E a chuva ... (Livro pedagógico para ser usado na educação infantil e trabal...
Poesia 12 aulas
1. O que cabe na lata do poeta?
CONTEÚDO
Leitura
CONTEÚDO RELACIONADO:
A poesia
INTRODUÇÃO
Esta seqüência didátcica aborda a poesia. Conhecer esse género é altamente desejável
não só para a formação do leitor e do escritor que aprecia e sabe fazer uso de recursos
da linguagem literária, como também para a formação de um ser humano mais sensível
à poesia da realidade que está à sua volta.
Antes de iniciar o trabalho, vamos reflectir sobre por que vale a pena ensinar poesia na
escola. A poesia desperta a sensibilidade para a manifestação do poético no mundo, nas
artes e nas palavras. O convívio com a poesia favorece o prazer da leitura do texto
poético e sensibiliza para a produção dos próprios poemas. O exercício poético
desenvolve uma percepção mais rica da realidade, aumenta a familiaridade com a
linguagem mais elaborada da literatura e enriquece a sensibilidade.
O poeta José Paulo Paes diz no seu livro É isso ali: A poesia não é mais do que uma
brincadeira com as palavras. Nessa brincadeira, cada palavra pode e deve significar
mais de uma coisa ao mesmo tempo: isso aí é também isso ali. Toda poesia tem que ter
uma surpresa. Se não tiver, não é poesia: é papo furado.
Poesia e Poema
No ensino da poesia, é muito comum haver confusão entre o que é poesia e o que é
poema, como se fossem vocábulos sinónimos. Então, poesia e poema significam a
mesma coisa?
Não. Poesia é um termo que vem do grego. No sentido original, poiesis é a actividade
de produção artística , a actividade de criar ou de fazer . De acordo com essa definição,
haverá poesia sempre que, criando ou fazendo coisas, somos dominados pelo
sentimento do belo, sempre que nos comovermos com lugares, pessoas e objectos. A
poesia, portanto, pode estar nos lugares, nos objectos e nas pessoas. Assim, não só os
poemas, mas uma paisagem, uma pintura, uma foto, uma dança, um gesto, um conto,
por exemplo, podem estar carregados de poesia. Poema é uma palavra que vem do latim
poema, que significava 'poema, composição em verso; companhia de actores, comédia,
peça teatral', e do gr. poíéma 'o que se faz, obra, manual; criação do espírito, invenção'.
Portanto, poema é poesia que se organiza com palavras.
2. OBJECTIVO
Aprender a escutar, ler, compreender, interpretar, declamar e produzir poemas.
Reconhecer e fazer uso de recursos da linguagem poética, quanto à sonoridade.
CONTEÚDOS ESPECÍFICOS
Poesia e poema, rima, verso e estrofe.
Recursos da linguagem poética, quanto à sonoridade: rima; e quanto ao significado das
palavras: linguagem figurada, conotação e denotação, metáfora.
ANO
8° e 9° anos
TEMPO ESTIMADO
Cerca de 12 aulas de 50 minutos
MATERIAL NECESSÁRIO
A classe vai precisar de uma lata média ou de um balde com alça e de tintas, papel
colorido ou páginas de revistas para decorar o objcCto, que será a lata do poeta, onde
tudo/nada cabe. Vai precisar de uma TV e de um videocassete ou DVD player.
DESENVOLVIMENTO DAS ACTIVIDADES
Para criar um ambiente favorável ao estudo, leve para a sala imagens e breves biografias
dos poetas que serão lidos em sala de aula. Os alunos devem ser solicitados para
também pesquisarem imagens e biografias. Organize um painel num canto da sala com
esse material e dê um título a ele ou faça um concurso entre os alunos para a escolha do
nome da área. Na medida em que o trabalho avançar, ali podem ser fixados poemas de
autores escolhidos pelos alunos ou poemas produzidos por eles.
Explique para à turma que, juntos, vocês vão ampliar a compreensão da linguagem
poética, dedicando-se agora ao estudo específico da metáfora.
Para introduzir o assunto e conhecer o que pensam os alunos sobre o tema, pergunte:
Sabem o que é a metáfora? O que é linguagem subjectiva e linguagem objectiva? Em
que a linguagem de um texto científico é diferente da linguagem de um poema? Alguém
da turma já escreveu um poema? Qual?
