1. Revista de Psicanálise
Ano 2013
Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Psicanálise
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Belo Horizonte – MG
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2. Revista de Psicanálise
Ano 2013
PESQUISA REALIZADA PELA EQUIPE NEPP - NÚCLEO
DE ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICANÁLISE
EQUIPE:
Supervisão Geral: Prof. Sérgio Costa – Psicanalista
Clínico e Didata – Presidente do NEPP
3. Revista de Psicanálise
Ano 2013
POLÍTICA, TELEVISÃO,
RELIGIÃO E CRIMINALIDADE
Prof. Sérgio Costa
Estes são os meios de
que dispõe o capitalismo para
tomar o lugar que está
desocupado no ator social?
(vazio)
Quando falo deste lugar
desocupado e vazio, tenho que
pensar em duas ordens de
grandeza que sempre mexem
com o ser humano: espaço e
tempo. E o que mais chama a
minha atenção no trabalho
clínico é a ordem crescente da
inibição. Uma vez essas
energias retidas e represadas
no ego do sujeito, é criada a
angústia e essa angústia é
traduzida em sintomas.
No governo Fernando
Henrique muito se falou e
criticou o neoliberalismo,
movimento vivido por volta de
1665, com mais intensidade na
Inglaterra, e que fez com que a
Europa, em 200 anos mais ou
menos, tivesse um impulso
muito grande em todos os
setores, com uma diferença
que, na Alemanha, o
romantismo e o nacionalismo
fizeram com que o povo alemão
desse uma contribuição muito
grande ao teatro, filosofia e,
uma tremenda arrancada nas
pesquisas e desenvolvimento
do conhecimento psíquico
humano.
Anos depois, na França,
havia um movimento político
muito grande contra a igreja
católica, principalmente dos
representantes da área da
saúde mental. A política para
uma arquitetura da instauração
e implantação da patologia da
histeria. Os líderes deste
movimento Charcot e Gambett
inspiraram o jovem médico
Sigmund Freud, que em 1927,
escreveu o texto “Sintoma,
angústia, inibição”. A Europa
passava por grandes momentos
de angústia e inibição e tinha,
como sintoma, uma massa de
pessoas sofrendo de uma moral
sexual civilizada e como
resultante: “doenças mentais
modernas” (vol. IX).
Brasil: 2000
Um povo inibido, com
medo, tenso. Um verdadeiro
“mal-estar.
Nos anos 90, o Brasil
atinge o ápice muito forte de
dúvidas, por uma massa de
informações e um arco-íris de
possibilidades e desajustes na
política e na religião. Fernando
Collor de Melo, mexendo na
energia instintual de seu povo,
4. Revista de Psicanálise
Ano 2013
causou um grande desequilíbrio
gerando um desafeto,
confiscando o dinheiro dos
brasileiros. Foi punido o nosso
pai totêmico, por ter traído o
tabu de mexer naquilo que os
seus filhos mais esperavam que
ele controlasse. Daí o
aparecimento dos jovens cara-
pintadas, uma nova geração de
brasileiros...(totem e o tabu)
evidenciando assim, a punição
de sua transgressão.
A política Fernando
Henrique acalma o coração do
povo(...). Desperta de novo o
sabiá, o boitatá, o uirapuru.
Morre a andorinha. Conclui-se
assim, através desta metáfora,
a possibilidade de um equilíbrio
na ordem social. Movimentos
MST, CUT, PT, como urubus,
atacam e promovem um ritual
macabro de desestabilização do
psiquismo do nosso povo,
gerando medo e instabilidade.
Sexo, drogas, criminalidade,
com seus comandos
especializados e bem
preparados, tomando conta de
um país. Um Estado-mãe
omisso. A mídia jogando as
informações no ar, de uma
forma isolada e congelada, sem
uma abordagem sociológica e
sem uma seqüência dos
porquês dos fatos ocorridos,
nos deixando com calafrios de
medo das notícias.
Leva-me a pensar em uma
política de guerrilha para
desestabilizar a situação. Como
governar? Uma classe média
oprimida. E as religiões se
alastrando como erva daninha.
Analfabetos sendo ordenados
em massa, enquanto a igreja
católica assiste em estado de
estupor, as conseqüências dos
seus erros do passado, e o seu
declínio. Movimentos de
mulheres, mães, donas de casa,
profissionais, esposas..., na
busca da realização de seu
sexo (gozo), desejo inerente ao
ser humano. Brigas entre as
igrejas de todas as
denominações(...), e o que é
pior: em nome de Deus. “Irmão
só ajuda irmão”.
A TV, uma máquina forte,
interfere na nossa intimidade
tendo, na mídia, o marketing
influenciando e fabricando
“Feiticeiras e Tiazinhas”. Sexo...
princípio do prazer(...). O
Estado aumentando impostos,
taxas de telefonia, aumento de
combustíveis, falta emprego(...).
Uma política acabando com os
setores de saúde e educação.
Anarquia total entre duas forças
poderosas massacrando o ego
do povo brasileiro que está sem
norte. Igrejas de todas as
denominações disputando
adeptos. A religião se encontra
num enorme mercado pessoal.
5. Revista de Psicanálise
Ano 2013
Monique Evans, em
entrevista para uma revista, diz
que seu programa sobre sexo
(sacanagem pura) é abençoado
pelo Deus da sua igreja
evangélica. Cultos satânicos
nascendo; cultos à maconha em
festas de hotéis fazenda.
Política, narcotráfico. O
marketing do demônio para
vender Deus. Os bandidos na
mídia a toda hora dominando o
mundo, mesmo dentro de
presídios de segurança máxima,
tornando a criminalidade um
poder paralelo tão forte quanto
o Estado. As multinacionais
manipulando os preços dos
remédios, mesmo contra a
política de preços do governo. A
desestruturação da família, a
fomentação das doenças
mentais.
Hoje, poderia se dizer que
os profissionais da área da
saúde mental são meros
repetidores de Freud sobre o
mal estar na comunicação(...).
Mas venho alertar, que até a
própria psicanálise está em
crise. Uma teoria que resiste a
mais de cem anos, e que hoje é
disputada em tribunais por
aqueles que bebem em suas
águas e que também a
depreciam, até pela própria
linhagem de Sigmund Freud,
sua neta Sofia Freud, psicóloga,
a qual não poupou palavras
depreciativas contra o avô, no
seu artigo publicado na revista,
“Superinteressante”, em janeiro
de 2003.
