao orientar aqueles que dariam continuidade à missão por Ele desenvolvida: os sinais da chegada e da presença efetiva do reino de Deus deveriam ser materializados por atitudes que expressassem solidariedade aos que experimentam diferentes formas de necessidade. O caráter cristocêntrico de tais ações, explicitado nas palavras “sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt. 25:40), ganha delineamento com representações extremamente fortes, e até dramáticas, mas que revelam, ao mesmo tempo, a plena identificação do Salvador com a humanidade em sofrimento: “(...) tive fome, (...) tive sede, sendo forasteiro (...) estando nu (...) achando-me enfermo e preso (...) (Mt.25:42,43). Na verdade, quis Jesus assim mostrar que a sua identidade continuaria a ser aquela que a cruz definiu, quando solidariamente, ali, experimentou com e pela a humanidade as diferentes formas de violência que uma história ainda sob a égide do pecado é capaz de gerar: prisão, torturas, humilhação, fome, sede, desamparo, rejeição, exclusão. E, de igual modo, o grito desesperador do Calvário - “Deus meu, Deus, por que me desamparaste?” (Mt. 27:46) – continua a ser um memorial que profética e escatologicamente ecoa a espera de justiça, de solidariedade, de amor, de acolhimento em favor de todos aqueles anseiam pelo direito e pela oportunidade de continuarem vivendo. Por isso na narrativa do evangelho, anteriormente citada, o próprio Cristo faz questão de ressaltar que quem quiser encontrá-lo e servi-lo, que o procure entre os desabrigados que vagueiam pelas ruas, entre os famintos, os excluídos, nas selas frias das prisões que lentamente destroem o sentido da existência, entre os abandonados pelos sistemas incapazes de oferecer oportunidade de vida a todos, ou ainda, na face de uma criança que, à espera do leite e do pão, insistentemente luta pelo sagrado direito de viver. 7 Professor de História e Teologia da Faculdade Teológica Sul Americana, em Londrina; mestre em Teologia (FTSA); doutorando em História (UNESP); pastor presbiteriano.
  • 11. Este capítulo tem como objetivos identificar os traços sociais da face brasileira de Jesus; analisar a atitude de diferentes segmentos da sociedade frente a tais necessidades; e destacar como a Visão Mundial tem conseguido, mediante a missão integral, fazer diferença qualitativa na vida de milhares de pessoas no contexto brasileiro. 1. Surgimento e Propósitos da Visão Mundial Com a finalidade colocar em prática o ensinamento de Jesus, anteriormente citado, foi fundada, em 1950, pelo jornalista Bob Pierce, a Visão Mundial. Pierce, evangelista norte-americano, de 1947 a 1949, sob auspícios da Mocidade Para Cristo, viajou para a China e Coréia, onde se deparou com o sofrimento e o desespero humanos causados pela guerra. Chocado com a miséria e o sofrimento, sobretudo de crianças, registrou tudo em um filme que foi exibido nos Estados Unidos. Preocupados com a realidade a que foram expostos, muitos começaram a contribuir financeiramente. Torna-se clara diante do volume das contribuições, a necessidade de se fundar uma organização que pudesse canalizá-las adequadamente. A Visão Mundial viria, assim, a constituir-se na maior Organização Não Governamental cristã de apadrinhamento do mundo, estando hoje presente em mais de 90 países. Desde o seu momento inicial, a Visão Mundial tem adotado o seguinte propósito: Para a glória de Deus, unir pessoas em todos os lugares, no sentido de assistir os mais carentes, ajudando-os a atingir o potencial que Deus lhes deu, dentro de sua própria cultura e dando-lhes uma oportunidade válida de aceitar o evangelho de Jesus Cristo.8 Preocupada com o ingente desafio da evangelização no mundo, a Visão Mundial participou ativamente do grande Congresso de Evangelização Mundial, realizado em Lausanne, em 1974. As questões ali debatidas foram aprofundadas na Consulta de Evangelização Mundial, realizada no período de 16 8 Boletim da Visão Mundial, ano I, n.7, set., 1981, p.2
  • 12. a 27 de Junho de 1980, em Pattaya, Tailândia, do qual participaram mais de 800 cristãos, procedentes de diversas origens confessionais, nações e culturas. Nestes congressos foram discutidos importantes aspectos teológicos e metodológicos para a abordagem evangelizadora dos diferentes grupos humanos, reafirmando-se a necessidade de cooperação para um trabalho mais efetivo com implicações sociais. Através do seu boletim oficial, com circulação mensal no Brasil, a Visão Mundial procurou divulgar o Pacto de Lausanne: “ consideramos a divulgação do Pacto de Lausanne um serviço relevante à igreja no Brasil”, destacando o quinto item do Pacto que aponta para a responsabilidade social cristã: “devemos participar da solicitude divina pela justiça e Reconciliação em toda a sociedade humana, pela libertação do homem de toda forma de opressão.” 9 Procurando promover a justiça, o desenvolvimento transformador sustentável e o socorro em situações de emergência, a Visão Mundial tem, assim, como princípio de existência: Seguir a Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, trabalhando com os pobres e oprimidos para promover a transformação humana, buscar a justiça e testificar das boas novas do reino de Deus.1 0 E os valores que orientam a sua atuação são desta forma declarados: (1) Somos cristãos; (2) estamos comprometidos com os pobres; (3) valorizamos as pessoas; (4) administramos com responsabilidade; (5) somos parceiros; (6) Somos sensíveis. 1 1 No Brasil, a Visão Mundial se estabeleceu oficialmente em 22 de agosto de 1975, trazendo na bagagem um ideal de transformação, tendo como seu primeiro diretor o Rev. George Doepp, há nove anos missionário no Estado do 9 Idem. 10 http:// www. visaomundial.org.br (Acessado em 03 de agosto de 2003) 11 Idem.
  • 13. Maranhão. Com escritório central instalado na cidade de Belo Horizonte, 12 a Visão Mundial logo procurou identificar a face brasileira de Jesus para, então, passar a servi-Lo, assumindo também uma postura profética: Afirmamos que o evangelismo e o envolvimento sócio-político são ambos expressões necessárias das nossas doutrina acerca de Deus e do homem, do nosso amor para com o próximo e da nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também em uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, opressão, discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça aonde quer que prevaleçam.1 3 Com o compromisso de promover a vida, esta organização direciona seus investimentos em projetos sociais que enfatizam o desenvolvimento da criança. Através de programas de saúde preventiva, com enfoque na prevenção, na nutrição, educação infantil e acompanhamento escolar, a Visão Mundial busca oferecer uma vida mais digna às crianças brasileiras. Também presta suporte técnico, social, cultural, econômico-financeiro aos beneficiados, trazendo esperança não somente às crianças empobrecidas, mas também às comunidades onde vivem com as suas famílias. A Visão Mundial mobiliza-se com outras organizações não governamentais na defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Fomenta a articulação das instituições com os movimentos sociais e grupos que atuam na promoção da justiça e incentiva a participação em fóruns e conselhos municipais e estaduais, inclusive para elaboração de políticas públicas. Incentiva também, as comunidades a uma participação social responsável e solidária contribuindo, assim, para a construção de uma consciência de cidadania e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Como organização cristã, trabalha com os pobres e oprimidos para promover a transformação humana, buscar a justiça e testemunhar as boas novas 12 A sede da Visão Mundial no Brasil está localizada na Rua Tupis, 38 - 20º andar, Centro - Belo Horizonte -MG. 13 Boletim da Visão Mundial, ibid.