RODA DE CONVERSA
Dê um tempo para à turma para discutir as questões em pequenos grupos. Depois, abra
uma roda de conversa e solicite que comentem sobre o que conversaram. Esse momento
dar-lhe-à uma idéia do que os seus alunos já sabem ou pensam sobre metáfora e
linguagem subjectiva e objectiva. Na roda de conversa, eles estarão expondo o
conhecimento prévio que têm do tema.
PREPARE-SE PARA LER
Em seguida, diga aos alunos que vai ler para eles um poema de Mário Quintana. Estude
previamente a leitura do texto. Prepare-se para ler em voz alta e leia com bastante
3. expressividade. Peça para prestarem atenção à definição que o poeta dá para poemas.
Os poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
(Fonte: QUINTANA, Mário.Esconderijos do tempo. Porto Alegre: L&PM,1980.)
Depois dessa primeira leitura, escreva o poema no quadro ou forneça cópias do texto
para os alunos. Pergunte: Poemas são a mesma coisa que pássaros? Que semelhanças o
poeta vê entre pássaros e poemas e que permitem ao poeta dizer “Os poemas são
pássaros ... ? “
Após essa indagação, explique:
Sentido literal e sentido figurado
De maneira geral, usamos as palavras com dois diferentes sentidos: o sentido literal e o
sentido figurado.
Sentido literal: Nesse caso, o sentido da palavra é exacto, directo, simples, não deixa
dúvida. Geralmente, nos textos em que deve predominar uma linguagem clara e
objectiva, como os jornalísticos e científicos, as palavras aparecem com um único
sentido, aquele que aparece nos dicionários. O sentido literal também é chamado
denotativo.
Sentido figurado: Quando o sentido da palavra aparece com um sentido ampliado ou
alterado no contexto, sugerindo idéias diferentes do sentido literal, dizemos que a
palavra está no sentido figurado. O sentido figurado também é chamado conotativo.
A LINGUAGEM DO POETA
A linguagem que o poeta usa não é uma linguagem comum. Os poetas não usam as
palavras em seu sentido literal, do modo como estão no dicionário. A linguagem do
poema Poemas não é comum. Ela expressa o modo particular como o poeta Mário
Quintana vê e sente o mundo.
Os poetas expressam- se de modo subjectivo. O mesmo não ocorre com os cientistas.
4. Peça para os alunos imaginarem o que aconteceria se um cientista explicasse uma nova
descoberta da medicina em linguagem subjectiva. Cada médico faria uma interpretação
diferente da explicação e esta variedade de interpretações poderia causar muitos
problemas.
A linguagem comum usada no dia-a-dia não é suficiente para aqueles que trabalham
com a palavra. Para um escritor conseguir expressar-se com originalidade, ele precisa
criar imagens. Para um poeta não serve qualquer palavra. Ele escolhe aquelas palavras e
expressões que melhor traduzam a sua visão das coisas. Essa escolha dá muito trabalho.
Por esse motivo diz- se que o poeta é um artesão da palavra . Olavo Bilac (1865-1918),
no poema “A um poeta” , já dizia que o autor, quando está criando, Trabalha, e teima, e
lima, e sofre, e sua .
Observe os exemplos:
Para o cientista, a Lua é:
Satélite natural da Terra
Para poetas, a Lua pode ser:
Casa de São Jorge
Fatia de queijo
Colar de prata da Noite
Actividades para praticar a linguagem conotativa
1. Pergunte para a turma por que motivo um cientista ou um professor usa o sentido
literal das palavras ou a linguagem denotativa, quando escrevem um texto para explicar
uma teoria.
2. Peça para a turma ampliar a lista acima: Para poetas, a Lua pode ser...
3. Os poetas expressam- se de modo subjectivo. O mesmo não ocorre com os cientistas.
Selecione poemas e textos científicos. Proponha aos alunos que comparem a linguagem
de um com a do outro para perceber as diferenças entre esses géneros textuais.
4. Peça para a turma comparar o verso de Quintana com uma definição de poema
encontrada no dicionário. Comente o efeito de sentido de cada definição:
a) Poemas são pássaros.
b) Poema é obra em versos.
