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Rio Grande do Sul, Brasil
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Delton Aparecido Felipe, Universidade Estadual do Paraná - Campus de Campo
Mourão, Brasil
Elizabete de Paula Pacheco, Instituto Federal de Goiás
Inara Antunes Vieira Willerding, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil
Elisiene Borges leal, Universidade Federal do Piauí, Brasil
Gracy Cristina Astolpho Duarte, Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Jacqueline de Castro Rimá, Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Jeane Carla Oliveira de Melo, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Maranhão, Brasil
Júlia Carolina da Costa Santos, Brasil
Jeronimo Becker Flores, PUC/RS, Brasil
Luan Gomes dos Santos de Oliveira, Universidade Federal de Campina Grande, Brasil
Luciene Correia Santos de Oliveira Luz, Universidade Federal de Goiás; Instituto Federal
de Goiás, Brasil
Marcio Duarte, Faculdade de Ensino superior do Interior Paulista, Brasil
Maria Edith Maroca de Avelar Rivelli de Oliveira, UFOP
Patricia Mara de Carvalho Costa Leite, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Patrícia Oliveira, Universidade de Aveiro, Portugal
Raimunda Gomes de Carvalho Belini, Brasil
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Rita Oliveira, Universidade de Aveiro, Portugal
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Direção Editorial
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Michelle BernardesCapa e Projeto Gráfico
Patricia BiegingEditora Executiva
Organizador e autoresRevisão
Elton Dias XavierOrganizador
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
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C492 Ciências Sociais: diálogos interdisciplinares. Elton Dias Xavier -
organizador. São Paulo: Pimenta Cultural, 2017. 176p..
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-66832-64-8 (brochura)
	 978-85-66832-63-1 (eBook PDF)
1. Ciências Sociais. 2. Direito. 3. Leis.
4. Serviço Social. 5. Educação. I. Xavier, Elton Dias. III. Título.
CDU: 304
CDD: 360
_________________________________________________________________
2017
PIMENTA COMUNICAÇÃO E PROJETOS CULTURAIS LTDA – ME.
São Paulo - SP. Telefones: +55 (11) 96766-2200 - (11) 96777-4132
E-mail: livro@pimentacultural.com
www.pimentacultural.com
SUMÁRIO
Prefácio ....................................................................................... 6
Maria Josefina G. Sant’Anna
Apresentação .............................................................................. 9
Maria da Luz Alves Ferreira
Notas do organizador ................................................................. 11
Elton Dias Xavier
Capítulo 1
O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes
contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG ............ 14
Alexandre Ricardo Damasceno Rocha
Capítulo 2
O consumo na perspectiva antropológica ................................. 34
Aurenice da Mota Teixeira
Capítulo 3
Relações entre utopia e cidade nas ciências sociais ................. 52
Elton Dias Xavier
Capítulo 4
Programa bolsa família: pobreza, olhar materno
e porta de saída .......................................................................... 71
Juliane Leite Ferreira
Capítulo 5
Serviço Social no sociojurídico:
reflexões sobre o processo de trabalho ..................................... 90
Leni Maria Pereira Silva
Capítulo 6
Folia de reis e identidade na comunidade
quilombola agreste .................................................................... 107
Marco Antônio Caldeira Neves
Capítulo 7
Diálogos interdisciplinares entre ciências sociais,
saúde e medicina ....................................................................... 123
Maria Patrícia da Silva
Capítulo 8
Discriminação, estigma e retraimento no contexto das
desigualdades educacionais e raciais
na contemporaneidade .............................................................. 140
Maria Railma Alves
Capítulo 9
A implantação e implementação da Lei 10.639/03
nos cursos de formação docente .............................................. 159
Zilmar Santos Cardoso
sumário
6
Prefácio
PREFÁCIO
Em 2012, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES) aprovou o Convênio de cooperação
celebrado entre a Universidade Estadual do Rio do Janeiro (UERJ),
instituição promotora, e a Universidade Estadual de Montes Claros
(UNIMONTES), instituição receptora, com o objetivo de implantar
programa de Doutorado Interinstitucional (DINTER) em Ciências
Sociais.
O Departamento de Ciências Sociais, hoje, Instituto de
Ciências Sociais (ICS) da UERJ, por meio de seu Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS), assumiu o compro-
misso de execução do Programa DINTER, para uma turma especí-
fica de docentes da UNIMONTES, visando formar pesquisadores/
doutores em Ciências Sociais.
Como instituição promotora, a UERJ recebeu um grupo de
Professores da UNIMONTES da área de Ciências Sociais, Direito e
Educação e ao longo de quatro anos desenvolveu as atividades para
a formação de doutores, entre as quais, cursos em diferentes disci-
plinas, seminários, exame de qualificação, processo de orientação
e defesa de tese. O projeto DINTER se encerrou como uma experi-
ência exitosa; todos os doutorandos da turma defenderam tese.
A UNIMONTES, como instituição receptora, ofereceu as
condições necessárias para que esses seus professores/douto-
randos cumprissem os requisitos para fazer o Curso, ao coordenar
as atividades operacionais; acompanhar as atividades de execução
e aplicação dos recursos do convênio e avaliar os resultados; acom-
panhar a execução das ações em conformidade com o Plano de
Trabalho aprovado pela UERJ; disponibilizar, salas, bibliotecas e
outros recursos de infraestrutura, necessários ao desenvolvimento
do DINTER.
A implantação do DINTER em Ciências Sociais teve desdo-
bramentos bastante positivos para o PPCIS e para a UERJ, pois
sumário
7
Prefácio
o Curso desenvolveu-se de modo eficiente com a participação de
boa parte dos Professores do PPCIS, que se deslocou para Montes
Claros para oferecer as disciplinas na UNIMONTES. Durante um
semestre, cumprindo uma exigência do Convênio, os professores/
doutorandos da UNIMONTES cumpriram duas disciplinas no Rio
de Janeiro, oferecidas pelo PPCIS, além de vivenciarem o ambiente
acadêmico. Essa experiência, ainda que tenha exigido muita força
de vontade dos doutorandos, devido aos problemas de desloca-
mento de Montes Claros ao Rio de Janeiro e das dificuldades para
a permanência, por alguns dias na cidade, foi avaliada como muito
positiva pelos doutorandos, que se sentiram muito bem no convívio
acadêmico com Professores e Alunos do Programa.
Como Coordenadora, por parte da instituição UERJ, tive o
prazer de conhecer e de desenvolver todo o trabalho de Coordenação
do projeto DINTER, em parceria com a Professora Maria da Luz Alves
Ferreira, a quem se deve fazer um tributo especial.
Da Luz foi a grande idealizadora dessa experiência DINTER,
responsável pela sua própria implantação, ao estabelecer os contatos
para viabilizar o projeto e assumir todas as responsabilidades ao
longo do seu desdobramento. Com uma dedicação ímpar, e muito
esforço pessoal, construiu um projeto de grande interesse coletivo,
em especial, para os Professores, que puderam realizar seu douto-
rado. Na elaboração do referido projeto, Maria da Luz contou com a
colaboração de sua amiga e colega no Departamento de Ciências
Sociais, Professora Maria Railma Alves, que trabalhou ativamente na
construção do projeto posteriormente enviado à CAPES.
Importa destacar que a Professora Maria da Luz agiu sempre
em nome do interesse acadêmico da UNIMONTES, visando a
maior capacitação dos Professores da área de Ciências Sociais
da Universidade, buscando o fortalecimento das atividades de
ensino e pesquisas, com consequentes ganhos para os Alunos da
UNIMONTES, tanto da graduação, quanto da pós-graduação.
sumário
8
Prefácio
O êxito do Programa DINTER para o nosso Programa de
Pós-graduação em Ciências Sociais (PPCIS) se expressa, entre
outros, no fato de todos os doutorandos matriculados terem
defendido suas teses.
Todo esse preâmbulo se fez necessário para que se contextu-
alizasse os artigos que compõem esta coletânea, e cabe destacar o
motivo. O presente livro é fruto do Convênio DINTER, vez que seus
artigos têm como origem a respectiva tese de doutorado de cada um
dos autores aqui presentes. Para percorrer esse caminho, foi neces-
sário um esforço conjunto de ambas as instituições envolvidas, dos
Coordenadores do PPCIS de seus Professores, dos Professores/
Doutorandos e da Coordenação do projeto.
Os artigos da coletânea mostram uma diversidade de temá-
ticas que condizem com a proposta multidisciplinar do PPCIS. Nota-
se, assim, que a incorporação dos docentes às linhas de pesquisa
do Programa vem viabilizando o fortalecimento das atividades de
pesquisa na UNIMONTES, com vistas à sua integração ao debate
acadêmico nacional, além de sua contribuição para o desenvolvi-
mento regional a partir do conhecimento produzido.
Deve-se louvar, portanto, a iniciativa da presente publicação
como uma forma de divulgar essa experiência DINTER, dentre tantas
outras que acontecem no país. Felicito cada um dos autores por este
esforço de sistematização da tese.
Maria Josefina G. Sant’Anna
Professora Associada e Pesquisadora PPCIS/ICS/UERJ
sumário
9
Apresentação
APRESENTAÇÃO
Os textos reunidos no livro Ciências Sociais: diálogos
interdisciplinares representam uma visão do que foram as pesquisas
que resultaram em teses do Doutorado em Ciências Sociais realizado
noProgramadePós-GraduaçãoemCiênciasSociaisdaUniversidade
do Estado do Rio de Janeiro durante o período de 2012 a 2016.1
Os autores que fazem parte dessa publicação assumiram o desafio
de fazer a interface entre as suas áreas de atuação acadêmica –
Direito, Educação, Artes e Ciências Sociais – com as três áreas que
compõem o Doutorado, que são Sociologia, Antropologia e Ciência
Política. Portanto, o tema transversal em todas as análises que
compõem o presente livro são as Ciências Socais.
O conjunto de artigos é fundamental para levar os leitores
a terem uma compreensão da dinâmica das relações sociais, na
medida em que envolve temáticas que vão desde as desigualdades
sociais, econômicas e raciais, bem como as percepções dos atores
sociais acerca da realidade vivenciada. Os capítulos oferecem dados
e reflexões sobre a configuração espacial e espaços importantes,
como o espaço educacional e da cidade, a partir das diferentes pers-
pectivas metodológicas e teóricas, resultando numa pluralidade de
interpretações sobre fenômenos sociais que acontecem em todos
os espaços e onde não existe mais o limite territorial e temporal,
sobretudo a partir da comunicação virtual.
Embora as temáticas tratadas sejam relacionadas, em sua
maioria, a realidade local, ou seja, da cidade de Montes Claros-MG,
estas podem ser apropriadas por pesquisadores de outros locais
para fazerem uma leitura crítica tanto dos Municípios do Norte de
Minas Gerais, que são marcados pelas desigualdades analisadas
1. O Doutorado Interinstitucional em Ciências Sociais (Dinter) foi resultado de uma parceria entre
o Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros e o Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O referido
convênio teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
sumário
10
Apresentação
em alguns capítulos desse livro e com característica semelhantes
com a estudada, tanto no Estado de Minas Gerais, como em outros
Estados brasileiros, que apresentam as semelhanças encontradas
no lócus analisados pelos autores da presente obra.
Os autores apresentam, nos textos, uma grande sensibili-
dade para tratar de transformações na sociedade contemporânea,
em distintas esferas e a partir de diversos enfoques, mas o que há
em comum são as preocupações em destacar o olhar crítico sob a
óptica das Ciências Sociais em relação a fenômenos que impactam
cotidianamente a nossa realidade que constantemente nos oferece
como cientistas sociais novos desafios e problemas para que sejam
analisados à luz dos matrizes teórico-metodológicas, propiciando
sempre uma sua leitura e/ou releitura.
Espero que os temas do livro aqui apresentados fomentem
discussões acerca da realidade estudada, e que extrapolem o local
no sentido de contribuir para uma leitura e compreensão da reali-
dade global nas suas semelhanças e diferenças.
Por fim, há de se enaltecer o Dinter em Ciências Socais
(2012-2016) que foi o ponto de partida para que os autores Elton
Dias Xavier, Juliane Leite Figueiredo, Alexandre Ricardo Damasceno
Rocha, Aurenice da Mota Teixeira, Maria Patrícia Silva, Leni Maria
Silva, Maria Railma Alves, Marco Antônio Caldeira Neves e Zilmar
Santos Cardoso, após desenvolverem ótimas teses a partir de suas
indagações e linhas de pesquisas, tanto na instituição receptora
(UNIMONTES), quanto na instituição promotora (UERJ).
Esperamos que a leitura estimule a produção de novos conhe-
cimentos sobre as temáticas aqui desenvolvidas.
Maria da Luz Alves Ferreira
Professora do Curso de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros
Coordenadora Operacional do Dinter em
Ciências Sociais UNIMONTES/UERJ.
sumário
11
NOTAS DO ORGANIZADOR
Coube a mim a honrosa organização desta edição de
Ciências Sociais: diálogos interdisciplinares. Em homenagem à gentil
confiança de meus pares, coautores e coautoras, alinhavo algumas
notas sobre a tarefa empreendida.
O livro é produto de várias pesquisas, com caráter interdisci-
plinar, no campo das Ciências Sociais. Os pesquisadores são prove-
nientes de diversas áreas do conhecimento: Direito, Artes/Música,
Educação, Ciências Sociais e Serviço Social. Essa multiplicidade
de aportes foi possível em razão do encontro das várias pesquisas
em um Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), entre os anos de
2012 e 2016.
Os trabalhos são apresentados em formato de capítulo. Cada
capítulo representa as conclusões de trabalho de cada pesquisador.
Em parte, são as conclusões de suas jornadas no programa de
doutoramento. Os capítulos podem ser lidos em qualquer ordem,
haja vista as temáticas, que são independentes e diferentes entre
si. As Ciências Sociais são o elemento transversal da obra, corta
cada tema, são o conjunto teórico que fundamenta as discussões
propostas pelos autores em cada um dos textos.
A interdisciplinaridade é uma meta perseguida na obra,
apesar de não ter sido elemento do Programa de Pós-Graduação
referido acima. Porém, a diversidade de áreas de seus componentes
teve, por fim, o efeito de levar interdisciplinaridade às propostas de
discussão de matérias que extrapolam as Ciências Sociais, trazen-
do-lhes a possibilidade de diálogos que se construíram na troca de
elementos disciplinares, em um rico sistema de input e output. E
muito enriquecedor para aqueles que lidam com ele.
Milhões de livros são escritos todos os anos ao redor do
mundo. Trazer ao leitor mais um, entretanto, não é tarefa despicienda.
Sem pretensão de autoelogio, a justificativa de uma nova obra no
sumário
12
Notas do organizador
mercado literário acadêmico só se sustenta se o seu conteúdo traz
alguma contribuição ao alargamento dos estudos das ciências, em
geral, e das Ciências Sociais, em particular. Sem dúvidas, este é o
caso da presente obra.
Os nove capítulos que compõem o corpo do livro trazem espe-
cial contribuição às Ciências Sociais e, em relevo, contribuem deci-
sivamente para as áreas de origem de cada um dos seus autores.
No campo do Direito, dois capítulos se destacam: O julga-
mento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio
[...] e O consumo na perspectiva antropológica, de Alexandre Rocha
e Aurenice Teixeira, respectivamente. Em ambos, as interfaces entre
Direito e Ciências Sociais são evidenciadas, permitindo um diálogo
construtivo e estimulante esses campos.
Outros dois textos, cujas autoras têm graduação nas Ciências
Sociais, remetem todos a discussões que extrapolam o campo disci-
plinar. Todos são levados a percorrer caminhos que se entrecruzam,
por dentro e por fora do campo meramente social. Assim, são os
capítulos Diálogos interdisciplinares entre ciências sociais, saúde
e medicina; e Discriminação, estigma e retraimento [...], de Maria
Patrícia da Silva e Maria Railma Alves, respectivamente.
No compasso das artes, mais especificamente da etnomu-
sicologia, há o capítulo Folia de reis e identidade na comunidade
quilombola agreste, de Marco Neves. Esse texto, mais que qual-
quer outro, leva-nos a todos pelo ritmo da escrita ao interior de
Minas Gerais, de onde se extraem contornos e sentidos próprios
que a música empresta ao viver comunitário. O autor capta as iden-
tidades que são impressas e expressas pelas Folias de Reis na
comunidade quilombola do agreste, e lhes dá significado especial
nas Ciências Sociais.
Na intersecção com a Educação, Juliane Leite Ferreira e
Zilmar Santos apresentam ao leitor os capítulos o Programa bolsa
família: pobreza, olhar materno e porta de saída e A implantação e
implementação da Lei 10.639/03 nos cursos de formação docente.
sumário
13
Notas do organizador
A educação, vista como um fator de ascensão social, é estudada
por ambas as autoras com vistas ao aperfeiçoamento dos sistemas
atuais. A preocupação na diversificação do coletivo educacional na
universidade, assim como a importância da saída do sistema prote-
tivo ganham capital relevo nesses dois capítulos.
Leni Maria Pereira Silva, com Serviço social no Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, trata de um tema fundamental para quem
lida com teoria ou a prática do Serviço Social. Sua genuína preocu-
pação se estende ao profissional, que sem o adequado cuidado e/ou
apoio, não pode prestar o serviço que dele se espera na sociedade.
Por último, um capítulo que trata das Relações entre utopia e
cidade nas ciências sociais. Nesse texto, busco explicitar e comparar
a percepção do estrangeiro e do utopista em relação ao seu locus
privilegiado, a cidade. A ideia é traçar um paralelo entre a familiari-
dade e o estranhamento de ambas as visões, privilegiando a impor-
tância da cidade como espaço dessas trocas.
Tudo isso somado vale todas as horas, alguns dias e algumas
noites de trabalho intenso. Assim, vale também a alegria da partilha
com colegas, amigos e amigas que passeiam, em conjunto comigo,
na seara da pesquisa e da descoberta, de plantar a semente e
colher o novo, renovar o antigo, transformar o sempre-agora em um
amanhã melhor.
Assim, entrego, com imenso prazer e galhardia, este trabalho
a Você leitor(a); de agora em diante, nosso(a) companheiro(a) nessa
caminhada.
Porto, outubro de 2017.
Elton Dias Xavier
Organizador
sumário
14
O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
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Alexandre Ricardo Damasceno Rocha1
1. Doutor em Ciências Sociais pela UERJ, Mestre em Direito Público pela
PUC/MG, Professor de educação superior na Unimontes e na FIP-MOC,
advogado militante e analista técnico do Banco do Nordeste do Brasil.
E-mail: alexandre@rochamachado.com.br
sumário
15
O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
O interesse por investigar crimes contra o patrimônio se justi-
fica no fato de essa espécie de delito representar 40% da população
atualmente encarcerada no Brasil2
e 51,6% do total de presos da
Comarca de Montes Claros, Estado de Minas Gerais. Isto equivale
a dizer que, em Montes Claros-MG, cinco entre cada dez presos
foram acusados de cometer crimes contra o patrimônio. Ainda sobre
Montes Claros-MG, importante registrar que as pessoas presas por
crime de tóxico correspondem a 29% dos detentos. Já os privados
de liberdade por crimes contra a pessoa totalizam 12,9%. Verifica-se,
também, que são pouquíssimas as prisões por crimes de colarinho
branco, pois apenas 3,2% da população carcerária de Montes
Claros-MG é acusada de praticar crimes contra a Administração
Pública (MOURA; RIBEIRO, 2014; e AGUIAR; ALMEIDA, 2004).
O objetivo central deste capítulo é avaliar a influência dos
conceitos morais e sociais nas decisões dos agentes jurídico-policiais
responsáveis pela investigação, denúncia, defesa e julgamento dos
suspeitos de cometerem crimes contra o patrimônio, na cidade de
Montes Claros-MG, após o advento da Constituição Federal de 1988.
A PESQUISA
Para selecionar os autos que seriam analisados, foi preciso
que um Serventuário da Justiça primeiramente acessasse o Sistema
Informatizado de Controle Processual da Comarca (SISCOM) e
disponibilizasse o relatório processual com todos os autos envol-
vendo crimes contra o patrimônio julgados pelas duas Varas
Criminais da Comarca de Montes Claros-MG, após o ano de 1988.
Esse relatório continha a descrição numérica de 2.177 autos proces-
suais envolvendo crimes contra o patrimônio, sendo 1.077 autos
2. Dez por cento do total de encarcerados atualmente existente no Brasil são acusados de prati-
carem furto - crime patrimonial perpetrado sem violência ou grave ameaça à pessoa (MOURA;
RIBEIRO, 2014).
sumário
16
O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
originários da 1.ª Vara Criminal e 1.098 da 2.ª Vara Criminal. A partir
desse cadastro, obteve-se então uma amostragem estratificada,
sendo o estrato cada Vara Criminal. Dentro de cada uma foi reali-
zada uma amostragem sistemática de tamanho n = 200. Sendo
assim, o tamanho total da amostra foi de n = 400 autos processuais.
Na amostragem sistemática (dentro do estrato), o pulo realizado
foi a cada cinco processos, para a 1.ª Vara Criminal, e a cada dois
processos, na relação da 2.ª Vara Criminal. A escolha do primeiro
processo se deu de forma aleatória em cada estrato.
O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL
Na interpretação de Corrêa (1983), a violação de uma regra
de relacionamento social desencadeia uma crise que extrapola os
limites dos interesses particulares das partes em conflito na medida
em que a punição do comportamento desviante interessa a todo o
grupo social. O que acaba por expor, assim, o padrão de hostili-
dades faccionais e torna também visível a estrutura social básica,
feita de relações constantes e consistentes. O crime, ainda segundo
a avaliação de Corrêa (1983), corresponde a um drama social público
ao desencadear a ação repressiva dos aparatos policial e judiciário,
encarregado, por delegação, de colocar em prática as regras estipu-
ladas nos Códigos, com o fim de reintegrar o acusado à sociedade,
ou separá-lo dela.
