1) O tribunal nega o recurso da agravante que buscava afastar a apreciação judicial com base em uma cláusula de arbitragem contratual.
2) A jurisdição é monopólio do Estado e não pode ser objeto de disposição contratual.
3) A arbitragem é válida quando acordada livremente pelas partes após o surgimento do litígio.
1. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
JCSJ - 1
Nº 70010662740
2004/CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUÍZO ARBITRAL. LEI
9.307/96. FACULDADE. INDISPONIBILIDADE E
INDECLINABILIDADE DA JURISDIÇÃO POR
CONVENÇÃO PARTICULAR. MONOPÓLIO ESTATAL
DA JUSTIÇA. INDISPONIBILIDADE DE DIREITOS E
GARANTIAS INDIVIDUAIS.
Não se discute, no caso dos autos, a
constitucionalidade da Lei n.º 9.307/96, pois esta é,
por força da jurisprudência do egrégio STF,
sabidamente constitucional. A questão, no caso
concreto, diz com a possibilidade de as partes
disporem/renunciarem, adrede e abstratamente, por
convenção contratual, de direitos e garantias
individuais, de matriz constitucional, o que agride a
consciência jurídica.
A jurisdição é monopólio do Estado e a arbitragem
tem lugar quando, já estabelecido o litígio, as partes
por ela optarem. A previsão contratual de privilégio
da arbitragem para a solução de impasses relativos a
contratos dependerá, sempre, da vontade livre das
partes nas condições acima mencionadas, dado o
caráter relativo e programático de tal disposição.
Inteligência do artigo 5º, inciso XXXV, da CF.
AGRAVO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.
AGRAVO DE INSTRUMENTO SEXTA CÂMARA CÍVEL
Nº 70010662740 COMARCA DE PORTO ALEGRE
AESCOM SUL LTDA AGRAVANTE
DARIO BRANDAO BESTETTI E AGRAVADO
OUTROS
DECISÃO MONOCRÁTICA
Vistos.
I – RELATÓRIO
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AESCOM SUL LTDA. agrava, tempestivamente, da decisão da
Juíza de Direito da 16ª Vara Cível desta Comarca que indeferiu o pedido de
extinção do feito por carência de ação, sob o argumento de que embora as
partes tenham acordado que os litígios seriam dirimidos pela Lei de Arbitragem,
não há óbice que o autor se socorra do Judiciário como opção ao acordado.
Aduz a recorrente que a solução de litígios através da arbitragem
não é uma faculdade, mas sim uma imposição, pois, do contrário, não haveria
motivo para sua criação.
Sustenta que foi estipulada entre as partes a utilização da
arbitragem para dirimir conflitos, e, agora, não pode o agravado intentar ação
judicial, contrariando o que foi acordado.
Postulou o provimento do agravo com a reforma da decisão
hostilizada.
Com preparo, vieram-me os autos conclusos.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Pretende a agravante afastar da apreciação do Poder Judiciário,
com o reconhecimento da carência de ação e conseqüente extinção do
processo sem julgamento mérito, da matéria posta nos autos da ação que lhe
movem os agravados, sob o argumento de que fora estabelecida a arbitragem
como forma de resolução dos litígios decorrentes das relações contratuais, não
podendo, essas questões, portanto, ser levadas ao exame do Poder Judiciário,
sob pena de estar violando o contrato, a Lei de Arbitragem e o Regulamento de
Arbitragem da CCI – art. 23-2 (pág. 386), que autoriza a intervenção do
Judiciário apenas nos casos de medidas cautelares ou provisórias pertinentes.
Sem razão a agravante.
O Juízo arbitral estabelecido pela Lei 9.307/96, especialmente no
art. 1º, prevê que as partes ‘poderão’, através da arbitragem, dirimir litígios
relativos a direitos patrimoniais, desde que disponíveis.
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A lei, importante lembrar, não aviltou, e nem poderia, o princípio
constitucional insculpido no artigo art. 5º, inc. XXXV da CF, dada a
proeminência hierárquica do diploma constitucional.
A questão, importante gizar, não está fulcrada, como pode
parecer, na constitucionalidade da Lei 9.307/96. Dessa ninguém duvida, o que,
aliás, vem demonstrado em aresto do egrégio STF juntado nestes autos pela
agravante.
A questão gravita em outra órbita: a da prévia eleição, por acordo
de vontades, da declinabilidade da jurisdição em futura, eventual e abstrata
lesão a direitos individuais das partes contratantes, em favor de solução
arbitrada, contratualmente estabelecida, como modo e forma de solução de
litígios decorrentes dos efeitos do contrato.
