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Márcio José Pereira
David Antonio de Castro Netto
Organizadores
ENSINO DE HISTÓRIA &
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
fontes, métodos e experiências em sala de aula
Universidade Estadual de Maringá
́ Av. Colombo, 5790
Bloco H-12, sala 16
Maringá/PR
CEP: 87020-900
Conselho editorial
Alexandre Fortes (UFFRJ)
Angelo Priori (UEM – Coordenador Editorial)
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Carlos Alberto Sampaio Barbosa (UNESP)
Carlos Gregório Lopes Bernal (Universidad de El Salvador)
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Todos os direitos reservados. Autorizada a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico
etc., com a obrigação de citar a fonte.
Todas as informações contidas nos artigos dessa coletânea são de inteira responsabilidade de seus autores e autoras.
Todas as imagens utilizada na composição de capa, contracapa e separadores de seção são oriundas de banco de imagens
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EQUIPE TÉCNICA
Revisão textual e gramatical: Os autores
Normalização textual e de referências: Os autores
Projeto gráfico/diagramação: Eliane Cristina da Silva
Foto Capa: Os autores.
Ficha catalográfica: CBL
Tamanho da obra: 21 x 29,7 cm
Fonte: Ibarra Real Nova, DM Serif Text
Publicação online disponível no site:
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Pereira, Márcio José; Castro Netto, David Antonio [organizadores].
E59 Ensino de história e história contemporânea: fontes, métodos e experiências em sala de
aula. -- Maringá, PR : Edições Diálogos, 2023.
241 p. Il. PDF.
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN: 978-65-00-69329-4
1. História. Estudo e ensino. 2. História contemporânea. I. Pereira, Márcio José. II. Castro Netto,
David Antonio. III. Título.
CDD 907
A todas e todos que perderam suas
vidas para o COVID-19, malogrados pela
doença ou desfavorecidos por
governantes estúpidos
Sumário
Introdução 7
Eixo Primeiro: RESQUÍCIOS & HERANÇAS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 13
Por que Hitler não vai embora? O nazismo representado na cultura popular como epítome do mal
após a Segunda Guerra Mundial
Marcos Meinerz
14
“Destruir o mundo antigo e forjar o mundo novo”: imagens da Revolução Cultural Chinesa e o ensino
de História
Regina Célia Daefiol
Giovana Eloá Mantovani Mulza
37
Um ensaio sobre ensino e o nazismo na Alemanha: os problemas não resolvidos do pós-guerra
Daniel Nunes Ferreira Jr
48
História e Literatura: uma perspectiva histórica da América Latina na segunda metade do século XX
Ana Carla Rodrigues Ribeiro
Gabriela Harumi Araki
58
Deuses e ditadores: uma análise dos regimes totalitários a partir da franquia “Injustice: deuses entre
nós”
João Matheus Ramos
Arnaldo Martin Szlatcha Jr
68
Eixo segundo: LUZ, CÂMERA, AÇÃO: REPRESENTAÇÕES FILMOGRÁFICAS DO TEMPO PRESENTE EM
SALA DE AULA
84
A representação do ideológico americano na Guerra Fria a partir da animação ‘Make my freedom`
(1948)
Alana Trevisan Brito
Luana Carolina dos Santos
85
Capitã Marvel: cinema, gênero e sala de aula
Thayline de Freitas Bernadelli
Márcio José Pereira
90
A Guerra do Vietnam: recepção estadunidense a partir de gravações da época e os Movimentos de
Contracultura
Mateus Salesse Silva
Vinicius Tivo Soares
108
Enfrentamentos na arena esportiva: os jogos Olímpicos como campo da Guerra Fria na narrativa
fílmica
Murilo Moreira de Souza
118
A queda do Muro de Berlim sob a perspectiva filmográfica de Good Bye Lênin! (2003)
Gustavo Marengoni Almeida
Luis Felipe Zanella
126
A Ficção Científica e a Guerra Fria: um olhar panorâmico no cinema de Hollywood entre 1950 e 1980
David Antonio de Castro Netto
134
Eixo Terceiro: “SONHOS ESPACIAIS, TERROR NUCLEAR E MEIO AMBIENTE” 147
Governo Reagan: um projeto de armas espaciais, denominado “Star Wars” e suas representações
sociais, nos EUA, em 1983
Letícia Calixto da Rocha
148
Energia nuclear na História, uma proposta interdisciplinar: o uso de fontes históricas no estudo
sobre energia nuclear no Brasil durante o período da Guerra Fria
Rodrigo Perles Dantas
Sara Fernanda Zan
161
“Happiness is a warm gun” – A música como instrumento didático no ensino sobre o cenário
estadunidense em fins da década de 1960
Heloísa Peixoto Branco de Morais
Luana Grochewicz Santana
Sarah Duarte Basílio
173
Pensando o Desenvolvimento Sustentável em sala de aula a partir da Eco 92 e Rio +20
Gabrielle Legnaghi de Almeida
Guilherme Meneguetti Xavier da Silva
186
Super-heróis na Guerra Fria: uma aula sobre a Corrida Nuclear e Espacial em quadrinhos da Marvel
Lucas Silva de Oliveira
Murilo Tavares Modesto
194
Enunciados científicos, consensos e propaganda: o “inverno nuclear” e a Guerra Fria nos anos 1980
Aline Vanessa Locastre
Roger Domenech Colacios
209
O verdadeiro vilão é o comunismo! As histórias em quadrinhos da Marvel durante a Guerra Fria e
seus usos no Ensino de História
Eduardo de Moraes Faria
Márcio José Pereira
223
Sobre os/as autores/as 238
7
Introdução
Transformar, inovar, (re) inventar as formas de se ensinar História tem sido preocupação
de inúmeros trabalhos publicados recentemente no âmbito das revistas acadêmicas especializadas
em Ensino de História, bem como, nas publicações vinculadas ao campo das construções de
saberes históricos e seu diálogo com locais distintos a universidade. Esse livro é a tentativa de
reunião de pequenas investigações sobre ensinar história e, mais do que meramente supor uma
relação de ensino/aprendizagem, tem como escopo apresentar possiblidades práticas de ação para
professores e professoras quando abordarem a temática da História Contemporânea.
Ao deslocarmos o olhar para os saberes que são produzidos em sala de aula e valorar a
escola enquanto produtora de conhecimento histórico, entendemos que tal prática é fundamental
para a construção de uma nova relação entre o alunato e o professorado, não criticando
sumariamente a hierarquização entre os saberes distintos, mas buscando uma articulação entre os
saberes acadêmicos e os saberes escolares em prol de um ensino de História que permita aos alunos
que protagonizem a construção histórica.
Os textos dessa coletânea além de se ocuparem da contextualização histórica de momentos
distintos da História Contemporânea, principalmente do pós Segunda Guerra Mundial, objetivam
auxiliar professores, alunos e alunas a uma prática de pensar e refletir historicamente os fatos e o
uso de materiais distintos para a composição das aulas. Não estamos preocupados apenas com os
conteúdos curriculares, mas com a construção e o aperfeiçoamento das ferramentas necessárias ao
fazer histórico, desde a elaboração de um material de leitura a investigação de uma determinada
fonte para obtenção de distintas visões históricas sobre o contemporâneo.
Entendemos que o ensino de História se enriquece ao ser subsidiado por distintas práticas
e interpretações de um determinado tema ou outra narrativa histórica. Os temas aqui propostos
fazem parte de uma dinâmica do Tempo Presente, onde personagens históricos ainda são
testemunhas vivas desses vestígios de passado narrados pelos livros de História, fazem parte de
debates que ainda tem fôlego e dividem a sociedade a partir de heranças e resquícios do passado,
como exemplo, a dicotomização política entre direita e esquerda que ganhou contornos
imensuráveis durante a Guerra Fria e, ao contrário do que se espera por aqueles que anunciaram
o “fim da história”, se mantem presentes nas relações humanas atuais, visualizadas em sua pior
forma de interpretação nas redes sociais.
8
O fim da Segunda Guerra Mundial não significou totalmente o fim da instabilidade
mundial, as cicatrizes que foram abertas no sistema mundial durante a guerra tardariam para fechar
e algumas seriam reabertas posteriormente. Após o armistício e o desenrolar dos trâmites de paz,
tudo levava a uma hegemonia norte americana, cujo modelo de internacionalização financeira e
comercial permitiria a reconstrução da Europa, a manutenção dos “backyardigans” na América
Latina e a expansão estadunidense no sudoeste asiático, porém, o que se viu foi o desfraldar de
um conjunto antagônico de forças legitimados por filosofias políticas completamente distintas
encabeçados pela URSS e pelos EUA.
Até 1989, evidenciamos um período repleto de instabilidade, de violências negociadas e
controladas, de aceleração tecnológica e militar, de preconceitos, revoltas, protestos e
manifestações que alteraram as nossas formas de viver em sociedade e de vislumbrar o mundo tal
qual ele se transformou pós Segunda Guerra. Terror nuclear, desinformação e controle da
liberdade de expressão, aguda competição pelo espaço sideral, pelo cinema e pelas formas de
expressar poder, sejam pelas armas mais fortes, pelos mísseis de maior alcance ou pela
representação de ‘versões da História’ que narravam - através da literatura, da televisão, da música,
do teatro e do cinema – os verdadeiros heróis e compunham um imaginário contra os vilões
subversivos, sejam vermelhos ou azuis, falem inglês ou russo, fiéis ao Urso ou ao Tio Sam.
Estudar e explicar a História Contemporânea é uma atividade bastante trabalhosa para os
mais experientes pesquisadores, dado a enormidade de pequenos e médios fatores que englobam
e que fazem pressão sobre o processo histórico como um todo. As inúmeras ações que ocorrem por
todas as partes do globo, envolvem direta ou indiretamente as duas grandes potências, algumas
causando grande terror mundial como a crise dos mísseis em 1962 ou a explosão do reator 4 em
Chernobyl em 1986. Foi pensando nessas peculiaridades que vislumbramos compor nessa
coletânea um panorama também múltiplo de abordagens da Guerra Fria, seja pela temática, pelo
material pedagógico, pela fonte utilizada ou pela proposta de ação em sala de aula, buscando
mobilizar educadores e educandos para uma prática de ensino/aprendizagem diversificada e, por
que não, prazerosa no seu fazer histórico.
A coletânea em si é resultado de uma experiência de ensino, que reuniu professores,
mestrandos/as e acadêmicos/as envolvidos no Estágio Curricular Supervisionado do curso de
História da Universidade Estadual de Maringá, todos e todas pensando em conjunto sobre a
mesma proposta, em alguns casos, relatando experiências realizadas em sala de aula e externados
nesses textos.
9
Dessa forma, a coletânea se divide em três eixos. O primeiro, “Resquícios & Heranças da
Segunda Guerra Mundial”, os cinco artigos buscam narrar as experiências mais próximas
cronologicamente do final da guerra e do início da Guerra Fria. Os ensaios descritos nesse primeiro
bloco não se preocupam abertamente com a polarização soviética/americana, mas deslocam-se por
experiências na China, na Alemanha, na América do Sul e nas tentações totalitárias da própria
guerra.
O bloco se inicia com uma pergunta-problema elaborada pelo historiador Marcos Meinerz,
“Por que Hitler não vai embora? O Nazismo representado na cultura popular como epítome do
mal após a Segunda Guerra Mundial”. Em “Destruir o mundo antigo e forjar o mundo novo”:
imagens da Revolução Cultural Chinesa e o ensino de história, as historiadoras Giovana Eloá
Mantovani Mulza e Regina Celia Daefiol, buscam abordar um tema pouco usual na historiografia
brasileira e em sala de aula, a Revolução Cultural Chinesa a partir da propaganda imagética
ideológica do Partido Comunista Chinês para mostrar ao alunato a importância do uso de
documentos no cotidiano escolar. Ainda debatendo a importância do ensino e sua força na
ratificação ou não de uma narrativa histórica, o historiador Daniel Nunes Ferreira Junior, levanta
elementos importantes para pensarmos quais as heranças do nazismo no ensino alemão no texto
Um ensaio sobre ensino e o nazismo na Alemanha: os problemas não resolvidos do pós-guerra.
As historiadoras Ana Carla Rodrigues Ribeiro e Gabriela Harumi Araki, investigam o clássico
Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Márquez para pensar as questões como alteridade e a
marginalização da América Latina, o artigo História e Literatura: uma perspectiva da América
Latina na segunda metade do século XX, ainda tem como pano de fundo pensar as relações de
Literatura e História, contribuindo na formação e na percepção da própria identidade do alunato.
Os historiadores Arnaldo Martin Szlachta Junior e João Mateus Ramos, com o artigo Deuses e
ditadores: uma análise a partir da franquia “Injustice: deuses entre nós”, investigam a criação
de um mundo de super-heróis que representassem os ideais de cada bloco, buscando entender sua
relação com os regimes totalitários que durante a guerra mediram forças.
No segundo eixo, “Luz, câmera, ação: representações filmográficas do Tempo
Presente em sala de aula”, os artigos buscam retratar experiências de uso de filmes, animações e
documentários para temas distintos do período historiográfico compreendido pela Guerra Fria,
como as disputas ideológicas sobre a paz, a Guerra do Vietnã, no campo esportivo das Olímpiadas
e o impacto da queda do Muro de Berlin. O papel da ficção científica na disseminação de discursos
10
de poder e como o cinema de super-heróis pode conter traços importantes em suas tramas
fantasiosas como a manutenção de agentes secretos, a inserção das mulheres nas Forças Armadas
e a questão de refugiados intergalácticos que poderiam ser tranquilamente compreendidos dentro
da nossa atualidade geopolítica.
As historiadoras Alana Trevisan Brito e Luana Carolina dos Santos, iniciam o bloco com
o artigo A representação do ideológico americano na Guerra Fria a partir da animação ‘Make
my freedom (1948), resgatando a importância do uso dos desenhos e animações para articular os
fatos históricos e o conceito de liberdade de maneira mais lúdica. Thayline de Freitas Bernadelli,
apresenta os resultados da sua iniciação científica e, Capitã Marvel: cinema, gênero e sala de
aula, o texto aponta questões relevantes sobre a temática de gênero e como estruturas
cinematográficas baseadas em mundos fantasiosos podem inserir temáticas sensíveis como
equidade de gênero, existência de refugiados, pessoas deslocadas, feminismo e etc. Os
historiadores Mateus Salesse Silva e Vinicius Tivo Soares, apresentam possibilidades didáticas
para o conjunto de fatores históricos que envolveu diretamente EUA e URSS no sudoeste asiático,
avaliando a recepção dos fatos pelo público norte americano no artigo A Guerra do Vietnam:
recepção estadunidense a partir da época e os Movimentos de Contracultura. Murilo Moreira
de Souza, historiador, busca associar os embates não declarados a formas de existir da Guerra Fria
no artigo Enfrentamentos na arena esportiva: os jogos olímpicos como campo da Guerra Fria
na narrativa fílmica. Gustavo Marengoni Almeida e Luís Felipe Zanella, abordam o clássico
Adeus Lênin! Para pensar a transição conturbada e o esfacelamento do sistema soviético na
Alemanha, através do artigo A queda do Muro de Berlim sob a perspectiva filmográfica de Good
Bye Lênin! (2003). O historiador e organizador dessa coletânea David Antonio de Castro Netto,
fecha esse eixo com o artigo: A ficção científica e a Guerra Fria: um olhar panorâmico no cinema
de Hollywood entre 1950 e 1980, que investiga como as representações da Guerra Fria foram
veiculadas no cinema de ficção científica, que tipo de sentimentos procuravam atingir para garantir
apoio social e político contra aquele considerado inimigo.
No último eixo, “Sonhos espaciais, terror nuclear e meio ambiente” os artigos versam
sobre a disputa nuclear, armamentista e espacial, representada na música e nos quadrinhos, ainda
abordam os desdobramentos das questões nucleares e do seu impacto no mundo polarizado, a
ausência de informações precisas e os embates entre as agências distintas colocavam seus cidadãos
11
em constante terror, haja vista que, as ameaças de embate nuclear e de uma terceira guerra mundial
faziam parte do ambiente da Guerra Fria.
A historiadora Letícia Calixto abre esse eixo com o artigo Governo Reagan: um projeto de
armas espaciais, denominado “Star Wars” e suas representações sociais, nos EUA, em 1983,
investigando o famoso projeto ‘Star Wars’ e suas representações na corrida armamentista espacial
durante a Guerra Fria. O historiador Rodrigo Perles Dantas e a historiadora Sara Fernanda Zan,
investigam a relação brasileira com as tecnologias nucleares no artigo Energia nuclear na História,
uma proposta interdisciplinar: o uso de fontes históricas no estudo sobre energia nuclear no
Brasil durante o período da Guerra Fria. A tríade de historiadoras Heloísa Peixoto Branco de
Morais, Luana Grochewicz Santana e Sarah Duarte Basílio, em “Happiness is a warm gun”- A
música como instrumento didático no ensino sobre o cenário estadunidense em fins da década
de 1960, mergulham na musicalidade dos Beatles para pensar a música como instrumento didático.
Já, Gabrielle Legnaghi de Almeida e Guilherme Meneguetti Xavier da Silva, no artigo Pensando
o desenvolvimento sustentável em sala de aula a partir da Eco 92 e Rio +20, buscam discutir a
ideia de eco desenvolvimento e refletir sobre a importância do debate acerca do meio ambiente
em sala de aula. O artigo de Lucas Silva de Oliveira e Murilo Tavares Modesto, Super-heróis na
Guerra Fria: uma aula sobre a Corrida Nuclear e Espacial em quadrinhos da Marvel, onde
apresentam os quadrinhos como alternativas para o ensino de questões como a corrida nuclear e
espacial e para a compreensão histórica de fatos complexos da Guerra Fria. Enunciados
científicos, consensos e propaganda: o “inverno nuclear” e a Guerra Fria nos anos 1980 é o
artigo apresentado pela historiadora Aline Vanessa Locastre e pelo historiador Roger Domenech
Colacios, onde debatem neste texto a relação entre o discurso científico do “inverno nuclear”,
ressaltando a presença de um elemento fundamental para o entendimento dos prognósticos, alertas
e recomendações dos cientistas: a propaganda política e a mobilização da opinião pública a partir
do medo de uma guerra nuclear de grandes proporções. Finalizam a coletânea, os historiadores
Eduardo de Moraes Faria e Márcio José Pereira, com o artigo O verdadeiro vilão é o comunismo!
As histórias em quadrinhos da Marvel durante a Guerra Fria e seus usos no Ensino de História,
cuja proposta é enfatizar o papel das historias em quadrinhos da Marvel como elemento de difusão
do anticomunismo nos EUA e posteriormente no mundo todo, ainda encontram espaço para a
12
proposição de uma atividade em sala de aula refletindo questões como anticomunismo, indústria
cultural e Guerra Fria.
Enfim, são ensaios, reflexivos e repletos de possibilidades para se pensar o mundo no pós
Segunda Guerra Mundial.
13
Eixo Primeiro:
RESQUÍCIOS & HERANÇAS DA
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
14
Por que Hitler não vai embora?
O nazismo representado na cultura
popular como epítome do mal após a
Segunda Guerra Mundial
Marcos Meinerz
O filme de Steven Spielberg “Indiana Jones e os caçadores da Arca Perdida”, de 1981, narra
a saga do jovem professor de arqueologia Henry Walton Jones (Harrison Ford) em busca da Arca
da Aliança em 1936, que, segundo as escrituras bíblicas, conteria “Os Dez Mandamentos”
revelados a Moisés no Monte Horeb, no Egito. De acordo com a lenda, o exército que conseguisse
possuí-la se tornaria invencível e, por isso mesmo, Jones teve um adversário de peso na busca pela
arca perdida: o próprio Adolf Hitler. O objetivo era encontrar a arca antes dos nazistas para
impedi-los de capturá-la. A trama do filme se desenvolve com essa temática, na qual os nazistas,
desde as suas primeiras aparições, são apresentados como os vilões do mal.
Em 1989, no terceiro filme da franquia, “Indiana Jones e a Última Cruzada”, temos a volta
dos nazistas como vilões principais. A trama está centrada no Santo Graal, o cálice que Jesus
Cristo teria utilizado na Última Ceia. Jones descobre que seu pai, Henry Jones (Sean Connery),
foi sequestrado pelos nazistas e está preso em um castelo entre a Alemanha e a Áustria. No
caminho para resgatá-lo passa por Veneza, onde encontra, em uma catacumba sob uma antiga
igreja, um pergaminho que poderia levar ao Santo Graal. Obviamente os nazistas estão à procura
do cálice para adquirir poderes sobrenaturais (vida eterna) e por isso a missão passa, além de salvar
seu pai, a impedir que a relíquia sagrada caia em mãos erradas.
No início do filme blockbuster dos estúdios Marvel, “Capitão América: O Primeiro
Vingadori” (2011), um oficial nazista entra em uma pequena cidade norueguesa em busca de uma
antiga relíquia, o Tesseract, que promete poder infinito ao seu dono. Logo descobrimos que o
oficial, Johannes Schmidt, absorveu o protótipo de um soro de “supersoldado”, desenvolvido por
um cientista chamado Abraham Erskine. Destinado a dar força e agilidade sobre-humanas a
Schmidt, o soro causa uma transformação monstruosa, enlouquecendo o oficial nazista e
transformando sua cabeça em um crânio vermelho medonho. Erskine foge para a América, onde
aperfeiçoa seu soro e o aplica em Steve Rogers, nosso herói homônimo. O Capitão América tem
15
pouco tempo para aprimorar suas habilidades de combate antes de enfrentar o Caveira Vermelha
e a insidiosa sociedade oculta conhecida como “Hydra”, que, ao que parece, dá as cartas por trás
de Hitler e do Terceiro Reich.
De fato, esse modelo de representação e aparição nazista em filmes, romances,
documentários e reportagens de jornais e revistas, tornou-se típico da cultura popular ocidental ao
longo das últimas décadas do século XX. Podemos explicar este fenômeno por meio de dois fatores
básicos: os nazistas são fáceis de relacionar como agentes do mal/perigosos, além de terem fácil
aceitação do público para esse papel. Tais representações, entretanto, geralmente não possuem
nada relacionado com a história do III Reich. Além da saga de Indiana Jones e o Capitão América,
por exemplo, filmes como “Contato” (1997), dirigido por Robert Zemeckis, e “Hellboy” (2004),
dirigido por Guillermo del Toro, usaram Hitler ou os nazistas como tropo discursivo em contextos
que ninguém os esperava: o primeiro um filme sobre aliens, o segundo sobre a vinda de um
guerreiro de outra dimensão através de um portal intergaláctico.
Não é apenas no entretenimento que se destacam tais aparições descontextualizadas. Hitler
e os nazistas são frequentemente invocados e empregados em discursos sobre o Iraque, Irã ou
Coreia do Norte com o objetivo de desqualificar oponentes políticos tanto internos quanto
externos. Verificamos isso na conjuntura política brasileira atual, na qual formou-se o discurso, por
setores da direita do país, relacionando o nazismo ao espectro político ligado à esquerda.1
Aqui
vale duas considerações. Primeiramente, este fato corresponde a um esforço claro de desqualificar
a esquerda brasileira, em um ambiente de tensão política formado desde o golpe que tirou Dilma
Rousseff da Presidência da República em 2016, culminando na ascensão de Bolsonaro ao poder
em 2018. Ao ligar o governo de Hitler, representado na cultura popular como a epítome do mal,
ao socialismo, a extrema-direita tenta demonizar, ainda mais, os partidos de esquerda no Brasil
para obter ganhos políticos, bem como angariar seguidores. Em segundo lugar, podemos
considerar essa ideia como um negacionismo, pois quando a extrema-direita não consegue mais
negar o Holocausto - ou seja, de fato ele ocorreu -, ela o coloca no “colo” da esquerda. A
consequência disto é que se estabelece uma diferença entre a perspectiva fascista da Europa e a
perspectiva nazista da Alemanha: o nazismo produziu o Holocausto e ele é de esquerda, o fascismo
não. Dessa forma, a extrema-direita fascista fica livre para recuperar suas perspectivas perdidas no
1
Isso pode ser verificado em: https://www.youtube.com/watch?v=bM85MU-5hDY;
https://www.youtube.com/watch?v=nmFAPqzaAz8; https://www.youtube.com/watch?v=ajnKuUr4vjI.
https://www.youtube.com/watch?v=67qmnAP9ieg. Acesso em: 27/01/2022.