Dentre os Códigos jurídicos, o Código Penal3
é o mais signifi-
cativo conjunto de normas elaborado pela sociedade brasileira para
regular o comportamento público das pessoas, servindo, também,
segundo os juristas, para fixar os limites do poder punitivo do Estado
(NUCCI, 2015). Nesse sentido, somente deveria haver mobilização
3. É importante registrar que no sistema jurídico brasileiro também existem as chamadas leis
penais extravagantes, assim entendidas as leis penais que não estão agrupadas nem sistemati-
zadas no Código Penal.
sumário
17
O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
dos aparatos policial e judiciário se o comportamento social valo-
rado negativamente estiver contemplado, prévia e descritivamente,
na lei. Da mesma forma, é a lei, e somente esta, que estabelece o
que é crime e qual a consequente punição jurídica a ser aplicada ao
autor do delito.
Relevante ressaltar que, no Brasil, o processo penal é, em
regra, obrigatório, pois as instituições de Estado devem iniciar de
ofício o processo penal assim que tiverem conhecimento dos crimes.
Isto significa que o processo penal é, na sua imensa maioria, de
iniciativa pública e obrigatória (LIMA, 1995). Isso contribui, segundo
Lima (1995, p. 56) para que a Justiça brasileira se organize e atue
baseada no “princípio da suspeição sistemática das pessoas”, pois
o Estado se coloca acima da sociedade. Outro fato importante que
o autor sublinha é que a ideia de público, no Brasil, está diretamente
ligada à percepção de algo que é de posse do Estado e não se
remete à ideia de coletividade, o que força a concluir que a Justiça
é apropriada pelo Estado e resolvida por uma “autoridade”, distan-
ciando, portanto, da noção de governabilidade, pois a Justiça não
nasce da interação entre Estado e cidadãos (PAES, 2010).
Para entrar em ação e assim concretizar a punição abstrata-
mente definida na lei, a ordem jurídica brasileira exige, conforme enfa-
tizado acima, o cumprimento de uma série de atos concatenados e
necessários ao enquadramento do comportamento do acusado ao
molde do Direito Penal. Essa liturgia que define o rito de adequação
dos fatos sociais indesejados às normas incriminadoras do Direito
Penal é regulada, especialmente, pelo Código de Processo Penal.
sumário
18
O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
JULGANDO O SUJEITO E NÃO APENAS O FATO:
A RELAÇÃO ENTRE MORAL E DIREITO NAS
PRÁTICAS SOCIAIS DE JULGAMENTO DOS
CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO NA COMARCA
DE MONTES CLAROS/MG
Conhecendo os saberes próprios do campo jurídico, os atores
responsáveis pela reconstituição dos acontecimentos de relevância
penal precisam decodificar o fato em “verdade” jurídica, a partir da
dialeticidade processual que garante a manifestação de uma parte
e a impugnação da outra, a acusação e a defesa, sempre seguindo
essa lógica de construção compartilhada, dividida, participativa
entre os sujeitos interessados na decisão da causa. Porém, sem
a possibilidade de negociarem a culpa, como ocorre nos sistemas
jurídicos de tradição anglo-saxão, pois aqui o que se assegura é a
prova e a contraprova, ou seja, a verdade e a sua negação. Na visão
dos processualistas, quanto mais compartilhado e participativo for o
ritual penal, mais legítimo será o processo decisório, pois, na inter-
pretação que fazem, mais alinhado estará o processo penal com
o paradigma do Estado Democrático de Direito. Nota-se, portanto,
que o procedimento criminal é uma forma de saber – e, consequen-
temente, de exercício de poder – de descobrir a verdade, a qual,
em tradição jurídica nacional, é um dos critérios para realização da
Justiça (FIGUEIRA, 2005).
Segundo Geertz (1998), a descrição de um fato de tal forma
que possibilite o Promotor acusar, o Advogado defender e o Juiz
julgar nada mais é que uma representação muito mais preocupada
com o que aconteceu aos olhos do Direito do que com aquilo que
realmente ocorreu. O crime não está, portanto, na natureza do fato,
mas na interpretação do fato como transgressão de uma regra.
Percebeu-se que as autoridades públicas encarregadas de
realizar o enquadramento jurídico do acontecimento socialmente
reprovado não adotam uma interpretação uniforme para todos os
sumário
19
O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
eventos que lhes são submetidos. Deparou-se com vários casos em
que, embora semelhantes do ponto de vista objetivo, tiveram desfe-
chos procedimentais distintos, com decisões diferentes.
O artigo 157 do Código Penal classifica como sendo roubo
a ação humana que subtrai para si, mediante violência ou grave
ameaça, coisa alheia móvel. No entanto, verificou-se que, durante o
procedimento que antecede a decisão, o intérprete responsável pela
conclusão de cada etapa do processo é influenciado pelas circuns-
tâncias introduzidas nos autos por aqueles que têm autorização para
participar do procedimento.
Dentre os casos estudados, a ocorrência envolvendo uma
vítima que supostamente seria membro de uma gangue de arrua-
ceiros demonstra a influência exercida pelo ingresso, nos autos do
processo, de informações relativas ao caráter da vítima. No referido
caso, registrou o Inquérito Policial que, no dia 19-5-2007, a vítima
Sérgio Duarte foi abordada, quando voltava das festividades reli-
giosas conhecidas como “Barraquinhas de São Norberto”, por
quatro indivíduos que lhe teriam subtraído, utilizando de violência,
toda a sua roupa, deixando-o completamente nu. A vítima afirmou
conhecer dois dos autores do crime, declinando os nomes de Adilson
e Neto Garapa, os quais foram localizados no Bairro Santo Expedito
e intimados a prestar depoimentos. Os objetos subtraídos da vítima
foram: um par de tênis, marca Adidas; uma bermuda jeans; uma
camisa preta e vermelha; uma jaqueta branca e preta e uma cueca.
Os bens não foram recuperados. Os suspeitos negaram partici-
pação no crime. Durante a fase policial investigativa, os detetives
responsáveis pela coleta de provas juntaram aos autos do Inquérito
informação esclarecendo que a vítima, menor de idade, integraria a
chamada gangue dos Morrinhos e teria, na verdade, sido vítima de
uma retaliação por parte de outras gangues em virtude da gangue
a que pertenceria o menor ter causado danos em estabelecimentos
comerciais na região aonde ocorreram os fatos. O Delegado de
Polícia, claramente influenciado pela informação referente à conduta
ante-social da vítima, não indiciou os suspeitos reconhecidos pela
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
vítima das agressões por entender que teria ocorrido mero cons-
trangimento ilegal, e não roubo. Afirmou, ainda, que não foi possível
apontar a autoria do crime. O Promotor de Justiça, por sua vez,
requereu o arquivamento do Inquérito sob a alegação de que inexis-
tiria qualquer elemento de convicção que apontasse a autoria do
delito, ao que foi atendido pelo Juiz.
Consoante se percebe, o conhecimento sobre o caráter da
vítima foi decisivo para que a classificação do fato ocorresse no
modelo criminal menos gravoso. Embora a conduta dos agressores
enquadrasse, perfeitamente, no molde descritivo do tipo penal do
roubo, o comportamento social da vítima, trazido aos autos do
processo por meio de um documento oficial e próprio da prática poli-
cial, o fato que objetivamente configuraria o crime de roubo (punido
com pena de quatro a dez anos de reclusão) foi interpretado como
sendo mero constrangimento ilegal, conduta punida com repressão
de três meses a um ano de detenção.
Dos casos analisados, destaca-se também o episódio envol-
vendo uma suposta tentativa de roubo. Dessa vez, o réu Gervásio
Costa Almeida foi denunciado pelo Ministério Público por tentar
roubar a esposa de um Juiz de Direito. Segundo os relatos cons-
tantes nos autos do processo, o réu teria se aproximado do veículo da
vítima e batido com as mãos no vidro. Assustada, a vítima arrancou
o carro em alta velocidade. A Polícia Militar foi acionada e o suposto
ladrão foi rapidamente localizado e preso. Na cintura do suspeito, a
Polícia encontrou uma pequena faca. O Delegado ratificou a prisão
em flagrante do suspeito. Em depoimento prestado à Polícia, o
investigado alegou que apenas queria uma informação da vítima,
afirmou que não pretendia roubá-la, nem praticar qualquer outro
mal. Questionado sobre a faca que portava, disse que a usava para
descascar laranja e, se preciso fosse, para se defender de injustas
agressões. Mesmo sem ter iniciado qualquer ato efetivo de agressão
ao patrimônio da vítima, o suspeito foi indiciado pelo Delegado e,
posteriormente, denunciado pelo Ministério Público, que o acusou
de tentativa de roubo. Passou mais de trinta dias na prisão, quando
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
finalmente foi liberado pelo Juiz da causa, o qual rejeitou a denúncia
do Promotor, ao fundamento que não houve qualquer ação delitiva
por parte do suspeito. Fundamentou o Juiz que, se havia pretensão
de roubar a vítima, isso ficou apenas no plano da mera cogitação,
já que nenhum dos atos efetivamente praticado pelo réu pode ser
interpretado como crime.
Nesse segundo caso, envolvendo a esposa de um Magistrado,
também fica evidente que o conhecimento sobre o status social da
vítima influenciou na interpretação jurídica dos fatos. Porém, dife-
rentemente da postura adotada naquele processo em que a vítima
tinha uma conduta social reprovável por pertencer a uma gangue
de arruaceiros, a exagerada interpretação feita pelos agentes do
Estado levou à prisão, ainda que temporariamente, um suspeito que
sequer havia iniciado qualquer ato de agressão contra o patrimônio
da vítima.
Os casos resumidos acima demonstram que é a interpretação
feita pelas autoridades policial, ministerial (no sentido de Ministério
Público) e judiciária que aciona o funcionamento de um processo
social, extremamente complexo, de reconstrução dos fatos e cons-
trução da verdade. Mas não de uma verdade qualquer, ou de uma
verdade enquanto um conceito da epistemologia da ciência, pois a
categoria “verdade”, no campo jurídico-criminal, tem, frisa-se bem,
uma operacionalidade específica (FIGUEIRA, 2005).
Em termos formais, não é possível decidir o processo, impondo
uma condenação ao acusado, sem que o Juiz esteja convencido
de que são verdadeiros os fatos articulados na denúncia. É essa
exigência de comprovação que faz da prova o núcleo estruturador
das decisões processuais, não sendo exagero algum afirmar que ela
(a prova) representa o “coração do processo”.
Para ilustrar o que ora se afirma, cita-se o processo criminal
movido contra Raílson Rodrigues da Silveira4
, acusado de arrombar
4. Autos do processo n.º 0433.02.061105-2
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
e subtrair da casa de Orlando Gomes da Rocha uma máquina
de costura e uma máquina de escrever portátil, da marca Olivetti.
Segundo o depoimento do suspeito, registrado às folhas 15 dos
autos, os “fatos que lhe são imputados como autor de furto nos
presentes autos não são verdadeiros.”. Na sua versão, Dorita Maria
Alves, pessoa que estava sob a guarda dos bens da vítima Rodrigo
de Cássio Fernandes, entregou-lhe os objetos em pagamento pelos
serviços de “bruxarias (despachos) em sua residência, para que a
namorada o deixasse; que em recompensa ao serviço realizado,
Dorita o daria uma máquina de escrever, portátil, marca Olivetti; que
o declarante aceitou o encargo, recebendo adiantado os citados
objetos; que não chegou a realizar os serviços, em vista ser preso, por
mandado de prisão preventiva.”. Já a Sr.ª Dorita, ouvida no Inquérito
Policial na qualidade de testemunha, negou ter contratado qualquer
serviço com o suspeito Raílson, consignando que “quanto ao fato do
mesmo alegar que os objetos lhe fora doado pela declarante, não é
verdade.”. O Inquérito foi concluído com o indiciamento de Raílson
no crime de furto, porquanto provadas, na visão do Delegado, “a
materialidade e a autoria do delito”.
Oportuno também destacar o caso no qual o Sr. Cleiton Sousa
Lima foi denunciado por arrombar a casa de Maria das Graças Alves,
com intenção de subtrair objetos. Os vizinhos perceberam a ação do
réu e o detiveram no local. Ele foi denunciado pela tentativa do crime
de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo. O réu não chegou
a subtrair nenhum objeto, pois, segundo as testemunhas, não teve
tempo para tanto; segundo o réu, porque a intenção dele não era
furtar. No relatório do Delegado de Polícia, a prisão em flagrante foi
ratificada por verificar a procedência de tudo que havia sido noti-
ciado pelo policial condutor do suspeito e pelas testemunhas do
caso, “aliado ao fato de ser o conduzido indivíduo com vários envol-
vimentos em ocorrências policiais pela prática dos crimes de furtos
e até mesmo roubos.”. Ainda segundo o Delegado, embora o réu
afirme que adentrou na residência da vítima com a intenção de fugir
de algumas pessoas que estavam tentando matá-lo, “necessário se
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
faz salientar que o autuado desde quando menor já era contumaz na
prática dos delitos de furtos e roubos, e possui larga experiência na
lida criminosa, haja vista os vários procedimentos criminais instau-
rados por esta Unidade e outras desta cidade que noticiam o seu
envolvimento como autor.”. Ressaltou também o grau de periculo-
sidade do autuado, pois “o mesmo é autor de um homicídio doloso
consumado e outro tentado.”. Assim sendo, mesmo não havendo
indícios de que o autuado estava tentando furtar na residência onde
foi preso, a autoridade policial representou pela manutenção da
prisão provisória, medida preventiva que visa atender a garantia da
ordem pública. No pedido de relaxamento de prisão, a defesa do
acusado alega que, embora o acusado tenha “passagens negativas
nos meios policiais e criminais, neste caso, e a Justiça se faz caso a
caso, não há crime a perseguir ou punir.”.
Esses episódios confirmam, conforme advertido por Lima
(1995), que no Brasil prevalece o sistema de desconfiança na palavra
do réu. Não estando o suspeito obrigado a produzir prova contra
si mesmo, nem compromissado com a verdade, pois pode mentir
sobre os fatos sem se preocupar em ser processado por perjúrio,
a sua versão, se não for para confessar o crime, não tem relevância
no processo penal, já que a Justiça brasileira se organiza e atua
baseada no “princípio da suspeição sistemática das pessoas” e o
Estado se coloca acima da sociedade (LIMA, 1995, p. 56).
Em que pese a Teoria do Direito destacar que a Sentença
do Juiz segue um esquema de silogismo – pois, para os juristas, o
processo judicial tem por finalidade a comprovação de uma hipótese
fática para a aplicação de uma consequência jurídica, na medida
em que a conclusão corresponde a uma lógica extraída do caso
concreto (NADER, 2014) – mesmo assim não é impossível de acon-
tecer a inversão da ordem normal do silogismo. Isto é, o Juiz, primei-
ramente, encontra a conclusão e, somente depois, seleciona, dentre
as várias versões e provas produzidas nos autos, as premissas
que se ajustam na fundamentação de sua Sentença. Nessa pers-
pectiva, todo o ritual que antecede a decisão serve apenas para
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
emprestar aparência de legitimidade à Sentença, cujo resultado já
era conhecido desde o primeiro momento. Fica evidente, portanto,
uma extrema preocupação dos operadores jurídicos com a liturgia,
com o cumprimento das regras do jogo, por mais previsível que seja
o resultado da disputa (PAES, 2010).
Conforme se verificou, no momento em que os atos se trans-
formam em autos, os profissionais que participam do processo se
apropriam dos fatos, transformando-os em versões. Nesse momento,
o real perde quase toda sua importância e as discussões se dão
entre os técnicos jurídicos, verdadeiros autores dos fatos contados
no processo. Para Corrêa (1983), o fato real é processado, moído,
jurisdicizado até que se possa extrair dele um esquema elementar
sobre o qual se construirá um modelo de culpa e um modelo de
inocência. Para isso, cada profissional interessado no desfecho
do processo utiliza a parte do “real” que mais bem fortalece a sua
versão, o seu ponto de vista defendido no processo.
Desde a fase policial, foi possível identificar uma interferência
carregada de subjetivismo e de parcialidade na atuação dos agentes
burocráticos responsáveis pela reconstrução dos fatos a partir
dos depoimentos prestados pela vítima, suspeito e testemunhas.
Notou-se que os atores policiais são os primeiros agentes públicos a
incorporar os fatos para extrair uma versão, dando assim a primeira
roupagem técnica ao fato acorrido.
Encontram-se, com frequência, nos documentos policiais
juntados aos autos estudados, as seguintes expressões, típicas
da comunicação policial: “meliante”, “larápio”, “gatuno”, “infrator
contumaz”, “malandro velho”, “indivíduo frio e calculista”, “conhe-
cido nos meios policiais pelo modus operandi”, “subtraiu sorratei-
ramente a bolsa da vítima”, “a guarnição policial logrou êxito na
captura do suspeito”, “evadiu-se da cena do crime”, “empreendeu
fuga, embreando-se na mata”.
Na comunicação de serviço dos detetives, deparou-se com o
seguinte registro, demonstrando, mais uma vez, a intervenção dos
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
atores policiais no desdobramento dos fatos historicizados: “Trata-se
de elemento já bastante conhecido nos meios policiais pela cons-
tante prática de furto.”. Esse registro é significativo, pois demonstra
que o “cliente” do sistema criminal continua sendo, mesmo após
ter cumprido a pena por um crime praticado no passado, objeto de
um processo de permanente sujeição, o que significa dizer, noutros
termos, que os egressos do sistema prisional continuam presos à
sua própria identidade (estigmatizada). A operacionalização da
sujeição criminal (este mecanismo extraordinário de poder) torna-se
nítida em discursos como o dos detetives responsáveis pela investi-
gação policial (MISSE, 1999).
Nos relatórios produzidos pelos Delegados de Polícia também
são encontradas reflexões distanciadas do fato investigado e
centradas no caráter do suspeito. Como exemplo, o seguinte trecho
extraído do relatório final de indiciamento policial: “Pelo comporta-
mento da Edvânia percebe-se que se trata de pessoa inidônea e
‘confessadamente’ mentirosa, daquelas que tem uma imaginação
fértil, capaz de inventar qualquer artimanha para ludibriar quem com
ela se relaciona, até mesmo a quem a ela ‘considera’ como amigo.”.
Na análise do Delegado de Polícia, a investigada Edvânia
Maria Silva, suspeita de praticar, contra o patrão, o crime de apro-
priação indébita, possui personalidade social deturpada. Assim, a
partir da interferência profissional do Delegado de Polícia, Edvânia é
ritualisticamente instituída no espaço simbólico dos estigmatizados,
ou melhor, em um campo semântico em que uma série de atributos
negativos são atribuídos ao tipo de sujeito moral que Edvânia repre-
senta: pessoa mentirosa, inidônea e traiçoeira (falsa amiga). A narra-
tiva do Delegado de Polícia deixa evidente a tentativa de personificar
na suspeita um tipo social indesejado. Ou seja, a própria demoni-
zação da indiciada.
Em outras palavras, ao manipular representações e estereó-
tipos que são produzidos e reproduzidos na sociedade acerca do
tipo social que Edvânia representa, o Delegado invoca, no ritual do
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
Inquérito, os mecanismos de sujeição criminal para construir uma
verdade no sujeito que será a verdade do sujeito (MISSE, 1999;
FIGUEIRA, 2005).
Conforme demonstram as citações, os agentes policiais não
atuam com neutralidade em relação ao fato processado. Todos
exercem influência direta na construção da versão do acontecimento
que formará o fato-jurídico dos autos dos processos criminais.
Fica clarividente que o fato, no procedimento criminal, via
de regra, é uma narrativa construída pelos profissionais “autores”
de versões. Logo, a questão central diz respeito às condições de
produção dessa narrativa. Em outras palavras, “o que torna o dizer
um enunciado é o fato de ele ser produzido por um sujeito em um
lugar institucional, delimitado por regras que definem as condições e
as possibilidades do dizer.” (FIGUEIRA, 2005, p. 236).
Desse modo, o conhecimento adquirido com a prática profis-
sional permite que os agentes policiais interpretem os fatos e as
provas tendo também como referência o comportamento social e o
histórico de vida pregressa do suspeito. Atuam com plena consci-
ência que o papel que desempenham no sistema de Justiça Criminal
objetiva convencer ao Promotor de Justiça sobre a viabilidade da
ação penal. Ou seja, sabem que lhes cabem, na divisão do trabalho,
demonstrar ao órgão acusador que existem elementos informativos
no inquérito suficientes para comprovar tanto a materialidade como
a autoria do delito. Por outro lado, sabem que quanto mais estigmas
conseguirem relacionar ao suspeito, mais legítima e convincente
será a decisão que indicia o suspeito como sendo o autor do crime.
Agindo dessa maneira, o discurso técnico-jurídico que
proclamam encontrará respaldo no senso comum que liga a crimi-
nalidade a certas características morais e comportamentais dos indi-
víduos (MISSE, 1999). Nessa trama, o apoio das variáveis subjetivas
faz com que os indícios ganhem status de prova; e as teses, ares de
verdade jurídica. Isto, na medida em que, mesmo não sendo “prova”
no sentido jurídico do termo, as presunções servem para influenciar
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
tanto a atuação do Promotor de Justiça quanto a decisão do Juiz,
conforme adiante será demonstrado.
No desenvolver da fase judicial, as práticas profissionais do
Promotor e do Advogado encarregarão de reconstruir, no processo,
a biografia do réu. Nos autos pesquisados, verificou-se que esses
dois profissionais do Direito – que representam, no processo, os
polos antagônicos do conflito social – exploram com frequência os
testemunhos de “caráter”, também chamados, no campo jurídico,
de testemunha abonatória ou de beatificação. Essa designação
implica no registro processual de depoimentos de testemunhas que
se limitam a relatar dados do réu, de sua vida pregressa e não dos
fatos em si que são imputados ao suspeito. Na maioria das vezes,
enquanto as testemunhas arroladas pela defesa “beatificam” o réu,
as arroladas pela acusação “demonizam-no”.