O Brasil está vivendo qual
filosofia? Qual política?
Continua repetindo “Entradas e
Bandeiras, colônia de
exploração?”
Quem não virar
“irmãozinho”, não tem mais
chance no mercado de
trabalho?
Nós temos que ser a cara
do nosso país? Um povo sem
cultura, um povo analfabeto, um
povo sofrido? Um povo visto no
mundo todo como o povo do
“jeitinho”? Os esmoleiros?
Saltimbancos com os
movimentos radicais?
Até quando vamos viver a
lenda de marketing “Robin
Wood”?
Agora, a grande pergunta
especulativa feita por Machado
de Assis em 1881, em “O
Alienista”, que já vislumbrava o
futuro do Brasil: “A grande casa
verde?” A casa dos doidos(...)?
PODERÍAMOS PENSAR EM
UM MAL ESTAR NA
CIVILIZAÇÃO?
No meu modo de
entender, a agressividade vem
se alastrando no momento em
6. Revista de Psicanálise
Ano 2013
que o indivíduo, enquanto ator
social, não tem, bem definido, o
seu papel social qualificado. As
normas sociais não são
impostas de modo claro e
definido.
Com a perda dos rituais e
a maldição imposta pela
superação das normas do totem
pelo pai totêmico, os seus filhos
caem em desgraça (...) e se
tornam proscritos.
Até porque o estado de
bem-estar social, caracteriza-se
exatamente pela oferta de bens
e serviços destinados a proteger
o indivíduo, mesmo que
precariamente, de uma
dependência absoluta em
relação ao mercado e à
capacidade de provisão da
família, assegurando aos
cidadãos, graus distintos de
segurança e bem-estar nas
várias etapas do ciclo de vida.
O Brasil é vítima de suas
próprias relações psíquicas
burguesas e do tripé: líderes
religiosos, líderes políticos,
empresários; só estes levam
vantagem em tudo, não tendo
medidas para os seus desejos e
o não reconhecimento das suas
funções de pais totêmicos e, por
conseguinte, os seus atributos
para com os demais sujeitos do
cenário social.
RE-NASCIMENTO E RE-
CONHECIMENTO DO PAI:
QUAL PAI? PAI BIOLÓGICO
OU PAI SOCIAL?
Um novo nascimento para
a paternidade, um “re-
nascimento” do Pai? É
necessário.
Um reconhecimento de
suas funções e de seu papel,
reconhecimento sociológico
(objetivo, factual) e moral
(subjetivo, nutrido de gratidão)?
É recomendável.
Um reconhecimento
biológico (nos casos de crianças
abandonadas, adotadas, órfãs)?
É discutível e discutido.
Tocamos aqui a angústia
existencial crucial da condição
masculina: a incerteza da
paternidade. A mãe, radiosa
porque “realizada” assim que se
torna mãe, desconhece tal
angústia.
O laço paterno, parece-
me, jamais poderá ser, no plano
físico, tão carnal, tão intenso,
tão profundo quanto o laço
materno.
“Em nenhum momento, os
homens experimentaram a
sensação física de “gerar um
filho”, ainda que, certamente,
tenham ajudado a concebê-lo...
mas, no fundo, nem tiveram a
sensação de o “gerar” – exceto,
mais tarde, psicológica e
7. Revista de Psicanálise
Ano 2013
socialmente, enquanto pai
“social”.”
UMA REVOLTA PARA A
FUNÇÃO PAI
Que estranho
encaminhamento levou, além
das exigências do trabalho
científico e da objetividade
sociológica, uma ardente e
antiga militante da causa
feminista a tomar a defesa dos
homens, vítimas do “avanço”
dessa causa, desses múltiplos
pais condenados a viver uma
experiência cruel de solidão
moral, enquanto seus filhos são
tirados de sua afeição pela ação
conjungada das mães
emancipadas e dos juízes
impregnados de estereotipias
ultrapassadas?
Por um lado, certamente,
o destino infeliz desses pais
ejetados, desestabilizados,
desvalorizados, e os efeitos
nefastos de sua exclusão da
tríade parental sobre o
desenvolvimento dos filhos, e
por outro lado, o interesse das
próprias mulheres: “se vocês
não reintroduzirem os pais no
circuito, estarão contribuindo
para a pauperização acentuada
das mulheres, para a sua
solidão e vulnerabilidade
irreparáveis”.
Sem dúvida, os homens
não gostarão muito que seja
desvelada sua impotência, sua
derrota, o fim de suas ilusões.
Alguns se queixam de
estarem destronados. Suas
queixas não encontram eco na
mídia, pouco preocupada em
defender a antiga ordem.
Alguns, mais conscientes
e menos numerosos, tentam
organizar a resistência e criam
“centros para homens”, ou
“centros de crise para homens”,
sinal de que está chegando uma
nova consciência e, talvez, uma
revolta organizada contra os
excessos da liberação da
mulher. Liberação, aliás,
legítima.
Quanto aos outros
homens, a maioria, reagem
através da indiferença, da
incredulidade, da desconfiança.
Assim, para além da
revolta contra o pai e através de
uma possível revolta dos pais, o
renascimento do pai e o
reconhecimento dos pais, em
suas funções específicas,
deveriam aparecer como sendo
o “coroamento feliz da luta das
mulheres pela igualdade e a
garantia contra a solidão das
mães”.
Que a dor do
“desligamento” conjugal possa
dar lugar, pouco a pouco, ao
termo de um trabalho adulto de
8. Revista de Psicanálise
Ano 2013
luto, e graças a uma vontade
vital de renascimento, ao
sentimento de uma “nova
aliança” entre os amantes
desunidos, no interesse dos
pais excluídos, nos interesses
das mães abandonadas, mas,
acima de tudo, no real interesse
dos filhos “fragmentados”.
E que então a fórmula “tal
pai, tal filho”, tornando-se “tais
pais, tais filhos”, seja encarada
como a expressão de um
otimismo razoável, que pode
ser enxergada com mais
clarividência em DIREITO DE
FAMÍLIA.
DIREITO DE FAMÍLIA E
PSICANÁLISE
Texto Pesquisado e desenvolvido
pela equipe do Nepp
“Para a Psicanálise a
sexualidade é a ordem do
desejo. Pode o Direito legislar
sobre o desejo, ou será o
desejo que legisla sobre o
Direito? Afinal, se há uma
norma é porque a ela se
contrapõe um desejo. Os Dez
Mandamentos só foram criados
por existirem aqueles dez
desejos, ou ainda, “o Direito só
existe porque existe o torto”
(Giorgio Del Vecchio).