16
pós-guerra e tornar seus projetos políticos aceitáveis socialmente. Como esses grupos são muito
atuantes na internet, eles acabam induzindo várias pessoas a entrarem nessa “onda” de afirmar que
o nazismo é de esquerda. Portanto, fica claro que tal fenômeno tem por objetivo uma agenda
política bem definida.
A representação de Hitler e dos nazistas como agentes do mal ganhou corpo desde o final
da Segunda Guerra Mundial, reverberando na cultura popular até os dias de hoje. Um dos filmes
que mais influenciou essa ligação foi “The boys from Brazil” de 1978, com direção de Franklin J.
Schaffner e participação de atores famosos como Gregory Peck e Laurence Olivier. Embora um
Hitler adulto não seja visto em todo o filme, o tema implícito é o mal inerente do ditador nazista,
tendo como premissa que as suas características malignas foram geneticamente definidas. Baseado
no romance do autor norte-americano Ira Levin, “Os Meninos do Brasil”, de 1976, a trama narra
a ambição de Mengele em formar o IV Reich na América Latina mediante a criação de 94 clones
de Hitler, os quais foram distribuídos a casais na Europa, Canadá e Estados Unidos. Todos os
casais teriam que possuir a mesma diferença de idade dos pais do Führer, bem como as
características de suas personalidades: uma mãe amorosa e um pai, funcionário público, que
possuía uma relação de dominação e conflito com o seu filho. A intenção de Mengele era
possibilitar a esses clones as condições ambientais e sociais idênticas às da vida de Hitler. Assim,
as famílias deveriam ser cristãs e o pai morrer aos 65 anos de idade. A trama se desenrola com os
nazistas empenhados em assassinar os pais adotivos dos clones, pois, para Mengele, todos os
detalhes deveriam ser reproduzidos para o IV Reich ser criado.
Embora o enredo seja intrigante, também é extremamente demonizador e deshistoricizante,
pois remove praticamente toda a responsabilidade do Hitler histórico e do contexto, implicando
que ele, Hitler, era apenas o produto de suas circunstâncias e genes. De fato, essa associação com
um mal demoníaco virou praticamente automática.
Os filmes citados contêm todos os elementos do sobrenaturalismo nazista na mente
popular: a conexão com forças ocultas, cientistas loucos, armas fantásticas, uma raça superior
sobre-humana, uma preocupação com religiões pagãs e relíquias mágicas que deveriam conceder
aos nazistas poderes ilimitados. A cultura popular está repleta de imagens do sobrenatural nazista
e a questão que habita a mente de muitos dentro desse campo da é a seguinte: eram eles realmente
movidos ou influenciados por forças das trevas? Historicamente, a evidência de que os
comandantes nazistas participavam de seitas ocultistas e/ou satanistas é muito fraca. Ou seja, não
há relações profundas do nazismo com o ocultismo ou com o demônio. Contudo, desenvolveu-se
17
no imaginário popular uma elaborada mitologia em torno da ideia na qual os nazistas praticavam
magia negra com o objetivo de adquirir forças sobrenaturais para dominar o mundo. Isto foi
representado por uma vasta literatura conspiratória e ocultista, principalmente, nas décadas de
1960 e 1970. Nesse sentido, o presente artigo analisa como se formou este imaginário e as
consequências históricas em interpretar o nazismo como fruto de forças arcanas.
A relação do nazismo com as forças ocultas e das trevas
Largamente estimulada pelo gênero sensacionalista persiste até os dias de hoje a ideia na
qual os nazistas eram inspirados e influenciados por agentes ocultos ou das trevas antes mesmo de
seu advento ao poder. Esse imaginário resultou num grande fascínio e interesse pelos mistérios do
nacional-socialismo, principalmente pelo suposto envolvimento com a magia negra, seitas
ocultistas e demoníacas, reinos secretos no interior da Terra, base secreta na Antártida e a busca
pela Lança do Destino e pelo Santo Graal. Estes elementos discursivos são essenciais e centrais a
quase todas produções que mitificam o nazismo desde o final da Segunda Guerra Mundial.
O extermínio industrializado em massa dos judeus, a enorme destruição europeia devido
ao militarismo alemão e todas as mazelas provocadas em decorrência das táticas de guerra nazista
“se combinaram para tornar Hitler e o nacional-socialismo objetos de condenação e de horror
universais” (GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 139). Estes fatos ressoam em vários meios de
comunicação e com grande poder de atração desde a década de 1950, contribuindo com a
construção da imagem demoníaca da Alemanha à época de Hitler. Goodrick-Clarke (2004)
explica que o endeusamento do Führer pelos alemães, o breve domínio do continente europeu,
somado à natureza macabra e irracional das suas políticas racistas e antissemitas distinguiram o
regime nazista de qualquer outro período da história do ser humano. Por isso, o nazismo foi
estigmatizado como a reencarnação do mal, um relapso pagão monstruoso na comunidade cristã
da Europa. “A derrota total do Terceiro Reich e os desaparecimentos, os suicídios e as execuções
de suas figuras principais deram mais força à aura irreal atribuída ao nazismo” (GOODRICK-
CLARKE, 2004, p. 139).
No início da década de 1960, essa avaliação quase religiosa do nazismo começou
a exercer um horrível fascínio sobre a mentalidade ocidental. Se antes eram
associados ao III Reich um intenso horror e repulsa, agora se podia perceber uma
aura mística do nazismo, uma apresentação sensacional e exagerada de suas figuras
e de seus símbolos. As parafernálias nazistas, despidas de qualquer contexto
18
histórico e político, começaram a penetrar a cultura popular por meio de romances
de suspense, de livros não-ficcionais e de filmes. Histórias de fugitivos nazistas,
incluindo Bormann, Mengele, e até mesmo os ressuscitados Himmler e Hitler
(sobreviventes, no final das contas), nas entranhas da floresta Amazônica, nas
capitais desérticas do Oriente Médio ou em obscuras ruelas de Londres e de Nova
York tornaram-se lugar comum em ficção para as massas e obras não ficcionais
especulativas. Frequentemente, os fugitivos tornavam-se conspiradores,
procurando subverter nosso mundo liberal aparentemente seguro e restaurar seu
poder em um Quarto Reich (GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 139).2
Durante a época em que os nazistas dominaram a Alemanha muitas obras de arte, relíquias
e tesouros foram roubadas e confiscadas por toda a Europa, sendo que a grande maioria nunca foi
encontrada ou devolvida aos seus donos legítimos. Muitas ainda continuam escondidas ou
perdidas no fundo de lagos ou enterradas em minas e geleiras. Essa obsessão de Hitler e dos
nazistas por obras e relíquias (o Führer seria um artista fracassado), tem um papel importante na
formação do mito da sobrevivência nazista após a guerra, pois como afirma Goodrick-Clarke, os
fugitivos de guerra, as relíquias e os tesouros escondidos por toda a Europa pressupunham a
sobrevivência secreta do nazismo em algum lugar do mundo, gerando um frisson sobre sua temida
e amedrontadora ressurreição. Essa suposta sobrevivência está representada em inúmeras obras
“não-ficcionais” conspiratórias, produzidas principalmente na Inglaterra, França e Estados Unidos
desde a década de 1950, que explicam o fenômeno nazista como sendo produto de influências
demoníacas, ligando o partido a sociedades secretas, ao oculto e à magia negra. Goodrick-Clarke
denomina essa produção de “a moderna mitologia dos ‘Mistérios Nazistas’” (GOODRICK-
CLARKE, 2004, p. 140). Nessa lógica, a ascensão de Hitler ao poder está diretamente
relacionada a poderes sobrenaturais e ocultos, não podendo o nazismo ser explicado
adequadamente por argumentos racionais ou materiais. Nenhuma análise empírica que centra seus
argumentos somente em fatores sociais, políticos ou econômicos poderia justificar o seu
irracionalismo crasso e seus sucessos iniciais.
Isto acontece devido ao fato de que teorias conspiratórias tentam esclarecer acontecimentos
históricos que deixaram lacunas, ou na qual a explicação histórica não consegue ou não dá conta
de nos fazer compreender os eventos que fogem à racionalidade humana, como é o caso do
nazismo. Por tudo o que representou o governo de Hitler para a história, o simples término desse
governo suscita maiores questionamentos para os predispostos a acreditar em conspirações
2
Existe uma extensa lista de romances que atestam a popularidade da ficção de suspense sobre fugitivos nazistas
desde a década de 1960. Podemos destacar: Spinrad (1972), Forsyth (1972), Sinclair (1975), Levin (1976), Herbert
(1978), Lundlun (1978), Hugo (1982) e Heywood (1987).
19
envolvendo o regime antes e após a guerra. A explicação simples e casual não é suficiente para
essas mentes, uma vez que deve haver algo maior por trás de eventos como a Segunda Guerra
Mundial. Michael Barkun (2003, p. 6), historiador estadunidense, afirma que essas pessoas
preferem aceitar uma complicada teoria conspiratória ao invés das análises e interpretações
geralmente aceitas dos processos históricos, tentando desvendar mistérios e segredos escondidos
dentro deles.
Todas as formações discursivas desse gênero “documentam desse modo uma história
secreta do Terceiro Reich, desconhecida dos historiadores convencionais, como um instrumento
de poderes sombrios para a conquista de objetivos satânicos” (GOODRICK-CLARKE, 2004, p.
142).3
Apesar do envolvimento dos nazistas com forças demoníacas ser considerada por
historiadores e leitores como bizarra e absurda, tal ideia está presente no imaginário coletivo
ocidental desde o final do “Reich de mil anos”. Seus elementos, pouco estudados pela
historiografia, atingem amplamente o imaginário cultural ocidental.
Neste imaginário a possessão demoníaca de Hitler está ligada à formação de uma nova
espécie humana, um super-homem ariano que se tornaria um deus entre os mortais. A geração
dessa divina mutação seria então tarefa do nacional-socialismo, que não era somente um simples
movimento político, pois estava preocupado em alterar a própria natureza da vida na Terra.
Segundo Goodrick-Clarke, a fonte original dessas ideias foi o alemão Hermann Rauschning (1939),
no seu livro Hitler me disse, lançado em 1939. Rauschning foi membro da classe dirigente prussiana
conservadora e antigo presidente do Senado de Danzig, rompendo logo cedo com os nazistas.
Baseado supostamente em uma série de conversas com Hitler, o livro tinha a intenção de revelar
o seu niilismo, seu fanatismo, sua personalidade instável e lasciva, mostrando que o inimigo alemão
era inspirado por forças infernais, pois Hitler era o diabo encarnado:
“Hitler estava se entregando a forças que o estavam levando para longe – forças
de sombria e destrutiva violência. Ele imaginava que ainda tinha liberdade de
escolha, mas era há tanto tempo cativo de uma magia que poderia muito bem ser
descrita, não apenas como metáfora, mas literalmente, como a de espíritos
malignos” [...]. “O Homem é Deus sendo fabricado... aqueles que veem no
nacional-socialismo nada mais que um movimento político sabem muito pouco
sobre ele. É mais até que uma religião: é a vontade de recriar a humanidade”.
Hitler conclui triunfante: “O novo homem está entre nós! Ele está aqui!... vou lhes
3
Segundo Goodrick-Clarke os principais expoentes desse gênero, que ligam o nazismo e Hitler a poderes demoníacos,
são: BRONDER, Dietrich (1964); ALLEAU, René (1969); ANGEBERT, Jean-Michel (1971); RAVENSCROFT,
Trevor (1972); FRÈRE, Jean-Claude (1974); BRENNAN, J. H. (1974); KING, Francis. (1976); SKLAR, Dusty
(1977).
20
contar um segredo. Eu tive a visão do novo homem – destemido e formidável. Eu
me encolhi diante dele!” (RAUSCHNING, 1939, p. 243).
As supostas conversas de Rauschning exerceram grande influência na formação da
mitologia centrada na ideia de um Hitler demoníaco na década de 1960. O autor tinha como
propósito demonstrar a entrega do Führer a poderes malignos, sugerindo um pacto satânico dos
nazistas para obter a “transformação mágica da consciência e até de natureza física da vida na
Terra, a inauguração de uma nova era” (GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 145). Os defensores
da existência do poder oculto nazista apontaram repetidamente, principalmente nas décadas de
1960 e 1970, os elementos místicos da conversa entre Hitler e Rauschning que afirmava
incessantemente a mediunidade do líder nazista, possuidor de poderes sobrenaturais.
A conexão dos nazistas com forças demoníacas e ocultas também foi reforçada pela suposta
crença nos poderes espirituais do vril. Publicado em 1871 pelo escritor inglês Edward Bulwer-
Lytton, o romance intitulado “The Coming Race” descreve a história de um aventureiro que
explora uma mina desconhecida e acaba encontrando um imenso mundo subterrâneo habitado
pela raça humana superior chamada Vril-ya. Uma vez moradores da superfície, os Vril-ya foram
forçados a refugiar-se no centro da Terra por causa de uma catástrofe natural ocorrida há milhares
de anos. Sua tecnologia era muito avançada e não podia ser encontrada no mundo da “humanidade
comum”, pois baseava-se na aplicação de uma força conhecida como vril. Todos os Vril-ya eram
treinados para obter essa força, a qual poderia ser usada para controlar o mundo físico, incluindo
as mentes e os corpos das pessoas, bem como para melhorar as potencialidades telepáticas e
telecinéticas da mente humana. Essa força era compreendida como um reservatório de energia
psíquica acessível apenas para os iniciados (BAKER, 2000).
Muitos ocultistas acreditam que a teoria da força vril, exposta no livro The Coming Race,
era uma verdade disfarçada de ficção, pois quem se tornasse mestre dessa força poderia controlar
totalmente a natureza. Bulwer-Lytton teria baseado seu romance em um conhecimento esotérico
genuíno, ou seja, nos rosacrucianos - uma poderosa sociedade oculta surgida no século XVI, que
reivindicava possuir uma sabedoria antiga, contento os maiores segredos do universo (o estudo da
tradição metafísica, mística, ocultista e alquímica moldava sua genealogia).
A conexão da força vril com os nazistas teria sido ato de Karl Haushofer (1869 – 1946),
um geopolítico alemão cujas teorias deram origem ao conceito de Lebensraum (espaço vital), que
Hitler acreditava ser essencial para a supremacia e domínio da raça ariana no continente europeu.
Haushofer é frequentemente descrito pelos crentes na existência de poderes ocultos dos nazistas
21
como praticante de magia negra e o mágico mestre do partido nazista. A ideia de que ele era um
adepto ao ocultismo foi primeiramente insinuada por Louis Pauwels e Jacques Bergier (1971) no
livro “historicamente inconfiável”, mas que se pretende real, “O despertar dos Mágicos”4
, que serviu
como modelo para inúmeras outras publicações sobre o ocultismo nazista nas décadas de 1960 e
1970. De acordo com os autores, a liderança nazista estava empenhada em estabelecer contatos
com uma todo-poderosa teocracia subterrânea com o objetivo de adquirir o conhecimento de seus
poderes. Esses poderes supostamente permitiriam que a Alemanha conquistasse o mundo inteiro.
De acordo com os autores, a liderança nazista estava empenhada em estabelecer contatos com uma
todo-poderosa teocracia subterrânea com o objetivo de adquirir o conhecimento de seus poderes,
os quais levariam a Alemanha conquistar o mundo inteiro. Pauwels e Bergier (1971, p. 148)
afirmaram que o verdadeiro objetivo de Hitler era realizar um ato de criação, “de operação divina...
uma mutação biológica que resultaria em uma exaltação sem precedentes da raça humana e a
aparição de uma nova raça de heróis, semideuses e homens-deuses”.
Alianças podem ser forjadas com o Mestre do Mundo ou o Rei do Medo que reina
sobre a cidade oculta, em algum lugar do Oriente. Aqueles que realizarem um
pacto modificarão a superfície da Terra e concederiam à aventura humana um
novo significado por muitos milhares de anos... O mundo transformar-se-ia: os
Senhores emergirão do centro da Terra. A menos que tenhamos feito uma aliança
com eles e nos tornemos Senhores nós mesmos, encontrar-nos-emos entre os
escravos, no monte de estrume que nutrirá as raízes das Novas Cidades que
surgirão (BERGIER; PAUWELS, 1971, p. 146).
Para Pauwels e Bergier, Haushofer era um poderoso mentor ocultista de Hitler que o
ensinava conhecimentos secretos derivados de poderes desconhecidos. Haushofer acreditava na
lenda de Thule na qual afirma que a terra natal ariana, localizada no polo norte, teria sido o centro
de uma civilização avançada detentora de poderes mágicos (poderes do vril). Os autores
acreditavam que:
Thule teria sido o centro mágico de uma civilização desaparecida [...], mas nem
todos os segredos de Thule haviam perecido. Criaturas intermediárias entre o
Homem e outros seres inteligentes do além colocariam à disposição dos Iniciados
[ou seja, membros da Sociedade de Thule] uma série de forças que podiam ser
reunidas para tornar possível que a Alemanha dominasse o mundo... [seus] líderes
seriam homens que sabem de tudo, obtendo sua força da própria fonte de energia
e guiados pelos Grandiosos do Mundo Antigo [...]. Sob a influência de Karl
4
Livro proporcionou o renascimento do ocultismo europeu no início de 1960, tratando extensivamente da ideia de
um verdadeiro poder oculto nazista.
22
Haushofer, o grupo assumiu sua verdadeira característica como uma sociedade de
Iniciados em comunhão com o Invisível e se tornou o centro mágico do movimento
nazista (GOODRICK-CLARKE, 2004, 151).
A sociedade Thule, nessa visão, foi moldada a partir da mitologia tibetana, baseada nos
reinos subterrâneos secretos conhecidos como Agartha e Shambala. Enquanto a primeira era a
cidade da luz e da bondade, a segunda é descrita como a cidade da violência, da maldade e da
escuridão, sendo governada pelo Rei do Medo com quem poderia ser forjada uma aliança para
governar o mundo. Hitler, influenciado por Haushofer e a Sociedade Thule, teria organizado
inúmeras expedições na Alemanha, na Suíça, na Itália, na Europa Central e na Europa Oriental
com o objetivo de encontrar a entrada desses reinos e se filiar a Shambala. O que, segundo Pauwels
e Bergier, realmente aconteceu.5
Essa imagem sensacionalista da Sociedade Thule e de seus membros, segundo Goodrick-
Clarke, é quase completamente fictícia. Hitler nunca teria comparecido a uma única reunião de
tal grupo. Mesmo que seu fundador, Rudolf von Sebottendorff, mantivesse certo interesse nas
questões sobre ocultismo, um diário detalhado das reuniões da sociedade entre 1918 a 1925
menciona apenas duas conferências sobre esse assunto, sendo que todas as outras palestras se
dedicavam a temas como a terra natal dos teutos, mitos e poesias germânicas, os judeus e o
sionismo e assuntos políticos do contexto. Não havendo, portanto, nenhuma prova que ligasse
Haushofer ao grupo. Longe de ser um grupo ocultista com plenos poderes por trás do Partido
Nazista, a Sociedade Thule era politicamente insignificante em 1920 e cessou suas atividades em
1925. “Durante e depois de seu apogeu em 1918-1919, a Sociedade Thule era definida por sua
ideologia nacionalista e antissemita e um corpo de membros de classe média de Munique”
(GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 152).
A existência da ideia de uma sinistra e toda poderosa Sociedade Vril, secretamente
controlando o III Reich, fascinou e fascina a mente de muitas pessoas. Além de Rauschning,
Pauwels e Bergier, que forneceram as bases do mito relacionando o nazismo a poderes ocultistas,
muitos outros autores traçaram esse paralelo e ajudaram a fomentar esse imaginário. Na
Alemanha, Dietrich Bronder com o livro Bevor Hitler kam (1975); na França, Pierre Mariel, com
5
Em 2004, o filme intitulado Hellboy, dirigido por Giulhermo del Toro, inicia com a mitologia em torno da Sociedade
Thule. Com o fim da guerra iminente, os nazistas tentam acabar com seus inimigos usando magia negra para invocar
forças ocultas. O feiticeiro Thule chamado Grigori Rasputin e seus asseclas - a imortal ocultista Ilsa Haupstein e o
ciborgue assassino Karl Ruprecht Kroenen - abrem um portal que liga a Terra a outra dimensão com o objetivo de
libertar o Ogdru Jahad, os Sete Deuses do Caos, para ajudar os Nazistas a vencerem a Segunda Guerra Mundial.
Filme: Hellboy. Direção: Guillermo del Toro. Duração: 122 minutos, 2004.
23
L’Europe païenne du XXe siècle (1964); René Alleau, Hitler et les sociétés secrètes (1969); Werner
Gerson, Le Nazisme, société secrète (1969); e Jean-Claude Frère, Nazisme et société secrète (1974).
Embora certamente intrigante, as reivindicações e afirmações desses escritores ocultistas
não possuem provas concretas (documentos ou testemunhas). No entanto, como é frequentemente
o caso na área do ocultismo e das teorias conspiratórias, o caminho permanece aberto àqueles que
acreditam e confiam em fontes ilegítimas (ou dúbias) para criar sua visão apaixonante, mas irreal,
da história. Enquanto historiadores acadêmicos aceitam que alguns conceitos das sociedades
ocultistas e folclóricas da Alemanha exerceram um papel significativo no desenvolvimento da
doutrina nazista, outros escritores reivindicam que eles foram realmente motivados por forças
ocultistas existentes no mundo. Ou seja, há um universo maligno onde inteligências não-humanas
influenciaram o destino da humanidade (para seus próprios fins) através dos nazistas. O campo é
indubitavelmente recheado e amplo, sendo que uma das obras mais influentes sobre o ocultismo
nazista é The Spear of Destiny (A Lança do Destino), escrita pelo inglês Trevor Ravenscroft.
A Lança do Destino e o Santo Graal
A Lança do Destino (Lança Sagrada ou Lança de Longino), segundo a tradição da Igreja
Católica, foi a arma utilizada pelo centurião romano conhecido como Longinus para profanar o
tórax de Jesus Cristo durante a crucificação. Desde então, o artefato se transformou em uma
relíquia sagrada para os cristãos. Com o passar dos séculos, formou-se a lenda em torno da Lança
na qual quem a possuísse e compreendesse os poderes as quais ela serviu, teria o destino do mundo
em suas mãos, conquistando-o para o bem ou para o mal.6
Em 1972, Ravenscroft (1921–1989) publicou o livro considerado mais controverso do que
qualquer outro relato sobre a relação do nazismo com as forças das trevas. The Spear of Destiny
(1972) é, por um lado, avaliado por alguns como um clássico da história do ocultismo e, por outro,
ridicularizado como uma obra de ficção sem sentido. Mas, quaisquer que sejam os seus méritos e
deméritos a obra é uma das mais importantes contribuições no campo do ocultismo nazista.
Ravenscroft estava convencido de que os fornos de cremação e o Holocausto foram obras de
demônios que se abasteciam da energia vital dos infortunados judeus. Hitler teria sido encarregado
de cometer essas atrocidades para que as forças do mal se alimentassem. Tudo o que ele fez teria
sido em nome do diabo.
6
Lenda que pode ser conferida no filme: Constantine. Direção: Francis Lawrence. Duração: 121 minutos, 2005.