  • 14. do reino de Deus. Entende o desenvolvimento transformador sustentável como o desenvolvimento em que se pode conciliar o crescimento econômico, saúde, educação e a espiritualidade plena, visando o crescimento integral das pessoas e comunidades, à luz dos valores do reino de Deus. 2 . A Visão Mundial Enxerga a Face Brasileira de Jesus Desde os seu momento de inserção no Brasil, a Visão Mundial dedicou incansáveis esforços no sentido de mobiliza a igreja e a sociedade brasileira de um modo gera para a promoção da vida em todas as suas dimensões. Para criar e promover consciência da missão integral a ser desenvolvida, seguiu algumas estratégias: (1) criou o Boletim da Visão Mundial, com tiragem mensal e distribuição gratuita, trazendo através do mesmo artigos com fundamentação bíblica e teológica sobre evangelismo e responsabilidade social, além de apontar as grandes necessidades sociais do país, prestando relatórios de trabalhos em desenvolvimento, além de apontar meios de contribuição; (2) participou da publicação e divulgação de livros que estivessem com os propósitos de sua visão, como por exemplo, a Série Lausanne, em pareceria com a ABU, com dez títulos, tendo como o primeiro destes: “Tive Fome: um desafio a servir a Deus no Mundo”, publicado em 1983; (3) a organização de congressos e simpósios, tematizando a missão integral, buscando diretrizes para o evangelismo, o serviço e a ação social. Neste sentido, vale ressaltar que deu grande destaque em seu boletim oficial, nas edições de 1983, ao primeiro Congresso Brasileiro de Evangelização, como se pode observar nos exemplos de manchete publicados na ocasião, transcritos, a seguir: Congresso Brasileiro de Evangelização - CBE. Propósito: conclamar o povo evangélico, espalhado nas mais diversas denominações e regiões do Brasil, para a obra de evangelização. (...) O CBE – 1983 quer conclamar todas as igrejas evangélicas a participarem, plena e intensamente desse objetivo, colocando-se de mãos dadas, a serviço do grandioso propósito da salvação da parte de Deus.1 4 14 Boletim da Visão Mundial, ano III, n.4, jun., 1983, p.1
  • 15. O Boletim da Visão Mundial também apresentava os passos dados para a realização daquele evento: O CBE nasceu da reflexão e da oração de um pequeno grupo de irmãos que se reuniu, com certa regularidade na cidade de São Paulo. Um documento, a partir de uma pesquisa elaborada pela SEPAL, confirmava o desejo das bases da igreja evangélica quanto à realização de um congresso. O grupo de irmãos para desencadear um empreendimento de tamanho vulto, convocou, no dia 10 de setembro de 1981, um outro grupo de líderes representativos do espectro mais amplo da igreja evangélica brasileira, e decidiu três coisas: (1) que se realize o Congresso Brasileiro de Evangelização; (2) que à comissão iniciante fossem acrescentados mais 10 pessoas, votado pelo grupo presente; (3) que se trabalhasse no espírito de Lausanne, cujo pacto se tornaria o marco de referência teológica do CBE – 83. 1 5 . Nota-se que o CBE-83 nasceu em um momento de dados sociais alarmantes. Relatório de 1980 sobre o desenvolvimento mundial elaborado pelo Banco Mundial, apontava que 800 milhões de pessoas estão presas à pobreza absoluta (...) Uma condição de vida de tal modo caracterizada pela desnutrição, analfabetismo, doença, ambiente miserável, alta mortalidade infantil e baixa perspectiva de vida, que está abaixo de qualquer definição razoável de decência humana. Há dois bilhões de pessoas mal alimentadas e quase meio milhão, de fato, morrendo à míngua, metade destas sendo crianças abaixo de cinco anos de idade. 1 6 Diante deste quadro que o Brasil, infelizmente, ajudava a desenhar, a Visão Mundial foi incisiva em somar forças: “Eis a razão porque, neste número, fazemos explícito o nosso apoio ao CBE-83.” 17 Após a realização daquele evento, a Visão Mundial noticiou: 15 Ibid. p.6 16 Boletim da Visão Mundial, ano II, n.1, mar, 1982, p.3 17 Boletim da Visão Mundial, ano II, n.1, mar.,1982, p. 2
  • 16. Para que o Brasil e o mundo ouçam a voz de Deus, realizou-se em Belo Horizonte, de 31 de outubro a 5 de novembro o CBE, que reuniu 2009 participantes, membros de mais de 60 denominações, procedentes de todos os Estados brasileiros, exceto Acre. A responsabilidade social cristã também foi enfatizada como essencial (...) quando aproximadamente 75% da população brasileira vive em pobreza, e deste total, cerca de 30% em miséria extrema. 1 8 Para cumprir, então, a sua vocação no Brasil, a Visão Mundial estrategicamente concentra suas atividades em regiões específicas, buscando a mobilização de toda a comunidade para a solução dos problemas. Trabalha com projetos de longo prazo, que possibilitam o desenvolvimento auto-sustentável das famílias assistidas. A partir da organização social, as comunidades são incentivadas a encontrar alternativas transformadoras, até que consigam caminhar com as próprias pernas. Priorizando o trabalho com os mais pobres, esta instituição procurou concentrar suas ações no Nordeste brasileiro, em Tocantins, no Norte de Minas Gerais, no Amazonas e em grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Atualmente, o trabalho desenvolvido alcança cerca de 2,5 milhões de brasileiros carentes. Atende a mais de 57.500 crianças e beneficia indiretamente 3,7 milhões de pessoas. São também desenvolvidos e apoiados 76 projetos/programas sociais, que se concentram em regiões empobrecidas como o Nordeste do Brasil, Norte de Minas Gerais, Amazonas, Tocantins e nos grandes centros urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A Visão Mundial busca a mobilização de toda a comunidade para a solução dos problemas. Há também um esforço de fazer com as empresas sejam parceiras ao na transformação social e na busca do desenvolvimento sustentado. Trabalha com projetos de longo prazo, que possibilitam o desenvolvimento auto-sustentável das famílias assistidas. A partir da organização social, as comunidades são incentivadas a encontrar alternativas transformadoras, até que 18 Ibid., n.9, p.1 (grifo nosso)
  • 17. consigam caminhar com as próprias pernas. Mas é também realizado um trabalho que se volta para as necessidades imediatas. Um exemplo disto é uma doação de colchões feita neste ano e que veio a beneficiar de 2050 crianças: 09 de Junho de 2003 – Sai hoje de Belo Horizonte em direção a cidade de São José da Tapera, no sertão de Alagoas, três caminhões carregados com 2050 colchões. A doação é fruto de uma campanha realizada pela ONG Visão Mundial entre seus doadores a fim de atender crianças e famílias que dormiam em condições precárias nas comunidades em que vivem. Essas famílias fazem parte de programas sociais realizados pela Organização, recebendo apoio nas áreas de combate à desnutrição, saúde e educação. Os colchões doados receberam um reforço especial no tecido usado para sua confecção, uma vez que muitas dessas pessoas os utilizam diretamente no chão. 1 9 Outro exemplo está no Projeto Tapera Brasil, que hoje atende a 581 crianças e suas famílias. Neste, é desenvolvido um programa de reforma e construção das moradias, com o objetivo de diminuir a quantidade de insetos nas casas, uma vez que muitas das casas são feitas de taipa, propícia a proliferação de barbeiros, insetos transmissores da Doença de Chagas. Para agir nas situações em que a vida pede socorro, a Visão Mundial criou os projetos emergenciais. Quando busca a reabilitação de pessoas em situações de calamidade, a Visão Mundial também apresenta soluções duradouras para os problemas. Foi o que aconteceu no Programa SOS Seca, que ajudou centenas de famílias no interior do Estado de Alagoas. Além de distribuir cestas básicas para resolver imediatamente o problema da fome, a Visão Mundial construiu reservatórios que garantem o abastecimento de água para as famílias e criou o banco de sementes. Atuando em todas as circunstâncias em que a vida está ameaçada, a Visão Mundial alia-se a outras ONGs para fazer valer o Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma das maiores preocupações é o combate à exploração e abuso sexual de crianças, e ao turismo sexual. 19 http:// www. visaomundial.org.br (Acessado em 03 de agosto de 2003)
  • 18. Os Programas de Desenvolvimento de Área (PDAs) são instrumentos para a promoção de um tipo de desenvolvimento comunitário integrado. Os projetos sociais apoiados devem ter suas ações orientadas por um planejamento estratégico, proporcionando mudanças sociais mais eficientes e efetivas. O planejamento estratégico prevê a análise do contexto, a elaboração do diagnóstico, o estudo da viabilidade e dos riscos, definição de objetivos e metas, procedimentos de monitoramento e critérios de avaliação. Aliada aos aspectos técnicos, a participação dos beneficiários no planejamento, na execução e na gestão dos projetos sociais é um dos fatores mais relevantes para o seu sucesso. Destacam-se os seguintes programas, de diferentes áreas, apoiados pela Visão Mundial. Saúde: Cuida para que as mães recebam atenção especial durante a gestação, parto e amamentação. São desenvolvidos programas de atenção primária à saúde infanto-juvenil, incluindo o aleitamento materno, a imunização, o controle nutricional, o acesso a água limpa e o saneamento básico. Educação: Viabiliza o ingresso da criança com menos de seis anos à pré-escola, facilita o acesso da criança em idade escolar à escola pública, assim como a permanência e o progresso nos estudos. Apóia a organização de oficinas culturais, de recreação e a capacitação profissional para adolescentes. Desenvolvimento Comunitário: Incorpora em seu trabalho conceitos de integração de recursos, mobilização, organização e formação de lideranças locais, de forma que as pessoas e associações estejam aptas a enfrentar, de forma pró-ativa, os problemas sociais. Desenvolvimento Econômico: Disponibiliza linhas de microcrédito urbano e rural, investe na formação profissional de trabalhadores e provê assistência técnica para produção, gerência e comércio de produtos. Direitos Humanos: Participa e promove o envolvimento de grupos em fóruns internacionais, nacionais, estaduais e municipais. No Brasil, atua junto a órgãos governamentais e não-governamentais, intervindo em políticas públicas,
  • 19. através dos conselhos de direitos. O foco de atuação é a criança e o adolescente em seu contexto. Desenvolve, juntamente com outras OGs e ONGs, a Campanha de Combate à Violência Doméstica e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes de Minas Gerais, o Pacto São Paulo e os Fóruns Permanentes de Enfrentamento no Rio de Janeiro e Espírito Santo. Essas ações visam a estimular as denúncias, formando e articulando, junto às instituições parceiras, profissionais aptos a intervirem, de forma eficaz, no combate ao problema. As ações visam também a estimular a formulação de políticas públicas nos municípios nos quais atuam. Agroecologia: Apóia o desenvolvimento de tecnologias produtivas apropriadas às pequenas propriedades, o que inclui a preservação do ambiente, o cultivo de safras e animais, o comércio solidário e a capacitação de agricultores. Também cria programas de apoio a pequenos produtores e empreendedores, lutando pela concessão de micro-crédito rural e urbano, orientação técnica, projetos de irrigação e manejo da agricultura com preservação do meio ambiente, comercialização e abertura de mercados no Brasil e no exterior. Emergência e Reabilitação: Luta, ao lado de outras organizações, para amenizar o sofrimento de pessoas vítimas de desastres naturais, reduzindo o risco de novas ocorrências. Atuando em todas as circunstâncias em que a vida estiver ameaçada. Um exemplo disto ocorreu na década de 1980, quando a Visão mundial direcionou recorrentes esforços para a situação avassaladora da seca no Nordeste do Brasil: A Visão Mundial apoiou 10 projetos de emergência desenvolvidos por igrejas e instituições cristãs, nas regiões mais necessitadas do Nordeste. Cerca de 6.000 pessoas foram diretamente beneficiadas. As atividades desenvolvidas incluem: programa de nutrição (distribuição de cestas de alimentos às famílias e merenda às crianças); atividades que contribuam para o aumento da renda familiar; desenvolvimento de obras que se revertam em benefício à comunidade, tais como projetos de irrigação, hortas comunitárias, distribuição de
