Este documento apresenta uma pesquisa sobre a visão de docentes da Educação de Jovens e Adultos sobre o lúdico. Foi aplicado um questionário com dez perguntas aos professores do Curso de Especialização em Saberes e Práticas da Educação Básica da UFRJ para entender como eles enxergam o lúdico e sua aplicabilidade na sala de aula da EJA. A pesquisa analisou as respostas e concluiu que os docentes reconhecem a importância do lúdico para a aprendizagem, mas enfrentam des
1. 1
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Faculdade de Educação
Pós-Graduação Lato Sensu
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
SABERES E PRÁTICAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
PRISCILLA DA SILVA FRAZÃO
DRE 114238917
“LUDICIDADE É TUDO DE BOM EM QUALQUER SEGMENTO”: UM ESTUDO
SOBRE A METODOLOGIA LÚDICA COM DOCENTES DA EJA
MAIO
2016
2. 2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PRISCILLA DA SILVA FRAZÃO
DRE 114238917
“LUDICIDADE É TUDO DE BOM EM QUALQUER SEGMENTO”: UM ESTUDO
SOBRE A METODOLOGIA LÚDICA COM DOCENTES DA EJA
Monografia apresentada ao Curso de
Especialização em Saberes e Práticas na
Educação Básica da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como requisito para conclusão
do curso na Ênfase de Educação de Jovens e
Adultos.
Orientadora: Profª DOUTORA ANA PAULA DE ABREU DA COSTA MOURA
Co-Orientadora: Profª DOUTORA MARIA VITORIA CAMPOS MAMEDE MAIA
RIO DE JANEIRO
2016
3. 3
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
PRISCILLA DA SILVA FRAZÃO
DRE 114238917
“LUDICIDADE É TUDO DE BOM EM QUALQUER SEGMENTO”: UM ESTUDO
SOBRE A METODOLOGIA LÚDICA COM DOCENTES DA EJA
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
PROF. DOUTORA ANA PAULA DE ABREU DA COSTA MOURA - UFRJ
_______________________________________________
PROF. DOUTORA MARIA VITORIA CAMPOS MAMEDE MAIA - UFRJ
_______________________________________________
PROF. DOUTOR REUBER GERBASSI SCOFANO - UFRJ
_______________________________________________
PROF. MESTRE JULIANA DE MORAES PRATA – CAp - UERJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Faculdade de Educação
Pós-Graduação Lato Sensu
Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica –
CESPEB
AVALIAÇÃO
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Grau conferido:
4. 4
Dedicatória
Primeiramente a Deus, por ter me dado força,
foco e sabedoria ao longo do curso de
especialização, em meio as dificuldades. Graças
a Ele, consegui trilhar meu caminho.
Aos meus pais, pelo amor, carinho, apoio e dedicação, por terem me auxiliado na conclusão
de mais um sonho.
Agradecimentos
5. 5
Agradeço a Deus em primeiro lugar.
Aos meus pais que sempre me ajudaram.
A minha família que compreendeu minhas ausências.
Aos docentes do curso, que colaboraram para a construção desse trabalho e me ajudaram a
melhorar a minha prática docente.
As minhas orientadoras Ana Paula e Maria Vitória, por mais uma vez terem me aceitado e
apoiado minhas loucas ideias.
Aos amigos e amigas especiais do curso de especialização, que assim como os educadores do
curso, me ajudaram muito com seus pensamentos, experiências e ensinamentos, em especial
Paula Tomaz, Leandro Oliveira e Bárbara Nascimento.
A Ana e Família ABCFMR que me deram forças e claro, muitas alegrias.
6. 6
Ensinar é um exercício de imortalidade.
De alguma forma continuamos a viver naqueles
cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia
da nossa palavra.
O professor, assim, não morre jamais...
Rubem Alves (1994, p.4)
7. 7
Resumo
O presente trabalho surgiu com o objetivo de investigar a concepção que os docentes do
Curso de Especialização Saberes e Práticas da Educação básica possuem acerca do lúdico,
averiguar se esses docentes adotam essa metodologia em suas aulas e possibilitar um novo
olhar para professores e futuros professores de EJA para a sua práxis docente, podendo esses
incluir a prática lúdica em sua metodologia de ensino. Para isso, foi feito um histórico sobre o
tema ser docente no Brasil e levantamos os desafios atuais da docência na EJA por meio de
leituras advindas do curso feito no CESPEB e pesquisas em bancos balizados. Discorremos
também sobre a importância que o lúdico tem para a aprendizagem e o nosso conceito a
respeito do professor lúdico O campo adveio das principais falas dos colegas do curso de
especialização e também por meio do questionário enviado a professores e professores do
curso de especialização em EJA composto por 10 questões abertas e fechadas, para
compreendermos o que eles entendiam sobre professor lúdico. A partir da análise feita do
material recolhido, utilizando a técnica de Bardin, compreendemos que trabalhar com o
lúdico é evidenciar como o mundo da imaginação, da criação e da diversão possibilita que
uma nova realidade seja vivenciada, compreendida, reformulada de modo a propiciar uma
interação social.
Palavras-chave: Profissão docente, EJA e Lúdico.
8. 8
Abstract
This work came from the urge of investigating the idea that teachers of the
Specialization Course, Knowledge and Basic Education Practices, have about the playful,
check whether these teachers adopt this methodology in their classes and to allow a new look
for teachers and future teachers of Adults and Young Adults for their teaching practice, these
may include the playful practice in their teaching methodology. For this, a record was made
on the subject “being a teacher in Brazil” and raised the current challenges of teaching in
Adult and Young Adults through resulting readings of the course done in CESPEB and
research in marked bank. Also covered about the importance the playful has for the learning
process and our concept about the playful teacher. The subject came up from the main
discourse of colleagues from the specialization course and also through the questionnaire sent
to teachers and teachers of the specialization course on Adults and Young Adults teaching, it
consists of 10 open and closed questions, to understand what they understood about being a
playful teacher.From the analysis of the collected material, using Bardin‟s technique, we
understand that working with the playful is to show how the world of imagination, creation
and fun enables a new reality to be experienced, understood, reformulated in order to provide
a social interaction.
Keywords: Teaching profession - Young and Adult Education teacher - Playful Teacher
9. 9
Sumário
Introdução...............................................................................................................................12
1. A arte da docência no Brasil..............................................................................................15
1.1. Professores da EJA ......................................................................................................26
1.2. Desafios atuais da docência na EJA: uma leitura da sala de aula...........................29
2. O lúdico como metodologia de ensino na prática docente ..............................................36
2.1. Professor lúdico............................................................................................................43
3. Metodologia.........................................................................................................................48
3.1. Objetivos.......................................................................................................................50
3.2. Sujeitos Pesquisados, instrumentos utilizados e análise dos dados........................50
4. Nossas considerações..........................................................................................................71
5. Referências ..........................................................................................................................74
Anexos......................................................................................................................................80
Anexo 1 ....................................................................................................................................81
Anexo 2 ....................................................................................................................................82
10. 10
Índice de Figuras
Figura 1 - Aluna de Beatriz ...................................................................................................62
Figura 2 - Alunos de Beatriz..................................................................................................62
Figura 3 - Alunos da professora Mirza.................................................................................65
Figura 4 - Alunos do professor Marcio.................................................................................66
Figura 5 - Daniel e seus alunos ..............................................................................................67
Figura 6 - Aluna de Daniel.....................................................................................................67
Figura 7 - Alunos de Daniel ...................................................................................................67
Figura 8 - Festa da turma de Paloma ...................................................................................69
Figura 9 - Alunos de Paloma .................................................................................................69
Figura 10 - Joel e seus alunos ................................................................................................69
Figura 11 - Alunos de Gisele..................................................................................................70
11. 11
Índice de Tabelas
Tabela 1 - Sujeitos pesquisados.............................................................................................51
Tabela 2: Tabulação das respostas das três primeiras perguntas .....................................54
Tabela 3: Respostas à questão quatro ..................................................................................55
Tabela 4: Respostas às questões 5 e 6 ...................................................................................58
Tabela 5: Respostas às questões 7 e 8 ...................................................................................61
Tabela 6 : Respostas à questão 9...........................................................................................63
Tabela 7: Tabela das fotos .....................................................................................................64
12. 12
Introdução
O lúdico tem sido um assunto explorado consideravelmente nos últimos tempos, por
inúmeros estudiosos, que pesquisam sua importância na Educação Infantil ou nos anos
iniciais do Ensino Fundamental destinados a crianças, deixando de lado outras como a
Educação de Jovens e Adultos, Ensino Superior e Ensino Médio.
Entretanto, assim como Winnicott (1975), acreditamos que é no espaço lúdico que se
institui a cultura e o símbolo, independente da faixa etária. Sendo assim, optamos pelo recorte
temático “lúdico na EJA” para identificarmos o entendimento que os docentes da EJA do
Curso Saberes e Práticas da Educação Básica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
trazem acerca do assunto.
Considerando que um sujeito se constitui por meio de suas relações sociais, sendo estas
marcadas desde o início da vida pelo lúdico que a descoberta do novo sempre suscita no ser
humano (HUIZINGA, 2010), defendemos que cabe ao educador o papel de proporcionar aos
seus educandos uma aprendizagem de modo prazeroso e significativo. Neste sentido,
acreditamos que o estudo da temática proposta possui, em si mesmo, uma importância ímpar,
já que traz para o contexto educacional a questão do espaço lúdico como lugar primordial para
a aprendizagem bem como a concepção que os docentes pesquisados possuem sobre nosso
estudo.
Cabe ressaltar que este trabalho é uma continuidade de minha pesquisa anterior
(monografia do curso de Pedagogia), ambas motivadas pelas minhas inquietações de
professora/pesquisadora, nas quais possuem questionamentos relacionados à utilização do
lúdico e a sua aplicabilidade no contexto e na prática escolar.
Neste sentido, este trabalho monográfico tem como objetivo geral investigar a visão que
os docentes da EJA possuem sobre o lúdico e como objetivos específicos verificar se a prática
lúdica é utilizada na Educação de Jovens e Adultos, trazendo elementos para a construção de
um novo olhar dos professores e futuros professores de EJA para a sua práxis docente.
Como metodologia de trabalho optamos pela pesquisa teórico-empírica, de abordagem
qualitativa que, de acordo com Ludorf (2004), se constitui de uma pesquisa bibliográfica e
13. 13
mais um trabalho de campo. Já Minayo (1994) destaca que na pesquisa qualitativa se faz
necessária uma interação entre pesquisador e os atores sociais, para a condução da pesquisa.
Sendo assim, embora o trabalho respeite algum esquema teórico, é importante que o
pesquisador se mantenha atento aos novos elementos ou dimensões que podem surgir no
percurso.
Para este trabalho foi usado o estudo de caso que, segundo Godoy (1995, p. 25), se
“caracteriza como um tipo de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa
profundamente”. Dentro da proposta deste estudo, responder às questões de que forma o
espaço lúdico é visto na formação do pedagogo e por que se teme incluir o lúdico na formação
do pedagogo tornam-se fundamentais para se entender a dificuldade que existe hoje de se
vivenciar o lúdico na universidade.
A monografia está estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo realizamos um
histórico acerca da arte de ser docente no Brasil. Optamos em iniciar a partir da chegada dos
Jesuítas, perpassando pelos séculos seguintes e principais mudanças ocorridas na formação
docente até os anos 2000. Ainda neste capítulo, fizemos observações sobre os educadores da
Educação de Jovens e Adultos e, por fim, levantamos os desafios atuais da docência na EJA
por meio de uma leitura da sala de aula do CESPEB, para isso, trouxemos as principais falas e
queixas dos colegas do curso de especialização.