24
O autor foi soldado britânico durante a Segunda Guerra Mundial, tornando-se jornalista
após o conflito. Foi nessa profissão que teria conhecido Walter Joannes Stein (1891-1957) “um
judeu vienense que havia emigrado da Alemanha para a Grã-Bretanha em 1933, a quem falsamente
atribuiu a mais fantástica história de inspiração demoníaca de Hitler” (GOODRICK-CLARKE,
2004, p. 154).7
Baseando-se nesse contato com Stein, Revenscroft escreveu sua própria história
oculta do nazismo, em que tentou explicar o desejo e obsessão do Führer pelos mistérios do Graal
e da Lança do Destino. De acordo com Goodrick-Clarke, o autor relatou como Stein descobriu
uma cópia do Percival, de Eschenbach8
, em uma livraria de Viena no ano de 1912. Este exemplar
possuía muitos comentários em suas bordas que interpretavam a obra como um documento que
conduziria o homem a uma consciência transcendental, apoiada em citações sobre religiões
orientais, alquimia, astrologia e misticismo, com uma forte temática de ódio antissemita e
fanatismo racial pangermânico impregnando todos comentários. Eles não eram corriqueiros e
banais, mas o trabalho de quem teoricamente havia alcançado mais do que apenas o conhecimento
das “artes ocultas”, pois o comentador desconhecido teria encontrado a chave para desvendar os
segredos mais profundos do Graal e da Lança do Destino. Para Stein, as anotações representavam
uma mente brilhante, mas totalmente aterrorizante, uma mente que queria encontrar as relíquias
para abrir o espírito humano - através do uso de magia negra - aos poderes e influências do próprio
Satanás. O nome escrito no lado de dentro da capa do livro indicava que seu dono anterior era um
tal de Adolf Hitler:
Com a curiosidade a respeito desses rabiscos despertada, Stein supostamente
voltou à livraria e perguntou ao proprietário se poderia lhe dizer qualquer coisa
sobre esse Adolf Hitler. Ernst Pretzsche informou a Stein que o jovem Hitler era
um estudante assíduo do oculto e lhe deu seu endereço. Stein procurou Hitler. Ao
longo de seus frequentes encontros no final de 1912 e início de 1913, Stein
aprendeu que Hitler acreditava que a Lança de Longino concederia ao seu dono
poder ilimitado para o bem ou para o mal. A sucessão de donos anteriores
supostamente incluía Constantino, o Grande; Carlos Martel; Henrique, o
Caçador de Aves; Oto, o Grande; e os imperadores Hohenstauffen [...]. Hitler
estava determinado a adquirir a lança para garantir o sucesso de sua própria
tentativa de dominação mundial (GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 155).
7
Stein lançou uma obra em 1928, intitulada de Weltgeschichte im Lichte des heiligen Gral: Das neunte Jahrhundert
(1928) afirmando que a lenda do Santo Gral e da Lança do Destino eram verdadeiras.
8
Parcival é um poema épico alemão da Idade Média de autoria do poeta Wolfram von Eschenbach. A obra aborda
principalmente o herói Arturiano Perceval e sua busca pelo Santo Graal.
25
Outras conclusões de Ravenscroft merecem destaque: a) historiadores não conseguem
entender o significado das ações mais peculiares e bizarras de Hitler, pois se recusam a considerar
e compreender o seu satanismo; b) Hitler acreditava ser um receptáculo do Anticristo; c) o
demônio que conduzia Hitler lhe dava poderes para influenciar outras pessoas, principalmente os
alemães que ouviam seus discursos; d) a razão de Hitler ter se tornado tão bárbaro, eram os rituais
ocultistas praticados pela Sociedade Thule; e) o ódio de Hitler contra os judeus e a tentativa de
exterminá-los se explicaria devido a sua possessão demoníaca.
Goodrick-Clarke (2004, p. 156) afirma que o problema da obra é que Ravenscroft estava
“mentindo a respeito de sua fonte. Stein nunca conheceu Hitler pessoalmente em Viena ou em
qualquer outro lugar, enquanto a figura de Ernst Pretzsche foi simplesmente inventada”. Além de
conter várias incoerências históricas, o autor admitiu em 1982 que seu contato com Stein foi
conduzido inteiramente através de um médium: em outras palavras, ele estava conversando com o
espírito de Stein. Joscelyn Godwin (1996), pesquisador de crenças esotéricas, considera a obra
como uma reinvenção histórica horripilante. Para Baker (2000), não há nenhuma evidência que
vincule Hitler diretamente com práticas de magia negra. Embora seja claro que o Partido
Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães surgiu do Partido dos Trabalhadores Alemães
(DAP), que por sua vez começou como a Sociedade Thule, não há indícios de que Hitler era um
ocultista.
Além do Führer, muitos escritores ocultistas como Bergier e Pauwels, também sugeriram
que Heinrich Himmler e a SS (tropa do partido nazista subordinada a Polícia Política, Gestapo)
praticavam ritos de magia negra objetivando contar com a ajuda de poderes malignos a fim de
assegurar a dominação do planeta pelo III Reich. Enquanto Hitler foi mais relacionado à Lança
do Destino, a busca pelo Santo Graal entrou nos “mistérios nazistas” pela SS. A principal obra
que corroborou para a formação dessa lenda foi “Nouveaux cathares pour Montségur”, do escritor
francês A. de Saint-Loup (1967). De acordo com o autor, após uma missão especial da SS ter
encontrado a relíquia, guardaram-na no Ninho da Águia de Hitler, em Berchtesgaden (extremo
sul da Alemanha). Quando o conflito terminou, o Graal teria sido escondido em uma geleira em
Zillertal, na Áustria. “Essa história combinava todos os ingredientes essenciais de mistério nazista,
incluindo heresias religiosas, a subversão de símbolos sagrados e de tesouros escondidos no pós-
guerra” (GOODRICK-CLARKE, 2004. p. 159).9
9
A lenda de uma missão da SS para encontrar o Graal, aparecem também em: ANGEBERT, Jean-Michel (1971);
ANGEBERT, Jean-Michel (1976). BUECHNER, Howard (1991).
26
De acordo com Baker (2000) e Goodrick-Clarcke (2004), diferentemente de Hitler,
Himmler possuía uma propensão a acreditar em crenças ocultas e místicas. A sua personalidade
era uma curiosa mistura de racionalidade e fantasia: extrema capacidade de planejamento
burocrático, existindo ao lado de um idealismo utópico, do misticismo e do ocultismo. Em 1935,
fundou a Ahnenerbe, um grupo de estudiosos centrados em pesquisas sobre a pré-história
germânica, arqueologia (queriam provar a ubiquidade geográfica da antiga civilização ariana),
linguística, etnografia, simbologia, ciências naturais, medicina, ocultismo e misticismo. Além disso,
praticavam estudos sobre textos sânscritos, os cátaros (sociedade secreta mais “popular” da Idade
Média), o Santo Graal, os rosacrucianos e os mistérios do Tibete. Realizavam pesquisas científicas
abordando a biologia, a hereditariedade e a genética em raças raras de vida animal na Ásia Central
e na região do Cáucaso. Houve expedições do grupo para a Ásia, África e América do Sul.10
A
Ahnenerbe contava com mais de cinquenta departamentos, com periódicos científicos e editoras
espalhadas pela Alemanha. Todas essas investigações eram voltadas para justificar a ideologia
racial nazista.
O fato que contribuiu para a formação do mito ligando Himmler as forças das trevas e a
busca pelo Santo Graal diz respeito à expedição realizada pela SS ao Tibete em 1938, com o
suposto propósito de encontrar as origens semidivinas da raça ariana. Himmler, acreditando que
a raça nórdica teria descido dos céus para se estabelecer em Atlântida, explicou ao líder da
expedição, Ernst Schäfer, seu interesse na Teoria do Gelo Mundial, segundo a qual dilúvios do
começo dos tempos fizeram com que o antigo continente de Atlântida ficasse totalmente submerso.
“Himmler acreditava que os emigrantes arianos vindos de Atlântida fundaram uma grande
civilização na Ásia Central. Por isso, ele estava muito interessado em explorar o Tibete”
(GOODRICK-CLARKE, 2004, 161). Entretanto, o relatório da expedição de Schäfer não
apresentou nenhuma menção dos interesses esotéricos de Himmler sobre as origens arianas, mas
sim uma análise da fauna e flora, dos festivais religiosos e culturais do povo tibetano e fotos de
paisagens, fortalezas, mosteiros e templos. Inclusive, o explorador voltou à Alemanha com um
presente dado por Dalai Lama: 108 volumes de escrituras sagradas tibetanas, o Kangschur.
A expedição nazista ao Tibete forneceu, de certa forma, elementos verossímeis às
reivindicações dos escritores ocultistas que afirmavam que o empreendimento teria sido uma
tentativa de estabelecer contato com o reino secreto de Shambala para adquirir os poderes do vril
10
Sobre os nazistas na Amazônia, ver Revista Super Interessante (2012).
27
e, dessa forma, conquistar o mundo. Goodrick-Clarke (2204) afirma que existe um duradouro
fascínio na cultura de massa sobre histórias de estranhas missões nazistas a locais remotos em busca
da Lança do Destino e do Santo Graal, como nos filmes de Steven Spielberg citados na
introdução: Indiana Jones e Os caçadores da Arca Perdida (1981) e Indiana Jones e a Última
Cruzada (1988). Ou seja, a partir de um fato foram produzidos vários livros e filmes de
entretenimento e ocultistas. Essas mistificações em torno de Himmler fortalecem a imagem
pseudo-religiosa dos nazistas e da SS, pois detalhes românticos como a suposta procura pelo Santo
Graal tendem a obscurecer a natureza violenta e brutal da SS por trás de uma aura de magia e de
mistério.
A luta do Bem contra o Mal
Os nazistas, por terem cometido incontáveis atrocidades durante o período no qual
comandaram a Alemanha, geraram traumas psicológicos em milhões de pessoas. Por isso mesmo,
transformaram-se na representação, no epítome do mal no imaginário cultural popular. Os
consumidores dessa conspiração das trevas acreditam que a maldade perpetrada pelos nazistas
parecer ser inexplicável em termos racionais – o Holocausto é o exemplo mais sintomático da
extremidade dos crimes cometidos pelo III Reich, sendo os judeus, em última análise, vítimas
desse “mal histórico”.
Essa maldade permanece um grande mistério sem fim, sem chances de ser resolvido e é essa
inexplicabilidade do mistério que as pessoas compram de novo e de novo. O nazismo, nesse
sentido, como afirma Eva Kingsepp (2010), apresenta-se como um perfeito produto de consumo.
Como todas as coisas feitas pelos humanos são transformadas pela indústria cultural, o nazismo
passa a ser visto mais como uma mercadoria comercializável, um produto que pode ser trocado
por dinheiro e consumido como qualquer outro do que como um evento de caráter histórico. Isso
transforma o nazismo, e consequentemente a Segunda Guerra Mundial, em um objeto vazio de
sentido, porque sua única função agora é entreter.
Não foi apenas a literatura conspiratória e ocultista que relacionou os nazistas e Hitler
como agentes das trevas. Segundo Daniel Macfarlane (2004), historiadores que produziram
estudos biográficos nas primeiras décadas depois do final da guerra (1950, 1960 e 1970) também
ajudaram a criar tal relação. Em sua grande maioria, estes trabalhos sobre Hitler desempenharam
o papel principal na formação de questões e dúvidas sobre sua humanidade. O historiador Ron
28
Rosenbaum (1998) afirma que vários historiadores que pesquisaram Hitler como Alan Bullock
(1952), Hugh Trevor-Roper (1947) e John Toland (1976) o demonizaram de várias maneiras. Uma
tendência ainda mais exacerbada pelos estudos psico-históricos produzidos na década de 1970,
principalmente por Robert Waite (1977) e Walter Langer (1972).
De acordo com MacFarlane (2004), essa tendência é exemplificada pelos comentários de
dois historiadores: Martin Broszat e Joachim Fest. Em 1985, Broszat pediu uma “humanização”
de Hitler e Fest, na edição de 1995 de seu livro “Hitler”, escreveu que o Führer não havia se
tornado “absolutamente histórico”, pois foi indevidamente demonizado sem ter uma devida
historicização. A concepção dele como uma figura demoníaca ou a-histórica foi, portanto, apoiada
– se não diretamente formada – pela literatura acadêmica nas três décadas após a Segunda Guerra
Mundial.
O impacto da literatura acadêmica na cultura popular é tênue, mas parece que as
representações literárias e cinematográficas de Adolf Hitler foram influenciadas, pelo menos em
algum grau, por representações historiográficas. Além disso, em “Imagining Hitler” o historiador
Alvin Rosenfeld (1985) afirmou que foi Hugh Trevor-Roper (1947) que forneceu a imagem de um
Hitler gótico e demoníaco, sendo a principal fonte para as ficções produzidas nas décadas
posteriores.
Macfarlane (2004) afirma que um dos filmes mais conhecidos e assistidos do líder nazista,
representando-o como fruto das trevas, “Hitler: Os Últimos Dez Dias” de 1973, foi baseado
diretamente no trabalho de Trevor-Roper. Além disso, filmes como “The Bunker” (1981) e “Inside
the Third Reich” (1982) citam várias literaturas históricas em seus créditos e pode-se supor que
muitos outros cineastas também consultaram uma ampla gama de fontes acadêmicas. Dessa forma,
tais avaliações de Hitler exerceram grande influência sobre as representações populares das
décadas seguintes a guerra. Macfarlane, inclusive, vai mais longe ao afirmar que a ligação do líder
nazista com forças das trevas parece ter origem em trabalhos acadêmicos, assumindo novas formas
e aumentando a sua popularidade por meio da cultura popular.
Tal conexão encontra-se profundamente enraizada na consciência coletiva ocidental,
fazendo este imaginário conspiratório ter uma ampla recepção através de filmes, livros e
documentários reprodutores em grandes quantidades dessa ideia desde o final do conflito.
Conclui-se que esta é uma das principais causas da formação, difusão e permanência das histórias
conspiratórias e ocultistas no imaginário coletivo ocidental e a causa fundamental para “Hitler não
ir embora”. Todas as obras citadas até aqui comprovam a predominância da ideia na qual a
29
Segunda Guerra Mundial foi uma batalha épica entre as forças do mal (o nazismo como um regime
do mal governado por um agente do mal) contra as forças do bem (países Aliados). A dicotomia
entre “Bem” e “Mal” se tornou a maneira mais familiar de representar o III Reich na mídia
mainstream e esse mito é amplamente propagado e facilmente disponível, basta fazer uma rápida
pesquisa no Google que você encontrará várias referências. A Alemanha nazista é mais atraente e
vende melhor quando é empacotada e embrulhada nesse simples binarismo, com foco mais no
misticismo, no ocultismo, no conspiracionismo, na violência e na fantasia do que em ideias ou
análises eruditas e complexas.
Hannah Arendt (1999) demonstra isso com o seu livro “Eichmann em Jerusalém”. Na
ocasião do julgamento de Adolf Eichmann, todos esperavam vê-lo como um gênio do mal, como
um homem violento e racista. Ao contrário disso, Arendt afirma que apesar dos esforços para
torná-lo um ser diabólico, ele era um medíocre burocrata que cumpria ordens, um homem normal
sem capacidade de avaliar o mal que praticava. Norbert Elias (1997), por sua vez, no livro “Os
alemães”, afirma que os genocídios nazistas durante a guerra subsistiram como a imagem central
da maldade para a maioria das pessoas no Ocidente e que o “Holocausto” permaneceu certamente
como a representação central do mal para a maioria dos cientistas sociais, pelo menos desde o
julgamento de Eichmann em 1961, e provavelmente desde os julgamentos de Nuremberg. Segundo
Tzvetan Todorov (1995), o “mal” é o personagem principal da literatura relativa aos campos de
concentração, em que o nazista é apresentado, na maioria das vezes, como o agente do mal. Para
comprovar o fato, Todorov apresenta o depoimento de um ex-prisioneiro de Auschwitz sobre como
ele e seus companheiros formulavam constantemente a questão relativa a se o alemão era um ser
humano como outro qualquer. “A resposta era sempre categórica: ‘não, o alemão não é um homem,
o alemão é um boche, um monstro, e mais que isso: um monstro consciente de sua
monstruosidade”.
O historiador Donald Mckale (1981) pergunta por que existe uma certa paixão por essa
“besta nazista assassina do mal”? Para o autor, precisamos de Hitler aparentemente para um tipo
de entretenimento perverso que pensar e vê-lo pode nos dar. O imaginário da sua sobrevivência
(representado na literatura ficcional, conspiratória ou em filmes) em algum lugar remoto pode
refletir uma relutância do mundo em permitir que ele tenha encontrado a paz por meio da morte,
à luz dos crimes deixados na sua conta, pois, como poderia o demagogo e assassino de milhões de
pessoas, responsável por mergulhar o mundo em seis anos infernais, ter morrido “tão facilmente”,
escapando da vingança de seus inimigos? Segundo Mckale, nossa imaginação insiste em trazê-lo
30
de volta à vida, em todas as formas possíveis, para podermos condená-lo e matá-lo novamente.
Prazer “tão diabolicamente” privado por ele ao mundo em 1945 quando suicidou-se. Além do
mais, precisaríamos de Hitler como prova de algo perto do inumano e do divino: teria sido ele o
Satanás em um corpo humano? O antiCristo moderno? (MCKALE, 1981, p. 208).
Conforme Gavriel Rosenfeld (2015, p. 31), essa visão da guerra foi criada no começo do
pós-guerra, quando várias crenças foram produzidas sobre o evento que modificou o século XX: a
Segunda Guerra Mundial na Europa foi deliberadamente desencadeada pelos nazistas; a
campanha Aliada para os derrotar fez parte de uma cruzada moral, ou seja uma guerra travada por
princípios idealistas e importantes como democracia, liberdade e liberdade, criando dois polos
morais – os Aliados de um lado e os fascistas do outro – o que exige que Hitler e os nazistas sejam
identificados como o polo maligno ou imoral; e a vitória final dos Aliados foi fundamental para a
sobrevivência da civilização ocidental. Este consenso foi moldado durante o conflito como parte
da propaganda de guerra da Inglaterra e dos Estados Unidos, com o objetivo de influenciar a
população a apoiar os seus países. O que foi reforçado com os julgamentos do Tribunal de
Nuremberg e pelos próprios governos Aliados que sancionaram oficialmente o mito da guerra do
bem contra o mal para reforçar a seu comando no pós-guerra. Convenientemente, a crença na qual
a Segunda Guerra Mundial foi uma guerra sagrada pareceu ser justificada por alguns eventos
históricos subsequentes, como a queda do comunismo e o fim da Guerra Fria em 1991. Esses fatos
levaram os norte-americanos, por exemplo, a perceber cada vez mais a guerra como um tipo de
prenúncio do sucesso final do seu país.
Nos anos que se seguiram, o conflito foi santificado na vida política e cultural dos
norte-americanos. Os presidentes George W. Bush e Bill Clinton, invocaram o
legado da guerra para justificar campanhas militares ao redor do mundo, quer no
Iraque ou na Iugoslávia. Na cultura americana, enquanto isso, a popularidade de
livros relacionados à guerra, tal como Band of Brothers (1992) de Stephen
Ambrose e The Greatest Generation (1998) de Tom Brokaw, filmes como Saving
Private Ryan (1998) de Steven Spielberg [...], confirmam o lugar dominante da
guerra do bem na memória histórica americana (ROSENFELD, 2015, p. 32).
Entretanto, há grandes problemas nessa interpretação maniqueísta do passado nazista.
Aparentemente, não há necessidade de explicar que o nazismo é do “mal” em consequência de ele
ser assim universalmente entendido e, quase completamente, aceito acriticamente. Michael Butter
(2009), ao trabalhar com a distinção entre “mal” como substantivo e “mal” como adjetivo, assegura
que se “mal” é concebido como um substantivo (ou seja, como uma coisa) atribuímos-lhe uma
31
essência ontológica própria. É então dizer que existe objetivamente e se manifesta em diferentes
trajes, seja em Satã ou em Hitler. Satã faz certas coisas porque ele é mau e Hitler (e o nazismo),
nessa perspectiva, não parece ter sido moldado por forças ideológicas, culturais e históricas
específicas, mas alguém que cometeu seus crimes por sua essência maligna. O recurso ao mal,
assim, substitui a explicação ideológica e histórica por uma explicação ontológica da realidade, no
qual o nazismo só existiu por causa da sua maldade intrínseca. Para grande parte da cultura
ocidental de hoje, Hitler como manifestação ontológica do mal se tornou completamente
naturalizado. E isso gira em torno de causa e efeito. A natureza maligna de Hitler figura como a
origem do nazismo e dos seus crimes horríveis. Ao conceber o regime neste molde, e não mais
como um fenômeno histórico explicado e entendido racionalmente, torna-se difícil aprender lições
com o passado.
Como nos explica John Lukacs (1998), ao afirmarmos e pensarmos que os nazistas eram
representantes de forças malignas na Terra, tendo em Hitler a imagem do demônio, “falhamos
duas vezes”. Se eles eram do mal, então todo o período hitlerista nada mais foi do que um caso de
maldade, loucura, tornando-se irrelevante pensar mais no assunto. Definindo Hitler dessa forma,
exonera-o de toda a sua responsabilidade:
Não devemos esquecer que o mal, assim como o bem, fazem parte da natureza
humana. Nossas inclinações para o mal (amadureçam elas em atos ou não) são
responsáveis, mas também normais. Negar essa condição humana implica a
afirmação de que Hitler era anormal, e a rotulação simplista de “anormal”
aplicada a ele exonera-o de toda a responsabilidade – e, na verdade,
definitivamente (LUKACS, 1998, p. 52).11
Apesar disso, encontramos nesse binarismo um dos motivos do nazismo ter se tornado fonte
para inúmeras teorias conspiratórias, uma vez que, de acordo com Barkun, adeptos às crenças
conspiratórias possuem suas visões de mundo caracterizadas como maniqueístas, no sentido de
entenderem o mundo como uma luta mítica entre a luz e as trevas, entre os reinos do bem e do
mal, e acham que esta polarização persistirá até o final da história, quando o mal finalmente será
derrotado. Em seu mais amplo significado, essas teorias compreendem a história como controlada
por enormes forças ocultas e demoníacas. O conspirador, ou seu grupo, é visto como dotado de
grande poder e com isso capaz de influenciar através de seus planos um acontecimento, o
11
Existe também a forte possibilidade de que a maioria das pessoas não queira confrontar um Hitler “humanizado”,
pois tal figura sugere inerentemente que um novo Hitler poderia surgir novamente, ou que existe algum “Hitler” em
todos nós.
32
funcionamento de um sistema, ou uma totalidade social (BARKUN, 2003). As teorias
conspiracionista apresentam uma explicação alternativa para qualquer acontecimento histórico,
desmentindo a versão oficial (a morte de Hitler por exemplo) e tentando, de certa forma,
desmascarar os intentos malévolos e ocultos de certos indivíduos.
A ampla difusão e permanência das teorias conspiratórias da sobrevivência de Hitler ou da
formação do IV Reich no imaginário ocidental, encontra sua base fundamental na imagem mítica
predominante da Alemanha nazista desde a sua ascensão ao poder: Hitler como a versão do Diabo
dos dias modernos e os nazistas como seus capangas endemoniados.
Considerações finais
Por mais que estas noções (que o III Reich foi governado por um homem que era praticante
comandado por forças das trevas) sejam colocadas em um segundo plano nas explicações e análises
históricas, ela atrai os crentes da ideia na qual apenas uma explicação fora dos padrões oficiais da
história, ou seja, uma explicação sobrenatural, pode esclarecer as origens e ações do nacional-
socialismo. Os rápidos sucessos, tanto eleitorais quanto militares, a sua capacidade para a
destruição, a irracionalidade do Holocausto (inexplicável em termos lógicos) e do seu pensamento,
imploravam por uma interpretação religiosa que envolvesse uma guerra dualística no paraíso,
inspiração satânica e a utilização das forças das trevas,12
pois nunca antes na história mundial um
dano físico e moral tão grande foi associado ao nome de um homem e um regime: Hitler e o
nazismo foram culpados por deixar mais de cinquenta milhões de mortos e outros tantos milhões
de luto por seus entes perdidos.