  • 20. sementes, construção de cisternas, poços para armazenamento de água; criação de projetos que dêem à comunidade condições de responder às suas próprias necessidades.2 0 Combate à Violência, Abuso e Exploração Sexual Contra a Criança e o Adolescente: Referendada pelos Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do Adolescente da Região Sudeste, a Visão Mundial trabalha no processo de dar visibilidade à realidade de violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes. As atividades de combate à violência, abuso e exploração sexual contra a infância, iniciadas em abril de 2000, no Estado de Minas Gerais, Região Sudeste do Brasil, como ação de uma rede articulada de instituições governamentais e não governamentais consolidaram esta temática. Na fase inicial, a Campanha preocupou-se em chamar a atenção para o fenômeno, colocando a discussão na sociedade, bem como agregou importantes parceiros, mobilizando propostas para o enfrentamento de todas as formas de agressão contra crianças. Nossa intervenção contribuiu sobremaneira para uma construção coletiva, através da criação/fortalecimento de redes de conscientização social. Recursos utilizados para a divulgação: Ligadas à organização da sociedade pela garantia dos direitos, pesquisas são elaboradas e realizadas por universidades. A temática da violência contra a infância ganha os meios de comunicação e estimuladas organizações de auto-ajuda aos agressores para reversão dessa postura. Surgem Frentes, Fóruns, Observatórios de Defesa dos Diretos, resultando, entre outras coisas, no fortalecimento dos Conselhos Municipais e Tutelares. Além do que, têm sido fortalecidas iniciativas regionais para a construção de estratégias, cada vez mais eficazes, conscientizando e mobilizando a população à eliminar as agressões. A Visão Mundial também desenvolve reflexões sobre temas ligados à espiritualidade e missão integral com as equipes funcionais. As instituições parceiras são incentivadas ao desenvolvimento de ações de educação cristã 20 Boletim da Visão Mundial, ano IV, n.2, abril, 1984, p.3
  • 21. infanto-juvenil, oficinas de reflexão bíblica e articulação com igrejas e pastorais populares. Estes são alguns exemplos da atuação transformadora da Visão Mundial para incentivar o desenvolvimento auto-sustentável. Há ainda um trabalho que busca ativamente conscientizar e mobilizar os internautas em relação às ações de desenvolvimento social. Mediante um programa denominado Comunidade Fazendo a Diferença, composto por Sites que disponibilizam Banners da Visão Mundial, muitas pessoas poderão fazer a diferença na vida de crianças e famílias das regiões empobrecidas do nosso país. Agindo como multiplicadores podemos garantir um futuro melhor para n Nação. A Visão Mundial como uma organização que está, assim, sintonizada com o seu tempo, vê o uso da internet como ferramenta necessária para atingir suas metas e ajudar a construir um mundo mais digno e justo. Anualmente, a Visão Mundial prestar contas a toda sociedade dos recursos que lhe são confiados. Mesmo que um relatório – por mais que queira – não consiga captar e traduzir a verdadeira importância do trabalho desenvolvido, é possível se obter, a partir do mesmo, alguma estimativa das ações solidárias que têm impactado a vida de milhares de crianças e suas famílias. A prestação de relatórios é também uma maneira de se dirigir aos colaboradores, funcionários, voluntários, doadores, comunidades, enfim, a todos que de forma abnegada confiam a ela os seus recursos. Não obstante a conjuntura sempre difícil para os que vivem em condição de pobreza – o que é agravado ainda mais pelo número cada vez mais crescente dos que se encontram em tal situação – os programas desenvolvidos pela Visão Mundial vão criando mais possibilidades e esperanças no enfrentamento da miséria. Alguns desses programas são inovadores e por si mesmos não são capazes de transformar toda a realidade, mas o são à medida que são referências e incorporados nas políticas públicas. Enfim, a rede de solidariedade que integra a Visão Mundial é cada vez mais extensa: em uma ponta, doadores, gente sensível e comprometida com um mundo
  • 22. melhor para todos; em outra ponta as milhares de crianças, famílias e comunidades. Dessa maneira se criam a esperança e a possibilidade de vida. Conclusão Inegavelmente, a Visão Mundial, nestas três décadas de existência no Brasil, tornou significativamente marcante a presença cristã no país, não apenas ajudando a criar uma consciência quanto à missão integral, mas principalmente transformando em realidade os princípios de vida, de justiça e de solidariedade postulados pelo reino de Deus estabelecido por Jesus Cristo. Tal reconhecimento tem vindo de diferentes segmentos e instituições da sociedade. Exemplo disto é o fato de ter ganhado o Prêmio Bem Eficiente 2002, que é concedido às organizações sociais de destaque em ações sociais no país. Foi também lhe dedicado o Prêmio de Excelência em Serviços de Desenvolvimento Empresarial 2002, concedido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) por seu programa de Comércio Solidário. O Prêmio é um reconhecimento às entidades que agem com transparência e eficiência, como a Visão Mundial. Vidas que transformam vidas. É acreditando nisso que a Visão Mundial mantém o seu trabalho. Finalizando, é preciso que permanentemente se retome a indagação feita pelo próprio Cristo, “e vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt.16), e também o imperativo, “segue-me.” (Mc.) Estas duas questões são das mais inquietantes e decisivas para aquele que se propõe a ser cristão. Afinal, da resposta dada à primeira, dependerá a atitude, o comportamento e vivência da fé por parte daqueles que desejam segui-lo. Diante disto, é preciso perguntar com que face de Cristo a igreja tem se identificado no contexto brasileiro atual. As palavras de John Stott são desafiadoras, neste aspecto: O Cristo que alguns seguem inspira amor, mas não justiça; oferece alívio, mas não desafios. Outros estão muito dispostos a cumprir a ordem para evangelizar, mas não ouvem o chamado a ocupar-
  • 23. se dos pobres, dos enfermos, dos famintos e dos desesperados.2 1 Em síntese, a partir de exemplos de missão integral praticada pelo trabalho da Visão Mundial no Brasil, o que se espera é que haja mais despertamento e motivação mobilizadora por parte da igreja brasileira no sentido de fazer com que este trabalho prossiga em proporções ainda maiores - uma vez que imensos ainda são os desafios trazidos pelo alvorecer deste novo milênio -, até que haja a vitória definitiva da vida em todas as suas dimensões. A Aliança Bíblica Universitária e a missão integral no Brasil Alfredo dos Santos Oliva22 Introdução 21 STOTT, Jonh. “A compaixão de Jesus”. In: Tive Fome: um desafio a servir a Deus no mundo. Belo Horizonte: Visão Mundial; São Paulo: ABU, 1989, p. 21. 22 Historiador, professor da Faculdade Teológica Sul Americana, e-mail alfredo@ftsa.edu.br.
  • 24. Todo discurso (conceito teológico elaborado e pronunciado espontânea ou formalmente) está atrelado a uma série de práticas (concretizadas através de instituições ou ações espontâneas de pessoas). A missão integral não foge a este princípio. Embora seja um conceito que ainda não recebeu o devido tratamento sistemático, há bastante tempo circula em solo brasileiro através de pessoas, movimentos e instituições. Um desses movimentos é a Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB). Desta agremiação de estudantes e profissionais e de sua relação com o conceito de missão integral no Brasil é que este capítulo se ocupa. A trajetória para levar adiante o propósito acima colocado começa por uma busca da identidade teológica e institucional da ABUB. Procuro responder a questões como: Que é a ABUB? Como está estruturada institucionalmente? Quais os seus objetivos? Que concepções teológicas endossa e procura difundir? Que sociabilidades procura construir? No segundo ítem deste capítulo passo a me ocupar especificamente da concepção de missão integral da ABUB. Começo conceituando missão integral, de uma forma geral, para depois colocar o foco sobre como esta elabora, compreende ou difunde o conceito em seu meio. O terceiro passo será analisar as estratégias que a ABUB utilizou ou tem utilizado para difundir sua concepção de missão integral. Alguns veículos de comunicação e socialização de idéias serão analisados, como sua Editora, a organização de congressos e treinamentos e seu site na rede mundial de computadores. 1- A identidade da Aliança Bíblica Universitária do Brasil A ABUB é “essencialmente um movimento missionário, interdenominacional, eclesiástico e confessional, liderado pelos seus próprios participantes”. Os estudantes (do ensino médio e universitários) bem como os profissionais se “organizam em grupos por cidades, filiando-se assim ao movimento nacional da ABUB, respectivamente em seus grupos de ABS (Aliança
  • 25. Bíblica Secundarista), ABU (Aliança Bíblica Universitária) e ABP (Aliança Bíblica de Profissionais)”.23 Além disso, a ABUB está ligada a um movimento internacional de estudantes evangélicos. Esta afiliação é reconhecida pela liderança da agremiação estudantil e profissional brasileira como um dos elementos fundamentais de constituição de sua identidade teológica: “Há um conjunto de bases de fé que compõem o núcleo da identidade evangélica dos participantes. Essas bases de fé são conforme as da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE), da qual a ABUB faz parte como membro filiado”.24 A identidade teológica do movimento parece estar em perfeita sintonia com o que se poderia denominar de evangélico no Brasil ou evangelical na Europa. Esta forma de auto-identificação doutrinária pode ser evidenciada pela afirmação de dogmas bastante tradicionais neste meio por parte da ABUB em sua base de fé, como autoridade das Escrituras, Jesus Cristo como único mediador entre o ser humano e Deus, bem como sua ressurreição e segunda vinda. A ABUB professa acreditar nos seguintes aspectos: a) A existência de um só Deus Pai, Filho e Espírito Santo, um em essência e trino em pessoas; b) A soberania de Deus na criação, revelação, redenção e juízo final; c) A inspiração divina, veracidade e integridade da bíblia, tal como foi revelado originalmente e sua suprema autoridade em assuntos de fé e conduta; d) A pecaminosidade universal e a culpabilidade de todos os homens, desde a queda de Adão, pondo-nos sob a ira da condenação de Deus; e) A redenção da culpabilidade, pena, domínio e corrupção do pecado, somente por meio da morte expiatória do Senhor Jesus Cristo o filho encarnado de Deus, nosso representante substituto; f) A ressurreição corporal do Senhor Jesus Cristo e sua ascensão à direita de Deus Pai; g) Missão pessoal do Espírito Santo para o arrependimento, a regeneração e a santificação dos crentes; h) A justificação do pecado somente pela graça de Deus, por meio da fé em Jesus Cristo; i) A intervenção de Jesus Cristo como único intercessor entre Deus e os homens; j) A única igreja santa e universal, que é o corpo de Cristo, à qual todos os crentes verdadeiros 23 ESTRUTURA organizacional da ABUB. http://www.abub.org.br. 24 Ibid.