Nesse ritual, ouvir as testemunhas5
tem grande importância
dentro do processamento dos fatos relacionados aos crimes contra o
patrimônio. Em praticamente todos os autos analisados, deparou-se
com essa espécie de prova. Verificou-se, contudo, que as testemu-
nhas não eram apenas requisitadas a falar sobre o que sabiam do
crime, pois também eram interrogadas, por Delegados, Promotores,
Advogados e Juízes, sobre determinados comportamentos sociais
dos suspeitos. Algumas perguntas-chave (como se o suspeito
tinha profissão ou fazia uso de substâncias ilícitas) deixava logo em
evidência os desvios – ou as conformidades – no comportamento
social do investigado em relação aos padrões morais dominantes
na sociedade.
Na prática, o que se notou foi uma verdadeira disputa de inter-
pretações que extrapolavam os contornos do fato social de interesse
criminal. Advogados e Promotores, cada um com a carga de parcia-
lidade própria do papel que encenam na trama processual, apro-
priam-se dos vários relatos registrados nos autos, especialmente dos
5. Na prática forense, os operadores do Direito costumam fazer referência à prova testemunhal
como sendo a “prostituta das provas”, enquanto a confissão do réu seria a “rainha das provas”.
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28
O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
depoimentos testemunhais, com o objetivo de construir sua versão,
no espaço simbólico dos autos, que seja capaz de convencer o Juiz
sobre a consequência jurídica decorrente do fato historicizado.
Nesse sentido, o fato interpretado como crime pelo olhar jurí-
dico do Promotor de Justiça é também um fato moral, pois, na seara
do ilícito penal, o fato jurídico é indissociavelmente um fato moral.
E o Promotor de Justiça, na condição de representante do Estado,
busca restabelecer a ordem simbólica violada pela transgressão
de regras socais positivamente estabelecidas (FIGUEIRA, 2005).
Verificou-se que a acusação se utiliza dos conceitos subjetivos,
quando socialmente negativos ao acusado, para exigir a fixação de
uma pena mais severa.
Dentre tantos registros, são exemplos de narrativas demo-
nizadoras, extraídas das inquirições das testemunhais de caráter,
ouvidas no curso do procedimento criminal com o objetivo de desa-
bonar a conduta social e moral dos réus acusados de cometerem
crimes contra o patrimônio na Comarca de Montes Claros-MG: “Já
eram conhecidas porque sempre tão procurando confusão [...] Os
quatro indivíduos são violentos e arruaceiros [...] ‘Mocó’, que é tido
como chefe da gangue da barroca, forçou a declarante a lhe dar
dinheiro pra ele usar porqueirada”. Ou: “Os meliantes apresentavam
fortes sintomas de terem feito uso de substâncias entorpecentes.”;
“[...] são conhecidos no Bairro Santo Antônio, inclusive em outras
ocasiões fizeram quebradeiras em seu estabelecimento.”. Ainda:
“Ingere muita bebida alcoólica, e acha o depoente, que também mexa
com droga; que além disso o mesmo é muito bagunceiro, arruma
briga na rua, e é uma pessoa má.”. Também: “É ex-presidiário, por
ter várias condenações pela prática de furtos nesta Comarca.”.
A defesa dos acusados, que não pode arrolar testemunhas na
fase de inquérito, desdobra-se na fase judicial para tentar reverter a
má imagem pintada sobre o seu cliente nos depoimentos colhidos
na polícia. Conforme destacado por Paes (2010), os discursos ence-
nados pelo Delegado e pelo Promotor de Justiça têm uma posição
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
privilegiada no processo, pois a defesa apenas pode contra-argu-
mentar as alegações e tentar desconstituir os indícios e as provas
produzidas no inquérito e/ou na denúncia, ou seja, tenta, como
pode, beatificar o acusado.
Em um dos processos analisados, as testemunhas trazidas
pela defesa afirmaram em seus depoimentos que os réus “são
pessoas de boa conduta, que conviviam muito bem com todos.”;
“Afirmam não saber fatos que desabonem a conduta do réu [...] pois
é honesto.”; “Que a declarante esclarece que Reginaldo Nassau
Barbosa é uma pessoa boa e trabalhadora.”; “Que é pessoa de bom
comportamento social, e os fatos narrados na denúncia foram para a
depoente uma surpresa, já que o acusado é pessoa que participa de
caminhada na igreja, de grupo de jovens em Cristo e nunca pensou
que fosse capaz de praticar tais fatos” [...] “Que a depoente sabe
que o segundo acusado é pessoa de bom comportamento, traba-
lhador, honesto e nunca ouviu dizer nada que o desabone.”.
Nos interrogatórios prestados pelos próprios suspeitos e nas
peças jurídicas produzidas pelos Advogados de defesa, encon-
tram-se discursos construídos com o claro propósito de demonstrar
que o acusado se transformou em um novo sujeito, que aprendeu a
lição com o castigo aplicado pelo sistema criminal e agora apresenta
um comportamento social “melhorado”, alinhado com o padrão social
normativamente desejado. A propósito, a seguinte transcrição: “Que
o declarante está arrependido do que fez, atualmente encontra-se
preso e está procurando mudar, pois viu que não resulta em nada
tal comportamento, a não ser a prejuízos para sua própria pessoa.”.
Imbuído do propósito de criar um cenário processual favorável
ao cliente, o Advogado de Raul Evangelista de Jesus, acusado de
furtar inúmeras fitas de vídeo, piratas, instruiu o pedido de liberdade
provisória do cliente, preso em flagrante, com cópias da carteira de
trabalho do réu, a fim de demonstrar que o cliente era pessoa traba-
lhadora. Na narrativa destinada ao convencimento do Juiz sobre a
soltura do réu, o Advogado alegou que o suspeito possuía residência
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
fixa, era réu primário e pai de família, com três filhos, passando por
uma situação difícil, pois a companheira estaria grávida do quarto
filho. Os argumentos deram certo.
A impressão que se tem é que os papéis opostos que cada um
ocupa na trama judicial fazem com que o processo criminal corres-
ponda, na maioria das vezes, a um jogo de argumentos contraditó-
rios, de prova e contraprova, de disse-e-não-disse, de acusação e
defesa que dificilmente concordam na interpretação jurídica e social
do fato. Enquanto uns condenam o comportamento do réu, outros
se esforçam passar uma “boa” imagem dele. Enfim, encenam o jogo
semântico de construção de pares opostos e complementares –
bem e mal, honesto e desonesto, trabalhador e vadio.
Nesse paradoxo, os valores morais da Justiça, baseados no
saber jurídico e no poder estatal de punição, estendem seus tentá-
culos e demonstram também haver um controle social sobre os indi-
víduos acusados de praticar crimes contra o patrimônio. Além disso,
e acirrando ainda mais as adversidades, não se pode negar que
está também em jogo, no processo, uma disputa de vaidades e por
reconhecimentos, pois a competência dos Delegados, Advogados,
Promotores e Juízes, também se encontra em julgamento. Ao mani-
pularem os referenciais sociais, os oficiantes do Direito reafirmam em
seus discursos, a todo o momento, o compromisso com a guarda
das leis, com a Justiça e com os “bons” costumes.
Consoante demonstrado, é por meio da prática profissional
dos oficiantes do aparato de Justiça Criminal que o comportamento
individual, a conduta social e os valores morais dos suspeitos são
transportados para o processo judicial. E assim utilizados para
sustentar as teses jurídicas e as decisões tomadas no curso do ritual
de incriminação.
Além dos debates em torno dos fatos, da sua classificação
típica, das provas e dos indícios, observou-se dos autos criminais
pesquisados que os atores jurídico-policiais também discutem ques-
tões relacionadas ao conjunto de características morais do suspeito.
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
Conforme se verificou, existe uma preocupação com a
conduta, passada ou presente, que ultrapassa os limites objetivos
do fato para situar num contexto político e social bem mais amplo do
que a simples violação da norma penal objetiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora a dogmática jurídica insista que o processo penal
corresponde a uma garantia do cidadão contra as arbitrariedades do
sistema punitivo estatal, a realidade encontrada na pesquisa aponta
que o acusado, desde que entra na Polícia até o momento em que
sai livre ou é encaminhado para a penitenciária, manifesta-se nos
autos apenas por meio de representantes técnicos jurídicos ou na
forma de interrogatórios em que se registram apenas as respostas na
linguagem de quem dita – o Delegado ou o Juiz – e, muitas das vezes,
numa linguagem que o acusado não compreende. A versão do réu
sobre os acontecimentos pode ser usada para condená-lo (quando
admite ou confessa o crime), porém, nos autos analisados, em
nenhum momento sua versão foi aceita para absolvê-lo da acusação.
Em termos formais, o acusado deve ser considerado inocente
até que advenha uma decisão judicial condenatória definitiva. Em
termos reais, sofre todo o peso da acusação e já nos registros poli-
ciais é tratado de “elemento”, “meliante”, “vadio”, “larápio”, “surru-
piador”, “gatuno”, ou apelidado por códigos numéricos que se
referem à ordem dos crimes no Código Penal: “155”, “157”, “171”.
Percebeu-se que Advogados e Promotores defendem no
processo criminal as suas respectivas impressões e posições sobre
o fato (teses jurídicas). Constroem seus discursos com o objetivo de
vencer a disputa sobre o enquadramento ou não do fato ao molde
legal descrito na norma penal incriminadora.
Por tudo quanto avaliado, pode-se dizer, em última análise,
que, embora o sistema de Justiça Criminal seja cercado e estrutu-
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
rado por uma grade legal, existem poros tanto na textura da norma
penal quanto na lei processual penal que precisam ser preenchidos
na prática. O preenchimento dessas porosidades ocorre no caso a
caso, em que os espaços em branco são completados pela atuação
dos atores jurídico-policiais no ensejo da interpretação e aplicação
das normas que colocam em funcionamento as engrenagens da
estrutura do sistema de Justiça Criminal.
É nesses momentos da prática profissional, em que a norma
penal geral e abstrata finalmente é transformada em ação específica
e concreta, que o “molde delinquente” construído pelo imaginário
social é preenchido a partir de comportamentos e perfis não alinhados
com a moral socialmente dominante. Nesse instante, a presença de
resquícios do positivismo jurídico fica evidente, pois denunciam que
os operadores jurídicos de hoje também estão, como os médicos
do início do século XIX, imbuídos da missão de formar o cidadão
virtuoso e completo, cumpridor de papéis interdependentes: traba-
lhador, membro de uma família e indivíduo higienizado (moradia,
lazer e corpo saudáveis, por exemplo). As correlações entre hones-
tidade, moral e bom trabalhador ainda estão presentes no meio jurí-
dico e formam um triângulo referencial riquíssimo na sociedade que
se deseja formar.
Nessa perspectiva, ao julgar um crime contra o patrimônio,
resultante da quebra de uma norma jurídica de proteção patrimonial,
os valores sociais mais amplos da sociedade continuam pautando
os debates, pois os operadores do direito seguem acreditando que
a insubordinação do réu perante as normas penais é resultado da
quebra de outras normas morais e sociais.
Noutras palavras, a conduta total do indivíduo ainda exerce
influência na decisão jurídica sobre a sua culpa, na medida em que
não está em julgamento apenas o que o suspeito havia feito, mas
também aquilo que o acusado era, é ou pode ser.
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O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra
o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG
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sumário
34
O consumo na perspectiva antropológica
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Aurenice da Mota Teixeira1
1. Doutora em Ciências Sociais pela UERJ e Professora da Universidade
Estadual de Montes Claros-Unimontes. E-mail: aurenicem@gmail.com
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35
O consumo na perspectiva antropológica
Este trabalho faz parte de um estudo mais amplo em que
se aborda a institucionalização dos direitos dos consumidores. A
abordagem antropológica do consumidor na busca de seus direitos
permitiu compreender o que motiva o consumidor a consumir bem
como a atuar quando o outro parceiro contratual não corresponde
ao esperado.
Para tanto, partiu-se da compreensão da antropológica acerca
do significado do ato de consumir ou o porquê se consome e como
esta dinâmica é entronizada na cultura do povo.
A proposta desde texto é demonstrar, através da vasta biblio-
grafia pesquisada, que a cultura material acompanha o ser humano
em suas diversas manifestações. E o seu valor não pode ser igno-
rado, tendo em vista as representações.
Para melhor compreensão da dinâmica do consumo na pers-
pectiva antropológica entende-se ser necessário estudar o debate
sobre o consumo, enquanto atividade mensurada pelo dinheiro, e a
troca de objetos, que é efetivada sem o intuito lucrativo, mas como
forma de estabelecer e valorar relações sociais.
O consumo se refere à apropriação de bens mediante a arti-
culação de valores e intermediados pelo dinheiro. A propriedade
material, a princípio, abrange o consumo e a aquisição de bens que
não são, especificamente, intermediados pelo mercado.
CULTURA MATERIAL, CONSUMO E
SOCIABILIDADE
A materialidade é aspecto presente na reprodução da vida
social de toda sociedade, e independentemente do modo de vida
de condições econômicas. As atividades mais triviais – como, por
exemplo, comer, beber e se vestir – reproduzem e estabelecem
mediações entre estrutura de significados e o fluxo da vida social por
meio dos quais as identidades, as relações e as instituições sociais
sumário
36
O consumo na perspectiva antropológica
são formadas, mantidas e mudadas ao longo do tempo. Isso é cons-
tatado em obras sociológicas importantes como Malinowiski, em “Os
Argonautas do Pacífico Sul”, que aponta como colares e pulseiras
representam um valor simbólico servindo de reprodução das rela-
ções de poder. Marcel Mauss, ao criar a categoria de fato social total,
demonstra como as relações contratuais estabelecem-se em torno
do consumo e da dádiva nas sociedades arcaicas.
A projeção da Sociologia sobre o consumo ganhou conside-
rável alcance com o surgimento da sociedade do consumo – carac-
terística da sociedade moderna – em que o adquirir assume uma
dimensão muito mais abrangente do que o simples suprir as neces-
sidades materiais e de reprodução social (BARBOSA, 2004, p. 14).
Como enfatiza Slater (2002, p. 17), “o consumo é sempre e em todo
lugar um processo cultural, mas a cultura do consumo é singular e
específica: é o modo dominante de reprodução cultural no ocidente
durante a modernidade.”. O homem não sobrevive apenas com capa-
cidades biológicas, pois se apropria de visões de mundo (cultura).
Diante disso, é importante destacar as discussões teóricas
propostas pela Antropologia sobre a cultura material e o consumo.
Desde o início do séc. XX, a Antropologia deu importância singular
aos estudos das sociedades nativas não monetarizadas, seja enfa-
tizando os efeitos desintegradores da inserção da economia de
mercado nesses tipos de sociedades, seja apontando a capacidade
de conjugação dos sistemas tradicionais com a monetarização do
dinheiro e bens (DUARTE, 2010, p. 364).
O antropólogo britânico Carrier (1995), tendo em vista vastos
documentos históricos acerca da comercialização no Ocidente
desde 1700, aponta que, à medida que a sociedade industrial e do
consumo se expandia, também se expandia a relação das pessoas
com os objetos. No entanto, a vasta quantidade de objetos ofertados
e a variedade deles não fizeram com que as pessoas deixassem de
estabelecer relações pessoais por meio dos objetos, do apego a
eles e, ainda, expandindo a conexão pessoal por meio dos produtos
e serviços adquiridos.
sumário
37
O consumo na perspectiva antropológica
Dessa forma, enfatiza Duarte (2010) que o melhor é acentuar
o mercado moderno como um caso particular do dom. Assim como
o dom liga pessoas como sujeitos por meio de objetos, também
o mercado proporciona essa vinculação, uma vez que as relações
de mercado nem sempre estão pautadas por “interesses materiais”
e pela “equivalência monetária”. O cerne da questão, para essa
autora, é que o reconhecimento da equivalência entre os parceiros
contratuais constitui um valor implícito fundamental e anterior à
equivalência monetária e prestações recíprocas, ou seja, o conflito
emerge da não observância dessa equivalência entre parceiros.
Estudando as relações de consumo, Bevilaqua (2008)
demonstra que o conflito surge quando um dos parceiros contra-
tuais quebra deveres de respeito e consideração recíprocos, já
que a parte contratante tende a tolerar atos como, por exemplo, o
atraso na entrega de mercadoria quando esse respeito mútuo se
mantém. Não é a materialidade em si, mas subjetividade inerente.
Ela cita o fato de um pedreiro, que estava sujo de pó, não ter conse-
guido sacar um cheque em determinada agência bancária, mesmo
levando o emitente do cheque até a agência. Em protesto, o corren-
tista voltou à agência com 55 quilos de moeda para serem deposi-
tados, contando para tal engendramento com o apoio de um ônibus,
alugado por R$300,00, e de 34 amigos, que depositaram cada um,
o valor máximo aceito para depósito, conforme regulamentação do
Banco Central.
O referido fato foi comemorado com oito caixas de cervejas
e 25 quilos de carne. Nesse exemplo, a autora demonstra, pelo
descompasso entre a energia, os recursos financeiros gastos e o
prejuízo sofrido, que o mercado está além de relações impessoais,
marcadas meramente pelos recursos financeiros. Nesse caso, a
autora vê que nessa relação há um sujeito que busca se afirmar
como sujeito diante do outro, no lugar da indiferença das relações
de mercado.
Caracterizar a sua troca implica fatores sociais, históricos
e políticos, que vão determinar padrões e critérios simbólicos,
sumário
38
O consumo na perspectiva antropológica
classificatórios e morais. No entanto, adverte em determinados
contextos que a mercadoria valor e preço ficam em descompasso.
A primeira situação é quando as transações ultrapassam fronteiras
culturais e o fator determinante, senão único, é o preço, que não
precisa ser especificamente monetário, podendo a negociação
se dar também por permuta. A segunda situação é a das trocas
intraculturais, em que uma troca específica se baseia em valores
totalmente díspares, apesar de um amplo universo de conhecimentos
compartilhados, como no caso de extrema privação como fome e
guerra, a exemplo de tribos africanas que vendem filhas para não
passarem fome (APPADURAI, 2008, p. 28).
As mercadorias são resultado de um processo de atribuição
e valor às coisas. Uma mesma coisa pode estar dentro ou fora do
estado de mercadoria, a depender do contexto ao qual se insere, a
exemplo da relíquia que a sua história de vida é determinante para
seu valor. Essa atribuição de valor está além do fator econômico e do
contexto do capitalismo industrial. Assim, os objetos tratados como
dons podem ter o mesmo patamar de análise das mercadorias.
Nesta perspectiva, o tratamento dado ao estudo dos objetos
pela Antropologia vem, ao longo do tempo, quebrar a dualidade
das interpretações entre dom e mercadoria, pois estas são mais
humanizadas e pessoalizadas. Além disso, o enfoque já não é
mais a produção (fetiche da mercadoria), mas perpassa por todo
o processo de circulação buscando entender as interações e repre-
sentações cotidianas entre objetos e pessoas (LEITÃO; PINHEIRO-
MACHADO, 2010; MILLER, 2013; APPADURAI, 2008).
Pode-se dizer que, de maneira geral, em todas as socie-
dades e em todos os momentos históricos, as pessoas consu-
miram e consomem objetos, apesar de a sociedade moderna ser
denominada de sociedade do consumo. É certo que o momento
atual é caracterizado pela dinamicidade como o consumo se dá,
tendo em vista o seu aumento, como também as diversas formas
em que se consome.
sumário
39
O consumo na perspectiva antropológica
O estudo da Antropologia do consumo tem o mérito de
deslocar a análise econômica do consumo utilitário para a análise
do fato social. O consumo deixa de ser mero reflexo da produção
e passa a ser estudado como fato social total que possui uma rede
de significados que levam em consideração os valores sociais
subjacentes.
Essa perspectiva antropológica nasceu da crítica às teorias
reducionistas do fenômeno do consumo. Ou seja: um indivíduo é
tido como um ser racional, que compra a partir da escolha em busca
da maximização de seus gastos, de modo a obter o maior retorno
possível dos recursos apreendidos no processo de compra.
Veblen (1965) e Mauss (2003) são apontados como os
primeiros autores a abordarem as relações entre bens e pessoas
como fato totalizante e classificatório. Ou seja, os bens estabelecem
comunicação sobre as pessoas exercendo funções para além de
sua utilidade prática. Com isso, abriu-se um espaço nas Ciências
Sociais para a análise simbólica e social do consumo até então
pouco percebida.
Se Mauss teve o mérito de contribuir com um minucioso
estudo sobre as sociedades arcaicas, analisando a ritualística da
troca de presentes e fazendo desse estudo um campo fértil de
pesquisas acadêmicas, a ele também foi atribuída a dormência dos
estudos antropológicos sobre a materialidade para além das socie-
dades pré-industriais.
A vertente de Veblen (1965), na obra “Teoria da Classe
Ociosa”, é essencial para compreender o processo de consumo
como campo de estudo, tendo em vista os avanços obtidos como
também as permanências a ele atribuídas, objeto de críticas de
alguns estudiosos subsequentes. Entretanto, em geral, quanto ao
consumo, Veblen é apontado como o pioneiro no deslocamento do
eixo das necessidades para o campo das forças sociais. O consumo
deixa de ser simples efeito reflexo da produção.
sumário
40
O consumo na perspectiva antropológica
O autor sustenta que as classes sociais mais elevadas
tendem a ter gastos supérfluos e a praticar o ócio para se manterem
em padrão de vida desejável pela classe inferior. Para isso, utiliza a
categoria de “padrão de vida pecuniário” em que gastos conspicu-
amente supérfluos são instrumentos para obter a opinião favorável
frente à comunidade. É o consumo da visibilidade e da ostentação
para obtenção de status. Os indivíduos empreendem seus recursos
não para gastos ordinários, mas para o consumo “ideal” que requer
engendramento de esforços e está ao alcance de poucos.
O consumo, desse modo, foi deslocado para âmbito do
simbólico como forma de comunicação entre os atores sociais.