Quando as produções analisadas neste artigo propagam conspirações, senso comum,
sensacionalismo, estereótipos, esoterismo e ocultismo, acabam ajudando a borrar os limites
existentes entre fato e ficção, daquilo que sabemos ser verdadeiro sobre o nazismo. Analisar tais
histórias do III Reich pode nos render uma percepção única de como a era nazista tem sido
memorizada/lembrada na sociedade ocidental do pós-guerra, ajudando-nos a entender melhor o
papel da cultura popular em moldar a consciência histórica sobre o nazismo, uma vez que
12
Goodrick Clarke (2004, p. 164) enfatiza que enquanto os autores dos “Mistérios Nazistas” escrevem em espírito
especulativo, seus leitores são menos céticos. Os elementos do suposto envolvimento do nazismo com seitas ocultistas
e poderes das trevas, presentes nessas literaturas, foram reapropriados pelos neonazistas durante as décadas de 1960
e 1970 para criar cultos nazistas que envolveram o gnosticismo e o satanismo. Essa estigmatizacão como incorporação
do demônio “foi revertida para celebrar os próprios tabus do mundo democrático liberal como os deuses proibidos do
reino das trevas”.
33
pensamos historicamente e presentificamos o passado de acordo com a bagagem e a produção
cultural que nos cercam e nos afetam.13
Além disso, o fato delas possuírem venda garantida (e como toda a mercadoria que tenham
o nazismo ou a suástica na capa) reflete o contínuo uso do passado nazista fora de contexto e sem
uma devida e necessária problematização, transformando-o em significados vazios. Dado ao
potencial de subverter a história acadêmica, podemos nos indagar até que ponto as teorias
conspiratórias sobre o passado nazista simbolizam uma preocupação? De acordo com Rosenfeld
(2015), elas são uma das muitas formas culturais através da qual a representação – e por extensão
a memória – do passado é influenciada. Logo, a proliferação dessas narrativas sobre o III Reich
apresenta motivos para preocupações, dado que elas podem facilmente desviar nossa atenção para
longe dos fatos. Enquanto estudar história pode ajudar a entender os problemas do passado – e
possivelmente descobrir novas soluções para o presente -, ler histórias contrafactuais pode distorcer
o pouco que as pessoas sabem sobre ele. Quanto mais histórias ocultas e conspiratórias são lidas,
mais a linha tênue entre fato e ficção, entre realidade e ilusão, pode se tornar “embaçada”. Isso é
percebido nas representações humorísticas da era nazista, que são capazes de trivializar o passado
e anular a sensibilidade das pessoas frente uma era de tamanha dor e sofrimento. Distraindo-nos,
distorcendo nossa consciência e nos desencorajando em lembrar a realidade, esses discursos
representam um fenômeno que possui ampla audiência no mundo atual e por isso devem ser
analisadas e estudadas cientificamente.
Enquanto Hitler continuar sendo a personificação do “príncipe das trevas”, ele
permanecerá, em pessoa, o herói privilegiado de uma vasta literatura inspiradora de pavor, fascínio
e no mínimo curiosidade. Dessa forma, escroques diversos prosseguirão com lucrativas
mistificações. Analisar e entender a ascensão do nazismo como consequência da ação de forças
arcanas e sobrenaturais e Hitler como o produto de uma conspiração do Inferno pode ser até
consolador e simplifica bastante as coisas, mas, como afirma João Bertonha (2007, p. 384) “não
nos ajuda a compreendê-los realmente e evitar a repetição do inferno real que eles criaram na
Terra”.
13
Entendendo a partir de Jörn Rüsen (2001), a consciência histórica ajuda a compreender a realidade passada para
compreender, tornar inteligível, a realidade presente, funcionado como orientação para as situações reais da vida.
34
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37
“Destruir o mundo antigo e forjar o mundo
novo”: imagens da Revolução Cultural
Chinesa e o ensino de História
Regina Célia Daefiol
Giovana Eloá Mulza
O presente artigo aborda um tema pouco usual na historiografia brasileira: a Revolução
Cultural Chinesa. O fenômeno, inserido no complexo quadro da Guerra Fria, foi desencadeado
na República Popular da China entre 1966 e 1976 e disseminado entre a população por meios
diversos, entre eles a propaganda de matriz ideológica que visava evidenciar às massas a
importância do processo no combate ao capitalismo. O objetivo deste trabalho é demonstrar a
potencialidade das fontes imagéticas para a abordagem do tema no ensino de História na rede
básica de educação. Para isso, elencamos para análise um conjunto de imagens representativas da
Revolução Cultural Chinesa, de fotografias a cartazes do Partido Comunista Chinês. Além de
apresentar um histórico da Revolução Cultural Chinesa, discorreremos sobre o uso metodológico
de fontes historiográficas em sala de aula, suscitando o protagonismo que esses documentos devem
ter no cotidiano escolar. Conciliaremos, portanto, o ensino e a pesquisa em História.
China vs URSS
No decorrer das belicosidades ideológicas que compuseram a Guerra Fria, um processo
de revisão política se iniciou na segunda metade da década de 1950, especialmente após as
resoluções do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, no qual foi reafirmada e
consolidada a política da coexistência pacífica. Conforme define a historiadora Cristiane Soares de
Santana (2009), retomando também o texto Guerra Fria de Paulo Fagundes Vizentini (2000), a
exclusividade do caminho armado para a revolução socialista estava dando espaço à ideia de
transição pacífica do capitalismo para o socialismo. A luta armada não estava mais na pauta dos
Partidos Comunistas, permitindo-lhes se emancipar do Partido Comunista da União Soviética,
quadro que abalaria as relações sino-soviéticas.
As crescentes declarações de Nikita Kruchov ao longo do XX Congresso do Partido
Comunista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas estavam lançando contundentes
38
denúncias aos crimes de Josef Stalin. Acabaram por propor a tese da transição pacífica, primeiro
passo para o estremecimento das relações entre China e URSS (SANTANA, 2009). Afinal, o
próprio Partido Comunista Chinês afirmava que as críticas a Stalin e a tese da coexistência pacífica
eram errôneas. Em uma famosa carta de 1963, o Partido Comunista Chinês expressava seu
posicionamento.
O princípio de coexistência pacífica de Lênin é bem claro e de fácil compreensão
para as pessoas simples. A coexistência pacífica se refere às relações entre países
com distintos sistemas sociais, e ninguém pode interpretá-la segundo lhe
convenha. A coexistência pacífica não deve estender-se jamais às relações entre as
nações oprimidas e as nações opressoras, entre os países oprimidos e os países
opressores, ou entre as classes oprimidas e as classes opressoras, não deve
considerar-se jamais como o conteúdo principal da transição do capitalismo ao
socialismo, e menos ainda como o caminho da humanidade para o socialismo. A
razão consiste em que uma coisa é a coexistência pacífica entre países com
distintos sistemas sociais, no qual nenhum dos países pode, nem lhe é permitido,
tocar nem sequer um só fio de cabelo do sistema social dos outros, e outra coisa é
a luta de classes, a luta de libertação e a transição do capitalismo ao socialismo
nos diversos países, que são lutas revolucionárias, inflamadas, de morte,
encaminhadas a mudar o sistema social. A coexistência pacífica não pode, de
nenhuma maneira, fazer as vezes das lutas revolucionárias dos povos. A transição
do capitalismo ao socialismo em qualquer país só pode realizar-se mediante a
revolução proletária e a ditadura do proletariado nesse mesmo país. (CÔMITE
CENTRAL DO PARTIDO COMUNISTA DA CHINA, 1963, p. 67-68 apud
SANTANA, 2009, p. 116-117)
As divergências entre a China e a União Soviética também se expressaram através das
críticas veladas de Kruchov a Mao Tsé Tung, segundo as quais a edificação socialista na China
ultrapassava etapas. Além disso, Moscou suspendeu a cooperação nuclear com Pequim,
suspendendo, em junho de 1959, o trato de fornecer tecnologia necessária para a construção de
bombas atômicas pela China. O ápice desse conflito se deu em 1960, quando Kruchov retirou do
país os especialistas em tecnologia nuclear soviéticos e cancelou todos os projetos de cooperação
técnica, o que acabou por desferir um golpe intenso na economia chinesa. A consequência,
segundo Santana (2009), consistiu na ruptura do Partido Comunista Chinês com o Partido
Comunista da União Soviética. A China defendia a tese de que a URSS estava desviando o mundo
socialista do princípio leninista de revolução proletária, suscitando transformações na luta
socialista.
Foi nessa conjuntura de ruptura que Mao Tsé Tung acentuou suas reflexões sobre os
caminhos que a revolução chinesa estaria seguindo. Para ele, mesmo que a China fosse controlada
39
por um Partido Proletário, ela não estaria isenta da possibilidade de ver ressurgir as antigas
práticas socialistas. Em 1959, Mao Tsé Tung deixou o cargo de presidente da República Popular
da China e passou a se dedicar ao aperfeiçoamento das massas. O objetivo, segundo Santana
(2009), consistia em politizar ao máximo as massas a fim de evitar que os integrantes do Partido
estivessem seguindo o caminho da rotina burocrática. Assim, em 1962, lançou-se o Movimento de
Educação Socialista, o qual foi uma campanha nacional de doutrinação política e ideológica para
a “retificação” do partido, visando afastá-lo da influência do revisionismo de Kruchov e reavivar
o socialismo em seu seio. De fato, “Esse momento político foi uma última tentativa de ‘retificação’
dos quadros que seguiam a ‘linha capitalista’ antes da Revolução Cultural.” (SANTANA, 2009,
p. 118).
A Revolução Cultural Chinesa pode ser apreendida enquanto um choque entre as
concepções de duas elites partidárias em relação aos destinos da nação chinesa: a elite militante e
a elite funcional, cujas disputas já existiam quando do advento de Mao Tsé Tung. O combate aos
vícios chineses – através das campanhas “Três Anti” (1951) e “Cinco Anti” (1952) – havia marcado
a história da China no século XX, em busca de estabelecer o controle sob os membros do partido
e da sociedade. Além disso, surgiu em 1956 e 1957 o Movimento Cem Flores, o qual estimulou o
debate intelectual através do lema “Que desabrochem cem flores, cem escolas de pensamento”.
Esse movimento foi iniciado com o desejo de saber o que a intelectualidade chinesa pensava sobre
o Partido Comunista.
Segundo Santana (2009), obteve-se como saldo diversas críticas em relação ao partido.
Como consequência, o governo chinês lançou a Campanha Antidireitista em 1957, “através da
qual se promoveu uma luta contra os ‘elementos de direita’, os quais foram enviados ao campo
para passarem por uma ‘reeducação ideológica’.” (SANTANA, 2009, p. 119). Fora a ameaça do
pensamento de direita que viria a estimular o advento da Revolução Cultural Chinesa.
Após as sucessivas reformas agrárias e o Grande Salto para Frente (1958), iniciou-
se um processo de restauração econômica liderado pela “elite funcional”,
representada por Liu Shao-Chi e Deng Xiaoping. Em contraofensiva, foi lançado
em 1964, o Movimento de Educação Socialista por meio do qual se identificaram
os quadros comprometidos com a “linha burguesa”. Porém, como foi dito
anteriormente, essas sucessivas tentativas de combater a “elite funcional” no seio
do Partido não foram suficientes, tendo como continuação desse embate a
ocorrência da Revolução Cultural, a qual pode ser entendida como uma
contraofensiva dessa “elite militante”. A partir de 1963, desencadeou-se uma luta
ideológica e política no grupo dirigente chinês representado por uma “elite
militante” adepta das ideias de Mao Tsé Tung e contrária às ideias e ao
40
comportamento da maioria do partido, constituído pela “elite funcional”. Com o
objetivo de modificar a orientação política geral do país esse grupo deu início à
revolucionarização dos setores da cultura, do ensino e da propaganda.
(SANTANA, 2009, p. 120)
A partir da crítica literária de Yao Wenyuan à peça “A destituição de Hai Rui”, escrita
pelo vice-prefeito de Xangai, Wu Han, a Revolução Cultural Chinesa se inicia. Por trás dessa
crítica estava o descontentamento de Mao Tsé Tung com o grupo da “elite funcional”, que,
segundo ele, teria abandonado suas posições socialistas. Por trás do desencadeamento de um
grande movimento de massa, visava-se a transformação cultural e ideológica do país. As críticas
ao capitalismo e aos seus seguidores eram feitas através de grandes cartazes denominados dazibaos.
O governo continuamente publicava-os a fim de mostrar às massas o importante papel que
ocupavam nessa Revolução Cultural. A nova política do Partido Comunista Chinês consistia na
“linha de massas”, as quais dirigiriam o movimento em prol do socialismo e se engajariam na
expulsão dos indivíduos vinculados à “linha capitalista”. A Revolução Cultural deveria promover
sua destruição, assim como daqueles que propagavam a ideologia burguesa na academia e na
cultura. Para alcançar tal intento, a mobilização das massas era fundamental.
Segundo Santana (2009), para conduzir a Revolução Cultural, foram criadas várias
organizações de massa, assim como comitês e grupos dentro de escolas, instituições e fábricas.
Visava-se, também, acabar com o domínio da intelectualidade nos centros docentes, promovendo-
se uma crítica aos seguidores da linha capitalista que atuavam no meio acadêmico. Foi nesse
contexto que surgiram os guardas vermelhos, que
passaram a exercer um papel de grande importância no desencadeamento da
Revolução Cultural. A Guarda Vermelha era formada por estudantes
secundaristas e universitários cuja origem era operária ou camponesa. Eles
promoveram uma forte atividade de propagação da Revolução Cultural por toda
a China, incentivando o combate contra a reprodução de práticas ditas burguesas.
(SANTANA, 2009, p. 124)
A partir da morte de Mao Tsé Tung, em setembro de 1976, passou-se a julgar e condenar
os excessos cometidos pela Revolução Cultural. “Deng Xiaoping retornou ao poder, o assumindo
oficialmente na Terceira Sessão Plenária do 11º Comitê Central, em dezembro de 1978, dando
início a uma nova era da história da China.” (SANTANA, 2009, p. 130).
41
As fontes imagéticas e o ensino de História
Conforme expusemos anteriormente, a proposta de nosso trabalho repousa em evocar as
potencialidades que as imagens oferecem para o ensino do tema Revolução Cultural Chinesa
(1966-1976). Iremos partir de pôsteres e fotografias referentes ao processo, tomando-os como
protagonistas de nossa narrativa. Como contraponto, utilizaremos imagens publicadas em jornais
no Brasil sobre o mesmo tema para demonstrar de que forma a Revolução Cultural Chinesa é
abordada pela imprensa estrangeira.
O uso de fontes para o ensino de História é um tema que tem recebido grande atenção da
academia e vem se fazendo presente nas escolas já há alguns anos. Segundo Caimi (2008), são
grandes as possibilidades das fontes em sala de aula “como elemento de superação do
conteudismo/verbalismo e [...] suas potencialidades como instrumento de produção de
conhecimento histórico na educação básica” (CAIMI, 2008, p. 129). Tais propostas estão
sintonizadas com as discussões em torno da renovação da historiografia e da própria pesquisa
histórica que vêm sendo empreendidas no universo acadêmico nos últimos anos.
Para trabalhar com fontes em sala de aula, o professor deve adotar uma abordagem
diversa do que tradicionalmente traziam os livros didáticos até poucos anos atrás. Ou seja, deve
romper com o antigo paradigma que as colocava como documentos com fim em si mesmos, que
por si só transmitiam informação “verdadeira” ou confirmavam a veracidade de um enunciado. É
necessário que o professor lance às fontes o mesmo olhar do historiador que, em sua pesquisa,
sobre elas se debruça para formular perguntas, raciocínios e hipóteses, buscando ir além do que
está explícito no documento/fonte analisado. Metodologicamente, o professor também deve
considerar que o aluno tem um papel ativo nos atos de interpretação e compreensão das fontes no
processo de ensino/aprendizado histórico.
As imagens, enquanto fontes, oferecem grande potencialidade na construção do saber
histórico e, por conta desse fato, são instrumentos indispensáveis para o ensino de História. De
acordo com Pesavento, (2008), as “imagens são antigas, e estão a atestar a presença e a passagem
do homem através das épocas. Seria possível, talvez, dizer que as imagens são anteriores à escrita
e ao complexo mundo da palavra e do texto” (p. 99). Para reforçar a importância das fontes
42
imagéticas no ensino de História, citamos a máxima de Kurt Tucholsky: Ein Bild sagt mehr als
1000 Worte [Uma imagem vale mais que mil palavras].
As imagens são, e teriam sido sempre, um tipo de linguagem, pois são dotadas da intenção
de comunicar e possuem sentidos inerentes aos intentos e às intencionalidades de seu autor. E,
nessa medida, “as imagens partilham com as outras formas de linguagem a condição de serem
simbólicas, isto é, são portadoras de significados para além daquilo que é mostrado.”
(PESAVENTO, 2008, p. 99). A própria iconologia, conceituada por Peter Burke (2004)
enquanto um complemento da iconografia, foi sistematizada para o estudo dos sentidos subjetivos
da imagem, a qual consiste, de fato, em uma representação da realidade.
Embora as imagens não representem universalmente o contexto no qual foram
produzidas, possuem resquícios que as tornam uma testemunha ocular do passado (BURKE,
2004). São, pois, fundamentais para a explanação do conhecimento histórico, uma vez que são
dotadas de uma nova narrativa.
Nos últimos tempos, os historiadores têm ampliado consideravelmente seus
interesses para incluir não apenas eventos políticos, tendências econômicas e
estruturas sociais, mas também a história das mentalidades, a história da vida
cotidiana, a história da cultura material, a história do corpo etc. Não teria sido
possível desenvolver pesquisas nesses campos relativamente novos se eles tivessem
se limitado a fontes tradicionais, tais como documentos oficiais produzidos pelas
administrações e preservados em seus arquivos. Por essa razão, lança-se mão, cada
vez mais, de uma gama mais abrangente de evidências, na qual as imagens têm o
seu lugar ao lado dos textos literários e dos testemunhos orais. (BURKE, 2004,
p. 11)
As imagens consistem em rastros que assinalam uma presença no tempo – conceito que
evoca o flerte de Sandra J. Pesavento (2008) com o artigo O rastro e a cicatriz, de Jeanne Marie
Gagnebin (2002). Portanto, “imagens são, sobretudo, ações humanas que, através, da história,
empenham-se em criar um mundo paralelo de sinais. São, pois, representações da realidade que se
colocam no lugar das coisas, dos seres e dos acontecimentos do mundo.” (PESAVENTO, 2008,
p. 12).
A necessidade de romper com o ensino tradicionalista – fundamentado, por vezes, no
monólogo do professor conteudista, cujo conhecimento provém unicamente dos fatos transmitidos
pelos documentos oficiais – trouxe legitimidade ao emprego das fontes imagéticas pelo historiador-
docente. Enquanto fontes históricas, as imagens devem ser analisadas em sala de aula por meio da
43
participação ativa dos alunos, atuando o professor como um orientador, um guia que traça a trilha
para a caminhada dos estudantes.
As imagens da Revolução Cultural Chinesa em sala de aula
Figura 1: Disponível: http://www.vermelho.org.br/noticia/317380-1 Acesso: 09/09/2019.
Nosso ponto de partida é esse cartaz produzido durante os anos da Revolução Cultural.
Empregando a iconografia – a análise dos elementos explícitos na obra – podemos perceber que o
cartaz retrata as mais diversas categorias da China pegando em armas pela defesa do socialismo.
A coragem está refletida no semblante dos indivíduos, jovens, representados na imagem, que
arriscariam sua vida pela vitória do ideal socialista. A coloração do cartaz torna-o atrativo ao
receptor, as massas, que, ao ver de Mao Tsé Tung, deveriam protagonizar a defesa do socialismo
chinês. Analisando os elementos implícitos através da iconologia, vemos que o apelo pela
Revolução Cultural era dedicado a todos os chineses, inclusive às mulheres – que historicamente
ocuparam um lugar secundário na China. O uso incisivo do vermelho também não foi sem
intenções, pois essa cor é tradicionalmente associada ao comunismo.
Em sala de aula, o professor pode iniciar indagando os alunos a respeito do que
conseguem enxergar na imagem, a fim de averiguar suas primeiras impressões diante da
propaganda da revolução. A partir da leitura dos elementos do cartaz, poderá evidenciar a
importância das massas e dos jovens para a vitória do socialismo chinês, o qual se distinguiu do
soviético.
44
Figura 2: Disponível: http://visao.sapo.pt/actualidade/mundo/2016-05-16-Revolucao-Cultural-chinesa-comecou-ha-
50-anos Acesso: 14/09/2019.
O culto à figura de Mao Tsé Tung, líder revolucionário, também foi uma característica
da Revolução Cultural Chinesa, expressa no cartaz acima, divulgado durante o processo
revolucionário. Mao Tsé Tung ocupa espaço proeminente na figura, fato que evidencia seu papel
chave na Revolução Cultural. O líder é representado de forma carismática e simpática, com um
braço estendido, denotando uma atitude de abertura e proximidade, características que possuem
o intuito de positivar sua personalidade. Abaixo da figura do líder, vemos a juventude integrante
da Guarda Vermelha marchando exuberantemente sob bandeiras vermelhas.
O jogo de cores, mais uma vez, não deixou de possuir intenções. Através dessa figura, os
alunos podem compreender a formação do mito político de Mao Tsé Tung na China, cuja
construção foi feita através de propagandas valorativas. O professor pode indagá-los sobre o papel
dos jovens na política chinesa, bem como contrapô-la ao quadro brasileiro, provocando-os quanto
à sua própria condição enquanto agentes políticos, aproximando, como recomenda Rüsen (2011),
o conhecimento histórico da vivência prática dos alunos.