No segundo capítulo deste trabalho monográfico abordamos a importância que o lúdico
tem para a aprendizagem e o nosso conceito a respeito do professor lúdico. Nesta etapa da
pesquisa, direcionarmos nosso olhar para a utilização do lúdico na escola de uma maneira que
se possa refletir acerca de seu papel na formação do sujeito e na prática de ensino.
No terceiro capítulo, a fim de compreendermos o conceito de lúdico dos docentes
mencionados anteriormente, enviamos aos alunos e alunas do curso de especialização em EJA
um questionário composto por dez questões abertas e fechadas. A partir das respostas dos
docentes, realizamos nossa análise.
Esse trabalho monográfico possui relevância para o campo da Educação pois, a partir dele,
poderemos repensar sobre a profissão docente e também colaborar para que os colegas de
profissão atuantes e em formação incluam a prática lúdica em sua metodologia de ensino com
o intuito de propiciar uma educação de qualidade, garantindo uma aprendizagem prazerosa e
significativa aos educandos.
14. 14
Para a composição desta pesquisa, nos embasamos nos principais teóricos da profissão
docente e do lúdico. Acerca da profissão docente, realizamos uma pesquisa histórica , tendo
como base teórica os autores Nóvoa (1995/1999), Cardoso (2004), Tanuri (2000), Saviani
(2004/2009), Romanelli (2003), Freitas (2002) e outros autores relevantes para a temática.
Para compor esta parte da pesquisa, consultamos documentos oficiais, como as Diretrizes
Curriculares da Educação de 1934, A Lei de Diretrizes e Bases 9394/96, como também outros
documentos importantes.
Em nossa base de análise de dados coletados no campo, procuramos esclarecer nosso
conceito de lúdico, assim como sua importância no contexto escolar. Para isso, nos
embasamos em teóricos importantes para pedagogia e para psicologia: Huizinga (2007),
Wallon (1980) e Winnicott (1975).
Por fim, nas considerações finais, trazemos algumas questões suscitadas pela pesquisa.
Após nosso embasamento teórico, construímos uma possível resposta às nossas indagações.
15. 15
1. A arte da docência no Brasil
A arte de ser professor é anterior às primeiras instituições de educação e também à
evolução da escrita. O desejo de socializar os conhecimentos que foram histórica e
socialmente construídos fez os sujeitos criarem diferentes formas de lidar com o mundo em
sua volta. Assim, a educação vem sofrendo transformações da Antiguidade até os nossos dias.
Durante a Antiguidade, o conhecimento era o mito e, posteriormente, tornou-se a
razão. Nesse período os filósofos e pensadores foram as primeiras figuras de professores. Eles
colocavam em prova mitos e nossa própria existência. Os pedagogos serviam à classe mais
privilegiada e tinham como dever levar os filhos dos ricos para contemplar os filósofos nos
locais de reunião, as ágoras. Até então, não havia qualquer relação entre ensino-aprendizagem
envolvendo os pedagogos,
O pedagogo é o que conduz a criança ao lugar onde receberá a preparação
física pelo pedótriba (instrutor físico). [...] o gramático ou didáscalo ensina
leitura e escrita a um grupo de alunos em qualquer lugar – uma praça, uma
esquina, uma sala – e não tem o mesmo prestígio do instrutor físico, sendo
geralmente, humilde e mal pago. (ARANHA Apud COSTA, 1995, p. 66).
A concepção da profissão docente se configurou na Idade Média. Neste período, a
educação teve bastante influência religiosa. As escolas eram associadas às instituições
vinculadas à Igreja Católica, que direcionava o que deveria ser ensinado/estudado. Para
Nóvoa (1995), a gênese da profissão docente foi anterior à instituição escola, visto que desde
o século XVI, existiam diferentes grupos de religiosos e/ou leigos destinados à atividade
docente.
No Brasil, os portugueses trouxeram membros da Companhia de Jesus com o intuito
de converter os índios ao cristianismo e disseminar o catolicismo, ensinando aos nativos
alguns conhecimentos, como ler e contar. Os jesuítas permaneceram por um período de 210
anos no Brasil, até que na segunda metade do século XVIII, o trabalho educacional/religioso
dos membros da Companhia de Jesus começou a declinar. Assim, em 1759, Marquês de
16. 16
Pombal toma a decisão de expulsar os jesuítas do território brasileiro. Com a saída dos
jesuítas, cria-se uma lacuna e a reforma educacional pombalina vem não só suprir essa lacuna
como se apresenta também como tentativa de modernização da sociedade em busca do
desenvolvimento da economia portuguesa para manutenção e fortalecimento do seu regime
absolutista.
O ideário pombalino era baseado no iluminismo português, e propunha uma educação
leiga, voltada ao avanço científico e a propagação do saber. Era preciso propagar uma cultura
de base, com o ensino da leitura, da escrita e do cálculo, e também conhecimentos civis. Para
tal feito, a primeira etapa da reforma de Pombal começou pela reforma dos Estudos Menores,
que englobavam os estudos das primeiras letras e das cadeiras de humanidades (ensino
primário e secundário),
Os Estudos Menores eram formados pelas Aulas de ler, escrever e contar,
também chamadas de primeiras letras como, aliás, ficaram mais conhecidas,
e também pelas Aulas de humanidades, que abrangiam inicialmente as
cadeiras de gramática latina, língua grega, língua hebraica, retórica e poética,
mas foram acrescidas ao longo dos anos com outras cadeiras, como por
exemplo, filosofia moral e racional, introduzida a partir de 1772.
(CARDOSO, 2004, p. 182).
O governo português dava instruções ao Diretor de Estudo e tinha a função de
planejar, executar e controlar os professores na metrópole e nas colônias. Com isso, passou a
existir uma seleção, que foi realizada no interior de congregações religiosas, a seleção por
concursos. De acordo com Cardoso (2004, p. 183), em 20 de março de 1760, no Recife, que
se realizou o primeiro concurso para professores públicos no Brasil.
Pombal instituiu um ensino voltado para o Estado, com métodos pedagógicos mais
disciplinares, permanecendo ainda a subordinação aos europeus. Neste momento, buscou-se
rascunhar um padrão para o professor, com uma representação bem semelhante aos padres.
O processo de estatização do ensino consiste, sobretudo, na substituição de
um corpo de professores religiosos (ou o controle da Igreja) por um corpo de
professores laicos (ou sob o controle do Estado), sem que, no entanto, tenha
havido mudanças significativas nas motivações, nas normas e nos valores
originais da profissão docente: o modelo do professor continua muito
próximo do padre. (NÓVOA 1999. p.15).
Tais mudanças não foram suficientes, o que ocasionou o fracasso dessa primeira fase
direcionando o governo a criar um imposto instituído em 1772, que tinha como objetivo,
17. 17
financiar as reformas. O imposto foi criado sem que tivesse uma estrutura adequada sendo
insuficiente manter o pagamento dos docentes e custear eventuais despesas da reforma.
No final do século XVIII, os docentes passaram a ter uma participação mais ativa na
educação, produzindo saberes e técnicas como também valores e normas. Assim, o Estado
definiu os professores como um corpo profissional, ocasionando uma classificação,
homogeneização e consolidação dos profissionais docentes, transformando-os em
funcionários com ações e intenções políticas. Acontecendo a profissionalização do professor e
o trabalho docente deixou de ser atividade secundária, passou a ser responsabilidade de
especialista.
A partir do final do século XVIII não é permitido ensinar sem uma licença
ou autorização do Estado, a qual é concedida na sequência de um exame que
pode ser requerido pelos indivíduos que preencham um certo número de
condições (habilitações, idade, comportamento moral, etc.). Este documento
constitui um verdadeiro suporte legal ao exercício da atividade docente, na
medida em que contribui para a delimitação do campo profissional do ensino
e para a atribuição ao professorado do direito exclusivo de intervenção nesta
área. (NÓVOA, 1999, p. 17).
No século XIX, de acordo com Nóvoa (1999), houve uma ampliação da escola pela
procura da sociedade, com isso, aconteceu a institucionalização da formação específica para o
professor: as escolas normais. As primeiras escolas normais do país, foram estabelecidas
pelas Províncias, após a reforma constitucional de 12 de agosto de 1834 (Ato Adicional),
seguindo os padrões europeus, “mais especificamente o francês, resultante de nossa tradição
colonial e do fato de que o projeto nacional era emprestado às elites, de formação cultural
europeia.” (TANURI, 2000, p. 63).
Em meados do século XIX, novas influências chegam da Europa, baseadas em
Pestalozzi e Froebel. Estas surgem como “um instrumento pedagógico capaz de reverter a
ineficiência do ensino escolar” (VALDEMARIN, 1998, p. 65). Com isso, surgem novos
materiais destinados à prática pedagógica, requerendo domínio dos métodos dos professores.
A imitação das práticas da Europa prosseguia, e com ela a falta embasamento em
nossa realidade também. Nos anos de 1882 e 1883, o parecer Rui Barbosa, como alguns
outros, propuseram reformas educacionais baseados na realidade do país, e não comente uma
cópia de outros países. Contudo, a cada “nova reforma” apresentada ou colocada em prática,
deixava-se de lado as especificidades presentes no Brasil, e as repetições permaneciam.
18. 18
A Constituição da República de 1891 edificou o sistema federativo e promoveu a
descentralização do ensino. De acordo com o artigo 35, competia à União criar instituições de
ensino superior e providenciar a instrução secundária. BRASIL (1891, p.16). Também não citou
nada referente à responsabilidade acerca do ensino primário, e delegou aos estados e
municípios as atribuições de legislar ensino secundário, os obrigando a expandir esse nível de
ensino por meio da disseminação das escolas primárias. Foi exigido ainda que o ensino
público fosse leigo. De acordo com Tanuri (2000) “a atividade normativa ou financiadora do
Governo Federal no âmbito do ensino normal e primário não chegou a se concretizar na
primeira República, de modo que os estados organizaram independentemente os seus sistemas
de ensino”. (TANURI, 2000, p. 68).
Após a 1ª Guerra Mundial, as influências estrangeiras sobre o Brasil passariam por
profundas alterações, inspiradas do ideário iluminista e objetivando a consolidação do Estado
Republicano, ideias liberais começaram a se fortalecer, com isso passou-se a debater acerca
da instrução pública como “direito de todos e dever do estado”. De um modo geral, esse
ideário direcionava-se ao passo de se constituir um sistema nacional de ensino, com o intuito
de deixar as escolas primárias resguardadas pelo governo. Por sinal, tais ideais eram
dominantes na Europa.
Neste momento, o país passava por uma mudança, alterando a configuração em
diferentes aspectos, economia, inserção no capitalismo, educação e também em sua política
para formação de professores. Associada a um projeto de progresso e modernização, a
educação foi considerada ponto primordial para uma política de valorização humana,
A superação do isolamento das diversas regiões brasileiras pelo
desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte; sua integração
num circuito que garantisse a circulação dos bens materiais e culturais e
constituindo um grande mercado nacional; a modernização da agricultura; o
desenvolvimento industrial com ênfase na indústria de base; a dinamização
do homem como fator de produção por políticas sanitárias e educacionais
integram-se num projeto de maximização e integração dos recursos
nacionais subordinados a concepção de defesa nacional. (CARVALHO,
1989, p. 17).
