5. Agradecimento
Dizer que este livro somente seria possível a partir
de um ou outro nome seria ignorar que a construção de
nossos pensamentos se faz a partir de cada experiência
vivenciada no decorrer da vida. Assim, a todos que de
uma forma ou de outra fizeram e fazem parte da
construção de nossa história, muito obrigado.
De modo especial queremos agradecer aos
professores Claudionei Vicente Cassol e Celito Luft pelas
sábias palavras que contribuíram para engrandecer nossa
obra, ao Curso de Filosofia e à URI – Campus de
Frederico Westphalen pelo apoio e presença constante
nas diversas instâncias que contribuíram incisivamente na
elaboração do presente texto.
Por fim, a todos aqueles que comungarem com
estas palavras, refletindo-as em suas práticas sociais com
ações que contribuam para a construção das perspectivas
e realidades dos “Caminhos da educação”, pois...
De nada valem as ideias sem homens para pô-las em prática
(Marx).
6. SUMÁRIO
Prefácio ...................................................................... 09
Claudionei Vicente Cassol
Introdução ................................................................... 16
1 A CONDIÇÃO HUMANA .......................................... 21
Rudinei da Rosa
2 EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE: O ATUAL
SENTIDO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR ....................... 41
Henriqueta Alves da Silva
3 CONSTRUINDO ALTERNATIVAS ........................... 65
Marcio Luis Marangon
Posfácio ...................................................................... 101
Celito Luft
7. UNIVERSIDADE REGIONAL
INTEGRADA DO ALTO
URUGUAI E DAS MISSÕES
Presidente
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Impressão:
8. PREFÁCIO
1
Claudionei Vicente Cassol
A missão da educação, do educador e da
escola, na construção da cidadania, é
semelhante do jardineiro. Não pode fazer
germinar a semente. A força e a capacidade
da germinação já estão contidas na própria
semente. No entanto, o jardineiro cria
condições para que ocorra o germinar.
Aduba o canteiro, semeia, rega e protege.
Só assim terá certeza da primavera. O ato
educativo é um ato de cuidado, de
dedicação que auxilia na formação do ser ao
permitir a potencialização das capacidades
intrínsecas deste ser. Educar é autonomizar
sujeitos para que floresçam e frutifiquem na
cidadania. O jardineiro não diz que algumas
sementes têm mais condições do que as
outras. Ele compreende a essência da
natureza onde todas apresentam condições
de florir a seu modo. Quem faz a segregação
é o especialista, o técnico, que vê os
resultados apenas porque entende tudo a
partir da potencialidade produtiva,
diferentemente do jardineiro que vê a
gratidão da vida e a beleza do cuidado. O
jardineiro não age deste modo por impulsão
sentimentalista ou por ser desprovido de
racionalidade, mas porque consciente da
essencialidade de sua ação histórica como
construtora da próxima primavera. Uma
atitude de crença na potencialidade de cada
semente em formar com as outras uma bela
estação (CASSOL, 2007).
1
Professor, URI – Campus de Frederico Westphalen- RS.
9. A educação enquanto compromisso social carrega
a incumbência política como condição de sua validade e
legitimidade comunitária. É na dimensão da politicidade
que se encontra a esperança e a profundidade filosófica
do fazer educativo. A complexidade que envolve a
educação remete Estado, Educador e Educadora,
Estudante e Comunidade à construção de vínculos
intersubjetivos, força indispensável na qualificação dos
processos, validação do educar enquanto ato com
implicâncias públicas, direito da cidadania e dever das
instituições. Não somente econômico, mas cultural e ético.
Colocar a educação nesses termos seria ousadia ou
utopia? Ousadia, na compreensão de um Estado que se
quer limitado e se pretende mínimo para estar ao lado do
capital desumanizado e livre das preocupações
humanizadoras e sociais, afastando-se de suas funções
mais primordiais; utopia, do ponto de vista da sedenta
população que aguarda, de braços cruzados – ainda não
educada politicamente -, o cumprimento dos direitos mais
básicos; realidade, porém, quando compreendemos a
profundidade do ato educativo, indispensável na
qualificação dos sujeitos e da comunidade.
Caminhos da Educação marca um período
conturbado no sistema de ensino do Rio Grande do Sul.
Um Estado neoliberal, comprometido com a estrutura
piramidal da sociedade, o status quo, que se assume ao
lado do capital e distante da população, resolve, a título de
corte de gastos públicos, enxugar as já ínfimas garantias
que os trabalhadores e trabalhadoras em educação
gaúchos asseguraram ao longo de anos de luta. Há
monstros que rondam a educação gaúcha, aviltando-a a
partir de seu centro: desencadeando processos de
descredibilidade da escola pública; conduzindo à
acomodação professores, professoras, pais e mães e os
próprios estudantes. Ademais há desqualificação dos
espaços pedagógicos e o descaso com a comunidade. Os
caminhos da educação gaúcha, objeto de estudo do
10. capítulo II do presente texto, através da investigação do
distanciamento entre a formação filosófico-pedagógica e o
compromisso social dos professores da rede estadual
gaúcha, seguem, atualmente, na contramão dos desejos e
anseios de toda comunidade, principalmente, dos
principais atores – educadores e educadoras – ao interpor
entre os professores e professoras e a missão da
educação, não flores e jardineiros preocupados com atos
de vida, mas pedras humilhação e responsabilização pelo
fracasso do Estado representativo. Um descaminho que é
evidenciado neste sentido é a discussão do Plano de
Carreira do Magistério Público Estadual por força do poder
econômico. Pairam intenções de cortes nos direitos dos
trabalhadores/as em educação gaúchos. O magistério está
sendo responsabilizado pelas concessões de isenções
fiscais a grandes empresas. O que poucos veem é a
diminuição de receitas para investimentos sociais,
obrigações do Estado. Não, mas o “plano é bom”, opinam
alguns, inclusive professores/as.
Em sendo confirmada a “bondade” – jamais isenta,
do poder –, porque a proposta está sendo escondida
daqueles e daquelas que terão que cumpri-la?
Percebemos todos por onde começaram as discussões, o
que identifica as verdadeiras intenções do “novo” plano:
entre grupos de empresário gaúchos e entidades várias
que nada, ou muito pouco, têm de identificação com o
sistema educacional gaúcho. Qual empresário, convidado
pelo governo gaúcho, para discutir o Plano de Carreira do
Magistério Público da Rede Estadual do Rio Grande do
Sul, tem filhos na Escola Pública da rede?
No momento em que este texto é pensado,
representações do magistério gaúcho, entre os quais,
vários diretores e diretoras de Escolas Públicas da rede –
professores/as igualmente tomados pela “maravilha” do
poder -, cooptados pelo governo, assistem exposições
relâmpagos da Secretaria Estadual de Educação
propagandeando um novo plano. Educadores e
Educadoras estão excluídos do processo que a eles é
11. pertinente, denúncia que o capítulo I, em sua filosofia,
apresenta como ocorrendo em todo o sistema de
educação brasileiro. Esparsas manifestações contrárias
ousaram levantar-se notabilizando a despolitização da
sociedade gaúcha e evidenciando que a educação é
problema dos outros. Não é de professores e professoras,
tampouco de estudantes, funcionários e funcionárias de
escola, nem da comunidade. O Estado capitalista e
neoliberal, muito bem munido de “marketeiros”, constrói
verdades e as institucionaliza. Paralelo à imposição do
Plano de Carreira, desvio da proposição dialética que
estabelece o capítulo III em sua discussão metodológica,
denúncias de corrupção no Governo gaúcho, tomam conta
dos noticiários colocam em questionamento a sua
legitimidade ética.
Caminhos da Educação chega no momento em
que as encruzilhadas se abrem para toda população
gaúcha como possibilidades educativas. Aprendizado
político a partir da realidade, mostrando a complexidade
da educação e a amplitude que a filosofia precisa para se
tornar em cada cidadão, gesto contraditório, oposição e
construção.
Nos caminhos da educação interpõem-se
inúmeras encruzilhadas e a Filosofia, como diz Castoriadis
(2002), é a proposição de uma interrogação ilimitada da
representação instituída do mundo, a ordem estabelecida
da sociedade. A reflexão acurada, profunda e radical,
manifesta no âmbito da filosofia, associada à educação e
às ciências humanas, possibilita a construção de uma
comunidade autêntica movida pelo desejo participativo, de
ela própria fazer política e, desse modo, emancipar-se
como cidadã. Esta é a essência da condição humana que
exige compromissos sociais das instituições públicas e,
dessa forma, educa e se educa em processo dialético. A
identidade coletiva que brota do aprofundamento das
relações comunitárias, relações intersubjetivas é força
indispensável para a ininterrupta construção do novo e
permanente questionamento acerca da totalidade das
12. coisas que envolvem o homem e a mulher e as
instituições.
Apenas a educação (paidéia) dos cidadãos
enquanto tais pode dotar o „espaço público‟
de um autêntico e verdadeiro conteúdo. Mas
essa paidéia não é, basicamente, questão de
livros ou verbas para as escolas. Ela
consiste, antes de mais nada e cima de tudo,
na tomada de consciência, pelas pessoas,
do fato de que a polis é também cada uma
delas, e de que o destino da polis depende
também do que elas pensam, fazem e
decidem; em outras palavras: a educação é
participação na vida política (DUSSEL, 2002,
p. 312).
As possibilidades todas da adoção dos múltiplos
caminhos que se põem para a educação não resulta
necessariamente na exclusão dos demais também como
viabilidades. A educação é plural e esta diversidade é
capaz de promover o necessário, benéfico e criador
espírito dialético que produz, em sua essência, o
movimento, a oposição. A natural oposição provoca o
diálogo e, a partir dele, a comunidade educa-se educando.
Dizemos com Freire (2000) que o filosofar “...se impõe não
como puro encanto mas como espanto diante do mundo,
diante das coisas, da História que precisa ser
compreendida ao ser vivida no jogo em que, ao fazê-la,
somos por ela feitos e refeitos.” (p. 102).
