O documento discute como os idosos no Brasil frequentemente precisam sustentar várias gerações de familiares devido à crise econômica e alto desemprego entre os jovens. Relata os casos de Gesília, uma aposentada de 70 anos que sustenta a bisneta com seu benefício, e de Valdir, um aposentado de 68 anos que distribui seu benefício para apoiar 4 gerações de sua família. Também descreve a história de Conceição, uma idosa de 73 anos que trabalha costurando e vendendo doces para complementar sua
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Economia8• CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 19 de julho de 2015
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EEddiittoorr:: Vicente Nunes
vicentenunes.df@dabr.com.br
3214-1148
Saláriodeidosobanca
atéquatrogerações
BRASIL REAL/ Mais de 17 milhões de famílias no país têm como provedor alguém acima de 60 anos, o que representa quase
25% dos lares. E o contingente de pessoas da terceira idade no mercado de trabalho não para de crescer
» ANTONIO TEMÓTEO
» SIMONE KAFRUNI
E
nvelhecer no Brasil se
transformou em um fardo
para milhões de pessoas
que esperavam ter tran-
quilidade após a aposentadoria.
Oaumentodaexpectativadevida
ao nascer — hoje em 74,9 anos —
contribuiu para uma existência
mais longa, mas impôs desafios
para a sociedade. Com a crise
econômica e o aumento do de-
semprego entre os jovens, os ido-
sos se veem obrigados a dar abri-
go aos parentes que foram alija-
dos do mercado ou não têm qua-
lificação para conseguir um tra-
balhobemremunerado.
Em muitos casos, aqueles que
deveriam receber os cuidados da
família são obrigados a sustentar
os bisnetos, que são sua quarta
geração, com os benefícios que
recebem da Previdência Social.
Sãocomunsoscasosemquepes-
soas com mais de 60 anos têm de
fazer bicos para complementar a
renda e conseguir bancar as des-
pesas de uma casa cheia.
Assim vive a aposentada Gesí-
lia Santos da Silva, 70 anos. Natu-
ral de Correntes (PI), a idosa foi
uma das pioneiras de Brasília.
Migrou para a capital do país aos
10anos,duranteasobrasdecons-
trução do Distrito Federal. Ela se
casou na cidade e deu à luz qua-
tro filhos: Leandro, 44 anos; Lai-
me, 38; Sebastião, 34; e Gabriel,
24. Os homens saíram de casa e
constituíram a própria família,
mas a filha ainda vive com a mãe
na Estrutural para que as cri-
anças possam ir à escola.
Laime tem dois filhos: Raisa,
19, e José Carlos, de 4. A neta de
Gesília também é mãe, e a apo-
sentadoria de um salário mínimo
daidosaajudanosustentodabis-
neta. Gesília reclama que o bene-
fíciomaldáparapagaroaluguele
ascontasdeáguaeluz.Paracom-
plementar a renda, ela precisa
trabalhar como costureira em um
programa de capacitação profis-
sional do Governo do Distrito Fe-
deral (GDF), onde consegue um
extradeapenasR$500.
AvidasofridadeGesíliaécom-
partilhada por milhões de brasi-
leiros. Dados do Instituto Brasilei-
rodeGeografiaeEstatística(IBGE)
mostram que mais de 17 milhões
defamíliasnoBrasiltêmumidoso
como provedor. Significa dizer
que 24,89% do lares, ou quase um
quarto,têmcomoresponsávelpe-
lo sustento uma pessoa com mais
de 60 anos. E o contingente de
idosos no mercado de trabalho
nãoparadecrescer.
Informalidade
Noprimeirotrimestrede2014,
eles formavam um contingente
de 6 milhões de trabalhadores.
No mesmo período de 2015, 6,5
milhões de idosos estavam no
mercado, dos quais 137 mil de-
sempregados, mas em busca de
uma vaga. Levantamento da Pre-
vidência aponta que pelo menos
480 mil aposentados se mantêm
ativos e ainda fazem contribui-
ções ao Instituto Nacional do Se-
guro Social (INSS). Especialistas,
entretanto, avaliam que o núme-
ro deve ser bem maior, já que
muitos estão na informalidade.