Para que o capitalismo se estabelecesse, era necessária uma organização para que a
instrução pública fosse implementada, inicialmente no estado de São Paulo, e mais tarde nas
demais regiões do país. Sendo assim, foi preciso que os grupos escolares mostrassem a real
importância, para isso, definiram suas bases estruturais, sendo elas: seriação, organização das
19. 19
salas de aula, definição dos conteúdos a serem ensinados e também dos processos avaliativos.
O número de diretores e professores dos grupos escolares variavam de acordo com o número
de escolas reunidas. Os grupos de escolas também foram chamados de escolas graduadas. De
acordo com Saviani (2004, p.29), “esse é o principal legado educacional que a fase inicial do
„longo século XXI‟ nos deixou”.
Em 1930, o capitalismo ganha força no Brasil, o que representou um ponto crucial
para nossa organização política e econômica. Em nossa economia, a crise foi desencadeada
pelo governo, no qual mantinha a política de conservar o valor do café no mercado
internacional, fato esse responsável por revelar a crise em diferentes áreas. Como fatores
contribuintes podemos citar o processo migratório do campo para a cidade, expansão da
classe média, movimento operário, além de outros. O modelo de importações também foi
alterado, passando a ser feito de maneira que a importação de bens de consumo fosse
substituída pela produção interna. Com isso, a implantação deste modelo, o país começou a
importar equipamentos tecnológicos, técnicos e professores para auxiliar na introdução deles.
Essa nova conjuntura político-econômica resultou em uma nova atribuição social para
a escola, para que se pudesse, assim, preparar mão-de-obra para atender os requisitos para o
desenvolvimento do país. Assim, para se introduzir a república e alcançar as metas
estabelecidas para o desenvolvimento econômico. A escola passa a simbolizar um projeto
civilizatório, tendo como base a laicidade, a gratuidade e a obrigatoriedade, com a
responsabilidade de assumir a formação da população.
Neste período, o país vivia um momento de crescimento industrial e, com isso,
surgiram novas necessidades sociais, então, o Estado precisou se organizar, com as novas
concepções de educação, escola e também de formação de professores. É importante destacar,
portanto, como as diferentes funções e projetos educacionais estão atrelados a projetos
político-econômicos e à concepção de sociedade.
A partir deste crescimento industrial, o Estado passou ter a função de cuidar da
organização, tendo responsabilidade com a educação atrelada ao desenvolvimento nacional.
Neste contexto, a educação aparece unida aos interesses burgueses, se configurando como nos
moldes taylorista/fordista. Tal fato deu origem à elaboração de cursos noturnos, na qual a
classe trabalhadora pode retornar as salas de aula sem precisar abrir mão de seu meio de
subsistência e também almejar uma mudança nos padrões sociais.
20. 20
Percebemos, com o Manifesto dos Pioneiros (1932), um momento de destaque
pedagógico, tivemos pela primeira vez, um olhar voltado para os interesses educacionais de
nosso país, aproximando-se de “um sistema educacional, isto é, da organização lógica,
coerente e eficaz do conjunto das atividades educativas no âmbito de um determinado país”.
(SAVIANI, 2004, p.33)
O Manifesto construído em defesa da Escola Nova foi também uma proposta de
estruturação de um vasto sistema educacional em favor da escola pública. Foi um mecanismo
do ingresso da racionalidade científica na educação em conformidade com os anseios
escolanovistas. Ainda que possuísse algumas influências e interferências angloamericanas, o
documento representou um grande avanço, pois nos trazia os princípios de uma educação
gratuita, descentralizada, laica, democrática, organizada como dever do Estado e por fim,
trazendo interesses nacionalistas. Saviani (2004, p.35) reforça essa compreensão, definindo o
Manifesto como “um marco de referência que inspirou as gerações seguintes, tendo
influenciado, a partir de seu lançamento, a teoria da educação, a política educacional, assim
como a prática pedagógica em todo o país”.
Quanto à formação de professores o Manifesto dos Pioneiros destaca que:
A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade da
função educativa, mas o único meio de, elevando-lhes em verticalidade a
cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre
todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca,
uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações
e nos ideais. (BRASIL, 2006, p.200)
A Constituição de 1934 incorporou algumas de suas reivindicações, dentre elas o
dever do Estado com a educação elementar assim como a garantia de gratuidade do ensino, a
autonomia e a descentralização. Apontou, ainda, a presença do MEC, criado no ano de 1930,
com o objetivo de regimentar, organizar e coordenar a educação nacional. A constituição foi o
primeiro documento oficial a rascunhar as diretrizes para a educação nacional em seus artigos:
Compete privativamente à União:
Art. 149. A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela
familia e pelos poderes publicos, cumprindo a estes proporcional-a
a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no paiz, de modo que
possibilite efficientes factores da vida moral e economica da
Nação, e desenvolva num espirito brasileiro a consciencia da
solidariedade humana.
21. 21
Art. 150. Compete a União:
a) fixar o plano nacional de educação, comprehensivo do ensino de
todos os graos e ramos, communs e especializados; e coordenar e
fiscalizar a sua execução, em todo o territorio do paiz;
e) exercer acção suppletiva, onde se faça necessaria, por
deficiencia de iniciativa ou de recursos e estimular a obra educativa
em todo o paiz, por meio de estudos, inqueritos, demonstrações e
subvenções.
Paragrapho unico. O plano nacional de educação constante de lei
federal, nos termos dos arts. 5, n. XIV, e 39, n. 8, letras a e e, só se
poderá renovar em prazos determinados, e obedecerá ás seguintes
normas:
a) ensino primario integral gratuito e de frequencia obrigatoria,
extensivo aos adultos;
b) tendencia á gratuidade do ensino educativo ulterior ao primario,
afim de o tornar mais accessivel; (BRASIL, 1934, p. 138-139).
A partir disso, os professores foram convidados a se profissionalizar, para atenderem
as novas exigências da educação primária. Tal fato provocou a redefinição acerca da
formação, anteriormente atendida nos padrões do curso normal de 1830.
A partir do decreto-lei n. 1.190, de 4 de abril de 1939, os Institutos de Educação do
Distrito Federal e de São Paulo passaram a compor o nível universitário, servindo como
alicerce de estudos superiores de educação. O instituto de São Paulo foi incorporado à
Universidade de São Paulo, e o outro passou a integrar a Universidade do Distrito Federal.
Assim, se organizaram os cursos de formação de professores para as escolas secundárias,
posteriormente, essa organização foi propagada para todo o país.
A Lei Orgânica do Ensino Normal (1946) foi promulgada, para Romanelli (2003,
p.163) “centralizou as diretrizes, embora consagrasse a descentralização administrativa do
ensino, e fixou as normas para a implantação desse ramo do ensino em todo o território
nacional”. Com relação à formação de professores, o Decreto-Lei 8530, de 02/01/1946
destaca que:
Art.1º. O ensino normal, ramo de ensino do segundo grau, tem as seguintes
finalidades:
1. Prover à formação do pessoal docente necessário às escolas primárias.
2. Habilitar administradores escolares destinados às mesmas escolas.
3. Desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação
da infância.
22. 22
Art.2º. O ensino normal será, ministrado em dois ciclos. O primeiro dará o
curso de regentes de ensino primário, em quatro anos, e o segundo, o curso
de formação de professores primários, em três anos.
Art.3º. Compreenderá, ainda o ensino normal cursos de especialização para
professores primários, e cursos de habilitação para administradores escolares
do grau primário. (BRASIL, 1946, p.1).
Vale ressaltar que o primeiro ciclo correspondia ao ginasial do curso secundário e
tinha como objetivo formar professores do ensino primário. Outro fato a se destacar era que
os cursos normais de primeiro ciclo, tinham um currículo focado nas matérias de cultura
geral, como nas antigas Escolas Normais, bastante criticadas, já os cursos do segundo ciclo
abrangiam os fundamentos da educação inseridos pelas reformas nos anos de 1930.
As licenciaturas, o curso de Pedagogia e a modalidade normal, concentraram-se no
profissional, deixando de lado a parte prática, esse fato, principalmente no nível superior,
exprimindo um resultado dualista:
[...] os cursos de licenciatura resultaram fortemente marcados pelos
conteúdos culturais-cognitivos, relegando o aspecto pedagógico-didático a
um apêndice de menor importância, representado pelo curso de didática,
encarado como uma mera exigência formal para a obtenção do registro
profissional de professor. O curso de Pedagogia, à semelhança do que
ocorreu com os cursos normais, foi marcado por uma tensão entre os dois
modelos. Embora seu objeto próprio estivesse todo ele embebido do caráter
pedagógico-didático, este tendeu a ser interpretado como um conteúdo a ser
transmitido aos alunos antes que como algo a ser assimilado teórica e
praticamente para assegurar a eficácia qualitativa da ação docente.
Consequentemente, o aspecto pedagógico-didático, em lugar de se constituir
em um novo modelo a impregnar todo o processo da formação docente, foi
incorporado sob a égide do modelo dos conteúdos culturais-cognitivos.
(SAVIANI, 2009, p. 147).
Com o golpe militar de 1964 foram necessárias novas medidas na educação devido as
alterações da legislação do ensino. A lei n. 5.692/71 modificou os ensinos primário e médio,
alterando a nomenclatura deles, mudaram respectivamente para primeiro e segundo grau.
Com essa nova configuração, saíram as Escolas Normais, ficando no lugar a habilitação
específica de 2º grau para a prática do magistério de 1º grau (HEM). A habilitação para o
magistério foi sistematizada em duas modalidades,
[...] uma com a duração de três anos (2.200 horas), que habilitaria a lecionar
até a 4ª série; e outra com a duração de quatro anos (2.900 horas),
habilitando ao magistério até a 6ª série do 1º grau. O currículo mínimo
compreendia o núcleo comum, obrigatório em todo o território nacional para
todo o ensino de 1º e 2º graus, destinado a garantir a formação geral; e uma
23. 23
parte diversificada, visando à formação especial. O antigo curso normal
cedeu lugar a uma habilitação de 2º Grau. A formação de professores para o
antigo ensino primário foi, pois, reduzida a uma habilitação dispersa em
meio a tantas outras, configurando um quadro de precariedade bastante
preocupante. (SAVIANI, 2009, p. 147).
A problemática da formação docente, fez com que o governo a lançasse, no ano de
1982, o projeto Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério, o projeto com
objetivo de requalificar a Escola Normal. O projeto obteve resultados significativos, mas não
teve continuidade, além disso, não qualquer aproveitamento dos docentes formados pelos
centros. (SAVIANI, 2009).
A partir dos anos 1980 ocorreu um movimento em prol de uma nova concepção nos
currículos dos cursos de Pedagogia e licenciatura, onde foi utilizado o princípio da “docência
como a base da identidade profissional de todos os profissionais da educação” SILVA (Apud
SAVIANI 2009, p. 148).