Não há fórmulas, demonstra o jardineiro, apenas
desejo, vontade, possibilidade e esperança e necessidade
de vida. Vida que deve ser produzida, reproduzida e
cuidada, defendida, concordamos com Enrique Dussel
(2002). É esta preocupação com a vida que movimenta
educadores e educandos ao compromisso de começar
pela pergunta do porquê dos fatos que os cercam, o
porquê da vida que levam, de seu cotidiano social, enfim,
das realidades que constituem suas vidas (ZITKOSKI,
13. 2000). Apenas dedicação consciente, envolvimento e
radicalidade. Educação é ato radical que vai do
compromisso ético com o outro e com a comunidade, até o
compromisso ético consigo mesmo e exige que “Entre
mostrar e dizer como se deve proceder e o exemplo
concreto do próprio agir não pode haver contradição sob
pena de falsificar o que se pretende ensinar”, sugere
Jayme Paviani (1988).
A condição humana, Educação e
contemporaneidade e Construindo alternativas, os três
capítulos de Caminhos da Educação, sugerem a
necessidade do envolvimento, do compromisso de todos
os cidadãos na construção de sua educação. Uma
educação que seja capaz de manter acessa as chamas da
vida e da radicalidade que a intersubjetividade, criadora
por sua essência, exige da comunidade ao mesmo tempo
que a forma. Educar é despertar consciências de si, dos
outros e do mundo e, apossado desse conhecimento
primeiro e fundamental, trilhar os caminhos da cultura, das
instituições, da formação pessoal e social, da
profissionalização, da racionalidade, da sensibilidade e
solidariedade, com emoção, paixão e incondicionalmente
em defesa da vida.
Referencias
CASSOL, C. V. Autonomia da Escola Pública no Norte do
Rio Grande do Sul: da crise de projeto nas escolas
estaduais à intersubjetividade criadora, 2007. Disponível
em <http://www.dominiopublico.gov.br>.
CASTORIADIS, Cornelius. Os domínios do homem. 2. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. (As encruzilhadas do
labirinto II).
14. DUSSEL, Enrique. Ética da libertação – Na idade da
globalização e da exclusão. 2 ed. Petrópolis : Vozes, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas
pedagógicas e outros escritos. São Paulo : UNESP, 2000.
PAVIANI, Jayme. Problemas de Filosofia da Educação: o
cultural, o político, o ético na escola; o pedagógico, o
epistemológico no ensino. 4. ed. Petrópolis : Vozes, 1988.
ZITKOSKI, Jaime José. Horizontes da refundamentação
em educação popular. Frederico Westphalen : URI, 2000.
15.
16. Introdução
Produzimos esta obra com sentido profundo do
inacabado, do “por-fazer”. Talvez um “livro muito nosso”,
no sentido de que expressa a relação teoria/prática que
muitos educadores vivenciam.
Normalmente, tentamos adivinhar o que se passa
nas entrelinhas, nos acostumamos a pular partes, pular
palavras, pular linhas, e assim, acabamos deixando de
dialogar com a obra. Gostaríamos, no entanto, que este
livro fosse um diálogo aberto, como se o caro leitor
estivesse sentado conosco em uma roda de chimarrão,
partilhando seus pensamentos, e conduzindo-se, junto
com o pensamento central do texto, para um horizonte
aberto, onde nada daquilo que cremos ou planejamos
existe, mas que motivados por esta utopia, começássemos
então, a reconstruir tudo.
Não queremos ser freirianos, nem deixar de o ser,
não queremos ser piagetianos, nem tampouco deixar de o
ser, não queremos ser nenhum dos autores que
conhecemos e reverenciamos, nem deixar de sê-lo.
Queremos na verdade é ser abelhas. Sim, abelhas.
Andando de pensamento em pensamento, de experiência
em experiência, coletando todos os saberes e sabores
para construir uma essência, um mel, nosso mel, doce
essência que poderá ser saboreada e partilhada,
adicionando um novo sabor ao nosso dia-a-dia de
educador, de educando, de gente, ou de abelha, pois a
abelha está sempre a voar, sabendo que além do papel de
recolher o néctar, tem também o papel de espalhar o pólen
e fazer florir os campos.
17. Não queremos insultar o conhecimento já
produzido, mas também, não queremos prender nossa
capacidade produtiva, reflexiva, e de interpretação de
realidade. Queremos, sim, juntar tudo isso, e daí construir
alternativas para a realidade que se apresenta, pois, na
maioria das vezes caímos no modismo de achar que
somente o que os outros produzem é que é valido, e
deixamos de construir o que é realmente viável para nossa
realidade.
A temática abordada nesta obra surgiu em função
do contato, experiências e realidades observadas e
discutidas no meio educacional e social com o objetivo de
analisar a prática educacional dentro de suas
necessidades e perspectivas no intuito de alavancar
alternativas, propostas para uma educação de qualidade e
consciência.
Preocupados com a qualidade da educação, mais
especificamente com a formação dos professores do
Ensino Médio, procuramos desenvolver uma análise da
formação, da qualidade e do atual sentido da educação
escolar da sociedade contemporânea. Estudo que se
divide em três capítulos.
No primeiro capítulo procuramos, partindo de um
princípio filosófico, apresentar uma reflexão com alguns
questionamentos acerca do sentido da vida humana,
buscando trazer presente quão complexo é ao sujeito
perguntar-se por si mesmo, pela sua finalidade enquanto
ser que existe no e com o mundo que o cerca. Em
seguida, discutirmos a realidade atual globalizada que
confunde educação com necessidades de
aperfeiçoamento técnico para o mundo do trabalho.
Destacamos o quanto convivemos atualmente com uma
lógica de mundo que não favorece o desenvolvimento
integral da pessoa humana, mas é uma lógica que está
apegada ao marasmo de superficialidades que reduzem a
vida em padrões de dignidade e sentido.
O segundo capítulo trata do sentido da educação
escolar de nosso tempo, bem como seu verdadeiro papel
18. na transformação da sociedade. A educação, antes
despertada na família, na sociedade, na igreja, onde os
filhos eram educados nos princípios fundamentais da vida,
posteriormente chega à escola para aperfeiçoar-se
juntamente com os sujeitos na busca integral do
conhecimento cognitivo de seres humanos e das relações
e situações. A escola enquanto espaço público,
comprometeu-se na formação do ser humano para o
compromisso social a partir do momento em que se faz
necessária como demanda.
A educação precisa desenvolver uma visão
compreensiva do universo e uma visão holística dos seres
humanos, de sua natureza essencial e dos limites de suas
capacidades, evocando valores, compartilhando o amor
pela cidadania e a participação nos acontecimentos
políticos da sociedade. É direito da sociedade o acesso à
educação de qualidade e dever do Estado ofertá-la. Para
garantir que as mudanças gerem impacto efetivo na
qualidade da educação é essencial o envolvimento da
sociedade de modo intersubjetivo, comprometido,
capacitando-se para pressionar a atuação do estado.
No terceiro capitulo desenvolve-se uma breve
análise acerca do ato de educar, na perspectiva daquilo
que a sociedade tem em termos de educação, fruto da
análise de educandos e educadores da rede pública do
Ensino Médio e Fundamental, do Ensino Privado e do
Ensino Universitário. Dessa forma acende-se - sem
pretensão de encerrar tudo, ou de concluir o assunto
impondo algo – um julgar sobre a realidade da educação,
o que esperamos dela e como podemos conseguir.
A construção de subsídios é o tema central do
terceiro capítulo: elaborar métodos e saber colocar os
quadros é uma expectativa que abordamos para que o
educador entenda que o mundo não está acabado, está
por construir ainda, e aquilo que almejamos dentro da
educação passa, necessariamente, pela busca por
alternativas construídas dentro das perspectivas e dos
desafios da educação. Essa é uma situação a se refletir.
20. 1 A CONDIÇÃO HUMANA
Rudinei da Rosa
O mistério da vida humana nos fascina. O ser
humano ao interpelar o próprio sentido e a finalidade do
enigmático cosmo que se estende infinitamente para além
de suas faculdades racionais e até mesmo imaginativas,
desperta em si um sentimento de silêncio, contemplação e
encantamento.
Para muitos pensadores como Nietzsche (1844–
1900) Pascal (1623-1662) Kierkegaard (1813–1855) e
Schopenhauer (1788–1860) a atitude da reflexão
aprofundada sobre o que significa realmente estar vivo
desperta também uma certa sensação de medo, pois o
que podemos afirmar concretamente sobre a finalidade da
vida humana ou sobre o porque da sua possibilidade, e até
mesmo, sobre a ausência de finalidade compreensível,
acessível ao entendimento? Por isso, é urgente a
necessidade, de ousarmos tecer filosoficamente a
pergunta pelo sentido da nossa ação no mundo, do drama
do ser em seus tormentos, mas também nas profundezas
de suas raras alegrias. Não há um sofrimento inerente ao
próprio fato de existir como enigma? No fim, como diz
Jaspers (1883–1969), tudo não naufraga? Embora
sejamos dados às possibilidades de construirmo-nos a nós
mesmos, estas possibilidades acabam se exaurindo e no
fim convivemos com a certeza do naufrágio: temos de
morrer e este é um muro contra o qual batemos, mas não
podemos modificá-lo, apenas nos resta querer entendê-lo
21. com maior clareza, vivendo em nós mesmos a cada
instante, vagamente inquietos e confusos.
Embora nossa vida aconteça também no campo
das infinitas possibilidades, estas só se concretizam com
as decisões que tomamos, e as decisões sempre
englobam, inclusive, a possibilidade do inesperado, onde
cada resposta se desdobra sempre em novas perguntas, e
estas, como destaca Kierkegaard, não se contentam com
as explicações que até agora foram apresentadas, mas
insistem em perguntar:
Onde estou? O mundo, o que significa isso?
O que significa esta palavra? Quem me
pregou a peça de me jogar no mundo e me
deixou ali? Quem sou eu? Como entrei no
mundo? Porque não fui consultado? (...) A
que título fiquei interessado por esta imensa
empreitada que tem o nome de realidade? E
porque eu teria de me interessar por ela?
Não é uma questão livre? E se eu sou
forçado a isto, onde está o diretor? A quem
devo dirigir minha reclamação? (...) E se for
necessário aceitar a vida tal qual é, não seria
melhor primeiro saber como ela é?
(KIERKEGAARD apud FARAGO, 2006, p.
72).