  • 26. pertencem e que, na terra, se manifesta nas congregações locais; k) A segurança da segunda vinda de cristo em corpo glorificado e a consumação de seu reino nesta manifestação; l) A ressurreição dos mortos, a vida eterna dos salvos e a condenação eterna dos injustos.25 Para levar adiante sua missão, desde uma perspectiva evangélica, a ABUB se estrutura a partir de grupos dirigidos por estudantes e profissionais espalhados por todo território nacional. Principalmente os estudantes são assessorados por ex-abeuenses e profissionais remunerados: Atualmente a ABUB possui grupos em todos os Estados brasileiros, atingindo mais de 100 cidades. Como forma de suporte ao universitário, contamos com uma estrutura de assessoria aos Grupos. Os assessores geralmente são profissionais ex-abeuenses, pastores ou seminaristas, que dedicam alguns anos da sua vida à obra, ajudando no treinamento local e no discipulado de líderes. A ABUB possui 10 assessores remunerados, muitos em parceria com igrejas locais, e mais de 150 assessores auxiliares que oferecem trabalho voluntário.26 Para organizar seu trabalho a liderança da ABUB dividiu o país em seis regiões: [1] ABU Região Norte: Acre; Amapá; Amazonas; Maranhão; Pará; Rondônia; Roraima; [2] ABU Região Nordeste: Alagoas; Bahia; Ceará; Paraíba; Pernambuco; Piauí; Rio Grande do Norte; Sergipe [3] ABU Região Centro-Oeste: Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Tocantins; [4] ABU Região Leste: Espírito Santo e Rio de Janeiro; [5] ABU Região São Paulo: Mato Grosso do Sul e São Paulo; [6] ABU Região Sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.27 A filosofia de trabalho da ABUB se baseia em dois princípios, um de caráter doutrinário e outro estrutural/prático. O movimento de estudantes e profissionais se baseia teologicamente na centralidade da pessoa de Jesus Cristo 25 BASE de fé da ABUB. http://www.abub.org.br. 26 ESTRUTURA organizacional da ABUB. http://www.abub.org.br. 27 Ibid.
  • 27. e estrategicamente na ação evangelizadora de estudantes pelos próprios estudantes. A ABUB é um movimento que tem filosofia CRISTOCÊNTRICA e ESTUDANTECÊNTRICA. Já que a filosofia da ABUB é baseada no estudante, logo os objetivos só poderão ser cumpridos se houver iniciativa e responsabilidade do estudante. O estudante secundarista/universitário é o melhor evangelista, pois está no meio estudantil e entende melhor os problemas e a linguagem. A iniciativa estudantil evita o paternalismo do obreiro ou assessor auxiliar. Sem a responsabilidade estudantil o trabalho da ABUB é impossível. Responsabilidade que é conseqüência de uma vida cristã autêntica e de amor pela obra e que envolve: assiduidade; vida prática; amor pela obra; e doação financeira.28 2- A concepção da Aliança Bíblica Universitária do Brasil de missão integral Antes mesmo de analisar o adjetivo integral, que busca caracterizar um certo modo de fazer missão, é preciso conceituar o que entendo por este substantivo. Vou tomar como a base a definição de David Bosch para quem a palavra missão deve ser compreendida de forma distinta de seu plural, missões: Temos de distinguir entre missão (no singular) e missões (no plural). O primeiro conceito designa primordialmente a missio Dei (missão de Deus), isto é, a auto-revelação de Deus como Aquele que ama o mundo, o envolvimento de Deus no e com o mundo, a natureza e atividade de Deus, que compreende tanto a igreja quanto o mundo, e das quais a igreja tem o privilégio de participar. Missio Dei enuncia a boa nova de que Deus é um Deus-para as/pelas-pessoas. Missões (as missiones eclesiae, os empreendimentos missionários da igreja) designa formas particulares, relacionadas com tempos, lugares ou necessidades específicos, de participação na missio Dei.29 O fato de Deus ter enviado seu Filho Amado ao mundo por amor e solidariedade para com o gênero humano (missão de Deus), exige uma resposta 28 FILOSOFIA da ABUB. http://www.abub.org.br. 29 David BOSCH, Missão transformadora: mudanças no paradigma na teologia da missão, p. 28.
  • 28. de sua igreja de também agir com o mesmo amor e solidariedade para com a humanidade. Estas ações da igreja precisam ser adequadas ao tempo e ao espaço que tem ocupado no mundo contemporâneo, o que significa que ela deve se preocupar em contextualizar cultural e socialmente suas formas de ação (missões). Concebida da forma como foi exposta acima, missão é um modo de ação que possui duas dimensões, uma de caráter positivo e outra de cunho negativo. A realização da missão implica em um sim de Deus ao mundo, expresso através sua de solidariedade para com o sofrimento e a desesperança humanos, bem como um não de Deus, expresso de forma conflitiva com os valores e as ações do mundo que são contrários ao seu reinado.30 O que significa que a igreja deve agir para difundir o reinado de Deus sobre o gênero humano anunciando e vivenciando amor e solidariedade, como deve também exercer seu papel profético e denunciar todas as formas de opressão e injustiça que ofuscam o brilho da vida, humana e não-humana. Uma vez que a missão da igreja desemboca sempre em um processo de contextualização de sua forma de ação no mundo, acho que seria bastante útil qualificar esta missão a partir do adjetivo usado, sobretudo, por missiólogos evangélicos latino-americanos. Para lembrar as igrejas que a sua missão não deve optar por um dos pólos opostos, salvação pessoal/espiritual ou libertação social/econômica, os missiólogos latino-americanos têm usado o qualificativo integral para a missão. Vou procurar detalhar um pouco mais a expressão missão integral a seguir. A expressão missão integral é utilizada sempre de modo a propor a superação de dualismos. René Padilla, em artigo clássico sobre o assunto de título homônimo, utiliza os termos para se referir à superação da dualidade crescimento quantitativo versus crescimento qualitativo: É possível usar as estatísticas de crescimento das igrejas para pintar um quadro luminoso da igreja nos últimos anos. Isto é, com efeito, o que se tem feito em círculos onde o crescimento quantitativo da igreja é considerado como “a tarefa principal” da missão. O quadro será mais sóbrio se 30 Ibid., p. 28-29.
  • 29. juntamente com os avanços numéricos forem colocados os problemas que afetam a igreja e que colocam em dúvida o futuro do cristianismo em certas regiões do mundo. Nesta perspectiva, o maior desafio que a igreja enfrenta é o desafio de uma missão integral.31 O mesmo autor utiliza a expressão com o intuito de superar o dualismo necessidades espirituais versus necessidades materiais. A cidade contemporânea é o símbolo de uma desumanização que afeta a vida humana como um todo, logo as ações da igreja devem estar voltadas para a revigoração destas vidas na sua integralidade: A missão urbana, portanto, é uma prioridade em todas as partes. Lá, na cidade, com todo seu poder desumanizante, vê-se a necessidade de um evangelho com poder para transformar a totalidade da vida. Num mundo que que está se urbanizando rapidamente, a cidade é, sem dúvida, o símbolo do desafio que a evangelização e o discipulado colocam para a igreja.32 A missão integral da igreja tem como horizonte de sua ação o Reino de Deus. O Reino ainda não se encontra em sua plenitude no mundo contemporâneo, mas isto não é motivo para se negar que seus sinais não estejam já entre nós. Os sinais do Reino foram semeados por Nosso Senhor Jesus Cristo, encontrando n'Ele sua expressão privilegiada, mas não se esgotando em suas ações. A missão integral da igreja deve ser concretizada tendo Jesus como modelo de manifestação dos valores do Reino e com vistas à superação do dualismo pregação conversionista versus serviço social amoroso: Já que o Reino foi inaugurado por Jesus, não é possível entender corretamente a missão da igreja independente da presença do Reino. A missão da igreja é uma extensão da missão de Jesus. É a manifestação, ainda que não completa, do Reino de Deus tanto por meio da proclamação como por meio da ação e do serviço social. (...) Como comunidade do reino, a igreja confessa e proclama ao Senhor Jesus Cristo. Ela também realiza boas obras que Deus preparou de antemão para que as faça, para o que 31 Rene PADILLA, Missão integral: ensaios sobre o reino e a igreja, p. 139. 32 Ibid., p. 142.