Esse período representou para os educadores um divisor de águas, pois representou
uma quebra de paradigmas, do pensamento tecnicista presente nos anos anteriores. A década
de 1990, foi marcada também pela centralidade no currículo das escolas, habilidades e
competências escolares, tal fato representou a perda de reflexões importantes ocorridas na
década de 80. Neste sentido, destacamos:
A ênfase excessiva do que acontece na sala de aula, em detrimento da escola
como um todo, o abandono da categoria trabalho pelas categorias da prática,
prática reflexiva, nos estudos teóricos de análise do processo de trabalho,
naquele momento histórico da abertura política e da democratização da
escola, recuperavam a construção dos sujeitos históricos professores como
sujeitos de suas práticas. No entanto, a ênfase no caráter da escola como
instituição quase que exclusivamente voltada para a socialização dos
conhecimentos histórica e socialmente construídos terminou por centrar a
ação educativa na figura do professor e da sala de aula, na presente forma
histórica que ela tem, tornando-se alvo fácil das políticas neoliberais
baseadas na qualidade (da instrução, do conteúdo), em detrimento da
formação humana multilateral. (FREITAS 2000, Apud FREITAS 2002,
p.141).
Os anos de 1990 foram bastante significativos no que tange aos assuntos educacionais,
no qual diferentes estratégias foram criadas para avaliar e melhorar a qualidade da educação
no Brasil, dentre elas, podemos destacar o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio, o
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, a descentralização, FUNDEF –
24. 24
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental, além de outros.
(FREITAS, 2002, p.142).
Quanto ao que se refere à formação de professores contida na nova Lei de Diretrizes
Bases N. 9394/96, Saviani (2009) salienta:
Introduzindo como alternativa aos cursos de pedagogia e licenciatura os
institutos superiores de educação e as Escolas Normais Superiores, a LDB
sinalizou para uma política educacional tendente a efetuar um nivelamento
por baixo: os institutos superiores de educação emergem como instituições
de nível superior de segunda categoria, provendo uma formação mais
aligeirada, mais barata, por meio de cursos de curta duração (Saviani, 2008c,
p. 218-221). A essas características não ficaram imunes as novas diretrizes
curriculares do curso de pedagogia homologadas em abril de 2006.
(SAVIANI, 2009, p. 148).
É importante ressaltar que o aumento dos institutos superiores de educação e cursos
normais superiores, desde o ano de 1999, obedece às exigências impostas pela política
educacional em cumprimento aos organismos financiadores internacionais. Tidas como
instituições técnico-profissionalizante, os Institutos Superiores de Educação possuem como
objetivo a formação de docentes, com competências estabelecida para resolver questões da
prática do dia a dia.
Como parte da segunda etapa da reforma educacional do Brasil, tivemos a reforma da
formação de professores. Esta etapa da reforma se desenvolveu mais a partir do ano de 1999 e
tinha como objetivos principais, segundo Freitas (2002) destaca que:
1) dar forma e conteúdo à proposta dos institutos superiores de
educação aprovada pelo CNE em setembro de 1999 (Parecer CNE/
CES nº 115/99) e, como consequência.
2) retirar das faculdades de educação, e em seu interior, do curso de
pedagogia, a formação de professores para as séries iniciais do ensino
fundamental e da educação infantil. (FREITAS, 2002, p.144).
Os institutos foram criados com o intuito de serem instituições técnico-
profissionalizante, com baixo custo e com a finalidade de atender às demandas da juventude,
em busca de educação superior. Contudo, as instituições encontraram dificuldades em seu
funcionamento, na manutenção dos cursos de formação de professores, como no caso do
curso normal superior.
Em relação à formação continuada, as políticas da época, tinham fortalecido
concepções de caráter pragmatista e conteudista. Sendo assim, é importante ressaltar que:
25. 25
os professores têm sido levados a frequentar cursos de qualidade duvidosa
em grande parte pagos por eles. Em vários estados tais cursos são, em geral,
uma demanda das prefeituras que os terceirizam ou “contratam” as IES [...].
Todo esse processo tem se configurado como um precário processo de
certificação e/ou diplomação e não qualificação e formação docente para o
aprimoramento das condições do exercício profissional. (FREITAS, 2002,
p.148)
Deste modo, a formação de professores passou a ser vista como um negócio lucrativo
para o setor privado e não como uma política pública sob a responsabilidade do Estado e dos
poderes públicos. A aceleração da formação inicial dos professores passou a entrar em
operação, de modo que a formação passou então, a ser autorizada externamente aos cursos de
licenciatura plena, como estabelece o art. 62 da LDB.
Art. 62º. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em
nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em
universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação
mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro
primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na
modalidade Normal. (BRASIL, 1996, p.22).
A formação é uma das coisas mais importantes para a consolidação de uma política
global para o profissional da educação, articulada às condições de trabalho, salário e carreira,
e propicia reflexões sobre a atuação profissional e também é uma maneira de desenvolver e
aprimorar o trabalho pedagógico.
Com isso, percebemos que a trajetória dos cursos de pedagogia nos últimos anos,
sofreu diferentes transformações, a formação de professores passou a constituir o núcleo
obrigatório dos cursos, extinguindo as habilitações, entendendo-a como algo que se constrói,
compreendendo que o trabalho pedagógico deve ser apreendido no processo de formação.
Esta visão foi incorporada ao documento das diretrizes curriculares para o curso de
pedagogia, construídas por meio de um longo processo de discussões, que conceberam a
docência como o alicerce da formação do pedagogo, respondendo ao desenvolvimento dos
estudos teóricos e das práticas das instituições de ensino superior e escolares nos últimos
anos, compreendendo assim, que não é possível separar teoria e prática, pensar e fazer,
conteúdo e forma, no processo de formação profissional do educador.
Como conclusão desse histórico, constatamos que, ao longo dos últimos dois séculos,
sucessivas mudanças no processo de formação docente revelando um quadro de início de
políticas e também descontinuidade. A questão pedagógica, no início não foi tão presente, foi
26. 26
pouco a pouco ocupando uma posição nos ensaios de reformas da década de 1930. Mas até
hoje, não encontrou um encaminhamento satisfatório. Ao fim, percebemos que no decorrer
dos períodos analisados a instabilidade das políticas de formação, onde as muitas mudanças
não conseguiram estabelecer um padrão consistente de preparação docente para confrontar os
problemas da educação escolar em nosso país. Visamos assim, encontrar novos caminhos que
nos conceda solucionar as dificuldades identificados.
1.1. Professores da EJA
O professor, segundo Freire (1992), deve ensinar a fim de provocar os alunos, fazendo
da prática educativa um ato criador e crítico. Contudo, a história da educação nos mostra a
disputa de concepções de professor, onde, em alguns momentos, este figura como reprodutor
de conhecimentos, em outros como responsável por “aplicar” apostilas, dinamizador, dentre
outras funções.
Entretanto, diante do não alcance de objetivos e expectativas das propostas
pedagógicas, fica cada vez mais evidente a necessidade de reformulação, de modo a promover
uma maior aproximação do aluno e a indissociabilidade entre teoria e prática, pois ambas
caminham juntas, os saberes pedagógicos unem-se aos saberes de suas práticas educacionais.
É nesse caminhar em sua profissão que o docente constrói sua identidade, seu modo de
pensar, agir, falar, lecionar, de ver a vida, vai se moldando de acordo com o contexto que está
inserido. Sendo assim, Freire (1996) salienta,
[...] o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a
intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e
não uma “cantiga de ninar”. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam
porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas
pausas, suas dúvidas, suas incertezas. (FREIRE, 1996, p.33).
Por trás da profissão docente, existe um ser, com identidade e desejos. O ser professor
não é um reprodutor de conhecimentos e informações, não é algo mecânico, por trás dele
existe uma reflexão, a importância do olhar do educador e do educando, das descobertas
proporcionadas por ele, que ao despertá-lo provoca a curiosidade, e com ela, surgem mais
descobertas, mais aprendizagens.
27. 27
De acordo com Pimenta (1996), devemos tomar a educação como um processo
contínuo, com inicio e meio, mas nunca com um fim. A identidade docente não é algo
imutável, vai sendo construída em sua trajetória, sendo objeto de reflexão constante, em si e
nos outros, a fim de melhorar sua prática e proporcionar uma melhor aprendizagem aos seus
alunos. O professor não é um reprodutor de conhecimentos e informações, não é algo
mecânico, atitude criticada por Paulo Freire, ao escrever sobre o que chamava de concepção
de educação “bancária” já a critica por ter esse caráter: “Eis aí a concepção “bancária” da
educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os
depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das
coisas que arquivam”. (FREIRE, 1987, p.33).
Nessa concepção, a interação entre docente/discente não tem espaço, somente o
professor transmite a informação e o aluno apenas a recebe. A interação em sala de aula é
indispensável no processo ensino-aprendizagem, pois aprender não é uma tarefa individual,
mas coletiva. O docente precisa criar um clima constante de troca na sala de aula, entre ele e
seus alunos e entre os próprios alunos, pois, como nos diz Fernandez (2001, p.36) “para ser
um bom ensinante é preciso haver antes de tudo, dentro deste ensinante, vivencias de ter sido
e vivido ser um bom aprendente”. Deve igualmente socializar as dificuldades e sucessos de
cada um, se mostrando disponível e atento para as consultas e dúvidas, instigando e
favorecendo a autonomia dos alunos. Não se pode impor o processo de ensinar e aprender, a
educação, fruto deste processo, é feita de trocas e exige disposição do educador para aprender,
aprender acima de tudo com as experiências de vida trazidas pelos alunos.
Em sala de aula, a intuição e a sensibilidade ajudam a capitar
mensagens não verbalizadas, levando a perceber que situações tidas
como corriqueiras e menores podem estar carregadas de significados,
de conhecimentos e de pistas para uma melhor aprendizagem. Falas,
olhares, gestos, instigam a investigar o cotidiano escolar e desafiam a
aprender a ler a sala de aula como um texto. Um texto que fala não só
com palavras, mas também com o corpo, com os olhares, com os
cheiros, com o sorriso, com o silêncio. (MOURA, 2007, p.30).
O professor da EJA deve ter uma cautela redobrada com seus alunos, além da atenção
normal que todo professor tem com os seus educandos, o educador da EJA deve tomar um
maior cuidado de não infantilizá-lo, de não fazer com que esse aluno, já sofrido por conta da
não conclusão do processo de escolarização, sofrido pela vida, sofrido pelo preconceito de
não ser alfabetizado, sofrido por ter de construir táticas para interagir em um mundo de escrita
28. 28
de palavras e letras e números que mais parecem letras, ou, como disse uma vez um aluno,
“chinês, tudo embaralhadinho”.
Em muitos casos, o aluno da EJA chega à escola com vontade de aprender ou por uma
melhor formação profissional, e se depara com um professor não muito preparado para
recebê-lo, e acaba tratando-o como criança. “Pega o caderninho”, “Que letrinha é essa?”,
“Quantos aninhos você tem?”, “Vamos fazer as continhas?” assim como estes exemplos,
muitas outras falas se fazem presentes no dia a dia dos educandos. Por conta dessas atitudes,
se sentem extremamente infantilizados, fazendo-os lembrar que o esperado era que tivessem
se alfabetizado na infância. Esse fato, além de constrangedor, é um dos elementos que faz
com que muitos alunos desistam de prosseguir com seus estudos.
Somado a isso, temos outras questões presentes no espaço da escola: o mobiliário
destinado a crianças, a biblioteca e laboratórios que não são abertos para esses alunos, os
murais que não são destinados aos seus trabalhos, dentre outras coisas. Ou seja, os alunos
procuraram a escola, conseguem entrar, mas “descobrem” que ela não está preparada para eles
e sentem como se este espaço não pertencesse a eles.