Isso porque o bem em si não tem valor cultural, pois são as rela-
ções sociais que lhe atribuem valor, pautadas pela competitividade,
inveja e futilidade. Por causa dessa perspectiva negativa atribuída
ao consumo – expressão de status e instituidor de uma estrutura
de diferenças entre os indivíduos – Veblen vem sofrendo críticas no
decorrer do tempo, principalmente na atualidade. O consumo, então,
passa a ser encarado como representante da ganância humana,
visão que até hoje leva a equívocos no estudo do consumo pelas
diversas áreas do conhecimento.
Douglas e Isherwood (2013) têm o mérito de trazer o estudo
do consumo para o campo da realidade cultural. Trata-se de tema
antropológico por excelência, o que perpassa pela superação dos
preconceitos do consumo como uma doença psíquica. Criticam
também as teorias neoclássicas que têm o utilitarismo, a racionali-
dade e a maximização de ganhos como respostas para o consumo.
A proposta do livro é denunciar a crescente onda contra a sociedade
do consumo.
Os autores promovem um diálogo entre Economia e
Antropologia, trazendo o debate do consumo para a teoria da cultura
e da vida social, descortinando os estudos até então existentes, dos
preconceitos que reduzem os estudos dos efeitos do consumo de
objetos. O consumo, então, é elemento da cultura, carregado de
aspectos simbólicos da vida social que implicam motivações para o
sumário
41
O consumo na perspectiva antropológica
ato de consumir. Por isso, segundo os autores, o consumo deve ser
estudado sem que se leve em consideração os valores moralizantes
por serem prejudiciais à verdadeira análise do consumo como
prática capaz de contribuir para construção de relações sociais.
Os bens materiais, em todas as sociedades, até mesmo nas
classes sociais desprovidas de recursos financeiros, vão fazer parte
das interações entre as pessoas tendo em vista que os ritos fazem
parte do comportamento humano e os bens são símbolos por meio
dos quais os ritos se manifestam. Por isso mesmo, os autores dizem
que “viver sem rituais é viver sem significados claros e, possivel-
mente, sem memórias.”. Tanto para as sociedades tribais quanto
para os seres tidos por civilizados, os rituais servem para conter a
flutuação de significados. Assim, os rituais de consumo seriam de
constituição e manutenção de relações sociais. Em consequência,
ter a oportunidade de participar de tais rituais ou, ao contrário, não
ter essa oportunidade, diz muito sobre estar incluído ou excluído de
determinado grupo social.
Mediante o consumo, dize-se do que se gosta e o que não
se gosta para afirmar quem se é. “Os bens são neutros, seus usos
é que são sociais.” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013, p. 36). Servem
para analisar a segregação e as estratégias de inserção social, da
mesma sorte, que indicam comportamentos de reafirmação social,
marcação de território e identidade, como também expressa relação
de poder. O uso dos bens pode representar análises diversificadas.
Uma das críticas de Miller (2007) sobre os estudos de consumo
diz respeito ao que considera como pobreza dos argumentos morais
deslegitimadores do ato de consumir que, segundo ele, emana do
moralismo e do senso comum. Segundo o antropólogo, o principal
argumento para a disseminação de que o consumo é quase que uma
doença está relacionada ao desejo de se criticar a desigualdade e
a exploração decorrentes do capitalismo moderno. Demonstra que
o consumo é materialista e que não há nenhum problema em sê-lo,
pois o que é pernicioso para a humanidade é a falta de recursos
materiais, ou seja, a pobreza. “O inimigo de Marx era a pobreza e a
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42
O consumo na perspectiva antropológica
falta de posses. Ele reconheceu o papel vital da cultura material no
desenvolvimento das relações sociais” (MILLER, 2004, p. 32).
A maioria dos autores contemporâneos tem observado que
o caráter moralizante no estudo do consumo deixa de enxergar os
seus verdadeiros reflexos. O consumo e o consumidor modernos
são tratados como responsáveis pela perda de valores tradicionais
(destradicionalização), individualismo egoístico e valorização dos
bens materiais em detrimento das relações sociais. Essa perspectiva
ganha força quando comparada às sociedades ditas primitivas em
que os bens estavam relacionados ao ciclo vital.
A ideia norteadora, então, é a de que os bens sempre
mediaram relações sociais, possibilitando trocas e ampliando redes
de relações. Por isso, o argumento de que a sociedade contempo-
rânea é degenerada por meio do apego aos bens materiais e ao
consumismo e de que, em virtude disso, haveria um possível afasta-
mento das pessoas, é um mito que foi reproduzido pelo corpo social
como verdade.
O fato é que com Douglas e Isherwood que se tem a
percepção de que o consumo é uma prática constante em todas as
classes sociais, o que não era levado em consideração em estudos
anteriores. Com isso, ignorava-se, por exemplo, que as classes de
menor renda são consumidoras, fato constatado muito antes pela
Economia e pelo Marketing, que viam a ascensão das classes C e
D como oportunidade de negócios. Roupas, brinquedos, serviços
de saúde, casa própria, eletrodomésticos linha branca, entre outros,
foram adquiridos nos últimos dez anos no Brasil pelos segmentos
de menor renda.
Nessa perspectiva, como ignorar que a aquisição material
sugere que essas pessoas, antes esquecidas pelo mercado, são
e sempre foram consumidoras? Antes, consumidores do mínimo
existencial, depois, de bens de conforto que possibilitam a troca de
presentes, contribuindo para o aumento das redes de interação. O
catador de latinha, ao fim do dia, compra alimentos com os recursos
sumário
43
O consumo na perspectiva antropológica
auferidos com o seu trabalho, e até mesmo o pedinte pratica atos
de consumo.
Voltando às classes C e D, não se pode ignorar que as
pessoas passaram a adquirir objetos básicos, considerados por
alguns como “necessários”, e outros bens, tidos como “supérfluos”,
objetos de sonhos como celulares, viagens. Mas por que pensar que
os ocupantes dessas classes sociais não teriam direito a viagens e
modernos aparelhos celulares? Seria por acaso social e moralmente
pernicioso possuir tais objetos por serem tidos como símbolos da
insensibilidade à pobreza ou indigno de serem adquiridos por certas
classes sociais, carentes de outros bens, inclusive de responsabili-
dade do poder público?
O que é preciso perceber é que o consumo, com maior ou
menor intensidade, é praticado em todas as sociedades e em todos
os tempos. É um mito pensar que o ato de consumir está ligado às
classes sociais mais abastadas.
A avaliação moral do consumo é feita segundo os critérios do
necessário e do supérfluo. Tudo que perpassa o essencial é conside-
rado moralmente ilegítimo, egoístico ou destruidor segundo a crítica
de alguns teóricos contemporâneos. Então, por que se tem mais
de um banheiro em casas? Ter uma suíte é um item de conforto da
mesma sorte que se empreende trabalho na obtenção de recursos
para financiar uma viagem, símbolo de descanso merecido e de
obtenção de novos conhecimentos que ampliam a visão de mundo.
Na atualidade, os antropólogos estudiosos do consumo reco-
nhecem que a sua análise deve se afastar das categorias útil, neces-
sário, fútil como característica do consumo por não formarem um
par de oposições objetiva e universal (LIMA, 2010). Não há critério
seguro para se afirmar que a aquisição de determinado bem está
no campo do supérfluo, sob pena de se ter um julgamento precon-
ceituoso da atitude do outro, mas não das próprias pessoas que
julgam. Quem compra o faz porque julga necessário. E encontra
alguma maneira de justificar a compra como, por exemplo, “é um
sumário
44
O consumo na perspectiva antropológica
investimento, eu mereço, estava precisando, foi uma boa aquisição
já que estava em conta, tenho para quando precisar.”.
Além do discurso do estritamente necessário, há uma visão
de que determinados gastos são legítimos e outros ilegítimos. É
legítimo aplicar recursos em instituições financeiras ou custear
escola particular, fazer viagens culturais e, por outro lado, é ilegí-
timo comprar um aparelho eletrônico de última geração, especial-
mente se já possui um aparelho que cumpre as funções básicas.
Essa visão moralizante se enfatiza mais se quem empreende seus
recursos em eletrônicos faz parte das camadas sociais mais baixas.
Do mesmo modo como se está apto a repetir os hábitos cultu-
rais, também se está sujeito a incorporar novas práticas, já que não
existe um padrão básico e fixo de se comportar, uma vez que a cultura
perpassa por processo de continuidade. A cultura não é um dado,
mas uma construção. Assim, todos os atos de consumo refletem
julgamentos valorativos e morais culturalmente estabelecidos.
CULTURA MATERIAL, CONSUMO E CIDADANIA
Enquanto a cultura material enfatiza que o consumo nas
sociedades modernas constitui um ser e fazer, Lima (2010) ressalta
que os encaminhamentos epistemológicos, que repercutiram nos
estudos antropológicos, a partir dos anos oitenta do século passado,
ressaltam os sujeitos sociais como agentes de sua prática e não
apenas reprodutores da estrutura de significados pré-datados por
sua cultura. Predominava, nessa época, a visão equivocada de que
os sujeitos eram executores de padrões culturais ou reprodutores do
status quo.
Os estudos recentes mostram que, mesmo com a temida
globalização, os efeitos do ser, fazer e ressignificar não induzem a
massificação da cultura. As diferentes interfaces culturais se harmo-
nizam no todo. O que era tipo cafona ou exótico passa a ser objeto
sumário
45
O consumo na perspectiva antropológica
de desejo por ser ressignificado. O que é tido como aceito torna-se
símbolo de retrocesso.
O movimento de consumidores se inclui dentre os movimentos
sociais econômicos ao lado dos movimentos do comércio justo,
economia solidária, e slow food. Trata-se de um movimento em que
os atores constroem uma nova cultura de ação política objetivando à
reapropriação do mercado a partir de valores próprios (WILKINSON,
2006; PORTILHO, 2009).
Conforme já abordado, o movimento social de consumidores
se divide em três espécies: o primeiro é o movimento consumerista,
que tem como objetivo demarcar o território do direito do consumidor
com ações políticas, a fim de obter maiores garantias nas relações
de consumo. O seu foco é o mercado e o Estado, visando diminuir
a disparidade de forças entre consumidor e fornecedor. Esse grupo
específico foi quem participou das conquistas na institucionalização
dos direitos dos consumidores. O segundo, o movimento anticon-
sumo, tem por objetivo a atuação prática e crítica ao consumismo
e à sociedade do consumo. Por último, o movimento pró-consumo
responsável, que, com discursos e práticas, buscam, por meio da
atuação política, minimizar os efeitos do consumo no cotidiano.
O enfoque dado pelo movimento pró-consumo responsável é
relevante no âmbito de aplicação da esfera política, na qual o consu-
midor é agente de transformação do status quo e na atribuição de
responsabilidade dos seus atos diante das práticas de consumo.
Ao contrário dos movimentos consumerista e anticonsumo, o movi-
mento pró-consumo responsável não se atribui vítima, e sim atores
sociais, agentes de transformação.
Assim, vislumbra-se um deslocamento das práticas de
consumo de massa e, mais propriamente, uma reação a ela. Trata-se
de um grupo considerado ainda pequeno e residente em grandes
centros que, como forma de resistência ao mercado massificado,
indica para a atuação mais efetiva do sujeito mediante o consumo
sustentável ou consumo verde.
sumário
46
O consumo na perspectiva antropológica
Nesses movimentos, observa-se proposta de resistência e
conteúdo de protesto como forma de atuação política, seja indivi-
dual, seja coletivamente. “A teorização dos Prazeres do Consumo,
de Certeau (2009) pode ser considerada o exemplo extremo dessa
abordagem como prática de subversão” (DUARTE, 2010, p. 375). O
uso que os indivíduos fazem dos bens podem ser uma tática contra
uma estratégia imposta. É interessante aqui demonstrar o sentido de
tática e estratégia em Certeau. A tática é a arte do fraco sendo que
o significado de fraco não está relacionado à dimensão hierárquica,
pois é considerado como a potencialidade de atuação em relação
ao outro, ao poder estabelecido. Na condição de fraco, o sujeito
pode aproveitar a oportunidade e se valer da tática a fim de burlar a
estratégia do poder estabelecido. A estratégia está ligada à demar-
cação de um espaço próprio, um poder. A reinvenção do cotidiano
perpassa pela atuação do fraco, modificando as relações de poder.
Outra vertente da atuação política via consumo e que tem
sido objeto de estudos recentes no Brasil é a atuação política indivi-
dual do consumidor por meio de suas práticas de consumo. Não se
trata de um grupo organizado previamente, com identidade própria.
“Trata-se de uma ação política inovadora e não institucionalizada
que, ao contrário da privatização da política, pode ser analisada
como politização da vida privada, ampliando o espaço da política.”
(PORTILHO, 2009, p. 201). Não se enquadram nos movimentos
pró-consumo responsável anticonsumo ou consumerismo, uma vez
que sua atuação se manifesta de forma individualizada e difusa.
Esses indivíduos incorporam valores morais em suas práticas
tais como solidariedade, ética e responsabilidade social e ambiental.
Em decorrência disso, tem sido entendido como forma inovadora
de participação no mundo público como ação política. Inclusive,
os discursos e práticas desses indivíduos são interpretados pela
Sociologia como “consumo político” ou “politizado”. O consumo
passa a ser um espaço de luta em que a tomada de decisão é o ponto
fundamental. Isso porque essa vertente não vê o consumo e o consu-
midor relacionados às teorias economicistas da escolha racional ou
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47
O consumo na perspectiva antropológica
ainda, ao indivíduo isolado ou autocentrado. Como também se afasta
das teorias marxistas frankfurtianas. Ao revés do consumo emula-
tivo, conspícuo, alienado, hedonista, materialista e individualista, o
consumo, que faz parte da vida cotidiana, materializa valores e os
torna públicos. O consumidor é agente capaz de se autodeterminar
por meio de suas práticas triviais. Nesse contexto, o consumidor se
autoatribui responsabilidades e valores morais ao mesmo tempo
em que traz consigo conflitos, sociabilidade e restrições materiais e
sociais (LUZ, 2014; PORTILHO, 2009; CANCLINI, 2010).
A abordagem recente acerca da cidadania e consumo
ressalta que as formas convencionais de participação política (sindi-
catos, partidos políticos, eleições e movimentos sociais instituciona-
lizados) sofreram uma mutação na sociedade atual. Vislumbra-se,
agora, um modelo de participação política não institucionalizada,
tida como menos hierárquica, mais autônoma, a exemplo dos
boicotes, compras responsáveis e o uso consciente de recursos
naturais na esfera doméstica (CANCLINI, 2010; GIDDENS, 1996;
PORTILHO, 2005).
Slater (2002) aponta que, na cultura do consumo, a relação
entre modo de vida e recursos sociais dos quais dependem é
medida pelas relações do mercado e assume a forma de consumo
de mercadorias. Segundo o autor, a crescente associação entre
consumidor e cidadão no contexto do neoliberalismo, em que
consumidor é considerado o herói do momento, responsável pelo
crescimento econômico e modelo de sujeito e cidadão moderno, é o
exemplo de como o consumidor se torna modelo de liberdade cívica
e de sociabilidade.
Se, no passado, o consumo era instrumento de ostentação
por determinados membros da comunidade – guerreiros, nobres,
artesãos e nas culturas primitivas como forma de doação – em
determinado momento, ser reconhecido na sociedade passou a
depender do consumo e não simplesmente da posição na produção
ou inserção familiar no espaço social. Isso quer dizer que o consumo
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O consumo na perspectiva antropológica
passou a ser o principal critério de diferenciação social. Uma vez que
o consumo carrega consigo uma expressão simbólica, são comu-
nicadores, pois servem para dar visibilidade às práticas culturais
(DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013; MILLER, 2013).
O pertencimento a uma determinada comunidade associado
ao reconhecimento de sua dignidade e humanidade passou a servir
de exigência de uma agenda estatal de condições de vida digna
associada à possibilidade de consumo – ter uma vida digna é ter
a possibilidade de consumo acima de certa linha e isso é bastante
perceptível nas teorias desenvolvimentistas, especialmente na pers-
pectiva do desenvolvimento como liberdade.
Para Canclini (2010, p. 83), o consumo é um processo em
que os desejos se transformam em demandas e em atos social-
mente regulados. Em contraposição à noção jurídica de cidadania,
que para o autor é restrita, existem formas heterogêneas de perten-
cimento, cujas redes se entrelaçam com as do consumo. Portanto,
não se trata de despolitização do cidadão. Ao contrário, a noção
política de cidadão se expande para incluir direito de moradia,
saúde, educação e apropriação de bens de consumo. Para o autor,
hoje existe uma descrença nas instituições políticas e o consumo
torna-se um espaço de participação e representação social impor-
tante (dimensão política). Nessa perspectiva, o consumo deixa de ter
repercussão tão somente na esfera privada. Há uma aproximação
entre cidadão e consumidor no mundo público em que o consumo
serve para pensar onde se coloca o indivíduo na organização socio-
política, econômica e psicológica do espaço público.
Cidadania é tratada aqui como pertencimento a uma comu-
nidade ou nação. Mais do que isso, trata-se do reconhecimento da
humanidade de um indivíduo e de sua aceitação, não apenas como
membro daquela comunidade, mas como um par, um igual, um ser
visível, digno de respeito (TASCHNER, 2010, p. 49).
A democracia participativa implica o exercício direto e pessoal
nos atos do governo. Ressalta Carvalho (2009), citando Macpherson,
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O consumo na perspectiva antropológica
que, para se alcançar a democracia participativa, procedimentos
devem ser estimulados, por meio de associações de bairros, liber-
dade de expressão, congestão nas empresas, luta pelos direitos das
minorias, visando promover a mudança da consciência do povo e
diminuir a atual desigualdade social e econômica.
Nas sociedades contemporâneas ocidentais, o consumo
pode ser visto como mecanismo de integração social, de perten-
cimento a determinada comunidade e reconhecimento. Nesse
sentido, o consumo é relacionado ao código moral de trabalhador,
de não marginal, e de poder. Ter a capacidade de consumo de deter-
minados bens antes não acessíveis aproxima o consumo do reco-
nhecimento de dignidade e, daí, de cidadania.
A perspectiva negativa como se via a juventude e, espe-
cialmente a geração Y, no início dos anos 2000, caiu por terra
com acessão dos movimentos sociais em todo o mundo como
a Primavera Árabe (2010), Occupay All Street (2011), e, no Brasil,
com as manifestações por tarifa zero ocorridos em 2013. Assim,
os membros da chamada sociedade do consumo e sociedade da
informação, do conhecimento, do espetáculo, do capitalismo desor-
ganizado compõem a geração do ativismo pelo reconhecimento
dos direitos humanos, minimização das desigualdades sociais e
melhoria da gestão pública.
Esta sociedade dita do consumo entroniza em seu compor-
tamento hábitos que vão além da esfera privada, demarcando, seja
coletiva, seja individualmente, um espaço político através de suas
práticas cotidianas.
sumário
50
O consumo na perspectiva antropológica
REFERÊNCIAS
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cultural. Tradução de Agatha Barcelar. Niterói: Eduff, 2008.
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etnografica.revues.org/329>. Acesso em: 21 nov. 2015.
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sumário
51
O consumo na perspectiva antropológica
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PORTILHO, Fátima. Consumo sustentável: limites e possibilidades de
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Janeiro, Ed. FGV, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005.
PORTILHO, Fátima. Novos atores no mercado: movimentos sociais econômicos
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Política, Florianópolis, Edufsc, v. 8, n. 15, p. 199-224, out. 2009.
TASCHNER, Gisela Black. Cultura do consumo, cidadania e movimentos sociais. In:
Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 46, n. 1, p. 47-52, jan.-abr. 2010.
VEBLEN, Thorstein Bunde. A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das
instituições. Tradução de Olívia Krähenbühl. São Paulo: Pioneira, 1965.
WILKINSON, John. A mistura de mercados, movimentos e menus: a renegociação
do espaço rural por ONGs, movimentos sociais e atores tradicionais. Paper
apresentado na Oficina Internacional Globalização: dinâmicas sociais e culturais. Rio
de Janeiro: MINDS / BNDES, 2006.
sumário
52
Relações entre utopia e cidade nas ciências sociais
03
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			 Elton Dias Xavier1
1. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; Doutor em Ciências
Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ; Pós-Doutoramento na
Faculdade de Letras da Universidade do Porto - Portugal. Coordenador-Adjunto do Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento Social -Mestrado/Doutorado - PPGDS - da Universidade
Estadual de Montes Claros (Unimontes); Professor Titular da UNIMONTES - Universidade
Estadual de Montes Claros (MG); Membro do Conselho Estadual de Educação - CEE/MG..
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Introdução livro Ciências Sociais: diálogos interdisciplinares

  • 1.
  • 2.
