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18
UNIVERSIDADE FLUMINENSE - UFF
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
UMA MESTRA DA PALAVRA:
Ética, memória, poética e (com)paixão
na obra de Célia Linhares
por
ADRIANNE OGÊDA GUEDES
RIO DE JANEIRO
2008
19
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
UMA MESTRA DA PALAVRA:
Ética, memória, poética ou (com)paixão
na obra de Célia Linhares
por
ADRIANNE OGÊDA GUEDES
Tese apresentada como exigência parcial para
a obtenção do grau de Doutora em Educação
da Universidade Federal Fluminense, sob a
orientação da Profª Drª Iduina Mont’Alverne
Chaves.
RIO DE JANEIRO
2008
20
FOLHA DE APROVAÇÃO
Adrianne Ogêda Guedes
UMA MESTRA DA PALAVRA:
Ética, memória, poética ou (com)paixão
na obra de Célia Linhares
Rio de Janeiro, 17 de abril de 2008.
Aprovada por:
_________________________________
Iduina Mont’Alverne Chaves (UFF- Presidente)
_______________________________________
Maria Cecília Sanchez Teixeira (USP)
_______________________________________
Denice Bárbara Catani (USP)
_______________________________________
Valdelúcia Alves da Costa (UFF)
________________________________________
Waldeck Carneiro da Silva (UFF)
21
Para minha mãe Eny, e Moacyr e Aguiléa Ogêda, meus avós maternos, (in
memorian), raízes.
22
Agradeço,
A todos os depoentes que colaboraram fundamentalmente com esse trabalho: Ana
Heckert, Andréia Reis, Balina Belo, Bruna Molissani, Clarice Nunes, Dagmar Canella,
Dorothy Pritchard, Eliana Yunes, Estela Scheivar, Heloisa de Oliveira Santos Villela, Inês
Bragança, Isabel Reis, Jésus de Alvarenga Bastos, Raimundo Palhano, Lúcia Fidalgo, Luís
Sangenis, Maria de Jesus Gaspar Leite, Mônica Sally, Mônica Corbucci, Ney Luiz Teixeira de
Almeida, Patrícia Porto, Ramofly Bicalho dos Santos, Rosane Marendino, Tereza Calomeni,
Rose Clair Matela, Thereza Pflueger, Valdelúcia Alves da Costa e Waldeck Carneiro da
Silva,
As bolsistas Juliana Pessanha e Verônica Costa, pelos compartilhamentos no vasculhar de
uma estrada comum a nossos interesses,
A UFF pela bolsa CAPES que viabilizou essa pesquisa,
A Isabela da secretaria do programa de doutorado da UFF, sempre solícita e atenciosa,
A Selene Beviláqua Chaves Afonso, que com sua escuta sensível, arguta e atenta tem me
ajudado nas travessias,
Aos colegas que fazem parte do grupo de orientandos da professora Iduina Chaves: Bruna
Molissani, Eduardo Menezes, Jacyana Guaraná, Patrícia Porto e Tânia Ninhary que foram
parceiros muito importantes ao longo de meu doutorado, escutando as idéias quando elas
ainda estavam nascendo,
A José Linhares que com sua simpatia, boa vontade e erudição, me ajudou na pesquisa
histórica desta tese,
A Iduina Mont’Alverne Chaves, por tudo e muito mais. Pela parceria atenta e entusiasmada
com que me brindou ao longo desse trabalho, fazendo dessa caminhada, uma experiência
nada solitária,
A Gabriela Paschoal e Luang Dachar, que com sensibilidade e criatividade deram seus
toques de arte a esse trabalho,
E por fim, a própria Célia Linhares, que se mostrou sempre disponível as minhas muitas
solicitações, abrindo sua casa e sua vida com singular receptividade e afetuosidade.
A Daniela, presença sempre amiga, com quem troquei impressões, sentimentos e dúvidas
nesses quatro anos e que sempre tinha uma palavra cúmplice e bem vinda,
A Maria José, pelo apoio e cuidado tão necessário nesses tempos corridos,
A querida Márcia Ahrends que me ajudou a “colocar” o corpo no lugar pós tese,
A minha família, Glauco, Miatã e Isabella por fazerem parte da minha vida e estarem por
perto, fazendo tudo ter um sentido muito maior,
Aos meus sogros Maria e Kleber, com quem sempre pude contar,
Ao Glauco muito especialmente, pelo carinho com que me acolheu nos momentos mais
difíceis e nos de partilha da alegria de criar. Também pelos jogos de frescobol que me
ajudavam muitas vezes a me preocupar apenas em acertar a bola.
23
SUMÁRIO
Resumo
Abstract
Introdução
Capítulo 1: Década de 60, os Inícios
1.1 - Movimento popular e políticas públicas: tensões e conquistas dos anos 60.
1.1.1 Movimento estudantil e organização dos empresários: o arrefecimento da
Pedagogia Nova.
1.1.2 A reforma universitária no final da década
1.2 Entre o dia e a noite: Incertezas e confianças
1. 3 – Trilhas do pensamento pedagógico que se construía... 87
1.4 A voz dos parceiros: Dorothy Pritchard, Memórias de uma rádio-educadora.
1.5 O levedo está fermentando: marcando a trilha para continuar a caminhada.
Capítulo 2: Década de 70, medos e ousadias.
2.1 “Segurança e desenvolvimento(?!)”: a desnacionalização do Brasil 112
2.2 De mala e cuia: Chegada ao Rio de Janeiro
2.3 Uma passagem tenebrosa: ausência sempre presente. 131
2.4 Trilhas do pensamento pedagógico ... 137
2.4.1 artigo: “O poder das expectativas e o self” (1972) 142
2.4.2 Introdução à ontologia da criatividade (ensaio de filosofia educacional sob a
metodologia fenomenológica) – Tese de Livre docência. 1974 145
2.4.3 Ambigüidade, androgenia e crise – 1974.
24
2.4.4 Mestrado em Educação na Universidade Federal Fluminense: docência e
pesquisa em perspectiva. 1978 156
2.5.1 A voz dos parceiros: Balina Belo, memórias de uma professora de didática.
2.5.2 A voz dos parceiros: Jésus de Alvarenga Bastos,de aluno à colega, memórias de
muitas parcerias. 175
2.6 Pedra e semente: A Saga do herói, aventura de estar vivo. 190
Capítulo 3: Década de 80: Firmeza e esperança
196
3.1 Abertura política: O povo volta às ruas.
3.2 Mais firme na trilha. 204
3.3 Trilhas do pensamento pedagógico ... 213
3.3.1 Pensamento utópico e fantasias da educação na América Latina 216
3.3.2 A atuação da escola na fermentação da crise Malvinas/ Falklands (1982)
219
3.3.3 A educação e suas relações com as Identidades Culturais na América Latina
(1983). 221
3.3.4 La identidad cultural y el processo de educacion en la América Latina – tesis de
Doctorado em Ciências de la Educación, Universidad Nacional de Buenos Aires (1983).
3.3.5 A Interdisciplinaridade na Psicopedagogia (1986). 22
3.3.6 Os protagonistas da Pedagogia Escolar: Suas convergências e divergências
(1987)
3.3.7 A escola e seus profissionais: tradições e contradições (1988) 227
3.4 A voz dos parceiros: Heloisa de Oliveira Santos Villela, aprendendo a viver com
Célia, memórias de um encontro de fortalecimento e confiança 236
3.4 A voz dos parceiros: Waldeck memórias de um homem político 255
3.5 Mestra-mãe
Capítulo 4: de 90 aos dias atuais: início de um novo século, novos tempos?!
4.1 Novas idéias, velhas raízes.
4.2 Novos rumos, novos ares: tempo de recomeços.
4 . 3 Parte I: Trilhas do pensamento, anos 90.
25
4.3.1 A Crise do Político na Educação: a imposição da estratégia como
espaço de servidão versus a emancipação de sujeitos históricos na construção
ética. Tese para Concurso de Professor Titular de Política Educacional (1993)
292
4.3.2 Tecnologias inteligentes x juventude desempregada: desafios da história. (1995)
4.3.3 Sujeitos Históricos: seus lugares na Escola e na Formação de Professores. (1996)
4.3.4 Direito ao saber com sabor: supervisão e formação de professores na escola
pública. (1997) 301
4.3.5 Terremotos na pedagogia: perspectivas da formação de professores. 303
4.3.6 Escola Balaia – Um convite ao Debate para a Reinvenção de Caxias. (1999)
4.3.7 O Pensamento Pedagógico crítico no Brasil: A presença de Paulo Freire. (1997)
4.3.8 Medos e Violências nas Escolas: E a educação com isso? (1999) 321
4.3.9 Los lugares de cambio de los sujetos pedagógicos. 1998 321
4.4 Voz dos parceiros PARTE I: anos 90.
4.4.1 A voz dos parceiros: Clarice Nunes, uma parceria de confiança. 323
4.4.2 A voz dos parceiros: Valdelúcia, memórias de vôos em parceria: 329
4.4.3 A voz dos parceiros: Inês Bragança, memórias do convite para um piquenique-
pedagógico
4. 5. Parte II: Trilhas do pensamento, anos 2000.
4.5.1 Pesquisas Educacionais podem romper com Profecias de Nascimento?
Memórias e Projetos do Magistério no Brasil. (2001)
4.5.2 De uma cultura de paz e justiça social: movimentos instituintes em escolas
públicas como processos de formação docente.
4.5.3 Liberdade: uma busca nossa de cada dia. (2003). 350
4.5.4. Memórias e narrações como leitura e releitura do mundo em Paulo Freire.
(2003)
4.5.5 Órfãos de guerra? A educação nos labirintos de tempos e espaços
contemporâneos. (2003).
4.5.6 Formação continuada de professores: como? Para quê? Para quem? (2004).
4.5.7 Movimentos instituintes na educação pública.
4. 6. Parte II: A Voz dos Parceiros, anos 2000. 461
4.6.1 A voz dos parceiros, anos 2000: Maria de Jesus Gaspar Leite, Sonhando com um
futuro para a escola: de mãos dadas com Célia.
26
4.6.2 A voz dos parceiros: Ney Luiz, lembranças de um encontro que trouxe
mudanças.
4.6.3 A voz dos parceiros: Ramofly.
4.7 Outras vozes: depoimentos.
4.8 Tempo de tecelagem
FECHAMENTO/ ABERTURA: Uma mestra da palavra: ética, memória,
poética e com-paixão OU (com)paixão na obra de Célia Linhares.
Referências bibliográficas
27
RESUMO
IDENTIFICAÇÃO:
GUEDES, Adrianne Ogêda: Uma mestra da palavra: Ética, memória, poética e
(com)paixão na obra de Célia Linhares. Orientadora: Iduina Mont’Alverne Braun
Chaves. UFF, Niterói-RJ, 1704/2008. Tese (Doutorado em Educação), 405 páginas.
Campos de confluência: Políticas Públicas, Movimentos Instituintes e Educação.
Linha de pesquisa: Formação de Profissionais da Educação. Projeto de pesquisa:
Política de formação de professores: a cultura das licenciaturas na UFF.
Este trabalho situa-se no âmbito das pesquisas narrativas, focalizando as experiências
dos sujeitos, na interface com o estudo dos contextos mais amplos em que transcorrem.