“Devido ao limite deste
trabalho, deter-me-ei a dizer de
algo que advém de uma práxis
como advogado na área do
Direito de Família e da
observação e escuta de mais de
quatorze anos de casais
separados e histórias de
constituição e desconstituição
de famílias. Assim, ao invés de
trazer as teorias, os
fundamentos de uma e de outra,
ou a interlocução possível,
falarei de sua aplicabilidade no
campo do Direito de Família”.
“O advogado familiarista
depara-se constantemente com
problemas que transcendem os
elementos meramente jurídicos.
Muitas vezes o conflito não é
somente dessa natureza,
embora aparente sê-lo. É
necessário perceber o texto e
contexto do conflito, a linha e a
entrelinha do litígio. Se
atentarmos para a mensagem
inconsciente, que nos chega
pelo discurso das demandas
que geram conflitos, poderemos
desenvolver melhor nossa
atuação como advogados.”
“Influenciado por grandes
mestres do Direito, como
Giorgio Del Vecchio, Kelsen,
Pierre Legendre, Caio Mário da
Silva Pereira, João Baptista
Villela, dentre outros, passei a
buscar no ato de advogar algo
que pudesse dar respostas mais
eficientes e eficazes para a
solução dos conflitos. Observei
9. Revista de Psicanálise
Ano 2013
que nas demandas objetivas e
concretas que me chegavam,
algumas coisas não eram ditas.
Não que eles não tivessem
consciência. Havia algo
inconsciente, não dito.”
“A Psicanálise remeteu-
me a elementos e a
instrumentos que ampliaram e
fizeram-me entender melhor o
objeto do meu trabalho: o
discurso do meu cliente,
Freudianamente, é escutar o
que está por detrás do discurso,
ou como Lacan, o que está
entre o dito e o por dizer”.
“Antes de pensar na
aplicabilidade do pensamento e
da técnica psicanalítica na vida
de um advogado familiarista, é
preciso retomar o conceito de
família”.
“Para o Direito, o conceito
de família esteve sempre ligado
a dois elementos fundamentais:
consangüinidade e casamento
formal e solene. Mas a
realidade nos tem dado outra
noção de família. Primeiro,
porque o elemento da
consangüinidade não é
fundamental para a sua
constituição, pois se fosse não
seria possível no Direito o
instituto de Adoção. A esse
respeito João Baptista Villela
muito bem já o demonstrou, em
seu trabalho publicado em
1979, sob o título A
Desbiologização da
Paternidade. Segundo, porque o
casamento não é mais a única
forma de constituição de família,
conforme diz o art. 226 da
Constituição Federal: pela união
estável (concubinato), pelos
pais e seus descendentes.”
“Mas a questão da família
vai além de sua positivação nos
ordenamentos jurídicos. Tanto é
que ela sempre existiu e
continuará existindo, desta ou
daquela forma, em qualquer
tempo ou espaço. O que muda
é apenas as formas de sua
constituição. Talvez, a partir do
momento em que os juristas e
julgadores entenderem a família
sob um conceito mais amplo, a
legislação que a regulamenta
não sofra tantas modificações,
como vêm ocorrendo nos
últimos tempos. As ordenações
sobre Direito de Família nunca
mudaram tanto em tão pouco
tempo. É preciso entendê-las
acima da história, já que é uma
instituição que atravessa o
tempo e espaço: é a célula
básica da sociedade e está aí
desde os primórdios.”
“Se buscarmos em outras
disciplinas o conceito de família,
veremos que ela se apresenta
também de variadas formas:
patriarcal ou matriarcal,
poligâmica ou monogâmica,
como grupo natural de
10. Revista de Psicanálise
Ano 2013
indivíduos unidos por uma dupla
relação biológica, que por um
lado, a geração dá os
componentes do grupo, e por
outro, as condições de o meio e
desenvolvimento dos mais
novos, mantendo este grupo,
enquanto os adultos garantem a
sua reprodução e manutenção.”
“Mas será mesmo a
família uma organização
natural? O que verdadeiramente
mantém e assegura a existência
da família? Será a lei jurídica
associada ao afeto e aos laços
de consangüinidade?”
“Para o psicanalista
francês Jacques Lacan, a
família não é natural, é cultural.
Por isso é que ela se apresenta
das mais variadas formas, de
acordo com as diferenças
culturais. Para ele, a família não
se constitui apenas de um
homem, uma mulher e filhos,
ainda que casados
solenemente. Ela é, antes de
tudo, uma estruturação
psíquica, onde cada um de seus
membros ocupa um lugar
definido. Lugar do pai, da mãe e
dos filhos sem, entretanto,
estarem necessariamente
ligados.”
“Tomando a idéia de
Lacan e de Villela, e atrevendo-
me a divergir dos conceitos
mais estáveis em Direito, posso
dizer que a família não é
natural. É cultural. Ela não se
constitui de um macho, de uma
fêmea e de filhos. Ela é uma
estruturação psíquica, onde
cada membro tem um lugar
definido. Para se ocupar o lugar
do pai, da mãe e do filho, não é
necessário laço biológico. Da
mesma forma, a mãe ou o pai
biológico podem ocupar este
lugar no momento em que
entregam o filho para ser
adotado, por exemplo. Pode ser
também que, não obstante os
laços formais e de
consangüinidade, o pai ou a
mãe não ocupem, por alguma
dificuldade interna, o lugar de
pai ou de mãe, tão necessário
(essencial) à nossa estruturação
psíquica e à nossa formação
como seres humanos e sujeitos.
Apenas para ilustrar, um canil,
com macho, fêmea e filhotes,
jamais constituirá uma família,
embora naturalmente unidos,
pois falta-lhes justamente a
passagem da natureza para a
cultura. Os cães podem até ter
uma “certa inteligência”
(escolher caminho mais curto
para chegar ao alimento, por
exemplo), mas são incapazes
de reconhecer o erro. Para isso
seria necessário o “simbólico”.
Esse passo para o simbólico, só
o homem deu, e é justamente
isto que nos diferencia dos
outros animais e que nos
11. Revista de Psicanálise
Ano 2013
permite constituir uma família,
ou melhor, compor uma
estruturação familiar.”