5. Solicite que os alunos, em dupla, elaborem uma definição científica e uma definição
poética para coração . Organize um painel com essas definições distribuídas em duas
colunas: a coluna Coração para o cientista é... e outra, Coração para o poeta é...
6. Pergunte para a turma por que é que um cientista não pode fazer uso de linguagem
subjectiva e o poeta pode.
7. De acordo com o que responderam acima, peça para concluírem: um cientista precisa
fazer uso de uma linguagem objectiva, utilizando o significado mais conhecido das
5. palavras porque sua intenção comunicativa é... . Já a intenção dos poetas não é explicar
nada, a sua linguagem é subjectiva porque a intenção comunicativa é... .
8. Leia para a classe o poema do poeta português Luís Vaz de Camões,” Amor é um
fogo que arde sem se ver” , e que vem comentado logo abaixo. Peça para os alunos
fazerem um levantamento em todo o poema do que é o amor para o poeta.
Conversando sobre a linguagem poética
Explique para a turma que a linguagem subjectiva dá um novo sentido a palavras
conhecidas. O novo sentido nasce de uma semelhança percebida pelo autor. Para
Quintana, os poemas são como os pássaros. No famoso soneto de Camões, o poeta
português enumera várias semelhanças que ele vê para o sentimento do amor:
Amor é um fogo que arde sem se ver
Amor é um fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Linguagem figurada e as figuras de linguagem
Explique que a linguagem poética é chamada de figurada porque faz uso de figuras de
linguagem. Tais figuras são recursos que os poetas usam para criar efeitos de
expressividade, ou seja, para emocionar o leitor. Há vários tipos de figuras. Uma delas é
a metáfora.
A metáfora
Essas semelhanças ou relações que o poeta estabelece entre dois elementos, sem usar o
termo de comparação como chama-se metáfora e é uma figura de palavra muito usada
na poesia. Ela ocorre quando um termo é substituído por outro em função de algum
ponto de contato, de alguma semelhança entre eles. Se o primeiro verso do poema de
Camões fosse: o calor do amor arde como o calor do fogo , ele estaria fazendo uma
comparação. Camões preferiu escrever uma metáfora. No poema de Quintana, se a
6. opção fosse a comparação ficaria assim: Os poemas chegam não se sabe de onde como
os pássaros chegam e não se sabe de onde.
Para comparar
Distribua muitos poemas pela turma. Peça para os alunos compararem o efeito de
sentido da comparação e da metáfora nos poemas citados aqui e nos que o professor(a),
levou para a turma.
Gilberto Gil e a metáfora
O cantor e compositor baiano Gilberto Gil escreveu uma letra para uma canção que é
uma explicação poética para metáfora . A canção está gravada nos discos Gil Luminoso
(1999) e Um banda um (1982) e é possível escutá-la em
http://www.gilbertogil.com.br/sec_discografia_view.php?id=51
Leia a letra da música para a turma e, depois, se possível, leve o disco ou acesse na
internet para juntos cantarem a canção.
1. Peça para que interpretem os seis versos iniciais.
2. Pergunte se concordam com os versos:
Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudonada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
3. Solicite que expliquem por que tudonada está escrito como se fosse uma palavra só?
Metáfora (Gilberto Gil)
Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível
Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudonada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
7. Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora
A lata do poeta
Leve uma lata média ou um balde com alça para a classe. Oriente os alunos para decorar
a lata por fora, pintando-a ou recobrindo-a com papel colorido. Ela será a Lata do Poeta,
onde tudonada cabe.
O que vai dentro da Lata do Poeta?
Organize um acervo de livros de poesia ou cópias de poemas de diferentes poetas.
Exponha os livros e os poemas e solicite que cada aluno selecione metáforas nos
poemas expostos. Para isso, eles terão de ler vários. Deixe-os escolher à vontade. Este
momento não pode ser apressado. Planeie um tempo para a actividade. As metáforas
deverão ser copiadas em papel cartão, com letra bonita, e jogadas dentro da Lata do
Poeta . A lata (ou balde) ficará pendurada no pátio da escola. Os colegas das outras
turmas, além de professores, funcionários e pais serão convidados a jogar mais
metáforas dentro da Lata do Poeta.