  • 30. Deus a criou em Jesus Cristo (...) As boas obras, portanto, não são um mero apêndice da missão, mas uma parte integral da manifestação presente do Reino: elas apontam para o Reino que já veio e para o Reino que está porvir.33 A ação integral da igreja também se fundamenta em uma concepção antropológica. Uma vez que se considere o ser humano como uma totalidade inseparável que possui dimensões diferentes, a igreja deve ser um meio pelo qual o amor de Deus é expresso a este todo. Mais um dualismo é, desta forma, desarticulado, agora o que vê o corpo como realidade distinta de alma e/ou espírito: Um ministério integral verdadeiro define a evangelização e a ação social como funcionalmente separadas, mas relacionalmente inseparáveis e necessárias para um ministério integral da igreja. (...) A idéia de ministério integral tem raízes bíblicas profundas. Tanto no Antigo como no Novo Testamento a Bíblia ordena à igreja que ministre à pessoa como um todo. Isto quer dizer que se deve atender tanto às necessidades físicas como às espirituais, que estão inseparavelmente relacionadas, ainda que sejam separadas em termos funcionais.34 O conceito de missão integral da ABUB aparece de forma sutil já na descrição de seus objetivos, que são quatro: “A) Evangelização de estudantes; B) Maturidade do homem integral em Cristo; C) Missão e serviço e D) Assistência”.35 Três destes objetivos, quando se observa a explicação que a liderança do movimento dá ao seu conteúdo, evidenciam um compromisso com o que se pode compreeender por missão integral acima analisado. A “maturidade do homem integral em Cristo” implica em: Desenvolvimento Pessoal - A ABUB tem por filosofia o discipulado um a um como Cristo fez. A VIDA PESSOAL (Intelectual, Espiritual, Psicológica, Física) é importante. Desenvolvimento Comunitário - O cristão maduro tem que influenciar o meio. A ABUB forja cristãos que sejam influentes no meio em que vivem e não alienados.36 33 Ibid., p. 202-203. 34 Tetsunao YAMAMORI, Servindo com os pobres na América Latina: modelos de ministério integral, p. 14-15. 35 FILOSOFIA da ABUB. http://www.abub.org.br. 36 Ibid.
  • 31. O objetivo de cumprir sua “missão e serviço” implica em uma atitude profética, a de confronto da igreja com as estruturas sociais que estejam ofuscando a vida humana: A ABUB tem por objetivo a MISSÃO a partir do estudante, começando no seu âmbito estudantil até os confins do mundo. A ABUB tem por objetivo o serviço na Igreja e no mundo. Ser sal e luz e um verdadeiro profeta na situação atual. A ABUB tem por objetivo incentivar os estudantes a descobrirem sua função na sociedade e na igreja. E que tenham uma verdadeira ética cristã.37 O seu objetivo de prestar “assistência” não tem como objeto apenas o estudante secundarista ou universitário nas suas dificuldade e conflitos, mas também à “comunidade - Através de projetos de assistência as comunidades, com serviços úteis. O amor de Deus deve ser demonstrado aos homens através da prática e discurso”.38 A ABUB procura manter a coerência entre a teoria (aquilo que crê e professa formalmente) e a prática (vivência destes valores professados) transcendendo a mera atividade de evangelizar ou assistir ao estudante em suas necessidades. A instituição estudantil procura estimular os estudantes a se comprometerem com a totalidade da missão, o que envolve cuidar de questões espirituais tanto quanto de questões materiais, através de próprio exemplo. A Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) é um movimento missionário interdenominacional sem fins lucrativos de estudantes evangélicos que, por intermédio de núcleos de estudo bíblico, literatura e encontros de treinamento, promove a evangelização e a edificação de secundaristas, universitários e profissionais. Desenvolvemos esse trabalho em mais de 100 cidades em todos os Estados de nosso País, como também o Projeto Missionário Castelão em Fortaleza (CE), que oferece educação básica gratuita para mais de 500 crianças carentes.39 37 Ibid. 38 Ibid. 39 QUEM Somos. http://www.abub.org.br.
  • 32. 3- A Aliança Bíblica Universitária do Brasil e a difusão da concepção de missão integral Através de seus Congressos, publicações, cursos e treinamentos; bem como através da participação de seus membros em eventos missionários, a ABUB tem contribuído significativamente para a difusão da concepção de missão integral no Brasil. Dois de seus congressos são fundamentais sob esta ótica, o que tematizou “Jesus Cristo: Senhorio, Propósito e Missão” e o que tematizou a “Igreja: Comunidade Missionária”. Além da conscientização da missão integral dos seus participantes, esses Congressos tiveram suas idéias difundidas através de livros homônimos publicados pela ABUB, ambos já esgotados, e que ajudaram a moldar a idéia de missão de muitas lideranças evangélicas. Se olharmos para a linha editoral da ABU Editora poderemos perceber o alcance de sua contribuição para a difusão da idéia de missão integral: “Vida Cristã - Livros para discipulado, liderança cristã, aconselhamento e edificação, segundo uma perspectiva bíblica equilibrada. Materiais para Evangelização - Folhetos e livretos ótimos para serem usados na evangelização de pessoas questionadoras. Ideal para estudantes e jovens. Igreja e Sociedade Atual - Temas relevantes à igreja que aceitar o desfio de ser bíblica, contextualizada e relevante para o mundo hoje. Doutrina e Bíblia - Livros importantes para aqueles que buscam o sadio entendimento das doutrinas da Bíblia através de enfoques honestos e atuais. Série: A Bíblia Fala Hoje - A série procura levar a sério o texto bíblico, aplicando-o sempre ao mundo moderno. Recomendado pelos seminários. Evangelização e Apologética - Obras de referência indispensáveis para a defesa da fé, evangelização e compreensão da realidade segundo as Escrituras. Estudo Bíblico Indutivo - Obras de referência para liderar e criar um grupo de estudo ou para preparar e dirigir um estudo bíblico.”40 A Editora da ABUB tem se notabilizado pela amplitude dos temas publicados, que abrangem a quase totalidade das preocupações da missão integral. Pode-se perceber a importância do estudo da Bíblia, tanto em ótica 40 http://www.abub.org.br/editora/livros.htm
  • 33. exegética quanto em teológica, presente em duas áreas de publicação: a de “doutrina e Bíblia” e a série de comentários bíblicos expositivos “A Bíblia Fala Hoje”. Juntamente com a ênfase no estudo bíblico-teológico, há forte ênfase em material para evangelização em geral e de universitários em particular, especialmente através do estudo bíblico indutivo, marca registrada da estratégia evangelizadora dos abeuenses. Quem faz a missão integral precisa de uma espiritualidade integral. A linha de escritos sobre a “Vida Cristã” tematiza a espiritualidade necessária para a ação missionária no mundo atual, obviamente concentrando seus esforços em ajudar a juventude cristã a ser espiritual em meio aos desafios da vida universitária e profissional. Duas outras linhas complementam a visão da integralidade: “Igreja e Sociedade Atual”, na medida em que discernir o tempo presente é fundamental para se realizar a missão integral; e a série “Evangelização e Apologética”, que destaca a importância que a ABUB, como o movimento estudantil internacional, dá ao debate sobre a validade da fé cristã no ambiente intelectual contemporâneo. É aqui, a meu ver, que se encontra a maior contribuição peculiar da ABUB à concepção de missão integral e sua difusão no Brasil: fazer missão exige que sejamos capazes de responder aos desafios que o mundo intelectual apresenta à Igreja Evangélica. É parte integrante da missão “responder qual é a razão da nossa esperança”, e a ABUB se esmera em preparar a juventude evangélica para fazê-lo. É, por outro lado, praticamente impossível relatoriar a importância da ABUB na difusão da concepção de missão integral através da consciência missionária integral de seus participantes e, através deles, a influência que, qual fermento, permeia as Igrejas Evangélicas. Mas este é um dado que deve ser ressaltado: através do ministério e da influência de cada abeuense e ex-abeunse, a concepção de missão integral foi se espalhando pelo território nacional e por entre as várias denominações evangélicas. Testemunhas do evangelho, abeuenses também têm sido testemunhas da missão integral para a Igreja no Brasil.
  • 34. Bibliografia ALIANÇA Bíblica Universitária do Brasil. http://www.abub.org.br. BAUMAN, Z. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. BITTENCOURT, J. “Do protestantismo sincrético: um ensaio teológico-pastoral sobre o pentecostalismo brasileiro”. In: BEOZZO, J. O. (Org.). Curso de verão ano VII. São Paulo: Paulus, 1993. BOSCH, D. Missão transformadora: mudanças no paradigma na teologia da missão. São Leopoldo: Sinodal, 2002. DOMINGUES, J. M. Sociologia e modernidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. LEMERT, C. Pós-modernismo não é que você pensa. São Paulo: Loyola, 2000. LYON, D. Pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 1998. PADILLA, R. Missão integral: ensaios sobre o reino e a igreja. São Paulo: FTL, 1992. ____. (Org.). La iglesia local como agente de transformación: una eclesiología para la misón integral. Buenos Aires: Kairós, 2003. QUIROZ, P. A. et ali. El trino Dios y la misión integral. Buenos Aires: Kairós, 2003. STEUERNAGEL, V. R. (Org.). A missão da igreja: uma visão panorâmica sobre os desafios e propostas para a igreja na antevéspera do terceiro milênio. Belo Horizonte: Missão, 1994. YAMAMORI, T. et ali. Servindo com os pobres na América Latina: modelos de ministério integral. Londrina: Descoberta, 1998. WARREN, R. Uma igreja com propósitos. São Paulo: Vida, 1997. WILLARD, D. A conspiração divina: o verdadeiro sentido do discipulado cristão. São Paulo: Mundo Cristão, 2001. A Fraternidade Teológica Latino-Americana Brasil e a missão integral Júlio Paulo Tavares Zabatiero41 A FTL (Fraternidade Teológica Latino Americana) é um movimento dedicado à reflexão teológica a serviço da vida e missão do Povo de Deus. 41 Professor e diretor da Faculdade Teológica Sul Americana. Presidente da FTL-Brasil. Doutor em teologia e pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil.