Buscou-se compreender as marcas significativas do pensamento educacional/pedagógico da
educadora maranhense Célia Linhares, cuja trajetória profissional teve como lócus principal a
Universidade Federal Fluminense no período que vai de 1970 a 2000. A tese estuda a sua
produção escrita com vistas a: apreender as idéias força, a forma como elas foram se
construindo e se constituindo ao longo do tempo, a presença das questões que circulavam nos
diferentes tempos históricos vividos por ela e a potencialidade de seu estilo de escrita. A
escolha da obra/vida desta professora, se deu em virtude da significativa contribuição à
educação brasileira, sobretudo no campo das políticas públicas para formação de professores,
tema ligado ao campo de confluência Políticas Públicas, Movimentos Instituintes e Educação,
do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense. Outro
critério importante para este estudo foi a expressiva obra da referida professora, que nos
permitiu articular seus textos, à sua história profissional e à sua pratica pedagógica. Os
estudos da complexidade, que têm como patrono Edgar Morin, permeiam o método, as
análises e as reflexões tecidas ao longo dessa tese. Entrevistas foram realizadas com a
professora Célia Linhares e com pessoas com as quais trabalhou e conviveu em diferentes
épocas de sua vida. Além disto, foi feito o estudo do pensamento pedagógico brasileiro desde
a década de 60 e das relações entre a educação, o contexto mais amplo brasileiro e a inserção
política e pedagógica da professora Célia Linhares, buscando evocar as interdependências
entre educação, política, economia e demais aspectos do nosso contexto sócio-político e
cultural. Este trabalho nos leva a concluir que a obra dessa educadora ressalta a necessidade
de agirmos contra a barbárie, convocando a educação a constituir-se como promotora da
solidariedade, do sentimento de pertença no exercício da escuta e do diálogo, no acolhimento
e no estabelecimento de relações pautadas pelo amor e pelo afeto. Os princípios da
emancipação pela autonomia dos sujeitos, da dignidade e da cidadania como aprendizagem
escolar são nucleares no ideário pedagógico da professora Célia Linhares Mestra do Amor,
que se deixa contaminar pela verdade do outro, não impondo a sua própria.
Palavras-chave: Formação de professores, História da Educação e Pesquisa
Narrativa.
28
ABSTRACT
This work lies in the scope of searches narratives, focusing on the experiences of
the subject, at the interface with the study of broader contexts in which they
occur. Thus, it was possible to understand through trajectories, methods and
processes of life, involving personal choice, experiences and strategies of the
teachers and students face the tensions of a time that never ceases to change. In
summary, this study searches to understand the marks of thought significant
educational/teaching of the professor Célia Linhares, especially through the study
of their written production with a view to: seize the ‘ideas strength’, the way they
were building and forming over time, the apresentation of the issues that
circulated in different historical times lived by her and singularity of her style of
writing. The choice of the work/life of this teacher, happened because of the
significant contribution to the Brazilian education, especially in the field of public
policy for training of teachers, a theme linked to the research group called ‘Public
Policies, Movements Instituints and Education, linked to the Post Graduate
Program in Education of the Universidade Federal Fluminense. Another important
criterion for this study was the expressive writing works of the teacher in study,
which allowed the thorough knowledge of their texts, its history and its
professional pedagogical practice. The studies of the complexity, by Edgar Morin,
permeate the method, analysis and reflections woven throughout this thesis.
Interviews were conducted with with the professor Célia and with many of her
peers, people with whom she worked and lived at different times of her was made
a study of of the brazilian pedagogical thought since the decade of 60 and the
relationships between education, the broader context of Brazil and the insertion
of professor Celia Linhares in this movement of interdependence between
education, politics, economy and other aspects of our the socio-political and
cultural context. Her work emphasizes the need to act against barbarism, calling
education to constitute itself as a promoter of solidarity, a sense of belonging to
students, in the exercise of listening and dialogue and in the admission and the
establishment of relations guided by love and affection. The principles of
emancipation through autonomy of the subjects, dignity and citizenship as school
learning are core ideas in the teaching of professor Célia Linhares, Master of Love,
which makes contaminate the truth of the other, not imposing her own.
29
INTRODUÇÃO
“Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de
partida”.
(Eduardo Galeano in As Palavras Andantes, 1994)
“Não se pode pensar sem alicerces. Que é o imbecil, senão aquele que
não dispõe da segurança proporcionada por um sólido cajado?”
(Michel Mafessoli, 2004)
“(...) É que a sociedade está voltada para o consumo. Não nos foi
possível descobrir e vivenciar, com intensidade, que todo real é uma
fantasia que ganhou corpo. Só pela fantasia acrescentamos. Somos
sempre levados a acreditar que a fantasia é um exercício menor.
Parece-me que estamos mais preocupados com a qualidade dos preços
do que com a qualidade dos valores. Por muito tempo fomos
induzidos à crença de que consumir é mais prazeroso que criar”.
(Bartolomeu Campos de Queirós – Jornal da Unicamp, nº293 – 27 de
junho a 7 de julho de 2000)
Alicerces. Introduzir um trabalho é, de certo modo, além de apresentá-lo, explicitar
sobre quais alicerces me sustento/sustentei para construir essa tese. Mostrar o “cajado” que
me acompanha no qual me apoio na aventura de escrever e me inscrever. É o momento de
expor mais um pouco – pois que o corpo da tese já o faz, e muito – a pesquisadora que sou
(ou que vou sendo): que questões me mobilizam e encorajam, como compreendo a ciência,
quais são as referências teóricas e metodológicas que me orientam e animam. Na esperança
que essa introdução não seja apenas um desfile protocolar de teorias com vistas a cumprir a
exigência formal de um trabalho acadêmico, prefiro pensar que vou contar uma história. A
história dessa tese e da experiência de autoria que vivi. A história de meus alicerces.
Eu sempre gostei de histórias. Sou filha de uma professora-atriz, Eny Ribeiro, que
abandonou o teatro em função de, entre outras questões, a não aceitação de sua família. Moça
de família simples e conservadora que via com olhos desconfiados o mundo do teatro, “não
era coisa de uma mulher decente”, pensavam. Eny então enterrou fotos, recortes de jornal e
lembranças no fundo dos armários escuros de seu closet. Os figurinos das muitas peças de que
participou, colocou dentro de um enorme baú de madeira e deixou-o dentro de um outro
armário escuro, o do meu quarto. Eu lembro de que eram escuros os armários, como me
pareciam escuras as memórias daquele sonho do teatro que me encantava tanto. A mim me
interessava desenterrar esses sonhos. Pouco se falava sobre esse tempo do teatro, pouco se
30
falava de passagens do passado (ou pelo menos, das que eu gostaria de conhecer mais). Mas
havia brechas, em que escapavam cores no meio do breu. Uma delas, quando o baú se abria e
eu mergulhava dentro dele, com minha amiga de toda a vida, Verônica Gerchman, recriando
incontáveis mundos. Outra, quando minha mãe deixava sua veia teatral escoar nas histórias
que contava e nos trabalhos que desenvolveu como diretora de escolas públicas. Eram peças
de fantoches, festas culturais, danças, um mundo de eventos com os jovens dos subúrbios
cariocas. Eu assistia e participava de tudo aquilo, acompanhando o caminho que a arte
ocupava agora na vida de minha mãe. Uma professora-atriz, uma atriz-professora. A mim
interessa revirar baús e closets, pescando sonhos. E o fazia.
Nas histórias dramatizadas no meu quarto com Verônica, envoltas nas fantasias – as
vestidas e as criadas – mesmo sendo ainda uma criança, já conseguia perceber a força e
potência de saúde que advinham da criação. Verônica morava com sua mãe e pouco convivia
com o pai. Em nossas brincadeiras, na grande maioria das vezes, era ela quem encarnava os
personagens masculinos. Lembro que reconheci um dia, pela primeira vez, as conexões entre
o que vivíamos fora daquele quarto e nossos jogos dramáticos e narrativos. Certo dia,
encantada após ter andado no novo carro esporte de seu pai, após um dos raros fins de semana
passados com ele, Verônica se sentou na cama anunciando: “Esse é o meu novo carro
esporte! Vamos passear!”. Sua expressão era de contentamento. Naquele espaço da fantasia,
da história inventada, elaborávamos desejos, sonhos, faltas e o nosso próprio crescimento.
Brincamos assim durante muitos e muitos anos. Até o momento em que nossos sonhos não
couberam mais naquele quarto e naquele baú.
De meus tempos de menina, me lembro também de prestar muita atenção nas pessoas.
No jeito que falavam, como caminhavam, suas histórias e idiossincrasias. Eu poderia passar
muito tempo as observando e notava detalhes. Diante do espelho, era comum também, com
maquiagens, perucas e fantasias, encarnar muitos personagens diferentes. Brincava com
sotaques e expressões, inventava histórias, me transformando em gentes diferentes, vivendo
outras vidas. Ainda o faço em casa, não mais para o espelho mas para divertimento de minha
família.
31
Na adolescência e nos tempos de universidade, me deliciava com a leitura dos textos
biográficos, autobiográficos e mesmo dos romances que traziam histórias de vidas e
trajetórias. “Devorava” autobiografias e biografias. Histórias como as de “O Diário de Anne
Frank1”, “Christiane F.2”, “Feliz Ano Velho3” de Marcelo Rubens Paiva, “Com licença eu
vou à luta4” de Eliane Maciel, Mahatma Gandhi5, Charles Chaplin6, Isadora Duncan7, Liv
Ulman8, “Olga9” de Fernando Morais, são algumas que sem esforço me vêm à lembrança e
que povoaram meu universo.
Posso lembrar detalhes que me marcaram em cada um desses livros. De Christiane F.
lembro da perplexidade em conhecer a trajetória de alguém que, com apenas 13 anos, vivia
num submundo assustador e que conseguiu, de alguma forma, sair dele. Tão distante dos 13
anos que vivi. De Eliane Maciel, tocava-me sua coragem de enfrentar uma família
conservadora em que se sentia oprimida e fazer escolhas dissonantes, para minhas crises com
as autoridades, típicas de adolescente, Eliane era uma cúmplice. De Mahatma Gandhi a
admiração por sua tenacidade em empreender uma luta pacífica. Com Charles Chaplin
surpreendi-me ao conhecer aspectos de sua origem, da mãe com problemas mentais, da
extrema pobreza, da capacidade de se recriar em meio a tanta miséria. Com Isadora Duncan a
liberdade de ser mulher, vivendo e fazendo escolhas, num tempo em que o destino das
mulheres era traçado com linhas duras e inflexíveis. De sua dança-livre – uma de minhas
paixões –, de pés descalços, vestimentas leves, explorando novas possibilidades de
movimento. Mobilizava-me as experiências daqueles personagens reais, seus sofrimentos,
encruzilhadas, abismos, esperanças, valores, amores. Através da leitura e, em particular, da
leitura de textos literários, “a partir do mundo transfigurado em arte”, que é a obra literária,
ia compreendendo melhor o mundo em que vivemos, o outro e a mim mesma (Ando, 2006).
1 Editora Record, 1990.
2 “Eu Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída” de Kai Hermann e Horst Rieck, Editora Bertrand, 1984.
3 Editora Brasiliense, 1982.
4 “Com licença eu vou à luta: é ilegal ser menor?”, de Eliane Maciel, Editora Codecri, 1983.
5 GANDHI, Mohandas K. Autobiografia: Minha Vida e Minhas Experiências com a Verdade. São Paulo: Palas Atenas, 1999.
6 “Histórias da minha vida” de Charles Chaplin, Editora José Olympio, 1965.
7 “Fragmentos autobiográficos” de Isadora Duncan, Editora L, P&M, 1985.
8 “Mutações”, Liv Ullmann, Editora Círculo do Livro, SP/ 1985.
9 Editora Alfa-Omega, 1986.
32
As histórias romanceadas também me interessavam (e ainda interessam), tais como a
trilogia10 de Noah Gordon: “O Físico”, “Xamã” e “A escolha da Doutora Cole”. Nela
conhecemos a saga de uma família desde o século XI, em que de gerações em gerações, nasce
um membro com especial dom de cura. É fascinante acompanhar o movimento histórico, a
própria invenção da medicina desde seus primórdios, as mudanças de valores, de cenários, de
ambientes culturais. Lembro também de “Todos os homens são mortais11” de Simone de
Beauvoir, que conta a história de um homem imortal, narrada pelo próprio personagem
ficcional em sua jornada sem fim numa vida que não tem a morte como horizonte.
Imortalidade que tem peso de “danação pura e simples” nas próprias palavras de Beauvoir,
pois que o impede de compreender a efemeridade da vida.
Já adulta outras tantas descobertas têm me alimentando e não raro, incluo textos de
gênero biográfico em meu trabalho como professora formadora de professores.