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PEREIRA, MJ & CASTRO NETTO, DA. Ensino de História e História Contemporânea.pdf

  • 1. Márcio José Pereira David Antonio de Castro Netto Organizadores ENSINO DE HISTÓRIA & HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA fontes, métodos e experiências em sala de aula
  • 2. Universidade Estadual de Maringá ́ Av. Colombo, 5790 Bloco H-12, sala 16 Maringá/PR CEP: 87020-900 Conselho editorial Alexandre Fortes (UFFRJ) Angelo Priori (UEM – Coordenador Editorial) Cláudia Viscardi (UFJF) Carlos Alberto Sampaio Barbosa (UNESP) Carlos Gregório Lopes Bernal (Universidad de El Salvador) Francisco Carlos Palomares Martinho (USP) Gilmar Arruda (UEL) Luiz Felipe Viel Moreira (UEM) João Fábio Bertonha (UEM) José Luiz Ruiz-Peinado Alonso (Universitat Barcelona, Espanha) Peter Johann Mainka (Universität Würzburg, Alemanha) Ronny Viales Hurtado (Universidad de Costa Rica) Solange Ramos de Andrade (UEM)
  • 3. Universidade Estadual de Maringá ́ Av. Colombo, 5790 Bloco H-12, sala 16 Maringá/PR CEP: 87020-900 Copyright © 2023 Todos os direitos reservados. Autorizada a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., com a obrigação de citar a fonte. Todas as informações contidas nos artigos dessa coletânea são de inteira responsabilidade de seus autores e autoras. Todas as imagens utilizada na composição de capa, contracapa e separadores de seção são oriundas de banco de imagens gratuitos [freepiks.com] EQUIPE TÉCNICA Revisão textual e gramatical: Os autores Normalização textual e de referências: Os autores Projeto gráfico/diagramação: Eliane Cristina da Silva Foto Capa: Os autores. Ficha catalográfica: CBL Tamanho da obra: 21 x 29,7 cm Fonte: Ibarra Real Nova, DM Serif Text Publicação online disponível no site: Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Pereira, Márcio José; Castro Netto, David Antonio [organizadores]. E59 Ensino de história e história contemporânea: fontes, métodos e experiências em sala de aula. -- Maringá, PR : Edições Diálogos, 2023. 241 p. Il. PDF. Vários autores. Bibliografia. ISBN: 978-65-00-69329-4 1. História. Estudo e ensino. 2. História contemporânea. I. Pereira, Márcio José. II. Castro Netto, David Antonio. III. Título. CDD 907
  • 4. A todas e todos que perderam suas vidas para o COVID-19, malogrados pela doença ou desfavorecidos por governantes estúpidos
  • 5. Sumário Introdução 7 Eixo Primeiro: RESQUÍCIOS & HERANÇAS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 13 Por que Hitler não vai embora? O nazismo representado na cultura popular como epítome do mal após a Segunda Guerra Mundial Marcos Meinerz 14 “Destruir o mundo antigo e forjar o mundo novo”: imagens da Revolução Cultural Chinesa e o ensino de História Regina Célia Daefiol Giovana Eloá Mantovani Mulza 37 Um ensaio sobre ensino e o nazismo na Alemanha: os problemas não resolvidos do pós-guerra Daniel Nunes Ferreira Jr 48 História e Literatura: uma perspectiva histórica da América Latina na segunda metade do século XX Ana Carla Rodrigues Ribeiro Gabriela Harumi Araki 58 Deuses e ditadores: uma análise dos regimes totalitários a partir da franquia “Injustice: deuses entre nós” João Matheus Ramos Arnaldo Martin Szlatcha Jr 68 Eixo segundo: LUZ, CÂMERA, AÇÃO: REPRESENTAÇÕES FILMOGRÁFICAS DO TEMPO PRESENTE EM SALA DE AULA 84 A representação do ideológico americano na Guerra Fria a partir da animação ‘Make my freedom` (1948) Alana Trevisan Brito Luana Carolina dos Santos 85 Capitã Marvel: cinema, gênero e sala de aula Thayline de Freitas Bernadelli Márcio José Pereira 90 A Guerra do Vietnam: recepção estadunidense a partir de gravações da época e os Movimentos de Contracultura Mateus Salesse Silva Vinicius Tivo Soares 108 Enfrentamentos na arena esportiva: os jogos Olímpicos como campo da Guerra Fria na narrativa fílmica Murilo Moreira de Souza 118
  • 6. A queda do Muro de Berlim sob a perspectiva filmográfica de Good Bye Lênin! (2003) Gustavo Marengoni Almeida Luis Felipe Zanella 126 A Ficção Científica e a Guerra Fria: um olhar panorâmico no cinema de Hollywood entre 1950 e 1980 David Antonio de Castro Netto 134 Eixo Terceiro: “SONHOS ESPACIAIS, TERROR NUCLEAR E MEIO AMBIENTE” 147 Governo Reagan: um projeto de armas espaciais, denominado “Star Wars” e suas representações sociais, nos EUA, em 1983 Letícia Calixto da Rocha 148 Energia nuclear na História, uma proposta interdisciplinar: o uso de fontes históricas no estudo sobre energia nuclear no Brasil durante o período da Guerra Fria Rodrigo Perles Dantas Sara Fernanda Zan 161 “Happiness is a warm gun” – A música como instrumento didático no ensino sobre o cenário estadunidense em fins da década de 1960 Heloísa Peixoto Branco de Morais Luana Grochewicz Santana Sarah Duarte Basílio 173 Pensando o Desenvolvimento Sustentável em sala de aula a partir da Eco 92 e Rio +20 Gabrielle Legnaghi de Almeida Guilherme Meneguetti Xavier da Silva 186 Super-heróis na Guerra Fria: uma aula sobre a Corrida Nuclear e Espacial em quadrinhos da Marvel Lucas Silva de Oliveira Murilo Tavares Modesto 194 Enunciados científicos, consensos e propaganda: o “inverno nuclear” e a Guerra Fria nos anos 1980 Aline Vanessa Locastre Roger Domenech Colacios 209 O verdadeiro vilão é o comunismo! As histórias em quadrinhos da Marvel durante a Guerra Fria e seus usos no Ensino de História Eduardo de Moraes Faria Márcio José Pereira 223 Sobre os/as autores/as 238
  • 7. 7 Introdução Transformar, inovar, (re) inventar as formas de se ensinar História tem sido preocupação de inúmeros trabalhos publicados recentemente no âmbito das revistas acadêmicas especializadas em Ensino de História, bem como, nas publicações vinculadas ao campo das construções de saberes históricos e seu diálogo com locais distintos a universidade. Esse livro é a tentativa de reunião de pequenas investigações sobre ensinar história e, mais do que meramente supor uma relação de ensino/aprendizagem, tem como escopo apresentar possiblidades práticas de ação para professores e professoras quando abordarem a temática da História Contemporânea. Ao deslocarmos o olhar para os saberes que são produzidos em sala de aula e valorar a escola enquanto produtora de conhecimento histórico, entendemos que tal prática é fundamental para a construção de uma nova relação entre o alunato e o professorado, não criticando sumariamente a hierarquização entre os saberes distintos, mas buscando uma articulação entre os saberes acadêmicos e os saberes escolares em prol de um ensino de História que permita aos alunos que protagonizem a construção histórica. Os textos dessa coletânea além de se ocuparem da contextualização histórica de momentos distintos da História Contemporânea, principalmente do pós Segunda Guerra Mundial, objetivam auxiliar professores, alunos e alunas a uma prática de pensar e refletir historicamente os fatos e o uso de materiais distintos para a composição das aulas. Não estamos preocupados apenas com os conteúdos curriculares, mas com a construção e o aperfeiçoamento das ferramentas necessárias ao fazer histórico, desde a elaboração de um material de leitura a investigação de uma determinada fonte para obtenção de distintas visões históricas sobre o contemporâneo. Entendemos que o ensino de História se enriquece ao ser subsidiado por distintas práticas e interpretações de um determinado tema ou outra narrativa histórica. Os temas aqui propostos fazem parte de uma dinâmica do Tempo Presente, onde personagens históricos ainda são testemunhas vivas desses vestígios de passado narrados pelos livros de História, fazem parte de debates que ainda tem fôlego e dividem a sociedade a partir de heranças e resquícios do passado, como exemplo, a dicotomização política entre direita e esquerda que ganhou contornos imensuráveis durante a Guerra Fria e, ao contrário do que se espera por aqueles que anunciaram o “fim da história”, se mantem presentes nas relações humanas atuais, visualizadas em sua pior forma de interpretação nas redes sociais.
  • 8. 8 O fim da Segunda Guerra Mundial não significou totalmente o fim da instabilidade mundial, as cicatrizes que foram abertas no sistema mundial durante a guerra tardariam para fechar e algumas seriam reabertas posteriormente. Após o armistício e o desenrolar dos trâmites de paz, tudo levava a uma hegemonia norte americana, cujo modelo de internacionalização financeira e comercial permitiria a reconstrução da Europa, a manutenção dos “backyardigans” na América Latina e a expansão estadunidense no sudoeste asiático, porém, o que se viu foi o desfraldar de um conjunto antagônico de forças legitimados por filosofias políticas completamente distintas encabeçados pela URSS e pelos EUA. Até 1989, evidenciamos um período repleto de instabilidade, de violências negociadas e controladas, de aceleração tecnológica e militar, de preconceitos, revoltas, protestos e manifestações que alteraram as nossas formas de viver em sociedade e de vislumbrar o mundo tal qual ele se transformou pós Segunda Guerra. Terror nuclear, desinformação e controle da liberdade de expressão, aguda competição pelo espaço sideral, pelo cinema e pelas formas de expressar poder, sejam pelas armas mais fortes, pelos mísseis de maior alcance ou pela representação de ‘versões da História’ que narravam - através da literatura, da televisão, da música, do teatro e do cinema – os verdadeiros heróis e compunham um imaginário contra os vilões subversivos, sejam vermelhos ou azuis, falem inglês ou russo, fiéis ao Urso ou ao Tio Sam. Estudar e explicar a História Contemporânea é uma atividade bastante trabalhosa para os mais experientes pesquisadores, dado a enormidade de pequenos e médios fatores que englobam e que fazem pressão sobre o processo histórico como um todo. As inúmeras ações que ocorrem por todas as partes do globo, envolvem direta ou indiretamente as duas grandes potências, algumas causando grande terror mundial como a crise dos mísseis em 1962 ou a explosão do reator 4 em Chernobyl em 1986. Foi pensando nessas peculiaridades que vislumbramos compor nessa coletânea um panorama também múltiplo de abordagens da Guerra Fria, seja pela temática, pelo material pedagógico, pela fonte utilizada ou pela proposta de ação em sala de aula, buscando mobilizar educadores e educandos para uma prática de ensino/aprendizagem diversificada e, por que não, prazerosa no seu fazer histórico. A coletânea em si é resultado de uma experiência de ensino, que reuniu professores, mestrandos/as e acadêmicos/as envolvidos no Estágio Curricular Supervisionado do curso de História da Universidade Estadual de Maringá, todos e todas pensando em conjunto sobre a mesma proposta, em alguns casos, relatando experiências realizadas em sala de aula e externados nesses textos.
  • 9. 9 Dessa forma, a coletânea se divide em três eixos. O primeiro, “Resquícios & Heranças da Segunda Guerra Mundial”, os cinco artigos buscam narrar as experiências mais próximas cronologicamente do final da guerra e do início da Guerra Fria. Os ensaios descritos nesse primeiro bloco não se preocupam abertamente com a polarização soviética/americana, mas deslocam-se por experiências na China, na Alemanha, na América do Sul e nas tentações totalitárias da própria guerra. O bloco se inicia com uma pergunta-problema elaborada pelo historiador Marcos Meinerz, “Por que Hitler não vai embora? O Nazismo representado na cultura popular como epítome do mal após a Segunda Guerra Mundial”. Em “Destruir o mundo antigo e forjar o mundo novo”: imagens da Revolução Cultural Chinesa e o ensino de história, as historiadoras Giovana Eloá Mantovani Mulza e Regina Celia Daefiol, buscam abordar um tema pouco usual na historiografia brasileira e em sala de aula, a Revolução Cultural Chinesa a partir da propaganda imagética ideológica do Partido Comunista Chinês para mostrar ao alunato a importância do uso de documentos no cotidiano escolar. Ainda debatendo a importância do ensino e sua força na ratificação ou não de uma narrativa histórica, o historiador Daniel Nunes Ferreira Junior, levanta elementos importantes para pensarmos quais as heranças do nazismo no ensino alemão no texto Um ensaio sobre ensino e o nazismo na Alemanha: os problemas não resolvidos do pós-guerra. As historiadoras Ana Carla Rodrigues Ribeiro e Gabriela Harumi Araki, investigam o clássico Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Márquez para pensar as questões como alteridade e a marginalização da América Latina, o artigo História e Literatura: uma perspectiva da América Latina na segunda metade do século XX, ainda tem como pano de fundo pensar as relações de Literatura e História, contribuindo na formação e na percepção da própria identidade do alunato. Os historiadores Arnaldo Martin Szlachta Junior e João Mateus Ramos, com o artigo Deuses e ditadores: uma análise a partir da franquia “Injustice: deuses entre nós”, investigam a criação de um mundo de super-heróis que representassem os ideais de cada bloco, buscando entender sua relação com os regimes totalitários que durante a guerra mediram forças. No segundo eixo, “Luz, câmera, ação: representações filmográficas do Tempo Presente em sala de aula”, os artigos buscam retratar experiências de uso de filmes, animações e documentários para temas distintos do período historiográfico compreendido pela Guerra Fria, como as disputas ideológicas sobre a paz, a Guerra do Vietnã, no campo esportivo das Olímpiadas e o impacto da queda do Muro de Berlin. O papel da ficção científica na disseminação de discursos
  • 10. 10 de poder e como o cinema de super-heróis pode conter traços importantes em suas tramas fantasiosas como a manutenção de agentes secretos, a inserção das mulheres nas Forças Armadas e a questão de refugiados intergalácticos que poderiam ser tranquilamente compreendidos dentro da nossa atualidade geopolítica. As historiadoras Alana Trevisan Brito e Luana Carolina dos Santos, iniciam o bloco com o artigo A representação do ideológico americano na Guerra Fria a partir da animação ‘Make my freedom (1948), resgatando a importância do uso dos desenhos e animações para articular os fatos históricos e o conceito de liberdade de maneira mais lúdica. Thayline de Freitas Bernadelli, apresenta os resultados da sua iniciação científica e, Capitã Marvel: cinema, gênero e sala de aula, o texto aponta questões relevantes sobre a temática de gênero e como estruturas cinematográficas baseadas em mundos fantasiosos podem inserir temáticas sensíveis como equidade de gênero, existência de refugiados, pessoas deslocadas, feminismo e etc. Os historiadores Mateus Salesse Silva e Vinicius Tivo Soares, apresentam possibilidades didáticas para o conjunto de fatores históricos que envolveu diretamente EUA e URSS no sudoeste asiático, avaliando a recepção dos fatos pelo público norte americano no artigo A Guerra do Vietnam: recepção estadunidense a partir da época e os Movimentos de Contracultura. Murilo Moreira de Souza, historiador, busca associar os embates não declarados a formas de existir da Guerra Fria no artigo Enfrentamentos na arena esportiva: os jogos olímpicos como campo da Guerra Fria na narrativa fílmica. Gustavo Marengoni Almeida e Luís Felipe Zanella, abordam o clássico Adeus Lênin! Para pensar a transição conturbada e o esfacelamento do sistema soviético na Alemanha, através do artigo A queda do Muro de Berlim sob a perspectiva filmográfica de Good Bye Lênin! (2003). O historiador e organizador dessa coletânea David Antonio de Castro Netto, fecha esse eixo com o artigo: A ficção científica e a Guerra Fria: um olhar panorâmico no cinema de Hollywood entre 1950 e 1980, que investiga como as representações da Guerra Fria foram veiculadas no cinema de ficção científica, que tipo de sentimentos procuravam atingir para garantir apoio social e político contra aquele considerado inimigo. No último eixo, “Sonhos espaciais, terror nuclear e meio ambiente” os artigos versam sobre a disputa nuclear, armamentista e espacial, representada na música e nos quadrinhos, ainda abordam os desdobramentos das questões nucleares e do seu impacto no mundo polarizado, a ausência de informações precisas e os embates entre as agências distintas colocavam seus cidadãos
  • 11. 11 em constante terror, haja vista que, as ameaças de embate nuclear e de uma terceira guerra mundial faziam parte do ambiente da Guerra Fria. A historiadora Letícia Calixto abre esse eixo com o artigo Governo Reagan: um projeto de armas espaciais, denominado “Star Wars” e suas representações sociais, nos EUA, em 1983, investigando o famoso projeto ‘Star Wars’ e suas representações na corrida armamentista espacial durante a Guerra Fria. O historiador Rodrigo Perles Dantas e a historiadora Sara Fernanda Zan, investigam a relação brasileira com as tecnologias nucleares no artigo Energia nuclear na História, uma proposta interdisciplinar: o uso de fontes históricas no estudo sobre energia nuclear no Brasil durante o período da Guerra Fria. A tríade de historiadoras Heloísa Peixoto Branco de Morais, Luana Grochewicz Santana e Sarah Duarte Basílio, em “Happiness is a warm gun”- A música como instrumento didático no ensino sobre o cenário estadunidense em fins da década de 1960, mergulham na musicalidade dos Beatles para pensar a música como instrumento didático. Já, Gabrielle Legnaghi de Almeida e Guilherme Meneguetti Xavier da Silva, no artigo Pensando o desenvolvimento sustentável em sala de aula a partir da Eco 92 e Rio +20, buscam discutir a ideia de eco desenvolvimento e refletir sobre a importância do debate acerca do meio ambiente em sala de aula. O artigo de Lucas Silva de Oliveira e Murilo Tavares Modesto, Super-heróis na Guerra Fria: uma aula sobre a Corrida Nuclear e Espacial em quadrinhos da Marvel, onde apresentam os quadrinhos como alternativas para o ensino de questões como a corrida nuclear e espacial e para a compreensão histórica de fatos complexos da Guerra Fria. Enunciados científicos, consensos e propaganda: o “inverno nuclear” e a Guerra Fria nos anos 1980 é o artigo apresentado pela historiadora Aline Vanessa Locastre e pelo historiador Roger Domenech Colacios, onde debatem neste texto a relação entre o discurso científico do “inverno nuclear”, ressaltando a presença de um elemento fundamental para o entendimento dos prognósticos, alertas e recomendações dos cientistas: a propaganda política e a mobilização da opinião pública a partir do medo de uma guerra nuclear de grandes proporções. Finalizam a coletânea, os historiadores Eduardo de Moraes Faria e Márcio José Pereira, com o artigo O verdadeiro vilão é o comunismo! As histórias em quadrinhos da Marvel durante a Guerra Fria e seus usos no Ensino de História, cuja proposta é enfatizar o papel das historias em quadrinhos da Marvel como elemento de difusão do anticomunismo nos EUA e posteriormente no mundo todo, ainda encontram espaço para a
  • 12. 12 proposição de uma atividade em sala de aula refletindo questões como anticomunismo, indústria cultural e Guerra Fria. Enfim, são ensaios, reflexivos e repletos de possibilidades para se pensar o mundo no pós Segunda Guerra Mundial.
  • 13. 13 Eixo Primeiro: RESQUÍCIOS & HERANÇAS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
  • 14. 14 Por que Hitler não vai embora? O nazismo representado na cultura popular como epítome do mal após a Segunda Guerra Mundial Marcos Meinerz O filme de Steven Spielberg “Indiana Jones e os caçadores da Arca Perdida”, de 1981, narra a saga do jovem professor de arqueologia Henry Walton Jones (Harrison Ford) em busca da Arca da Aliança em 1936, que, segundo as escrituras bíblicas, conteria “Os Dez Mandamentos” revelados a Moisés no Monte Horeb, no Egito. De acordo com a lenda, o exército que conseguisse possuí-la se tornaria invencível e, por isso mesmo, Jones teve um adversário de peso na busca pela arca perdida: o próprio Adolf Hitler. O objetivo era encontrar a arca antes dos nazistas para impedi-los de capturá-la. A trama do filme se desenvolve com essa temática, na qual os nazistas, desde as suas primeiras aparições, são apresentados como os vilões do mal. Em 1989, no terceiro filme da franquia, “Indiana Jones e a Última Cruzada”, temos a volta dos nazistas como vilões principais. A trama está centrada no Santo Graal, o cálice que Jesus Cristo teria utilizado na Última Ceia. Jones descobre que seu pai, Henry Jones (Sean Connery), foi sequestrado pelos nazistas e está preso em um castelo entre a Alemanha e a Áustria. No caminho para resgatá-lo passa por Veneza, onde encontra, em uma catacumba sob uma antiga igreja, um pergaminho que poderia levar ao Santo Graal. Obviamente os nazistas estão à procura do cálice para adquirir poderes sobrenaturais (vida eterna) e por isso a missão passa, além de salvar seu pai, a impedir que a relíquia sagrada caia em mãos erradas. No início do filme blockbuster dos estúdios Marvel, “Capitão América: O Primeiro Vingadori” (2011), um oficial nazista entra em uma pequena cidade norueguesa em busca de uma antiga relíquia, o Tesseract, que promete poder infinito ao seu dono. Logo descobrimos que o oficial, Johannes Schmidt, absorveu o protótipo de um soro de “supersoldado”, desenvolvido por um cientista chamado Abraham Erskine. Destinado a dar força e agilidade sobre-humanas a Schmidt, o soro causa uma transformação monstruosa, enlouquecendo o oficial nazista e transformando sua cabeça em um crânio vermelho medonho. Erskine foge para a América, onde aperfeiçoa seu soro e o aplica em Steve Rogers, nosso herói homônimo. O Capitão América tem
  • 15. 15 pouco tempo para aprimorar suas habilidades de combate antes de enfrentar o Caveira Vermelha e a insidiosa sociedade oculta conhecida como “Hydra”, que, ao que parece, dá as cartas por trás de Hitler e do Terceiro Reich. De fato, esse modelo de representação e aparição nazista em filmes, romances, documentários e reportagens de jornais e revistas, tornou-se típico da cultura popular ocidental ao longo das últimas décadas do século XX. Podemos explicar este fenômeno por meio de dois fatores básicos: os nazistas são fáceis de relacionar como agentes do mal/perigosos, além de terem fácil aceitação do público para esse papel. Tais representações, entretanto, geralmente não possuem nada relacionado com a história do III Reich. Além da saga de Indiana Jones e o Capitão América, por exemplo, filmes como “Contato” (1997), dirigido por Robert Zemeckis, e “Hellboy” (2004), dirigido por Guillermo del Toro, usaram Hitler ou os nazistas como tropo discursivo em contextos que ninguém os esperava: o primeiro um filme sobre aliens, o segundo sobre a vinda de um guerreiro de outra dimensão através de um portal intergaláctico. Não é apenas no entretenimento que se destacam tais aparições descontextualizadas. Hitler e os nazistas são frequentemente invocados e empregados em discursos sobre o Iraque, Irã ou Coreia do Norte com o objetivo de desqualificar oponentes políticos tanto internos quanto externos. Verificamos isso na conjuntura política brasileira atual, na qual formou-se o discurso, por setores da direita do país, relacionando o nazismo ao espectro político ligado à esquerda.1 Aqui vale duas considerações. Primeiramente, este fato corresponde a um esforço claro de desqualificar a esquerda brasileira, em um ambiente de tensão política formado desde o golpe que tirou Dilma Rousseff da Presidência da República em 2016, culminando na ascensão de Bolsonaro ao poder em 2018. Ao ligar o governo de Hitler, representado na cultura popular como a epítome do mal, ao socialismo, a extrema-direita tenta demonizar, ainda mais, os partidos de esquerda no Brasil para obter ganhos políticos, bem como angariar seguidores. Em segundo lugar, podemos considerar essa ideia como um negacionismo, pois quando a extrema-direita não consegue mais negar o Holocausto - ou seja, de fato ele ocorreu -, ela o coloca no “colo” da esquerda. A consequência disto é que se estabelece uma diferença entre a perspectiva fascista da Europa e a perspectiva nazista da Alemanha: o nazismo produziu o Holocausto e ele é de esquerda, o fascismo não. Dessa forma, a extrema-direita fascista fica livre para recuperar suas perspectivas perdidas no 1 Isso pode ser verificado em: https://www.youtube.com/watch?v=bM85MU-5hDY; https://www.youtube.com/watch?v=nmFAPqzaAz8; https://www.youtube.com/watch?v=ajnKuUr4vjI. https://www.youtube.com/watch?v=67qmnAP9ieg. Acesso em: 27/01/2022.