Estas perguntas tão frequentes no pensamento
filosófico de diferentes épocas. Ainda constituem uma
exclamação de surpresa diante do aterrador espetáculo de
tantas injustiças humanas que presenciamos. muitas delas
advêem do fato de encararmos o valor da existência a
partir reflexões superficiais. As questões referidas, às
vezes de modo preconceituoso, relegadas ao plano da
loucura, passam a ser ignoradas por grande parte da
sociedade aprisionada ao irrisório, útil e prático. A
dimensão do mistério, do porque nossa existência se dá
nesse tempo, nesta terra com este sorriso, esta lágrima,
com aquilo que consideramos mais nobre e necessário
22. para o nosso viver, vai sendo ignorada na maneira como
cada pessoa sente/compreende sua vida. Nesta
perspectiva, diz Einstein: “Se alguém não conhece esta
sensação ou não pode mais experimentar espanto ou
surpresa, já é um morto vivo e seus olhos se cegaram”
(apud ROHDEN, 2007, p.162).
Esta atitude redutiva da pessoa humana, que
compreende seu existir como necessidade de competição,
de especialização prematura sob o falacioso pretexto de
desenvolver-se produtivamente com competência na atual
sociedade do conhecimento, a desenfreada ansiedade
pelo novo a qualquer custo, a expectativa humana
aprisionada pela imagem, o ruído, a propaganda e a
necessidade de consumo estão nos levando ao absurdo
da banalidade da vida e das suas relações.
Olhando para o espetáculo humano na atualidade,
nos seus desatinos, nos perguntamos: é somente isso que
nossa capacidade racional tão exaltada é capaz de
oferecer e retribuir à inteligência da natureza que nos
possibilitou a vida no seu aspecto único irrepetível? Será
tão difícil perceber que “o homem ainda não está esgotado
para as maiores possibilidades e com que frequência já se
encontrou diante de misteriosas decisões e novos
caminhos” (NIETZSCHE, 2008, p.130).
Por isso, nos ensina Nietzsche (2005, p.13) em
Humano Demasiado Humano, ousamos dar um passo à
frente, oferecer-nos à aventura de ser um espírito livre, e
nos aproximar da vida, mesmo que lentamente, ainda que
relutantes, um tanto desconfiados, mas capazes de
novamente nos admirar, de ficar em silêncio, de sentir-nos
agradecidos em nossas andanças, de sentir como foi bom
não ter ficado sob o teto cômodo do marasmo da vida
cotidiana, como embotados inúteis. “Estava fora de si; não
há dúvida. Somente agora vê a si mesmo – e que
surpresas não encontra... E como lhe agrada jazer ao sol!
Quem como ele, compreende a felicidade do inverno, as
manchas de sol no muro?” Precisamos compreender que
a vida do homem é tarefa inaudita; talvez um estranhar-se
23. no mundo, embaralhar-se com a loucura do simplesmente
inexplicável, uma tentativa pelo possível, um sorriso para a
inebriante tarefa de construirmo-nos com autenticidade.
Não queremos com este texto simplesmente ostentar uma
divagação baseada em pensadores, para fins de simples
leitura. Procuramos trazer presente que estas questões
tão essenciais à reflexão de quem sonha com um mundo
melhor não podem ser esquecidas em prol da falaciosa
retórica de que a realidade atual não comporta mais tais
questões. Talvez seja por isso que a cada dia, de modo
violento, acabamos nos tornando reféns da imbecilidade
de tantos indivíduos de nossa própria espécie que
parecem regredir a níveis preocupantes de irracionalidade
a ponto de cometerem absurdos contra o valor inestimável
da vida
Nestas circunstâncias, a educação que deveria ser
o ponto mais abrangente da discussão e promoção
integral da formação humana, sofre a tentativa de ser
reduzida à tola função de fazer da pessoa humana uma
máquina disponível ao uso de empresas, do mercado em
expansão. Nesta perspectiva, falar sobre o enigma da
vida, investigações filosóficas, das perguntas primordiais e
essenciais à compreensão e elevação do sentido do existir
humano e o nosso compromisso com cuidado ao ser do
outro não gera lucro, antes pode constituir-se em ameaça
ao próprio sistema vigente, que passa a vangloriar-se dos
avanços objetivos de produção, sem perceber que, ao
mesmo tempo, há uma subjetividade esquecida nas
pessoas que compõem a sociedade. Não raramente
explode em atos de violência, no número crescente de
jovens cultuadores dos vícios e da necessidade de
consumir, de se identificar a produtos confundindo-se com
eles em preço e noção de dignidade.
24. 1.1 Educação e Neoliberalismo
A existência humana está submetida a uma
condição a mais do que a dos outros animais: é preciso
que se pense de tempos em tempos, saber a razão do
porque existe. A educação precisa ser este processo que
eleva o sujeito humano para a análise do mundo onde se
encontra e o conduz para nele começar agir. Não somente
agir, mas compreender a ação exercida.
Ao fazermos referência à educação no contexto
atual, percebemos que esta discussão está inserida em
uma realidade de grandes transformações, tendo em vista
o atual processo de globalização. Torna-se regra
fundamental que o saber fazer com rapidez vá se
aprimorando para atingir os mais variados setores e
serviços da sociedade (SANTOS, 2004). Dentro desta
lógica, a grande responsável pela adaptação do sujeito às
novas demandas do sistema em expansão, é a educação.
Vivemos hoje tempos de mudanças significativas no
mundo do trabalho, das novas tecnologias e da
informação, por isso é necessário qualificar os sujeitos
para atenderem com competência as novas exigências do
mundo do conhecimento. A educação surge então, como
grande responsável por trabalhar junto aos estudantes o
aprimoramento das habilidades necessárias aos novos
tempos.
Nietzsche (apud Dias, 1991), analisando os rumos
da educação alemã em sua época, já alertava para o
perigo de tal mentalidade. Para ele, nesta perspectiva as
instituições de ensino procuravam apenas formar, tanto
quanto possível, homens preparados tecnicamente para
circularem livremente pelos diferentes postos de produção,
identificando-se com aquilo que chamou de “moeda
corrente”. Estes indivíduos seriam favorecidos por uma
formação geral não muito demorada, pois a rapidez é a
alma do negócio. Educados de modo a saber exatamente
o que exigir da vida, a aprender a ter um preço como
25. qualquer outra mercadoria, e a não possuir mais cultura do
que a necessária ao interesse geral do comércio mundial.
O resultado disso tudo é a democratização da
mediocridade e o consequente enfraquecimento da
cultura. Soma-se ainda a alienação, ou seja, a
incorporação por parte dos indivíduos de relações e
movimentos que anulam sua sensibilidade humana e
criadora, onde a iniciativa e espontaneidade desaparecem.
Decreta-se desta forma a inutilidade do gênio, ou
seja, a grande natureza contemplativa, armada para a
criação eterna, com a extensão da alma, a força da
imaginação e abundância das atividades do espírito. No
lugar do gênio passa a ocupar espaço aquele individuo
que Nietzsche (apud Dias, 1991) também chamou de
filisteu da cultura, justamente pelo fato de ser um imitador,
espectador da vida e do pensamento alheio, e não autor
de sua vida e de seus pensamentos.
Hoje, a educação é colocada como o centro das
atenções a nível internacional e centralizada na figura do
professor ator do processo, responsável pela
aprendizagem do aluno e pelo desenvolvimento das
competências necessárias a este mesmo aluno “para ser
um cidadão do século XXI”. Esta situação reflete–se na
publicação de uma vasta documentação nos últimos anos
no Brasil. Especificamente, é o caso das Resoluções
CNE/CP 01 e CNE/CP 02/2002 que discutem e alteram o
currículo e cargas horárias das licenciaturas para a
formação de professores. Nas páginas iniciais do Parecer
CNE/CP 9/2001, que fundamenta a Resolução CNE/CP
1/2002, encontramos argumentos que destacam os
passos significativos dados pelo Brasil nas décadas de
1980 e 1990 no sentido de investir na qualidade da
aprendizagem no Ensino Fundamental. No entanto,
sabemos que os organismos multilaterais ,(Banco Mundial,
CEPAL e UNESCO) que passaram a discutir e financiar
tais políticas educacionais, (das quais provêm as
Resoluções citadas) o combate ao analfabetismo e a
evasão escolar insistentemente discutida por estes
26. organismos, não significava propriamente ajudar na
superação das reais dificuldades do terceiro mundo, mas
preparar um ambiente capaz de comportar as
necessidades criadas dentro dos planos de um mercado
globalizado em expansão.
Para Shiroma, a partir da Conferência Mundial de
Educação Para Todos ocorrida na Tailândia em 1990, no
Brasil, neste mesmo período, passou-se a conviver com a
ideia de que o investimento na educação nos ajudaria a
“sobreviver à concorrência do mercado, manter o emprego
e dominar os códigos da modernidade” (Shiroma 2004
p.56). Esses códigos são definidos pelo documento da
CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe) de 1990, como conjunto de conhecimentos
necessários para desenvolver-se produtivamente na
sociedade moderna, onde os resultados esperados para o
mercado de trabalho e para o desempenho da cidadania
tendem a convergir. Por outro lado, as políticas
educacionais definidas pelo Banco Mundial e impostas ao
Brasil passaram a sustentar a ideia de que, investir na
educação, combater o analfabetismo e a evasão escolar,
tem um papel decisivo no crescimento
econômico (...) ajuda a reduzir a pobreza
aumentando a produtividade dos pobres (...)
e forma trabalhadores adaptáveis capazes
de adquirir novos conhecimentos sem
dificuldades, atendendo a demanda da
economia (SHIROMA, 2004, p.74).
Falar em competências neste cenário tornou-se a
principal bandeira dos discursos em defesa da educação.
Mas ao acentuar a competência como nuclear na
orientação do curso para a formação de professores,
(artigo 3 da resolução CNE/CP 01/2002) as diretrizes
passam também a atender a sua construção assegurando
27. a empregabilidade tanto do professor quanto
dos alunos. Daí indicar que todo conteúdo de
ensino deve estar radicado na praticidade,
no ensinar o que é imediatamente
significativo aplicável e útil para formar o
sujeito produtivo (Idem, p. 99).
A característica de educação centrada nos (des)
valores do neoliberalismo, quando aplicada e incorporada
pelos sistemas de ensino como única necessária à
formação da pessoa humana, desencadeia em seus
processos, segundo, Demo (2001) a maior indignidade
humana, ou seja, a ignorância produzida a partir dos
princípios neoliberais de organização social. Produz uma
realidade que destrói a condição de sermos sujeitos
políticos de relação e acolhida, convive-se com uma
mentalidade redutiva de que enquanto humanos somos
indivíduos competitivos por excelência. Instaura-se a
culpabilização da vítima, que não consegue “um lugar ao
sol”, pois não soube ser competitiva, em vez de perceber o
mercado como sendo excludente, onde não há lugar para
todos.