Algumas de minhas leituras parecem até algo estranhas, “vergonhosas”12 como nos
diz Lygia Bojunga em suas memórias de leitura, mas que revelam esse leitor que somos todos
nós, em busca se sentidos e humanidade, como que procurando cúmplices para o próprio ato
de viver. Reconheço, no entanto, que minhas escolhas foram movidas por essa curiosidade em
conhecer o outro em sua diferença. Ao aproximar-me desse estranho outro, debruço-me sobre
os sentidos que ele foi dando a sua vida, os porquês de suas escolhas, os encontros e
desencontros que viveu. Conheço um outro tempo que não vivi, partilho de sentimentos e
sentidos que não são os meus. Vou me encontrando a mim mesma nessas leituras, seja pela
absoluta ou relativa diferença, seja pelas semelhanças e convergências. Vale citar alguns
desses livros, como exercício mesmo de explicitar o que foi me afetando nessa aproximação
que os textos biográficos possibilitam.
Sem organizar de forma cronológica as leituras que desejo sublinhar, começo com
algumas das tais escolhas “embaraçosas” (como aquela revista de trivialidades que a gente,
10 Editora Rocco, 2000.
11 Editora Nova Fronteira, 1983.
12 Em suas memórias de leitura no livro “Livro” de Lygia Bojunga Nunes, a autora faz uma divertida menção a uma de suas
“paixões literárias” de juventude, das quais não tem nenhum orgulho em declarar: “(...) Um dia eu chafurdei (a palavra é bem
essa: cha-fur-dar) num caso meio vergonhoso da minha vida de leitora. É o tal caso que eu disse que ia contar o milagre, mas
não ia dar o nome do santo. Não vou nem contar se o santo é brasileiro ou não. Também não interessa. O que interessa é que
foi esse caso – bem negativo, por sinal – que me deu a fantástica dimensão dessa coisa que a gente é. A gente: nós todos aqui:
leitores (BOJUNGA NUNES in Livro, um encontro com Lygia Bojunga, 1988: 17,18).
33
por vergonha, lê escondido ou o misterioso autor de uma literatura sem novidade, por quem
Lygia se apaixonou). A biografia de Kelly Slater13, livro escolhido por minha filha quando
tinha quatorze anos, em 2007 nas férias de verão, é uma dessas. Slatter é um jovem campeão
de surf, que narra em sua biografia a infância e os vários episódios vividos em cima de uma
prancha, apresentando seus ídolos do surf, sua relação com a liberdade, o risco e buscando o
sentido que o moveu a conquistar tantos títulos nesse esporte. Passagens de uma vida passada
nas ondas, a recomendação de sua mãe é um emblema: “Quando pegávamos resfriado, em vez
de nos levar ao médico, minha mãe nos mandava surfar (SLATER, 2005,p.58)”. Li também o
livro de “Abílio Diniz14”, empresário brasileiro, que embora não seja exatamente uma
biografia, evoca vários aspectos pessoais. Diniz fala de sua rotina, de suas experiências
familiares, do que acredita que sejam os valores mais caros em sua vida. Aparentemente,
Abílio representa a absoluta diferença de escolhas e caminhos com relação aos meus, e isso
acende minha curiosidade. Instigava-me reconhecer no perfil daquele business-man, que
passou por experiências como a de um seqüestro, um interesse pelo movimento, pela
manutenção da saúde, aparentemente algo tão diferente da idéia pré-formada que eu tinha de
alguém que se dedicava integralmente a vida empresarial. Queria entender o sentido que
ocupava em sua vida, tão talhada pela idéia de “sucesso”, essa dimensão do corpo. Convite a
olhar para além das idéias pré-concebidas e reconhecer convergências na diferença.
Assim também foi ler a autobiografia de Danuza Leão15, num livro em que desfilam
personalidades do campo das artes em vários cenários cariocas, sobretudo numa Copacabana
glamorousa em sua época de ouro, ou seja, aparentemente a pura familiaridade, carioca e
copacabanense que sou. No entanto, quanta diferença reconheço na forma como Danuza
traçou sua vida, viveu a maternidade e os relacionamentos. Outros tempos também de um Rio
de Janeiro que não conheci em que a rua parecia franqueada ao povo, as grandes salas de
cinema ainda não tinham sido substituídas por prédios, A confeitaria Colombo reinava na
avenida principal do bairro. Tempo de boemia e encontro social (o tempo ainda “não era
dinheiro”). Uma viagem para a vida da elite cultural carioca das décadas de 60 e 70.
13 GAIA Editora, 2005.
14 “Caminhos e escolhas” de Abílio Diniz, Editora Elsevier, 2007.
15 “Quase tudo”, Companhia das Letras, 2005.
34
Fechando o ciclo das estranhezas (serão mesmo estranhas?), o livro “A semente da vitória16”,
do preparador físico Nuno Cobra, surgiu no meu caminho, combinando com a fase de
corredora que vivi em 2006 (uma professora e doutoranda que, entre leituras, escritas e
planejamentos de aulas, buscava na corrida não perder de vista sua corporeidade). Afora o
tom prescritivo ao estilo da literatura de “auto-ajuda”, Cobra apresenta uma visão da
preparação física interessante que ressoou em mim. Ele faz uma crítica a idéia corrente de que
o bom treinamento é aquele que implica em dor muscular e leva a exaustão. Critica também
termos como “malhar o corpo”, tão em voga na atual cultura fitness, por associar a um
maltrato. O autor ressalta a necessidade de integrar às dimensões do corpo, mente e emoção.
Sugere atenção ao próprio movimento, cuidado consigo. Os depoimentos daqueles que
treinaram com ele, dão notícias de mudanças que não se limitaram apenas ao físico, mas que
envolveram a própria autoconfiança e uma relação mais integrada com suas próprias vidas. É
curioso conhecer caminhos tão distantes dos meus e reconhecer a sua legitimidade. A
semelhança na diferença, a diferença na semelhança.
Outras leituras fisgaram-me pela sintonia maior com a minha própria vida e também
pelas temáticas ligadas aos meus interesses mais caros. Bartolomeu Campos de Queirós é um
exemplo, em suas memórias de menino no livro “Por parte de Pai17”. Ele nos conta, dentre
outras preciosas histórias, como deixou de fazer xixi na cama. Seu avô, com quem morou
grande parte da infância, tinha o hábito de escrever nas paredes as coisas mais importantes
que aconteciam na pequena cidade mineira em que moravam. Parede viva, verdadeiro e
exótico patrimônio cultural da família. Certo dia, o avô ameaçou o menino Bartolomeu de
escrever na parede que ela ainda fazia xixi na cama. Ameaça que surtiu prontamente o efeito
desejado, revelando o estatuto de poder que a escrita ganhava na vida de Bartolomeu e a
referência fundamental daquele avô-historiador. “Eu mesmo só parei de urinar na cama
quando meu avô ameaçou escrever na parede. O medo me curou. Leitura era coisa séria e
escrever mais ainda. Escrever era não apagar nunca mais. O pior é que, depois de ler,
ninguém esquece, se for coisa de interesse.” (QUEIRÓS, 1995, p.14). O artigo memorialista
16 Editora SENAC, 2005.
17 Editora RHJ, 1995.
35
de Vitória Líbia B. de Faria, “Memórias de leitura e Educação Infantil18”, traz também a
presença da memória de infância na construção do vínculo com a leitura. Nele, Vitória narra
as delícias de uma infância passada no interior em que os serões literários congregavam
leitores de todas as idades em volta de um pai contador de histórias, forjando a leitora voraz
que ela se tornaria. “Sempre havia os que não sabiam ler convencionalmente, outros que já
liam fluentemente e os que liam com certa dificuldade. Essa heterogeneidade não impedia
nenhum de nós de participar ativamente dos atos de leitura. O desejo de decifrar aquilo que
os livros diziam e de ser admitido no mundo da leitura misturava-se com a admiração pela
figura paterna” (Faria, 2004, p. 50). Conta também que ao entrar na escola e ter suas
experiências de leitura ignoradas, sentiu fundo o abismo entre escola e vida.
Quero ainda citar mais algumas leituras que me tocaram de modo especial. “Língua
Absolvida19” de Elias Canetti é uma delas. Livro autobiográfico traz as memórias de infância
de Canetti, vividas na Bulgária e em outros países da Europa. Narrativa riquíssima em que o
autor rememora miudezas de suas experiências com outras culturas, com a literatura, com
outras línguas e a sua convivência com seus pais e familiares. Dentre elas, tocou-me
especialmente o vínculo de Elias-menino com seu pai, que faleceu muito jovem, com 31 anos.
O pai presenteava-o constantemente com livros. Sempre que Elias finalizava a leitura de um,
prontamente outro já chegava para ocupar seu lugar. A discussão sobre as leituras era um
espaço de encontro e afeto entre pai e filho. Canetti lembra que não raras vezes dedicava-se a
ler os livros com avidez por saber que a noite viveria a delícia de poder contar a seu pai suas
impressões sobre o que lera. Troca que o alimentava e pela qual aguardava com entusiasmo.
“Comentava com meu pai cada um dos livros que lia. Às vezes ficava tão excitado, que ele
tinha que me acalmar. Mas nunca me disse, à maneira dos adultos, que os contos eram
mentira; sou-lhe especialmente grato por isso; talvez ainda hoje eu os considere verdadeiros.
(...) Os livros e as conversas com meu pai sobre eles se tornaram a coisa mais importante do
mundo, para mim.” (CANETTI, 2000, p. 50-51).
18 FARIA, Vitória Líbia Barreto de. “Memórias de leitura e educação infantil”. In: JUNQUEIRA, Renata (Org.). Caminhos
para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 2004.
19 Editora Companhia das Letras, 2000.
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“Retratos20” de Roseana Kligerman Murray é também uma leitura que me tocou
especialmente, essa mais pela capacidade da singeleza de seus textos, mesclados com
imagens, de capturar meu coração a cada leitura. São páginas que misturam fotos em preto e
branco de entes queridos ladeadas por pequenos textos traduzindo impressões e sentimentos
da autora por eles. “A avó em cabelos muito brancos, curtos e lisos. Pouco cabelo. A pele é
toda enrugada. Parece que já está virando árvore. O corpo também é pequeno. Ela toda
parece um pássaro. (...) Os olhos pousados em coisas distantes, invisíveis navios, alguma
terra do lado de lá?” (MURRAY, 1998). Para mim, que tenho tanta curiosidade em
compreender como é mesmo então que se formam esses laços de prazer e sentido com a
cultura, especialmente com a leitura e a escrita, reafirmei com Vitória Líbia e os serões
literários, com Bartolomeu de Queirós e as paredes de seu avô, com Elias Canetti e as
conversas com seu pai e com os delicados poemas amorosos de Roseana Murray, dentre
outros, as interconexões entre conhecimento, literatura e vínculo afetivo. Pista importante
para pensar a formação do leitor e do escritor21, tema de meu profundo interesse.
Sem me demorar nos detalhes, que de tão gostosos me convidam a entrega, não posso
deixar de mencionar outros livros e autores, que por motivos semelhantes e outros mais,
muito me agradaram. “Como e por que ler os clássicos22” de Ana Maria Machado,
“Infância23” de Graciliano Ramos, “Felicidade Clandestina24” de Clarice Lispector, “Quase
20 Retratos, editora Minguilim, 1998.
21 A esse respeito vale citar o livro “Teia de autores” de Pedro Benjamin e Tânia Dauster, da editora Autêntica, 2001, fruto
de pesquisa sobre a formação do escritor. Os autores entrevistaram vários escritores de literatura perguntando sobre as
influências que consideravam mais marcantes para que se tornassem leitores e escritores. Impressiona saber da quase
inexistente referência à escola como uma influência. De modo geral, surge sempre a figura de um familiar ou algum amigo
especial. Sobre a formação do leitor produzi em co-autoria com Adriana Hoffman o artigo “Formação de professores leitores
em um projeto de extensão universitária no curso de Pedagogia: um relato de experiência”, nele discutimos a formação de
professores numa perspectiva cultural, defendendo que para ser um formador de leitores – uma das tarefas do docente – há
que se amar a literatura, como ensinar a gostar daquilo que não se gosta? Esse artigo foi publicado na Revista Educere et
Educare vol. 2 N. 3 jan./jun. 2007.