  • 16. 16 pós-guerra e tornar seus projetos políticos aceitáveis socialmente. Como esses grupos são muito atuantes na internet, eles acabam induzindo várias pessoas a entrarem nessa “onda” de afirmar que o nazismo é de esquerda. Portanto, fica claro que tal fenômeno tem por objetivo uma agenda política bem definida. A representação de Hitler e dos nazistas como agentes do mal ganhou corpo desde o final da Segunda Guerra Mundial, reverberando na cultura popular até os dias de hoje. Um dos filmes que mais influenciou essa ligação foi “The boys from Brazil” de 1978, com direção de Franklin J. Schaffner e participação de atores famosos como Gregory Peck e Laurence Olivier. Embora um Hitler adulto não seja visto em todo o filme, o tema implícito é o mal inerente do ditador nazista, tendo como premissa que as suas características malignas foram geneticamente definidas. Baseado no romance do autor norte-americano Ira Levin, “Os Meninos do Brasil”, de 1976, a trama narra a ambição de Mengele em formar o IV Reich na América Latina mediante a criação de 94 clones de Hitler, os quais foram distribuídos a casais na Europa, Canadá e Estados Unidos. Todos os casais teriam que possuir a mesma diferença de idade dos pais do Führer, bem como as características de suas personalidades: uma mãe amorosa e um pai, funcionário público, que possuía uma relação de dominação e conflito com o seu filho. A intenção de Mengele era possibilitar a esses clones as condições ambientais e sociais idênticas às da vida de Hitler. Assim, as famílias deveriam ser cristãs e o pai morrer aos 65 anos de idade. A trama se desenrola com os nazistas empenhados em assassinar os pais adotivos dos clones, pois, para Mengele, todos os detalhes deveriam ser reproduzidos para o IV Reich ser criado. Embora o enredo seja intrigante, também é extremamente demonizador e deshistoricizante, pois remove praticamente toda a responsabilidade do Hitler histórico e do contexto, implicando que ele, Hitler, era apenas o produto de suas circunstâncias e genes. De fato, essa associação com um mal demoníaco virou praticamente automática. Os filmes citados contêm todos os elementos do sobrenaturalismo nazista na mente popular: a conexão com forças ocultas, cientistas loucos, armas fantásticas, uma raça superior sobre-humana, uma preocupação com religiões pagãs e relíquias mágicas que deveriam conceder aos nazistas poderes ilimitados. A cultura popular está repleta de imagens do sobrenatural nazista e a questão que habita a mente de muitos dentro desse campo da é a seguinte: eram eles realmente movidos ou influenciados por forças das trevas? Historicamente, a evidência de que os comandantes nazistas participavam de seitas ocultistas e/ou satanistas é muito fraca. Ou seja, não há relações profundas do nazismo com o ocultismo ou com o demônio. Contudo, desenvolveu-se
  • 17. 17 no imaginário popular uma elaborada mitologia em torno da ideia na qual os nazistas praticavam magia negra com o objetivo de adquirir forças sobrenaturais para dominar o mundo. Isto foi representado por uma vasta literatura conspiratória e ocultista, principalmente, nas décadas de 1960 e 1970. Nesse sentido, o presente artigo analisa como se formou este imaginário e as consequências históricas em interpretar o nazismo como fruto de forças arcanas. A relação do nazismo com as forças ocultas e das trevas Largamente estimulada pelo gênero sensacionalista persiste até os dias de hoje a ideia na qual os nazistas eram inspirados e influenciados por agentes ocultos ou das trevas antes mesmo de seu advento ao poder. Esse imaginário resultou num grande fascínio e interesse pelos mistérios do nacional-socialismo, principalmente pelo suposto envolvimento com a magia negra, seitas ocultistas e demoníacas, reinos secretos no interior da Terra, base secreta na Antártida e a busca pela Lança do Destino e pelo Santo Graal. Estes elementos discursivos são essenciais e centrais a quase todas produções que mitificam o nazismo desde o final da Segunda Guerra Mundial. O extermínio industrializado em massa dos judeus, a enorme destruição europeia devido ao militarismo alemão e todas as mazelas provocadas em decorrência das táticas de guerra nazista “se combinaram para tornar Hitler e o nacional-socialismo objetos de condenação e de horror universais” (GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 139). Estes fatos ressoam em vários meios de comunicação e com grande poder de atração desde a década de 1950, contribuindo com a construção da imagem demoníaca da Alemanha à época de Hitler. Goodrick-Clarke (2004) explica que o endeusamento do Führer pelos alemães, o breve domínio do continente europeu, somado à natureza macabra e irracional das suas políticas racistas e antissemitas distinguiram o regime nazista de qualquer outro período da história do ser humano. Por isso, o nazismo foi estigmatizado como a reencarnação do mal, um relapso pagão monstruoso na comunidade cristã da Europa. “A derrota total do Terceiro Reich e os desaparecimentos, os suicídios e as execuções de suas figuras principais deram mais força à aura irreal atribuída ao nazismo” (GOODRICK- CLARKE, 2004, p. 139). No início da década de 1960, essa avaliação quase religiosa do nazismo começou a exercer um horrível fascínio sobre a mentalidade ocidental. Se antes eram associados ao III Reich um intenso horror e repulsa, agora se podia perceber uma aura mística do nazismo, uma apresentação sensacional e exagerada de suas figuras e de seus símbolos. As parafernálias nazistas, despidas de qualquer contexto
  • 18. 18 histórico e político, começaram a penetrar a cultura popular por meio de romances de suspense, de livros não-ficcionais e de filmes. Histórias de fugitivos nazistas, incluindo Bormann, Mengele, e até mesmo os ressuscitados Himmler e Hitler (sobreviventes, no final das contas), nas entranhas da floresta Amazônica, nas capitais desérticas do Oriente Médio ou em obscuras ruelas de Londres e de Nova York tornaram-se lugar comum em ficção para as massas e obras não ficcionais especulativas. Frequentemente, os fugitivos tornavam-se conspiradores, procurando subverter nosso mundo liberal aparentemente seguro e restaurar seu poder em um Quarto Reich (GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 139).2 Durante a época em que os nazistas dominaram a Alemanha muitas obras de arte, relíquias e tesouros foram roubadas e confiscadas por toda a Europa, sendo que a grande maioria nunca foi encontrada ou devolvida aos seus donos legítimos. Muitas ainda continuam escondidas ou perdidas no fundo de lagos ou enterradas em minas e geleiras. Essa obsessão de Hitler e dos nazistas por obras e relíquias (o Führer seria um artista fracassado), tem um papel importante na formação do mito da sobrevivência nazista após a guerra, pois como afirma Goodrick-Clarke, os fugitivos de guerra, as relíquias e os tesouros escondidos por toda a Europa pressupunham a sobrevivência secreta do nazismo em algum lugar do mundo, gerando um frisson sobre sua temida e amedrontadora ressurreição. Essa suposta sobrevivência está representada em inúmeras obras “não-ficcionais” conspiratórias, produzidas principalmente na Inglaterra, França e Estados Unidos desde a década de 1950, que explicam o fenômeno nazista como sendo produto de influências demoníacas, ligando o partido a sociedades secretas, ao oculto e à magia negra. Goodrick-Clarke denomina essa produção de “a moderna mitologia dos ‘Mistérios Nazistas’” (GOODRICK- CLARKE, 2004, p. 140). Nessa lógica, a ascensão de Hitler ao poder está diretamente relacionada a poderes sobrenaturais e ocultos, não podendo o nazismo ser explicado adequadamente por argumentos racionais ou materiais. Nenhuma análise empírica que centra seus argumentos somente em fatores sociais, políticos ou econômicos poderia justificar o seu irracionalismo crasso e seus sucessos iniciais. Isto acontece devido ao fato de que teorias conspiratórias tentam esclarecer acontecimentos históricos que deixaram lacunas, ou na qual a explicação histórica não consegue ou não dá conta de nos fazer compreender os eventos que fogem à racionalidade humana, como é o caso do nazismo. Por tudo o que representou o governo de Hitler para a história, o simples término desse governo suscita maiores questionamentos para os predispostos a acreditar em conspirações 2 Existe uma extensa lista de romances que atestam a popularidade da ficção de suspense sobre fugitivos nazistas desde a década de 1960. Podemos destacar: Spinrad (1972), Forsyth (1972), Sinclair (1975), Levin (1976), Herbert (1978), Lundlun (1978), Hugo (1982) e Heywood (1987).
  • 19. 19 envolvendo o regime antes e após a guerra. A explicação simples e casual não é suficiente para essas mentes, uma vez que deve haver algo maior por trás de eventos como a Segunda Guerra Mundial. Michael Barkun (2003, p. 6), historiador estadunidense, afirma que essas pessoas preferem aceitar uma complicada teoria conspiratória ao invés das análises e interpretações geralmente aceitas dos processos históricos, tentando desvendar mistérios e segredos escondidos dentro deles. Todas as formações discursivas desse gênero “documentam desse modo uma história secreta do Terceiro Reich, desconhecida dos historiadores convencionais, como um instrumento de poderes sombrios para a conquista de objetivos satânicos” (GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 142).3 Apesar do envolvimento dos nazistas com forças demoníacas ser considerada por historiadores e leitores como bizarra e absurda, tal ideia está presente no imaginário coletivo ocidental desde o final do “Reich de mil anos”. Seus elementos, pouco estudados pela historiografia, atingem amplamente o imaginário cultural ocidental. Neste imaginário a possessão demoníaca de Hitler está ligada à formação de uma nova espécie humana, um super-homem ariano que se tornaria um deus entre os mortais. A geração dessa divina mutação seria então tarefa do nacional-socialismo, que não era somente um simples movimento político, pois estava preocupado em alterar a própria natureza da vida na Terra. Segundo Goodrick-Clarke, a fonte original dessas ideias foi o alemão Hermann Rauschning (1939), no seu livro Hitler me disse, lançado em 1939. Rauschning foi membro da classe dirigente prussiana conservadora e antigo presidente do Senado de Danzig, rompendo logo cedo com os nazistas. Baseado supostamente em uma série de conversas com Hitler, o livro tinha a intenção de revelar o seu niilismo, seu fanatismo, sua personalidade instável e lasciva, mostrando que o inimigo alemão era inspirado por forças infernais, pois Hitler era o diabo encarnado: “Hitler estava se entregando a forças que o estavam levando para longe – forças de sombria e destrutiva violência. Ele imaginava que ainda tinha liberdade de escolha, mas era há tanto tempo cativo de uma magia que poderia muito bem ser descrita, não apenas como metáfora, mas literalmente, como a de espíritos malignos” [...]. “O Homem é Deus sendo fabricado... aqueles que veem no nacional-socialismo nada mais que um movimento político sabem muito pouco sobre ele. É mais até que uma religião: é a vontade de recriar a humanidade”. Hitler conclui triunfante: “O novo homem está entre nós! Ele está aqui!... vou lhes 3 Segundo Goodrick-Clarke os principais expoentes desse gênero, que ligam o nazismo e Hitler a poderes demoníacos, são: BRONDER, Dietrich (1964); ALLEAU, René (1969); ANGEBERT, Jean-Michel (1971); RAVENSCROFT, Trevor (1972); FRÈRE, Jean-Claude (1974); BRENNAN, J. H. (1974); KING, Francis. (1976); SKLAR, Dusty (1977).
  • 20. 20 contar um segredo. Eu tive a visão do novo homem – destemido e formidável. Eu me encolhi diante dele!” (RAUSCHNING, 1939, p. 243). As supostas conversas de Rauschning exerceram grande influência na formação da mitologia centrada na ideia de um Hitler demoníaco na década de 1960. O autor tinha como propósito demonstrar a entrega do Führer a poderes malignos, sugerindo um pacto satânico dos nazistas para obter a “transformação mágica da consciência e até de natureza física da vida na Terra, a inauguração de uma nova era” (GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 145). Os defensores da existência do poder oculto nazista apontaram repetidamente, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, os elementos místicos da conversa entre Hitler e Rauschning que afirmava incessantemente a mediunidade do líder nazista, possuidor de poderes sobrenaturais. A conexão dos nazistas com forças demoníacas e ocultas também foi reforçada pela suposta crença nos poderes espirituais do vril. Publicado em 1871 pelo escritor inglês Edward Bulwer- Lytton, o romance intitulado “The Coming Race” descreve a história de um aventureiro que explora uma mina desconhecida e acaba encontrando um imenso mundo subterrâneo habitado pela raça humana superior chamada Vril-ya. Uma vez moradores da superfície, os Vril-ya foram forçados a refugiar-se no centro da Terra por causa de uma catástrofe natural ocorrida há milhares de anos. Sua tecnologia era muito avançada e não podia ser encontrada no mundo da “humanidade comum”, pois baseava-se na aplicação de uma força conhecida como vril. Todos os Vril-ya eram treinados para obter essa força, a qual poderia ser usada para controlar o mundo físico, incluindo as mentes e os corpos das pessoas, bem como para melhorar as potencialidades telepáticas e telecinéticas da mente humana. Essa força era compreendida como um reservatório de energia psíquica acessível apenas para os iniciados (BAKER, 2000). Muitos ocultistas acreditam que a teoria da força vril, exposta no livro The Coming Race, era uma verdade disfarçada de ficção, pois quem se tornasse mestre dessa força poderia controlar totalmente a natureza. Bulwer-Lytton teria baseado seu romance em um conhecimento esotérico genuíno, ou seja, nos rosacrucianos - uma poderosa sociedade oculta surgida no século XVI, que reivindicava possuir uma sabedoria antiga, contento os maiores segredos do universo (o estudo da tradição metafísica, mística, ocultista e alquímica moldava sua genealogia). A conexão da força vril com os nazistas teria sido ato de Karl Haushofer (1869 – 1946), um geopolítico alemão cujas teorias deram origem ao conceito de Lebensraum (espaço vital), que Hitler acreditava ser essencial para a supremacia e domínio da raça ariana no continente europeu. Haushofer é frequentemente descrito pelos crentes na existência de poderes ocultos dos nazistas
  • 21. 21 como praticante de magia negra e o mágico mestre do partido nazista. A ideia de que ele era um adepto ao ocultismo foi primeiramente insinuada por Louis Pauwels e Jacques Bergier (1971) no livro “historicamente inconfiável”, mas que se pretende real, “O despertar dos Mágicos”4 , que serviu como modelo para inúmeras outras publicações sobre o ocultismo nazista nas décadas de 1960 e 1970. De acordo com os autores, a liderança nazista estava empenhada em estabelecer contatos com uma todo-poderosa teocracia subterrânea com o objetivo de adquirir o conhecimento de seus poderes. Esses poderes supostamente permitiriam que a Alemanha conquistasse o mundo inteiro. De acordo com os autores, a liderança nazista estava empenhada em estabelecer contatos com uma todo-poderosa teocracia subterrânea com o objetivo de adquirir o conhecimento de seus poderes, os quais levariam a Alemanha conquistar o mundo inteiro. Pauwels e Bergier (1971, p. 148) afirmaram que o verdadeiro objetivo de Hitler era realizar um ato de criação, “de operação divina... uma mutação biológica que resultaria em uma exaltação sem precedentes da raça humana e a aparição de uma nova raça de heróis, semideuses e homens-deuses”. Alianças podem ser forjadas com o Mestre do Mundo ou o Rei do Medo que reina sobre a cidade oculta, em algum lugar do Oriente. Aqueles que realizarem um pacto modificarão a superfície da Terra e concederiam à aventura humana um novo significado por muitos milhares de anos... O mundo transformar-se-ia: os Senhores emergirão do centro da Terra. A menos que tenhamos feito uma aliança com eles e nos tornemos Senhores nós mesmos, encontrar-nos-emos entre os escravos, no monte de estrume que nutrirá as raízes das Novas Cidades que surgirão (BERGIER; PAUWELS, 1971, p. 146). Para Pauwels e Bergier, Haushofer era um poderoso mentor ocultista de Hitler que o ensinava conhecimentos secretos derivados de poderes desconhecidos. Haushofer acreditava na lenda de Thule na qual afirma que a terra natal ariana, localizada no polo norte, teria sido o centro de uma civilização avançada detentora de poderes mágicos (poderes do vril). Os autores acreditavam que: Thule teria sido o centro mágico de uma civilização desaparecida [...], mas nem todos os segredos de Thule haviam perecido. Criaturas intermediárias entre o Homem e outros seres inteligentes do além colocariam à disposição dos Iniciados [ou seja, membros da Sociedade de Thule] uma série de forças que podiam ser reunidas para tornar possível que a Alemanha dominasse o mundo... [seus] líderes seriam homens que sabem de tudo, obtendo sua força da própria fonte de energia e guiados pelos Grandiosos do Mundo Antigo [...]. Sob a influência de Karl 4 Livro proporcionou o renascimento do ocultismo europeu no início de 1960, tratando extensivamente da ideia de um verdadeiro poder oculto nazista.
  • 22. 22 Haushofer, o grupo assumiu sua verdadeira característica como uma sociedade de Iniciados em comunhão com o Invisível e se tornou o centro mágico do movimento nazista (GOODRICK-CLARKE, 2004, 151). A sociedade Thule, nessa visão, foi moldada a partir da mitologia tibetana, baseada nos reinos subterrâneos secretos conhecidos como Agartha e Shambala. Enquanto a primeira era a cidade da luz e da bondade, a segunda é descrita como a cidade da violência, da maldade e da escuridão, sendo governada pelo Rei do Medo com quem poderia ser forjada uma aliança para governar o mundo. Hitler, influenciado por Haushofer e a Sociedade Thule, teria organizado inúmeras expedições na Alemanha, na Suíça, na Itália, na Europa Central e na Europa Oriental com o objetivo de encontrar a entrada desses reinos e se filiar a Shambala. O que, segundo Pauwels e Bergier, realmente aconteceu.5 Essa imagem sensacionalista da Sociedade Thule e de seus membros, segundo Goodrick- Clarke, é quase completamente fictícia. Hitler nunca teria comparecido a uma única reunião de tal grupo. Mesmo que seu fundador, Rudolf von Sebottendorff, mantivesse certo interesse nas questões sobre ocultismo, um diário detalhado das reuniões da sociedade entre 1918 a 1925 menciona apenas duas conferências sobre esse assunto, sendo que todas as outras palestras se dedicavam a temas como a terra natal dos teutos, mitos e poesias germânicas, os judeus e o sionismo e assuntos políticos do contexto. Não havendo, portanto, nenhuma prova que ligasse Haushofer ao grupo. Longe de ser um grupo ocultista com plenos poderes por trás do Partido Nazista, a Sociedade Thule era politicamente insignificante em 1920 e cessou suas atividades em 1925. “Durante e depois de seu apogeu em 1918-1919, a Sociedade Thule era definida por sua ideologia nacionalista e antissemita e um corpo de membros de classe média de Munique” (GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 152). A existência da ideia de uma sinistra e toda poderosa Sociedade Vril, secretamente controlando o III Reich, fascinou e fascina a mente de muitas pessoas. Além de Rauschning, Pauwels e Bergier, que forneceram as bases do mito relacionando o nazismo a poderes ocultistas, muitos outros autores traçaram esse paralelo e ajudaram a fomentar esse imaginário. Na Alemanha, Dietrich Bronder com o livro Bevor Hitler kam (1975); na França, Pierre Mariel, com 5 Em 2004, o filme intitulado Hellboy, dirigido por Giulhermo del Toro, inicia com a mitologia em torno da Sociedade Thule. Com o fim da guerra iminente, os nazistas tentam acabar com seus inimigos usando magia negra para invocar forças ocultas. O feiticeiro Thule chamado Grigori Rasputin e seus asseclas - a imortal ocultista Ilsa Haupstein e o ciborgue assassino Karl Ruprecht Kroenen - abrem um portal que liga a Terra a outra dimensão com o objetivo de libertar o Ogdru Jahad, os Sete Deuses do Caos, para ajudar os Nazistas a vencerem a Segunda Guerra Mundial. Filme: Hellboy. Direção: Guillermo del Toro. Duração: 122 minutos, 2004.
  • 23. 23 L’Europe païenne du XXe siècle (1964); René Alleau, Hitler et les sociétés secrètes (1969); Werner Gerson, Le Nazisme, société secrète (1969); e Jean-Claude Frère, Nazisme et société secrète (1974). Embora certamente intrigante, as reivindicações e afirmações desses escritores ocultistas não possuem provas concretas (documentos ou testemunhas). No entanto, como é frequentemente o caso na área do ocultismo e das teorias conspiratórias, o caminho permanece aberto àqueles que acreditam e confiam em fontes ilegítimas (ou dúbias) para criar sua visão apaixonante, mas irreal, da história. Enquanto historiadores acadêmicos aceitam que alguns conceitos das sociedades ocultistas e folclóricas da Alemanha exerceram um papel significativo no desenvolvimento da doutrina nazista, outros escritores reivindicam que eles foram realmente motivados por forças ocultistas existentes no mundo. Ou seja, há um universo maligno onde inteligências não-humanas influenciaram o destino da humanidade (para seus próprios fins) através dos nazistas. O campo é indubitavelmente recheado e amplo, sendo que uma das obras mais influentes sobre o ocultismo nazista é The Spear of Destiny (A Lança do Destino), escrita pelo inglês Trevor Ravenscroft. A Lança do Destino e o Santo Graal A Lança do Destino (Lança Sagrada ou Lança de Longino), segundo a tradição da Igreja Católica, foi a arma utilizada pelo centurião romano conhecido como Longinus para profanar o tórax de Jesus Cristo durante a crucificação. Desde então, o artefato se transformou em uma relíquia sagrada para os cristãos. Com o passar dos séculos, formou-se a lenda em torno da Lança na qual quem a possuísse e compreendesse os poderes as quais ela serviu, teria o destino do mundo em suas mãos, conquistando-o para o bem ou para o mal.6 Em 1972, Ravenscroft (1921–1989) publicou o livro considerado mais controverso do que qualquer outro relato sobre a relação do nazismo com as forças das trevas. The Spear of Destiny (1972) é, por um lado, avaliado por alguns como um clássico da história do ocultismo e, por outro, ridicularizado como uma obra de ficção sem sentido. Mas, quaisquer que sejam os seus méritos e deméritos a obra é uma das mais importantes contribuições no campo do ocultismo nazista. Ravenscroft estava convencido de que os fornos de cremação e o Holocausto foram obras de demônios que se abasteciam da energia vital dos infortunados judeus. Hitler teria sido encarregado de cometer essas atrocidades para que as forças do mal se alimentassem. Tudo o que ele fez teria sido em nome do diabo. 6 Lenda que pode ser conferida no filme: Constantine. Direção: Francis Lawrence. Duração: 121 minutos, 2005.
  • 24. 24 O autor foi soldado britânico durante a Segunda Guerra Mundial, tornando-se jornalista após o conflito. Foi nessa profissão que teria conhecido Walter Joannes Stein (1891-1957) “um judeu vienense que havia emigrado da Alemanha para a Grã-Bretanha em 1933, a quem falsamente atribuiu a mais fantástica história de inspiração demoníaca de Hitler” (GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 154).7 Baseando-se nesse contato com Stein, Revenscroft escreveu sua própria história oculta do nazismo, em que tentou explicar o desejo e obsessão do Führer pelos mistérios do Graal e da Lança do Destino. De acordo com Goodrick-Clarke, o autor relatou como Stein descobriu uma cópia do Percival, de Eschenbach8 , em uma livraria de Viena no ano de 1912. Este exemplar possuía muitos comentários em suas bordas que interpretavam a obra como um documento que conduziria o homem a uma consciência transcendental, apoiada em citações sobre religiões orientais, alquimia, astrologia e misticismo, com uma forte temática de ódio antissemita e fanatismo racial pangermânico impregnando todos comentários. Eles não eram corriqueiros e banais, mas o trabalho de quem teoricamente havia alcançado mais do que apenas o conhecimento das “artes ocultas”, pois o comentador desconhecido teria encontrado a chave para desvendar os segredos mais profundos do Graal e da Lança do Destino. Para Stein, as anotações representavam uma mente brilhante, mas totalmente aterrorizante, uma mente que queria encontrar as relíquias para abrir o espírito humano - através do uso de magia negra - aos poderes e influências do próprio Satanás. O nome escrito no lado de dentro da capa do livro indicava que seu dono anterior era um tal de Adolf Hitler: Com a curiosidade a respeito desses rabiscos despertada, Stein supostamente voltou à livraria e perguntou ao proprietário se poderia lhe dizer qualquer coisa sobre esse Adolf Hitler. Ernst Pretzsche informou a Stein que o jovem Hitler era um estudante assíduo do oculto e lhe deu seu endereço. Stein procurou Hitler. Ao longo de seus frequentes encontros no final de 1912 e início de 1913, Stein aprendeu que Hitler acreditava que a Lança de Longino concederia ao seu dono poder ilimitado para o bem ou para o mal. A sucessão de donos anteriores supostamente incluía Constantino, o Grande; Carlos Martel; Henrique, o Caçador de Aves; Oto, o Grande; e os imperadores Hohenstauffen [...]. Hitler estava determinado a adquirir a lança para garantir o sucesso de sua própria tentativa de dominação mundial (GOODRICK-CLARKE, 2004, p. 155). 7 Stein lançou uma obra em 1928, intitulada de Weltgeschichte im Lichte des heiligen Gral: Das neunte Jahrhundert (1928) afirmando que a lenda do Santo Gral e da Lança do Destino eram verdadeiras. 8 Parcival é um poema épico alemão da Idade Média de autoria do poeta Wolfram von Eschenbach. A obra aborda principalmente o herói Arturiano Perceval e sua busca pelo Santo Graal.