“É uma estrutura familiar,
que existe antes e acima do
Direito, que nos interessa
investigar. E é mesmo sobre ela
que o Direito vem, através dos
tempos, tentando legislar com o
intuito de ajudar a mantê-la para
que o indivíduo possa existir
como cidadão, pois sem essa
estrutura onde há lugar definido
para cada membro, o indivíduo
seria psicótico. É aí que se
estrutura o sujeito e
estabelecem-se as primeiras
leis psíquicas. Quando estas se
ausentam, faz-se necessária a
lei jurídica para sobrevivência
do próprio indivíduo e da
sociedade. Em outras palavras,
quando a estrutura familiar não
é capaz de se sustentar na
originalidade em que foi
constituída, a lei jurídica pode
vir em seu socorro.”
“Por mais que o Direito,
através de suas normas, tente
alcançar o justo e o equilíbrio
das relações familiais, há algo
que lhe escapa, algo não
normatizável, pois essas
relações são regidas também
pelo inconsciente. Freud, em
seu texto de 1915, O
Inconsciente, faz a indagação:
‘Como devemos chegar a um
conhecimento do inconsciente?
Certamente, não só o
conhecemos como algo
consciente, depois que ele
sofreu transformação ou
tradução para algo
consciente(...)’.
“Para ele, o inconsciente
se manifesta em atos que
poderíamos considerar os mais
banais: palavras, ditas
distraidamente, sem que
quiséssemos dizê-las, ou em
lugar de outras; esquecimentos;
lapsos; atos falhos e outros atos
que, trazidos à consciência,
denunciam algo do
inconsciente. Por exemplo,
esquecer o número do telefone
ou perder o endereço do
advogado; demorar a levar a
documentação necessária;
esquecer a consulta; dizer um
nome em lugar de outro, etc.”
“Mais tarde, Lacan veio
demonstrar e afirmar que ‘o
inconsciente é estruturado como
a linguagem’. Mas não há
espaço aqui, nos limites deste
trabalho, para tecer maiores
considerações e teorizações
sobre definições do
inconsciente. Interessa-nos
entender, ainda que grosso
modo, como ele funciona e qual
a sua influência no discurso de
nossos clientes. Nós
trabalhamos com o discurso,
com a linguagem. Daí
precisarmos nos escutar. Nós,
12. Revista de Psicanálise
Ano 2013
advogados de família, somos
também profissionais da escuta,
assim como os psicanalistas.”
“Se fizermos uma leitura
atenta de um processo de
separação litigiosa, por
exemplo, poderemos constatar
que toda a discórdia ali encobre
fatos. É uma relação de amor e
ódio mal resolvida, ou mal
começada, que aparece no
discurso objetivo, consciente,
através daquela manifestação.
Basta raciocinarmos que, em
geral, o motivo pelo qual se
litiga é sempre patrimonial,
material e, portanto, “objetivo”.
Sendo assim, bastaria às partes
raciocinarem fria e
objetivamente para
solucionarem o litígio. Isso
geralmente não acontece,
porque questões afetivas e de
outra ordem estão misturadas
àquilo que deveria ser objetivo e
prático. Um processo de
separação deveria ser visto sob
dois ângulos ou em duas partes:
uma objetiva e concreta e outra
afetiva. O nosso trabalho
deveria ser, então, pontuar essa
mistura, a confusão
estabelecida pelas partes.
Obviamente, isso não é tão
simples, pois as razões
apresentadas para litígio, na
recepção das partes, estão,
além de contaminadas pela
emoção, geralmente encobrindo
um outro discurso. O nosso
trabalho deveria ser desmontar
o discurso da aparência para
que surja o verdadeiro motivo
do litígio. Não é mesmo simples,
pois há interesses e toda uma
cultura jurídico-processual de
cultivo por trás do fato.”
“Neste sentido, a lei
8.408/92 veio fazer
intervenções. Estabeleceu que
as partes poderão requerer a
separação judicial pelo decurso
de prazo de um ano, ou seja,
não há mais que se falar em
culpa na separação sem
mencionar culpa. As pessoas
não precisarão mais revelar ao
Estado sua intimidade. Essa
conquista é uma grande
evolução, já que apresenta os
motivos justificadores de uma
separação. Segundo a
enumeração da lei, nem sempre
era viável, pois na maioria das
vezes, era impossível de se
provar. E na realidade, os
verdadeiros motivos de uma
separação não são aqueles
elencados pela lei. São na
verdade, motivos aparentes. Por
exemplo: se aparece uma
terceira pessoa em uma relação
conjugal, isto pode não ser a
verdadeira causa da separação,
mas a conseqüência de um
relacionamento que já deixara
espaço para isso e que
apresentava sinais de
13. Revista de Psicanálise
Ano 2013
deterioração. As agressões
físicas, da mesma forma, se
acontecem é porque algo já
está ruído, mas não constituem
propriamente a causa. Com
essa lei, vemos uma tendência
do Estado de afastar-se das
questões de foro mais íntimo,
ao estabelecer separação sem
culpa, que, aliás, é o que vêm
ocorrendo nos mais avançados
ordenamentos jurídicos.
Certamente já se percebeu que
os verdadeiros motivos de uma
separação não são aqueles
elencados pela lei, mas algo
mais remoto e mais profundo
entre os sujeitos.”
“É como dizer-se que,
embora o casamento não esteja
indo bem, ‘não vou me separar
por causa dos filhos’. Isto, além
de um preconceito em relação à
separação, é uma grande
mentira para si mesmo. Ora,
separar é muito difícil e só se
faz em último caso e às vezes
nem mesmo em último caso. É
difícil assumir o desejo de se
separar. Muitas vezes acaba-se
mantendo a aparência do
casamento. Estabelecem-se
relações extraconjugais,
paralelas, para suportar a
relação oficial. Ora, os filhos são
meras desculpas. É o discurso
consciente sobrepondo-se ao
desejo inconsciente. Numa
análise rápida da situação,
percebemos que os filhos
estarão melhores à medida que
os pais estiverem melhores:
juntos ou separados. O divórcio
pode ser sempre um mal
menor.”
“Uma outra observação
para nossa reflexão é a
incômoda situação de atuarmos
como advogados das duas
partes separantes. No que não
se possa sê-lo. Mas quando há
pendências a serem discutidas
com a ajuda do advogado,
ficamos sempre ensejando
fantasias, em ambos, de que
estamos inclinando mais para
um ou outro. Verdadeiro ou não
o fato de inclinar-se mais para
um lado, é muito mais cômodo
aos clientes entenderem que o
que não lhes agrada é o
advogado. Muda-se então de
profissional. Não é raro as
pessoas ficarem trocando de
advogado, sempre deslocando
a responsabilidade da não-
separação ou do litígio para os
profissionais. É muito mais fácil
achar que a culpa ou a
responsabilidade de não chegar
a um acordo é do advogado.