Nesta perspectiva de organização social voltada à
praticidade, utilidade e objetividade, da mesma maneira
que se descartam objetos, acaba-se descartando pessoas
que passam a fazer parte de todo um contingente de
excluídos, não aceitos como necessários. Na existência de
mecanismos que alimentem processos de exclusão, há
desrespeito com a dignidade humana. Vigorando esta
máxima não há humanização nos processos sociais, pois
em aceitar o outro consistem os princípios reveladores das
atitudes que asseguram nosso verdadeiro espírito e
condição humana.
Ao pensarmos sobre as políticas educacionais
vemo-nos neste dilema: de um lado sabemos da
importância da valorização dos processos que trabalham
nossa condição humana de sujeito coletivo,
biologicamente “chamado” a ser humano-social pelos
28. mecanismos de aceitação e convivência harmônica com
aqueles que se fazem presentes ao nosso lado. Por outro,
vivemos sob pressão de toda uma estrutura política, hoje
globalizada, que procura desenvolver uma mentalidade em
que o sujeito é chamado a se desenvolver em uma outra
perspectiva, qual seja, a instância competitiva, técnica e
produtiva. Esta visão de realidade vem se desenvolvendo
dentro do processo histórico que procura justificar a
“velha” mentalidade em nome do progresso. Não há como
a ela se opor, por traduzir-se na única realidade possível.
Assim a educação, é vista, pelos organismos multilaterais,
como um dos meios fundamentais para que tecnicamente
o mundo globalizado atinja seus objetivos, ou seja, a
transformação dos seres humanos em meros robôs
artificiais competidores e produtores com velocidade, e
não como ser de relações políticas, que busca a
compreensão da dimensão do mistério de suas vidas para
transforma-la e vivê-la com autenticidade.
Cada vez que falamos sobre neoliberalismo,
remontamo-nos a Shiroma, que nos apresenta o governo
Thatcher na Inglaterra (1979-1990), como exemplo prático
da política neoliberal, cujos anos de governo efetivaram a
desregulamentação, privatização, flexibilização, repressão
sindical e a criação do estado mínimo. Trata-se de uma
espécie de pragmatismo que se manifesta impondo um
certo
[...] realismo político, que desqualifica
„velhos‟ ideais e valores (socialistas ou
progressistas) dados como utopias,
incapazes de levar em conta a dura e crua
realidade da vida econômica marcada pela
concorrência, força de mercado e
desemprego estrutural (2004, p. 54).
Forma-se uma espécie de consenso sobre a
inutilidade de se opor às mudanças, ao econômico
definindo as políticas educacionais, ou seja, o senso
29. comum rende-se finalmente à dura e incontornável
facticidade da economia. Dissiminou-se a ideia de que
para sobreviver a esta concorrência da livre iniciativa de
mercado, para conseguir ou manter um emprego, seria
preciso dominar os códigos da modernidade, ou seja, “o
conjunto de conhecimentos e destrezas necessários para
participar da vida pública e desenvolver-se produtivamente
na sociedade moderna” (SHIROMA, 2004, p. 64).
Nesta perspectiva, vasta documentação
internacional, publicada por importantes organismos
multilaterais propagou este ideário educacional com
propostas, análises e soluções consideradas cabíveis aos
países com altos índices de analfabetismo e evasão
escolar, mas que impediam as pessoas de se inserirem
produtivamente na sociedade tecnológica, na “dura e
incontornável facticidade da economia”. Esta
documentação vem a exercer importante papel na
definição das políticas educacionais de formação de
professores para estes países.
A Conferência Mundial De educação Para Todos,
ocorrida em Jomtien na Tailândia em 1990, financiada pela
UNESCO, UNICEF, PNDU e Banco Mundial, foi um dos
grandes eventos cujas discussões/decisões favoreceram
que idéias neoliberais de educação fossem encontrando
espaço no interior dos países subdesenvolvidos, sendo
que a todos os países em diferentes estágios de
desenvolvimento foi aplicado o mesmo receituário. É a
partir desta Conferência que os nove países com o maior
índice de analfabetismo e evasão escolar do mundo,
(Brasil, Blangadesh, China, Egito, Índia, Indonésia,
México, Nigéria e Paquistão) se comprometeram a
impulsionar políticas internas priorizando uma educação
de qualidade capaz da redução dos índices de evasão
escolar e analfabetismo, bem como impulsionar
crescentemente dentro de seus territórios a promoção de
políticas de apoio à educação no âmbito econômico, social
e cultural; fazer a mobilização de recursos financeiros,
públicos, privados e voluntários para investimento na
30. educação, seguindo as propostas da Conferência, de que
investir na educação é um método vantajoso para se
assegurar a paz mundial, e diminuir as disparidades
econômicas entre as nações.
Procurando suprir as deficiências internas de
recursos, (SHIROMA, 2004) e para obter os resultados
exigidos pela Conferência de Jomtien, muitos desses
países abriram suas portas a investimentos estrangeiros,
ou seja, foram buscar recursos junto aos organismos
multilaterais, sobressaindo-se, o Banco Mundial, que se
tornou grande financiador de projetos educacionais para
estes países. Abraçando tais investimentos, estas
passaram a legitimar, internamente, um modelo político
pautado na dimensão neoliberal de mercado em que a
Educação passa a ser medida e conduzida segundo esta
lógica: a de preparar e qualificar indivíduos para serem
aliciados nas fileiras de produção.
Disfarçando “humanismos”, fazendo altos
investimentos, os organismos multilaterais procuram
também oportunidades de interferir na política interna dos
países do mesmo modo que buscam qualificar mão-de-
obra técnica para servir na produção e crescimento do
lucro privado de empresas multinacionais a eles ligadas.
Educando segundo os seus planos, as escolas reduzem a
perspectiva do aluno a apenas indivíduo que sabe fazer
bem e com rapidez para atuar nos postos de produção das
grandes empresas. O papel do professor na escola passa
a ser, exatamente, o de qualificar o aluno enquanto
instrumento que servirá ao mercado de trabalho, e não
como sujeito que entendendo a vida na radicalidade de
suas relações se faz criativo e histórico. Atendendo as
demandas deste cenário:
Capacitação de professores foi traduzida
como profissionalização; participação da
sociedade civil como articulação com
empresários e ONGS; descentralização
como desconcentração da responsabilidade
31. do estado; autonomia como liberdade de
captação de recursos; igualdade como
equidade; cidadania crítica como cidadania
produtiva; formação do cidadão como
atendimento ao cliente; a melhoria da
qualidade como adequação ao mercado e,
finalmente, o aluno foi transformado em
consumidor (SHIROMA, 2004, p. 52).
Temos hoje, na função da escola definida pelas
políticas educacionais e documentos publicados, neste
estágio de acumulação e fabricação de riquezas, a
estratégia de fabricar “ninguéns”. Ninguéns, que segundo
Alves (2002), são necessários para a manutenção da
“nova ordem internacional que aprofunda a exclusão no
trabalho, na escola e na cidadania”. Ao professor é então
delegada esta nova tarefa de treinar o aluno para o pleno
desenvolvimento da sua capacidade de produzir e trocar,
sendo reprodutor de processos que também o mecanizam
em relações e sentimentos. O sujeito passa a ser medido
pelo
Fragmento, pelo individual e específico,
como manifestação de uma relação singular
da sua capacidade de produzir e trocar. [...]
no processo de autovalorização do capital, o
sujeito aparece como algo a ser mudado,
trabalhado para adquirir a força efêmera do
ser coisificado, cuja escolha, cuja
consciência é mediatizada pelo trabalho
estranhado (MONFREDINI, 2005, p.56).
Frente a este cenário, o resultado é lógico: no
momento em que as relações de mercado se tornam
prioritárias, já não existe mais o espaço para o confronto
de idéias. Como diz Covre (2006) espaços para a
construção da cidadania que também provêm de
confrontos de idéias da ação conjunta da população, e
estão muito além da noção de um pragmatismo técnico
32. das relações de mercado e submissão a uma realidade
que procura manter-se extática. No dizer de Freire (1983),
trata-se de uma realidade que vai provocando também a
perda da capacidade de indignação e da raiva, de buscar
viver o sonho por um mundo menos feio, onde as
desigualdades diminuam, o sonho sem cuja realização a
democracia da qual tanto falamos, sobretudo hoje, é uma
farsa.
Outro ponto a ser destacado é que a estratégia
neoliberal no momento em que faz a redefinição da
educação, agora na lógica do mercado, a situa num
contexto em que ela vai deixando de ser vista como uma
instituição política e um espaço público de discussão para
tornar-se um bem de consumo. Das escolas exige-se que
tenham como referência a organização empresarial “que
possibilite a competição entre elas e permita que elas
atinjam uma posição privilegiada no mercado de serviços
escolares, podendo, assim, atrair alunos/clientes, enviados
por pais/consumidores” (CORSETTI apud LENSKIJ, 2000,
p. 13).
1.2 Universidade e compromisso social: uma extensão
necessária.
É diante desta estratégia neoliberal direcionada
por medidas reducionistas para o ato de educar, que
olhamos para a universidade enquanto lócus da formação
para a cidadania e compromisso social. Vemo-la como
instituição que tem o grande desafio de pautar-se pela
resistência ao tecnicismo proposto, ao ideal capitalista que
busca formar um professor competente a partir do que se
mostra imediato, útil e prático, reduzindo-se somente a
cidadão produtivo. Enquanto instituição de compromisso e
responsabilidade social, a universidade precisa estar
atenta a radicalidade que comporta a vida nas suas
relações naturais e sociais. Para isso seu dever é abrir
espaço à criatividade e invenção de novos processos bem
33. como a pesquisa, para que além de habilitar seus
estudantes para atuar no mercado de trabalho, forme-os
também para serem influenciadores na construção de uma
nova realidade social local. Procure, enquanto instituição,
perceber até que ponto, e em que medida, o seu trabalho,
o seu conhecimento produzido, refletido a partir de sua
política institucional, está ou não aprofundando a
disseminação e construção de mecanismos conservadores
e alimentadores dos processos de desumanização.