  • 25. 25 Outras conclusões de Ravenscroft merecem destaque: a) historiadores não conseguem entender o significado das ações mais peculiares e bizarras de Hitler, pois se recusam a considerar e compreender o seu satanismo; b) Hitler acreditava ser um receptáculo do Anticristo; c) o demônio que conduzia Hitler lhe dava poderes para influenciar outras pessoas, principalmente os alemães que ouviam seus discursos; d) a razão de Hitler ter se tornado tão bárbaro, eram os rituais ocultistas praticados pela Sociedade Thule; e) o ódio de Hitler contra os judeus e a tentativa de exterminá-los se explicaria devido a sua possessão demoníaca. Goodrick-Clarke (2004, p. 156) afirma que o problema da obra é que Ravenscroft estava “mentindo a respeito de sua fonte. Stein nunca conheceu Hitler pessoalmente em Viena ou em qualquer outro lugar, enquanto a figura de Ernst Pretzsche foi simplesmente inventada”. Além de conter várias incoerências históricas, o autor admitiu em 1982 que seu contato com Stein foi conduzido inteiramente através de um médium: em outras palavras, ele estava conversando com o espírito de Stein. Joscelyn Godwin (1996), pesquisador de crenças esotéricas, considera a obra como uma reinvenção histórica horripilante. Para Baker (2000), não há nenhuma evidência que vincule Hitler diretamente com práticas de magia negra. Embora seja claro que o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães surgiu do Partido dos Trabalhadores Alemães (DAP), que por sua vez começou como a Sociedade Thule, não há indícios de que Hitler era um ocultista. Além do Führer, muitos escritores ocultistas como Bergier e Pauwels, também sugeriram que Heinrich Himmler e a SS (tropa do partido nazista subordinada a Polícia Política, Gestapo) praticavam ritos de magia negra objetivando contar com a ajuda de poderes malignos a fim de assegurar a dominação do planeta pelo III Reich. Enquanto Hitler foi mais relacionado à Lança do Destino, a busca pelo Santo Graal entrou nos “mistérios nazistas” pela SS. A principal obra que corroborou para a formação dessa lenda foi “Nouveaux cathares pour Montségur”, do escritor francês A. de Saint-Loup (1967). De acordo com o autor, após uma missão especial da SS ter encontrado a relíquia, guardaram-na no Ninho da Águia de Hitler, em Berchtesgaden (extremo sul da Alemanha). Quando o conflito terminou, o Graal teria sido escondido em uma geleira em Zillertal, na Áustria. “Essa história combinava todos os ingredientes essenciais de mistério nazista, incluindo heresias religiosas, a subversão de símbolos sagrados e de tesouros escondidos no pós- guerra” (GOODRICK-CLARKE, 2004. p. 159).9 9 A lenda de uma missão da SS para encontrar o Graal, aparecem também em: ANGEBERT, Jean-Michel (1971); ANGEBERT, Jean-Michel (1976). BUECHNER, Howard (1991).
  • 26. 26 De acordo com Baker (2000) e Goodrick-Clarcke (2004), diferentemente de Hitler, Himmler possuía uma propensão a acreditar em crenças ocultas e místicas. A sua personalidade era uma curiosa mistura de racionalidade e fantasia: extrema capacidade de planejamento burocrático, existindo ao lado de um idealismo utópico, do misticismo e do ocultismo. Em 1935, fundou a Ahnenerbe, um grupo de estudiosos centrados em pesquisas sobre a pré-história germânica, arqueologia (queriam provar a ubiquidade geográfica da antiga civilização ariana), linguística, etnografia, simbologia, ciências naturais, medicina, ocultismo e misticismo. Além disso, praticavam estudos sobre textos sânscritos, os cátaros (sociedade secreta mais “popular” da Idade Média), o Santo Graal, os rosacrucianos e os mistérios do Tibete. Realizavam pesquisas científicas abordando a biologia, a hereditariedade e a genética em raças raras de vida animal na Ásia Central e na região do Cáucaso. Houve expedições do grupo para a Ásia, África e América do Sul.10 A Ahnenerbe contava com mais de cinquenta departamentos, com periódicos científicos e editoras espalhadas pela Alemanha. Todas essas investigações eram voltadas para justificar a ideologia racial nazista. O fato que contribuiu para a formação do mito ligando Himmler as forças das trevas e a busca pelo Santo Graal diz respeito à expedição realizada pela SS ao Tibete em 1938, com o suposto propósito de encontrar as origens semidivinas da raça ariana. Himmler, acreditando que a raça nórdica teria descido dos céus para se estabelecer em Atlântida, explicou ao líder da expedição, Ernst Schäfer, seu interesse na Teoria do Gelo Mundial, segundo a qual dilúvios do começo dos tempos fizeram com que o antigo continente de Atlântida ficasse totalmente submerso. “Himmler acreditava que os emigrantes arianos vindos de Atlântida fundaram uma grande civilização na Ásia Central. Por isso, ele estava muito interessado em explorar o Tibete” (GOODRICK-CLARKE, 2004, 161). Entretanto, o relatório da expedição de Schäfer não apresentou nenhuma menção dos interesses esotéricos de Himmler sobre as origens arianas, mas sim uma análise da fauna e flora, dos festivais religiosos e culturais do povo tibetano e fotos de paisagens, fortalezas, mosteiros e templos. Inclusive, o explorador voltou à Alemanha com um presente dado por Dalai Lama: 108 volumes de escrituras sagradas tibetanas, o Kangschur. A expedição nazista ao Tibete forneceu, de certa forma, elementos verossímeis às reivindicações dos escritores ocultistas que afirmavam que o empreendimento teria sido uma tentativa de estabelecer contato com o reino secreto de Shambala para adquirir os poderes do vril 10 Sobre os nazistas na Amazônia, ver Revista Super Interessante (2012).
  • 27. 27 e, dessa forma, conquistar o mundo. Goodrick-Clarke (2204) afirma que existe um duradouro fascínio na cultura de massa sobre histórias de estranhas missões nazistas a locais remotos em busca da Lança do Destino e do Santo Graal, como nos filmes de Steven Spielberg citados na introdução: Indiana Jones e Os caçadores da Arca Perdida (1981) e Indiana Jones e a Última Cruzada (1988). Ou seja, a partir de um fato foram produzidos vários livros e filmes de entretenimento e ocultistas. Essas mistificações em torno de Himmler fortalecem a imagem pseudo-religiosa dos nazistas e da SS, pois detalhes românticos como a suposta procura pelo Santo Graal tendem a obscurecer a natureza violenta e brutal da SS por trás de uma aura de magia e de mistério. A luta do Bem contra o Mal Os nazistas, por terem cometido incontáveis atrocidades durante o período no qual comandaram a Alemanha, geraram traumas psicológicos em milhões de pessoas. Por isso mesmo, transformaram-se na representação, no epítome do mal no imaginário cultural popular. Os consumidores dessa conspiração das trevas acreditam que a maldade perpetrada pelos nazistas parecer ser inexplicável em termos racionais – o Holocausto é o exemplo mais sintomático da extremidade dos crimes cometidos pelo III Reich, sendo os judeus, em última análise, vítimas desse “mal histórico”. Essa maldade permanece um grande mistério sem fim, sem chances de ser resolvido e é essa inexplicabilidade do mistério que as pessoas compram de novo e de novo. O nazismo, nesse sentido, como afirma Eva Kingsepp (2010), apresenta-se como um perfeito produto de consumo. Como todas as coisas feitas pelos humanos são transformadas pela indústria cultural, o nazismo passa a ser visto mais como uma mercadoria comercializável, um produto que pode ser trocado por dinheiro e consumido como qualquer outro do que como um evento de caráter histórico. Isso transforma o nazismo, e consequentemente a Segunda Guerra Mundial, em um objeto vazio de sentido, porque sua única função agora é entreter. Não foi apenas a literatura conspiratória e ocultista que relacionou os nazistas e Hitler como agentes das trevas. Segundo Daniel Macfarlane (2004), historiadores que produziram estudos biográficos nas primeiras décadas depois do final da guerra (1950, 1960 e 1970) também ajudaram a criar tal relação. Em sua grande maioria, estes trabalhos sobre Hitler desempenharam o papel principal na formação de questões e dúvidas sobre sua humanidade. O historiador Ron
  • 28. 28 Rosenbaum (1998) afirma que vários historiadores que pesquisaram Hitler como Alan Bullock (1952), Hugh Trevor-Roper (1947) e John Toland (1976) o demonizaram de várias maneiras. Uma tendência ainda mais exacerbada pelos estudos psico-históricos produzidos na década de 1970, principalmente por Robert Waite (1977) e Walter Langer (1972). De acordo com MacFarlane (2004), essa tendência é exemplificada pelos comentários de dois historiadores: Martin Broszat e Joachim Fest. Em 1985, Broszat pediu uma “humanização” de Hitler e Fest, na edição de 1995 de seu livro “Hitler”, escreveu que o Führer não havia se tornado “absolutamente histórico”, pois foi indevidamente demonizado sem ter uma devida historicização. A concepção dele como uma figura demoníaca ou a-histórica foi, portanto, apoiada – se não diretamente formada – pela literatura acadêmica nas três décadas após a Segunda Guerra Mundial. O impacto da literatura acadêmica na cultura popular é tênue, mas parece que as representações literárias e cinematográficas de Adolf Hitler foram influenciadas, pelo menos em algum grau, por representações historiográficas. Além disso, em “Imagining Hitler” o historiador Alvin Rosenfeld (1985) afirmou que foi Hugh Trevor-Roper (1947) que forneceu a imagem de um Hitler gótico e demoníaco, sendo a principal fonte para as ficções produzidas nas décadas posteriores. Macfarlane (2004) afirma que um dos filmes mais conhecidos e assistidos do líder nazista, representando-o como fruto das trevas, “Hitler: Os Últimos Dez Dias” de 1973, foi baseado diretamente no trabalho de Trevor-Roper. Além disso, filmes como “The Bunker” (1981) e “Inside the Third Reich” (1982) citam várias literaturas históricas em seus créditos e pode-se supor que muitos outros cineastas também consultaram uma ampla gama de fontes acadêmicas. Dessa forma, tais avaliações de Hitler exerceram grande influência sobre as representações populares das décadas seguintes a guerra. Macfarlane, inclusive, vai mais longe ao afirmar que a ligação do líder nazista com forças das trevas parece ter origem em trabalhos acadêmicos, assumindo novas formas e aumentando a sua popularidade por meio da cultura popular. Tal conexão encontra-se profundamente enraizada na consciência coletiva ocidental, fazendo este imaginário conspiratório ter uma ampla recepção através de filmes, livros e documentários reprodutores em grandes quantidades dessa ideia desde o final do conflito. Conclui-se que esta é uma das principais causas da formação, difusão e permanência das histórias conspiratórias e ocultistas no imaginário coletivo ocidental e a causa fundamental para “Hitler não ir embora”. Todas as obras citadas até aqui comprovam a predominância da ideia na qual a
  • 29. 29 Segunda Guerra Mundial foi uma batalha épica entre as forças do mal (o nazismo como um regime do mal governado por um agente do mal) contra as forças do bem (países Aliados). A dicotomia entre “Bem” e “Mal” se tornou a maneira mais familiar de representar o III Reich na mídia mainstream e esse mito é amplamente propagado e facilmente disponível, basta fazer uma rápida pesquisa no Google que você encontrará várias referências. A Alemanha nazista é mais atraente e vende melhor quando é empacotada e embrulhada nesse simples binarismo, com foco mais no misticismo, no ocultismo, no conspiracionismo, na violência e na fantasia do que em ideias ou análises eruditas e complexas. Hannah Arendt (1999) demonstra isso com o seu livro “Eichmann em Jerusalém”. Na ocasião do julgamento de Adolf Eichmann, todos esperavam vê-lo como um gênio do mal, como um homem violento e racista. Ao contrário disso, Arendt afirma que apesar dos esforços para torná-lo um ser diabólico, ele era um medíocre burocrata que cumpria ordens, um homem normal sem capacidade de avaliar o mal que praticava. Norbert Elias (1997), por sua vez, no livro “Os alemães”, afirma que os genocídios nazistas durante a guerra subsistiram como a imagem central da maldade para a maioria das pessoas no Ocidente e que o “Holocausto” permaneceu certamente como a representação central do mal para a maioria dos cientistas sociais, pelo menos desde o julgamento de Eichmann em 1961, e provavelmente desde os julgamentos de Nuremberg. Segundo Tzvetan Todorov (1995), o “mal” é o personagem principal da literatura relativa aos campos de concentração, em que o nazista é apresentado, na maioria das vezes, como o agente do mal. Para comprovar o fato, Todorov apresenta o depoimento de um ex-prisioneiro de Auschwitz sobre como ele e seus companheiros formulavam constantemente a questão relativa a se o alemão era um ser humano como outro qualquer. “A resposta era sempre categórica: ‘não, o alemão não é um homem, o alemão é um boche, um monstro, e mais que isso: um monstro consciente de sua monstruosidade”. O historiador Donald Mckale (1981) pergunta por que existe uma certa paixão por essa “besta nazista assassina do mal”? Para o autor, precisamos de Hitler aparentemente para um tipo de entretenimento perverso que pensar e vê-lo pode nos dar. O imaginário da sua sobrevivência (representado na literatura ficcional, conspiratória ou em filmes) em algum lugar remoto pode refletir uma relutância do mundo em permitir que ele tenha encontrado a paz por meio da morte, à luz dos crimes deixados na sua conta, pois, como poderia o demagogo e assassino de milhões de pessoas, responsável por mergulhar o mundo em seis anos infernais, ter morrido “tão facilmente”, escapando da vingança de seus inimigos? Segundo Mckale, nossa imaginação insiste em trazê-lo
  • 30. 30 de volta à vida, em todas as formas possíveis, para podermos condená-lo e matá-lo novamente. Prazer “tão diabolicamente” privado por ele ao mundo em 1945 quando suicidou-se. Além do mais, precisaríamos de Hitler como prova de algo perto do inumano e do divino: teria sido ele o Satanás em um corpo humano? O antiCristo moderno? (MCKALE, 1981, p. 208). Conforme Gavriel Rosenfeld (2015, p. 31), essa visão da guerra foi criada no começo do pós-guerra, quando várias crenças foram produzidas sobre o evento que modificou o século XX: a Segunda Guerra Mundial na Europa foi deliberadamente desencadeada pelos nazistas; a campanha Aliada para os derrotar fez parte de uma cruzada moral, ou seja uma guerra travada por princípios idealistas e importantes como democracia, liberdade e liberdade, criando dois polos morais – os Aliados de um lado e os fascistas do outro – o que exige que Hitler e os nazistas sejam identificados como o polo maligno ou imoral; e a vitória final dos Aliados foi fundamental para a sobrevivência da civilização ocidental. Este consenso foi moldado durante o conflito como parte da propaganda de guerra da Inglaterra e dos Estados Unidos, com o objetivo de influenciar a população a apoiar os seus países. O que foi reforçado com os julgamentos do Tribunal de Nuremberg e pelos próprios governos Aliados que sancionaram oficialmente o mito da guerra do bem contra o mal para reforçar a seu comando no pós-guerra. Convenientemente, a crença na qual a Segunda Guerra Mundial foi uma guerra sagrada pareceu ser justificada por alguns eventos históricos subsequentes, como a queda do comunismo e o fim da Guerra Fria em 1991. Esses fatos levaram os norte-americanos, por exemplo, a perceber cada vez mais a guerra como um tipo de prenúncio do sucesso final do seu país. Nos anos que se seguiram, o conflito foi santificado na vida política e cultural dos norte-americanos. Os presidentes George W. Bush e Bill Clinton, invocaram o legado da guerra para justificar campanhas militares ao redor do mundo, quer no Iraque ou na Iugoslávia. Na cultura americana, enquanto isso, a popularidade de livros relacionados à guerra, tal como Band of Brothers (1992) de Stephen Ambrose e The Greatest Generation (1998) de Tom Brokaw, filmes como Saving Private Ryan (1998) de Steven Spielberg [...], confirmam o lugar dominante da guerra do bem na memória histórica americana (ROSENFELD, 2015, p. 32). Entretanto, há grandes problemas nessa interpretação maniqueísta do passado nazista. Aparentemente, não há necessidade de explicar que o nazismo é do “mal” em consequência de ele ser assim universalmente entendido e, quase completamente, aceito acriticamente. Michael Butter (2009), ao trabalhar com a distinção entre “mal” como substantivo e “mal” como adjetivo, assegura que se “mal” é concebido como um substantivo (ou seja, como uma coisa) atribuímos-lhe uma
  • 31. 31 essência ontológica própria. É então dizer que existe objetivamente e se manifesta em diferentes trajes, seja em Satã ou em Hitler. Satã faz certas coisas porque ele é mau e Hitler (e o nazismo), nessa perspectiva, não parece ter sido moldado por forças ideológicas, culturais e históricas específicas, mas alguém que cometeu seus crimes por sua essência maligna. O recurso ao mal, assim, substitui a explicação ideológica e histórica por uma explicação ontológica da realidade, no qual o nazismo só existiu por causa da sua maldade intrínseca. Para grande parte da cultura ocidental de hoje, Hitler como manifestação ontológica do mal se tornou completamente naturalizado. E isso gira em torno de causa e efeito. A natureza maligna de Hitler figura como a origem do nazismo e dos seus crimes horríveis. Ao conceber o regime neste molde, e não mais como um fenômeno histórico explicado e entendido racionalmente, torna-se difícil aprender lições com o passado. Como nos explica John Lukacs (1998), ao afirmarmos e pensarmos que os nazistas eram representantes de forças malignas na Terra, tendo em Hitler a imagem do demônio, “falhamos duas vezes”. Se eles eram do mal, então todo o período hitlerista nada mais foi do que um caso de maldade, loucura, tornando-se irrelevante pensar mais no assunto. Definindo Hitler dessa forma, exonera-o de toda a sua responsabilidade: Não devemos esquecer que o mal, assim como o bem, fazem parte da natureza humana. Nossas inclinações para o mal (amadureçam elas em atos ou não) são responsáveis, mas também normais. Negar essa condição humana implica a afirmação de que Hitler era anormal, e a rotulação simplista de “anormal” aplicada a ele exonera-o de toda a responsabilidade – e, na verdade, definitivamente (LUKACS, 1998, p. 52).11 Apesar disso, encontramos nesse binarismo um dos motivos do nazismo ter se tornado fonte para inúmeras teorias conspiratórias, uma vez que, de acordo com Barkun, adeptos às crenças conspiratórias possuem suas visões de mundo caracterizadas como maniqueístas, no sentido de entenderem o mundo como uma luta mítica entre a luz e as trevas, entre os reinos do bem e do mal, e acham que esta polarização persistirá até o final da história, quando o mal finalmente será derrotado. Em seu mais amplo significado, essas teorias compreendem a história como controlada por enormes forças ocultas e demoníacas. O conspirador, ou seu grupo, é visto como dotado de grande poder e com isso capaz de influenciar através de seus planos um acontecimento, o 11 Existe também a forte possibilidade de que a maioria das pessoas não queira confrontar um Hitler “humanizado”, pois tal figura sugere inerentemente que um novo Hitler poderia surgir novamente, ou que existe algum “Hitler” em todos nós.
  • 32. 32 funcionamento de um sistema, ou uma totalidade social (BARKUN, 2003). As teorias conspiracionista apresentam uma explicação alternativa para qualquer acontecimento histórico, desmentindo a versão oficial (a morte de Hitler por exemplo) e tentando, de certa forma, desmascarar os intentos malévolos e ocultos de certos indivíduos. A ampla difusão e permanência das teorias conspiratórias da sobrevivência de Hitler ou da formação do IV Reich no imaginário ocidental, encontra sua base fundamental na imagem mítica predominante da Alemanha nazista desde a sua ascensão ao poder: Hitler como a versão do Diabo dos dias modernos e os nazistas como seus capangas endemoniados. Considerações finais Por mais que estas noções (que o III Reich foi governado por um homem que era praticante comandado por forças das trevas) sejam colocadas em um segundo plano nas explicações e análises históricas, ela atrai os crentes da ideia na qual apenas uma explicação fora dos padrões oficiais da história, ou seja, uma explicação sobrenatural, pode esclarecer as origens e ações do nacional- socialismo. Os rápidos sucessos, tanto eleitorais quanto militares, a sua capacidade para a destruição, a irracionalidade do Holocausto (inexplicável em termos lógicos) e do seu pensamento, imploravam por uma interpretação religiosa que envolvesse uma guerra dualística no paraíso, inspiração satânica e a utilização das forças das trevas,12 pois nunca antes na história mundial um dano físico e moral tão grande foi associado ao nome de um homem e um regime: Hitler e o nazismo foram culpados por deixar mais de cinquenta milhões de mortos e outros tantos milhões de luto por seus entes perdidos. Quando as produções analisadas neste artigo propagam conspirações, senso comum, sensacionalismo, estereótipos, esoterismo e ocultismo, acabam ajudando a borrar os limites existentes entre fato e ficção, daquilo que sabemos ser verdadeiro sobre o nazismo. Analisar tais histórias do III Reich pode nos render uma percepção única de como a era nazista tem sido memorizada/lembrada na sociedade ocidental do pós-guerra, ajudando-nos a entender melhor o papel da cultura popular em moldar a consciência histórica sobre o nazismo, uma vez que 12 Goodrick Clarke (2004, p. 164) enfatiza que enquanto os autores dos “Mistérios Nazistas” escrevem em espírito especulativo, seus leitores são menos céticos. Os elementos do suposto envolvimento do nazismo com seitas ocultistas e poderes das trevas, presentes nessas literaturas, foram reapropriados pelos neonazistas durante as décadas de 1960 e 1970 para criar cultos nazistas que envolveram o gnosticismo e o satanismo. Essa estigmatizacão como incorporação do demônio “foi revertida para celebrar os próprios tabus do mundo democrático liberal como os deuses proibidos do reino das trevas”.
  • 33. 33 pensamos historicamente e presentificamos o passado de acordo com a bagagem e a produção cultural que nos cercam e nos afetam.13 Além disso, o fato delas possuírem venda garantida (e como toda a mercadoria que tenham o nazismo ou a suástica na capa) reflete o contínuo uso do passado nazista fora de contexto e sem uma devida e necessária problematização, transformando-o em significados vazios. Dado ao potencial de subverter a história acadêmica, podemos nos indagar até que ponto as teorias conspiratórias sobre o passado nazista simbolizam uma preocupação? De acordo com Rosenfeld (2015), elas são uma das muitas formas culturais através da qual a representação – e por extensão a memória – do passado é influenciada. Logo, a proliferação dessas narrativas sobre o III Reich apresenta motivos para preocupações, dado que elas podem facilmente desviar nossa atenção para longe dos fatos. Enquanto estudar história pode ajudar a entender os problemas do passado – e possivelmente descobrir novas soluções para o presente -, ler histórias contrafactuais pode distorcer o pouco que as pessoas sabem sobre ele. Quanto mais histórias ocultas e conspiratórias são lidas, mais a linha tênue entre fato e ficção, entre realidade e ilusão, pode se tornar “embaçada”. Isso é percebido nas representações humorísticas da era nazista, que são capazes de trivializar o passado e anular a sensibilidade das pessoas frente uma era de tamanha dor e sofrimento. Distraindo-nos, distorcendo nossa consciência e nos desencorajando em lembrar a realidade, esses discursos representam um fenômeno que possui ampla audiência no mundo atual e por isso devem ser analisadas e estudadas cientificamente. Enquanto Hitler continuar sendo a personificação do “príncipe das trevas”, ele permanecerá, em pessoa, o herói privilegiado de uma vasta literatura inspiradora de pavor, fascínio e no mínimo curiosidade. Dessa forma, escroques diversos prosseguirão com lucrativas mistificações. Analisar e entender a ascensão do nazismo como consequência da ação de forças arcanas e sobrenaturais e Hitler como o produto de uma conspiração do Inferno pode ser até consolador e simplifica bastante as coisas, mas, como afirma João Bertonha (2007, p. 384) “não nos ajuda a compreendê-los realmente e evitar a repetição do inferno real que eles criaram na Terra”. 13 Entendendo a partir de Jörn Rüsen (2001), a consciência histórica ajuda a compreender a realidade passada para compreender, tornar inteligível, a realidade presente, funcionado como orientação para as situações reais da vida.