E, com o rápido aumento do de-
semprego, a tendência é que
maispessoasbusquemabrigona
casa de pais e avós.
O presidente do Centro Inter-
nacional de Longevidade Brasil
(ILC-BR), Alexandre Kalache,
avalia que o sistema de proteção
social brasileiro possui algumas
contradições. Se, por um lado, o
governo criou uma Previdência
Social universal, que garante
uma renda mínima para todos os
trabalhadores, o valor do benefí-
cio é insuficiente para bancar as
despesas, que só aumentam na
velhice. Segundo ele, o custo de
vidanopaísémuitoaltoeamaio-
ria da população é penalizada
porque tem renda baixa.
ParaKalache,oBrasilpassapor
um momentode transiçãodemo-
gráfica acelerada. O número de
pessoas com mais de 60 anos au-
mentarámuitonospróximosanos
e os problemas estruturais conti-
nuarãosemsolução.“Opaísenve-
lheceuantesdeenriquecer. Aedu-
caçãopúblicadepéssimaqualida-
de forma legiões de jovens sem
preparo.Asaúdetambéméprecá-
riaeascidadesnãoestãoprepara-
das para atender às necessidades
dosidosos”,resume.
A França levou de 1865 a 1980
para que a proporção de idosos
na população passasse de 7% pa-
ra 14%. No Brasil, essa transição
serámaisrápida.Seem2015oto-
tal de brasileiros com mais de 60
anoscorrespondea12%dapopu-
lação, em 17 anos aumentará pa-
ra 24%.“O Canadá possui 24% da
população idosa e em 2050 terá
29,5%. Nesse mesmo período, o
Brasil terá 31% dos habitantes
com mais de 60 anos. Não temos
tempoaperder”,alertaKalache.
Dificuldades
ApesquisadoradoInstitutode
Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) Ana Amélia Camarano ex-
plica que, em momentos de crise
econômica, a família é chamada
a cuidar de filhos, netos e bisne-
tos. Como 80% da população de
idosos recebem um benefício da
Previdência e têm garantia de
renda,sãoelesquepassamapro-
ver o sustento de muitas gera-
ções, apesar de o valor do benefí-
cio, muitas vezes, ser insuficiente
para custear as despesas de casa.
AnaAméliadestacaquedoisfa-
tores impediram os brasileiros de
poupar e se preparar para enfren-
tar momentos de dificuldades. O
primeiroéquearendadapopula-
çãoébaixa,ainflaçãonopaíséalta
e isso impede que muitos façam
qualquer economia. Além disso, o
governo, que deveria ser o princi-
pal incentivador do controle de
gastos e da educação financeira,
motivou os brasileiros a consumir
para estimular a atividade.“De fa-
to, a capacidade de poupança do
brasileiro é insuficiente. Não po-
demos esquecer que mais de 30%
das pessoas não contribuem para
o INSS e isso será um problema
nospróximosanos”,assinala.
MárciaTavares, mestra e dou-
toranda em engenharia de pro-
dução pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), explica
que ter idosos no mercado não é
um problema, porque os mais
velhos têm facilidade em agregar
conhecimento e experiência a
equipesdejovens.Entretanto,ela
ressalta que, no Brasil, faltam
condições para que as pessoas
com mais de 60 anos se mante-
nham ativas. Não há programas
de educação continuada para
atualização dos trabalhadores, e
o sistema de saúde precário im-
pede a prevenção de doenças pa-
ra que os idosos permaneçam
aptos a trabalhar.
Bolsas
Nasexta-feira
0,19%
Nova York
1,37%
SãoPaulo
InflaçãoDólar EuroSaláriomínimoBovespa CDB
13,15%R$3,463
Índice Bovespa nos últimos dias (em pontos) Nasexta-feira Últimas cotações (em R$)
Comercial, venda
nasexta-feira
Nasexta-feira
Prefixado
30dias(aoano)
IPCAdoIBGE(em%)
Capitaldegiro
53.239
14/7 15/7 16/7 17/7
52.341
R$3,194R$788
Fevereiro/2015 1,22
Março/2015 1,32
Abril/2015 0,71
Maio/2015 0,74
Junho/2015 0,79
10/julho 3,161
13/julho 3,131
14/julho 3,139
15/julho 3,136
16/julho 3,158
17,65%
Fotos: Rodrigo Nunes/Esp. CB/D.A. Press
A aposentadoria
mal dá para pagar
as contas da casa.