Metáfora, literatura e cinema
O filme O carteiro e o poeta (Il postino, 1994), de Michael Radford, narra a história
(fictícia) da amizade entre o poeta chileno Pablo Neruda e Mario Ruppuolo. Filme
poético sobre os extremos da poesia em que Mario (Massimo Troisi) é um carteiro que,
ao fazer amizade com o grande poeta Neruda (então exilado político), vira seu carteiro
particular e acredita que ele pode se tornar seu cúmplice para conquistar o coração de
uma donzela. Descobre, assim, a poesia que sempre existiu em si. O filme baseia-se no
livro Ardiente Paciencia (1985), do escritor chileno Antonio Skarmeta. No Brasil, foi
editado pela Record com o título O Carteiro e o Poeta .
Se possível, leve o livro e o filme para a turma e programe uma sessão de cinema. Há
diálogos maravilhosos entre o poeta e o carteiro no livro e no filme. Um deles é sobre
metáfora, que o filme reproduz fielmente:
O carteiro e o poeta
- Metáforas, homem!
- Que são essas coisas?
O poeta colocou a mão sobre o ombro do rapaz.
- Para esclarecer mais ou menos de maneira imprecisa, são modos de dizer uma coisa
comparando-a com outra.
- Dê-me um exemplo...
Neruda olhou o relógio e suspirou.
- Bem, quando você diz que o céu está chorando. O que é que você quer dizer com isto?
- Ora, fácil! Que está chovendo, ué!
8. - Bem, isso é uma metáfora.
- E por que se chama tão complicado, se é uma coisa tão fácil?
- Porque os nomes não têm nada a ver com a simplicidade ou a complexidade das
coisas.
(O Carteiro e o Poeta, Antonio Skármeta)
Poesia e cinema
Organize outra sessão de cinema com debate. Desta vez com o filme “A Sociedade dos
Poetas Mortos” (Dead Poets Society), EUA, 1989. Direção de Peter Weir. Com Robin
Williams, Robert Sean Leonard, Ethan Hawke e Josh Charles. O filme conta a história
de um professor que fez com que os estudantes se encantassem com a literatura.
Segundo ele, o que dá sentido à vida tem a ver com o espírito e com o prazer, e a
literatura, incluindo aí a poesia, são fontes riquíssimas desses elementos.
Preparar um poema para ler para os outros
Falar para um público não é tarefa fácil, principalmente para os mais inibidos. Este
momento tem como objectivo desenvolver a oralidade. Sabemos que para expor um
assunto oralmente é importante a preparação anterior. Assim, dê um tempo para os
alunos se prepararem para falar:
Peça que os alunos escolham poemas para declamar. Os poemas podem ser escolhidos
entre todos os que você, professor(a), já ofereceu ou a escolha pode ser feita em casa, na
biblioteca da escola, ou em pesquisa na internet.
Os alunos devem levar os poemas escolhidos para casa e ensaiar sua leitura em voz alta.
Desafie-os a decorar os poemas.
Sarau
Em data marcada previamente, organize um sarau para eles se apresentarem,
declamando os poemas, que podem ser lidos ou falados de cor. Explique para a classe o
que é sarau. Antigamente os saraus eram manifestações artísticas de teatro, dança,
música e poesia apresentadas para nobres e reis. Hoje continua sendo encontro literário,
com a reunião de pessoas para recitação e audição de obras em prosa ou verso.
Avaliação
Este é o momento de saber se eles, de facto, aprenderam aquilo que você queria que
aprendessem. Se não aconteceu, você deve buscar as causas e reorientar a prática.
Actividade de avaliação
Produção de texto - Por meio dos textos que os alunos irão produzir, você avaliará o que
compreenderam do que foi estudado e se os seus objectivos de aprendizagem foram
atingidos. Ensine que nenhum texto nasce pronto. Para ficar bom, é preciso escrevê-lo e
reescrevê-lo muitas vezes, como fazem os bons escritores.