  • 35. Iniciada em 1975, continua a exercer seu ministério em vários países da América Latina e também na América do Norte. Em seu Estatuto, a FTL declara sua identidade e missão: 1. Promover a reflexão em torno do Evangelho e seu significado para o ser humano e a sociedade na América Latina. Com esta finalidade estimula o desenvolvimento de um pensamento evangélico atento aos desafios da vida no continente latino-americano. Para tal reflexão se aceitar o caráter normativo da Bíblia como a Palavra escrita de Deus, ouvindo, sob a direção do Espírito Santo, a mensagem bíblica em relação às ambigüidades da situação concreta. 2. Constituir uma plataforma de diálogo entre pensadores que confessam a Jesus Cristo como Salvador e Senhor e que estejam dispostos a refletir, à luz da Bíblia, a fim de comunicar o Evangelho em meio às culturas latino-americanas. 3. Contribuir à vida e missão das Igrejas Evangélicas no Brasil e na América Latina, sem pretender falar em nome delas e nem assumir a posição de seu porta-voz no Brasil.” No âmbito continental, a FTL tem desempenhado um papel significativo no crescimento da reflexão teológica e na prática da missão integral, e tendo se tornado a principal promotora dos CLADEs (Congresso Latinoamericano de Evangelização), encontros que têm sido os grandes responsáveis pelo avanço da teologia e da prática da missão integral em nosso continente. No Brasil, a FTL-B (como é chamado o Núcleo-Brasil da FTL Continental) tem desempenhado papel similar, de forma mais modesta e mais semelhante ao fermento que leveda a massa. A FTL-B deve ser vista como um movimento e não como uma instituição. Com uma organização mínima, Diretoria e Núcleos Regionais, ela tem cumprido a missão declarada em seus Estatutos sem propaganda e alarde. A partir dela, ou lado a lado com ela, outros movimentos nasceram e se desenvolveram, como, por exemplo, o MEP - Movimento Evangélico Progressista. Como movimento, a FTL-B tem enfrentado, a partir da segunda metade dos anos noventa, as vicissitudes de todo movimento: institucionalizar-se para permanecer; dissolver-se por não ser mais uma resposta significativa para os novos desafios; ou renovar-se para
  • 36. enfrentar a nova realidade. Ao que tudo indica, a terceira opção é a que está se concretizando. Enquanto um movimento a força da FTL-B se encontra no reunir pessoas para refletir comprometidamente sobre a teologia e a missão. Pessoas que, por sua vez, espalham a semente da missão integral e da teologia contextualizada pelos terrenos férteis – e nem tão férteis assim – do solo evangélico nacional. Um movimento, por sua própria natureza, não deixa grandes monumentos. Produz pequenas trilhas, deixa rastros que só podem ser seguidos por um olhar perscrutador. Ao olharmos para a produção teológica e missiológica da FTL-B vislumbraremos os rumos do pensamento sobre a missão integral no Brasil nos últimos vinte anos. Pensamento este que sempre acompanhou a prática da missão, jamais sendo uma reflexão desencarnada, meramente acadêmica. A teologia praticada nos círculos ligados à FTL-B é uma teologia nascida da vida e da prática da missão e, por isso, refletir sobre a sua história tem papel importante para nos tornarmos capazes de enxergar, hoje, os novos desafios da missão. A breve história da FTL-B pode ser dividida em dois períodos principais. No primeiro, que durou mais ou menos a primeira década de sua existência, a FTL-B não conseguiu se consolidar como movimento significativo no meio evangélico brasileiro. Vários fatores, internos e externos, contribuíram para que isso acontecesse. Entretanto, nos seus primeiros anos de vida no Brasil, a FTL-B começou a deitar raízes que foram germinar mais tarde do que se esperava. O segundo período da FTL-B pode ser datado a partir de sua reorganização em âmbito nacional, ocorrida ao final de 1983, a partir de um encontro realizado em Campinas, no estado de São Paulo. Várias pessoas – principalmente das denominações luterana, presbiterianas, metodistas e batistas – estavam se encontrando em núcleos isolados entre si, continuando a busca de uma teologia contextual, e, finalmente, se reuniram para canalizar melhor seus esforços. Uma diretoria foi eleita, o Boletim Teológico começou a ser publicado, consultas nacionais começaram a ser realizadas, e núcleos regionais se organizaram a fortaleceram a partir dessa data. Um sinal da providência divina: dentre essas pessoas, quase todas ligadas, de uma forma ou de outra, à ABU e à VMB .
  • 37. Movimento sem recursos financeiros em um país de proporções continentais como o Brasil, a FTL-B atuou de forma quase que silenciosa, tendo suas reflexões se difundido “boca-a-boca” através de seus membros, consultas nacionais (que reuniam de 30 a 60 pessoas!) e o Boletim Teológico que, no auge de sua publicação, distribuía cerca de seiscentos exemplares. O primeiro grande compromisso foi o de refletir teologicamente sobre a missão da Igreja. A idéia e a prática da missão integral marcaram a atividade da FTL-B desde cedo. Nos primórdios da década de 80, do século passado, as Igrejas Evangélicas concentravam seus esforços na evangelização e missões. Missão integral ainda era uma exceção à regra – e o I CBE foi um marco decisivo na percepção dessa situação e na sua transformação. Em seus núcleos, a FTL-B refletia sobre como fazer teologia bíblica e relevante para o nosso contexto. Uma teologia que desse conta dos desafios missionários que a realidade brasileira apresentava ao povo de Deus. Dois grandes desafios foram a tônica dos primeiros anos: como enfrentar a pobreza e como atuar politicamente como cristãos mantendo, simultaneamente, a identidade bíblica e o compromisso evangelizador. Justiça social e participação política foram temas marcantes e decisivos na década de oitenta. Em um período marcado pela grande vitalidade da Teologia da Libertação, tratar de justiça social e participação política era arriscado no meio evangélico brasileiro. Era necessário distinguir-se claramente da Teologia da Libertação: afirmar a Bíblia como única regra de fé e prática, a conversão pessoal como caminho de acesso inicial a Deus, o compromisso com a igreja como marca da espiritualidade e identidade. Foi um tempo de afirmar a responsabilidade social da Igreja Evangélica, sem perder a identidade doutrinária e eclesial. Foi um tempo de afirmar a necessidde de uma teologia brasileira e latino-americana, sem perder os laços com o povo de Deus espalhado em todos os continentes. Isso se pode ver nos temas das primeiras consultas nacionais e nos primeiros números do Boletim Teológico: cristologia, hermenêutica bíblica, crítica à teologia, Espírito Santo, missão urbana, ação política. Para firmar a integralidade da missão era necessário atuar em duas frentes simultaneamente: (1) valorizar a
  • 38. produção teológica contextual, autóctone, mostrando que teologia se faz, não se reproduz. Mostrar que fazer teologia não significa abandonar a fé e a tradição, mas, sim, revitalizar a fé e a tradição a partir da vivência decidida e comprometida do Reino de Deus no tempo presente e no contexto sócio-cultural da igreja. Mostrar que fazer teologia é parte integrante da vida e missão da Igreja e que sem reflexão teológica bíblica e contextual deixamos de perceber boa parte do que Deus está fazendo e propondo ao seu povo. (2) defender a urgente e imperiosa necessidade das igrejas se engajarem no serviço social aos mais pobres e necessitados, através de projetos viáveis de desenvolvimento comunitário, e na ação social, através de envolvimento político inteligente e crítico. E fazer isso vencendo a desconfiança então reinante de que o social era “coisa da Teologia da Libertação”, mostrando que o amor de Deus pela humanidade não poderia ser plenamente compreendido se o povo de Deus não o demonstrasse tanto em palavras quanto em ações amorosas a serviço das pessoas e comunidades fora da Igreja. O caminho escolhido, então, foi o de mostrar – em primeiro lugar – que o compromisso missionário integral estava presente na vida e missão de Jesus Cristo. Para sermos fiéis ao Senhor da Igreja, deveríamos trilhar os mesmos caminhos que Ele trilhou, caminhos que incluíam a prioridade dos pobres, a consciência crítica quanto aos poderes espirituais e terrenos, o engajamento integral do povo de Deus na obra missionária integral, em resposta à totalidade do Evangelho que Jesus viveu e pregou. Construir uma cristologia bíblica e contextual era imperativo para a que o povo de Deus percebesse a validade do engajamento nas questões sociais e políticas, para que o povo de Deus visse esse engajamento não como um abandono da responsabilidade evangelística, mas como o parceiro necessário da evangelização no testemunho do Evangelho na sua totalidade. A espiritualidade cristã passou a ser vista como espiritualidade cristocêntrica, espiritualidade do seguimento de Jesus Cristo na fidelidade missionária ao Pai. Ser um cristão espiritual era visto como ser semelhante a Jesus em sua atuação ministerial.