22 Ana Maria Machado defende que os clássicos são na verdade os livros de que não nos esquecemos. Comenta vários de
seus clássicos e discute as relações entre formação de leitores e a escolha literária adequada à infância. Editora Objetiva,
2002.
23 Nesse livro, Graciliano narra experiências de uma infância muito peculiar. Nela a leitura é introduzida com dureza, parte
de uma educação marcada por extrema rigidez. Editora Record, 1995.
24 Clarice é Clarice, “irresumível” (se tal palavra existisse...). É uma experiência sensorial ler Clarice. Nesse livro, destaco
“Menino a bico de pena”, que narra com delicadeza e sensibilidade o mundo de experiências de um menino-bebê. Esse já tive
a oportunidade de ler em cursos de professores de creche e rendeu boas discussões sobre esse universo tão misterioso e
interessante que é o homem no começo de sua vida. Editora Rocco, 2000.
37
memória25” de Carlos Heitor Cony, “Meus demônios26” de Edgar Morin. Todos os livros que,
de diversas formas, resgatavam memórias de diferentes períodos da vida, ensinando-me a
viver27.
Preciso ainda citar uma paixão antiga, que se renova sempre. A literatura para
crianças. Como Ana Maria Machado, Ricardo de Azevedo e Bartolomeu Campos de
Queirós28, de certo modo também estranho essa categoria “literatura infantil”, por isso utilizo
a nomenclatura literatura para crianças. O complemento “infantil” pode fazer pensar numa
literatura menor o que, efetivamente, ela não o é. Mas ainda assim, acredito que há uma
especificidade temática e uma forma estilística que é afeita ao universo da infância e que
muitos adultos - sorte a deles -, conseguem encontrar nessa forma um sentido especial, se
tornando leitores desse tipo de literatura. Posso dizer que sou um desses adultos de sorte.
Dentre esse universo da produção literária para crianças, que tem crescido cada vez
mais, quero destacar a que para mim é a escritora maior, a premiadíssima Lygia Bojunga
Nunes29. Lygia é a primeira escritora brasileira que traz em seu universo literário o mundo
interno da criança, encontrando uma forma toda própria de traduzir os sentimentos infantis.
Na literatura de Lygia, a infância não é mitificada, não é idealizada como momento de puro
encantamento, de alegria e felicidade. Ela traz uma infância que sofre, que tem solidão, que
vive perdas, que lida com a morte, com a separação, com o medo. Raquel, a menina da Bolsa
Amarela, foi um dos primeiros personagens que conheci, ela revela bem essa criança de
Lygia:
“Cheguei em casa e arrumei tudo que eu queria na bolsa amarela. Peguei os
nomes que eu vinha juntando e botei no bolso sanfona. O bolso comprido eu
25 Cony as voltas com um pacote que lhe chega de seu falecido pai, revê histórias e sentimentos relativos a seu pai. Um
convite a emoção. Editora Companhia das Letras, 1994.
26 Editora Bertrand Brasil, 1997. Morin conta aqui os caminhos que trilhou durante um bom período de sua vida intelectual,
relatando o vínculo com o conhecimento e os estudos que desenvolveu.
27 Não resisti a referência. “Harold e Maude: Ensina-me a viver” livro de Colin Higgins (editora Record, 1986) foi uma
leitura que marcou meu tempo de adolescente. A história de amor entre um conturbado e lúgubre jovem, obcecado pela morte
e uma vivaz mulher septuagenária realçava a capacidade de se encantar e se usufruir da vida. Essa história rendeu uma bela
versão cinematográfica dirigida por Hal Ashby em 1972 e uma montagem teatral brasileira em 1982 com a dama do teatro
Henriette Morrineau e o então desconhecido Diogo Vilela. Eu vi o filme e a peça!
28 Participei dos dois penúltimos Congressos de Leitura (COLE) em 2003 e 2005 e lá tive a oportunidade de ouvir Ricardo
Azevedo e suas impressões sobre a literatura para crianças. Ana Maria Machado e Bartolomeu também abordam a questão da
especificidade da literatura infantil em diversos artigos que li em revistas especializadas.
29 Há pouco mais de dois anos Lygia criou a editora Casa Lygia Bojunga para editar exclusivamente seus livros, passando a
ter o controle maior de sua própria obra. O site www.casalygiabojunga.com.br merece uma visita, pois aborda todos os seus
livros, projetos, sonhos e prêmios.
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deixei vazio, esperando uma coisa bem magra para esconder lá dentro. (...)
Abri um zipe; escondi fundo minha vontade de crescer; fechei. Abri outro
zipe; escondi mais fundo minha vontade de escrever; fechei. No outro bolso
de botão espremi a vontade de ter nascido garoto (ela andava muito grande,
foi um custo pro botão fechar). Pronto! a arrumação tinha ficado legal.
Minhas vontades tavam presas na bolsa amarela, ninguém mais ia ver a cara
delas.” (A Bolsa Amarela, editora Casa Lygia Bojunga, 2006)
Seus livros sempre me causaram um impacto profundo. Em outubro de 2006, em uma
das poucas oportunidades em que Lygia, tímida para falar em público, recebeu em uma
biblioteca um grupo de crianças para conversar sobre um de seus livros, eu estava lá. Vivemos
um momento inesquecível. Eu, do alto de meus mais de trinta anos, estava a sua frente,
esperando calmamente numa fila repleta de crianças a minha vez de receber um autógrafo.
Quando enfim, me vi diante dela, os olhos marejaram e mostrei a minha coleção completa de
suas obras, muitas já amarelecidas com o tempo. Confessei que sempre que encontrava seus
livros em sebos, resgatava-os. Impossível deixá-los lá na poeira, sem ninguém para lê-los.
Não sei que mágica se deu, mas o dom da palavra se fez e consegui dizer a Lygia o que ela
significava para mim, como eu tinha vivido tão perto daqueles personagens todos que ela
havia criado, como os sentia meus amigos. Pensei... bom, ou ela vai me achar uma daquelas
clássicas “fãs loucas” de filme ou eu consegui mostrar a ela um pouco da força que sua obra
tem de alcançar o outro. Lygia, também com os olhos embaçados me disse: “É tão estranho
conhecer alguém que conhece tanto a gente...”, com um sorriso e sem muitas palavras
faladas, usou as escritas, terreno onde transita tão bem e fez uma dedicatória especial em cada
um dos mais de 8 livros que levei. Eis uma delas: “Adrianne, fiquei emocionada de me saber
tão presente na tua vida. Gostaria muito de continuar freqüentando teus momentos de
quietude”. Que delícia! Lygia sempre foi para mim livro-casa, para me referir ao belo texto
“Livro” em que ela aborda sua relação com os livros e as palavras:
Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena os livros me deram
casa e comida.
Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede,
deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia
telhado.
E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de
morar em livro.
De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar pras paredes).
Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras.
Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.
Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntimas a gente
ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir
39
novas casas. Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha
imaginação.
Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia; e de barriga assim toda
cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-
céu, era só escolher e pronto, o livro me dava.
Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que – no
meu jeito de ver as coisas – é a troca da própria vida; quanto mais eu
buscava no livro, mais ele me dava.
Mas, como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia de
alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra – em algum lugar – uma criança
juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai morar. (Livro, um encontro
com Lygia Bojunga Nunes, 1988)
Bom, estarei eu já me perdendo em meio as histórias? Creio que não. Pois não é justo
de histórias que quero falar?! Das histórias que nos formam, que nos interpenetram e dos
rumos que tomamos em nossas trajetórias pessoais?! Afinal, não é a narrativa a arte
primordial dos seres humanos e, para sermos, não temos que nos narrar?! (MONTERO,
2004)
Perdas, desafios, amores, rompimentos, acontecimentos... todo o caldo de
experiências que eram retratadas nesses livros que mencionei me motivavam e instigavam. O
que me ensinaram/ensinam? Sempre me instigou o que temos de parecido, nós humanos,
todos, o que aprendemos e trocamos com nossas semelhanças; e o que temos de diferente,
singular, cujo sentido nos parece tão pessoal, tão único, tão nosso.
Talvez essa tenha sido a força motriz que sempre me fez olhar com tanta curiosidade
os trajetos do outro, descritos em livros, filmes, músicas e outras narrativas. Talvez tenha sido
esse o sentido, agora me referindo especialmente aos caminhos da produção dessa tese, que
me mantinha escutando com vivo interesse durante tantas horas as histórias de meus
entrevistados, num tempo sem tempo, sem relógio, sem pressa.
Singularidades, coletividades marcam nossas trajetórias. As influências que nos
formam não são matemáticas, isto é, não basta que se junte uma família assim, com umas
tantas experiências assadas que teremos, certamente, um sujeito dessa ou daquela forma. Há
mistérios nessa composição que instigam a curiosidade. Talvez só possamos falar desse
40
mistério, que é como nos humanizamos, se contarmos com a idéia da complexidade30
(MORIN) para nos acompanhar nessa empreitada. Se integrarmos a subjetividade como
substrato para nossas interpretações, se tomarmos o erro, a margem de dúvida, o inesperado
como companheiros de trabalho. A dimensão objetiva não fica de fora, importante lembrar.
Ela nos traz dimensões mais amplas, que dizem respeito às pressões de ordem social, política,
econômica e cultural que se mesclam no que nos compõe. Mas essa não é uma leitura
suficiente. Não dá conta. Não esgota o mistério (que não é esgotável). É então esse olhar que
admite a complexidade do real, a dimensão subjetiva como parte dos fenômenos, um de meus
alicerces. Nesse sentido, introduz-se aqui uma concepção de ciência que incorpora o
complexo, o subjetivo, o erro, o imponderável. Leva-nos a um entendimento do mundo que,
mais do que controlado, precisa ser compreendido, contemplado, como nos diz Santos:
“A incerteza do conhecimento, que a ciência moderna sempre viu como
limitação técnica destinada a sucessivas superações, transforma-se na chave
do entendimento de um mundo que mais do que controlado tem de ser
contemplado. (...) A criação científica no paradigma emergente assume-se
como próxima da criação literária ou artística... “ (Santos, 1987)
Nesse ponto, outras histórias são convidadas a entrar. As histórias de como alguns dos
estudos fundamentais para essa tese entraram na minha vida, ou melhor, como nos
encontramos. Estudos como os da complexidade, da memória, da mestria na formação do
professor, da pesquisa (auto)biográfica e narrativa, dentre outros. Penso que nossa relação
30 Apesar de pé de página, o conceito de complexidade é central em minha tese. Escolho, nesse momento, colocá-lo aqui
apenas para não romper o fluxo da narrativa. Mais a frente ainda o retomarei com maior destaque. O conceito de
complexidade com o qual trabalho referencia-se na obra de Edgar Morin. O debate sobre a complexidade é algo
razoavelmente recente no cenário da filosofia e das ciências, traz uma dimensão de ciência que se contrapõe a hegemonia que
a racionalidade vem ocupando desde a modernidade. Morin traz o sentido de abertura que tal conceito evoca, colocando a
luz sobre outros aspectos, esquecidos pela racionalidade clássica, sem com isso desqualificá-la. Aponta para a insuficiência
da lógica racional e abre novas perspectivas que nos permitem ampliar o entendimento dos fenômenos humanos. A
complexidade põe em cheque os “pilares da certeza” que fundamentam o pensamento científico clássico, de cujos
pressupostos decorre o pensamento simplificador. Tal pensamento só concebe objetos simples que obedecem a leis gerais,
que produz um saber anônimo, que não inclui o contexto e todo o complexo, ignora o singular, o concreto, a existência, o
sujeito, a afetividade, os desejos, as finalidades, a consciência. O ser humano, a vida, os cosmos são submetidos às leis
deterministas triviais, em que é possível prever os efeitos de qualquer causa conhecida. O conhecimento é controlável,
esquadrinhável, obediente às regras e leis ordenadas. É nas brechas da crise do pensamento simplificador que a complexidade
se funda. Segundo Morin, a complexidade é antes de tudo um “esforço para conceber o desafio inevitável que o real lança ao
nosso espírito”. Ela pretende não se constituir como alternativa a perspectiva simplificadora do conhecimento, mas sim,
compreender o real numa dimensão mais ampliada, reconhecendo nele aquilo que não se comporta nas definições
simplificadoras. (MORIN, 1982, GUEDES, 2001)
41
com os conceitos e teorias passam por essa dimensão do encontro. É Lopes31 quem me ajuda
a melhor traduzir essa idéia:
“Achei anotado em mim – quando? – em um livro de Nietzche: o que nos faz
aproximar de um autor ou de autores, e não aproximar de outro, não está
nele, mas em nós mesmos. Essa aproximação, porém, tem um lado perverso.