Diga à turma que cada um planeie o que vai escrever, faça rascunho, reveja e finalmente
passe a limpo seu poema. Reúna as produções dos alunos e exponha-as num mural ou
organize uma antologia:
1. Metáfora - Solicite que escrevam um texto expositivo, em prosa, para o 7° ano em
9. que explicam o que é metáfora. Depois de pronto, marque um encontro com os colegas
do outro ano. Avise que os textos serão avaliados por esses colegas. O leitor é que dirá
se entendeu a explicação sobre metáfora dada no texto lido por ele. Será considerado
bom o texto que conseguir dar uma explicação satisfatória para o leitor do 7° ano.
2. Imite o poeta - Peça que produzam um poema com metáforas. Esse texto deve ser em
versos, distribuídos em estrofes, com rima. Enfatize que poesia é invenção.
Anexos
Metáforas
Abaixo seguem textos que podem auxiliá-lo no estudo sobre metáfora.
Emprego de uma palavra em sentido diferente do próprio por analogia ou semelhança:
Esta cantora é um rouxinol ( a analogia está na maviosidade). (dic. Michaelis)
Tropo que consiste na transferência de uma palavra para um âmbito semântico que não
é o do objeto que ela designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança
subentendida entre o sentido próprio e o figurado. (Por metáfora, chama-se raposa a
uma pessoa astuta, ou se designa a juventude primavera da vida.) (dic. Aurélio)
É a figura de linguagem que consiste na transferência de um termo para um âmbito de
significação que não é o seu; ao contrário da metonímia não se fundamenta numa
relação objectiva entre a significação própria e a figurada, mas, sim, numa relação toda
subjectiva, criada no trabalho mental de apreensão; ex.: o último ouro do sol morre na
cerração (Bilac). A metáfora tem uma função expressiva, que é pôr em destaque
aspectos que o termo próprio não é capaz de evocar por si mesmo; assim, a última luz
do sol não ressaltaria a tonalidade especial da luz solar ao crepúsculo. A metáfora é, por
isso, um recurso corrente na linguagem e essencial na poesia. A seu lado, há a
comparação assimilativa ou símile, em que se obtém esse destaque pelo cotejo de dois
termos; ex.: a luz do sol é como ouro na cerração.
A metáfora é um facto de sincronia e só existe quando o termo tem a significação
própria nitidamente distinta da do termo que é substituído. Quando figura
sistematicamente numa expressão como idiotismo, perde a força evocativa, porque o
termo, em princípio metafórico, está idiomaticamente imposto na expressão (ex.: cabeça
de alfinete); tem-se então uma fossilização, e a metáfora só se torna patente em
formulações ad hoc (ex.: são idéias de uma cabeça de alfinete). Na diacronia, as
metáforas entram na evolução semântica e o termo incorpora a significação, de início
metafórica, na significação própria, cuja polissemia - a) aumenta, ou - b) não, conforme
a antiga significação própria - a) se mantém, ou - b) se esvai (exs.: a) serra para
conjunto de montanhas e para ferramenta ; b) flagelo (cf. lat.flagellum chicote ). - J.
Mattoso Camara Jr
10. .
TIGRESA
uma tigresa de unhas negras
e íris cor de mel
uma mulher uma beleza
que me aconteceu
(Tigresa, Caetano Veloso)
O poeta, ao chamar de tigresa a mulher a quem dedica a canção, constrói uma figura de
palavra, ou seja, uma figura que consiste na associação entre os elementos mulher e
tigresa. Essa associação permite -nos uma transferência de significados, a ponto de
usarmos tigresa por mulher (que, obviamente, é sensual, insinuante, felina).
A seqüência associativa percorre os seguintes passos:
1o) a mulher é como uma tigresa
2o) a mulher é uma tigresa
3o) uma tigresa
em que de uma comparação inicial se chega à substituição de uma palavra por outra.
Temos, assim, uma figura de palavra denominada metáfora.