  • 39. Imediatamente após a reflexão cristológica, tratou-se da “vida no Espírito”. A espiritualidade não era um tema marcante naquele tempo, que se caracterizou por amplos debates a respeito do poder e da ação do Espírito Santo. Uma pneumatologia latino-americana começava a se delinear então. Era necessário perceber que o Espírito de Deus não só renovava a igreja, mas também toda a humanidade e a criação. Precisávamos abrir os olhos para o fato de que o Espírito Santo não estava restrito às fronteiras eclesiásticas, mas era a pessoa da Trindade que agia em toda a criação e trazia a luz e a semente da vida para toda a humanidade. Precisávamos discernir a presença do Espírito no mundo e os desafios que essa presença lançava sobre o povo de Deus. Era tempo de reafirmar que o poder do Espírito Santo estava disponível para a igreja contemporânea e que esse poder era essencialmente poder para a missão. O Espírito foi compreendido primariamente como o Espírito de Cristo, revestindo o povo de Deus de poder para ser semelhante a Jesus, de poder para, como o Mestre, cumprir a missão integral de Deus. Com uma renovada cristologia e uma renovada pneumatologia, a reflexão teológica na FTL-B se ocupou intensamente da justiça social e da ação política. Realizou consultas sobre a responsabilidade política dos cristãos e sobre a integralidade da missão nas cidades. A integralidade da missão tornou-se o foco principal. Todavia, as lutas contextuais da época, fizeram com que se enfatizasse mais a responsabilidade social e política, lado a lado com a evangelização, do que propriamente a integralidade enquanto tal. O foco da reflexão missiológica, então, iluminava a multidimensionalidade da missão da igreja. Cumprir a Grande Comissão exigia, além de fazer discípulos, obedecer a tudo o que o Senhor havida ordenado – especialmente em socorrer os necessitados e em agir politicamente para transformar a sociedade injusta. O tema teológico que predominou, então, foi o do Reino de Deus. A redescoberta do tema do Reino de Deus na Escritura foi fundamental para o avanço da reflexão sobre a responsabilidade sócio-política da Igreja. A integralidade do Reino de Deus era a base da integralidade da missão da Igreja. A percepção de que o Reino é maior do que a Igreja, e a abrange, foi fundamental para o desenvolvimento da missiologia integral. Era libertador,
  • 40. naquela época, perceber que o propósito de Deus era a consumação do Seu reino sobre a face da terra e que esse Reino era dEle e não nosso. Por isso, era maior do que a igreja, maior do que a missão, maior do que o povo de Deus. A soberania de Deus-Pai, então, foi o terceiro grande foco teológico trabalhado nos anos 80. A missão integral da Igreja só podia ser justificada a partir de uma renovada compreensão e experiência de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Se hoje é possível ver isto com clareza, naquele tempo essa noção foi se construindo progressivamente. Não houve um planejamento estratégico para se desenvolver um pensamento sistemático. Os temas trinitários foram surgindo ao longo da reflexão sobre a prática integral da missão e sobre a necessidade de mostrar a sua fidelidade à Escritura. Parcialmente ausente, então, das reflexões nesse período, foi a eclesiologia. A palavra de ordem era o Reino de Deus. A igreja só poderia ser entendida claramente se vista à luz do Reino de Deus, se percebida como a comunidade do Reino, e não como uma instituição auto-suficiente. A Igreja era compreendida, então, como agente da missão, como testemunha do Reino. Não havia necessidade, portanto, de se refletir especificamente sobre a igreja – sua organização, governo, natureza. A reflexão sobre a missão era, naturalmente, reflexão sobre a igreja. Missão e ministérios eram a marca da Igreja. O crescimento da igreja era visto então como conseqüência do engajamento na missão integral e como uma dádiva de Deus. O crescimento da igreja deixou de ser visto como um fim em si mesmo, mas como um meio para o cumprimento da missão de testemunhar do Reino de Deus em todo o mundo. Paralela e simultaneamente à reflexão sobre esses grandes temas teológicos e missiológicos, a FTL-B se ocupou da contextualidade. Dois grandes desafios foram enfrentados sob esse tópico. O primeiro era o desafio de discernir nosso contexto. Era tempo de se afirmar que para fazer missão era necessário conhecer o contexto social, econômico, político e cultural onde a Igreja estava inserida. Compreender o Brasil, a América Latina; vivenciar plenamente a brasilidade e a latinidade eram questões fundamentais para a missão integral. Foi um tempo de reconhecimento da nossa ignorância a respeito de nossa própria
  • 41. realidade social e cultural. Víamo-nos como “estrangeiros em nossa própria terra.” Era necessário mudar essa situação. O segundo era o desafio da hermenêutica contextual da Bíblia. Para mostrar a validade da inserção em nosso contexto era fundamental percebermos a contextualidade do povo de Deus na Escritura. Era necessário mudar o foco da discussão bíblica, da natureza da Bíblia para a interpretação da Bíblia. Afirmando, sem nenhuma reserva, que a Bíblia é a Palavra de Deus, é necessário interpretar a Escritura dentro de seus contextos e buscando respostas para as perguntas que nascem do contexto do intérprete. Exegese se tornou uma atividade fundamental. Exegese da Bíblia e exegese do contexto presente. Para se fazer missão integral é necessário encontrar as respostas da Palavra de Deus para os dramas e angústias do presente mundo pecaminoso. Na primeira metade dos anos noventa, a reflexão teológica da FTL-B passa a ter duas marcas: (a) reafirmar as conquistas dos anos oitenta; e (b) ampliar a abrangência temática de sua reflexão. Muitos temas passaram a ser abordados, a partir das questões que iam surgindo nas Igrejas e Seminários que se envolviam com a missão integral. Dentre esses temas, pode-se destacar: a questão da mulher na igreja e missão, o lugar e papel do culto na vida missionária da igreja, a estrutura econômica da sociedade, a espiritualidade pessoal. Em um certo sentido, a FTL-B cumpriu sua tarefa primordial como movimento: em cerca de dez anos ajudou a difundir a missiologia integral no meio evangélico brasileiro. Missão integral deixou de ser uma questão estranha e passou a ser parte integrante da vida das Igrejas evangélicas e de muitos Seminários Teológicos. Simultaneamente, novas e imprevisíveis mudanças no cenário religioso e protestante no Brasil trouxeram problemas, possibilidades e desafios prementes, que colocaram em segunda plana a questão missiológica e a reflexão teológica. O crescimento espantoso do neo-pentecostalismo e o sucesso da sua teologia, a teologia da prosperidade, colocaram as igrejas e instituições evangélicas em uma situação de luta pela sobrevivência e afirmação da identidade. Uma das conseqüências dessa nova situação foi a fragmentação da Igreja Evangélica, que afetou profundamente a FTL-B. A segunda metade da década de 90 foi um tempo de enfraquecimento da reflexão teológica, dos encontros de pequenos grupos
  • 42. para discutir e produzir teologia. Paradoxalmente, foi tempo de grande crescimento da teologia – surgimento de novos Seminários e Faculdades Teológicas, crescente número de livros teológicos publicados em português, valorização do saber como parte integrante da espiritualidade cristã. De tempos tão recentes é difícil fazer a história. Por isso, encerramos a reflexão sobre a FTL-B no início da década passada. Sob a ótica da missão integral, os anos oitenta e o início dos anos noventa foram a idade áurea da reflexão teológica no Brasil encorajada pela FTL-B. Foi o tempo da afirmação da teologia da missão integral. Foi o tempo da afirmação da prioridade do Reino de Deus sobre a igreja e a vida cristã. Foi o tempo da afirmação que teologia se faz na conjugação da reflexão e do compromisso missionário integral. Foi o tempo da auto-afirmação da Igreja evangélica no Brasil como igreja maior de idade, capaz de fazer a sua teologia para servir a sua missão. Agora, o tempo é diferente. Novas perguntas, novos desafios. Qual será o papel da teologia hoje? Reflexão Final - Desafios para a missão integral na atualidade Pensamos que a Missão Integral enfrenta na atualidade pelo menos cinco grandes desafios. Gostaríamos de detalhá-los a seguir. Primeiro desafio: Evangelizar considerando o que o evangelizado tem a dizer sobre seu mundo. Os primeiros católicos que nestas terras chegaram no
  • 43. século XVI não estavam preocupados com que os índios tinham a dizer sobre seu mundo e sobre sua religião. Apenas pensavam em lhes incutir sua cultura e sua religião. A mesma atitude etnocêntrica tiveram os primeiros protestantes que para cá vieram no século XIX. Não houve a preocupação de conhecimento e adaptação à realidade cultural e religiosa brasileira, mas a imposição da mensagem do Evangelho com uma forte roupagem cultural ocidental. O mundo plural contemporâneo exige que evangelizemos através de um diálogo com a cultura brasileira e considerando que os sujeitos a serem evangelizados têm a dizer sobre seu próprio mundo. A liderança da Igreja precisa saber dialogar com as pessoas a quem evangeliza e, assim, ser exemplo de diálogo para seus evangelistas na sua relação com os que fizeram uma opção religiosa não evangélica. Mais do que nunca precisamos evangelizar, para isso é que a igreja e as instituições para-eclesiáticas sempre existiram, mas cada vez mais este imperativo deve ser levado adiante com amor, sabedoria e discernimento. At 8:26-40 é um texto que narra um líder etíope sendo evangelizado por Filipe. Filipe vê que o etíope está lendo um texto bíblico e sente uma oportunidade para se aproximar. O etíope ia lendo em voz alta, como era de costume na época e Filipe vê que se trata de uma pessoa que tem sede de conhecer a Deus e estabelece o diálogo a partir de uma pergunta que o faz entrar no mundo do outro. Este texto nos ensina algumas coisas relevantes para o nosso contexto missionário de hoje: 1) Tal como na época de Filipe, estamos diante de um mundo que anseia por uma resposta, por um projeto de vida saudável e libertador; cabe a nós percebermos que Deus quer nos usar para evangelizar/expandir o conhecimento da Boa-Notícia; 2) Precisamos ter ousadia para chegar até as pessoas e lhes perguntar se entendem o que lêem, se estão satisfeitas com suas vidas; 3) Temos que respeitar as pessoas e nos aproximar delas por amor e somente se elas o permitirem e quiserem a nossa ajuda; 4) Devemos romper as barreiras dos preconceitos, pois não há etnia, categoria social ou nacionalidade, a quem Deus não queira demonstrar seu amor; se nossos irmãos e irmãs do passado não tivessem vencido preconceitos, não conheceríamos o cristianismo;