Barbosa (2007), ao discutir currículo e as práticas pedagógicas na EJA, relembra um
comentário que trata da dificuldade da comunicação entre professores e estudantes da
modalidade. Ela relata:
Outra história interessante, que mostra a dificuldade de comunicação entre as
populações que procuram os cursos de EJA e a linguagem especificamente
escolar, foi ouvida por uma amiga em um ponto de ônibus no Rio de Janeiro.
Duas senhoras conversavam sobre as dificuldades que enfrentavam com a
escola. No diálogo entre as duas, minha amiga ouviu: "Eu agora já entendi.
Problema é aquilo que a gente tenta resolver na escola e pobrema são as
coisas que a gente tem que resolver na vida da gente. Entendeu?
(BARBOSA, 2007, p. 90).
Além das falas e atitudes, nós professores, devemos ter um zelo também com as
atividades que apresentamos aos nossos alunos, respeitando a idade, especificidades, o
contexto social no qual os mesmos estão inseridos, aproveitando também os conhecimentos
que trazem de uma vida inteira. Levar jogos para se reconstruir ou construir pela primeira vez
um vínculo com a aprendizagem não é infantilizar, é trazer para a sala de aula o riso que no
cotidiano corrido esse aluno poucas vezes exprime. É trazer para esse adulto uma memória
esquecida dos tempos anteriores e empoeirados onde ele vai brincar e criar. Assim,
29. 29
consideramos que uma abordagem de lúdico seria capaz de criar e fortalecer laços importantes
nas relações humanas, destacando o cenário escolar da EJA.
1.2. Desafios atuais da docência na EJA: uma leitura da sala de aula
As reflexões acerca da docência situam-se num contexto vasto e complexo de relações
pessoais e profissionais, construção, reconstrução e desconstrução de sua identidade. E ao
olhar por esse complexo que podemos analisar e talvez, elaborar uma contribuição para a
compreensão da identidade docente. Ao falar sobre a atuação docente Miguel Arroyo
acrescenta que:
O ofício de mestre faz parte de um imaginário onde se cruzam traços
sociais afetivos, religiosos, culturais, ainda que secularizados. A identidade
de trabalhadores e de profissionais não consegue apagar esses traços de uma
imagem social, construída historicamente. Onde todos esses fios se
entrecruzam. Tudo isso sou. Resultei de tudo. (ARROYO, 2000, p.33).
O professor além de cumprir a sua função relacionada ao ensino, se encontra diante da
situação de atender expectativas e necessidades de pais e da comunidade escolar como um
todo. Ser docente hoje significa estabelecer uma rede relações imprevisíveis e não
planejáveis. Nessa construção de relações, o docente se encontra diante da docência da mesma
maneira que o escultor diante de seu torno ou do pintor, em frente as suas telas. Ou seja, a
argila, apesar de parecer ser bruta, ao ser colocada no torno se torna frágil, a qualquer
movimento brusco e a escultura desmorona, já as telas são frágeis, sendo necessário manusear
os pincéis e se relacionar com as paisagens da obra com paciência, delicadeza e precisão.
Entretanto, assim como o pintor que, ao preparar os pincéis e tintas para pintar suas
telas, sonha e visualiza como sua obra de arte vai ficar ao término de suas pinceladas, o
professor também ao planejar a sua “arte educativa” imagina sua obra. No esculpir das
esculturas e no pincelar das telas, o professor vai compondo sua trajetória na construção de
uma identidade docente. Certas vezes, algumas tintas engrossam e precisam ser diluídas, caso
contrário, o artista ou pintor, perderá sua tela, ou os pincéis acabam perdendo algumas cerdas,
dificultando traços. Este engrossar das tintas ou a perda das cerdas representarão um
obstáculo na construção da obra do artista, assim também a do docente. Dependendo da
habilidade do artista, esse problema com a tinta e com os pincéis ficarão ocultos do ponto de
30. 30
vista geral, porém, poderá ficar visível para os olhos mais aprimorados. Essa reflexão do
docente busca conhecer os traçados e pinceladas que constituem os desafios de ser professor.
Ao longo das aulas do curso de pós-graduação algumas queixas foram recorrentes
acerca dos desafios da docência, ao percebermos tais observações, decidimos destacar
algumas delas para que possamos pensar e repensar sobre esses desafios.
Sinto falta de estudar, os professores
de onde trabalho não querem discutir
educação, acabo não sendo bem vista
na escola, pois quero pensar sobre
esse campo onde atuo. Prof -
Sociologia – FAETEC.
Sou professor em três escolas,
trabalho os três turnos, os fins de
semana eram dedicados à minha
família, mas com a pós, agora só aos
domingos. Prof. - Biologia -
FAETEC
Trabalho com jovens privados de
liberdade em uma casa de
custódia para menores infratores
procurei a pós para repensar
sobre a EJA em outros espaços.
Prof. II - DEGASE
Na escola onde trabalho muitos
alunos continuam na mesma
turma há anos, a gente vê que tem
alguma questão, porém, não
possuem diagnóstico. Prof. II
PEJA - Rio de Janeiro
Percebi que as turmas da minha
escola possuem muitos jovens em
sala, vi que outros colegas aqui
da pós perceberam esse aumento
também. Prof.– Filosofia/História
- Estado
Houve um aumento de alunos
especiais nas turmas de EJA,
percebi que vem aumentando em
todas as escolas. Prof. II PEJA -
Rio de Janeiro
As turmas começam cheias, mas
todo final de ano, está mais
vazia, vejo que não é um
fenômeno da minha escola. Prof.
- Matemática – Rio da Ostras
31. 31
Os educadores da EJA todos os dias enfrentam inúmeros desafios no decorrer de sua
prática docente, falta de discussão nas escolas, falta de tempo para voltar a estudar, questões
pessoais e familiares, carga horária excessiva, falta de formação continuada próximo de sua
residência, a não promoção de alguns alunos, juvenilização das turmas, o ingresso de alunos
com deficiência física, cognitiva ou sem diagnóstico, ensino aos alunos privados de liberdade,
evasão escolar, dentre outros. Contudo, esses educadores demonstraram que seguem buscando
novas alternativas para darem continuidade ao ensino, como as citadas acima. Referente a
alguns desafios enfrentados no cotidiano da EJA, Di Pierro (2010) esclarece algumas
dificuldades dos jovens e dos adultos em procurar ou mesmo em permanecer na escola:
[…] os jovens e adultos analfabetos ou com baixa escolaridade não acorrem
com maior frequência às escolas públicas porque a busca cotidiana dos
meios de subsistência absorve todo seu tempo e energia; seus arranjos de
vida são de tal forma precários e instáveis que não se coadunam com a
frequência contínua e metódica à escola; a organização da educação escolar
é demasiadamente rígida para ser compatibilizada com os modos de vida dos
jovens e adultos das camadas populares; os conteúdos veiculados são pouco
relevantes e significativos para tornar a freqüência escolar atrativa e
motivadora para pessoas cuja vida cotidiana já está preenchida por
compromissos imperiosos e múltiplas exigências sociais. (DI PIERRO,
2010, p.35).
Ao longo do curso de especialização, foram abordados diferentes temas acerca da
Educação de Jovens e Adultos, referente ao desafio sobre o trabalho com jovens privados de
liberdade ou de liberdade assistida, atualmente essa questão se tornou uma realidade dentro da
EJA, e vem se constituindo como um campo novo de atuação. Isso exige uma prática docente
diferenciada, no sentido de possibilitar melhores condições, para que assim o processo de
aprendizagem ocorra de maneira significativa. Acerca do assunto, Scarfó (2009) destaca:
O esquema de valores que as pessoas privadas de liberdade possuem
costuma ser “diferente” do que pode trazer qualquer educador(a), e isso
conduz a um processo dialético entre a prática e a teoria, entre o que está
bem e o que está mal, entre o dever ser e o que se é, entre o aqui e agora e o
32. 32
futuro. Esse enfrentamento de esquema de valores culturais contribui
também para aquela especificidade da educação nas prisões. O impacto na
subjetividade do que foi apontado acima, somado ao encarceramento, tem
consequências no plano psicológico das pessoas privadas de liberdade. A
baixa autoestima, a pouca motivação, a retração emocional, o isolamento, as
atitudes e expectativas reduzidas no presente e marcadas pelo passado,
geram nas pessoas presas um alto grau de vulnerabilidade psicológica que,
somada à vulnerabilidade social e à cultural, torna-a uma personalidade que
precisa de uma abordagem sofisticada e interdisciplinar, na hora de pensar e
levar adiante processos formativos nesse âmbito. (SCARFÓ, 2009, p. 121).
O atendimento aos alunos com privação de liberdade é mais uma das especificidades
da EJA, que faz com que nós, professores, busquemos compreender as necessidades desses
educandos, a realidade do espaço onde estão inseridos e as relações com o conhecimento que
eles possuem com a educação escolar.
Outra questão presente nas discussões do curso foi a crescente juvenilização da dos
alunos da EJA, de acordo com um dos professores cursista, grande parte desse processo foi
ocasionado pela idade avançada (a partir de 15 anos) com a organização em anos/séries, o fato
veio acompanhado da falta de disciplina no ensino regular. Sobre isso, Brunel (2004) destaca
que a juvenilização dos alunos e alunas da EJA é um fato, pois o número de adolescentes
nessa modalidade de ensino cresce com o passar dos anos, modificando o cotidiano e a
estrutura escolar. De acordo com a autora,
[…] os jovens, quando chegam nesta modalidade, em geral, estão
desmotivados, desencantados com a escola regular, com histórico de
repetência de um, dois, três anos ou mais. Muitos deles sentem-se perdidos
no contexto atual, principalmente em relação ao emprego e à importância do
estudo para sua vida e inserção no mercado de trabalho…Este novo
panorama, pouco a pouco, foi modificando o ambiente escolar, exigindo dos
professores uma nova postura e um jeito novo de conviver com estes alunos,
cada dia mais jovens. (BRUNEL, 2004, p. 9-10).
De acordo com uma das alunas do CESPEB, a não promoção pode ocasionar o
abandono da escola e contribuir para a baixa autoestima do aluno. Segundo ela, alguns
estudantes permanecem na mesma turma por anos, enquanto outros avançam sem maiores
problemas. Ela acredita que isso ocorra porque muitos educandos não possuem um
diagnóstico específico de suas necessidades, o que dificulta o trabalho docente com eles.
Outro ponto levantado por um dos professores foi o alto índice de evasão nas turmas
de EJA, dentre os possíveis motivos causadores da evasão, podemos citar, problemas de
acesso e/ou permanência na escola, motivos profissionais, causas familiares, dificuldades de
33. 33
aprendizagem, falta de formação específica, e outros. Esses possíveis motivos foram citados
pela maioria dos estudantes dos CESPEB.
Para Silva (2010) a evasão é muito mais complexa, contemplando questões do
currículo e de identificação com o ambiente Escola:
[...] podemos chegar a alguns indicadores explicativos:
primeiro, o currículo adotado nestas escolas, inibe a construção
coletiva de conhecimentos, já que não tem os saberes em rede como
parâmetro articulador de aprendizagem, ou seja, o currículo é engessado pela
normatização e oficialização de um tipo específico de saber, desejado por
uma classe dominante. Segundo, que a política de formação continuada dos
professores se deu de forma insuficiente, fragilizando a ação docente;
terceiro, a escola preparada para estes alunos e alunas não tem ambiência
para acolhê-los e garantir sua permanência; terceiro o currículo, ou as
práticas curriculares não estão consoantes com os sonhos, desejos e
necessidades fundamentais desses homens, mulheres, adolescentes e jovens
que buscam esse espaço para fermentar sua esperança. Por ultimo, a gestão
escolar não constrói ou constitui uma proposta curricular equitativa a
realidade deste grupo. (SILVA, 2010, p. 11).