Enquanto isso, se mantém a
relação prazerosa da dor.”
“Como Freud observou, as
relações sociais mais íntimas
são justamente as que mais
estão sujeitas à eclosão de
conflitos. Amor e ódio, por
14. Revista de Psicanálise
Ano 2013
exemplo, nem sempre são
excludentes. Eles apenas se
polarizam. Nós amamos e
odiamos. Assim é a natureza
humana, assim são os vínculos
familiais. É certo que a família
hoje está diferente. A sua
transformação é a reivindicação
de ampliação do espaço de
liberdade das pessoas.”
“Como vimos, as relações
familiares são intricadas e
complexas, pois comportam
elementos objetivos (jurídicos e
normativos), afetivos e
inconscientes. Perceber as
sutilezas que as entremeiam é
transcender o elemento
meramente jurídico, para
resolver de maneira menos
traumática, mais rápida e
menos onerosa os problemas
que nessa área nos são
apresentados. Nós, advogados
familiaristas, precisamos ter
uma outra escuta, perceber
além do meramente jurídico,
para que possamos, como
profissionais, contribuir para a
melhoria das relações
humanas.”
Neste contexto temos que
observar a família e seus
comportamentos. Tomemos
alguns dados de época de
manifestações de programas de
TV que influenciaram a família:
15. Revista de Psicanálise
Ano 2013
“A regra eficiente é o pecado”
Anos 60
Nas alternativas do mundo moderno, qualquer forma de controle é ineficaz.
É curioso como as três instituições básicas: a sociedade familiar, empresa e
Estado caminham na direção de um pacto, passando a vigorar o conceito
cidadania.
Filhos, funcionários e cidadãos: os compromissos recíprocos passam a substituir a
visão primitiva.
16. Revista de Psicanálise
Ano 2013
“Sou do tempo que...”
Anos 70
Grávida não usa biquíni, hoje ela dita a moda.
O alarde em torno da mulher desquitada converteu-se hoje, em naturalidade total.
O discurso e as palavras sempre estão em avanço se comparados com as
atitudes reais.
17. Revista de Psicanálise
Ano 2013
“Uma família em transição”
Anos 80
Educar filhos sem os erros dos pais; mas não é fácil.
A frenqüência da família católica na igreja do bairro também escasseou.
A dificuldade da busca de valores.
19. Revista de Psicanálise
Ano 2013
“Por um pouco de trauma”
Anos 90
Agir de forma espontânea, falar, conversar e ter abertura.
Ressurgimento do tradicionalismo nas relações familiares.
Dúvidas e indecisão.
20. Revista de Psicanálise
Ano 2013
“Hans Kelsen (1881-
1973), apesar de inicialmente,
apontar em seus trabalhos a
distinção entre a teoria pura do
Direito e a especulação
psicossociológica, mais tarde
concebe a soberania do Estado
em termos da Psicanálise de
Freud, seu contemporâneo.
Pelo menos é o que registra em
seu texto, O Conceito de Estado
e Psicologia Social, onde a todo
instante faz referências aos
textos de Freud, especialmente
Totem e Tabu, Psicologia das
Massas e Análise do Ego.
Também em sua última obra,
Teoria Geral das Normas, em
que reformulou alguns
conceitos, traz uma importante
contribuição para a
aproximação Direito e
Psicanálise quando,
investigando sobre a origem das
leis, remete-nos a um
regressum infinitum, onde cada
norma é determinada por uma
norma superior, deparando-se
com fictio como origem, como a
primeira lei do Pai (non du
père). Não estariam Freud e
Kelsen falando de uma mesma
lei? A lei jurídica e a lei
‘psicanalítica’ não se
entrecruzam ou têm uma
mesma origem?”
Cito também o texto
Criminalidade por Sentimento
de Culpa (1915). Hoje está a
delinqüência, a cada dia mais
cedo, na realidade dos jovens.
O intercâmbio e as
misturas entre ficção e realidade
são constantes e têm limites,
muito ambíguos. Os programas
de televisão têm que ser
revistos no caráter ético,
filosófico e político,
principalmente nas telenovelas
para a pré-adolescência e
adolescência, que são
significativos.
A equipe do Nepp, após
ter levantado estas questões e
convidada por algumas escolas
de Belo Horizonte para ministrar
palestras para pais e mestres,
notou uma maciça presença de
jovens atentos e participativos
com perguntas sobre tais
fenômenos que estamos
vivendo.
Entrevistamos 180 jovens e
levantamos alguns problemas
de ordem social que estão
interferindo no psiquismo
humano. A partir daí forjamos
algumas questões que o Estado
não pode fugir em tentar
resolver. E a Psicanálise, com
seu cunho de movimento
político, através do Nepp, tenta
21. Revista de Psicanálise
Ano 2013
dar a sua contribuição com esta
pesquisa e a realização da
última jornada que abordou tais
questões.
23. Revista de Psicanálise
Ano 2013
PERFIL DA FAMÍLIA MINEIRA
MÃE
PAI
IRMÃS
IRMÃOS
AVÓS/AVÔS
48%
74%
66%
47%
34%
A PESSOA MAIS IMPORTANTE DA FAMÍLIA
24. Revista de Psicanálise
Ano 2013
PERFIL DA FAMÍLIA
MINEIRA
ASSUNTOS QUE CONVERSAM
COM OS PAIS
MÃE PAI
DINHEIRO NOTICIÁRIO VIZINHOS POLÍTICA MÚSICA NOVELA SEXODOENÇA RELIGIÃO FUTEBOL
26%
%
15%
28%
18%
29%
12%
24%
19%
29%
15%
21%
19%
11%
20%
16%
9%
27%
8%
14%
6%
25. Revista de Psicanálise
Ano 2013
PERFIL DOS FILHOS
VIDA EM COMUM
PÚBLICO PESQUISADO - 180 JOVENS
51% 49%
COMPANHIA
UNIÃO
30%
22%
48%
DISPUTAS ENTRE
IRMÃOS
BRIGAS
DESOBEDIÊNCIA
PROBLEMAS
FINACEIROS
VIVERIA SEM OS
FAMILIARES, MAS
SENTIRIA FALTA
NÃO VIVERIA
SEM ELES
VIVERIA SEM
SENTIR FALTA
DA FAMÍLIA
53%
24%
23%
26. Revista de Psicanálise
Ano 2013
53%
44%
06%
Viveria sem os familiares,
mas sentiria falta deles.