  • 44. 5) Não podemos parar de evangelizar, pois o texto mostra que Filipe não para quando o etíope aceita a Jesus, mas é arrebatado pelo Espírito para evangelizar em outro local; a tarefa de evangelização é o motivo de existência da igreja; a tarefa de evangelização só termina quando todos ouvirem a respeito de Cristo. Precisamos de cristãos que saibam evangelizar como Filipe, afinal ainda temos um mundo cheio de pessoas sedentas por um projeto de vida consistente como o é o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. A tarefa urgente e bela da evangelização não deve, todavia, atropelar a vontade e os limites do evangelizado. A evangelização não pode ser um monólogo, mas sim um diálogo. Segundo desafio: Superar a comunicação predominantemente intelectualizada e conceitual que predomina sobretudo no meio acadêmico e nos púlpitos das igrejas históricas. O que as pessoas procuram como meio de conferir sentido para suas vidas? Um belo sermão, milimetricamente planejado e construído, ou uma palavra simples e poderosa que transforme a sua vida? Parece-me que muitos líderes evangélicos, sobretudo os que estão em igrejas tradicionais, pensam que as pessoas querem uma mensagem bem articulada intelectualmente apenas. Mas estamos cada vez mais convencido de que as pessoas querem mesmo é uma palavra simples, poderosa e relevante para suas vidas. Um fato urgente que precisa ser percebido pela liderança evangélica brasileira é que o púlpito excessivamente racional e intelectualizado está em crise, o que não significa que devamos ser tragados pelo irracionalismo, mas que as pessoas precisam viver nos dias de hoje o que alguns dos primeiros seguidores de Cristo puderam receber, o poder transformador do Reino de Deus. Jesus anunciou e evidenciou a presença do Reino entre nós. Os sinais do Reino não se constituíam apenas de mensagens bem preparadas academicamente e bem faladas, embora Jesus tenha feito isto com muita eficácia, mas se manifestavam através de curas, milagres e libertação de demônios, de conceitos espirituais equivocados e escravizadores. Mesmo quando “pregava” Jesus estava muito longe de usar uma linguagem árida e intelectualizada, mas antes preferia as metáforas. Sua
  • 45. comunicação primava pelas belas e cotidianas imagens dos trabalhadores rurais de seu tempo. Seu ensino empolgava as pessoas porque as suas palavras eram de vida e não de hipocrisia e legalismo. Não é a toa que o Antigo Testamento tem sido usado preferencialmente em igrejas populares como as de linhagem neopentecostal, pois sua linguagem é predominantemente figurativa e não conceitual como a do Novo testamento, exceção feita justamente aos Evangelhos. Os pentecostais perceberam isto, mas alguns ramos protestantes tradicionais ainda não conseguiram aprender tão importante lição. O desafio de uma linguagem apropriada ao povo brasileiro é urgente para a missão integral hoje. Terceiro desafio: Construir um modelo de espiritualidade capaz de integrar sensibilidade para o poder do Espírito Santo tanto quanto para as questões sociais. Dallas Willard diz que existe na atualidade duas formas de expressão do Evangelho que, por seu reducionismo, apenas se limitam a administrar o pecado humano, o Evangelho da direita e o Evangelho da esquerda.42 O primeiro modelo reducionista diz que o pecado é uma realidade apenas pessoal e que tudo que a pessoa precisa é se arrepender e, depois, esperar o fim da vida para ir ao céu, não importando muito o que venha a fazer neste interregno. O segundo modelo é apenas uma inversão do anterior e acentua a realidade estrutural do pecado, passando a propor uma visão de espiritualidade engajada nas questões sociais, mesmo que o caráter da pessoa não seja significativamente transformado. Como se pode ver, o velho dualismo está sempre ressurgindo de formas diferentes! A descrição acima de Dallas Willard serve muito bem para desmascarar mais esta forma de dualismo, esta tipicamente moderna, que opõe o pessoal/espiritual ao social/material. Penso que aprender a superar este dualismo é talvez o maior desafio para as lideranças evangélicas brasileiras. Cremos que o Reino/Reinado de Deus transforma a vida humana na sua integralidade, o que inclui a sua vida íntima/pessoal bem como o meio social em que esta vida está inserida. Se a primeira modernidade é dualista, a modernidade tardia precisa ser 42 Dallas WILLARD, A conspiração divina: o verdadeiro sentido do discipulado cristão, p. 55-80.
  • 46. holística, não no sentido vulgar/místico da palavra, mas no sentido de que vivemos em uma realidade sistêmica. Todas as coisas estão ligadas às demais. Nínguém é liberto se sua mente, seu corpo e seu espírito não forem curados e tocados pelo poder de Deus, mas se o mesmo poder não agir sobre as estruturas sociais até que sejam também transformadas, não haverá libertação na sua plenitude. Nenhum indivíduo pode ser liberto se a sociedade não for também liberta. O cristianismo não pode tolerar o egoísmo e a exploração econômica e social, mas se o poder de Deus não agir na vida individual dos sujeitos, jamais será construída uma sociedade justa. Por enquanto podemos observar líderes preocupados em orar, jejuar e ter experiências sobrenaturais, mas não são suficientemente piedosos para estender suas mãos para os aflitos. Por outro lado, podemos ver outros líderes engajados em um ativismo social vazio do poder sobrenatual de Deus. O momento é o de construirmos a síntese, a ponte de ligação entre as duas realidades e passarmos a viver e a pregar um Evangelho integral, onde o poder sobrenatural de Deus age para mudar o âmago das pessoas tanto quando age para recriar a vida social e a natureza! Quarto desafio: Vivemos em uma sociedade e economia sem solidariedade. A dimensão mais concreta da chamada pós-modernidade é a economia capitalista pós-industrial, ou neo-liberal. A sociedade capitalista neo-liberal é perversa e sem compaixão. Nela só há lugar para as pessoas capazes e competentes, que conseguem cumprir todas as exigências do mercado de trabalho e de consumo. Cada vez mais as empresas exigem maior qualificação para seus trabalhadores, e cada vez mais as máquinas substituem as pessoas no desempenho de funções e realização de serviços - e com isso aumenta o desemprego, a economia informal e a marginalidade. Todavia, o capitalismo neo-liberal afirma que esse é o único caminho para a prosperidade das nações! Decre-tando o “fim da história” o capitalismo neo-liberal tomou o lugar do marxismo como a religião messiânica sem Deus. Precisamos de compaixão e solidariedade para fazer a missão em nossos dias! Ao olhar para as pessoas e para as multidões de seus dias, Jesus as via
  • 47. como “ovelhas sem pastor” e demonstrava-lhes compaixão. A compaixão (solidariedade) era o motor de suas ações a favor das pessoas (v. Mt 9,36; 14,14; 15,32; 20,34; Mc 6,34; 8,2; Lc 7,13, etc.). Jesus demonstrava, através de seus atos, a compaixão de Deus pelos seus filhos e filhas escravizados ao pecado; demonstrava a solidariedade do Deus encarnado para com a humanidade pecadora (cf. Hb 2,14-17; 4,15-16). Para pregar o Evangelho não posso ver o “outro” como adversário - a “batalha espiritual” não pode gerar inimigos, mas, sim, pessoas reconciliadas com Deus e, conseqüentemente conosco e com elas mesmas - geramos, com a pregação do Evangelho, amigos e amigas de Jesus Cristo (Jo 15,14-15). Para realizarmos a missão é necessário resistir à tendência desumanizadora e brutalizante de nossa sociedade pós-moderna; precisamos resistir à tentação de vivermos apenas em função de nós mesmos e de nossos interesses e desejos. Precisamos de solidariedade, compaixão: sentir o sofrimento do outro, como o nosso próprio sofrimento. Participar na libertação do outro, como se a nossa própria libertação disso dependesse. Se somos amigos e amigas de Cristo, fazemos o que Ele manda. E o que Ele manda? “Eu vos escolhi para irdes produzir frutos e para que o vosso fruto permaneça ... O que eu vos ordeno é que vos ameis uns aos outros” (Jo 15,16-17). A Igreja existe para anunciar o Evangelho - essa é a grande comissão de Jesus (Mt 28,18-20 e paralelos), e esse é o poder do Espírito (At 1,8) - e se ela não o faz, deixa de ser povo de Deus, e se identifica com o mundo; torna-se sal sem sabor, não prestando para nada. Assim como Jesus fez acompanhar sua pregação de sinais visíveis do amor de Deus pelos pecadores, também a Igreja solidária, na pós-modernidade, fará sua pregação da salvação ser acompanhada dos sinais do Reino. Quem ama, é compassivo e solidário com a pessoa toda, não faz divisão entre “alma” e “corpo”, pregando para salvar “a alma” e deixar o “corpo” morrer. Jesus cuidava das doenças do corpo, das doenças espirituais, dos problemas econômicos e sociais. Paulo, o evangelista aos gentios, recebeu a recomendação de “nos lembrar dos pobres, o que eu tive muito cuidado de fazer” (Gl 2,10). A diaconia cristã é a expressão concreta da compaixão evangelizadora da Igreja. A diaconia