Ressaltamos com Demo (2001) que a postura dos
organismos multilaterais de ver o investimento na
educação como fundamental representa grande avanço,
mesmo levando-se em conta a postura neoliberal que
mantém, porque reconhecem que um dos papéis mais
substanciais da educação é suplantar a ignorância do
excluído, “já que excluído sem oportunidade é aquele que
sequer consegue saber que é coibido de saber que é
excluído. Em decorrência espera-se a solução dos outros,
como massa de manobra, deixando de constituir sujeito
capaz da história própria” (DEMO, 2001, p. 15). No entanto
sabemos que esta não é a preocupação dos organismos
financiadores de projetos educacionais. É em função desta
ignorância produzida que eles tornam as pessoas massa
de manobra, e atingem seus maiores objetivos: elevam a
produção em virtude da mão-de-obra barata e
consequentemente o aumento do lucro privado.
Se a universidade, na sua construção de
conhecimento na formação docente, não construir junto a
seus acadêmicos a formação de uma nova realidade que
transcenda estes determinismos estáticos do mercado
globalizado excludente, que perspectivas de futuro
podemos ter? Se esta realidade prevalecer, até quando
ainda será mantida a verdadeira essência humana que
perpassa, como já destacado neste texto, as relações de
acolhida e aceitação do outro que precisamos manter
numa relação de reciprocidade e não de competitividade?
Precisamos conceber a história como construção
permeada pelas limitações e capacidades humanas que a
34. vitaliza, cria novas alternativas ou simplesmente aceita
toda esta realidade com suas deficiências legitimadas em
um poder que quase tudo controla pela força
monopolizadora de meios e dados. O posicionamento da
universidade na formação das futuras gerações, dentre
elas a geração do professor, deve ser o posicionamento
de quem não aceita realidades que fomentam a alienação,
mas que apontem caminhos para a possibilidade de uma
nova história. Para isso é necessário e urgente fazer a
união e a rebelião das gentes contra a ameaça que nos
atinge: a negação de nós mesmos como seres humanos
submetidos à “frieza” do mercado. Antes de formar
técnicos numa resposta imediata às legislações que se
impõem em conjunto com as necessidades de mercado, a
universidade precisa ser coerente o bastante, frente à
responsabilidade que tem. Precisa perceber-se em sua
função e compromisso social como instituição que tem em
pauta a missão de humanizar processos na construção
integral da pessoa humana pelo conhecimento que
produz, e não se reduzir a instrumento favorável a
expansão da lógica mercantilista excludente. Pela
representatividade social que possui, deve formar, antes
de tudo, homens capazes de recusar os fatalismos, como
dizia Freire, de preferir a rebeldia que “nos confirma como
gente e que jamais deixou de provar que o ser humano é
maior do que os mecanismos que o minimizam” (2005,
p.115).
1.3 Indicando caminhos de reflexão: a filosofia como
um caminho a ser buscado
Procuramos refletir neste texto primeiramente a
complexidade em que nos envolvemos quando
“arriscamos” aprofundar o questionamento sobre o
fundamento e o sentido do existir humano, do ser pessoa
35. humana, procedendo com coragem suficiente para
procurar investigar os porquês de sua origem e até mesmo
sobre como proceder no seu relacionamento com o mundo
na tarefa de conhecer e construir-se a si próprio com
autenticidade. Não sendo apenas mero repetidor de
normas e padrões que aprisionam a criatividade e
liberdade de espírito. Percebemos também a importância
que o ato de educar adquire na formação integral do ser
humano quando possibilita que este sujeito desperte para
a investigação de si próprio e do mundo que o cerca,
(CASSOL, 2008) não somente agindo sobre a história,
mas, entendendo sua ação exercida e buscando de modo
criativo novas alternativas. No entanto percebemos que a
preocupação da atual sociedade com relação ao ato de
educar não contempla tais dimensões como prioridade.
Estamos reduzindo educação às necessidades de
mercado, aluno como cliente, professor não como mestre
que ensina para a vida, mas instrumento que molda
habilidades em inocências infantis encaminhadas para o
mundo do trabalho segundo as necessidades de cada
setor produtivo. Quando confrontamos esta fria e não
humana realidade a que estão sendo submetidas
gerações de modo sucessivo com o enigma da vida na
sua dimensão filosófica, percebemos o quanto a
humanidade, em grande parte, vive o superficial. São
milhões que nascem, crescem... será que morrem? Talvez
nem tenham chegado realmente a sentirem-se vivos. E
nós, em que dimensão da realidade queremos viver e
construir para aqueles que nos sucederão? Queremos
olhar o mundo com os olhos da vida, no seu processo
inaudito, ou deixar que o mundo limite a visão do sentido
de existir com olhos mecânicos da técnica e um coração
que pulsa pelo irrisório ao invés do sentimento de
plenitude?
Por isso, como nos dizia Eduardo Prado de
Mendonça (1996) “O mundo precisa de filosofia”. Pois o
homem na medida em que se descobre existindo vai
perguntando-se pelo sentido do mundo e da sua própria
36. vida, não somente perguntando, mas querendo saber os
motivos deste perguntar, é um homem que se faz
investigativo e cujas respostas o desafiam a deslocar-se
do superficial, do sensível para as profundezas do seu ser.
No dizer de Heidegger em Os pensadores (1984), temos a
filosofia como uma tarefa infinita. É ela que possibilita ao
homem este questionar, perceber o constante devir a que
está submetido e a perenidade de sua investigação que
está sempre como que, começando. A cada resposta
encontrada surge uma nova pergunta. Continuar
investigando não é somente uma questão de dever, mas
de seguimento a um propósito maior: fazer do viver uma
situação autêntica, desvelando o ininteligível, sabendo que
a cada momento precisamos nascer para nós mesmos,
nos descobrirmos lançados à existência. Neste sentido o
pensamento de Heidegger vem para nos apontar um
caminho: o caminho da filosofia que se faz no diálogo de
transformação que é possível manter com a tradição e a
necessidade de continuarmos inovando e discutindo novos
princípios filosóficos. Cabe-nos perscrutar o pensamento
tal como existe até agora para decifrar nele o que contém
de impensado, a fim de descobrir o lugar da verdade do
ser enquanto lugar onde construir e morar no futuro.
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Acessado em 07/11/06.
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39.
40. 2 EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: O ATUAL
SENTIDO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
Henriqueta Alves da Silva
É pensando criticamente a prática de hoje ou
de ontem que se pode melhorar a próxima
prática (Freire).
A escola pública, no decorrer do tempo, foi sendo
cerceada do seu verdadeiro papel na transformação da
sociedade. A educação, que antes era despertada na
família, na igreja, na sociedade, com seus filhos educados
nos princípios fundamentais da vida, posteriormente, com
a escola, se dirigiu ao aperfeiçoamento, buscando o
integral conhecimento cognitivo do ser humano. A escola
pública, de modo especial, comprometeu-se na formação
do ser para o compromisso social.
A partir da época moderna a educação passou a
ser formadora do homem-mercado, força de trabalho, além
de desenvolver o conhecimento que auxiliaria no processo
integral do ser humano. O homem nesse sentido deveria
saber fazer e saber pensar. À educação foi creditada uma
ideia redentora da sociedade. Com o passar do tempo a
família, a escola e os próprios governos visualizaram uma
falha nesta crença superficial, na qual o processo formador
do conhecimento era um espaço privilegiado socialmente.
A tecnologia surgiu com outros parâmetros, mais rápidos,
muitas vezes inquestionáveis, na configuração para o
aprendizado como mão-de-obra para o sistema neoliberal,
pois faculta certo tipo de saber que não contribui para o
verdadeiro conhecimento, no qual deveria ser valor
inalienável ao ser humano.
41. A educação vista a partir dessa perspectiva não
se limita ao processo escolar ou ao currículo tradicional,
ou ainda às metodologias das escolas. A educação, como
a aprendizagem, é um processo que dura toda uma vida e
que pode ocorrer numa infinita variedade de circunstâncias
e contextos.
A educação renascentista, por exemplo, visava à
formação do homem burguês. Os educadores
renascentistas defendiam uma educação individualizada, o
auto governo do aluno e a competição. A educação
Iluminista tornou-se obrigatória; assim, com a Revolução
Industrial, nasceu a escola pública. No decorrer do século
XIX, conteúdo e método de ensino fizeram parte do
intenso debate sobre a questão política da educação
popular e os meios para efetivá-la, e dentre eles, a melhor
organização pedagógica para a escola primária.
Em toda parte, difundiu-se a crença no poder da
escola como fator de progresso, modernização e mudança
social. A ideia de uma escola nova para a formação do
homem novo articulou-se com as exigências do
desenvolvimento industrial e o processo de urbanização. A
principal característica da educação no século XX foi a
massificação do acesso à educação básica, perda do
prestígio do professor e sucateamento das escolas.
Mas o que verdadeiramente representa o termo
educação de qualidade hoje, numa sociedade capitalista
onde a ciência e a educação servem aos interesses do
mercado? A educação de hoje em algum momento remete
a Paidéia? Paidéia não tem um significado concreto, é o
resultado do processo educativo que se prolonga por toda
a vida. Vai muito além dos anos escolares; é o ideal da
formação humana como um todo, é cultura. Desde a
história ocidental da educação na Grécia, a educação vem
mudando de sentido ao longo do tempo. Para os gregos
representava a felicidade; para os medievais, a salvação
da alma e para os modernos, a garantia de
empregabilidade e renda. O termo educação de qualidade
42. nos dias de hoje remete a uma concepção utilitária e
limitada de formação humana.
Considera-se “inteligente ou educada” aquela
pessoa que parece esperta, astuta, que faz o bom uso da
retórica, persuadindo as pessoas para a compra e
consequentemente com isto o lucro. Já não se considera o
ser enquanto essência, mas apenas o ter, aquilo que a
pessoa porta e que tem utilidade para si e a sociedade.
Por exemplo, se uma pessoa está bem vestida para
assistir uma peça de teatro ela é recebida sem nenhum
problema, mas se esta mesma pessoa não estiver com
vestimentas adequadas para a ocasião, ela é excluída do
evento mesmo estando com os ingressos garantidos.
Com este exemplo percebe-se que estamos numa
sociedade pobre intelectualmente, preconceituosa e fútil.
Parece tudo ser reduzido às aparências, sem o mínimo de
consideração pela essência humana. “O homem atual
parece não acreditar mais numa Razão fundadora capaz
de proporcionar-lhe uma base sólida permitindo-lhe
formular uma visão da realidade, de si mesmo, de seus
comportamentos e de seus valores” (JAPIASSU, p. 13,
1997).
A educação atual prepara para a competitividade.
O Estado, em vez de se preocupar com o bem estar da
sociedade, preocupa-se com o bem estar do mercado. O
governo, que tanto fala em educação de qualidade,
percebe-se que o grau de interferência é bem menor.