Não poderia viver sem eles.
Poderia viver sem sentir falta deles.
PERFIL DA FAMÍLIA MINEIRA / VIDA EM COMUM
65%
35%
VANTAGENS
Companhia União
52%
48%
BRIGAM
POR...
Desobediência
dos filhos
Bagunça
51% 50%
DESVANTAGENS
Problemas
Financeiros
Desobediência
75%
25%
FAZEM REFEIÇÕES
TV
Ligada
Conversando
27. Revista de Psicanálise
Ano 2013
A IMPORTÂNCIA DO PAI NA FAMÍLIA
MÃE FICA
DISPONÍVEL
40%
60%
NO EQUILÍBRIO DO
CONTROLE DA MÃE
SOBRE OS FILHOS
50%50%
MÃE FAZ FALTA
NO LAR
30%
70%
SEGURÂNÇA
FINANCEIRA
66%
34%
PORQUE BRIGAM
: DINHEIRO PARA
LAZER
40%
60%
IMPÕE RESPEITO NA
FAMÍLIA
80%
20%
FILHOS
FILHAS
28. Revista de Psicanálise
Ano 2013
O QUE É CONDENADO NO COMPORTAMENTO: MÃE/PAI
65%
35%
25%
15%
10%
TRAIR O PAI
BATER NA MÃE
NÃO DAR ATENÇÃO A
FAMÍLIA
NÃO SUSTENTAR A FAMÍLIA
SUSTENTAR OUTRA
FAMÍLIA
TRAIR A MÃE COM OUTRA
NÃO CUIDAR DA CASA
30. Revista de Psicanálise
Ano 2013
“A Psicanálise simplifica a vida.
Ela fornece o fio que conduz o homem
para fora do labirinto”.
Sigmund Freud
RESENHA DA JORNADA
NEPP
Prof. Sérgio Costa
O NEPP veio com a
seguinte proposta para essa
jornada:
“Chamar a atenção da
sociedade para o
inconsciente e suas
manifestações”.
Já há algum tempo,
nossa equipe vem
desenvolvendo uma pesquisa
sobre o inconsciente e suas
manifestações no sujeito
como ator social no seu meio.
A necessidade de
invadir um lugar proibido ou
sagrado, ou até mesmo visto
como um rompimento de um
rito, é interpretado
simbolicamente na semiótica
da Psicanálise, como forma
de neutralizar sentimentos de
inferioridade, e uma
capacidade de superar leis,
porque as leis não estariam
sendo cumpridas pelos seus
mandatários.
Mas a mídia que
transmite os absurdos em
horário nobre, levando os
adolescentes a verem
maciços fatos em forma
espetacular, sem sua
historicidade; manchetes de
jornais com chamadas em
recorte, congelando e
ignorando a complexidade do
crime cometido pelo sujeito
(...); os registros são feitos de
forma generalizada, sem
escala de valores.
Não há registros de
punição e retenção dos
impulsos nos mais jovens.
Todas as características
fisiológicas da idade são
somadas a um novo modelo
familiar, onde a figura da
autoridade paterna está
sendo ejetada dos lares,
criando-se um sentimento de
abandono e uma raiva muito
grande por se sentirem
rejeitados.
Freud, em seu trabalho
intitulado “Delinqüente por
Sentimento de Culpa” (1915),
comenta: “certos indivíduos
experimentam um vago e
torturante mal-estar – um
sentimento de culpa, cuja
causa ignoram e que só se
atenua desde que, pratiquem
um delito para que possam
ser punidos”.
31. Revista de Psicanálise
Ano 2013
Qual seria a origem
desse sentimento de culpa
que preexiste ao crime?
Freud adverte que está
no Complexo de Édipo, isto é,
nos impulsos parricidas e
incestuosos não devidamente
superados pelo sujeito.
A ação acusadora do
superego atormenta o
indivíduo. Então, para aliviar-
se, ele pratica o crime,
logrando com isso, obter o
duplo vínculo: o de
descarregar através de atos e
investidas de superação das
leis ditadas pelas normas
sociais suas pulsões edípicas
e, ao mesmo tempo, o de
atrair para si próprio, o
castigo reclamado pelo
superego.
Um paralelo que eu
gostaria de fazer, para poder
provar esta premissa, é
citando uma frase de Freud,
na qual ele adverte que as
crianças “são más” para
provocar o castigo, e que uma
vez alcançado isso, se
mostram tranqüilas e
contentes durante algum
tempo.
Constata-se, assim, que
a delinqüência juvenil estaria
dentro dos parâmetros dos
produtos neuróticos dos
conflitos edipianos (pulsão
inconsciente ao incesto, ao
parricídio), onde seu olho de
energia nascente teria uma
data cronológica para o seu
nascimento entre quatro e
sete anos de idade.
Poderíamos fazer um
paralelo, que com freqüência
a neurose substitui o delito e
vice-versa, e a diferença entre
um e outro, se encontra na
direção que toma a descarga
dos impulsos.
Partindo dos
fundamentos do inconsciente,
parece possível deduzir que:
1. A violência é derivada
dos impulsos do ID, por
ser anti-social,
fundamentado na lei de
que ele é amoral, não
permite derivação nem
repressão alguma, e
descarrega diretamente
sob forma de crime,
roubo, violação, etc;
2. De uma má formação
do SUPEREGO que,
coincidindo com um
EGO utilitário e
epicurista, dá lugar à
execução hipócrita e
dissimulada dos
mesmos atos delitivos;
32. Revista de Psicanálise
Ano 2013
3. A possibilidade da
hipertrofia do
SUPEREGO que cria no
EGO um sentimento de
culpabilidade, levando-o
à realização do delito
como meio autopunitivo
e expiatório de suas
tendências incestuosas
infantis;
4. O ideal de EGO, como
somatório, que averigua
a realidade propiciando
desconforto por não ter
tido parâmetros de
limites na infância,
coloca o sujeito em
cheque: “Quando vou
ser eu? Porque eu não
posso ser você? Só
você como ‘outro’ tem
competência para
tanto?”
Segundo Freud, o
sentimento de culpa já
existente no pré-consciente
leva o indivíduo a realizar o
delito, como resultado de
subtrair algo que ele mesmo
julga ser o “fatal destino”.