Preciso trabalhar
para ajudar
a família”
Gesília Santos da Silva,
aposentada
Fui dispensado (do emprego).
Estou fazendo um bico aqui,
outro ali. Mas está difícil.
E, com a minha idade,
ninguém quer contratar”
Valdir Pereira, vendedor aposentado
Pensão
distribuída
Sozinho,numbarracoaper-
tado na Cidade Estrutural,
com o mínimo para sobrevi-
vência,ovendedorValdirPerei-
ra,68anos,aposentadohápou-
co mais de dois, poderia viver
melhorcomosR$1.436dobe-
nefício que recebe do INSS.
Mas quase não vê a cor do di-
nheiro. Se não continuar tra-
balhando, falta para ele. É que,
apesardasolidãonacapitalfe-
deral, o mineiro de Governa-
dor Valadares,quechegoucom
sete anos a Brasília, distribui o
pouco que ganha para quatro
gerações da família. Com três
filhos biológicos e um adotivo
do primeiro casamento,Valdir
precisaajudardoisdeles.
“Marcelo,omaisvelho,tem
42 anos, mas desde cedo teve
problemas com drogas. Botei
para morar comigo e ele me
roubou. Já sumiu por vários
anos. Até morador de rua foi.
Hoje, está na Bahia. Parece
que se ajeitou. Mas eu preciso
mandar dinheiro toda hora.
Da última vez, foram R$ 400
para pagar os documentos da
camioneta, que eu ajudei a
comprar e que ele usa para
trabalhar”,diz,enquantoaten-
de o celular. É o filho, ligando
de longe. Marcelo tem duas fi-
lhas que já deram dois bisne-
tos aValdir. A ex-mulher não o
deixa conviver com a família.
“Isso é triste. Mas a gente aju-
da.Vai fazer o quê?”, lamenta.
Valdir também paga o alu-
guel e as contas de água e luz
da casa da filha Gabriela, de
32 anos, mãe de Bruna, 13
anos, e Alef, 7. “Faço as com-
pras também. Os meninos es-
tavam magrinhos, magrinhos.
Não consigo ver isso”, dizVal-
dir. Ele ressalta que, recente-
mente, conseguiu um empre-
go para a filha, mas fica ago-
niado porque ela deixa as
crianças sozinhas e trancadas.
“A maior cuida do pequeno,
mas, se deixar a porta aberta,
ela some no mundo.”
O aposentado não deixou
de trabalhar, mas perdeu o úl-
timo emprego.“Fui dispensa-
do. Estou fazendo um bico
aqui, outro ali. Mas sou ven-
dedor, sabe, e as vendas caí-
ram muito com esta recessão.
Está difícil. E, com a minha
idade, ninguém quer contra-
tar”, reclama.
Valdir casou-se de novo,
mas a esposa, Risoleta, 40
anos, mora em Uberlândia,
Minas Gerais, há cinco. Com
ela,Valdirtemmaisdoisfilhos,
Amanda, 7 anos, e Bruno, 16.
“Eu ia visitá-los uma vez por
mês, mas desde janeiro não
fuimais,porqueestouficando
sem dinheiro com a dispensa
do trabalho”, diz. O aposenta-
do sustenta mais essa casa, a
distância. “A Risoleta ganha
R$ 400 para cuidar de um be-
bê, mas eu tenho que mandar
dinheiro todos os meses para
as crianças. Eles sentem a mi-
nha falta. Estou pensando em
me mudar para lá para ver se a
situaçãomelhora.”.