É alguma coisa em latência e inominável que nos aproxima. Ao chegarmos
nele, encontramos a expressão daquilo que se queria dizer, mas nesse ponto
já não podemos mais dizer, pois esse outro já disse, ele já o fez. (...)
Achamos em nós mesmos a verdade do que ouvimos e que não sabíamos que
lá estava, de sorte que somos levados a amar aquele que no-la fez ouvir; pois
ele não nos mostrou seus bens, mas os nossos” (LOPES, 2003, p.11)
“(...) Os livros e autores são mais do que ferramentas de trabalho. Parecem-
se com incenso, que perfuma e perfumando faz companhia. (...) Bourdieu diz
que “Quem procura acha”. Mais afeita ao Tao, diria que não procuro. Acho.
(LOPES, op.cit, p. 11)
Assim foi com os livros que citei e com os estudos que subsidiaram essa tese. Meus
alicerces. Referências que perfumaram e fizeram companhia, assim como Lopes recebi
transfusão de signos, de palavras, de frases...
A, já mencionada, teoria da complexidade foi um deles. Edgar Morin e os estudos da
complexidade entraram em minha vida em 1999 aproximadamente, quando uma de minhas
professoras do curso de pós-graduação que fiz na UNRIO32, apresentou-nos o autor. Na
época, soube que Morin era estudado por alguns professores do Programa de Pós-graduação
em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Fui então participar de um
encontro voltado aos candidatos para a pós-graduação daquele ano. Assistindo a apresentação
das linhas de pesquisa do referido programa, escutei a professora Iduina Mont’Alverne
Chaves apresentar seu trabalho e mencionar Morin com uma referência importante para ela.
Após trocarmos algumas palavras, decidi naquele momento me candidatar ao Mestrado sob
sua orientação. Ai começou uma intensa história de criação entre nós, Iduina e eu, permeada
por troca, afeto, instigação, alegria. E também por necessários momentos de desencontro,
31 A introdução de seu livro “Da sagrada missão pedagógica”foi uma leitura que me entusiasmou dado o seu tom literário e
narrativo, quebrando com os cânones acadêmicos tradicionais. Foi um incentivo a firmar-me na convicção que é possível
escrever de forma narrativa sem perder o rigor científico.
32 Formação em Docentes do Nível superior.
42
estranhamento e dúvida. Mas sempre, sempre sustentados por um amor, confiança e
admiração mútuos.
Foi com Iduina a meu lado que mergulhei nos estudos da complexidade. Para mim,
eles abriam a possibilidade de compreender a pesquisa científica numa dimensão ampliada
que critica a razão produtivista e a racionalização modernas que lidam com categorias
redutoras da totalidade. O paradigma da complexidade busca a integração entre o diverso,
compreende o saber como unificado, apontando para a perspectiva de comunicação e
imbricação entre os diversos saberes. Valoriza aspectos como a singularidade, o entorno, o
cotidiano, o vivido, o pessoal, a ambigüidade, dentre outros.
Há uma busca, na perspectiva da complexidade, de restaurar a totalidade do sujeito,
compreendendo as relações entre os diferentes aspectos que, por vezes, são ambíguos,
concorrentes, contraditórios na vida humana. A criatividade é valorizada, a subjetividade, a
iniciativa, o micro, a complementaridade, a convergência. Desta forma, mais do que tentar
superar os elementos que fazem parte da complexidade da vida e do real (como no paradigma
clássico), esse paradigma busca compreender a vida em sua inteireza. Numa visão holística,
considera o imaginário e a utopia como fatores instituintes na sociedade, recusando uma
ordem que aniquila a paixão, o desejo, o olhar, a escuta. Se essas categorias não são novas no
campo educacional, apenas recentemente tem sido lidas e analisadas com maior abertura e
simpatia (MORIN, 1998,1999, 2000; MONT’ALVERNE CHAVES, 1998, 1999, 2000;
GUEDES, 2000, 2002).
O pensamento complexo contribui para pensar a complexidade como um dado da
realidade, o real em seu processo permanente de transformação, de criação e recriação,
construção e reconstrução, na contramão de uma visão dualista, que divide a realidade entre
verdade/mentira, certo/errado, bom/mau.
Esse tem sido um alicerce fundamental em minhas pesquisas desde o mestrado. Um
belo encontro em que ressoou forte a compreensão de uma ciência que valoriza o singular, o
micro, a emoção, a arte. Que não parcelariza a realidade para compreendê-la, mas reconhece a
necessidade de considerar os fenômenos em conjunto.
A escolha pelo tema de minha pesquisa de doutorado nasceu das questões evocadas
em minha dissertação de mestrado, "Cultura e ideário pedagógico do Curso de Pedagogia
UFF/ Niterói", orientada pela professora Iduina Mont’Alverne Chaves e concluída em 2002.
Pesquisando a formação de professores do curso de Pedagogia da referida universidade,
entrevistei muitos estudantes sobre suas impressões a respeito da Formação que viviam na
43
UFF, tanto os que estavam cursando os primeiros períodos, quanto os que estavam concluindo
ou próximos de concluir o curso.
Um dos aspectos que me chamou atenção nos depoimentos dos estudantes tinha a ver
com o papel do mestre em suas trajetórias. Alguns faziam referência a contribuição especial
de um ou outro professor que havia despertado especial interesse por algum assunto ou
fortalecido sua autoconfiança. Esse é na verdade um assunto que sempre mobilizou minha
curiosidade e interesse e que se acirrou naquele momento. O que faz com que alguns
professores marquem de forma tão especial e outros não? Como nos tornamos “bons
professores”? E o que é, afinal, ser um bom professor? Filmes33, livros34, histórias sobre
mestres que impactavam seus estudantes sempre contaram com minha audiência interessada e
sensível.
Nesse sentido, mais recentemente, a leitura de “O mestre ignorante, cinco lições sobre
a emancipação intelectual” de Jacques Rancière e “Professores para quê? Para uma Pedagogia
33 “Escritores da Liberdade” dirigido por Richard La Gravenese e lançado em 2007 é um desses filmes que me tocaram de
modo especial. Baseado em fatos reais, narra a trajetória de uma professora de Inglês que vive sua primeira experiência como
docente numa escola dos subúrbios americanos. A ela é destinada uma turma de “integração”, que bem as moldes brasileiros,
de integrada só tem mesmo o nome. A hostilidade entre os diferentes grupos é explícita. A professora encontra um ponto de
acesso aos seus alunos, dando voz à eles que contando suas próprias histórias, e ouvindo as dos outros, descobrem o poder
da tolerância e reconhecem-se em meio às supostas diferenças. Outros como “A sociedade dos poetas mortos”de Peter Weil,
(EUA, 1989), “Ao mestre com carinho” de James Clawel (EUA, 1967), “A escola da vida” de Willian Dear (EUA, 2005),
“Quando tudo começa” de Bartrand Tavernier (França, 1999), “Nenhum a menos” de Zhang Yimou (China, 1998), “O
carteiro e o poeta” dirigido por Michael Radford em 1994 e “Música do Coração” de Wes Craven (1999) são alguns de meus
cult movies queridos que narram experiências de professores. Muitos deles utilizei em meus cursos de graduação, pós-
graduação e formação continuada, sempre rendendo excelentes debates e reflexões.
34 Muitos desses livros conheci por ocasião de minha pós-graduação na UNIRIO,mestrado e doutorado na UFF. Para citar
apenas alguns dos livros que abordam o papel do professor e pesquisam sua prática que tive a oportunidade de conhecer
melhor, destaco “O bom professor e sua prática” de Maria Isabel Cunha (Papirus, 1989) onde a autora procura desvendar o
que seria o “bom professor”, investigando seu cotidiano, sua prática e metodologia. “Cartografias do trabalho docente”
organizado por Corinta Geraldi, Dario Fiorentini e Elisabete Pereira (Mercado das Letras, 1998) apresenta uma coletânea de
artigos que discutem a prática dos professores, tomando-a como objeto de pesquisa. O livro “Da figura do Mestre” de
Marlene Dozol (editora da Universidade de São Paulo, 2003) em que a autora explora as categorias filosóficas valiosas à
compreensão do tema, selecionando autoridade, formação e sedução como formas de ver a interação entre mestre e aluno.
“Ofício de Mestre” de Miguel Arroyo (editora Vozes, 2000) em que o autor resgata imagens sobre o ofício do mestre. “O
lugar social do professor” (ed. Quartet, 1998) e “O professor invisível: imaginário, trabalho docente e vocação” (Ed. Quartet,
2003) ambos de Rodolfo Pereira. O primeiro pesquisa a desvalorização atual do magistério, buscando suas origens e o
segundo resgata a idéia de vocação, buscando confrontar o preconceito que ela provoca. “Meu professor inesquecível”
organizado por Fanny Abramovich (ed. Gente, 1997) que traz depoimentos de onze escritores contemporâneos sobre seus
professores inesquecíveis. “Da sagrada missão pedagógica”, de Eliane Marta Teixeira Lopes (ed. São Francisco, 2003),
resultado de uma extensa pesquisa da autora em diversos materiais (livros, jornais, panfletos) com vistas a compreender
como a idéia da missão de mestre tem sido transmitida e, por fim, ‘O mestre ignorante, cinco lições sobre a emancipação
intelectual” de Jacques Ranciére (ed. Autêntica, 2005) que aborda a tarefa singular da emancipação intelectual como um dos
desafios da mestria e “Professores para quê?” de Georges Gusdorf da e editora Martins Fontes, 2003. Autores como Tardiff,
Nóvoa, Catani, Gusdorf, dentre outros, exploram também aspectos relativos ao ser professor e a sua prática e são preciosas
referências para mim. Leituras que me instigam.
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da pedagogia” de Georges Gusdorf, tem sido referências instigantes para pensar o papel do
mestre e os aspectos que conferem mestria a alguém. Mobiliza-me a idéia central das obras
desses autores que indica a promoção da autonomia intelectual do “discípulo” como uma das
tarefas do verdadeiro mestre.
Estudar no doutorado a trajetória de uma professora nos pareceu, a mim e a minha
orientadora, um caminho rico para explorar, dentre outras questões, esse papel do mestre.
Inicialmente, essa era uma questão nuclear. Escolhemos então para nosso estudo a obra/vida
da professora Célia Linhares, pela significativa contribuição que tem dado à educação
brasileira, sobretudo no campo das políticas públicas para formação de professores, tema
ligado ao campo de confluência ao qual pertencemos na UFF (Políticas Públicas, Movimentos
Instituintes e Educação). Era também um critério importante para a escolha da professora a
ser pesquisada, que ela tivesse uma expressiva obra escrita. Queríamos trabalhar com a
possibilidade de pesquisarmos seus textos, sua história profissional e sua prática pedagógica,
utilizando a pesquisa narrativa e entrevistas semi-estruturadas.
Este estudo buscou, assim, compreender as marcas significativas do pensamento
educacional/pedagógico de Célia Linhares, especialmente, através do estudo de sua produção
escrita com vistas a apreender as idéias força, a forma como elas foram se construindo e se
constituindo ao longo do tempo, a presença das questões que circulavam nos diferentes
tempos históricos vividos por ela, e a potencialidade de seu estilo de escrita. Selecionamos os
textos produzidos desde a década de 60 até os dias de hoje, entrevistas com Célia Linhares e
algumas pessoas que fizeram parte de sua trajetória, seus pares, como chamamos. Esses
materiais foram fontes preciosas para apreensão de seu ideário pedagógico.