A consciência de culpa
pode resultar da reativação
do remorso, em virtude do
parricídio primitivo ou ainda,
da persistência e
impertinência, perseverantes
dos desejos incestuosos
inconscientes.
Em tal caso, o delito
representa para o sujeito a
sua libertação: quando
descarrega tais impulsos e
sofre os castigos impostos
pela lei, sua sensação é de
alívio.
Algo análogo acontece
nos delírios de auto-
acusação, e o portador de
patologia mental de grande
monta, pede aos gritos
castigo e tortura (...).
Nos delírios de
perseguição o SUPEREGO
se “exterioriza” e inflige à
consciência do EGO, o
castigo que sua
individualidade merece, por
sua perversidade pré-
consciente. Se às vezes o
perseguido se torna
perseguidor, comete o
homicídio contra um inocente.
Nós teríamos que
repensar sobre os valores
morais éticos, dos
mecanismos reguladores das
leis sobre os seus
governantes e sobre a mídia
sensacionalista. Assim
também, do “Homem-Deus”,
líder religioso que esquece as
suas funções de homem “com
Deus”, e se torna tirano e
agente adoecedor (...).
33. Revista de Psicanálise
Ano 2013
Cabe aqui, também, a
lembrança do artigo de Freud
datado de 1908, “Moral
Sexual Civilizada e Doença
Nervosa Moderna”:
“Nossa civilização repousa,
falando de modo geral, sobre
a supressão dos instintos.
Cada indivíduo tem que
renunciar uma parte dos seus
atributos a uma parcela do
seu sentimento de
onipotência ou ainda das
inclinações vingativas ou
agressivas de sua
personalidade”.
O vigor original e a
velocidade do instinto sexual
variam de indivíduo para
indivíduo. Assim também,
acontece com um quantum
dessa energia que vai e pode
ser equalizada pelo “ego”,
através do mecanismo de
defesa de sublimação.
Em os “Três Ensaios
para uma Teoria Sexual”
(1905), Freud trata de uma
questão capital para a
educação, ao mostrar que o
impulso sexual humano – a
pulsão sexual – pode ser
decomposto em funções
parciais.
Os programas de
televisão e os noticiários vêm
estimulando o imaginário do
sujeito, com grandes cargas
de estímulos desconexos e
seus filtros, mais a política da
desestruturação familiar.
Estes sujeitos se
tornam atores sociais, que
vestem os personagens que a
mídia vende, e não vêem na
justiça homens de alma
(psique) imaculada que
possam representá-la, para
lhe ditar as égides da lei.
Será que esta trama
não seria um alerta para a
sociedade, que está exalando
o mau cheiro da
deteriorização do pai totêmico
que já está morto?!
Em todos os poderes,
nós temos conhecimento
pela mídia, de corrupção e
conluios de seus mais altos
representantes. E é através
da investigação da clínica
psicopatológica que o
psicanalista trabalha e
enxerga os desvios,
perturbações e
anormalidades – “Como vaso
de cristal quebrado”, como diz
Freud em sua metáfora, onde
chama a atenção para uma
observação apurada no
formato especial de cada
pedaço da estrutura
característica do cristal inteiro
– os pedaços se quebram
obedecendo às linhas de
força determinadas pela
34. Revista de Psicanálise
Ano 2013
disposição singular, estrutural
das moléculas daquele vaso –
Freud quis nos dizer que
muito pode se saber sobre a
estrutura psíquica, caso se
estudem seus
“desequilíbrios”, suas
rupturas.
E é com essa proposta
que o NEPP se lança,
corajosamente nesta
pesquisa, para nos nortear
sobre as possíveis moléculas
e estruturas contaminadas
que estão quebrando tantos
vasos humanos...
E só aí talvez,
poderemos “juntar os nossos
cacos para construirmos o
nosso vitral” (Adélia Prado).
Glossário:
Epicurista: partidário
do epicurismo; materialista;
que busca o prazer.
35. Revista de Psicanálise
Ano 2013
ADOLESCÊNCIA,
SOCIEDADE CIVILIZADA E
VIOLÊNCIA
Valéria Maria Porto Trinchero
“Detrás de la mascara de uma
adolescência difícil, esta el rosto de
uma sociedade difícil, hostil y que
no desea compreender”
A. Aberastury
INTRODUÇÃO
A adolescência é um
processo que ocorre durante
o desenvolvimento evolutivo
do indivíduo, caracterizado
por uma revolução
biopsicossocial.No entanto,
até o final do século XIX, a
adolescência não era
reconhecida socialmente
pelos adultos como uma
etapa do ciclo vital. Antes
desta época, entendia-se que
o indivíduo passava
diretamente da infância à
idade adulta, sem transitar
por um estágio intermediário.
Assim, podemos entender
que a etapa denominada
adolescência vem
caracterizar-se como uma das
idades da vida a partir do
século XX.
No processo de
desenvolvimento a puberdade
é conceituada como a etapa
de modificações físicas que
levam à maturidade
reprodutiva, enquanto que a
adolescência é
fundamentalmente
psicossocial. São processos
que ocorrem
concomitantemente , porém
as velocidades de maturação
de cada setor são distintas e
individualizadas .
Apesar de o
conhecimento humano ter
evoluído em relação ao
desenvolvimento
biopsicossocial a essência do
comportamento persiste
graças a características
pulsionais inerentes à
espécie. Sigmund Freud,
criador da psicanálise, vem
sistematizar o que as
religiões, a mitologia e os
poetas tentavam explicitar :
as vicissitudes da alma
humana.
Através das guerras,
violência urbana ou a nível
familiar, percebemos os
impulsos agressivos de nossa
espécie. A cultura vigente
vem influenciar, dimensionar
e caracterizar estes impulsos.
Em nossa sociedade a
vulgarização do privativo, a
36. Revista de Psicanálise
Ano 2013
perda de referência entre o
individual e o coletivo, a
liberalização do
comportamento sexual e a
inesgotável violência urbana
flagrada diariamente pela
mídia fazem com que o
homem, de certa forma, não
difira, em sua essência
pulsional, de seus ancestrais.
A civilização, faz com
que haja adequações da
expressão da vida pulsional ,
através da tentativa de
equilíbrio entre a satisfação
instintual e as demandas do
superego como instância
reguladora parental e social.
Devemos, entretanto,
diferenciar os conceitos de
agressão e hostilidade. Este
último, provém do latim
hostis, que quer dizer inimigo.