Porém, o que se vê é uma educação excludente e
desnecessária, que em vez de se preocupar com o
verdadeiro conhecimento e aperfeiçoamento dos
educandos, remete-se a provas para verificar o índice de
qualidade da educação, como por exemplo: Provinha
Brasil, SAERS, ENEM, PCNs, etc. que não contribuem
efetivamente para uma educação qualitativa.
Onde está a educação que privilegia o ser humano
a realizar e desenvolver suas potencialidades físicas,
morais e intelectuais? Como poderemos chegar a
almejada qualidade, esperada pelos educadores mais
43. conscientes e preocupados com uma educação que
privilegie tanto a formação humana como a vinculação ao
mundo do trabalho?
Ao nos referirmos à questão da educação como
vinculada ao mercado de trabalho não queremos excluir
essa hipótese por inteiro. A educação deve e precisa estar
vinculada ao trabalho, mas não reduzi-la especificamente,
pois precisa ser mais humanizada tendendo ao bem
coletivo da humanidade. O ensino não pode ser reduzido a
um simples processo de treinamento, um aprendizado que
se exaure precocemente.
De acordo com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases,
Artigo 1, inciso 2, lei 9394/96) “o Ensino Médio como parte
da educação, deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a
prática social”.
O desafio da educação, diante disso, é buscar um
espaço onde o conhecimento e as experiências
pedagógicas conduzam o aluno a ir além do ser objeto de
mercado e consumo, para ser sujeito histórico, múltiplo e
criativo.
Não há uma única forma de ensinar. Ninguém
escapa da educação, em casa, na rua ou na escola. Todos
estão sempre aprendendo. A escola não é o único lugar no
qual a educação acontece e talvez nem seja o melhor. O
ensino escolar, não é a única prática educacional e o
professor não é o único praticante.
A educação existe no imaginário das pessoas e na
ideologia dos grupos sociais e ali, sempre se espera, de
dentro, ou sempre se diz fora, que sua missão é
transformar sujeitos e mundos em que se tem de uns e
outros. Na prática, a mesma educação que ensina pode
imbecilizar e pode correr o risco de fazer o contrário do
que se pensa, ou do que inventa que pode fazer. Segundo
Werner Jaeger,
44. A natureza dos homens, na sua dupla
estrutura corpórea, cria condições especiais
para a manutenção e transmissão porém sua
forma particular exige organizações físicas e
espirituais, ao conjunto das quais damos o
nome de educação [...]. É nela, porém, que
essa força atinge o seu mais alto grau de
intensidade, através do esforço consciente
do conhecimento e da vontade dirigido para
a consecução de um fim (BRANDÃO, 1981,
p.14).
Mas o que é educação? É o mesmo que
escolaridade? É o completar um determinado curso
acadêmico? É um conjunto de comportamentos e atitudes
socialmente aceitáveis? Refere-se somente à educação
escolar? É tudo o que a vida nos ensina? São nossas
aprendizagens? E o que é aprendizagem?
Difícil chegar a um consenso sobre definição,
quando nos referimos que é um processo que produz a
capacidade de apresentar um novo comportamento ou
uma nova forma de ver o mundo. Logo, vemos que a
aprendizagem não se limita ao processo educacional.
Porém, ela está diretamente ligada ao termo “educação”.
A Enciclopédia Brasileira de Moral e Civismo,
editada pelo Ministério de Educação e Cultura, define,
Educação. Do latim educere, que significa
extrair, tirar, desenvolver. Consiste,
essencialmente na formação do homem de
caráter. A educação é um processo vital,
para o qual ocorrem forças naturais e
espirituais, conjugadas pela ação consciente
do educador e pela vontade livre do
educando. Não pode, pois, ser confundida
com o simples desenvolvimento ou
crescimento dos seres vivos, nem com a
mera adaptação do indivíduo ao meio. É a
atividade criadora, que visa levar o ser
humano a realizar as suas potencialidades
físicas, morais, espirituais e intelectuais. Não
45. se reduz a preparação para fins
exclusivamente utilitários, como uma
profissão, nem para o desenvolvimento de
características parciais da personalidade,
como um dom artístico, mas abrange o
homem integral, em todos os aspectos de
seu corpo e de sua alma, ou seja, em toda a
extensão de sua vida sensível, espiritual,
intelectual, moral, individual, doméstica e
social, para elevá-la, regula-la e aperfeiçoá-
la. É processo contínuo, que começa nas
origens do ser humano e se estende até a
morte (apud BRANDÃO, 1981, p. 63).
A cultura escolar atual tem uma visão
excessivamente mecânica do resultado da escola que
levou a superestimar a abordagem processo-produto. O
processo-produto condiz com um ensino-aprendizagem
que passou a ser avaliado como qualquer processo de
produção. A preocupação do ensino é apenas mecânica e
não humanizada. Essa cultura impõe à individualidade
legitima condutas, currículos, avaliações, disciplinas
tornando-os mero processo de exclusão dos indivíduos.
A educação é um dos meios que potencializam a
humanização. É entendida como uma efetivação das
meditações histórico-sociais do modo humano de existir,
um espaço político para a formação de conhecimentos que
contribuem para a formação pessoal, formando cidadãos
éticos e conscientes. É a partir da educação que um
cidadão pode discernir o que é certo ou errado, pois ela
possibilita clareza para agir de maneira ética, respeitando
a liberdade do outro e reconhecendo os valores da
comunidade. A educação é a uma das melhores
alternativas para a renúncia deste modelo capitalista de
sociedade no qual vivemos e pode trazer novas formas de
pensar a partir de uma sociedade mais justa onde os
direitos fundamentais sejam conquistas efetivas.
Vivemos um momento de profundas
transformações. Não se sabe ao certo para onde se
46. caminha e nem qual o caminho a trilhar. A sociedade atual
encontra-se em profunda crise. Nela somos remetidos a
repensar nossos valores e atitudes. Segundo Gadotti
(1998), faz-se mister que o professor se assuma enquanto
um profissional do humano, social e político, tomando
partido e não sendo omisso, neutro, mas sim definindo
para si de qual lado está. Como diz Freire, ou se está a
favor dos oprimidos ou contra eles. “Minha posição tem
que ser a de respeito à pessoa que queira mudar ou que
recuse mudar. Não posso negar-lhe ou esconder-lhe
minha postura, mas não posso desconhecer o seu direito
de rejeitá-la” (FREIRE, 2004, p. 79).
Não se pode esperar que a organização coletiva
brote espontaneamente, mas, por meio da educação, pode
caminhar lado a lado com a prática política do povo.
Sendo assim, o profissional da educação sempre assume
aqui papel político. Educadores e educadoras precisam
engajar-se social e politicamente, percebendo as
possibilidades da ação social e cultural na luta pela
transformação das estruturas opressivas da sociedade
neoliberal. Para isso, antes de tudo necessitam conhecer a
sociedade em que atuam e o nível social, econômico e
cultural de seus alunos e alunas.
Os educadores e educadoras não podem se
colocar na posição de seres superiores, que ensinam um
grupo de ignorantes, mas na posição humilde daqueles
que comunicam um saber relativo a outros que possuem
saberes diferentes e relativos. Como educadores
engajados em um processo de transformação social,
necessita-se que esses profissionais acreditem na
educação, como uma das possibilidades de transformar a
sociedade onde estão inseridos, e acreditem que sem ela
nenhuma transformação profunda se realizará. O atual
sentido da educação precisa ser levado a sério com
compromisso social, sabedoria criativa e humildade.
A educação precisa desenvolver uma visão
compreensiva do universo e uma visão holística dos seres
humanos de sua natureza essencial e dos limites de suas
47. capacidades, a fim de compreender o mundo em sua
volta. A educação precisa exercitar nossa consciência
crítica como forma de reflexão ética e política: evocando
valores, compartilhando o amor pela cidadania e a
participação dos acontecimentos políticos da sociedade.
A função que a educação precisa assumir nos dias
de hoje é aquela voltada para a construção da cidadania.
O ideal da educação, em certo tempo, foi educar o homem
para a civilização, mas com a mudança de pensamento e
com a moderna transformação da sociedade, a educação
passou a ter o objetivo de instaurar e consolidar a
condição da cidadania como plena qualidade da existência
humana.
Cabe à educação investir num processo contínuo e
simultâneo, denunciar o ilegítimo dos sistemas sociais e
anunciar formas solidárias de ação histórica, buscando
contribuir para a construção de uma humanidade
renovada.
2.1 Formação e compromisso social dos professores:
uma preocupação necessária
Quando falamos ou escrevemos sobre formação,
logo vem à mente aquela formação específica que
recebemos durante nossa vida escolar. Realmente não
estamos longe, mas ao pensarmos mais profundamente
percebemos que formação é muito mais do que receber
certa quantidade de conhecimentos e transmitir aos
alunos. A educação precisa transformar a realidade e os
sujeitos. O próprio sentido de formação é dar forma a
alguma coisa, é ação, processo ou efeito de formar;
constituição, organização.
A prática educativa não se resume em transmitir
informação, mas facilitar e provocar o desenvolvimento
autônomo dos indivíduos, de sua capacidade de pensar,
sentir e atuar, mediante um processo de reconstrução
reflexiva e deliberativa das aquisições prévias, à luz das
48. informações e das experiências atuais. A intervenção
pedagógica satisfatória se encontra inevitalvelmente
debruçada sobre a incerteza e a surpresa da criação
individual e coletiva. Pensando nisso, questionamos: será
que os professores estão fazendo jus à formação que
receberam e, a partir desta, estão conseguindo
transformar ou contribuir para a realidade social?
A educação universitária precisa pensar a
qualidade do ensino dos futuros professores, e se inteirar
num sistema de valores de princípios morais que uma
sociedade necessita para sua interação com os outros. Ao
professor cabe fazer de sua formação um alicerce que
fundamente uma ação emancipadora, filosófica com
compromisso e relevância, pois é a partir daquilo que ele é
e faz que a sociedade também se espelha para suas
realizações em comunidade. No processo de conhecer o
homem, entendê-lo e ensinar, a educação precisa
compreender o ser humano em sua origem, relações e
manifestações.