Além das questões citadas acima, outro discurso ficou evidente nas falas dos
professores foi em relação à inclusão de alunos com deficiência em turmas de EJA. A fala da
professora do Rio de Janeiro expressa a fala de muitos outros ao dizer que a inclusão não vem
sendo feita da melhor maneira possível, pois os professores não estão preparados para atender
às especificidades desses alunos. Da forma como o atendimento aos alunos com deficiência
está sendo desenvolvido, corremos o risco de promovermos uma “inclusão excludente”, na
medida em que os aluno estão incluídos nas classes, mas não estão sendo atendidos.
Contudo, a inserção de educandos com deficiência nas classes regulares de EJA, se
estruturada de forma a atender os alunos em suas necessidades, pode ser extremamente
positiva, pois “envolve a construção social do reconhecimento dessa população como jovem e
adulta. A possibilidade de acesso à EJA implica a atribuição do estatuto de jovem e adulto a
essas pessoas, a consideração dessa etapa de vida e das necessidades que a constituem”.
(CARVALHO, 2006, p.168).
A questão das condições do trabalho docente é outra temática complexa que perpassa
as salas de aula, englobando a infraestrutura das escolas, as inferências do projeto político
pedagógico, o sistema burocrático determinado aos docentes, os controles do trabalho
desenvolvido pelos professores, carga horária excessiva, falta de tempo para estudos, e outros.
34. 34
Esses fatores trazem como conseqüências o estresse do docente, a queda da qualidade
da sua aula, a impossibilidade de se aperfeiçoar constantemente e a falta de tempo para
preparar e refletir criticamente sobre sua prática pedagógica. Sentem o desgaste físico e/ou
mental de longas jornadas de trabalho, necessárias para fazer, frente à baixa remuneração e
manter um padrão de vida razoável. Devido a esse sistema “burocrático” de ensino, o
cotidiano do professor resume-se em: preparar aulas, atividades complementares ao material
didático, preparar/corrigir pacotes e mais pacotes de provas/trabalhos e preencher uma
infinidade de relatórios, nos horários que deveriam ser destinados a atualização pedagógica,
ao lazer (como ir num teatro, cinema, museu, etc.), descanso e convívio social, com a “justa”
remuneração de horas-atividade. (SILVA e ROSSO, 2008, p.2041).
A falta de espaço para discussões no interior das escolas foi uma questão dos docentes.
De acordo com os alunos da pós-graduação, poucos são os colegas de profissão que querem
discutir e/ou estudar, para os pesquisados, esse fato se dá porque alguns docentes
conformados com a educação, outros pela falta de tempo com a dupla ou tripla jornada, pelo
fato de a escola não oferecer um espaço onde todos possam pontuar suas questões e ideias.
Este foi uma das questões motivadoras dos docentes do curso de especialização buscarem a
pós, para que pudessem levar para suas escolas novas possibilidades e aprendizagens. Os
professores também relataram a falta de formação (desejável) dos coordenadores e/ou
orientadores pedagógicos das escolas onde trabalham. Acerca disso, Franco (2010) salienta:
Uma ação educativa de sucesso na EJA no contexto escolar requer de todos
os envolvidos no processo uma participação efetiva para a construção de um
projeto que contemple o jovem e o adulto e seu processo de aprendizagem
em suas singularidades e proporcione a essas pessoas uma educação de
qualidade, crítica, criativa e sensível. Porém, para que isto seja realidade, é
necessário que as escolas articulem as ações educativas o projeto da EJA, em
processos de formação continuada que forneçam subsídios aos docentes para
desencadear um processo significativo de ensino-aprendizagem juntos aos
educandos. (FRANCO, 2010, p. 137).
O mesmo autor ainda argumenta que esses espaços para discussão cabem aos
coordenadores pedagógicos, pois estes auxiliarão os professores no processo de ensino da
EJA, para ele:
[…] o coordenador pedagógico se evidencia como fundamental na
organização, no desenvolvimento e na avaliação do projeto da EJA e na
mediação junto aos docentes dos impasses e dilemas que vivenciam na sala
de aula, em processos de formação continuada em serviço, por meio de
reuniões pedagógicas que visem a seu desenvolvimento pessoal e/ou
profissional, entre outros espaços e tempos disponíveis na unidade escolar,
35. 35
para que consigam atuar de forma condizente com os sonhos, ansiedades e
necessidades dos jovens e adultos. (FRANCO, 2010, p. 138).
Com tais afirmações por parte de Franco (2010), de nossas discussões e angústias
divididas sobre o trabalho docente na Educação de Jovens e Adultos, chegamos a seguinte
questão: Por que não se exige que os profissionais que atuam na EJA, sejam eles, educadores,
coordenadores, orientadores ou diretores tenham formação específica? Essa é uma questão em
aberto e tem sido pauta das discussões dos Fóruns e dos encontros estaduais, regionais e
nacionais de EJA.
As questões trazidas nas falas dos professores cursistas retrataram parte das
dificuldades que se fazem presentes no cotidiano dos educadores da EJA, e nos evidenciam o
quanto a Educação de Jovens e Adultos ainda se encontra à margem, não só por parte das
escolas, mas também por parte de políticas governamentais e institucionais.
36. 36
2. O lúdico como metodologia de ensino na prática docente
Quando nos referimos à palavra lúdico, nos remetemos sempre a jogos, brinquedos e
brincadeiras, temas relacionados ao entretenimento, diversão e prazer, o que causa um erro de
leitura quando ao conceito e a importância do lúdico para o processo de ensino-aprendizagem,
já que se associa o mesmo à falta de seriedade. Ao trazermos esse conceito para o contexto
escolar, buscamos ressaltar a possibilidade de o processo de ensino-aprendizagem acontecer
de forma prazerosa, de maneira a estimular a criatividade e o desenvolvimento intelectual.
Um dos interesses desta pesquisa é apresentar a necessidade de incorporação do lúdico
na abordagem didática para os docentes que atuam na Educação de Jovens e Adultos. Para
isso, trabalhamos com diferentes visões para o lúdico e averiguamos o entendimento que os
docentes do Curso de Especialização Saberes e Práticas da Educação Básica com ênfase na
Educação de Jovens e adultos possuem sobre essa metodologia de ensino.
O brincar é um ato emocional, associado ao humor, à construção de um self ou
individualidade e promove a acomodação dos aprendizados, organiza o meio que cerca o
sujeito de forma a que ele consiga criar e manter o viver criativo vivo, mesmo que diante de
agonias cotidianas. Assim sendo, destacamos o brincar como espaço necessário para o
desenvolvimento psíquico e orgânico do ser humano, que pode ainda possibilitar um
reencontro com a originalidade das tradições.
O que queremos dizer com essa originalidade na tradição? Winnicott (1975), mas não
somente ele, mostra que o lastro de vivência significativa em nossas vidas precede à criação.
Não se cria, e diríamos não se aprende, no vazio, na ausência de significados. Assim,
pretendemos discutir nesse capítulo como pode o lúdico e os instrumentos que habitam esse
espaço como o jogo, a brincadeira e o brinquedo serem propiciadores do prazer de aprender.
A defesa desta metodologia neste trabalho monográfico nasce da crença de que essa discussão
pode contribuir para que professores e futuros professores possam refletir como uma atividade
lúdica pode beneficiar o desenvolvimento de práticas pedagógicas em sala de aula.
Assim, nesta monografia, buscaremos olhar o brincar como um espaço que favorece a
criação, a confiança, a curiosidade, a imaginação, a construção de pensamento, dentre outros
aspectos. Este se constitui em um novo caminho para propiciar a aprendizagem dos
37. 37
educandos, pois ensina como compreender as situações que aparecem ao longo da vida,
fazendo um link muito importante no processo de ensino-aprendizagem.
Tratamos como um novo caminho porque reparamos, em nossas pesquisas e na
pesquisa especificamente feita para esta monografia, que o brincar aparece como vital na
Educação Infantil e, paulatinamente, vai saindo de campo, sumindo, antes dos três anos de
vida de uma criança e, de repente, pegamo-nos pensando que brincar é coisa de criança, lápis
de cor também, tinta guache também... e passamos a dar aula como se somente houvesse na
vida quadro e pilot, quando muito um data show.... Perde-se ou secundariza-se este espaço
que se abre na vida psíquica do sujeito sem nos darmos conta. E depois nos perguntamos, por
que será que esses alunos têm tanto medo de criar?
Dessa forma, apesar de seu mérito, o ato de brincar vai sendo esquecido com o tempo,
na medida em que as pessoas vão amadurecendo, criam novas expectativas, novas prioridades
e suas vidas tomam novos rumos com a chegada da adolescência e, posteriormente, da vida
adulta. Em parte, a escola acaba tendo uma parcela de culpa, visto que, no processo de
escolarização, o brincar perde espaço quando termina a Educação infantil. Ao chegar ao
Ensino Fundamental I, o aluno se depara com novos conhecimentos, novas atividades, que
deixam o brincar em segundo plano.
Já no Ensino Fundamental II, por volta dos 12 anos de idade, esse aluno tem sua vida
escolar completamente modificada, aumenta-se consideravelmente o número de professores e
disciplinas, passa a ter somente as aulas de Educação Física para correr ou brincar. Sua
chegada ao Ensino Médio termina o ciclo, o brincar desaparece quase por completo. Se o
brincar é praticamente esquecido no decorrer da vida escolar, o que dizer sobre as
oportunidades de brincar que jovens e adultos, que precisaram se incorporar ao mercado de
trabalho ainda na infância, prevaleceu? Relacionado a este fato, Fortuna (2000) salienta que
o brincar é permitido na Educação Infantil e, a partir de seu término, vai sumindo pouco a
pouco, até desaparecer por completo. Inclusive, ouvimos constantemente falas do tipo “agora
é hora de aprender e não de brincar”, “você vem pra aprender a ler ou pra ficar brincando”,
“escola é um lugar sério, não é local para brincadeiras”, alem de muitas outras.
Os jovens e adultos, ao chegarem à escola, muitas vezes encontram um lugar chato e
cansativo, que não dialoga em nada com sua realidade. Uma das funções do educador é
transformar o espaço escolar em um ambiente mais alegre, aconchegante, vivo, propício,
38. 38
facilitador e estimulante para que seus educandos permaneçam na escola. Como diz no
fragmento abaixo:
Entre o ensinante e o aprendente abre-se um campo de diferenças onde se
situa o prazer de aprender. O ensinante entrega algo, mas para poder
apropriar-se daquilo o aprendente necessita inventá-lo de novo. É uma
experiência de alegria, que facilita ou perturba, conforme se posiciona o
ensinante. (FERNÁNDEZ, 2001, p.29).
O ato de brincar proporciona aos alunos da EJA saírem um pouco de sua realidade
dura cotidiana. Como não são mais crianças, esquecem como se brinca ou se negam participar
de brincadeiras, por acharem que isso não tem mais importância. Muitos poucos brincaram, e
nem sabem o que seja brincar na escola, porque realmente também nunca entraram em uma
escola.