A hostilidade carece da
ambigüidade implícita no
termo agressão, é sempre
destrutiva ou ao menos tem a
finalidade de destruição. É o
sentimento concomitante e
subjacente à violência .
Assim, podemos definir
violência como uma forca
motivadora, um impulso
consciente e inconsciente
dirigido a causar dano. A
violência não deve ser
considerada como algo que
herdamos e sobre o qual não
podemos fazer nada a
respeito. A hostilidade
excessiva pode ser
considerada uma patologia
transmissível de pessoa a
pessoa, grupo a grupo, e
basicamente no contato dos
pais com os filhos, de
geração a geração.
O infante humano
demanda grandes
quantidades de amor e
segurança e, através dos
cuidados adequados de sua
mãe, introjeta seus
sentimentos de satisfação. A
mãe limita a ansiedade num
primeiro momento de vida,
satisfazendo as necessidades
e contendo as angústias de
seu bebê.
Não poderemos, então,
separar afetos de limites.
Mães superprotetoras ou
negligentes acabam gerando
filhos intolerantes à
frustração, e pessoas
intolerantes à frustração
costumam tomar à força o
que querem; assim, a
violência substitui a satisfação
do desejo de interação
adequada, do cuidado com o
outro tão vital ao ser humano
no início de sua caminhada.
37. Revista de Psicanálise
Ano 2013
ADOLESCENTE E
VIOLÊNCIA
Para compreender o
adolescente violento temos
que situá-lo em seu momento
biopsicossocial. A
adolescência começa com
uma forma de “violência”
produzida pela natureza, que
são as transformações físicas
da puberdade; diz-se que o
adolescente é expectador e
não ator de seu processo de
crescimento. É também uma
fase de profundas mudanças
psicológicas, uma etapa de
incertezas, de construção de
identidade na qual deve se
desligar de sua situação
anterior infantil e, para tanto,
ataca buscando limites
externos que o contenham.
Em nossa sociedade os
adolescentes encontram uma
enorme gama de escolhas,
são livres para escolher entre
as mais variadas religiões,
deparam-se com diversos
códigos morais, encontram-se
frente a uma série de grupos
diferentes com crenças
diferentes e práticas diversas.
Outras vezes, por medo
antecipado do fracasso,
buscam como identidade uma
posição onde não haja o
perigo de fracassar, porque a
identidade já é a do próprio
fracasso (marginalidade,
violência, fracasso escolar,...)
Assim, a conduta
violenta pode ser considerada
como uma defesa ante
ameaças externas e internas,
numa fase de crise de
identidade, durante o
desenvolvimento dela
mesma.
CARACTERÍSTICAS
CLÍNICAS DO
ADOLESCENTE VIOLENTO
O adolescente violento
vê a si mesmo em um mundo
ameaçador, suas
experiências dolorosas
anteriores (negligência,
abuso, superprotecão) lhe
ensinaram que o ambiente é
hostil. A emoção fundamental
é a desconfiança. Seus
principais traços são baixa
auto estima, excessiva
desconfiança, tendência a
justificar a violência,
hipersensibilidade a
proximidade física,
“permissão” para ser violento
(perante padrões parentais),
baixa tolerância à frustração,
dentre outros.
38. Revista de Psicanálise
Ano 2013
Através de traços de
temperamento como a
impulsividade, a constante
busca de novas sensações, a
falta de controle sobre seus
impulsos e desejos, percebe
de forma equivocada as
condutas dos demais,
julgando como negativas suas
ações.
O ENVOLVIMENTO
FAMILIAR E SOCIAL
A infância e a
adolescência são períodos
críticos e vulneráveis do
desenvolvimento humano.
Fatores como a hostilidade,
os maus tratos físicos e
psíquicos, influem
negativamente também pelas
situações conflitivas e
depressivas que geram.
Dentre os elementos
“contemporâneos”, cogitados
como causa do aumento da
violência entre os
adolescentes, temos como
fator central o declínio da
figura do pai que vem sendo
subtraído por vários
elementos da atualidade. O
pai, atualmente ausente ou
extremamente desvalorizado,
já não representa a lei e deixa
vago o lugar de autoridade na
família, impossibilitando a
introjeção da “lei” pelos
adolescentes.
A mãe, como figura
ambivalente, passa do afeto à
indiferença, da rigidez moral à
cumplicidade, confundindo
seu papel materno com a
permissividade extrema para
angariar a simpatia e
“amizade” de seus filhos.
É nesta situação
caótica de desestrutura
familiar que vai ser construída
a identidade do adolescente
violento.
CONCLUSÃO
Ao transitar pela
adolescência para chegar ao
mundo adulto, o ser humano
se depara com um mundo
idealizado em regras e
normas sociais
freqüentemente diferentes
daquele em que vive. Tem
então que vivenciar suas
contradições, o que contribui
para incrementar os seus
conflitos, num processo que
por si só já é rico em
contradições.
39. Revista de Psicanálise
Ano 2013
Fatores como as
relações com o ambiente
familiar, a sociedade, os
vínculos precoces com o par
parental estão sendo cada
vez mais estudados, ficando
evidente sua participação nos
casos de condutas violentas
por parte destes
adolescentes.
Crianças rechaçadas
ou extremamente protegidas,
carregam ao longo de sua
trajetória de vida, um
sentimento de inferioridade
que vai ser uma fonte
inesgotável de ira e ódio.
Os pais, ao
incentivarem em seus filhos
uma certa capacidade
competitiva para que possam
atingir as metas impostas por
nossa sociedade, deveriam
notar a tênue linha entre
egoísmo e hostilidade; teriam
que perceber que o bem estar
de uma sociedade depende
de que seus membros
contribuam para tanto, porém,
nossos modelos atuais de
êxito se baseiam muito mais
na medida em que o sujeito é
capaz de extrair seu bem
estar da própria sociedade.
Bibliografia:
1) Aberastury,A. e Knobel,
M. : Adolescência
Normal, Porto Alegre,
Artes Médicas 1992
2) Áries,P. : História Social
da Criança e da Família,
Rio de Janeiro,
Guanabara Koogan S.
A., 1981
3) Freud, S. : O Mal Estar
na Civilização
4) Freud, S. : Totem e
Tabu
5) Levisky, D. L. :
Adolescência Reflexões
Psicanalíticas, São
Paulo, Casa do
Psicólogo ,2001
6) Ruiz,C. A. A. e Marcos,
F. E. , Aspectos
Psicológicos de la
Violência en la
Adolescência, Estúdios
de Juventud N 62/03