Em 2006 fiz o primeiro grupo de entrevistas mais curtas com orientandos e ex-
orientandos de Célia e duas entrevistas longas com ela própria. Estava então preparando
minha qualificação e esse foi um primeiro material de pesquisa de campo que reuni.
Posteriormente, em 2007, realizei mais duas entrevistas semi-estruturadas longas com Célia
Linhares, José Linhares e nove com outros de seus parceiros. Além dessas entrevistas,
mantive contato freqüente com Célia Linhares via e-mail, e com alguns dos entrevistados,
expondo dúvidas e solicitando a eles que esclarecessem alguns aspectos de seu pensamento
e/ou de suas experiências que eu necessitava compreender melhor. Foi também intenso o
envio de materiais para leitura por parte de Célia, enriquecendo a investigação bibliográfica.
Ao iniciar a pesquisa, lembro que outras questões de estudo e interesse foram
surgindo e o papel do mestre, que era central, foi se integrando a outros aspectos que se
manifestaram com força evidente. Uma temática que surgiu, em função dos elementos do
45
campo que traçamos, foi a da Memória. Passagens de um longo tempo passado foram
rememoradas pelos entrevistados. Pareceu-nos, assim, oportuna a necessidade de
revisitar/aprofundar meus estudos a respeito do assunto.
Ecléa Bosi foi então uma parceira importante nesse momento. Em seus instigantes
livros “Memória e sociedade35” e “O tempo vivo da memória: ensaios de Psicologia social36”
travei contato com seus estudos da memória e com sua visão de uma História que inclui
aspectos do comportamento, do quotidiano. Para Bosi, a história tradicional, a “que
estudamos na escola” (2004, p. 13) não aborda o passado recente e faz parecer aos estudantes
que ela é uma sucessão unilinear de lutas de classes ou de tomadas de poder por diferentes
forças. Fica fora dessa história etapista e linear, como se fosse de menor importância, os
aspectos do quotidiano, os microcomportamentos, fundamentais para Psicologia Social. Bosi
resgata tais aspectos, compreendendo que eles traduzem muito de um tempo vivido,
ampliando nosso conhecimento a respeito dos valores, da cultura, dos sentidos próprios de
diferentes momentos históricos. Considera que a memória oral é um instrumento precioso
para construirmos a crônica do quotidiano afirmando que:
A história que se apóia unicamente em documentos oficiais, não pode dar
conta das paixões individuais que se escondem atrás dos episódios. A
literatura conhece já esta prática pelo menos desde o Romantismo: Victor
Hugo faz surgir Notre Dame de Paris num quadro popular medieval que a
história oficial havia desprezado. (Bosi, 2004, p. 15)
A autora afirma também que “Do vínculo com o passado se extrai a força para a
formação da identidade” (p. 16) e ainda “Quando se trata de história recente, feliz o
pesquisador que se pode amparar em testemunhos vivos e reconstituir comportamentos e
sensibilidades de uma época!” (p. 16-17). Idéias que fortaleceram minha confiança na escolha
dos caminhos de minha pesquisa de campo, reconhecendo na possibilidade de ter de Célia
Linhares, vivos testemunhos de sua trajetória no mundo da educação.
Interessava-me compreender como a memória se constitui. Expressariam o passado tal
como ele foi ou, de outro modo, ao lembrarmos, recriamos o passado a partir do que somos no
35 Companhia das letras, 2003.
36 Ateliê editorial, 2004.
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presente? Porque algumas coisas são lembradas, outras esquecidas? Eram questionamentos
que guiaram meus estudos e curiosidades sobre o tema. Com o próprio ato de rememorar,
vamos reconstituindo sentidos à luz de um tempo vivido, que os atualiza e recria, a partir de
novas relações entre fatos e vivências, esquecendo algumas passagens da própria história,
lembrando mais vivamente de outras, como nos diz Bosi (2003). A autora, em sua pesquisa
sobre as lembranças de velhos, relata a alegria de alguns dos entrevistados com a
oportunidade de relembrar a própria trajetória, narrando a vida para um escutador atento e
interessado. Alguns depoimentos citados por Bosi ilustram esse sentimento: “Vejo, hoje a
minha voz está mais forte que ontem, já não me canso a todo instante. Parece que estou
rejuvenescendo enquanto recordo” (Sr. Ariosto), “Agradeço por estar recordando e
burilando meu espírito” (Dna. Risoleta) (Bosi, 2003, p. 38). Como que se o próprio ato de
narrar a vida reavivasse o sentido da mesma para cada um dos entrevistados, tarefa de auto-
aperfeiçoamento, uma reconquista. Os depoimentos recolhidos por Bosi assinalam o direito a
narrar a própria vida como algo que permite uma reafirmação de valor da história pessoal. A
escuta atenta do pesquisador funcionando com um espelho, fortalecedor do reflexo positivo da
própria existência. Célia, em suas reflexões sobre a memória, afirma algo que ressoa com as
pesquisas de Bosi.
Partindo dos lugares empoeirados onde a escola, com freqüência, tem depositado uma
versão da memória, como um equipamento reprodutor, Célia interroga o que queremos
construir, conquistar, quando reelaboramos o discurso da memória escolar.
“Na trajetória milenar desta palavra, vamos encontrá-la como alimento da
poesia e da própria verdade. Na Grécia arcaica, a memória em que apoiavam
os poetas fornecia-lhe uma vidência de tal ordem divinizada, que por si
mesma estava dotada de uma eficácia capaz de instalar um mundo
simbólico-religioso identificado com o próprio real. O aedo sabia o futuro
porque tinha acesso ao passado. Tão ligada estava a memória a um
movimento de criação coletiva que para Homero versejar era lembrar que ele
fazia relatando a epopéia do seu povo e reafirmando seu projeto de polis
como dignidade épica. Platão37, em suas recorrentes discussões sobre a
retórica, a persuasão e o conhecimento, invocou a palavra de Sócrates para
37 PLATÃO, FEDRO, Lisboa, Guimarães Editores, 1989, p121.
47
estremecer o prestígio, como que era tratado o alfabeto com suas
possibilidades de escrita.” 38
A memória, ao ser escutada, é desalienadora – afirma Bosi (op.cit.) –
pois contrasta a riqueza e a potencialidade do homem criador de cultura com a figura do
consumidor atual. Perspectiva que aponta para a função social da memória e o enriquecimento
possível, para as novas gerações, do partilhamento de memórias, em que saberes diversos se
comunicam.
A autora ressalta, ainda, que a memória é um cabedal infinito do qual só registramos
um fragmento. Era freqüente no contato com seus entrevistados, que as mais vivas
recordações aflorassem depois da entrevista, na hora do cafezinho, na escada, no jardim, ou
na despedida da entrevistadora. A lembrança puxava mais lembranças e seria preciso um
escutador infinito...
“(...) Mas nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são
lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só
nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos. É porque, em
realidade, nunca estamos sós. Não é necessário que outros homens estejam
lá, que se distingam materialmente de nós: porque temos sempre conosco e
em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem." (BOSI, 2003)
Em seus estudos, Bosi destaca, em especial as enunciações de Halbwachs que
identifica os quadros sociais da memória, retirando o foco adstrito ao mundo da pessoa e
ampliando para a realidade interpessoal das instituições sociais. A memória do indivíduo
depende de suas relações com a família, com a classe social, com a escola, com a Igreja, com
a profissão, com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo.
A autora chama atenção para a afirmação de Halbwachs sobre o apoio da memória
autobiográfica na memória histórica, ressaltando que toda história de nossa vida faz parte da
história geral.
As situações que vivemos e as outras pessoas afetam, provocam, impulsionam nossa
memória. Cada memória individual é assim um ponto de vista sobre a memória coletiva, que
38 LINHARES, Célia. A Escola e seus profissionais: tradições e contradições. Rio de Janeiro, Editora Agir, 1997, 2ª ed.
P.120/121 .
48
muda conforme o lugar que ocupamos e as relações que mantemos com outros meios.
Lembrar, sublinha Bosi, não é de fato reviver uma memória conservada, intacta, pelo
contrário, lembrar é ato de refazer, reconstruir, repensar, com as imagens e idéias de hoje, as
experiências do passado.
Portanto, o passado “tal como foi” na verdade não existiria, pois ao lançarmos um
olhar atualizado para o vivido, ressignificamos as experiências à luz do presente, de quem
somos hoje, de todo o cabedal de vivências que se seguiram à que teve curso no passado. Os
materiais que estão agora à disposição no conjunto de representações que povoam nossa
consciência atual, afetam as lembranças, a reconstroem. Não somos os mesmos de ontem,
nossas idéias, percepções, valores alteraram-se, e com isso, nossa organização do vivido
também é afetada. Assim a memória da pessoa está intrinsecamente ligada à memória do
grupo, e esta última à esfera maior da tradição (BOSI, 2003).
A linguagem seria o instrumento socializador da memória, afirma Bosi, aproximando
no mesmo espaço histórico e cultural a imagem lembrada e as imagens da vigília atual. As
categorias que a linguagem atualiza acompanham nossa vida psíquica tanto na vigília quanto
no sonho. As convenções verbais produzidas em sociedade constituem o quadro ao mesmo
tempo mais elementar e mais estável da memória coletiva. Os estudos sobre a memória,
apontam, para Bosi, a biografia e a autobiografia como possíveis caminhos metodológicos
para se conhecer a forma predominante de memória de um dado indivíduo. A narração da
própria vida é, segundo a autora, o testemunho mais eloqüente dos modos que a pessoa tem de
lembrar, é a sua memória.
O que temos, portanto é a impossibilidade de reviver o passado tal e qual. Lembrar o
que vivemos na infância, por exemplo, é uma reconstrução que sofre influências múltiplas,
dentre elas o que ouvimos os outros dizerem sobre nossas lembranças. O passado sofre uma
“desfiguração” ao ser reconstruído, ao ser manejado pelas idéias e pelos ideais presentes de
quem rememora. Isso sublinha o caráter não só pessoal, mas familiar, grupal, social, da
memória.
Novamente reencontro aproximações entre o pensamento de Célia e de Bosi, quando
uma e outra recusam aprisionar a memória em esquemas positivistas e massificadores.
“A memória com que Benjamin trabalha e que nós valorizamos, se constitui
de um tecido fagulhante, as reminiscências, ‘que relampejam nos momentos
de pergio.” (Célia, entrevista, 2007)
49
Portanto, Célia evoca a forma com que a memória se faz presente, sempre em
movimentos afetados pela vida e carregados de assombros e de surpresas. Essa também é
uma marca trazida por Bosi em seus estudos sobre a memória e que diz respeito à forma como
a recordação aflora e suas conexões com o ponto de vista cultural e ideológico do grupo em
que o sujeito está inserido. No filme “Quem somos nós” 39
, um dos cientistas que comenta
questões sobre a física quântica, traz uma lenda que ilustra bem tal conceito sobre o modo
como recordamos: “Os povos indígenas da América do Sul provavelmente não viam as
caravelas dos colonizadores se aproximando, pois aquele tipo de embarcação não fazia parte
de nada que eles conhecessem. Assim, eles não tinham o conceito da coisa que possibilitasse
o reconhecimento das caravelas. Foi preciso que um xamã, intrigado com o movimento
inquieto do mar, se pusesse a contemplar o oceano até, enfim, conseguir enxergar as
embarcações”. De fato, essa lenda nos aponta para o fato de que para compreendermos uma
dada realidade, é necessário que ela, de alguma forma, repercuta em conhecimentos prévios/
convenções que construímos em nossa história.
Com relação à memória, dessa forma a questão da convencionalização nos leva a
considerar também a relação existente entre o ato de lembrar e o relevo existencial e social do
fato recordado para o sujeito que recorda. O que é lembrado estaria condicionado pelo
interesse social que o fato tem para o sujeito.
Das contribuições de Bosi em seus estudos sobre a memória o que podemos destacar
como mais relevante para esta pesquisa, é a idéia da inerência da vida atual ao processo de
reconstrução do passado, bem como as relações entre memória, formação cultural e vínculos
grupais e sociais. Somos marcados pela história e nossa memória está entranhada pela
cultura, pela tradição, pelas ideologias dos diferentes momentos históricos de que
participamos. Reconheço, assim, o aspecto social da memória, que ela é construída na
articulação entre aspectos individuais e sociais, que se modifica à medida que as experiências
do indivíduo se ampliam, de certo modo, remodelando-as. A partir dos princípios sobre
memória essa pesquisa se conduziu.