  • 3. Copyright © Pimenta Cultural, alguns direitos reservados Copyright do texto © 2017 os autores Copyright da edição © 2017 Pimenta Cultural Comissão Editorial Prof. Dr. Alexandre Silva Santos Filho (UFPA) Profª. Dra. Heloísa Candello (IBM Research Brazil) Profª. Dra. Lídia Oliveira (Universidade de Aveiro - Portugal) Profª Dra. Lucimara Rett (UFRJ) Profª. Dra. Maribel Santos Miranda-Pinto (Instituto Politécnico de Viseu - Escola Superior de Educação, Portugal) Profª. Dra. Marina A. E. Negri (ECA-USP - Fundação Cásper Líbero) Profª. Dra. Rosane de Fatima Antunes Obregon (UFMA) Prof. Dr. Tarcísio Vanzin (UFSC) Profª. Dra. Vania Ribas Ulbricht (UFSC) Prof. Dr. Victor Aquino Gomes Corrêa (ECA - USP) Avaliadores AdHoc Dra. Joselia Maria Neves, Portugal Dr. Kamil Giglio, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Maribel Santos Miranda-Pinto, Portugal Profª. Drª. Marina A. E. Negri, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA USP, Brasil Prof. Dra. Lidia Oliveira, Universidade de Aveiro, Portugal Dra. Lucimara Rett, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Dra. Eng. Marta Cristina Goulart Braga, UFSC Dr. Midierson Maia, ECA/USP, Brasil Dra Patricia Bieging, Universidade de São Paulo, Brasil Dr. Raul Inácio Busarello, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Dra. Vania Ribas Ulbricht, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Dr. Victor Aquino Gomes Correa, Universidade de São Paulo, Brasil Aline Corso, Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves, Brasil Andressa Wiebusch, Doutoranda em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Andreza Regina Lopes da Silva, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Carlysângela Silva Falcão,Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Delton Aparecido Felipe, Universidade Estadual do Paraná - Campus de Campo Mourão, Brasil Elizabete de Paula Pacheco, Instituto Federal de Goiás Inara Antunes Vieira Willerding, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil Elisiene Borges leal, Universidade Federal do Piauí, Brasil Gracy Cristina Astolpho Duarte, Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil Jacqueline de Castro Rimá, Universidade Federal da Paraíba, Brasil Jeane Carla Oliveira de Melo, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, Brasil Júlia Carolina da Costa Santos, Brasil Jeronimo Becker Flores, PUC/RS, Brasil Luan Gomes dos Santos de Oliveira, Universidade Federal de Campina Grande, Brasil Luciene Correia Santos de Oliveira Luz, Universidade Federal de Goiás; Instituto Federal de Goiás, Brasil Marcio Duarte, Faculdade de Ensino superior do Interior Paulista, Brasil Maria Edith Maroca de Avelar Rivelli de Oliveira, UFOP
  • 4. Patricia Mara de Carvalho Costa Leite, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Patrícia Oliveira, Universidade de Aveiro, Portugal Raimunda Gomes de Carvalho Belini, Brasil Ramofly Bicalho, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil Rita Oliveira, Universidade de Aveiro, Portugal Patricia Bieging Raul Inácio Busarello Direção Editorial Marcelo EyngAdministrador de sistemas Michelle BernardesCapa e Projeto Gráfico Patricia BiegingEditora Executiva Organizador e autoresRevisão Elton Dias XavierOrganizador Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) _________________________________________________________________ C492 Ciências Sociais: diálogos interdisciplinares. Elton Dias Xavier - organizador. São Paulo: Pimenta Cultural, 2017. 176p.. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-66832-64-8 (brochura) 978-85-66832-63-1 (eBook PDF) 1. Ciências Sociais. 2. Direito. 3. Leis. 4. Serviço Social. 5. Educação. I. Xavier, Elton Dias. III. Título. CDU: 304 CDD: 360 _________________________________________________________________ 2017 PIMENTA COMUNICAÇÃO E PROJETOS CULTURAIS LTDA – ME. São Paulo - SP. Telefones: +55 (11) 96766-2200 - (11) 96777-4132 E-mail: livro@pimentacultural.com www.pimentacultural.com
  • 5. SUMÁRIO Prefácio ....................................................................................... 6 Maria Josefina G. Sant’Anna Apresentação .............................................................................. 9 Maria da Luz Alves Ferreira Notas do organizador ................................................................. 11 Elton Dias Xavier Capítulo 1 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG ............ 14 Alexandre Ricardo Damasceno Rocha Capítulo 2 O consumo na perspectiva antropológica ................................. 34 Aurenice da Mota Teixeira Capítulo 3 Relações entre utopia e cidade nas ciências sociais ................. 52 Elton Dias Xavier Capítulo 4 Programa bolsa família: pobreza, olhar materno e porta de saída .......................................................................... 71 Juliane Leite Ferreira Capítulo 5 Serviço Social no sociojurídico: reflexões sobre o processo de trabalho ..................................... 90 Leni Maria Pereira Silva Capítulo 6 Folia de reis e identidade na comunidade quilombola agreste .................................................................... 107 Marco Antônio Caldeira Neves
  • 6. Capítulo 7 Diálogos interdisciplinares entre ciências sociais, saúde e medicina ....................................................................... 123 Maria Patrícia da Silva Capítulo 8 Discriminação, estigma e retraimento no contexto das desigualdades educacionais e raciais na contemporaneidade .............................................................. 140 Maria Railma Alves Capítulo 9 A implantação e implementação da Lei 10.639/03 nos cursos de formação docente .............................................. 159 Zilmar Santos Cardoso
  • 7. sumário 6 Prefácio PREFÁCIO Em 2012, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) aprovou o Convênio de cooperação celebrado entre a Universidade Estadual do Rio do Janeiro (UERJ), instituição promotora, e a Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), instituição receptora, com o objetivo de implantar programa de Doutorado Interinstitucional (DINTER) em Ciências Sociais. O Departamento de Ciências Sociais, hoje, Instituto de Ciências Sociais (ICS) da UERJ, por meio de seu Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS), assumiu o compro- misso de execução do Programa DINTER, para uma turma especí- fica de docentes da UNIMONTES, visando formar pesquisadores/ doutores em Ciências Sociais. Como instituição promotora, a UERJ recebeu um grupo de Professores da UNIMONTES da área de Ciências Sociais, Direito e Educação e ao longo de quatro anos desenvolveu as atividades para a formação de doutores, entre as quais, cursos em diferentes disci- plinas, seminários, exame de qualificação, processo de orientação e defesa de tese. O projeto DINTER se encerrou como uma experi- ência exitosa; todos os doutorandos da turma defenderam tese. A UNIMONTES, como instituição receptora, ofereceu as condições necessárias para que esses seus professores/douto- randos cumprissem os requisitos para fazer o Curso, ao coordenar as atividades operacionais; acompanhar as atividades de execução e aplicação dos recursos do convênio e avaliar os resultados; acom- panhar a execução das ações em conformidade com o Plano de Trabalho aprovado pela UERJ; disponibilizar, salas, bibliotecas e outros recursos de infraestrutura, necessários ao desenvolvimento do DINTER. A implantação do DINTER em Ciências Sociais teve desdo- bramentos bastante positivos para o PPCIS e para a UERJ, pois
  • 8. sumário 7 Prefácio o Curso desenvolveu-se de modo eficiente com a participação de boa parte dos Professores do PPCIS, que se deslocou para Montes Claros para oferecer as disciplinas na UNIMONTES. Durante um semestre, cumprindo uma exigência do Convênio, os professores/ doutorandos da UNIMONTES cumpriram duas disciplinas no Rio de Janeiro, oferecidas pelo PPCIS, além de vivenciarem o ambiente acadêmico. Essa experiência, ainda que tenha exigido muita força de vontade dos doutorandos, devido aos problemas de desloca- mento de Montes Claros ao Rio de Janeiro e das dificuldades para a permanência, por alguns dias na cidade, foi avaliada como muito positiva pelos doutorandos, que se sentiram muito bem no convívio acadêmico com Professores e Alunos do Programa. Como Coordenadora, por parte da instituição UERJ, tive o prazer de conhecer e de desenvolver todo o trabalho de Coordenação do projeto DINTER, em parceria com a Professora Maria da Luz Alves Ferreira, a quem se deve fazer um tributo especial. Da Luz foi a grande idealizadora dessa experiência DINTER, responsável pela sua própria implantação, ao estabelecer os contatos para viabilizar o projeto e assumir todas as responsabilidades ao longo do seu desdobramento. Com uma dedicação ímpar, e muito esforço pessoal, construiu um projeto de grande interesse coletivo, em especial, para os Professores, que puderam realizar seu douto- rado. Na elaboração do referido projeto, Maria da Luz contou com a colaboração de sua amiga e colega no Departamento de Ciências Sociais, Professora Maria Railma Alves, que trabalhou ativamente na construção do projeto posteriormente enviado à CAPES. Importa destacar que a Professora Maria da Luz agiu sempre em nome do interesse acadêmico da UNIMONTES, visando a maior capacitação dos Professores da área de Ciências Sociais da Universidade, buscando o fortalecimento das atividades de ensino e pesquisas, com consequentes ganhos para os Alunos da UNIMONTES, tanto da graduação, quanto da pós-graduação.
  • 9. sumário 8 Prefácio O êxito do Programa DINTER para o nosso Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPCIS) se expressa, entre outros, no fato de todos os doutorandos matriculados terem defendido suas teses. Todo esse preâmbulo se fez necessário para que se contextu- alizasse os artigos que compõem esta coletânea, e cabe destacar o motivo. O presente livro é fruto do Convênio DINTER, vez que seus artigos têm como origem a respectiva tese de doutorado de cada um dos autores aqui presentes. Para percorrer esse caminho, foi neces- sário um esforço conjunto de ambas as instituições envolvidas, dos Coordenadores do PPCIS de seus Professores, dos Professores/ Doutorandos e da Coordenação do projeto. Os artigos da coletânea mostram uma diversidade de temá- ticas que condizem com a proposta multidisciplinar do PPCIS. Nota- se, assim, que a incorporação dos docentes às linhas de pesquisa do Programa vem viabilizando o fortalecimento das atividades de pesquisa na UNIMONTES, com vistas à sua integração ao debate acadêmico nacional, além de sua contribuição para o desenvolvi- mento regional a partir do conhecimento produzido. Deve-se louvar, portanto, a iniciativa da presente publicação como uma forma de divulgar essa experiência DINTER, dentre tantas outras que acontecem no país. Felicito cada um dos autores por este esforço de sistematização da tese. Maria Josefina G. Sant’Anna Professora Associada e Pesquisadora PPCIS/ICS/UERJ
  • 10. sumário 9 Apresentação APRESENTAÇÃO Os textos reunidos no livro Ciências Sociais: diálogos interdisciplinares representam uma visão do que foram as pesquisas que resultaram em teses do Doutorado em Ciências Sociais realizado noProgramadePós-GraduaçãoemCiênciasSociaisdaUniversidade do Estado do Rio de Janeiro durante o período de 2012 a 2016.1 Os autores que fazem parte dessa publicação assumiram o desafio de fazer a interface entre as suas áreas de atuação acadêmica – Direito, Educação, Artes e Ciências Sociais – com as três áreas que compõem o Doutorado, que são Sociologia, Antropologia e Ciência Política. Portanto, o tema transversal em todas as análises que compõem o presente livro são as Ciências Socais. O conjunto de artigos é fundamental para levar os leitores a terem uma compreensão da dinâmica das relações sociais, na medida em que envolve temáticas que vão desde as desigualdades sociais, econômicas e raciais, bem como as percepções dos atores sociais acerca da realidade vivenciada. Os capítulos oferecem dados e reflexões sobre a configuração espacial e espaços importantes, como o espaço educacional e da cidade, a partir das diferentes pers- pectivas metodológicas e teóricas, resultando numa pluralidade de interpretações sobre fenômenos sociais que acontecem em todos os espaços e onde não existe mais o limite territorial e temporal, sobretudo a partir da comunicação virtual. Embora as temáticas tratadas sejam relacionadas, em sua maioria, a realidade local, ou seja, da cidade de Montes Claros-MG, estas podem ser apropriadas por pesquisadores de outros locais para fazerem uma leitura crítica tanto dos Municípios do Norte de Minas Gerais, que são marcados pelas desigualdades analisadas 1. O Doutorado Interinstitucional em Ciências Sociais (Dinter) foi resultado de uma parceria entre o Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros e o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O referido convênio teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
  • 11. sumário 10 Apresentação em alguns capítulos desse livro e com característica semelhantes com a estudada, tanto no Estado de Minas Gerais, como em outros Estados brasileiros, que apresentam as semelhanças encontradas no lócus analisados pelos autores da presente obra. Os autores apresentam, nos textos, uma grande sensibili- dade para tratar de transformações na sociedade contemporânea, em distintas esferas e a partir de diversos enfoques, mas o que há em comum são as preocupações em destacar o olhar crítico sob a óptica das Ciências Sociais em relação a fenômenos que impactam cotidianamente a nossa realidade que constantemente nos oferece como cientistas sociais novos desafios e problemas para que sejam analisados à luz dos matrizes teórico-metodológicas, propiciando sempre uma sua leitura e/ou releitura. Espero que os temas do livro aqui apresentados fomentem discussões acerca da realidade estudada, e que extrapolem o local no sentido de contribuir para uma leitura e compreensão da reali- dade global nas suas semelhanças e diferenças. Por fim, há de se enaltecer o Dinter em Ciências Socais (2012-2016) que foi o ponto de partida para que os autores Elton Dias Xavier, Juliane Leite Figueiredo, Alexandre Ricardo Damasceno Rocha, Aurenice da Mota Teixeira, Maria Patrícia Silva, Leni Maria Silva, Maria Railma Alves, Marco Antônio Caldeira Neves e Zilmar Santos Cardoso, após desenvolverem ótimas teses a partir de suas indagações e linhas de pesquisas, tanto na instituição receptora (UNIMONTES), quanto na instituição promotora (UERJ). Esperamos que a leitura estimule a produção de novos conhe- cimentos sobre as temáticas aqui desenvolvidas. Maria da Luz Alves Ferreira Professora do Curso de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros Coordenadora Operacional do Dinter em Ciências Sociais UNIMONTES/UERJ.
  • 12. sumário 11 NOTAS DO ORGANIZADOR Coube a mim a honrosa organização desta edição de Ciências Sociais: diálogos interdisciplinares. Em homenagem à gentil confiança de meus pares, coautores e coautoras, alinhavo algumas notas sobre a tarefa empreendida. O livro é produto de várias pesquisas, com caráter interdisci- plinar, no campo das Ciências Sociais. Os pesquisadores são prove- nientes de diversas áreas do conhecimento: Direito, Artes/Música, Educação, Ciências Sociais e Serviço Social. Essa multiplicidade de aportes foi possível em razão do encontro das várias pesquisas em um Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), entre os anos de 2012 e 2016. Os trabalhos são apresentados em formato de capítulo. Cada capítulo representa as conclusões de trabalho de cada pesquisador. Em parte, são as conclusões de suas jornadas no programa de doutoramento. Os capítulos podem ser lidos em qualquer ordem, haja vista as temáticas, que são independentes e diferentes entre si. As Ciências Sociais são o elemento transversal da obra, corta cada tema, são o conjunto teórico que fundamenta as discussões propostas pelos autores em cada um dos textos. A interdisciplinaridade é uma meta perseguida na obra, apesar de não ter sido elemento do Programa de Pós-Graduação referido acima. Porém, a diversidade de áreas de seus componentes teve, por fim, o efeito de levar interdisciplinaridade às propostas de discussão de matérias que extrapolam as Ciências Sociais, trazen- do-lhes a possibilidade de diálogos que se construíram na troca de elementos disciplinares, em um rico sistema de input e output. E muito enriquecedor para aqueles que lidam com ele. Milhões de livros são escritos todos os anos ao redor do mundo. Trazer ao leitor mais um, entretanto, não é tarefa despicienda. Sem pretensão de autoelogio, a justificativa de uma nova obra no
  • 13. sumário 12 Notas do organizador mercado literário acadêmico só se sustenta se o seu conteúdo traz alguma contribuição ao alargamento dos estudos das ciências, em geral, e das Ciências Sociais, em particular. Sem dúvidas, este é o caso da presente obra. Os nove capítulos que compõem o corpo do livro trazem espe- cial contribuição às Ciências Sociais e, em relevo, contribuem deci- sivamente para as áreas de origem de cada um dos seus autores. No campo do Direito, dois capítulos se destacam: O julga- mento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio [...] e O consumo na perspectiva antropológica, de Alexandre Rocha e Aurenice Teixeira, respectivamente. Em ambos, as interfaces entre Direito e Ciências Sociais são evidenciadas, permitindo um diálogo construtivo e estimulante esses campos. Outros dois textos, cujas autoras têm graduação nas Ciências Sociais, remetem todos a discussões que extrapolam o campo disci- plinar. Todos são levados a percorrer caminhos que se entrecruzam, por dentro e por fora do campo meramente social. Assim, são os capítulos Diálogos interdisciplinares entre ciências sociais, saúde e medicina; e Discriminação, estigma e retraimento [...], de Maria Patrícia da Silva e Maria Railma Alves, respectivamente. No compasso das artes, mais especificamente da etnomu- sicologia, há o capítulo Folia de reis e identidade na comunidade quilombola agreste, de Marco Neves. Esse texto, mais que qual- quer outro, leva-nos a todos pelo ritmo da escrita ao interior de Minas Gerais, de onde se extraem contornos e sentidos próprios que a música empresta ao viver comunitário. O autor capta as iden- tidades que são impressas e expressas pelas Folias de Reis na comunidade quilombola do agreste, e lhes dá significado especial nas Ciências Sociais. Na intersecção com a Educação, Juliane Leite Ferreira e Zilmar Santos apresentam ao leitor os capítulos o Programa bolsa família: pobreza, olhar materno e porta de saída e A implantação e implementação da Lei 10.639/03 nos cursos de formação docente.
  • 14. sumário 13 Notas do organizador A educação, vista como um fator de ascensão social, é estudada por ambas as autoras com vistas ao aperfeiçoamento dos sistemas atuais. A preocupação na diversificação do coletivo educacional na universidade, assim como a importância da saída do sistema prote- tivo ganham capital relevo nesses dois capítulos. Leni Maria Pereira Silva, com Serviço social no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, trata de um tema fundamental para quem lida com teoria ou a prática do Serviço Social. Sua genuína preocu- pação se estende ao profissional, que sem o adequado cuidado e/ou apoio, não pode prestar o serviço que dele se espera na sociedade. Por último, um capítulo que trata das Relações entre utopia e cidade nas ciências sociais. Nesse texto, busco explicitar e comparar a percepção do estrangeiro e do utopista em relação ao seu locus privilegiado, a cidade. A ideia é traçar um paralelo entre a familiari- dade e o estranhamento de ambas as visões, privilegiando a impor- tância da cidade como espaço dessas trocas. Tudo isso somado vale todas as horas, alguns dias e algumas noites de trabalho intenso. Assim, vale também a alegria da partilha com colegas, amigos e amigas que passeiam, em conjunto comigo, na seara da pesquisa e da descoberta, de plantar a semente e colher o novo, renovar o antigo, transformar o sempre-agora em um amanhã melhor. Assim, entrego, com imenso prazer e galhardia, este trabalho a Você leitor(a); de agora em diante, nosso(a) companheiro(a) nessa caminhada. Porto, outubro de 2017. Elton Dias Xavier Organizador
  • 15. sumário 14 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG 01 O JU LG AM EN TO M O RAL D O S SU SPEITO S D E PRATIC AREM C RIM ES C O N TRA O PATRIM Ô N IO N A C O M ARC A D E M O N TES C LARO S-M G Alexandre Ricardo Damasceno Rocha1 1. Doutor em Ciências Sociais pela UERJ, Mestre em Direito Público pela PUC/MG, Professor de educação superior na Unimontes e na FIP-MOC, advogado militante e analista técnico do Banco do Nordeste do Brasil. E-mail: alexandre@rochamachado.com.br
  • 16. sumário 15 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG O interesse por investigar crimes contra o patrimônio se justi- fica no fato de essa espécie de delito representar 40% da população atualmente encarcerada no Brasil2 e 51,6% do total de presos da Comarca de Montes Claros, Estado de Minas Gerais. Isto equivale a dizer que, em Montes Claros-MG, cinco entre cada dez presos foram acusados de cometer crimes contra o patrimônio. Ainda sobre Montes Claros-MG, importante registrar que as pessoas presas por crime de tóxico correspondem a 29% dos detentos. Já os privados de liberdade por crimes contra a pessoa totalizam 12,9%. Verifica-se, também, que são pouquíssimas as prisões por crimes de colarinho branco, pois apenas 3,2% da população carcerária de Montes Claros-MG é acusada de praticar crimes contra a Administração Pública (MOURA; RIBEIRO, 2014; e AGUIAR; ALMEIDA, 2004). O objetivo central deste capítulo é avaliar a influência dos conceitos morais e sociais nas decisões dos agentes jurídico-policiais responsáveis pela investigação, denúncia, defesa e julgamento dos suspeitos de cometerem crimes contra o patrimônio, na cidade de Montes Claros-MG, após o advento da Constituição Federal de 1988. A PESQUISA Para selecionar os autos que seriam analisados, foi preciso que um Serventuário da Justiça primeiramente acessasse o Sistema Informatizado de Controle Processual da Comarca (SISCOM) e disponibilizasse o relatório processual com todos os autos envol- vendo crimes contra o patrimônio julgados pelas duas Varas Criminais da Comarca de Montes Claros-MG, após o ano de 1988. Esse relatório continha a descrição numérica de 2.177 autos proces- suais envolvendo crimes contra o patrimônio, sendo 1.077 autos 2. Dez por cento do total de encarcerados atualmente existente no Brasil são acusados de prati- carem furto - crime patrimonial perpetrado sem violência ou grave ameaça à pessoa (MOURA; RIBEIRO, 2014).
  • 17. sumário 16 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG originários da 1.ª Vara Criminal e 1.098 da 2.ª Vara Criminal. A partir desse cadastro, obteve-se então uma amostragem estratificada, sendo o estrato cada Vara Criminal. Dentro de cada uma foi reali- zada uma amostragem sistemática de tamanho n = 200. Sendo assim, o tamanho total da amostra foi de n = 400 autos processuais. Na amostragem sistemática (dentro do estrato), o pulo realizado foi a cada cinco processos, para a 1.ª Vara Criminal, e a cada dois processos, na relação da 2.ª Vara Criminal. A escolha do primeiro processo se deu de forma aleatória em cada estrato. O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL Na interpretação de Corrêa (1983), a violação de uma regra de relacionamento social desencadeia uma crise que extrapola os limites dos interesses particulares das partes em conflito na medida em que a punição do comportamento desviante interessa a todo o grupo social. O que acaba por expor, assim, o padrão de hostili- dades faccionais e torna também visível a estrutura social básica, feita de relações constantes e consistentes. O crime, ainda segundo a avaliação de Corrêa (1983), corresponde a um drama social público ao desencadear a ação repressiva dos aparatos policial e judiciário, encarregado, por delegação, de colocar em prática as regras estipu- ladas nos Códigos, com o fim de reintegrar o acusado à sociedade, ou separá-lo dela. Dentre os Códigos jurídicos, o Código Penal3 é o mais signifi- cativo conjunto de normas elaborado pela sociedade brasileira para regular o comportamento público das pessoas, servindo, também, segundo os juristas, para fixar os limites do poder punitivo do Estado (NUCCI, 2015). Nesse sentido, somente deveria haver mobilização 3. É importante registrar que no sistema jurídico brasileiro também existem as chamadas leis penais extravagantes, assim entendidas as leis penais que não estão agrupadas nem sistemati- zadas no Código Penal.