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CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 19 de julho de 2015 • Economia • 9
» SIMONE KAFRUNI
» ANTONIO TEMÓTEO
D
e menina abandonada
pela mãe alcoólatra, em
Carolina, no Maranhão,
criada desde a infância
por desconhecidos, trabalhando
em troca de abrigo e comida, a
matriarca de uma família enor-
me, e provedora de quatro gera-
ções na capital federal. Essa é a
trajetória de Conceição Ferreira
da Silva, uma guerreira que nun-
ca deixou a labuta e ainda hoje,
aos 73 anos, costura numa fábri-
ca social e vende dindim pelas
quadras da Cidade Estrutural pa-
ra engrossar a parca pensão e as-
segurar que nada falte aos seus.
Conceição é mais uma brasileira
sem direito a descanso entre os
6,5milhõesdeidososqueperma-
necem no mercado de trabalho
segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Sem guardar rancor pela in-
fância perdida, Conceição, uma
senhorinhamiúda,comumagar-
ra gigante, traz do passado a força
de quem não desiste nunca e a
disposiçãoparaajudarquempre-
cisa.Nãotevesortenocasamento
e deixou o marido, com quem te-
ve oito filhos, no Maranhão. Em
1994, mudou-se para Brasília, pa-
ra a casa da filha Juraci, que já ti-
nha se estabelecido na capital,
onde trabalhava como emprega-
da doméstica e, hoje, tem um
pontodevendadecaldos.“Quan-
do cheguei, fiz de tudo.Trabalhei
na cozinha, como faxineira, saco-
leira, vendendo bolo no mercado.
Eu já vendi de tudo um pouco
nessa vida — comida, roupa, o
que aparecia eu vendia para ga-
rantirosustento”,conta.
Dos sete filhos ainda vivos,
apenas um permaneceu no Ma-
ranhão. Todos os outros vieram
aos poucos para o Distrito Fede-
ral. Genilson, que ficou na terra
natal, é caminhoneiro, e numa
das viagens deixou na casa de
Conceição o filho Gustavo, hoje
com 9 anos.“Garoto difícil de co-
mer que só vendo”, diz a avó, que
o cria com muito gosto. O filho
Erson, 52 anos, casou-se com Al-
derina,com qum teve as filhas
Taís, hoje com 25 anos, eTainara,
22. Mas Erson, por causa de um
acidente que quase lhe custou a
amputação de um braço, perdeu
os movimentos, a ponto de com-
prometer seu trabalho.
Taís e Tainara também têm
filhos. Heitor, 5 anos, e Taila, 3,
são de Taís; e a pequena Taiane,
de 11 meses, é o bebê deTainara,
que está grávida novamente.“Ela
é uma mãe para nós todos. Onde
ela está, a gente está junto”, diz
Alderina, referindo-se à sogra.
Como Erson perdeu o benefício
de invalidez, está sem renda e faz
apenas bicos para sobreviver,
Conceição ajuda na casa do filho,
paga as contas que precisa, faz
rancho quando falta a comida, e
ainda ajuda na criação e no sus-
tento de netas e bisnetos.“Foi ela
que me arrumou o emprego na
fábrica”, diz a nora.
Conceição é aposentada por
idade, ganha R$ 788 de pensão.
“Mas isso não dá. Eu não parei de
trabalharporquesempretiveque
ajudar a família. Eu nunca deixei
de vender minhas coisas. Hoje eu
faço dindim e açaí. Dá para ga-
nhar de R$ 30 a R$ 60 por dia ca-
minhando pela Estrutural”, afir-
ma. Além disso, ela trabalha na
Fábrica Social do Governo do
DistritoFederal, ondeaprimora o
ofício de costureira, aprende no-
vas técnicas e ganha até R$ 500,
dependendo da frequência, para
confeccionarcamisetasparaare-
de pública de ensino.
Dos 18 netos, a avó também
cria desde pequeno Mateus, hoje
com 17 anos.“Esse deu trabalho,
mas agora está lá no Buriti, no Jo-
vem Candango (programa de
aprendiz)”, conta, orgulhosa.
Com tantos filhos, ressalta Con-
ceição, sempre tem um, às vezes
dois ou três, precisando dela, ou
para criar netos ou necessitando
de uma ajuda financeira. Mas
quando dá para reunir todos em
algumadataespecial,afestaédas
boas. “Dá uma penca de gente.