  • 34. 34 Referências ALLEAU, René. Hitler et les sociétés secrètes. Paris: Grasset, 1969. ANGEBERT, Jean-Michel. Hitler e la tradiction cathare. Paris: Laffont, 1971. ___________. Os filhos místicos do sol. São Paulo: Difel, 1976. ___________. The occult and the Third Reich. Nova York: McGraw-Laffont, 1971. ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das letras, 1999. BAKER, Alan. Invisible Eagle: The history of Nazi occultism. United Kingdom: Virgin Books, 2000. BARKUN, Michael. A culture of Conspiracy: Apocalyptic Visions in Contemporary America. London: University of California Press, 2003. BERGIER, Jacques; PAUWELS, Louis. The morning of the magicians. St. Albans: Mayflower, 1971. BERTONHA, J.F. Nazismo, ocultismo e conspirações. História Unisinos, 2007, vol 11, nº 3, 381-384. BRENNAN, J. H. Occult Reich. Londres: Futura, 1974. BRONDER, Dietrich. Bevor Hitler kam. Deustchland: Auflage Genf, 1975. BUECHNER, Howard. Emerald Cup - Ark of God: the quest of SS Lt. Otto Rahn of the Third Reich. Metairie, La: Thunderbird Press, 1991. BULLOCK, Allan. Hitler: A Study in Tyranny. United Kingdom: Odhams Press Limited, 1952. BUTTER, Michael. The Epitome of Evil: Hitler in American Fiction, 1939 – 2002. United States: Palgrave Macmillan, 2009. BUTTSWORTH, Sara; ABBENHUIS, Maartje. Monsters in the Mirror: Representations of Nazism in Post-War Popular Culture. Santa Bárbara, Califórnia: Praeger, 2010. ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. FRÈRE, Jean-Claude. Nazisme et société secrète. Paris: Grasset, 1974. FORSYTH, Frederick. The Odessa File. United Kingdom: Hutchinson, 1972. GERSON, Werner. Le Nazisme société secrète. Paris: N. O. E., 1969. ANGEBERT, Jean- Michel. Hitler e la tradition cithara. Paris: Laffont, 1971. GODWIN, Joscelyn. Arktos: the polar myth in science, symbolism, and nazi survival. Kempton, Illinois: Adventures Unlimited Press, 1996.
  • 35. 35 GOODRICK-CLARKE, Nicholas. Sol negro: cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade. São Paulo: Madras, 2004. HERBERT, James. The Spear. London: Chacellor, 1978. HEYWOOD, Joseph. The Berkut. USA: Random House, 1987. HUGO, Richard. The Hitler diaries. USA: William Morrow, 1982. KING, Francis. Satan and Swastika. St. Albans: Mayflower, 1976. KINGSEPP, Eva. Hitler as Our Devil? Nazi Germany in Mainstream Media. In: BUTTSWORTH, Sara; ABBENHUIS, Maartje. Monsters in the Mirror: Representations of Nazism in Post-War Popular Culture. Santa Bárbara, Califórnia: Praeger, 2010. LANGER, Walter. The Mind of Adolf Hitler: The Secret Wartime Report. New York: Livros Básicos, 1972 LEVIN, Ira. The boys from Brazil. USA: Random House, 1976. LUKACS, John. O Hitler da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. LUDLUM, Robert. The Holcroft Covenant. United Kingdom: Granada, 1978. MACFARLANE, Daniel. Projecting Hitler: representations of Adolf Hitler in English-language film, 1968-1990. Dissertação (Mestrado em História), University of Saskatchewan, Saskatoon, 2004. MCKALE, Donald. Hitler: the survival myth. New York: First Cooper Square Press, 1981. MARRIEL, Pierre. L’Europe païenne du XXe siècle. Paris: Palatine, 1964. PENNICK, N. As ciências secretas de Hitler. Rio de Janeiro: Record, 2004. RAUSCHNING, Hermann. Hitler Speaks. Londres: Thornton Butterworth, 1939. RAVENSCROFT, Trevor. The Spear of Destiny: The occult power behind the spear that pierced the side of Christ. How Hitler inverted the Force in a bid to conquer the world. London: Neville Spearman, 1972. _______________. Hitler: la conspiración de las tinieblas. Madri: América Ibérica, 1994. ROSENBAUM, Ron. Explaining Hitler: The Search for the Origins of His Evil. New York: Random House, 1998. ROSENFELD, Alvin. Imagining Hitler. Indiana: Indiana University Press, 1985. ROSENFELD, Gavriel. Hi Hitler: How the nazi past is being normalized in contemporary culture. United Kingdom: Cambridge University Press, 2015. RÜSEN, J. Razão histórica: teoria da história - os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UNB, 2001.
  • 36. 36 SAINT-LOUP, A. Nouveaux cathares pour Montségur. Paris: Presses de la Cité, 1967. SINCLAIR, Michael. A long time sleeping. United Kingdom Littlehampton Book Services Ltd, 1975. SKLAR, Dusty. Gods and Beasts: The Nazis and the Occult. Nova York: Thomas Y. Crowell, 1977. SPINRAD, Norman. The Iron Dream. USA: Avon Books, 1972. STEIN, Walter. Weltgeschichte im Lichte des heiligen Gral: Das neunte Jahrhundert. Sttugart: Orient-Ocident Verlag, 1928. TREVOR-ROPER, Hugh. The last days of Hitler. Chicago: Chicago University, 1947. TODOROV, Tzvetan. Em face ao extremo. São Paulo: Papirus, 1995. TOLAND, John. Adolf Hitler: The Definitive Biography. Garden City, Doubleday, 1976 ZALIS, Pieter; GARATTONI, Bruno. Nazistas na Amazônia: eles estiveram aqui. Gostaram do que viram. E fizeram planos para voltar. In: Revista Super Interessante, nº 302, março de 2012, p, 56. WAITE, Robert. The Psychopathic God: Adolf Hitler. New York: Basic Books, 1977.
  • 37. 37 “Destruir o mundo antigo e forjar o mundo novo”: imagens da Revolução Cultural Chinesa e o ensino de História Regina Célia Daefiol Giovana Eloá Mulza O presente artigo aborda um tema pouco usual na historiografia brasileira: a Revolução Cultural Chinesa. O fenômeno, inserido no complexo quadro da Guerra Fria, foi desencadeado na República Popular da China entre 1966 e 1976 e disseminado entre a população por meios diversos, entre eles a propaganda de matriz ideológica que visava evidenciar às massas a importância do processo no combate ao capitalismo. O objetivo deste trabalho é demonstrar a potencialidade das fontes imagéticas para a abordagem do tema no ensino de História na rede básica de educação. Para isso, elencamos para análise um conjunto de imagens representativas da Revolução Cultural Chinesa, de fotografias a cartazes do Partido Comunista Chinês. Além de apresentar um histórico da Revolução Cultural Chinesa, discorreremos sobre o uso metodológico de fontes historiográficas em sala de aula, suscitando o protagonismo que esses documentos devem ter no cotidiano escolar. Conciliaremos, portanto, o ensino e a pesquisa em História. China vs URSS No decorrer das belicosidades ideológicas que compuseram a Guerra Fria, um processo de revisão política se iniciou na segunda metade da década de 1950, especialmente após as resoluções do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, no qual foi reafirmada e consolidada a política da coexistência pacífica. Conforme define a historiadora Cristiane Soares de Santana (2009), retomando também o texto Guerra Fria de Paulo Fagundes Vizentini (2000), a exclusividade do caminho armado para a revolução socialista estava dando espaço à ideia de transição pacífica do capitalismo para o socialismo. A luta armada não estava mais na pauta dos Partidos Comunistas, permitindo-lhes se emancipar do Partido Comunista da União Soviética, quadro que abalaria as relações sino-soviéticas. As crescentes declarações de Nikita Kruchov ao longo do XX Congresso do Partido Comunista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas estavam lançando contundentes
  • 38. 38 denúncias aos crimes de Josef Stalin. Acabaram por propor a tese da transição pacífica, primeiro passo para o estremecimento das relações entre China e URSS (SANTANA, 2009). Afinal, o próprio Partido Comunista Chinês afirmava que as críticas a Stalin e a tese da coexistência pacífica eram errôneas. Em uma famosa carta de 1963, o Partido Comunista Chinês expressava seu posicionamento. O princípio de coexistência pacífica de Lênin é bem claro e de fácil compreensão para as pessoas simples. A coexistência pacífica se refere às relações entre países com distintos sistemas sociais, e ninguém pode interpretá-la segundo lhe convenha. A coexistência pacífica não deve estender-se jamais às relações entre as nações oprimidas e as nações opressoras, entre os países oprimidos e os países opressores, ou entre as classes oprimidas e as classes opressoras, não deve considerar-se jamais como o conteúdo principal da transição do capitalismo ao socialismo, e menos ainda como o caminho da humanidade para o socialismo. A razão consiste em que uma coisa é a coexistência pacífica entre países com distintos sistemas sociais, no qual nenhum dos países pode, nem lhe é permitido, tocar nem sequer um só fio de cabelo do sistema social dos outros, e outra coisa é a luta de classes, a luta de libertação e a transição do capitalismo ao socialismo nos diversos países, que são lutas revolucionárias, inflamadas, de morte, encaminhadas a mudar o sistema social. A coexistência pacífica não pode, de nenhuma maneira, fazer as vezes das lutas revolucionárias dos povos. A transição do capitalismo ao socialismo em qualquer país só pode realizar-se mediante a revolução proletária e a ditadura do proletariado nesse mesmo país. (CÔMITE CENTRAL DO PARTIDO COMUNISTA DA CHINA, 1963, p. 67-68 apud SANTANA, 2009, p. 116-117) As divergências entre a China e a União Soviética também se expressaram através das críticas veladas de Kruchov a Mao Tsé Tung, segundo as quais a edificação socialista na China ultrapassava etapas. Além disso, Moscou suspendeu a cooperação nuclear com Pequim, suspendendo, em junho de 1959, o trato de fornecer tecnologia necessária para a construção de bombas atômicas pela China. O ápice desse conflito se deu em 1960, quando Kruchov retirou do país os especialistas em tecnologia nuclear soviéticos e cancelou todos os projetos de cooperação técnica, o que acabou por desferir um golpe intenso na economia chinesa. A consequência, segundo Santana (2009), consistiu na ruptura do Partido Comunista Chinês com o Partido Comunista da União Soviética. A China defendia a tese de que a URSS estava desviando o mundo socialista do princípio leninista de revolução proletária, suscitando transformações na luta socialista. Foi nessa conjuntura de ruptura que Mao Tsé Tung acentuou suas reflexões sobre os caminhos que a revolução chinesa estaria seguindo. Para ele, mesmo que a China fosse controlada
  • 39. 39 por um Partido Proletário, ela não estaria isenta da possibilidade de ver ressurgir as antigas práticas socialistas. Em 1959, Mao Tsé Tung deixou o cargo de presidente da República Popular da China e passou a se dedicar ao aperfeiçoamento das massas. O objetivo, segundo Santana (2009), consistia em politizar ao máximo as massas a fim de evitar que os integrantes do Partido estivessem seguindo o caminho da rotina burocrática. Assim, em 1962, lançou-se o Movimento de Educação Socialista, o qual foi uma campanha nacional de doutrinação política e ideológica para a “retificação” do partido, visando afastá-lo da influência do revisionismo de Kruchov e reavivar o socialismo em seu seio. De fato, “Esse momento político foi uma última tentativa de ‘retificação’ dos quadros que seguiam a ‘linha capitalista’ antes da Revolução Cultural.” (SANTANA, 2009, p. 118). A Revolução Cultural Chinesa pode ser apreendida enquanto um choque entre as concepções de duas elites partidárias em relação aos destinos da nação chinesa: a elite militante e a elite funcional, cujas disputas já existiam quando do advento de Mao Tsé Tung. O combate aos vícios chineses – através das campanhas “Três Anti” (1951) e “Cinco Anti” (1952) – havia marcado a história da China no século XX, em busca de estabelecer o controle sob os membros do partido e da sociedade. Além disso, surgiu em 1956 e 1957 o Movimento Cem Flores, o qual estimulou o debate intelectual através do lema “Que desabrochem cem flores, cem escolas de pensamento”. Esse movimento foi iniciado com o desejo de saber o que a intelectualidade chinesa pensava sobre o Partido Comunista. Segundo Santana (2009), obteve-se como saldo diversas críticas em relação ao partido. Como consequência, o governo chinês lançou a Campanha Antidireitista em 1957, “através da qual se promoveu uma luta contra os ‘elementos de direita’, os quais foram enviados ao campo para passarem por uma ‘reeducação ideológica’.” (SANTANA, 2009, p. 119). Fora a ameaça do pensamento de direita que viria a estimular o advento da Revolução Cultural Chinesa. Após as sucessivas reformas agrárias e o Grande Salto para Frente (1958), iniciou- se um processo de restauração econômica liderado pela “elite funcional”, representada por Liu Shao-Chi e Deng Xiaoping. Em contraofensiva, foi lançado em 1964, o Movimento de Educação Socialista por meio do qual se identificaram os quadros comprometidos com a “linha burguesa”. Porém, como foi dito anteriormente, essas sucessivas tentativas de combater a “elite funcional” no seio do Partido não foram suficientes, tendo como continuação desse embate a ocorrência da Revolução Cultural, a qual pode ser entendida como uma contraofensiva dessa “elite militante”. A partir de 1963, desencadeou-se uma luta ideológica e política no grupo dirigente chinês representado por uma “elite militante” adepta das ideias de Mao Tsé Tung e contrária às ideias e ao
  • 40. 40 comportamento da maioria do partido, constituído pela “elite funcional”. Com o objetivo de modificar a orientação política geral do país esse grupo deu início à revolucionarização dos setores da cultura, do ensino e da propaganda. (SANTANA, 2009, p. 120) A partir da crítica literária de Yao Wenyuan à peça “A destituição de Hai Rui”, escrita pelo vice-prefeito de Xangai, Wu Han, a Revolução Cultural Chinesa se inicia. Por trás dessa crítica estava o descontentamento de Mao Tsé Tung com o grupo da “elite funcional”, que, segundo ele, teria abandonado suas posições socialistas. Por trás do desencadeamento de um grande movimento de massa, visava-se a transformação cultural e ideológica do país. As críticas ao capitalismo e aos seus seguidores eram feitas através de grandes cartazes denominados dazibaos. O governo continuamente publicava-os a fim de mostrar às massas o importante papel que ocupavam nessa Revolução Cultural. A nova política do Partido Comunista Chinês consistia na “linha de massas”, as quais dirigiriam o movimento em prol do socialismo e se engajariam na expulsão dos indivíduos vinculados à “linha capitalista”. A Revolução Cultural deveria promover sua destruição, assim como daqueles que propagavam a ideologia burguesa na academia e na cultura. Para alcançar tal intento, a mobilização das massas era fundamental. Segundo Santana (2009), para conduzir a Revolução Cultural, foram criadas várias organizações de massa, assim como comitês e grupos dentro de escolas, instituições e fábricas. Visava-se, também, acabar com o domínio da intelectualidade nos centros docentes, promovendo- se uma crítica aos seguidores da linha capitalista que atuavam no meio acadêmico. Foi nesse contexto que surgiram os guardas vermelhos, que passaram a exercer um papel de grande importância no desencadeamento da Revolução Cultural. A Guarda Vermelha era formada por estudantes secundaristas e universitários cuja origem era operária ou camponesa. Eles promoveram uma forte atividade de propagação da Revolução Cultural por toda a China, incentivando o combate contra a reprodução de práticas ditas burguesas. (SANTANA, 2009, p. 124) A partir da morte de Mao Tsé Tung, em setembro de 1976, passou-se a julgar e condenar os excessos cometidos pela Revolução Cultural. “Deng Xiaoping retornou ao poder, o assumindo oficialmente na Terceira Sessão Plenária do 11º Comitê Central, em dezembro de 1978, dando início a uma nova era da história da China.” (SANTANA, 2009, p. 130).
  • 41. 41 As fontes imagéticas e o ensino de História Conforme expusemos anteriormente, a proposta de nosso trabalho repousa em evocar as potencialidades que as imagens oferecem para o ensino do tema Revolução Cultural Chinesa (1966-1976). Iremos partir de pôsteres e fotografias referentes ao processo, tomando-os como protagonistas de nossa narrativa. Como contraponto, utilizaremos imagens publicadas em jornais no Brasil sobre o mesmo tema para demonstrar de que forma a Revolução Cultural Chinesa é abordada pela imprensa estrangeira. O uso de fontes para o ensino de História é um tema que tem recebido grande atenção da academia e vem se fazendo presente nas escolas já há alguns anos. Segundo Caimi (2008), são grandes as possibilidades das fontes em sala de aula “como elemento de superação do conteudismo/verbalismo e [...] suas potencialidades como instrumento de produção de conhecimento histórico na educação básica” (CAIMI, 2008, p. 129). Tais propostas estão sintonizadas com as discussões em torno da renovação da historiografia e da própria pesquisa histórica que vêm sendo empreendidas no universo acadêmico nos últimos anos. Para trabalhar com fontes em sala de aula, o professor deve adotar uma abordagem diversa do que tradicionalmente traziam os livros didáticos até poucos anos atrás. Ou seja, deve romper com o antigo paradigma que as colocava como documentos com fim em si mesmos, que por si só transmitiam informação “verdadeira” ou confirmavam a veracidade de um enunciado. É necessário que o professor lance às fontes o mesmo olhar do historiador que, em sua pesquisa, sobre elas se debruça para formular perguntas, raciocínios e hipóteses, buscando ir além do que está explícito no documento/fonte analisado. Metodologicamente, o professor também deve considerar que o aluno tem um papel ativo nos atos de interpretação e compreensão das fontes no processo de ensino/aprendizado histórico. As imagens, enquanto fontes, oferecem grande potencialidade na construção do saber histórico e, por conta desse fato, são instrumentos indispensáveis para o ensino de História. De acordo com Pesavento, (2008), as “imagens são antigas, e estão a atestar a presença e a passagem do homem através das épocas. Seria possível, talvez, dizer que as imagens são anteriores à escrita e ao complexo mundo da palavra e do texto” (p. 99). Para reforçar a importância das fontes
  • 42. 42 imagéticas no ensino de História, citamos a máxima de Kurt Tucholsky: Ein Bild sagt mehr als 1000 Worte [Uma imagem vale mais que mil palavras]. As imagens são, e teriam sido sempre, um tipo de linguagem, pois são dotadas da intenção de comunicar e possuem sentidos inerentes aos intentos e às intencionalidades de seu autor. E, nessa medida, “as imagens partilham com as outras formas de linguagem a condição de serem simbólicas, isto é, são portadoras de significados para além daquilo que é mostrado.” (PESAVENTO, 2008, p. 99). A própria iconologia, conceituada por Peter Burke (2004) enquanto um complemento da iconografia, foi sistematizada para o estudo dos sentidos subjetivos da imagem, a qual consiste, de fato, em uma representação da realidade. Embora as imagens não representem universalmente o contexto no qual foram produzidas, possuem resquícios que as tornam uma testemunha ocular do passado (BURKE, 2004). São, pois, fundamentais para a explanação do conhecimento histórico, uma vez que são dotadas de uma nova narrativa. Nos últimos tempos, os historiadores têm ampliado consideravelmente seus interesses para incluir não apenas eventos políticos, tendências econômicas e estruturas sociais, mas também a história das mentalidades, a história da vida cotidiana, a história da cultura material, a história do corpo etc. Não teria sido possível desenvolver pesquisas nesses campos relativamente novos se eles tivessem se limitado a fontes tradicionais, tais como documentos oficiais produzidos pelas administrações e preservados em seus arquivos. Por essa razão, lança-se mão, cada vez mais, de uma gama mais abrangente de evidências, na qual as imagens têm o seu lugar ao lado dos textos literários e dos testemunhos orais. (BURKE, 2004, p. 11) As imagens consistem em rastros que assinalam uma presença no tempo – conceito que evoca o flerte de Sandra J. Pesavento (2008) com o artigo O rastro e a cicatriz, de Jeanne Marie Gagnebin (2002). Portanto, “imagens são, sobretudo, ações humanas que, através, da história, empenham-se em criar um mundo paralelo de sinais. São, pois, representações da realidade que se colocam no lugar das coisas, dos seres e dos acontecimentos do mundo.” (PESAVENTO, 2008, p. 12). A necessidade de romper com o ensino tradicionalista – fundamentado, por vezes, no monólogo do professor conteudista, cujo conhecimento provém unicamente dos fatos transmitidos pelos documentos oficiais – trouxe legitimidade ao emprego das fontes imagéticas pelo historiador- docente. Enquanto fontes históricas, as imagens devem ser analisadas em sala de aula por meio da
  • 43. 43 participação ativa dos alunos, atuando o professor como um orientador, um guia que traça a trilha para a caminhada dos estudantes. As imagens da Revolução Cultural Chinesa em sala de aula Figura 1: Disponível: http://www.vermelho.org.br/noticia/317380-1 Acesso: 09/09/2019. Nosso ponto de partida é esse cartaz produzido durante os anos da Revolução Cultural. Empregando a iconografia – a análise dos elementos explícitos na obra – podemos perceber que o cartaz retrata as mais diversas categorias da China pegando em armas pela defesa do socialismo. A coragem está refletida no semblante dos indivíduos, jovens, representados na imagem, que arriscariam sua vida pela vitória do ideal socialista. A coloração do cartaz torna-o atrativo ao receptor, as massas, que, ao ver de Mao Tsé Tung, deveriam protagonizar a defesa do socialismo chinês. Analisando os elementos implícitos através da iconologia, vemos que o apelo pela Revolução Cultural era dedicado a todos os chineses, inclusive às mulheres – que historicamente ocuparam um lugar secundário na China. O uso incisivo do vermelho também não foi sem intenções, pois essa cor é tradicionalmente associada ao comunismo. Em sala de aula, o professor pode iniciar indagando os alunos a respeito do que conseguem enxergar na imagem, a fim de averiguar suas primeiras impressões diante da propaganda da revolução. A partir da leitura dos elementos do cartaz, poderá evidenciar a importância das massas e dos jovens para a vitória do socialismo chinês, o qual se distinguiu do soviético.
  • 44. 44 Figura 2: Disponível: http://visao.sapo.pt/actualidade/mundo/2016-05-16-Revolucao-Cultural-chinesa-comecou-ha- 50-anos Acesso: 14/09/2019. O culto à figura de Mao Tsé Tung, líder revolucionário, também foi uma característica da Revolução Cultural Chinesa, expressa no cartaz acima, divulgado durante o processo revolucionário. Mao Tsé Tung ocupa espaço proeminente na figura, fato que evidencia seu papel chave na Revolução Cultural. O líder é representado de forma carismática e simpática, com um braço estendido, denotando uma atitude de abertura e proximidade, características que possuem o intuito de positivar sua personalidade. Abaixo da figura do líder, vemos a juventude integrante da Guarda Vermelha marchando exuberantemente sob bandeiras vermelhas. O jogo de cores, mais uma vez, não deixou de possuir intenções. Através dessa figura, os alunos podem compreender a formação do mito político de Mao Tsé Tung na China, cuja construção foi feita através de propagandas valorativas. O professor pode indagá-los sobre o papel dos jovens na política chinesa, bem como contrapô-la ao quadro brasileiro, provocando-os quanto à sua própria condição enquanto agentes políticos, aproximando, como recomenda Rüsen (2011), o conhecimento histórico da vivência prática dos alunos.