(José de Nicola e Ulisses Infante)
Qualquer palavra não serve: é preciso encontrar aquela que, não traindo o sentimento a
ponto de o destruir, consiga sugeri-lo tão completamente quanto possível. Palavra
ambígua, capaz de dizer sem dizer, de sugerir mais que transmitir, em decorrência da
natureza polivalente e difusa da vivência interior. Tudo isso, afinal, constitui a metáfora,
o símbolo. A poesia é a expressão do eu pela palavra metafórica, vale dizer, permanente
substituição, ambigüidade, dar a entender, parecença com; jamais o termo direto, a
palavra do sentido único e preciso. (Massaud Moisés)
A existência de similitudes no mundo objetivo, a incapacidade de abstração absoluta, a
pobreza relativa do vocabulário disponível em contraste com a riqueza e a
numerosidade das idéias a transmitir e, ainda, o prazer estético da caracterização
pitoresca constituem as motivações da metáfora.
Em síntese - didáctica -, pode-se definir a metáfora como a figura de significação
(tropo) que consiste em dizer que uma coisa (A) é outra (B), em virtude de qualquer
semelhança percebida pelo espírito entre um traço característico de A e o atributo
predominante, atributo por excelência, de B, feita a exclusão de outros, secundários por
não convenientes à caracterização do termo próprio A . Ora, a experiência e o espírito
de observação ensinam -nos que os objectos, seres, coisas presentes na natureza - fonte
primacial das nossas impressões - impõem-se-nos aos sentidos por certos traços
distintivos. A pedra preciosa esmeralda tem como atributo predominante a sua cor
verde, de brilho muito particular. Então, uns olhos com essa mesma tonalidade podem
levar a uma associação por semelhança, da qual resulta a metáfora: seus olhos (A) são
duas esmeraldas (B).
11. Do ponto de vista puramente formal, a metáfora é, em essência, uma comparação
implícita, isto é, destituída de partículas conectivas comparativas (como, tal qual, tal
como) ou não estruturada numa frase cujo verbo seja parecer, semelhar, assemelhar-se,
sugerir, dar a impressão de ou um equivalente desses. Assim, seus olhos são como
(parecem, assemelham-se a, dão a impressão de) duas esmeraldas é uma comparação ou
símile.
Analogia e comparação
A analogia é uma semelhança parcial que sugere uma semelhança oculta, mais
completa. Na comparação, as semelhanças são reais, sensíveis, expressas numa forma
verbal própria, em que entram normalmente os chamados conectivos de comparação
( como, quanto, do que, tal qual), substituídos, às vezes, por expressões equivalentes
(certos verbos como parecer , lembrar , dar uma idéia , assemelhar-se : Esta casa parece
um forno, de tão quente que é. ). Na analogia, as semelhanças são apenas imaginárias.
Por meio dela, se tenta explicar o desconhecido pelo conhecido, o que nos é estranho
pelo que nos é familiar; por isso, tem grande valor didático. Sua estrutura gramatical
inclui com freqüência expressões próprias da comparação (como, tal, semelhante a,
parecido com, etc. Para dar à criança uma idéia do que é o Sol como fonte de calor,
observe-se o processo analógico adotado pelo Autor do seguinte trecho:
O Sol é muitíssimo maior do que a Terra, e está ainda tão quente que é como uma
enorme bola incandescente, que inunda o espaço em torno com luz e calor.
Sol tão quente, que é como uma enorme bola incandescente é, quanto à forma, uma
comparação, mas, em essência é uma analogia: tenta-se explicar o desconhecido (Sol)
pelo conhecido (bola incandescente), sendo a semelhança apenas parcial (há outras,
enormes, diferenças entre o Sol e uma bola de fogo). (Othon M. Garcia)
Adendos
Quando for ensinar linguagem poética:
- Selecione poemas não só pela temática, mas, sobretudo, pela sonoridade e/ou
metáforas.
- Proponha sempre a leitura de poemas em voz alta para a percepção auditiva da
sonoridade e ritmo dos versos.
- Compare a objectividade da linguagem científica com a subjectividade da linguagem
da poesia. A poesia é expressão da subjectividade do poeta. Caracteriza-se, portanto,
pela linguagem criativa e metafórica. Oseu estudo não pode ser reduzido apenas ao
estudo de rimas, versos e estrófes. É preciso ir além disso, explorando os recursos que
dão efeito sonoro, como a aliteração e a assonância, e o sentido conotativo e o carácter
polissémico das palavras.
- Mostre que o trabalho do poeta é árduo e que a linguagem poética tem um carácter
subversivo, como nos casos em que há desobediência às normas da língua.