Bisneto, eu já não consigo mais
contar. Tem nome que eu nem
lembro. Mas eu ajudo mesmo as-
sim.Éoquemefazfeliz.”
Umavidadedicadaaajudar
BRASIL REAL/ Aposentadas são arrimo de família, mas, com benefícios de apenas um salário mínimo, precisam encontrar
novas fontes de renda e seguir no mercado de trabalho para garantir o sustento de todos os dependentes
Rodrigo Nunes/Esp. CB/D.A. Press
Rodrigo Nunes/Esp. CB/D.A. Press
Aos73anos,ConceiçãoFerreiradaSilva(centro)aindaasseguraquenadafalteaos filhos,netosebisnetos
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R.7/136936; R.8/131503 e R.8/131508.
Perspectiva artística meramente ilustrativa
L A N Ç A M E N T O S - N O R O E S T E
Lutaeresistência
A cicatriz enorme no peito
não deixa dúvidas de que o cora-
ção de Francisca Lima de Jesus,
65anos,jásofreubastante.Parai-
bana de Catolé do Rocha, ela
chegouaBrasíliahámaisdequa-
tro décadas. Casada, teve quatro
filhos, mas o marido a deixou
muito cedo, com as crianças ain-
da pequenas. “Foi embora com
outra”, desconversa.
Doisfilhosseorganizaramese
sustentam. Mas Francisca ainda
é responsável pela caçula de 25
anos, Ana Lúcia, que faz faculda-
de e não trabalha.“Ela conseguiu
passar nessas escolas em que a
gente paga muito pouco. Acho
que são R$ 50. Está construindo o
futuro. Eu sustento com muito
gosto”, defende.
A idosa também precisou as-
sumir o primogênito, Lucrécio, e
os três netos que ele lhe deu.
“Coitado. Esse teve a mesma sor-
te que eu. A mulher se apaixo-
nou por outro e foi embora. Ele
caiu em depressão. Eu tenho que
ajudar ele a se reerguer. E a cui-
dar dos netos, o Ezequiel, a Ága-
ta e o Ismael”, diz.
Só com um salário mínimo de
pensão, renda comprometida
por empréstimos consignados
que fez em seu nome para aju-
dar os filhos, não sobra quase
nada para Francisca, que depen-
de de remédios. A saída foi vol-
tar ao mercado de trabalho. “Fi-
quei na fila esperando vaga”, as-
sinala. Hoje, trabalha na linha
de produção da fábrica social e
garante vales alimentação,
transporte e um salário mensal.
“Estou aprendendo um ofício. Se
Deus quiser, saio daqui emprega-
da. Já sei fazer camiseta”, afirma.
Aaposentadasempretevepro-
blemas de saúde.“Coração fraco,
sabe. Trabalhava, perdia o ar, as
forças iam embora, desmaiava. O
médico dava atestado. Eu guar-
dava em casa para seguir traba-
lhando. A gente não pode se dar
ao luxo de ficar de licença”, la-
menta. Há dois anos, o coração
falhou. Francisca teve duas para-
das cardíacas.“Mas fui bem rece-
bida no hospital, graças a Deus.
Eles me trataram. Entrei como
morta e saí melhor do que antes”,
diz ela, apontando a cicatriz. Ho-
je, ostenta um marca-passo e a
esperança de permanecer no
mercado de trabalho.
Francisca,assimcomoamaio-
riadosidosos,teráquevencervá-
rios obstáculos. Isso porque, na
avaliaçãodeMárciaTavares,mes-
tre e doutoranda em engenharia
de produção pela Universidade
FederaldoRiodeJaneiro(UFRJ),
ainda há preconceito em rela-
ção ao potencial produtivo de
uma pessoa com mais de 60
anos. “São comuns os casos em
que os idosos aceitam uma re-
muneração menor para com-
plementar a renda para susten-
tar até sua quarta geração. Eles
podem ser muito eficientes pela
experiência que possuem, e isso
é desconsiderado”, comenta.