A curiosidade que o brincar proporciona a uma criança, estes sujeitos pouco
vivenciaram, logo, é melhor dizer “não me interessa entrar em contato com isso, afinal, não
sou mais criança!” Contudo, ao se permitirem reviver o espaço de criação potencial que
existe neles e em todos nós, relembram parte de sua infância, quando tiveram a oportunidade
de brincar, sem que os mesmos deixem de ser quem são, podem ir e vir, a aprendizagem se
torna mais prazerosa. Sendo assim, ao optarmos pelo brincar como um espaço de experiências
lúdicas, torna-se possível ao educador entender e proporcionar aos seus alunos práticas
pedagógicas como uma estratégia significativa na aprendizagem porque a vivência com jogos,
brinquedos e brincadeiras é fundamental na formação do sujeito lúdico.
Para Huizinga (2007), o jogo é uma das noções mais antigas da realidade, pois é do
jogo que nasce a cultura. O jogo se faz presente em nossas vidas de diferentes formas, sendo o
brincar, uma delas, além dele, pode aparecer como jogos de linguagem, na poesia, e em outras
formas. No jogo “há algo em jogo” que ultrapassa as necessidades e está acima do fisiológico
ou do psicológico. Ele possui inúmeros significados, um deles, é o divertimento. O jogo pode
até ser sério, mas se relaciona estritamente com o humor, com o prazer e o divertimento.
O jogo, para este mesmo autor, é uma atividade voluntária, caracteriza-se por ser livre.
É um meio de fugirmos de nossas vidas reais para outro plano temporal, porém, apesar de o
jogador se dedicar totalmente, o mesmo sabe que é “faz de conta”. Para ele, o jogo tem
somente a finalidade de atingir a satisfação. A tensão e o mistério são “peças” fundamentais,
eles significam o acaso e ainda impulsionam a formação das diferenças entre os sujeitos.
39. 39
Huizinga (2007) destaca duas condições fundamentais na atividade lúdica. A primeira
diz respeito à espontaneidade e à liberdade que são voluntárias e conferem ao indivíduo a
condição de ter autoria ao construir jogos e brincadeiras. Sendo a vontade de brincar
motivação interna, que não pode ser colocada como uma tarefa ou ser imposta. A segunda é o
espaço da imaginação, o que lhe dá consciência e condições de diferenciar o real do
imaginário, esta dimensão significa o lugar que o lúdico exerce na vida cotidiana, e não é
ligada a interesses materiais ou necessidades biológicas, é uma fuga temporária da realidade
para a ordem do imaginário.
De acordo com o mesmo autor, o jogo possui uma ordem e a desobediência às
regras “estraga o jogo”. Mesmo desejando a vitória, o jogador deve respeitar as regras do jogo
que foram criadas e aceitas por todos os jogadores.
[...] o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos
e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente
consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si
mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma
consciência de ser diferente da "vida quotidiana". (HUIZINGA, 2007, p.24).
O jogo gera emoção, fascinação, excitação, cheio de estratégias e táticas, é também
imprevisível, pois em alguns tipos de jogos ninguém é capaz de calcular as reações
repentinas, involuntárias, inesperadas ou do corpo do outro. Sendo assim, é necessário que se
organize e reorganize, não só mentalmente, mas também fisicamente e com rapidez.
O brincar, pelo olhar winnicottiano, só pode ser compreendido com a afluência de sua
concepção de transicionalidade. Para ele, essa transicionalidade é constituída entre a realidade
interna e o mundo social. Segundo Winnicott (1975), o espaço do brincar não fica dentro nem
fora da subjetividade, fica entre ela e a realidade que nos circunda. O brincar se constitui a
partir do contato entre a mãe (cuidador) e o bebê. Este espaço Winnicott denominou de
espaço potencial.
De acordo com ele, o brincar se divide em momentos. No primeiro momento, o bebê e
o objeto estão fundidos e a visão que o bebê tem em relação ao objeto é subjetiva. A mãe se
certifica, a fim de tornar possível o que seu bebê está prestes a encontrar. Tal ato, Winnicott
nomeia de criatividade primária, e só será possível se realizada por um cuidador apaixonado
por seu bebê.
40. 40
O segundo momento, o objeto é repudiado como não-eu1
, aceito novamente e
compreendido. É nesse momento que a mãe devolve o objeto repudiado ao bebê. O cuidador
alterna entre ser ele mesmo e ser o que o bebê pode encontrar. Com sua mãe tendo sucesso,
exercendo esses papéis, o bebê consegue atingir a onipotência, ou seja, será o criador do
mundo dele, mesmo que todos nós saibamos que esse mundo é de todos. Quando chegar o
momento em que esse bebê deverá dar conta do mundo, a mãe, em seu papel materno, e com
isso queremos dizer que qualquer ser humano pode ocupar esse lugar, o auxiliará a passar pela
desilusão de se perceber não mais rei do mundo inteiro e sim, somente de seu pequeno mundo
criativo. Nesse momento entra em cena o espaço transicional, transição entre o tudo e o que
dá para fazer, ou seja, o bebê cresce e aprende que sua mãe/cuidador pode se ausentar, mas
ele tem a certeza de que ela/ele voltará. Isso o mantém criativo e vivo ou, como diz Winnicott
(1975) vivendo criativamente.
Dessa forma, o brincar favorece a comunicação, não só individual, como também com
os outros, propiciando experiências integradas de quem brinca. O brincar é uma necessidade
interior de todos, crianças ou adultos. Por meio do brincar, os sujeitos ganham experiência e
assim, podem exercitar sua criatividade e fantasia.
Podemos entender que o relaxamento, que provém das experiências de confiança, é
alicerce para a atividade criativa revelada na brincadeira. O conjunto dessas experiências de
criação e de relaxamento permite que se constitua o verdadeiro self. É no brincar e talvez
apenas no brincar que a criança e o adulto experimentam liberdade suficiente para criar e
criar-se. É um espaço potencial, ou seja, um espaço onde toda a potência do indivíduo se
mobiliza em busca de uma concretização não obsessiva.”. (WINNICOTT, 1975, p.88).
A psicogenética de Wallon (1981) oferece, dentro de outro paradigma, mas ainda
dentro da ideia da importância do lúdico para o desenvolvimento e criatividade do ser
humano, elementos para uma reflexão acerca das práticas pedagógicas, visto que é o estudo
que contempla a pessoa como um todo, considerando as relações dos sujeitos com seu meio,
de forma contextualizada, em seus diferentes âmbitos. Para a Educação, a psicogenética
walloniana aborda temas como emoção, expressividade, movimento, gestualidade,
pensamento discursivo e representação mental. O professor é melhor preparado para seus
alunos em suas diversas necessidades, assim como estimular o seu desenvolvimento e
1
Para Winnicott 1975, não-eu é aquilo que ainda não é conhecido pelo bebê.
41. 41
propiciar sua aprendizagem. Por esse fato, acreditamos que o autor possa contribuir para
nosso estudo.
Wallon (1981) acredita que não seja possível escolher uma única característica do ser
humano, deve-se perceber o desenvolvimento nos diferentes campos funcionais (afetivo,
motor e cognitivo), porque o estudo do desenvolvimento humano deve contemplar o sujeito
como “geneticamente social”. Seguindo esse pensamento, podemos dizer que a infância é
uma situação real e distinta de todas as outras, por isso, deve ser considerada com as suas
características. É neste momento que demonstramos nossos sentimentos, nossa criatividade de
maneira mais espontânea, pois as atividades lúdicas predominam. Sabemos que por meio das
brincadeiras que as crianças interagem com o outro, estabelecem relação com seu meio, a fim
de elaborar sua identidade e desenvolver sua autonomia.
As ideias wallonianas foram baseadas em elementos que se interligam, movimento,
afetividade e inteligência. O movimento depende da estrutura dos espaços para elaboração de
atividades que impulsionem o desenvolvimento motor com fins educativos. A motricidade
tem caráter pedagógico pela qualidade do gesto e também do movimento, por sua
representação social. A afetividade tem papel muito forte no desenvolvimento de uma pessoa.
Com ela que o educando exterioriza suas experiências e desejos. A inteligência depende da
interação do indivíduo com seu meio, abrangendo seus signos, articulando as informações de
maneira que conceda uma participação efetiva da realidade que o rodeia.
De acordo com Wallon (1981), percebemos que o jogo é compreendido a partir de
como foi apreendido pelo adulto, em quatro fases: jogos funcionais; jogos de aquisição; jogos
de ficção e jogos de fabricação.
Os jogos funcionais acontecem de maneira natural, pois a criança descobre o prazer de
produzir som, gritar ou explorar os objetos. Com os jogos de aquisição a criança começa a
entender, conhecer e imitar. Os jogos de ficção compreendem as atividades de imitação e faz-
de-conta, brincar de imitar os pais, o professor ou animais. E os jogos de fabricação são os
jogos no qual a criança realiza atividades de criar, combinar, juntar ou transformar objetos.
Wallon (1981) acredita que os jogos evidenciam as diferentes experiências vivenciadas pela
criança, como enumeração, memorização, articulação, socialização, sensoriais, além de
outras. Todos esses jogos irão influenciar no adulto, como ele se constituirá como sujeito.
42. 42
O jogo para o adulto acontece diferente da criança, para ele ocorre o contrário, pois
pode se constituir como uma regressão consentida, que liberta e o leva pra o mundo longe de
preocupações, possibilitando realizar atividades descompromissadas e prazerosas. Para
Wallon (1981), a oposição da concepção do jogo para a criança e o adulto ocorre pelo fato
descrito a seguir:
A criancinha quer ser vista quando os pratica e não deixa de solicitar a
atenção dos pais e dos mais velhos. Mais tarde, não se entregara a eles sem
antes o anunciar com grandes demonstrações gesticulatórias ou vocais. E
finalmente, sempre que for possível, quererá distinguir-se com um uniforme,
insígnias ou equipamentos de jogador. Quanto aos adultos por muitos livres
que sejam do seu tempo ou da sua pessoa, há poucas que não se tenham por
vezes surpreendido a esboçar um gesto furtivo para dissimular que estavam a
jogar. Para alguns, o jogo pode criar remorsos. Mas para a maior parte, sem
dúvida, é o sentimento da autorização que acabou por vencer o da proibição
e que aumenta em muito a alegria de jogar. (WALLON, 1981, p.92).
Assim, entendemos que a concepção de Wallon nos diz que o lúdico não pode ser
excluído de qualquer fase da vida. Na a atividade, infantil ou adulta, deve ser natural e livre
de qualquer punição. O jogo é uma ação espontânea, do contrário não é jogo e sim um
trabalho ou ensino.
É natural do ser humano, ser afetivo, social e expressivo, porém, em algumas pessoas
algumas dessas características estão retidas. Sendo assim, é necessário que se trabalhe no ser
humano por inteiro, para que esses aspectos sejam desenvolvidos, independente de idade. Para
Wallon (1981), o desenvolvimento da criança se refletirá no adulto e no significado que ele
tem em relação ao meio em que vive.
Tratando-se da Educação de Jovens e Adultos apoiada em atividades lúdicas, é
essencial que os educandos tenham momentos de descontração no decorrer da aprendizagem,
ainda que não sejam mais crianças, já foram e aprenderam muito nessa etapa da vida. Por esse
motivo, o lúdico se constitui como um novo olhar para que os jovens e adultos possam
encontrar na escola um ambiente descontraído e prazeroso. De acordo com Maia (2012)
“Buscar no lúdico um espaço prazeroso é trazer de novo para sala de aula o momento onde
esses mesmos alunos já tiveram quando pequenos: o espaço do riso e da alegria do brincar”.