  • 18. sumário 17 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG dos aparatos policial e judiciário se o comportamento social valo- rado negativamente estiver contemplado, prévia e descritivamente, na lei. Da mesma forma, é a lei, e somente esta, que estabelece o que é crime e qual a consequente punição jurídica a ser aplicada ao autor do delito. Relevante ressaltar que, no Brasil, o processo penal é, em regra, obrigatório, pois as instituições de Estado devem iniciar de ofício o processo penal assim que tiverem conhecimento dos crimes. Isto significa que o processo penal é, na sua imensa maioria, de iniciativa pública e obrigatória (LIMA, 1995). Isso contribui, segundo Lima (1995, p. 56) para que a Justiça brasileira se organize e atue baseada no “princípio da suspeição sistemática das pessoas”, pois o Estado se coloca acima da sociedade. Outro fato importante que o autor sublinha é que a ideia de público, no Brasil, está diretamente ligada à percepção de algo que é de posse do Estado e não se remete à ideia de coletividade, o que força a concluir que a Justiça é apropriada pelo Estado e resolvida por uma “autoridade”, distan- ciando, portanto, da noção de governabilidade, pois a Justiça não nasce da interação entre Estado e cidadãos (PAES, 2010). Para entrar em ação e assim concretizar a punição abstrata- mente definida na lei, a ordem jurídica brasileira exige, conforme enfa- tizado acima, o cumprimento de uma série de atos concatenados e necessários ao enquadramento do comportamento do acusado ao molde do Direito Penal. Essa liturgia que define o rito de adequação dos fatos sociais indesejados às normas incriminadoras do Direito Penal é regulada, especialmente, pelo Código de Processo Penal.
  • 19. sumário 18 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG JULGANDO O SUJEITO E NÃO APENAS O FATO: A RELAÇÃO ENTRE MORAL E DIREITO NAS PRÁTICAS SOCIAIS DE JULGAMENTO DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO NA COMARCA DE MONTES CLAROS/MG Conhecendo os saberes próprios do campo jurídico, os atores responsáveis pela reconstituição dos acontecimentos de relevância penal precisam decodificar o fato em “verdade” jurídica, a partir da dialeticidade processual que garante a manifestação de uma parte e a impugnação da outra, a acusação e a defesa, sempre seguindo essa lógica de construção compartilhada, dividida, participativa entre os sujeitos interessados na decisão da causa. Porém, sem a possibilidade de negociarem a culpa, como ocorre nos sistemas jurídicos de tradição anglo-saxão, pois aqui o que se assegura é a prova e a contraprova, ou seja, a verdade e a sua negação. Na visão dos processualistas, quanto mais compartilhado e participativo for o ritual penal, mais legítimo será o processo decisório, pois, na inter- pretação que fazem, mais alinhado estará o processo penal com o paradigma do Estado Democrático de Direito. Nota-se, portanto, que o procedimento criminal é uma forma de saber – e, consequen- temente, de exercício de poder – de descobrir a verdade, a qual, em tradição jurídica nacional, é um dos critérios para realização da Justiça (FIGUEIRA, 2005). Segundo Geertz (1998), a descrição de um fato de tal forma que possibilite o Promotor acusar, o Advogado defender e o Juiz julgar nada mais é que uma representação muito mais preocupada com o que aconteceu aos olhos do Direito do que com aquilo que realmente ocorreu. O crime não está, portanto, na natureza do fato, mas na interpretação do fato como transgressão de uma regra. Percebeu-se que as autoridades públicas encarregadas de realizar o enquadramento jurídico do acontecimento socialmente reprovado não adotam uma interpretação uniforme para todos os
  • 20. sumário 19 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG eventos que lhes são submetidos. Deparou-se com vários casos em que, embora semelhantes do ponto de vista objetivo, tiveram desfe- chos procedimentais distintos, com decisões diferentes. O artigo 157 do Código Penal classifica como sendo roubo a ação humana que subtrai para si, mediante violência ou grave ameaça, coisa alheia móvel. No entanto, verificou-se que, durante o procedimento que antecede a decisão, o intérprete responsável pela conclusão de cada etapa do processo é influenciado pelas circuns- tâncias introduzidas nos autos por aqueles que têm autorização para participar do procedimento. Dentre os casos estudados, a ocorrência envolvendo uma vítima que supostamente seria membro de uma gangue de arrua- ceiros demonstra a influência exercida pelo ingresso, nos autos do processo, de informações relativas ao caráter da vítima. No referido caso, registrou o Inquérito Policial que, no dia 19-5-2007, a vítima Sérgio Duarte foi abordada, quando voltava das festividades reli- giosas conhecidas como “Barraquinhas de São Norberto”, por quatro indivíduos que lhe teriam subtraído, utilizando de violência, toda a sua roupa, deixando-o completamente nu. A vítima afirmou conhecer dois dos autores do crime, declinando os nomes de Adilson e Neto Garapa, os quais foram localizados no Bairro Santo Expedito e intimados a prestar depoimentos. Os objetos subtraídos da vítima foram: um par de tênis, marca Adidas; uma bermuda jeans; uma camisa preta e vermelha; uma jaqueta branca e preta e uma cueca. Os bens não foram recuperados. Os suspeitos negaram partici- pação no crime. Durante a fase policial investigativa, os detetives responsáveis pela coleta de provas juntaram aos autos do Inquérito informação esclarecendo que a vítima, menor de idade, integraria a chamada gangue dos Morrinhos e teria, na verdade, sido vítima de uma retaliação por parte de outras gangues em virtude da gangue a que pertenceria o menor ter causado danos em estabelecimentos comerciais na região aonde ocorreram os fatos. O Delegado de Polícia, claramente influenciado pela informação referente à conduta ante-social da vítima, não indiciou os suspeitos reconhecidos pela
  • 21. sumário 20 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG vítima das agressões por entender que teria ocorrido mero cons- trangimento ilegal, e não roubo. Afirmou, ainda, que não foi possível apontar a autoria do crime. O Promotor de Justiça, por sua vez, requereu o arquivamento do Inquérito sob a alegação de que inexis- tiria qualquer elemento de convicção que apontasse a autoria do delito, ao que foi atendido pelo Juiz. Consoante se percebe, o conhecimento sobre o caráter da vítima foi decisivo para que a classificação do fato ocorresse no modelo criminal menos gravoso. Embora a conduta dos agressores enquadrasse, perfeitamente, no molde descritivo do tipo penal do roubo, o comportamento social da vítima, trazido aos autos do processo por meio de um documento oficial e próprio da prática poli- cial, o fato que objetivamente configuraria o crime de roubo (punido com pena de quatro a dez anos de reclusão) foi interpretado como sendo mero constrangimento ilegal, conduta punida com repressão de três meses a um ano de detenção. Dos casos analisados, destaca-se também o episódio envol- vendo uma suposta tentativa de roubo. Dessa vez, o réu Gervásio Costa Almeida foi denunciado pelo Ministério Público por tentar roubar a esposa de um Juiz de Direito. Segundo os relatos cons- tantes nos autos do processo, o réu teria se aproximado do veículo da vítima e batido com as mãos no vidro. Assustada, a vítima arrancou o carro em alta velocidade. A Polícia Militar foi acionada e o suposto ladrão foi rapidamente localizado e preso. Na cintura do suspeito, a Polícia encontrou uma pequena faca. O Delegado ratificou a prisão em flagrante do suspeito. Em depoimento prestado à Polícia, o investigado alegou que apenas queria uma informação da vítima, afirmou que não pretendia roubá-la, nem praticar qualquer outro mal. Questionado sobre a faca que portava, disse que a usava para descascar laranja e, se preciso fosse, para se defender de injustas agressões. Mesmo sem ter iniciado qualquer ato efetivo de agressão ao patrimônio da vítima, o suspeito foi indiciado pelo Delegado e, posteriormente, denunciado pelo Ministério Público, que o acusou de tentativa de roubo. Passou mais de trinta dias na prisão, quando
  • 22. sumário 21 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG finalmente foi liberado pelo Juiz da causa, o qual rejeitou a denúncia do Promotor, ao fundamento que não houve qualquer ação delitiva por parte do suspeito. Fundamentou o Juiz que, se havia pretensão de roubar a vítima, isso ficou apenas no plano da mera cogitação, já que nenhum dos atos efetivamente praticado pelo réu pode ser interpretado como crime. Nesse segundo caso, envolvendo a esposa de um Magistrado, também fica evidente que o conhecimento sobre o status social da vítima influenciou na interpretação jurídica dos fatos. Porém, dife- rentemente da postura adotada naquele processo em que a vítima tinha uma conduta social reprovável por pertencer a uma gangue de arruaceiros, a exagerada interpretação feita pelos agentes do Estado levou à prisão, ainda que temporariamente, um suspeito que sequer havia iniciado qualquer ato de agressão contra o patrimônio da vítima. Os casos resumidos acima demonstram que é a interpretação feita pelas autoridades policial, ministerial (no sentido de Ministério Público) e judiciária que aciona o funcionamento de um processo social, extremamente complexo, de reconstrução dos fatos e cons- trução da verdade. Mas não de uma verdade qualquer, ou de uma verdade enquanto um conceito da epistemologia da ciência, pois a categoria “verdade”, no campo jurídico-criminal, tem, frisa-se bem, uma operacionalidade específica (FIGUEIRA, 2005). Em termos formais, não é possível decidir o processo, impondo uma condenação ao acusado, sem que o Juiz esteja convencido de que são verdadeiros os fatos articulados na denúncia. É essa exigência de comprovação que faz da prova o núcleo estruturador das decisões processuais, não sendo exagero algum afirmar que ela (a prova) representa o “coração do processo”. Para ilustrar o que ora se afirma, cita-se o processo criminal movido contra Raílson Rodrigues da Silveira4 , acusado de arrombar 4. Autos do processo n.º 0433.02.061105-2
  • 23. sumário 22 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG e subtrair da casa de Orlando Gomes da Rocha uma máquina de costura e uma máquina de escrever portátil, da marca Olivetti. Segundo o depoimento do suspeito, registrado às folhas 15 dos autos, os “fatos que lhe são imputados como autor de furto nos presentes autos não são verdadeiros.”. Na sua versão, Dorita Maria Alves, pessoa que estava sob a guarda dos bens da vítima Rodrigo de Cássio Fernandes, entregou-lhe os objetos em pagamento pelos serviços de “bruxarias (despachos) em sua residência, para que a namorada o deixasse; que em recompensa ao serviço realizado, Dorita o daria uma máquina de escrever, portátil, marca Olivetti; que o declarante aceitou o encargo, recebendo adiantado os citados objetos; que não chegou a realizar os serviços, em vista ser preso, por mandado de prisão preventiva.”. Já a Sr.ª Dorita, ouvida no Inquérito Policial na qualidade de testemunha, negou ter contratado qualquer serviço com o suspeito Raílson, consignando que “quanto ao fato do mesmo alegar que os objetos lhe fora doado pela declarante, não é verdade.”. O Inquérito foi concluído com o indiciamento de Raílson no crime de furto, porquanto provadas, na visão do Delegado, “a materialidade e a autoria do delito”. Oportuno também destacar o caso no qual o Sr. Cleiton Sousa Lima foi denunciado por arrombar a casa de Maria das Graças Alves, com intenção de subtrair objetos. Os vizinhos perceberam a ação do réu e o detiveram no local. Ele foi denunciado pela tentativa do crime de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo. O réu não chegou a subtrair nenhum objeto, pois, segundo as testemunhas, não teve tempo para tanto; segundo o réu, porque a intenção dele não era furtar. No relatório do Delegado de Polícia, a prisão em flagrante foi ratificada por verificar a procedência de tudo que havia sido noti- ciado pelo policial condutor do suspeito e pelas testemunhas do caso, “aliado ao fato de ser o conduzido indivíduo com vários envol- vimentos em ocorrências policiais pela prática dos crimes de furtos e até mesmo roubos.”. Ainda segundo o Delegado, embora o réu afirme que adentrou na residência da vítima com a intenção de fugir de algumas pessoas que estavam tentando matá-lo, “necessário se
  • 24. sumário 23 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG faz salientar que o autuado desde quando menor já era contumaz na prática dos delitos de furtos e roubos, e possui larga experiência na lida criminosa, haja vista os vários procedimentos criminais instau- rados por esta Unidade e outras desta cidade que noticiam o seu envolvimento como autor.”. Ressaltou também o grau de periculo- sidade do autuado, pois “o mesmo é autor de um homicídio doloso consumado e outro tentado.”. Assim sendo, mesmo não havendo indícios de que o autuado estava tentando furtar na residência onde foi preso, a autoridade policial representou pela manutenção da prisão provisória, medida preventiva que visa atender a garantia da ordem pública. No pedido de relaxamento de prisão, a defesa do acusado alega que, embora o acusado tenha “passagens negativas nos meios policiais e criminais, neste caso, e a Justiça se faz caso a caso, não há crime a perseguir ou punir.”. Esses episódios confirmam, conforme advertido por Lima (1995), que no Brasil prevalece o sistema de desconfiança na palavra do réu. Não estando o suspeito obrigado a produzir prova contra si mesmo, nem compromissado com a verdade, pois pode mentir sobre os fatos sem se preocupar em ser processado por perjúrio, a sua versão, se não for para confessar o crime, não tem relevância no processo penal, já que a Justiça brasileira se organiza e atua baseada no “princípio da suspeição sistemática das pessoas” e o Estado se coloca acima da sociedade (LIMA, 1995, p. 56). Em que pese a Teoria do Direito destacar que a Sentença do Juiz segue um esquema de silogismo – pois, para os juristas, o processo judicial tem por finalidade a comprovação de uma hipótese fática para a aplicação de uma consequência jurídica, na medida em que a conclusão corresponde a uma lógica extraída do caso concreto (NADER, 2014) – mesmo assim não é impossível de acon- tecer a inversão da ordem normal do silogismo. Isto é, o Juiz, primei- ramente, encontra a conclusão e, somente depois, seleciona, dentre as várias versões e provas produzidas nos autos, as premissas que se ajustam na fundamentação de sua Sentença. Nessa pers- pectiva, todo o ritual que antecede a decisão serve apenas para
  • 25. sumário 24 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG emprestar aparência de legitimidade à Sentença, cujo resultado já era conhecido desde o primeiro momento. Fica evidente, portanto, uma extrema preocupação dos operadores jurídicos com a liturgia, com o cumprimento das regras do jogo, por mais previsível que seja o resultado da disputa (PAES, 2010). Conforme se verificou, no momento em que os atos se trans- formam em autos, os profissionais que participam do processo se apropriam dos fatos, transformando-os em versões. Nesse momento, o real perde quase toda sua importância e as discussões se dão entre os técnicos jurídicos, verdadeiros autores dos fatos contados no processo. Para Corrêa (1983), o fato real é processado, moído, jurisdicizado até que se possa extrair dele um esquema elementar sobre o qual se construirá um modelo de culpa e um modelo de inocência. Para isso, cada profissional interessado no desfecho do processo utiliza a parte do “real” que mais bem fortalece a sua versão, o seu ponto de vista defendido no processo. Desde a fase policial, foi possível identificar uma interferência carregada de subjetivismo e de parcialidade na atuação dos agentes burocráticos responsáveis pela reconstrução dos fatos a partir dos depoimentos prestados pela vítima, suspeito e testemunhas. Notou-se que os atores policiais são os primeiros agentes públicos a incorporar os fatos para extrair uma versão, dando assim a primeira roupagem técnica ao fato acorrido. Encontram-se, com frequência, nos documentos policiais juntados aos autos estudados, as seguintes expressões, típicas da comunicação policial: “meliante”, “larápio”, “gatuno”, “infrator contumaz”, “malandro velho”, “indivíduo frio e calculista”, “conhe- cido nos meios policiais pelo modus operandi”, “subtraiu sorratei- ramente a bolsa da vítima”, “a guarnição policial logrou êxito na captura do suspeito”, “evadiu-se da cena do crime”, “empreendeu fuga, embreando-se na mata”. Na comunicação de serviço dos detetives, deparou-se com o seguinte registro, demonstrando, mais uma vez, a intervenção dos
  • 26. sumário 25 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG atores policiais no desdobramento dos fatos historicizados: “Trata-se de elemento já bastante conhecido nos meios policiais pela cons- tante prática de furto.”. Esse registro é significativo, pois demonstra que o “cliente” do sistema criminal continua sendo, mesmo após ter cumprido a pena por um crime praticado no passado, objeto de um processo de permanente sujeição, o que significa dizer, noutros termos, que os egressos do sistema prisional continuam presos à sua própria identidade (estigmatizada). A operacionalização da sujeição criminal (este mecanismo extraordinário de poder) torna-se nítida em discursos como o dos detetives responsáveis pela investi- gação policial (MISSE, 1999). Nos relatórios produzidos pelos Delegados de Polícia também são encontradas reflexões distanciadas do fato investigado e centradas no caráter do suspeito. Como exemplo, o seguinte trecho extraído do relatório final de indiciamento policial: “Pelo comporta- mento da Edvânia percebe-se que se trata de pessoa inidônea e ‘confessadamente’ mentirosa, daquelas que tem uma imaginação fértil, capaz de inventar qualquer artimanha para ludibriar quem com ela se relaciona, até mesmo a quem a ela ‘considera’ como amigo.”. Na análise do Delegado de Polícia, a investigada Edvânia Maria Silva, suspeita de praticar, contra o patrão, o crime de apro- priação indébita, possui personalidade social deturpada. Assim, a partir da interferência profissional do Delegado de Polícia, Edvânia é ritualisticamente instituída no espaço simbólico dos estigmatizados, ou melhor, em um campo semântico em que uma série de atributos negativos são atribuídos ao tipo de sujeito moral que Edvânia repre- senta: pessoa mentirosa, inidônea e traiçoeira (falsa amiga). A narra- tiva do Delegado de Polícia deixa evidente a tentativa de personificar na suspeita um tipo social indesejado. Ou seja, a própria demoni- zação da indiciada. Em outras palavras, ao manipular representações e estereó- tipos que são produzidos e reproduzidos na sociedade acerca do tipo social que Edvânia representa, o Delegado invoca, no ritual do
  • 27. sumário 26 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG Inquérito, os mecanismos de sujeição criminal para construir uma verdade no sujeito que será a verdade do sujeito (MISSE, 1999; FIGUEIRA, 2005). Conforme demonstram as citações, os agentes policiais não atuam com neutralidade em relação ao fato processado. Todos exercem influência direta na construção da versão do acontecimento que formará o fato-jurídico dos autos dos processos criminais. Fica clarividente que o fato, no procedimento criminal, via de regra, é uma narrativa construída pelos profissionais “autores” de versões. Logo, a questão central diz respeito às condições de produção dessa narrativa. Em outras palavras, “o que torna o dizer um enunciado é o fato de ele ser produzido por um sujeito em um lugar institucional, delimitado por regras que definem as condições e as possibilidades do dizer.” (FIGUEIRA, 2005, p. 236). Desse modo, o conhecimento adquirido com a prática profis- sional permite que os agentes policiais interpretem os fatos e as provas tendo também como referência o comportamento social e o histórico de vida pregressa do suspeito. Atuam com plena consci- ência que o papel que desempenham no sistema de Justiça Criminal objetiva convencer ao Promotor de Justiça sobre a viabilidade da ação penal. Ou seja, sabem que lhes cabem, na divisão do trabalho, demonstrar ao órgão acusador que existem elementos informativos no inquérito suficientes para comprovar tanto a materialidade como a autoria do delito. Por outro lado, sabem que quanto mais estigmas conseguirem relacionar ao suspeito, mais legítima e convincente será a decisão que indicia o suspeito como sendo o autor do crime. Agindo dessa maneira, o discurso técnico-jurídico que proclamam encontrará respaldo no senso comum que liga a crimi- nalidade a certas características morais e comportamentais dos indi- víduos (MISSE, 1999). Nessa trama, o apoio das variáveis subjetivas faz com que os indícios ganhem status de prova; e as teses, ares de verdade jurídica. Isto, na medida em que, mesmo não sendo “prova” no sentido jurídico do termo, as presunções servem para influenciar
  • 28. sumário 27 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG tanto a atuação do Promotor de Justiça quanto a decisão do Juiz, conforme adiante será demonstrado. No desenvolver da fase judicial, as práticas profissionais do Promotor e do Advogado encarregarão de reconstruir, no processo, a biografia do réu. Nos autos pesquisados, verificou-se que esses dois profissionais do Direito – que representam, no processo, os polos antagônicos do conflito social – exploram com frequência os testemunhos de “caráter”, também chamados, no campo jurídico, de testemunha abonatória ou de beatificação. Essa designação implica no registro processual de depoimentos de testemunhas que se limitam a relatar dados do réu, de sua vida pregressa e não dos fatos em si que são imputados ao suspeito. Na maioria das vezes, enquanto as testemunhas arroladas pela defesa “beatificam” o réu, as arroladas pela acusação “demonizam-no”. Nesse ritual, ouvir as testemunhas5 tem grande importância dentro do processamento dos fatos relacionados aos crimes contra o patrimônio. Em praticamente todos os autos analisados, deparou-se com essa espécie de prova. Verificou-se, contudo, que as testemu- nhas não eram apenas requisitadas a falar sobre o que sabiam do crime, pois também eram interrogadas, por Delegados, Promotores, Advogados e Juízes, sobre determinados comportamentos sociais dos suspeitos. Algumas perguntas-chave (como se o suspeito tinha profissão ou fazia uso de substâncias ilícitas) deixava logo em evidência os desvios – ou as conformidades – no comportamento social do investigado em relação aos padrões morais dominantes na sociedade. Na prática, o que se notou foi uma verdadeira disputa de inter- pretações que extrapolavam os contornos do fato social de interesse criminal. Advogados e Promotores, cada um com a carga de parcia- lidade própria do papel que encenam na trama processual, apro- priam-se dos vários relatos registrados nos autos, especialmente dos 5. Na prática forense, os operadores do Direito costumam fazer referência à prova testemunhal como sendo a “prostituta das provas”, enquanto a confissão do réu seria a “rainha das provas”.