Com a devida vênia de posições contrárias, magnificamente
sustentadas por juristas de renome, não vejo respeito à Constituição
interpretação que submeta à disponibilidade das partes direitos e garantias
individuais constitucionalmente eleitos.
Não reputo, de fato, possível transacionar-se a jurisdição, menos
ainda mediante cláusula contratual, em sede de direito privado.
Tenho que a cláusula contratual que adrede e abstratamente
determina a submissão da resolução de litígios contratuais à arbitragem jamais
poderá ser interpretada como absoluta, senão como relativa e programática,
sob pena de ferir-se o princípio hierárquico e constitucional do monopólio
estatal da Jurisdição.
De outra partida, entendo indiscutivelmente válida a arbitragem
quando ambas as partes, de comum acordo, e já não mais no campo
hipotético/abstrato, a ela desejarem submeter-se para a resolução de conflitos
decorrentes de relações contratuais, por entenderem mais conveniente ou
oportuno, o que, desnecessário dizer, não é o caso dos autos.
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A propósito do tema, vale mencionar:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL. CONTRATO
DE COMPRA DE ESTOQUE. OBRIGAÇÃO `PORTABLE¿.
CONTRATO DE FORNECIMENTO. PRODUTO FORNECIDO
POR TERCEIRO, INDICADO PELA CONTRATADA. MERA
PROPOSTA DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS DE MANUFATURA. INDENIZAÇÕES INDEVIDAS
POR ALEGADO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. A
convenção de arbitragem, embora válida, constitui mera
faculdade outorgada pela Lei nº 9.307/96, não retirando da
parte contratante o direito de buscar, perante o Judiciário, a
tutela pretendida. Obrigatoriedade que afrontaria o disposto no
art. 5º, XXXV, da CF. Preliminar rejeitada. Descabe a
compradora indenizar a vendedora por alegado
descumprimento do contrato de compra de estoque se o perito
reconheceu a má qualidade dos trilhos objeto da contratação,
provenientes de terceiro, mas fornecidos a este pela própria
vendedora. Além do mais, prevista, no contrato, obrigação
¿portable¿, deveria a vendedora entregar os produtos na sede
da compradora, o que deixou de fazer. A autora não pode
exigir da ré o cumprimento de contrato firmado com outra
empresa, apesar de, com ela, ter mantido relação negocial. A
proposta de contrato obriga a proponente, mas desde que
tenha sido aceita antes da retratação. Situação em que a
autora não provou ter aceitado os termos propostos pela ré.
Aplicação dos arts. 1.080, 1.081, IV e 1.085, do CC de 1916.
Preliminar rejeitada, à unanimidade. Apelação provida, por
maioria. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70007909534, QUINTA
CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR:
LEO LIMA, JULGADO EM 28/10/2004).
APELAÇÃO CÍVEL. JUÍZO ARBITRAL. A CLÁUSULA
COMPROMISSÓRIA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO QUE
PREVÊ A ARBITRAGEM NÃO TEM O CONDÃO DE
AFASTAR A DEMANDA JUDICIAL, PENA DE FERIR ART. 5ª,
INC. XXXV, DA CF. Não pode é uma das partes pretender que
o Poder Judiciário obrigue o outro contratante ao Juízo Arbitral,
através do que se poderia entender como execução de
obrigação de fazer, qual seja, submissão ao Juízo Arbitral,
postulando, ainda, designação de árbitro pelo magistrado.
Sentença que indeferiu a inicial mantida por seus próprios
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fundamentos. APELO IMPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº
70005269360, DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: HELENA RUPPENTHAL
CUNHA, JULGADO EM 12/03/2003).
Agravo de Instrumento. Prestação de Contas. Legitimidade
dos herdeiros e sucessores de sócio de empresa para
postularem a prestação de contas de administrador. Ainda que
haja previsão no contrato social da empresa de que os
conflitos existentes entre as partes serão solvidos através de
juízo arbitral, possível o exame do litígio pelo Poder Judiciário.
Incidente de incompetência em razão do lugar suscitado em
contestação. Mera irregularidade. Precedentes da Corte.
Decisão monocrática. Recurso parcialmente provido.
(AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70009340274, SEXTA
CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR:
NEY WIEDEMANN NETO, JULGADO EM 02/08/2004).
Estou, então, que o agravo é manifestamente improcedente,
razão pela qual vai liminarmente desprovido.
Pelo exposto, NEGO SEGUIMENTO AO AGRAVO POR
MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE, com fulcro no art. 557, caput do CPC.
Dil. Legais.
Porto Alegre, 04 de fevereiro de 2005.
DR. JOSÉ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR,
Relator.
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