39 Direção de William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente e
Roteiro de William Arntz, Betsy Chasse e Matthew Hoffman.
50
Para mim, tais conceitos se materializaram muito claramente, não apenas ao
acompanhar o rememorar de meus entrevistados mas em mim mesma, a medida em que fui
mergulhando nas memórias dos outros a respeito de tempos e experiências que conhecia de
forma distante. Não raro, os próprios entrevistados surpreendiam-se com a emoção que o
rememorar provocava neles, bem como com a força com que lembranças que pareciam tão
distantes no tempo surgiam. A situação que vivi com uma de nossas entrevistadas, Dorothy
Pritchard, exemplifica muito bem essa questão. Ela começou nossa conversa desconfiando de
sua própria memória, “sou pessoa de pouca memória”, dizia. No entanto, a quantidade de
detalhes que foram sendo descortinados, e a vivacidade com que ela me relatava os mesmos,
expressavam que, mais do que um relato factual, ela vivia por meio do próprio ato de
rememorar, um revivificação das experiências, uma leitura atualizada que não seria possível
ser feita na própria época da experiência em si.
Em “sugestões para um jovem pesquisador” de Bosi (2004) encontro uma advertência
que me tocou de modo especial, pois traduziu um sentimento que me acompanhou na maior
parte das entrevistas que realizei. Bosi recomenda que a entrevista seja realizada na casa do
depoente, pois assim estaremos “mergulhados na sua atmosfera familiar e beneficiados pela
sua hospitalidade” (2004, p. 59). Diz também que a entrevista ideal é aquela que permite
formação de laços de amizade, responsabilidade pelo outro, da qualidade desse vínculo,
afirma a autora, vai depender a qualidade da entrevista. “Narrador e ouvinte irão participar
de uma aventura comum e provarão, no final, um sentimento de gratidão pelo que ocorreu: o
ouvinte pelo o que aprendeu; o narrador, pelo justo orgulho de ter um passado tão digno de
rememorar quanto o das pessoas ditas importantes.” (2004, p.60-61). Bosi continua,
afirmando que ambos sairão transformados pela convivência, dotada de uma qualidade única
de atenção.
Para citar alguns dos momentos inesquecíveis vividos em minha pesquisa de campo,
lembro da diversão em acompanhar Dorothy Pritchard assando pães de queijo, colocando um
timer próximo a nós duas e me confidenciando que invariavelmente esquecia as coisas no
forno - culinária, dizia, não é bem o meu forte. Das experiências que me contou com as
danças circulares e as aulas de cavaquinho que aquela jovem senhora vivia com entusiasmo.
Sentia-me aberta aquele contato, para mim prazeroso e instigante. Lembro-me também da
emoção ao partilhar com Balina Belo de sua busca em vários cadernos antigos por uma de
suas poesias. A tal poesia não encontramos, mas ela leu várias, para meu contentamento. Das
tardes na casa de Célia, entre lanchinhos e causos contados por José, seu marido, num
ambiente que tanto comunicava sobre a própria vida e história daquela família: livros em
51
todos os lugares e um empenho eterno em catalogá-los e organizá-los, nas fotos dos filhos nas
paredes, nos brinquedos dos netos em cantos da sala, na sala-escritório com enorme arquivo
de todo o processo ligado ao desaparecimento de Rui Frazão Soares, irmão de Célia. Em
nossas conversas, sinto que havia um sentimento de amizade que permitia a eles que me
contassem suas vidas conversando desarmados (BOSI, 2004, p. 60).
Esses encontros – porque foram, efetivamente, entrevistas-encontros – mobilizaram-
me por inteiro. O que eu sabia sobre passagens da história recente brasileira, como o golpe
militar, a ditadura, o AI-5, transformaram-se em muito mais do que informações conhecidas
racionalmente em livros e artigos diversos. Aproximando-me daquelas pessoas e de suas
experiências reais, acontecimentos passados se presentificaram para mim também, integrando
à minha forma de hoje compreendê-los à dimensão de uma verdadeira experiência, vivida
através da história oral que meus entrevistados me narraram. Vivi na pele o que Benjamim e a
própria Célia Linhares preconizam com tanta confiança, o poder da narrativa e da experiência
de tirar a história da dura vida enclausurada nos fatos lineares, contadas por apenas um
ângulo. A história me encharcou por inteiro. Senti-me grávida de história. E como toda
grávida que conheço, passei a ver por onde andava outras grávidas (não é assim quando
estamos esperando um filho? Não nos parece que aumenta a quantidade de mulheres na
mesma condição que a nossa por onde andamos?).
Nos tempos de produção dessa tese, minha escuta e sensibilidade foram tocados por
esse universo de experiências que passou a me habitar. Passei a reconhecer nas novas leituras
que fazia, nos filmes que via e nos estudos para a tese que fui dando continuidade, ligações
com aquele universo de experiências. Também aconteceu a releitura de alguns textos, como
os da própria Célia, e compreendê-los de uma outra forma, o que não me era possível quando
da primeira leitura. Não basta dizer que me sentia “sabendo mais” sobre diversos fatos
históricos. Eu não apenas sabia mais, mas sabia de uma forma diferente, que envolvia minha
emoção, minha sensibilidade, meu interesse, que tinha se acendido mais vivamente. “O que é
de interesse não se esquece”, nos dizia Queirós. De fato, aquele universo passou a ser de meu
interesse. Como não reconhecer nesse mergulho, que passa pela experiência de narrar ao outro
a própria vida e história, um caminho fascinante para pensarmos na formação do professor?
52
Para exemplificar esse sentido integrado que o conhecimento histórico, via narrativas
e estudos passou a ter para mim, posso citar alguns filmes que assisti e a intensidade de
sentimentos e relações que pude fazer hoje. Um deles menciono ao longo da tese, se intitula
“A vida dos outros40”. O filme conta a história real do sistema de observação alemão oriental
durante o período da Guerra Fria. Nos anos 80, o Ministro da Cultura se interessa por uma
atriz casada com um conhecido dramaturgo. Acusados de serem traidores do comunismo,
passam a ser observados por um agente do serviço secreto, a Stasi. O agente em questão, um
homem simples, cuja vida solitária se resume a servir o Estado, envolve-se intensamente com
a vida dos artistas que passa a acompanhar diariamente. Emociona-se com a música que
escutam, com as peças que encenam e lêem em voz alta, com os momentos de amor e medo
que o casal compartilha e então passa a protegê-los. O algoz vira cúmplice pois foi tocado
pela arte, pelo sensível, pelo humano. O filme trata com extrema delicadeza e humanidade o
esforço de seus protagonistas para extrair a dignidade de suas regradas vidas durante esse
período pré-queda do muro de Berlim. Reportei-me às histórias que alguns de meus
entrevistados narraram a respeito da ditadura brasileira, das tensões permanentes, do medo de
estarem sendo espreitados e, sobretudo, das ambigüidades presentes nas relações de força
entre perseguidos e perseguidores.
Outro filme, “Batismo de Sangue”, dirigido por Helvécio Ratton e lançado em 2006,
baseado no livro de Frei Beto, traz a história verídica do engajamento de alguns freis
beneditinos na resistência à ditadura no fim dos anos 60. Freis Tito, Betto, Oswaldo, Fernando
e Ivo passam a apoiar o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional, comandado por Carlos
Marighella, ficando na mira das autoridades policiais. Capturados a mando do General Fleury,
sofrem torturas até denunciarem o ponto de encontro com Marighella, o que ocasionou seu
assassinato pelas forças da ditadura. “A tortura quebra o homem”, frase dita por um dos
personagens. Quebra por que diante da dor, do limite humano, somos levados a trairmos a nós
mesmos, esfacelando-nos, cindindo-nos. A experiência de cisão leva Frei Tito a perturbação
mental e conseqüente suicídio. As cenas de tortura do filme foram para mim impossíveis de
assistir na integra tão reais me pareciam. A dor, a injustiça, a perplexidade diante da
40 Filme produzido pela Alemanha em 2007, com direção e roteiro de Florian Henckel Von Donnersmarck.
53
capacidade humana de destruição me tomaram. Foi-me impossível não lembrar a todo o
momento de Rui Frazão, de Célia Linhares, dos anos 60 e 70 que agora fazem parte de mim
também. Na linha de filmes brasileiros, “Zuzu Angel” de Sérgio Rezende, reporta-se a
temática semelhante a do filme de Ratton. Narra a história, também verídica, da luta de Zuzu
em busca de seu filho desaparecido, Stuart. Ele é preso, torturado e assassinado pelos agentes
do Centro de informações da Aeronáutica, sendo dado como desaparecido político. Inicia-se
então o périplo de Zuzu, denunciando as torturas e morte de seu filho. Suas manifestações
ecoaram no Brasil, no exterior e em sua moda. Assim como em “Batismo” fui capturada pelas
emoções do filme e pela temática que sentia agora tão próxima.
“A culpa é de Fidel”, filme francês dirigido por Julie Gravas em 2007, foi outro que vi
recentemente e que me tocou de modo especial. Narra a história da menina Anna de 9 anos
que vê sua vida se modificar inteiramente em virtude do engajamento político de seus pais
com a causa Chilena. Novos valores, novos hábitos passam a fazer parte da vida da família.
Toda aquela mudança é vista pelo olhar da criança que busca compreender os sentidos que
passam a orientar a família, sentindo os efeitos de escolhas que não são as dela em sua vida
cotidiana. Os adultos, hora compartilham com ela alguns de seus sentidos, hora deixam-na no
vazio sem compreender o que se passa. E ela vai fazendo um esforço hercúleo para encontrar
um lugar no meio das mudanças, coisa que o faz concretamente, elegendo um canto do
armário como seu, construindo um pequeno continente de segurança. Também aqui me tocou
esse movimento que é o nosso de buscar sentidos e de como muitas vezes, arrastamos filhos,
familiares e amigos nas escolhas que vamos fazendo. Algumas com impactos tão decisivos na
vida de todos. Escolhas que, no caso das crianças, parecem tão distantes de suas necessidades
e entendimentos...
Esses são alguns exemplos. Conhecer a história pela voz de quem a viveu, a retirou
para mim do frio campo da informação factual para introduzi-la no campo da experiência, da
sensação. Essa minha renovada escuta e abertura para ouvir e conhecer de novo elementos
relativos a outros tempos históricos de meu país e do mundo, se estendeu para a forma como
passei a apreciar as músicas (revisitando o movimento Tropicalista e conhecendo-o melhor,
ouvindo Beatles, Bob Dylan e outros), os movimentos populares daqui e do mundo (o
movimento negro americano e seus líderes, o movimento armorial, maio de 68 na França, as
Balaiadas Maranhenses, dentre outros), a produção artística e cultural (as artes plásticas e seu
movimento de renovação nos anos 80, o movimento teatral da época da ditadura e do período
de democratização, o cinema, a imprensa na voz dos irreverentes criadores do Pasquim).