  • 29. sumário 28 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG depoimentos testemunhais, com o objetivo de construir sua versão, no espaço simbólico dos autos, que seja capaz de convencer o Juiz sobre a consequência jurídica decorrente do fato historicizado. Nesse sentido, o fato interpretado como crime pelo olhar jurí- dico do Promotor de Justiça é também um fato moral, pois, na seara do ilícito penal, o fato jurídico é indissociavelmente um fato moral. E o Promotor de Justiça, na condição de representante do Estado, busca restabelecer a ordem simbólica violada pela transgressão de regras socais positivamente estabelecidas (FIGUEIRA, 2005). Verificou-se que a acusação se utiliza dos conceitos subjetivos, quando socialmente negativos ao acusado, para exigir a fixação de uma pena mais severa. Dentre tantos registros, são exemplos de narrativas demo- nizadoras, extraídas das inquirições das testemunhais de caráter, ouvidas no curso do procedimento criminal com o objetivo de desa- bonar a conduta social e moral dos réus acusados de cometerem crimes contra o patrimônio na Comarca de Montes Claros-MG: “Já eram conhecidas porque sempre tão procurando confusão [...] Os quatro indivíduos são violentos e arruaceiros [...] ‘Mocó’, que é tido como chefe da gangue da barroca, forçou a declarante a lhe dar dinheiro pra ele usar porqueirada”. Ou: “Os meliantes apresentavam fortes sintomas de terem feito uso de substâncias entorpecentes.”; “[...] são conhecidos no Bairro Santo Antônio, inclusive em outras ocasiões fizeram quebradeiras em seu estabelecimento.”. Ainda: “Ingere muita bebida alcoólica, e acha o depoente, que também mexa com droga; que além disso o mesmo é muito bagunceiro, arruma briga na rua, e é uma pessoa má.”. Também: “É ex-presidiário, por ter várias condenações pela prática de furtos nesta Comarca.”. A defesa dos acusados, que não pode arrolar testemunhas na fase de inquérito, desdobra-se na fase judicial para tentar reverter a má imagem pintada sobre o seu cliente nos depoimentos colhidos na polícia. Conforme destacado por Paes (2010), os discursos ence- nados pelo Delegado e pelo Promotor de Justiça têm uma posição
  • 30. sumário 29 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG privilegiada no processo, pois a defesa apenas pode contra-argu- mentar as alegações e tentar desconstituir os indícios e as provas produzidas no inquérito e/ou na denúncia, ou seja, tenta, como pode, beatificar o acusado. Em um dos processos analisados, as testemunhas trazidas pela defesa afirmaram em seus depoimentos que os réus “são pessoas de boa conduta, que conviviam muito bem com todos.”; “Afirmam não saber fatos que desabonem a conduta do réu [...] pois é honesto.”; “Que a declarante esclarece que Reginaldo Nassau Barbosa é uma pessoa boa e trabalhadora.”; “Que é pessoa de bom comportamento social, e os fatos narrados na denúncia foram para a depoente uma surpresa, já que o acusado é pessoa que participa de caminhada na igreja, de grupo de jovens em Cristo e nunca pensou que fosse capaz de praticar tais fatos” [...] “Que a depoente sabe que o segundo acusado é pessoa de bom comportamento, traba- lhador, honesto e nunca ouviu dizer nada que o desabone.”. Nos interrogatórios prestados pelos próprios suspeitos e nas peças jurídicas produzidas pelos Advogados de defesa, encon- tram-se discursos construídos com o claro propósito de demonstrar que o acusado se transformou em um novo sujeito, que aprendeu a lição com o castigo aplicado pelo sistema criminal e agora apresenta um comportamento social “melhorado”, alinhado com o padrão social normativamente desejado. A propósito, a seguinte transcrição: “Que o declarante está arrependido do que fez, atualmente encontra-se preso e está procurando mudar, pois viu que não resulta em nada tal comportamento, a não ser a prejuízos para sua própria pessoa.”. Imbuído do propósito de criar um cenário processual favorável ao cliente, o Advogado de Raul Evangelista de Jesus, acusado de furtar inúmeras fitas de vídeo, piratas, instruiu o pedido de liberdade provisória do cliente, preso em flagrante, com cópias da carteira de trabalho do réu, a fim de demonstrar que o cliente era pessoa traba- lhadora. Na narrativa destinada ao convencimento do Juiz sobre a soltura do réu, o Advogado alegou que o suspeito possuía residência
  • 31. sumário 30 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG fixa, era réu primário e pai de família, com três filhos, passando por uma situação difícil, pois a companheira estaria grávida do quarto filho. Os argumentos deram certo. A impressão que se tem é que os papéis opostos que cada um ocupa na trama judicial fazem com que o processo criminal corres- ponda, na maioria das vezes, a um jogo de argumentos contraditó- rios, de prova e contraprova, de disse-e-não-disse, de acusação e defesa que dificilmente concordam na interpretação jurídica e social do fato. Enquanto uns condenam o comportamento do réu, outros se esforçam passar uma “boa” imagem dele. Enfim, encenam o jogo semântico de construção de pares opostos e complementares – bem e mal, honesto e desonesto, trabalhador e vadio. Nesse paradoxo, os valores morais da Justiça, baseados no saber jurídico e no poder estatal de punição, estendem seus tentá- culos e demonstram também haver um controle social sobre os indi- víduos acusados de praticar crimes contra o patrimônio. Além disso, e acirrando ainda mais as adversidades, não se pode negar que está também em jogo, no processo, uma disputa de vaidades e por reconhecimentos, pois a competência dos Delegados, Advogados, Promotores e Juízes, também se encontra em julgamento. Ao mani- pularem os referenciais sociais, os oficiantes do Direito reafirmam em seus discursos, a todo o momento, o compromisso com a guarda das leis, com a Justiça e com os “bons” costumes. Consoante demonstrado, é por meio da prática profissional dos oficiantes do aparato de Justiça Criminal que o comportamento individual, a conduta social e os valores morais dos suspeitos são transportados para o processo judicial. E assim utilizados para sustentar as teses jurídicas e as decisões tomadas no curso do ritual de incriminação. Além dos debates em torno dos fatos, da sua classificação típica, das provas e dos indícios, observou-se dos autos criminais pesquisados que os atores jurídico-policiais também discutem ques- tões relacionadas ao conjunto de características morais do suspeito.
  • 32. sumário 31 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG Conforme se verificou, existe uma preocupação com a conduta, passada ou presente, que ultrapassa os limites objetivos do fato para situar num contexto político e social bem mais amplo do que a simples violação da norma penal objetiva. CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora a dogmática jurídica insista que o processo penal corresponde a uma garantia do cidadão contra as arbitrariedades do sistema punitivo estatal, a realidade encontrada na pesquisa aponta que o acusado, desde que entra na Polícia até o momento em que sai livre ou é encaminhado para a penitenciária, manifesta-se nos autos apenas por meio de representantes técnicos jurídicos ou na forma de interrogatórios em que se registram apenas as respostas na linguagem de quem dita – o Delegado ou o Juiz – e, muitas das vezes, numa linguagem que o acusado não compreende. A versão do réu sobre os acontecimentos pode ser usada para condená-lo (quando admite ou confessa o crime), porém, nos autos analisados, em nenhum momento sua versão foi aceita para absolvê-lo da acusação. Em termos formais, o acusado deve ser considerado inocente até que advenha uma decisão judicial condenatória definitiva. Em termos reais, sofre todo o peso da acusação e já nos registros poli- ciais é tratado de “elemento”, “meliante”, “vadio”, “larápio”, “surru- piador”, “gatuno”, ou apelidado por códigos numéricos que se referem à ordem dos crimes no Código Penal: “155”, “157”, “171”. Percebeu-se que Advogados e Promotores defendem no processo criminal as suas respectivas impressões e posições sobre o fato (teses jurídicas). Constroem seus discursos com o objetivo de vencer a disputa sobre o enquadramento ou não do fato ao molde legal descrito na norma penal incriminadora. Por tudo quanto avaliado, pode-se dizer, em última análise, que, embora o sistema de Justiça Criminal seja cercado e estrutu-
  • 33. sumário 32 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG rado por uma grade legal, existem poros tanto na textura da norma penal quanto na lei processual penal que precisam ser preenchidos na prática. O preenchimento dessas porosidades ocorre no caso a caso, em que os espaços em branco são completados pela atuação dos atores jurídico-policiais no ensejo da interpretação e aplicação das normas que colocam em funcionamento as engrenagens da estrutura do sistema de Justiça Criminal. É nesses momentos da prática profissional, em que a norma penal geral e abstrata finalmente é transformada em ação específica e concreta, que o “molde delinquente” construído pelo imaginário social é preenchido a partir de comportamentos e perfis não alinhados com a moral socialmente dominante. Nesse instante, a presença de resquícios do positivismo jurídico fica evidente, pois denunciam que os operadores jurídicos de hoje também estão, como os médicos do início do século XIX, imbuídos da missão de formar o cidadão virtuoso e completo, cumpridor de papéis interdependentes: traba- lhador, membro de uma família e indivíduo higienizado (moradia, lazer e corpo saudáveis, por exemplo). As correlações entre hones- tidade, moral e bom trabalhador ainda estão presentes no meio jurí- dico e formam um triângulo referencial riquíssimo na sociedade que se deseja formar. Nessa perspectiva, ao julgar um crime contra o patrimônio, resultante da quebra de uma norma jurídica de proteção patrimonial, os valores sociais mais amplos da sociedade continuam pautando os debates, pois os operadores do direito seguem acreditando que a insubordinação do réu perante as normas penais é resultado da quebra de outras normas morais e sociais. Noutras palavras, a conduta total do indivíduo ainda exerce influência na decisão jurídica sobre a sua culpa, na medida em que não está em julgamento apenas o que o suspeito havia feito, mas também aquilo que o acusado era, é ou pode ser.
  • 34. sumário 33 O julgamento moral dos suspeitos de praticarem crimes contra o patrimônio na comarca de Montes Claros-MG REFERÊNCIAS AGUIAR, Cynara Silde Mesquita Veloso de; ALMEIDA, Margarida Maria Barreto. Relatório final do projeto vozes do cárcere: uma investigação da vida carcerária. Montes Claros: Ed. Unimontes, 2004. CORRÊA, Mariza. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983. FIGUEIRA, Luiz Eduardo de Vasconcellos. Produção da verdade nas práticas judiciárias criminais brasileiras: uma perspectiva antropológica de um processo criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris; Niterói: Eduff, 2005. GEERTZ, Clifford. Negara: o estado-teatro no século XIX. Tradução de Miguel Vale de Almeida. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. LIMA, Roberto Kant de. Da inquirição ao júri, do trial by jury à plea bargaining: modelos para produção da verdade e negociação da culpa em uma perspectiva comparada Brasil/Estados Unidos. Tese (Concurso de Professor Titular em Antropologia)–Departamento de Antropologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 1995. MISSE, Michel. Malandros, marginais e vagabundos: a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia)–Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro, 1999. MOURA, Tatiana Whately de; RIBEIRO, Natália Caruso Theodoro. Levantamento nacional de informações penitenciárias: INFOPEN: junho de 2014. Brasília: Ministério da Justiça / DEPEN, 2014. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2014. NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2015. PAES, Vivian Ferreira. Do inquérito ao processo: análise comparativa das relações entre polícia e Ministério Público no Brasil e na França. In: Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, Ed. Universidade Federal do Rio de Janeiro, v. 3, n.º 7, p. 109-141, jan.-fev.-mar. 2010.
  • 35. sumário 34 O consumo na perspectiva antropológica 02 O C O N SU M O N A PERSPEC TIVA AN TRO PO LÓ G IC A Aurenice da Mota Teixeira1 1. Doutora em Ciências Sociais pela UERJ e Professora da Universidade Estadual de Montes Claros-Unimontes. E-mail: aurenicem@gmail.com
  • 36. sumário 35 O consumo na perspectiva antropológica Este trabalho faz parte de um estudo mais amplo em que se aborda a institucionalização dos direitos dos consumidores. A abordagem antropológica do consumidor na busca de seus direitos permitiu compreender o que motiva o consumidor a consumir bem como a atuar quando o outro parceiro contratual não corresponde ao esperado. Para tanto, partiu-se da compreensão da antropológica acerca do significado do ato de consumir ou o porquê se consome e como esta dinâmica é entronizada na cultura do povo. A proposta desde texto é demonstrar, através da vasta biblio- grafia pesquisada, que a cultura material acompanha o ser humano em suas diversas manifestações. E o seu valor não pode ser igno- rado, tendo em vista as representações. Para melhor compreensão da dinâmica do consumo na pers- pectiva antropológica entende-se ser necessário estudar o debate sobre o consumo, enquanto atividade mensurada pelo dinheiro, e a troca de objetos, que é efetivada sem o intuito lucrativo, mas como forma de estabelecer e valorar relações sociais. O consumo se refere à apropriação de bens mediante a arti- culação de valores e intermediados pelo dinheiro. A propriedade material, a princípio, abrange o consumo e a aquisição de bens que não são, especificamente, intermediados pelo mercado. CULTURA MATERIAL, CONSUMO E SOCIABILIDADE A materialidade é aspecto presente na reprodução da vida social de toda sociedade, e independentemente do modo de vida de condições econômicas. As atividades mais triviais – como, por exemplo, comer, beber e se vestir – reproduzem e estabelecem mediações entre estrutura de significados e o fluxo da vida social por meio dos quais as identidades, as relações e as instituições sociais
  • 37. sumário 36 O consumo na perspectiva antropológica são formadas, mantidas e mudadas ao longo do tempo. Isso é cons- tatado em obras sociológicas importantes como Malinowiski, em “Os Argonautas do Pacífico Sul”, que aponta como colares e pulseiras representam um valor simbólico servindo de reprodução das rela- ções de poder. Marcel Mauss, ao criar a categoria de fato social total, demonstra como as relações contratuais estabelecem-se em torno do consumo e da dádiva nas sociedades arcaicas. A projeção da Sociologia sobre o consumo ganhou conside- rável alcance com o surgimento da sociedade do consumo – carac- terística da sociedade moderna – em que o adquirir assume uma dimensão muito mais abrangente do que o simples suprir as neces- sidades materiais e de reprodução social (BARBOSA, 2004, p. 14). Como enfatiza Slater (2002, p. 17), “o consumo é sempre e em todo lugar um processo cultural, mas a cultura do consumo é singular e específica: é o modo dominante de reprodução cultural no ocidente durante a modernidade.”. O homem não sobrevive apenas com capa- cidades biológicas, pois se apropria de visões de mundo (cultura). Diante disso, é importante destacar as discussões teóricas propostas pela Antropologia sobre a cultura material e o consumo. Desde o início do séc. XX, a Antropologia deu importância singular aos estudos das sociedades nativas não monetarizadas, seja enfa- tizando os efeitos desintegradores da inserção da economia de mercado nesses tipos de sociedades, seja apontando a capacidade de conjugação dos sistemas tradicionais com a monetarização do dinheiro e bens (DUARTE, 2010, p. 364). O antropólogo britânico Carrier (1995), tendo em vista vastos documentos históricos acerca da comercialização no Ocidente desde 1700, aponta que, à medida que a sociedade industrial e do consumo se expandia, também se expandia a relação das pessoas com os objetos. No entanto, a vasta quantidade de objetos ofertados e a variedade deles não fizeram com que as pessoas deixassem de estabelecer relações pessoais por meio dos objetos, do apego a eles e, ainda, expandindo a conexão pessoal por meio dos produtos e serviços adquiridos.
  • 38. sumário 37 O consumo na perspectiva antropológica Dessa forma, enfatiza Duarte (2010) que o melhor é acentuar o mercado moderno como um caso particular do dom. Assim como o dom liga pessoas como sujeitos por meio de objetos, também o mercado proporciona essa vinculação, uma vez que as relações de mercado nem sempre estão pautadas por “interesses materiais” e pela “equivalência monetária”. O cerne da questão, para essa autora, é que o reconhecimento da equivalência entre os parceiros contratuais constitui um valor implícito fundamental e anterior à equivalência monetária e prestações recíprocas, ou seja, o conflito emerge da não observância dessa equivalência entre parceiros. Estudando as relações de consumo, Bevilaqua (2008) demonstra que o conflito surge quando um dos parceiros contra- tuais quebra deveres de respeito e consideração recíprocos, já que a parte contratante tende a tolerar atos como, por exemplo, o atraso na entrega de mercadoria quando esse respeito mútuo se mantém. Não é a materialidade em si, mas subjetividade inerente. Ela cita o fato de um pedreiro, que estava sujo de pó, não ter conse- guido sacar um cheque em determinada agência bancária, mesmo levando o emitente do cheque até a agência. Em protesto, o corren- tista voltou à agência com 55 quilos de moeda para serem deposi- tados, contando para tal engendramento com o apoio de um ônibus, alugado por R$300,00, e de 34 amigos, que depositaram cada um, o valor máximo aceito para depósito, conforme regulamentação do Banco Central. O referido fato foi comemorado com oito caixas de cervejas e 25 quilos de carne. Nesse exemplo, a autora demonstra, pelo descompasso entre a energia, os recursos financeiros gastos e o prejuízo sofrido, que o mercado está além de relações impessoais, marcadas meramente pelos recursos financeiros. Nesse caso, a autora vê que nessa relação há um sujeito que busca se afirmar como sujeito diante do outro, no lugar da indiferença das relações de mercado. Caracterizar a sua troca implica fatores sociais, históricos e políticos, que vão determinar padrões e critérios simbólicos,
  • 39. sumário 38 O consumo na perspectiva antropológica classificatórios e morais. No entanto, adverte em determinados contextos que a mercadoria valor e preço ficam em descompasso. A primeira situação é quando as transações ultrapassam fronteiras culturais e o fator determinante, senão único, é o preço, que não precisa ser especificamente monetário, podendo a negociação se dar também por permuta. A segunda situação é a das trocas intraculturais, em que uma troca específica se baseia em valores totalmente díspares, apesar de um amplo universo de conhecimentos compartilhados, como no caso de extrema privação como fome e guerra, a exemplo de tribos africanas que vendem filhas para não passarem fome (APPADURAI, 2008, p. 28). As mercadorias são resultado de um processo de atribuição e valor às coisas. Uma mesma coisa pode estar dentro ou fora do estado de mercadoria, a depender do contexto ao qual se insere, a exemplo da relíquia que a sua história de vida é determinante para seu valor. Essa atribuição de valor está além do fator econômico e do contexto do capitalismo industrial. Assim, os objetos tratados como dons podem ter o mesmo patamar de análise das mercadorias. Nesta perspectiva, o tratamento dado ao estudo dos objetos pela Antropologia vem, ao longo do tempo, quebrar a dualidade das interpretações entre dom e mercadoria, pois estas são mais humanizadas e pessoalizadas. Além disso, o enfoque já não é mais a produção (fetiche da mercadoria), mas perpassa por todo o processo de circulação buscando entender as interações e repre- sentações cotidianas entre objetos e pessoas (LEITÃO; PINHEIRO- MACHADO, 2010; MILLER, 2013; APPADURAI, 2008). Pode-se dizer que, de maneira geral, em todas as socie- dades e em todos os momentos históricos, as pessoas consu- miram e consomem objetos, apesar de a sociedade moderna ser denominada de sociedade do consumo. É certo que o momento atual é caracterizado pela dinamicidade como o consumo se dá, tendo em vista o seu aumento, como também as diversas formas em que se consome.
  • 40. sumário 39 O consumo na perspectiva antropológica O estudo da Antropologia do consumo tem o mérito de deslocar a análise econômica do consumo utilitário para a análise do fato social. O consumo deixa de ser mero reflexo da produção e passa a ser estudado como fato social total que possui uma rede de significados que levam em consideração os valores sociais subjacentes. Essa perspectiva antropológica nasceu da crítica às teorias reducionistas do fenômeno do consumo. Ou seja: um indivíduo é tido como um ser racional, que compra a partir da escolha em busca da maximização de seus gastos, de modo a obter o maior retorno possível dos recursos apreendidos no processo de compra. Veblen (1965) e Mauss (2003) são apontados como os primeiros autores a abordarem as relações entre bens e pessoas como fato totalizante e classificatório. Ou seja, os bens estabelecem comunicação sobre as pessoas exercendo funções para além de sua utilidade prática. Com isso, abriu-se um espaço nas Ciências Sociais para a análise simbólica e social do consumo até então pouco percebida. Se Mauss teve o mérito de contribuir com um minucioso estudo sobre as sociedades arcaicas, analisando a ritualística da troca de presentes e fazendo desse estudo um campo fértil de pesquisas acadêmicas, a ele também foi atribuída a dormência dos estudos antropológicos sobre a materialidade para além das socie- dades pré-industriais. A vertente de Veblen (1965), na obra “Teoria da Classe Ociosa”, é essencial para compreender o processo de consumo como campo de estudo, tendo em vista os avanços obtidos como também as permanências a ele atribuídas, objeto de críticas de alguns estudiosos subsequentes. Entretanto, em geral, quanto ao consumo, Veblen é apontado como o pioneiro no deslocamento do eixo das necessidades para o campo das forças sociais. O consumo deixa de ser simples efeito reflexo da produção.