Sabe-se que a educação foi tida, durante longo
período na história brasileira e ainda se mantém para
alguns, como “a redentora da sociedade”, e a escola como
espaço sagrado para essa função. Com o passar do
tempo visualizamos a falha dessa crença superficial por
que conseguiram em parte compreender a interferência de
outros elementos e influências que contribuem
decisivamente para a formação do ser humano e que não
pertencem à escola. Como fatores, econômicos, políticos,
sociais, culturais e religiosos, sendo assim, a educação
não depende exclusivamente da escola, mas de um
conjunto de fatores. Para isso, nota-se que o professor foi
sendo desvalorizado e junto com ele a educação formal.
Parece que os meios de comunicação como a internet, tv
e entre outros conquistaram mais espaços, ultrapassando
qualquer outro acesso à educação, como a escola, a
comunidade e a própria família.
A impotência tomou conta dos professores,
provocou um desencantamento em cada educador que se
49. viu desprotegido pelo Estado e pela sociedade, inclusive
responsabilizado por grandes crises, como o elevado
gasto com pessoal, a ineficiência do sistema educacional,
reprovações, evasões de alunos e baixos índices em
avaliações. A teoria de burnout, conhecida como a
síndrome da desistência, está implícita nas condições de
trabalho dos professores, o desencanto vai apoderando-se
de sua ação e levando-os a reconhecer que qualquer
esforço é inútil. O burnout “é uma reação à tensão
emocional crônica gerada a partir do contato direto e
excessivo com os outros seres humanos, particularmente
quando estes estão ocupados ou com problemas”
(GENTILI; ALENCAR, 2001, p. 19).
Cabe agora perguntar: O que é educação? Qual
seu verdadeiro sentido? O que ela procura ensinar? Essas
interrogações nos têm pertubado.
Envolvidos em trabalho de pesquisa em educação
na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões tendo um contato maior com as escolas estaduais
da Região do Médio Alto Uruguai, defrontamo-nos com a
realidade da educação e dos professores das escolas
públicas da rede estadual de nossa região. O que foi
constatado em momento algum se distancia das pesquisas
e produções elaboradas até então, por renomados
educadores como Pedro Demo, Moacir Gadotti, Paulo
Freire, Castoriadis, etc.
Ao longo dos tempos da história educacional do Rio
Grande do Sul, não difere do que ocorre no Brasil como
um todo, são perceptíveis desgostos com o ensino. Muitos
são os fatores, mas, entre eles é preciso discutir a
superficialidade e facilidade com que os governos alteram
as políticas ou orientações, a cada gestão, para a
educação. As orientações para o ensino brasileiro e
gaúcho têm vindo em pacotes diretamente do primeiro
mundo, recheando pedidos de empréstimos e/ou
financiamentos. Assim como os professores, a sociedade
foi "escanteada" da possibilidade de opinião. Fruto das
ideologias contidas nas compreensões de como se deve
50. fazer educação, a imposição de métodos, procedimentos e
instrumentos apagaram o esforço dos professores,
minimizou seu potencial e o forçou a apenas copiar
manuais ao invés de produzí-los.
A acomodação que o professor da rede estadual de
educação do Rio Grande do Sul sofre hoje foi promovida
pelo próprio sistema que se encarregou, também por
influência dos países capitalistas centrais, de disseminar a
necessidade de "experts" para elaborar planos e pensar os
conteúdos que são próprios e específicos para cada faixa
etária, para cada série, para cada realidade (FRIGOTTO,
1995). Com isso, foi retirada violentamente dos
professores e da comunidade escolar a capacidade de
pensar, de produzir e, consequentemente, de ver o
contexto, a realidade e si próprios como integrantes dessa
sociedade. A retração social, perceptível com os
professores da rede, tem sido consequência das políticas
adotadas pelo sistema de ensino que os empurrou para
uma condição de não capacitados para produzir
conhecimento.
Há uma "vergonha" moral e social que impede a
ação social dos professores. O próprio Estado mantém
acesa essa idéia porque lhe interessa a divulgação do
emburrecimento do professor. Principalmente ao se fazer
a associação com a retração dos sindicatos a partir dos
anos 80, coincidentemente, contemporânea da saída de
cena dos educadores da ação social. Professor
acomodado é professor que não pensa e, por isso, não
incomoda. Porém, como diz Freire (1999), a educação se
processa muito mais pelo exemplo do que pelas palavras.
Nesse sentido a grande lição que os professores estão
conferindo aos seus alunos, hoje, é a da retração, do
deixar que haja alguém que sabe e pode fazer pela
população. Quanto mais as pessoas se envolverem na
política, mais problemas terá o Estado.
Outro problema que atinge diretamente os docentes
é a insuficiência de sua formação universitária para se
comportar diante das informações geradas, com mais
51. dinamismo, pelas mídias contemporâneas. O aviltamento
salarial do magistério não é somente um salário baixo,
insuficiente para viagens, aquisição de livros, de uma
roupa melhor ou de opções de lazer. Representa, como
diz Marx (2001), a expropriação de sua dignidade, o
aniquilamento de sua capacidade de produção e a
exploração de seu potencial. Imediatamente, esse quadro
reflete na sua ação e resulta na queda da qualidade de
seu trabalho. É questão lógica: não havendo qualidade
sócio-humana do sujeito, não há qualificação no seu
trabalho. Talvez o sistema capitalista tenha compreendido
sobremaneira essa arquitetura e aniquila a formação das
consciências populares, mantendo a vegetabilidade do
professor.
Mais do que ninguém, os próprios professores
precisam compreender esses caminhos impetuosos e, ao
promoverem a sua libertação, libertarem, com eles, a
sociedade. O espaço sagrado da formação da consciência
foi vilipendiado e as relações dele decorrentes
sucumbiram, com a mesma intensidade.
O grande desafio dos professores da rede estadual
de educação do Rio Grande do Sul na região do Médio
Alto Uruguai tem sido despertar a compreensão do lugar
que lhe é reservado ao professor na atualidade, não por
ação externa, mas a partir dele próprio. O professor não
pode ser culpado pelo estágio de deseducação em que se
encontra a sociedade. Deseducação é ocorrência sempre
visível quando há retração sócio-política. Foi roubada dos
educadores a possibilidade de fazer educação. Como,
então, cobrar ação do professor, se lhe retiraram as
ferramentas? Contudo, ao ver-se de mãos vazias, os
professores foram íntimos e preferiram avalizar as formas
neoliberais de educação e deixaram-se instrumentalizar
por tecnologias de repasse de conteúdos, assimilação e
treinamento.
Nessas dimensões não é exigido pensar, apenas
habilidade física, motora. Sozinho o professor não
consegue impedir o avanço da técnica e sucumbiu
52. juntamente com toda sociedade. Viu-se de mãos e salas
vazias de ávidos sujeitos pelo conhecimento. De um
momento para outro deparou-se com cidadãos e cidadãs
preocupados em desenvolver projetos já pensados. Sua
validade histórica enquanto formador lhe foi retirada
violentamente. Tudo a sua volta passou a ter mais
significado, ser mais relevante do que o seu ensinar. Há,
então, uma interiorização do professor de sua insuficiência
diante da onda crescente de tecnificação e isso tem
provocado a sua retração social.
As dificuldades para o desenvolvimento do projeto
se assemelham àquelas que os professores têm de se
perceberem como “inocentes úteis” do sistema neoliberal.
O barco já vai avançado no oceano lúgubre, como diria
Castro Alves (in Espumas Flutuantes) embalado pelas
ondas da acomodação, da omissão sócio-política, bem ao
gosto do vento indo do norte. Porém, aí se estabelece o
grande desafio dos professores em, sem a pretensão de
tornarem-se o farol costeiro, construir a solidariedade
necessária para os tripulantes conseguirem ver o nevoeiro,
o mar e uns aos outros.
As visitas desenvolvidas dentro do cronograma do
Projeto trabalhado nas escolas despertaram, num primeiro
momento, assombro; logo após, estudo e compreensão de
que o problema da retração social dos professores é
preocupante e precisa ser trabalhado na Universidade, nas
Escolas, Sindicatos, Partidos Políticos e Movimentos
Sociais. Não no sentido de consolidar a educação como a
única força capaz de promover o despertar das
consciências dos professores, intencionalmente,
anestesiados pelo Estado capitalista neoliberal, mas
fundamental na construção desse envolvimento instituinte
de cidadania e participação, como diz Castoriadis (2002).
Dificuldades sempre acompanham qualquer
atividade consciente. Somente quem não tem consciência
de si e da humanidade que é, não compreende as
dificuldades e limitações. Há um sentimento comum de
despreparo na contribuição para uma educação segura e
53. qualitativo-cidadã. Porém, os professores têm consciência
de que precisam aprender cada vez mais e conhecer o ser
humano, bem como a realidade em seu todo.
A educação do RS está desvalorizada, regredindo
cada vez mais: com privatizações, sucateamentos,
processos de enturmações, aulas sendo dadas em CtGS,
treiners, etc. Não se vislumbram boas expectativas na
educação gaúcha, mas podemos acreditar que lentamente
a educação pode melhorar sua qualidade, desde que haja
uma reformulação das políticas propostas pelo Estado. Há
práticas que precisam ser melhoradas e isso talvez seja
atribuído a falhas na formação do professor como também
a sua desmotivação.
Não só nos professores se reflete a inatividade, a
população também adota a conformação como atitude
hegemônica abandona o pensar, a reflexão, a crítica, o
debate, pois se os professores forem passivos
socialmente, consequentemente sua ação produzirá
estudantes passivos, sem esperanças e perspectivas de
mudanças. Há uma cortina de inconsciência dos
professores. Não conseguem ver com nitidez o momento
vivido pela educação/ensino. Uma nova identidade está se
formando.
Os professores não agem, retraindo-se e aceitando
com passividade a insignificância de sua profissão pela
comunidade, pela sociedade e pelo Estado. O fato de os
professores se sentirem retraídos, sem perspectivas de
melhoras na educação e acomodados provocou um
desencantamento nos educadores, que se viram
desprotegidos por elementos externos como família,
Estado e comunidade.
“A profissão docente é a profissão mais poderosa.
Ela tem o poder de fazer morrer e fazer viver o ser do ser
humano”, diz o professor Ricardo Tim de Souza da PUC-
RS, em discurso proferido no dia 16 de maio de 2008 no
Congresso Internacional de Filosofia na Universidade de
Caxias do Sul (Informação verbal). O professor é deixado
de lado pelo Estado Neoliberal, porque, desta forma,
54. consegue controlar a sociedade como um todo. Nos anos
80 as lutas dos movimentos e as organizações sociais
eram intensas. O Estado era independente e nacional.