Márcia ressalta que muitos
idosos não pouparam durante a
fase ativa e, após se aposentarem,
precisam se continuar trabalhan-
do para ter uma renda adequada.
“Tambémnãoestamospreparan-
do os mais novos para a velhice. A
expectativa de vida em 2060 será
de 85 anos e não sabemos quem
cuidará dessas pessoas. Não te-
mos mão de obra especializada
para isso, nem locais adequados
para cuidar dos mais velhos. Os
desafiossãoenormes”,afirma.
Desafioredobrado
Com um marido que sempre
cuidou de tudo, Francinete La-
cerda Gomes de Oliveira, 63
anos, se viu desamparada há
um ano, quando ele morreu.
Apesar de ter trabalhado a vida
inteira, como copeira e balco-
nista, teve que aprender a viver
com o salário mínimo da pen-
são e ainda ajudar a família.“Fi-
cou tudo na minha mão”, conta.
PiauiensedeTeresina,Franci-
nete chegou a Brasília em 1975.
Não conseguiu o lote na Ceilân-
dia,comoosirmãos,ehojemora
em Samambaia com Júlio, de 39
anos, um dos dois filhos.“Numa
casa simples, mas ajeitadinha”,
descreve.Júliodeudoisnetospa-
ra Francinete: Giulio, 10 anos, e
Lucas, 4.“O pequeno tem pro-
blemadedoença”,lamenta.
Separado da esposa, Júlio fi-
cou desempregado e precisa da
mãe. E os netos, da avó.“Eu aju-
do os pequenos. Eles precisam.
QuandooJúlioconsegue,elepa-
gaalgumacoisa.Meuoutrofilho
temmulherquetrabalhaeajuda
asustentaracasaeosoutrosdois
netos. Esses eu não preciso aju-
dar não”, conta. Para engrossar a
renda e conseguir alimentos pa-
ra a família, Francinete trabalha
nafeiraaosdomingos.“Seaven-
da é boa, eu ganho verduras e
legumes para toda a semana, e
umtroco”,conta.
Ainda assim, ela precisou
voltar ao mercado de trabalho.
Como várias idosas na mesma
situação, conseguiu uma vaga
na fábrica social, onde ganha
até R$ 550, mais os benefícios.
“Eu não falto nunca. Em março
do ano que vem, eu me formo.
Já estou costurando bonés”,
afirma. Francinete só reclama
do tempo que perde do traba-
lho até em casa. “Demora mais
de uma hora. Saio no frete até
Ceilândia e de lá tenho que pe-
gar outro ônibus para Samam-
baia. Mas não me atraso nunca.
Eu ainda quero fazer faculda-
de”, diz, de olho no futuro.
O trabalho realizado na Fá-
brica Social pela Subscretaria
de Integração das Ações Sociais
do Governo do Distrito Federal
atende centenas de pessoas ne-
cessitadas. O objetivo, além de
produzir o material utilizado
pelas redes públicas de saúde e
educação, como camisetas,
bandeiras,bonéselençóis,ége-
rar potencial de empregabilida-
de para os trabalhadores.
OsubsecretárioCélioSilvaex-
plicaqueodesafioétransformar
a fábrica em um centro de for-
maçãoeducacional,quepermita
o aprimoramento profissional.
“O pessoal fica quatro horas no
chãodefábricaeoutrasduasho-
ras em sala de aula, aprendendo
habilidades de gestão, com in-
clusãodigital”,pontua.
Os benefícios aos trabalha-
dores são pagos por produtivi-
dade, dependendo da assidui-
dade e do desempenho. “Em
média, a renda fica em R$ 550”,
comenta Silva. A primeira tur-
ma se forma no fim do ano e
296 pessoas terão garantia de
colocação no mercado traba-
lho, recebendo R$ 936 de rendi-
mentomensal,maisvalestrans-
porte e alimentação.
Com o coração
fraco, desmaiava
no emprego.
O médico dava
atestado, eu
guardava em
casa para seguir
trabalhando.
A gente não pode
se dar ao luxo de
ficar de licença”
Francisca Lima de Jesus,
costureira