(MAIA, 2012, p.8).
Sendo assim, ao optarmos pelo brincar como um espaço de experiências lúdicas torna-
se possível ao educador entender e proporcionar aos seus alunos práticas pedagógicas como
43. 43
uma estratégia significativa na aprendizagem porque a vivência com jogos, brinquedos e
brincadeiras é fundamental na formação do sujeito lúdico.
A ludicidade é uma necessidade do ser humano em qualquer idade e não
pode ser vista apenas como diversão. O desenvolvimento do aspecto lúdico
facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural,
colabora para uma boa saúde mental, prepara para um estado interior fértil,
facilita os processos de socialização comunicação, expressão e construção do
conhecimento. (SANTOS, 1997, p 12).
O papel do educador durante a realização de jogos e atividades lúdicas deve ser o de
desafiar o aluno a solucionar problemas e promover a participação coletiva, porque é por meio
do jogo que podemos aguçar e incentivar a coletividade e a cooperação. O jogo é uma
estratégia que viabiliza a compreensão de muitos conteúdos e a adoção deste nas práticas de
sala de aula pode se constituir como indispensável para ultrapassar dificuldades na
aprendizagem e propiciar a interação dos educandos com o seu meio social.
2.1. Professor lúdico
Até aqui discutimos a respeito da importância do lúdico na vida das pessoas em geral.
Abordamos como a ludicidade contempla aspectos importantes da formação e do
comportamento do ser humano para atuar em uma sociedade. Defendemos a importância de,
na vida adulta, mantermos vivas as perspectivas lúdicas de olhar e conviver no mundo. Chega
então, o momento de direcionarmos nosso olhar para a utilização do lúdico na escola de uma
maneira que se possa refletir acerca de seu papel na formação do sujeito e na prática de
ensino.
O que move nossa pesquisa é a percepção de que todos os sujeitos são agentes de seus
processos de desenvolvimento e que o professor deve ser um facilitador desse processo, e que
a construção do conhecimento deverá ser de forma significativa, responsável e prazerosa, em
outras palavras, uma educação lúdica. Neste sentido, Chateau (1987) acredita que a escola
deve ter o jogo como um suporte, uma base e, assim, tornar o comportamento lúdico como
modelo no comportamento escolar. Essa concepção do autor nos leva a considerar que é
necessário que haja uma relação entre o lúdico e a função pedagógica da escola,
especialmente no sentido de desenvolver e na construção do conhecimento. Este mesmo
autor considera que o sujeito, quando brinca, trabalha, muito por sinal. Trabalha no sentido
44. 44
amplo, o de construção de ações inerentes ao seu desenvolvimento. Neste contexto, o trabalho
escolar desempenha o papel do equilíbrio entre as duas concepções, ou seja, o indivíduo cria o
hábito de se esforçar, desenvolver, criar e, ao se divertir, estabelece uma relação com a vida.
Assim sendo, os jogos na escola, são imprescindíveis, pois
[...] o jogo prepara o contato com a existência não-humana [...] só se domina
a própria natureza pela obediência do espírito, de início, e depois a própria
natureza. Se o jogo fica muito distanciado dessa existência real, cabe ao
trabalho escolar para ser proveitoso, ser diferente do trabalho real. Ele
habitua ao esforço, mas não o esforço penoso do trabalhador sustentado pelo
peso do arado, pela terra que agarra a seus pés. (CHATEAU, 1987, p. 136).
George Snyders (1974) ressalta que a educação deve ser de maneira a proporcionar o
prazer e exigir empenho e esforço. Neste sentido, o jogo é caracterizado como uma atividade
séria, que exige empenho, com regras e que propicia prazer. Assim, a função educativa do
docente precede o caráter lúdico da arte de ensinar, ensinar com prazer, com satisfação, com
desejo e com objetivos claros, focando o desenvolvimento de capacidades, na construção do
conhecimento. Sendo assim, trago Alves (1994) que nos diz:
Pois o que vocês ensinam não e um deleite para a alma? Se não fosse, vocês
não deveriam ensinar. E se é, então é preciso que aqueles que recebem, os
seus alunos, sintam prazer igual ao que vocês sentem. Se isso não acontecer,
vocês terão fracassado na sua missão, como a cozinheira que queria oferecer
prazer, mas a comida saiu salgada e queimada... (ALVES, 1994, p.10).
O professor tem o dever de se afastar do autoritarismo de sua prática pedagógica, a sua
sala de aula deve ser um espaço de falar, construir, aprender, escrever, ler e partilhar. Para
Freire (1983, p.46):
[...] O autoritarismo que corta a nossas experiências educativas inibe,
quando não reprime, a capacidade de perguntar. A natureza desafiadora da
pergunta tende a ser considerada, na atmosfera autoritária, como provocação
à autoridade. E, mesmo quando isso não ocorra explicitamente, a experiência
termina por sugerir que perguntar nem sempre é cômodo.
Se pretendemos conceber uma educação lúdica como foco do nosso planejamento
pedagógico, devemos banir atitudes como a descrita anteriormente. A aula deve, então, ser
uma ação conscientemente criada, e com um objetivo específico, contudo, com espaços para o
imprevisto, para a reflexão, para discussão, para as trocas entre educandos e educadores –
educandos e educandos - e por que não para o brincar? O brincar e o jogar permitem o
desenvolvimento de aprendizagem quando o professor sabe aproveitar este espaço. A
intervenção, todavia, não pode ser delimitada, centralizadora, controladora ou finalizadora.
45. 45
Os processos de escolarização estão voltados para o ensino de conteúdos, tirando pela
forma metodológica pela qual é abordada dentro de sala de aula, muito do prazer da
aprendizagem.
Maluf (2007) ressalta que o docente é o principal ator na criação dos espaços e na
realização dos momentos lúdicos, agindo como promotor de ambos. Vale destacar que para
que o docente incorpore práticas lúdicas em sala é essencial que esse professor ou professora
tenha vivenciado experiências significativas em seu processo de formação, tanto como sujeito,
quanto em sua formação profissional, no caso, a docente.
Ao longo de nossa vivência como docente, ou no andamento do curso de
especialização foi percebido certo estranhamento do uso do lúdico em sala por parte de alguns
colegas de turma. Este fato pode ser comprovado no decorrer das aulas, quando éramos
indagados acerca de nosso tema de monografia, muito diziam que era para ser usado somente
com os pequenos, que não entendiam ou queriam estudar sobre e, por fim, na resposta do
questionário que veremos nos capítulos seguintes. Se concebermos a ideia que o jogo ensina,
será bem possível que o docente aprenda mais com o jogo do que o próprio educando, uma
vez que um dos elementos da concepção lúdica do educador seria nada mais que ao próprio
ato de brincar. Fortuna (2005).
Para Collares (2008),
Acolher movimento, a troca e os comentários [...] considerando os desafios
ou convites à desacomodação, remete o professor a um lugar ativo, curioso,
de reciprocidade, no qual se devolve ao aluno o convite à criação
contextualizadora de si e do mundo. Sem essa compreensão e acolhimento,
os alunos continuarão jogando sozinhos, e quem sabe aguardando que a
escola, um dia, aprenda a participar do jogo. (p. 04).
Vygotsky acredita que a aprendizagem está intimamente relacionada ao
desenvolvimento desde o início de nossas vidas, sendo, portanto “um aspecto necessário e
universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente
organizadas e especificamente humanas”. (VYGOTSKY, 1989, p.101).
O lúdico não está relacionado apenas ao brincar, está presente no ato de ler, de se
apropriar da literatura de maneira natural como uma descoberta e compreensão do mundo em
que vivemos. Atividades com característica lúdico-criativa chamam a atenção de crianças,
jovens e adultos, que podem se constituir da aprendizagem. Atividades lúdicas favorecem
46. 46
também o desenvolvimento motor e psicomotor. Sendo assim, conseguimos obter muito mais
dos alunos do que com provas os “decorebas”. Maia (2012) nos diz:
Uma prova tradicional poderia obter resultados diferentes, mas certamente
não levaria os alunos a partilharem dúvidas, saberes e experiências porque
seriam provas individuais, onde a reflexão pararia no momento de entregar a
prova respondida. Não haveria nem mediação, nem construção coletiva de
saberes e não haveria principalmente riso, troca lúdica nem o uso do corpo
para expressar seus conhecimentos. (p. 6).
De acordo com Torrance (1987), é possível se ensinar a pensar de maneira lúdica ou
criativa, como o autor adota. Fazendo uso de diferentes meios, sendo os mais importantes os
aspectos que envolvem a função cognitiva e emocional, pois proporcionam uma estrutura
adequada e a motivação. Essa combinação favorece o envolvimento, a interação e a relação
entre professores e alunos e facilitam a aprendizagem.
Para Wechsler (2001, 2002), um professor criativo é aquele que se coloca de maneira
acessível a novas experiências. Esse docente é também ousado, confiante, curioso, e, é
apaixonado pelo que faz. Desenvolve seu trabalho com um ideal, um propósito, e claro, com
prazer. O professor criativo tem uma postura facilitadora, desconstruindo a visão de
hierarquia, rompendo assim, com a concepção tradicional de ensinar. Destacamos algumas
atitudes vindas por parte do docente que favorecem o desenvolvimento em sala de aula, são
elas: ouvir novas ideias, valorizar as hipóteses, dar coragem aos alunos, estimular a
curiosidade e a criatividade, propiciar um ambiente seguro, refletir sobre sua prática.
O autor Cropley (1997 e 2005) também destaca aspectos do comportamento desse
professor, para ele o docente deve: motivar seus alunos, tentar o novo e o inusitado, a dominar
o conhecimento fatual, considera o contexto social, auxilia na superação das frustrações,
incertezas e dificuldades.
O professor criativo em sala de aula permite ao aluno pensar, desenvolver ideias e
visões, aprecia o criativo, não aponta o erro, ele o entende como uma parte integrante do
processo de aprendizagem, valoriza os interesses, favorece oportunidades. A autora ainda
destaca ainda que o professor criativo busca sempre promover “um clima em sala de aula em
que a experiência de aprendizagem seja prazerosa”. (FLEITH, 2001, p. 57).
A brincadeira em sala é muito importante, contudo, é preciso que o professor saiba
graduar este espaço, para que seus objetivos não se percam na prática lúdica. O que
precisamos entender é que, “são os professores que estão na posição de ver, diariamente, o
47. 47
valor que existe no brincar infantil e como ele pode ser transformado em um poderoso
instrumento de aprendizagem” (MOYLES, 2006, p. 229). Cabe ao docente encontrar como
tornar esses ricos momentos em possibilidades de aprendizagens, ou até, identificar em que
momento do brincar ele intervir positivamente e acrescentar na construção do conhecimento
dos educandos.
Nas mãos de um professor lúdico, um livro de leitura, um jornal, um texto ou qualquer
outro recurso se tornam motivações e inspirações para o encantamento de sua aula. São
professores que por meio de sua fala, jeito, modo de agir, capacidade de aproveitar recursos
da realidade, consegue deslumbrar seus alunos e assim, tornar uma aprendizagem em
prazerosa e significativa.
Em suma, podemos concluir que os professores devem incluir a ação lúdica como
metodologia de ensino em suas práticas pedagógicas, planejamentos, conteúdos e também as
avaliações, visando a construção um sujeito autônomo, criativo, nas potencialidades
cognitivas e afetivas de seus educandos.