Hoje, o que faz com que o Estado se descomprometa com
o interno é o poder neoliberal e o compromisso assumido
com o externo, o mercado internacional e os organismos
internacionais.
A partir do engajamento político dos professores
mais do que nunca, os movimentos sociais precisam se
corporificar também internacionalmente para fazer frente à
globalização. Esta concepção aparece clara no
pensamento de Marx, “Proletários de todos os países, uní-
vos” (MARX; ENGELS, 2001).
Professores inativos socialmente, “produzem”
estudantes passivos. Nesse sentido, ser professor é
compromisso, pois o professor pode fazer do estudante
um cidadão. Muito da possibilidade do ser humano, é
devido a formação recebida na escola, na comunidade e,
por fim, de sua família.
Estamos de certa forma dentro de contextos em
que a educação ativa está onde o aprendizado ou a busca
do conhecimento estava nas mãos dos professores. Hoje
verificamos que a educação está enfrentando um processo
de acomodação que a afasta cada vez mais das suas
comunidades e seu compromisso social. Intencionalmente
ou não, os professores estão com incumbências extra
classe trabalho invisível, desde exigências dos pais ou
responsáveis pelos educandos até do governo, que os
manipula com turmas maiores para que não haja tempo de
os docentes se reunirem em busca das necessidades do
que a função lhes impõem como profissionais formadores
de sujeitos com perspectivas sociais na complexa
realidade que os cerca.
Num país que se valoriza tão pouco os seus
professores e que frequentemente responde
aos seus protestos e reivindicações coletivas
com máquinas de guerra e jatos de água fria,
55. a criação de intervalos de pensamento crítico
dentro das escolas é um desafio que não
pode mais ser adiado (ANDALO, 1995, p.
03).
A melhoria da qualidade do ensino no Brasil vem
sendo tema de debates, tornando-se reivindicação da
sociedade e elemento de preocupação política de
governos. Boas práticas de gestão democrática,
infraestrutura, currículo, condições de trabalho, formação e
valorização dos profissionais e reconhecimento do real
papel social da escola são alguns dos temas sempre
presentes nos debates.
O Plano Nacional de Educação (PNE, Lei
10.172/2001) e o Plano Estadual de Educação (Lei
8.806/2008) consideram que a formação dos educadores é
componente importante da qualidade pretendida, devendo
superar o estágio das iniciativas individuais para fazer
parte da política pública do setor. Entretanto, apesar dos
inúmeros esforços despendidos pelos gestores públicos
municipais e estaduais, a formação acaba sendo muitas
vezes fragmentada e descolada tanto da construção das
carreiras quanto das reais necessidades das escolas, e
sem efeito significativo sobre a qualidade do ensino
oferecido. Há, portanto, uma contradição histórica, que em
termos práticos resultou no descompromisso cada vez
mais acentuado da União com a formação dos
profissionais que atuam na educação básica.
A educação é um bem consumível pela sociedade.
Está acima dessa questão, onde se põe valor de
especulação para necessidade humana e seu coexistir
político e social. O educador, nesse ínterim, quando do
encontro com o educando, também absorve sua condição
social, pois é inevitável que a escola seja espaço de
condições e questões da sociedade como um todo. Nesse
processo dialógico com os educandos, os professores não
podem ser reféns de modelos sociais, muito menos dos
56. paradigmas e dos condicionamentos que os educandos
sofrem dentro do circulo social que frequentam.
Na eminência de justificarmos tais interpretações
das estatísticas aferidas dentro de nossa proposta de
investigação, não temos como deixar de ressaltar a
complexidade do ser educador na Região do Médio Alto
Uruguai. Mas ao mesmo tempo são desafiadoras as
comprovações e discussões dos dados levantados no
contexto dessas realidades.
Ser professor hoje requer muito além de ensinar.
Ser professor é ser um semeador de ideias, capazes de
provocar mudanças ao longo do tempo, nas quais o
professor se dignifica por poder educar, formar para a
vida. O professor força a experiência e transforma a
realidade social. Mas também ser professor é uma
profissão difícil, desafiante, principalmente porque os
salários são baixos, a profissão é desvalorizada pelo
Estado, além da grande quantidade de informações que
são jogados aos adolescentes através dos meios de
comunicação. Segundo os professores, esses meios
influenciam no desinteresse dos alunos.
Pode-se afirmar que as tendências majoritárias na
cultura escolar estão induzindo um papel docente que
enfatiza o desenvolvimento das habilidades técnicas de
alunos. A autonomia não pode ser concebida como
distância e isolamento, mas como independência
intelectual para questionar os influxos sociais.
A função educativa da escola requer autonomia e
independência intelectual, a tarefa educativa se propõe a
utilizar o conhecimento e a experiência mais depurados e
ricos da comunidade humana para favorecer o
desenvolvimento consciente e autônomo nos indivíduos de
modos próprios de pensar, sentir e atuar. Requer uma
comunidade de vida, de participação democrática, busca
intelectual de diálogo e aprendizagem compartilhada. A
escola como qualquer outra instituição social desenvolve e
reproduz sua própria cultura específica. As tradições, os
costumes, as rotinas, os rituais e as inércias, esforçam em
57. conservar e reproduzir o tipo de vida que nela se
desenvolve. Gomes (2001) questiona a aprendizagem
reprodutiva para a recriação.
Os alunos devem atuar utilizando a cultura crítica
para transformar seu próprio pensamento e seus hábitos
de comportamento, construindo realidade e elaborando
cultura por sua vez.
O professor é considerado um profissional
autônomo que reflete criticamente sobre a prática
cotidiana para compreender tanto as características
específicas do processo de ensino e de aprendizagem
como o contexto em que o ensino tem lugar, para que a
atuação reflexiva facilite o desenvolvimento autônomo e
emancipador daqueles que participam do processo
educativo.
O papel primordial do professor na qualidade da
educação das crianças, jovens e adultos que frequentam
escolas está diretamente voltado à responsabilidade de
ensinar, e é isso o que dele se espera. Cabe reconhecer o
fundamental papel da educação no desenvolvimento
social, cultural e econômico de nosso país e garantir que
com este entendimento haja atuação. É isso o que se
espera de nossa sociedade.
Precisamos pensar o contexto da formação de
professores, pois não há cursos de capacitação que
resolvam nossos problemas e nos permitam superar a
situação atual se não houver compromisso e envolvimento
de todos com a educação.
Os docentes devem viver a aventura do
conhecimento, da busca e do contraste crítico e reflexivo
se querem provocar nas novas gerações o amor pelo
saber e o respeito pela diversidade e pela criação, devem
amar a democracia e se comprometer com as suas
exigências de compreensão compartilhada, se pretendem
criar um clima de relações solidárias e construir uma
comunidade democrática de aprendizagem.
Nesse sentido, desempenhar a função de
professor pressupõe comprometimento e envolvimento
58. com a tarefa de ensinar e de humanidade com seus
alunos, o que implica lidar com aspectos que permeiam as
relações entre as pessoas como empatia, simpatia,
desconsideração, estima, desconfiança, confiança,
autoridade, respeito, crenças, entre outros valores que
fazem parte do cotidiano da sala de aula. Sabemos que a
educação neotecnicista como uma forma de ensinar serve
para preparar o indivíduo a aceitação da sociedade: como
que submetido a certa adaptação.
A exposição verbal, na forma de verdades a serem
absorvidas, prepara o aluno através da apresentação,
associação, generalização e aplicação, visando disciplinar
a mente e formar hábitos. Professores trazem suas
próprias ideologias para a sala de aula.
Se quisermos pensar em uma transformação
do mundo devemos pensar em uma forma
de denunciar a situação desumanizante e
refletir sobre sua superação. Os educadores
devem também ter a certeza de que é
possível mudar. O professor não pode ser
neutro, sua prática exige definição. Uma
tomada de posição. Decisão. Ruptura
(FREIRE, 1996, p.102).
A educação não pode se reduzir ao ensino de
conteúdos. Se a educação é a chave das transformações
sociais pode ser também reprodutora de ideologia
dominante. A questão é construir uma formação ao lado
de uma reflexão sobre a prática, em favor da autonomia do
ser dos educandos, resgatando a utopia.
É direito da sociedade o acesso à educação de
qualidade e dever do Estado ofertá-la. Para efetivamente
exigir e garantir este direito é preciso que a sociedade
tenha conhecimento e compreensão sobre do que isso
significa e sobre o que pode fazer a diferença. Assim, é
fundamental o acesso às informações relacionadas ao
tema, com linguagens e meios acessíveis a todos. O
59. conhecimento produzido precisa ser compartilhado,
esmiuçado, experimentado, disseminado, relacionado e
aprofundado. Teremos bons resultados se a sociedade
entender qual o papel de cada um, o que exigir, o que
cobrar e como ajudar.
Para garantir que as mudanças gerem impacto
efetivo na qualidade da educação é essencial o
envolvimento da sociedade, capaz de pressionar para a
atuação dos governos. Hoje, o que muito se percebe, é a
acomodação frequente de educadores e da sociedade em
geral. A pressão social apenas acontece quando a
sociedade conhece seus direitos, valoriza-os e passa a
exigi-los. Enquanto tivermos uma educação que não
privilegia uma formação holística e de qualidade teremos
pessoas a-cidadãs e sem perspectivas de mudanças.
O retrato da situação atual comprova que ainda
nos falta habilidade, conhecimento para atuar
positivamente na educação. Conhecer outras experiências
pode nos ajudar a entender o “o que fazer e como fazer”.
O fracasso escolar, caracterizado pelos altos índices de
repetência e evasão da escola pública, tem sido motivo de
preocupação tanto da parte dos professores que atuam na
rede de ensino, como daqueles que estudam e pesquisam
as questões da educação.
O mundo está preso a uma espiral destrutiva, a
lógica do capital, que é predador social e ecológico.
Destrói-se a natureza, pensando que se está estimulando
a produção de mercadorias necessárias para o bem-estar
humano. Justificam-se ataques militares, que geram
massacres, como se fossem as únicas formas de deter a
violência. Tais anomalias não revoltam a maioria da
população, pois estão encobertas em uma capa que turva
sua compreensão. Percebemos uma perda de controle
sobre as atividades humanas que poderíamos e
deveríamos controlar.
O alimento principal de transformação social é a
educação. “É preciso recuperar o sentido da educação,
que é conhecer-se a si mesmo, aprender por diferentes