  • 41. sumário 40 O consumo na perspectiva antropológica O autor sustenta que as classes sociais mais elevadas tendem a ter gastos supérfluos e a praticar o ócio para se manterem em padrão de vida desejável pela classe inferior. Para isso, utiliza a categoria de “padrão de vida pecuniário” em que gastos conspicu- amente supérfluos são instrumentos para obter a opinião favorável frente à comunidade. É o consumo da visibilidade e da ostentação para obtenção de status. Os indivíduos empreendem seus recursos não para gastos ordinários, mas para o consumo “ideal” que requer engendramento de esforços e está ao alcance de poucos. O consumo, desse modo, foi deslocado para âmbito do simbólico como forma de comunicação entre os atores sociais. Isso porque o bem em si não tem valor cultural, pois são as rela- ções sociais que lhe atribuem valor, pautadas pela competitividade, inveja e futilidade. Por causa dessa perspectiva negativa atribuída ao consumo – expressão de status e instituidor de uma estrutura de diferenças entre os indivíduos – Veblen vem sofrendo críticas no decorrer do tempo, principalmente na atualidade. O consumo, então, passa a ser encarado como representante da ganância humana, visão que até hoje leva a equívocos no estudo do consumo pelas diversas áreas do conhecimento. Douglas e Isherwood (2013) têm o mérito de trazer o estudo do consumo para o campo da realidade cultural. Trata-se de tema antropológico por excelência, o que perpassa pela superação dos preconceitos do consumo como uma doença psíquica. Criticam também as teorias neoclássicas que têm o utilitarismo, a racionali- dade e a maximização de ganhos como respostas para o consumo. A proposta do livro é denunciar a crescente onda contra a sociedade do consumo. Os autores promovem um diálogo entre Economia e Antropologia, trazendo o debate do consumo para a teoria da cultura e da vida social, descortinando os estudos até então existentes, dos preconceitos que reduzem os estudos dos efeitos do consumo de objetos. O consumo, então, é elemento da cultura, carregado de aspectos simbólicos da vida social que implicam motivações para o
  • 42. sumário 41 O consumo na perspectiva antropológica ato de consumir. Por isso, segundo os autores, o consumo deve ser estudado sem que se leve em consideração os valores moralizantes por serem prejudiciais à verdadeira análise do consumo como prática capaz de contribuir para construção de relações sociais. Os bens materiais, em todas as sociedades, até mesmo nas classes sociais desprovidas de recursos financeiros, vão fazer parte das interações entre as pessoas tendo em vista que os ritos fazem parte do comportamento humano e os bens são símbolos por meio dos quais os ritos se manifestam. Por isso mesmo, os autores dizem que “viver sem rituais é viver sem significados claros e, possivel- mente, sem memórias.”. Tanto para as sociedades tribais quanto para os seres tidos por civilizados, os rituais servem para conter a flutuação de significados. Assim, os rituais de consumo seriam de constituição e manutenção de relações sociais. Em consequência, ter a oportunidade de participar de tais rituais ou, ao contrário, não ter essa oportunidade, diz muito sobre estar incluído ou excluído de determinado grupo social. Mediante o consumo, dize-se do que se gosta e o que não se gosta para afirmar quem se é. “Os bens são neutros, seus usos é que são sociais.” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013, p. 36). Servem para analisar a segregação e as estratégias de inserção social, da mesma sorte, que indicam comportamentos de reafirmação social, marcação de território e identidade, como também expressa relação de poder. O uso dos bens pode representar análises diversificadas. Uma das críticas de Miller (2007) sobre os estudos de consumo diz respeito ao que considera como pobreza dos argumentos morais deslegitimadores do ato de consumir que, segundo ele, emana do moralismo e do senso comum. Segundo o antropólogo, o principal argumento para a disseminação de que o consumo é quase que uma doença está relacionada ao desejo de se criticar a desigualdade e a exploração decorrentes do capitalismo moderno. Demonstra que o consumo é materialista e que não há nenhum problema em sê-lo, pois o que é pernicioso para a humanidade é a falta de recursos materiais, ou seja, a pobreza. “O inimigo de Marx era a pobreza e a
  • 43. sumário 42 O consumo na perspectiva antropológica falta de posses. Ele reconheceu o papel vital da cultura material no desenvolvimento das relações sociais” (MILLER, 2004, p. 32). A maioria dos autores contemporâneos tem observado que o caráter moralizante no estudo do consumo deixa de enxergar os seus verdadeiros reflexos. O consumo e o consumidor modernos são tratados como responsáveis pela perda de valores tradicionais (destradicionalização), individualismo egoístico e valorização dos bens materiais em detrimento das relações sociais. Essa perspectiva ganha força quando comparada às sociedades ditas primitivas em que os bens estavam relacionados ao ciclo vital. A ideia norteadora, então, é a de que os bens sempre mediaram relações sociais, possibilitando trocas e ampliando redes de relações. Por isso, o argumento de que a sociedade contempo- rânea é degenerada por meio do apego aos bens materiais e ao consumismo e de que, em virtude disso, haveria um possível afasta- mento das pessoas, é um mito que foi reproduzido pelo corpo social como verdade. O fato é que com Douglas e Isherwood que se tem a percepção de que o consumo é uma prática constante em todas as classes sociais, o que não era levado em consideração em estudos anteriores. Com isso, ignorava-se, por exemplo, que as classes de menor renda são consumidoras, fato constatado muito antes pela Economia e pelo Marketing, que viam a ascensão das classes C e D como oportunidade de negócios. Roupas, brinquedos, serviços de saúde, casa própria, eletrodomésticos linha branca, entre outros, foram adquiridos nos últimos dez anos no Brasil pelos segmentos de menor renda. Nessa perspectiva, como ignorar que a aquisição material sugere que essas pessoas, antes esquecidas pelo mercado, são e sempre foram consumidoras? Antes, consumidores do mínimo existencial, depois, de bens de conforto que possibilitam a troca de presentes, contribuindo para o aumento das redes de interação. O catador de latinha, ao fim do dia, compra alimentos com os recursos
  • 44. sumário 43 O consumo na perspectiva antropológica auferidos com o seu trabalho, e até mesmo o pedinte pratica atos de consumo. Voltando às classes C e D, não se pode ignorar que as pessoas passaram a adquirir objetos básicos, considerados por alguns como “necessários”, e outros bens, tidos como “supérfluos”, objetos de sonhos como celulares, viagens. Mas por que pensar que os ocupantes dessas classes sociais não teriam direito a viagens e modernos aparelhos celulares? Seria por acaso social e moralmente pernicioso possuir tais objetos por serem tidos como símbolos da insensibilidade à pobreza ou indigno de serem adquiridos por certas classes sociais, carentes de outros bens, inclusive de responsabili- dade do poder público? O que é preciso perceber é que o consumo, com maior ou menor intensidade, é praticado em todas as sociedades e em todos os tempos. É um mito pensar que o ato de consumir está ligado às classes sociais mais abastadas. A avaliação moral do consumo é feita segundo os critérios do necessário e do supérfluo. Tudo que perpassa o essencial é conside- rado moralmente ilegítimo, egoístico ou destruidor segundo a crítica de alguns teóricos contemporâneos. Então, por que se tem mais de um banheiro em casas? Ter uma suíte é um item de conforto da mesma sorte que se empreende trabalho na obtenção de recursos para financiar uma viagem, símbolo de descanso merecido e de obtenção de novos conhecimentos que ampliam a visão de mundo. Na atualidade, os antropólogos estudiosos do consumo reco- nhecem que a sua análise deve se afastar das categorias útil, neces- sário, fútil como característica do consumo por não formarem um par de oposições objetiva e universal (LIMA, 2010). Não há critério seguro para se afirmar que a aquisição de determinado bem está no campo do supérfluo, sob pena de se ter um julgamento precon- ceituoso da atitude do outro, mas não das próprias pessoas que julgam. Quem compra o faz porque julga necessário. E encontra alguma maneira de justificar a compra como, por exemplo, “é um
  • 45. sumário 44 O consumo na perspectiva antropológica investimento, eu mereço, estava precisando, foi uma boa aquisição já que estava em conta, tenho para quando precisar.”. Além do discurso do estritamente necessário, há uma visão de que determinados gastos são legítimos e outros ilegítimos. É legítimo aplicar recursos em instituições financeiras ou custear escola particular, fazer viagens culturais e, por outro lado, é ilegí- timo comprar um aparelho eletrônico de última geração, especial- mente se já possui um aparelho que cumpre as funções básicas. Essa visão moralizante se enfatiza mais se quem empreende seus recursos em eletrônicos faz parte das camadas sociais mais baixas. Do mesmo modo como se está apto a repetir os hábitos cultu- rais, também se está sujeito a incorporar novas práticas, já que não existe um padrão básico e fixo de se comportar, uma vez que a cultura perpassa por processo de continuidade. A cultura não é um dado, mas uma construção. Assim, todos os atos de consumo refletem julgamentos valorativos e morais culturalmente estabelecidos. CULTURA MATERIAL, CONSUMO E CIDADANIA Enquanto a cultura material enfatiza que o consumo nas sociedades modernas constitui um ser e fazer, Lima (2010) ressalta que os encaminhamentos epistemológicos, que repercutiram nos estudos antropológicos, a partir dos anos oitenta do século passado, ressaltam os sujeitos sociais como agentes de sua prática e não apenas reprodutores da estrutura de significados pré-datados por sua cultura. Predominava, nessa época, a visão equivocada de que os sujeitos eram executores de padrões culturais ou reprodutores do status quo. Os estudos recentes mostram que, mesmo com a temida globalização, os efeitos do ser, fazer e ressignificar não induzem a massificação da cultura. As diferentes interfaces culturais se harmo- nizam no todo. O que era tipo cafona ou exótico passa a ser objeto
  • 46. sumário 45 O consumo na perspectiva antropológica de desejo por ser ressignificado. O que é tido como aceito torna-se símbolo de retrocesso. O movimento de consumidores se inclui dentre os movimentos sociais econômicos ao lado dos movimentos do comércio justo, economia solidária, e slow food. Trata-se de um movimento em que os atores constroem uma nova cultura de ação política objetivando à reapropriação do mercado a partir de valores próprios (WILKINSON, 2006; PORTILHO, 2009). Conforme já abordado, o movimento social de consumidores se divide em três espécies: o primeiro é o movimento consumerista, que tem como objetivo demarcar o território do direito do consumidor com ações políticas, a fim de obter maiores garantias nas relações de consumo. O seu foco é o mercado e o Estado, visando diminuir a disparidade de forças entre consumidor e fornecedor. Esse grupo específico foi quem participou das conquistas na institucionalização dos direitos dos consumidores. O segundo, o movimento anticon- sumo, tem por objetivo a atuação prática e crítica ao consumismo e à sociedade do consumo. Por último, o movimento pró-consumo responsável, que, com discursos e práticas, buscam, por meio da atuação política, minimizar os efeitos do consumo no cotidiano. O enfoque dado pelo movimento pró-consumo responsável é relevante no âmbito de aplicação da esfera política, na qual o consu- midor é agente de transformação do status quo e na atribuição de responsabilidade dos seus atos diante das práticas de consumo. Ao contrário dos movimentos consumerista e anticonsumo, o movi- mento pró-consumo responsável não se atribui vítima, e sim atores sociais, agentes de transformação. Assim, vislumbra-se um deslocamento das práticas de consumo de massa e, mais propriamente, uma reação a ela. Trata-se de um grupo considerado ainda pequeno e residente em grandes centros que, como forma de resistência ao mercado massificado, indica para a atuação mais efetiva do sujeito mediante o consumo sustentável ou consumo verde.
  • 47. sumário 46 O consumo na perspectiva antropológica Nesses movimentos, observa-se proposta de resistência e conteúdo de protesto como forma de atuação política, seja indivi- dual, seja coletivamente. “A teorização dos Prazeres do Consumo, de Certeau (2009) pode ser considerada o exemplo extremo dessa abordagem como prática de subversão” (DUARTE, 2010, p. 375). O uso que os indivíduos fazem dos bens podem ser uma tática contra uma estratégia imposta. É interessante aqui demonstrar o sentido de tática e estratégia em Certeau. A tática é a arte do fraco sendo que o significado de fraco não está relacionado à dimensão hierárquica, pois é considerado como a potencialidade de atuação em relação ao outro, ao poder estabelecido. Na condição de fraco, o sujeito pode aproveitar a oportunidade e se valer da tática a fim de burlar a estratégia do poder estabelecido. A estratégia está ligada à demar- cação de um espaço próprio, um poder. A reinvenção do cotidiano perpassa pela atuação do fraco, modificando as relações de poder. Outra vertente da atuação política via consumo e que tem sido objeto de estudos recentes no Brasil é a atuação política indivi- dual do consumidor por meio de suas práticas de consumo. Não se trata de um grupo organizado previamente, com identidade própria. “Trata-se de uma ação política inovadora e não institucionalizada que, ao contrário da privatização da política, pode ser analisada como politização da vida privada, ampliando o espaço da política.” (PORTILHO, 2009, p. 201). Não se enquadram nos movimentos pró-consumo responsável anticonsumo ou consumerismo, uma vez que sua atuação se manifesta de forma individualizada e difusa. Esses indivíduos incorporam valores morais em suas práticas tais como solidariedade, ética e responsabilidade social e ambiental. Em decorrência disso, tem sido entendido como forma inovadora de participação no mundo público como ação política. Inclusive, os discursos e práticas desses indivíduos são interpretados pela Sociologia como “consumo político” ou “politizado”. O consumo passa a ser um espaço de luta em que a tomada de decisão é o ponto fundamental. Isso porque essa vertente não vê o consumo e o consu- midor relacionados às teorias economicistas da escolha racional ou
  • 48. sumário 47 O consumo na perspectiva antropológica ainda, ao indivíduo isolado ou autocentrado. Como também se afasta das teorias marxistas frankfurtianas. Ao revés do consumo emula- tivo, conspícuo, alienado, hedonista, materialista e individualista, o consumo, que faz parte da vida cotidiana, materializa valores e os torna públicos. O consumidor é agente capaz de se autodeterminar por meio de suas práticas triviais. Nesse contexto, o consumidor se autoatribui responsabilidades e valores morais ao mesmo tempo em que traz consigo conflitos, sociabilidade e restrições materiais e sociais (LUZ, 2014; PORTILHO, 2009; CANCLINI, 2010). A abordagem recente acerca da cidadania e consumo ressalta que as formas convencionais de participação política (sindi- catos, partidos políticos, eleições e movimentos sociais instituciona- lizados) sofreram uma mutação na sociedade atual. Vislumbra-se, agora, um modelo de participação política não institucionalizada, tida como menos hierárquica, mais autônoma, a exemplo dos boicotes, compras responsáveis e o uso consciente de recursos naturais na esfera doméstica (CANCLINI, 2010; GIDDENS, 1996; PORTILHO, 2005). Slater (2002) aponta que, na cultura do consumo, a relação entre modo de vida e recursos sociais dos quais dependem é medida pelas relações do mercado e assume a forma de consumo de mercadorias. Segundo o autor, a crescente associação entre consumidor e cidadão no contexto do neoliberalismo, em que consumidor é considerado o herói do momento, responsável pelo crescimento econômico e modelo de sujeito e cidadão moderno, é o exemplo de como o consumidor se torna modelo de liberdade cívica e de sociabilidade. Se, no passado, o consumo era instrumento de ostentação por determinados membros da comunidade – guerreiros, nobres, artesãos e nas culturas primitivas como forma de doação – em determinado momento, ser reconhecido na sociedade passou a depender do consumo e não simplesmente da posição na produção ou inserção familiar no espaço social. Isso quer dizer que o consumo
  • 49. sumário 48 O consumo na perspectiva antropológica passou a ser o principal critério de diferenciação social. Uma vez que o consumo carrega consigo uma expressão simbólica, são comu- nicadores, pois servem para dar visibilidade às práticas culturais (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013; MILLER, 2013). O pertencimento a uma determinada comunidade associado ao reconhecimento de sua dignidade e humanidade passou a servir de exigência de uma agenda estatal de condições de vida digna associada à possibilidade de consumo – ter uma vida digna é ter a possibilidade de consumo acima de certa linha e isso é bastante perceptível nas teorias desenvolvimentistas, especialmente na pers- pectiva do desenvolvimento como liberdade. Para Canclini (2010, p. 83), o consumo é um processo em que os desejos se transformam em demandas e em atos social- mente regulados. Em contraposição à noção jurídica de cidadania, que para o autor é restrita, existem formas heterogêneas de perten- cimento, cujas redes se entrelaçam com as do consumo. Portanto, não se trata de despolitização do cidadão. Ao contrário, a noção política de cidadão se expande para incluir direito de moradia, saúde, educação e apropriação de bens de consumo. Para o autor, hoje existe uma descrença nas instituições políticas e o consumo torna-se um espaço de participação e representação social impor- tante (dimensão política). Nessa perspectiva, o consumo deixa de ter repercussão tão somente na esfera privada. Há uma aproximação entre cidadão e consumidor no mundo público em que o consumo serve para pensar onde se coloca o indivíduo na organização socio- política, econômica e psicológica do espaço público. Cidadania é tratada aqui como pertencimento a uma comu- nidade ou nação. Mais do que isso, trata-se do reconhecimento da humanidade de um indivíduo e de sua aceitação, não apenas como membro daquela comunidade, mas como um par, um igual, um ser visível, digno de respeito (TASCHNER, 2010, p. 49). A democracia participativa implica o exercício direto e pessoal nos atos do governo. Ressalta Carvalho (2009), citando Macpherson,
  • 50. sumário 49 O consumo na perspectiva antropológica que, para se alcançar a democracia participativa, procedimentos devem ser estimulados, por meio de associações de bairros, liber- dade de expressão, congestão nas empresas, luta pelos direitos das minorias, visando promover a mudança da consciência do povo e diminuir a atual desigualdade social e econômica. Nas sociedades contemporâneas ocidentais, o consumo pode ser visto como mecanismo de integração social, de perten- cimento a determinada comunidade e reconhecimento. Nesse sentido, o consumo é relacionado ao código moral de trabalhador, de não marginal, e de poder. Ter a capacidade de consumo de deter- minados bens antes não acessíveis aproxima o consumo do reco- nhecimento de dignidade e, daí, de cidadania. A perspectiva negativa como se via a juventude e, espe- cialmente a geração Y, no início dos anos 2000, caiu por terra com acessão dos movimentos sociais em todo o mundo como a Primavera Árabe (2010), Occupay All Street (2011), e, no Brasil, com as manifestações por tarifa zero ocorridos em 2013. Assim, os membros da chamada sociedade do consumo e sociedade da informação, do conhecimento, do espetáculo, do capitalismo desor- ganizado compõem a geração do ativismo pelo reconhecimento dos direitos humanos, minimização das desigualdades sociais e melhoria da gestão pública. Esta sociedade dita do consumo entroniza em seu compor- tamento hábitos que vão além da esfera privada, demarcando, seja coletiva, seja individualmente, um espaço político através de suas práticas cotidianas.
  • 51. sumário 50 O consumo na perspectiva antropológica REFERÊNCIAS APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Tradução de Agatha Barcelar. Niterói: Eduff, 2008. BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. BEVILAQUA, Ciméa Barbato. Consumidores e seus direitos: um estudo sobre conflitos no mercado de consumo. São Paulo: Humanitas, NAU, 2008. CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos. 8. ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2010. CARRIER, James. Gifts and commodities: exchange and western capitalism Since 1700. London: Routledge, 1995. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: a arte do fazer. Tradução de Ephrain Ferreira Alves. v. 1. Petrópolis: Vozes, 2009. DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2013. DUARTE, Alice. A antropologia e o estudo do consumo: revisão crítica das suas relações e possibilidades. In: Etnográfica, v. 14, n. 2, 2010. Disponível em: <https:// etnografica.revues.org/329>. Acesso em: 21 nov. 2015. GIDDENS, Antony. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1996. LEITÃO, Débora Krischke; PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Tratar as coisas como fatos sociais: metamorfoses nos estudos sobre cultura material. Mediações, Londrina, v. 15, n.º 2, p. 231-247, jul.-dez. 2010. LIMA, Diana Nogueira de Oliveira. Consumo: uma perspectiva antropológica. Petrópolis: Vozes, 2010. LUZ, Carlos Costa Rodrigues. Sendo um consumidor consciente: discursos, projetos e subjetividades. 2014. Tese (Doutorado)–Universidade do Estado do Rio de Janeiro. RJ, 2014. MALINOWSKI, Bronislaw. Introdução: tema, método e objetivo desta pesquisa. In: Argonautas do pacífico ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1976. MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. MILLER, Daniel. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, Ed. IFCH, v. 13, n. 28, p. 33-63, jul./dez. 2007.
  • 52. sumário 51 O consumo na perspectiva antropológica MILLER, Daniel. Pobreza da moralidade. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência Política. Niterói, RJ, EdUFF, n. 17, p. 21-43, segundo semestre 2004. MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. PORTILHO, Fátima. Consumo sustentável: limites e possibilidades de ambientalização e politização das práticas de consumo. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, Ed. FGV, v. 3, n. 3, p. 1-12, 2005. PORTILHO, Fátima. Novos atores no mercado: movimentos sociais econômicos e consumidores politizados. Revista Política e Sociedade: Revista de Sociologia Política, Florianópolis, Edufsc, v. 8, n. 15, p. 199-224, out. 2009. TASCHNER, Gisela Black. Cultura do consumo, cidadania e movimentos sociais. In: Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 46, n. 1, p. 47-52, jan.-abr. 2010. VEBLEN, Thorstein Bunde. A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições. Tradução de Olívia Krähenbühl. São Paulo: Pioneira, 1965. WILKINSON, John. A mistura de mercados, movimentos e menus: a renegociação do espaço rural por ONGs, movimentos sociais e atores tradicionais. Paper apresentado na Oficina Internacional Globalização: dinâmicas sociais e culturais. Rio de Janeiro: MINDS / BNDES, 2006.
  • 53. sumário 52 Relações entre utopia e cidade nas ciências sociais 03 RELAÇ Õ ES EN TRE U TO PIA E C ID AD E N AS C IÊN C IAS SO C IAIS Elton Dias Xavier1 1. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; Doutor em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ; Pós-Doutoramento na Faculdade de Letras da Universidade do Porto - Portugal. Coordenador-Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social -Mestrado/Doutorado - PPGDS - da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes); Professor Titular da UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros (MG); Membro do Conselho Estadual de Educação - CEE/MG..