Mariana desenvolveu um transtorno alimentar periódico devido ao ambiente familiar hostil e à falta de apoio emocional. Ela usa a comida para aliviar a dor e desenvolveu crenças de que é rejeitada e indesejável. O processo psicoterapêutico oferece uma oportunidade para que ela se reconheça e encontre sua voz, superando os traumas do passado.
2. CASO CLÍNICO
Mariana, 59 anos, filha única, nunca casou, não tem filhos, curso
superior, mora com a mãe atualmente.
Descrição do Problema
Episódios de compulsão alimentar, procrastinação, comportamentos
compulsivos por compras e estudos, impaciência, insônia
intermediária e final, cansaço, dificuldade nas relações interpessoais.
Circunstâncias do Aparecimento
Os episódios aparecem pela primeira vez aos sete anos , na idade da
socialização, cessam na adolescência e retornam no final do ensino
médio, época de seu primeiro vestibular. Estes ficam constantes
durante toda graduação e no final, quando presta outro vestibular e
consegue aprovação. Estes episódios são demarcados por períodos
chaves onde precisa mostrar-se capaz e visa obter a aprovação
parental.
Conseqüências do Comportamento
Cansaço, impaciência , irritabilidade e desinteresse social.
3. REFORÇADORES
•Rejeição
•Hostilidade
•Complacência materna HISTÓRIA FAMILIAR- Mãe
•Gestação difícil;
•Durante gestação fazia exames
sozinha;
• Teve eclampsia.
•Complacência
Obs.: Ao terminar residência, comprou
apartamento e levou a mãe.
CURSO DE VIDA
•Nasceu de parto normal;
• Apresentou dificuldade para respirar;
•Aos 7 anos começou a ingerir grande quantidade de comida.
HISTÓRIA FAMILIAR-PAI
• Hostil e agressivo com a
família
•Apresenta dificuldade em
brincar com a filha, inclusive
tentou afogá-la
Agredia fisicamente a filha
Não demonstra interesse pela
filha
4. Pensamentos Automáticos:
Eu me sinto sozinha;
Ela não me convidou para
fazer parte da equipe de
trabalho no setor de suicidas,
pois me acha incapaz;
Lá no hospital a maioria dos
colegas tem relação de
amizade com alguém menos
eu, pois eles não gostam de
mim;
Desde a época da faculdade
eu ficava sozinha, ninguém
nunca queria fazer trabalhos
comigo;
É claro que o Carlos não vai
se interessar por mim, gorda
como eu estou;
Os vizinhos nunca se
aproximaram de mim e agora
que estou doente então.
Crenças intermediárias:
Preciso estudar o máximo que eu conseguir
para que as pessoas me achem interessante;
Se eu não me relaciono bem com as
pessoas eu sou insignificante
Se eu não consigo ter um relacionamento
intimo então eu sou feia.
CRENÇAS NUCLEARES
Eu sou rejeitada
Eu não tenho atrativos
Sou Indesejável
5. Hipótese Diagnóstica
Sinais de Transtorno
Alimentar Periódica- TCAP
• Super alimentação,
• Sobrepeso ou obesidade,
• Ausência de mecanismos
purgatórios.
• Ansiedade
• Impulso irrefreável de ingerir
comida em grande quantidade,
(Paladar: critério de menos
importância)
• Baixa auto estima
• Perfeccionismo
• Impulsividade
Dentro do espírito classificatório dos manuais de psiquiatria a
Compulsão Alimentar Periódica seria um Transtorno
Alimentar sem Outra Especificação.
Os Transtornos alimentares não-especificados incluem
transtornos alimentares que não preenchem critérios
diagnósticos para AN ou BN
O critério de diagnóstico para TCAP proposto pelo DSM-IV
requer a presença de:
A. Episódios recorrentes de compulsão alimentar.(binge-
eating)
B. Os episódios de compulsão alimentar estão associados a
três( ou mais) dos seguintes critérios:
1. comer muito e mais rapidamente do que o normal;
2. comer até sentir-se incomodamente farto;
3. comer grandes quantidades de alimentos, quando não
está fisicamente faminto;
4. comer sozinho por embaraço devido à quantidade de
alimentos que consome;
5. sentir repulsa por si mesmo, depressão ou demasiada
culpa após comer excessivamente.
c. Acentuada angústia relativa à compulsão alimentar
periódica.
d. A compulsão alimentar ocorre, pelo menos, dois dias
por semana, durante seis meses.
e. A compulsão alimentar não está associada ao uso
regular de comportamentos compensatórios inadequados,
nem ocorre durante o curso de anorexia nervosa ou bulimia
nervosa.
(knapp,Paulo,Artmed,2008)
Critério de diagnóstico para TCAP proposto
pelo DSM-IV
6. “Escutar é o mais importante no tratamento.Ajudar estas pacientes a encontrar a
própria voz.Elas nunca foram escutadas na vida, sentem que não contam e que suas
experiências são irrelevantes...
O corpo então passa ser a voz.”
As águas do rio do desamor deságuam na vida de Mariana. Estas águas
poluídas com os dejetos da agressividade paterna, da complacência materna, e
com os ácidos destrutivos da indiferença e da banalização da vida fizeram-na
desenvolver mecanismos que deram suporte para administrar as dores intimas.
Dores que não foram expressadas no grito, mas no corpo que parece que
precisa ser “maltratado”para ser extinto e a dor aliviada.
A escuta, o acolhimento paterno não fizeram parte do seu repertório vivencial
e o vazio no coração lesionado foi preenchido com o alimento das crenças da
desesperança e do desamor.
Porém, Mariana pensa “Não posso deixar que isto venha aparecer”. Mas a
fome é intensa , insaciável e precisa ser camuflada no brilho das conquistas
intelectivas. Não basta apenas adentrar uma única vez na vida acadêmica, ela
parece não saciar esta fome intensa, outras estratégias no seu ponto de vista
são necessárias.
7. O mundo é hostil, portanto é preciso adquirir tudo o que ele pode lhe
oferecer, consumindo coisas porque assim, possivelmente serão
preenchidas as lacunas da existência vazia de afeto.Ela percebe que o
mundo tem pressa e a correria do cotidiano parece ser o passaporte
para o sucesso, porém neste mundo hostil tudo pode ser adiado e a
sensação de alivio, mesmo momentâneo acompanha os seus passos, por
isso embora ela afirme que a procrastinação lhe incomoda ela parece
não querer assumir outra conduta.
Neste vasto rio de águas turbulentas, poluídas, que invadiram a sua
existência, não houve espaço para o tratamento destas águas e elas
foram e vão se espalhando numa variedade de doenças enigmáticas.
Porém, as possibilidades do ser humano funcionar dentro do aspecto da
“normalidade” existem, portanto surge o processo psicoterapêutico e
com ele, uma luz no fundo do túnel que convida a paciente ao reencontro
de si mesma, descobrindo passo a passo todas as possibilidades deste
reencontro. E neste momento surge a figura do terapeuta , não como
um Deus detentor de conhecimentos com o poder de cura, mas como um
ser tão humano quanto a paciente, porém com uma alma disponível
para ajudá-la a “encontrar a própria voz.”
Por Maria Inês Machado