Dispersava-me (no ótimo sentido da palavra) lendo depoimentos de ex-exilados políticos,
54
como o de Heloneida Stuart (concedido em 1999 para o Centro de Pesquisa e documentação
de História Contemporânea do Brasil – CPDOC da Fundação Getúlio Vargas), pesquisando
personalidades das épocas estudadas, ouvindo músicas, lendo sobre movimentos artísticos e
culturais. Numa curiosidade que só fazia crescer no contato com meus entrevistados e com os
textos de Célia. Como que se assim eu pudesse sentir o mundo com eles, me tornando mais
porosa às suas experiências. Esse mergulho na história, que se deu via música, literatura,
cinema me levou a necessitar compor na tese um panorama, ainda que breve e geral, dos
principais movimentos das décadas que enfoquei, ambientando os capítulos em seu contexto
histórico. Descobri depois, mesmo sem saber, que segui o conselho de Lucien Febvre (1977)
de que:
Para fazer história virem resolutamente as costas ao passado e antes demais
vivam. Envolvam-se na vida. Na vida intelectual, sem dúvida, em toda a sua
variedade. Historiadores, sejam geógrafos. Sejam também juristas e
sociólogos e psicólogos: não fechem os olhos ao grande movimento que, à
vossa frente, transforma a uma velocidade vertiginosa, as ciências do
universo físico. Mas vivam também uma vida prática. (...) É preciso que a
história deixe de vos parecer como uma necrópole adormecida, onde só
passam sombras despojadas de substância. É preciso que no velho palácio
onde ela dorme, vocês penetrem animados da luta, ainda cobertos de poeira
do combate, do sangue coagulado do monstro vencido, e que, abrindo as
janelas de par em par, avivando as luzes e restabelecendo o barulho,
despertem com a vossa própria vida, a vossa vida quente e jovem, a vida
enregelada da Princesa adormecida... (Lucien Febvre in Combates pela
História, 1977, p. 56)
Como meu foco era compreender o trajeto de Célia Linhares e a construção de seu
pensamento pedagógico, era fundamental também contextualizar os diversos momentos
históricos que atravessou, com que tensões e idéias dialogou. Para tanto foi preciso abordar o
pensamento pedagógico brasileiro ao longo das décadas de 60 até os dias de hoje. O encontro
com o livro recém lançado por Demerval Saviani, “História das Idéias pedagógicas no
Brasil”, lançado em 2007, foi fundamental, pois apesar de ter recorrido a Otaíza Romanelli,
Maria Lúcia Aranha e outros, sentia falta de mais subsídios. Com Saviani, pude trazer para
esse trabalho uma visão mais ampla do movimento social e as conexões entre o pensamento
pedagógico brasileiro e aspectos da economia e política que se interpenetravam.
Pela natureza de meu trabalho, que congrega tantas vozes, que mergulha em aspectos
da cultura, da arte, da literatura é na pesquisa narrativa e nos estudos sobre as práticas
autobiográficas na formação de professores que encontrei, também, um caminho teórico-
55
metodológico interessante. Narrativa que é conteúdo e forma, que convida a construir uma
escrita em que se congregam muitas vozes, rompendo alguns cânones (LOPES, 2003).
Os estudos de Catani, Bueno e Sousa (2003), em sintonia com os da francesa Marie-
Christine Josso (2004) dentre outros, foram referência fundamental para compreender a
relevância das práticas autobiográficas e biográficas na formação de professores. Catani,
Bueno e Sousa (2003), afirmam que no imaginário social, as professoras não têm história
porque repetem. Repetem o que aprenderam, repetem cursos, programas, conhecimentos,
práticas, durante as décadas de sua carreira profissional. Para as autoras, tal perspectiva faz
com que as professoras não sejam em geral sujeitos de memória. Portanto, considerar a voz
dos professores nas pesquisas biográficas e autobiográficas é possibilitar a evocação da
própria história, valorizando a experiência humana e reconhecendo aí uma inestimável
riqueza para o conhecimento. Contar histórias é dar voz ao sujeito. Uma voz comumente
reprimida na nossa escola, seja de nível básico ou superior. Dar voz a Célia e seus pares era
portanto, agir no sentido de valorizar suas trajetórias, compreender seus percursos.
Desse modo, o processo de dar sentido/significado, através do narrar-se, pode ser visto
como emancipatório, pois consiste em uma forma de dar expressão à experiência pessoal.
Nessa perspectiva, afirmo a escolha das Pesquisas narrativas em minha tese. É Iduina
Mont’Alverne Chaves (1999) quem explicita o sentido desse tipo de pesquisa. A autora
afirma que as histórias de professores têm um lugar especial no estudo do ensino e da
formação/educação dos mestres, pois uma vez contada uma história, ela se torna peça da
história, uma peça aberta à interpretação.
As pesquisas narrativas, afirma Mont’Alverne Chaves, tais como as histórias de vida e
os relatos autobiográficos trabalhados por Catani e outros, têm se constituído como estratégias
privilegiadas para se estudar as práticas e as carreiras de professores. Para Nóvoa a formação
é inevitavelmente um trabalho de reflexão sobre os percursos de vida (Nóvoa, 1988, p. 116).
Somando-se aos esforços de reconceitualizar a formação de professores, de acordo com as
perspectivas contemporâneas de pesquisa e de valorizar a subjetividade, estas perspectivas
buscam dar voz aos mestres, permitindo que eles se ouçam e se façam ouvir. Trata-se de
buscar formas através das quais o sentido se constitui, valorizando a experiência e a
subjetividade.
A concepção de formação subjacente a essas teorias postula que as práticas docentes
encontram-se enraizadas em contextos e histórias individuais, que antecedem, até mesmo, a
entrada na escola, estendendo-se a partir daí por todo o percurso de vida escolar e
56
profissional, em contraposição a idéia de que ela só se daria a partir do momento em que os
alunos e professores entram em contato com as teorias pedagógicas nos centros de formação.
Schön, Pèrez, Sacristán (apud Catani et all, 2003) observam que o discurso
pedagógico é prescritivo por excelência. Este caráter, segundo os autores, é contraproducente
para a experiência dos professores, tendo em vista que as prescrições acabam por impor e por
exigir dos docentes uma conduta ética e uma competência prática que raramente eles podem
realizar. Tal imposição leva a um modo equivocado de se compreender as relações entre
teoria e prática na atividade docente, vistas em geral de modo unívoco e linear. Tal equívoco
acaba por gerar tensões no professor, pois ao invés de fazê-lo refletir sobre seu trabalho e sua
formação, exigem um modelamento que gera desestímulo e insatisfação profissional. A
percepção da educação como “campo de aplicação de teorias” levou a idéia de que o olhar
sobre a experiência passada é no mínimo inútil, porque se refere ao ultrapassado, e no
máximo pernicioso, porque sem bases científicas. Nesse sentido, reforçam a idéia de que
textos de biográficos poderiam instigar a espaços de reflexão na formação de professores.
A respeito do ato de narrar – próprios das pesquisas narrativas - vemos com
Benjamim (1994) que as experiências narrativas têm se tornado cada vez mais raras na
contemporaneidade, em função de um tempo que dá relevo a velocidade das informações, ao
consumo em detrimento da experiência e da convivência.
O narrador não está presente entre nós, em sua atualidade viva. Ele é algo
distante, e que se distancia ainda mais. (...) É a experiência de que a arte de
narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que
sabem narrar devidamente. Quando se pede a um grupo que alguém narre
alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de
uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de
intercambiar experiências (Benjamim, 1994: 197-8)
Portanto, as pesquisas narrativas buscam abrir espaço para que a experiência dos
sujeitos seja contada e interpretada, possibilitando que àqueles que têm acesso a ela possam
também refletir sobre a sua própria trajetória à luz da trajetória do outro. Além disso,
contribuem para pensar/ponderar sobre as questões e problemas educacionais, ao trazer via
bio-história, aspectos da trajetória profissional e de seus contextos à tona. Vale acrescentar
que ao desenvolver de modo sistemático a prática de escrita e análise sobre os relatos, com os
professores, este tipo de estudo configura um tipo de pesquisa de colaboração, à medida que
os professores envolvidos nesse processo se tornam simultaneamente tema e sujeitos da
pesquisa (MONT’ALVERNE CHAVES, 1999).
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A narrativa é contemporânea – pois está relacionada ao aqui e ao agora – e ao mesmo
tempo histórica – pois traz a dimensão da tradição, do enraizamento no passado, capturando-
o, preservando-o e atualizando-o. Ao narrar a própria história, outras histórias podem ser
criadas. As histórias individuais de professores, por exemplo, podem levar outros professores
a relembrarem suas próprias histórias e a fazerem relações nos planos individuais e coletivos.
Para Mont’Alverne Chaves (op.cit.) a pesquisa narrativa é uma ampla categoria para
uma variedade de práticas de pesquisas contemporâneas que incluem a coleta e a análise de
autobiografias, biografias, histórias de vida, relatos pessoais, narrativas pessoais, narrativas de
entrevistas, documentos de vida, histórias orais, auto-etnografia, etnopsicologia, memória
popular, etc. A pesquisa narrativa é claramente interdisciplinar, incluindo elementos de
estudos literários, históricos, antropológicos, sociológicos, psicológicos e culturais. As
ciências sociais, têm saído desde a década de 70, aproximadamente, de um modelo
marcadamente tradicional positivista para uma postura interpretativa: tornando-se o
significado seu foco central.
A autora afirma ainda que o estudo das narrativas possibilita também que aspectos da
vida social e cultural do contexto onde vivem os narradores sejam revelados. Essa
perspectiva se apóia numa concepção de conhecimento que reconhece que as diferentes
situações vividas pelos professores ao longo de suas histórias, marcam a sua narrativa, pois ao
recontarem suas experiências estão na verdade realizando uma recriação permanente,
influenciada pelo momento vivido. Contar histórias é o que nós pesquisadores fazemos ao
organizarmos as narrativas dos professores. Tal perspectiva aponta as narrativas como
fenômeno e método (Mont´Alverne Chaves, 1999).
A narrativa, como fenômeno e como método, assume um papel central no
desenvolvimento pessoal e profissional. Por meio do contar, escrever e ouvir histórias de vida
– as suas e as dos outros – é possível ultrapassar barreiras culturais, descobrir a força da
identidade e a integridade do outro e ainda, aprofundar a compreensão de suas perspectivas e
possibilidades. Além disso, as narrativas interessam-se em construir e comunicar significados
de vida.
A narrativa apresenta características multifuncionais. Faz uso de materiais pessoais,
tais como estórias de vida, testemunhos, exemplos, conversas e escritos pessoais. Ela convida
à reflexão e requer do pesquisador o exame do contexto onde se situa a pesquisa e suas
implicações mais amplas.
O pesquisador trabalha não apenas com aquilo que é dito, mas também com os não
ditos, presentes nas “entrelinhas”, dentro do contexto no qual a vida é vivida e o contexto da
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entrevista no qual as palavras são faladas para representar aquela vida. Mont’Alverne Chaves
(1999) afirma que “O uso metodológico da narrativa traz os pesquisadores ao contato com
questões metodológicas, epistemológicas, ontológicas, numa perspectiva multidisciplinar,
com suporte da antropologia e da literatura”.
No entanto, para que as histórias narradas contribuam efetivamente para a formação
de professores é preciso, como nos aponta Mont’Alverne Chaves (op.cit.), que elas sejam
genuínas e provoquem união, sejam evocativas, convidem à reflexão e sejam passíveis de
interpretação. A autenticidade, a reflexão, a reinterpretação elevam, como nos diz a autora, a
história “para além do reino da conversa inútil”.
O reconhecimento das potencialidades educativas do trabalho com os relatos de
formação apóia-se na idéia de que a espécie de reflexão favorecida pela reconstituição da
história individual de relações e experiências com o conhecimento, a escola, a leitura e a
escrita permite reinterpretações férteis de si próprio e de processos e práticas de ensinar.
Estas são as premissas que sustentam às pesquisas que usam narrativas e que lhes
conferem qualificação e riqueza. Acredito que elas se constituem em oportunidades de
investigar a formação de modo que a teoria e a prática se façam presentes de modo
indissociável. Viver a história e entender as nossas próprias narrativas poderá ser o melhor
exercício de construção do conhecimento sobre este tema.
É importante também que eu fale um pouco sobre algumas escolhas quanto a forma da
escrita desse trabalho. Procuro não interromper fluxos, por isso lanço mão dos pés de página.
Por vezes, o excesso de informações que não dizem respeito diretamente ao que se está
abordando pode funcionar como “arame farpado” no texto, dificultando sua leitura. Nessa
introdução busquei evitar isso, sem no entanto, deixar de explicitar algumas relações que
considerei pertinentes e acrescentar referências sobre os livros, filmes e outros que mencionei
e que considero, enriqueceram a leitura e ampliaram a compreensão desse texto.
No caso dos pés de página ao longo dos capítulos da tese, o motivo é também não
interromper fluxos, mas passa por uma reflexão que fui fazendo a medida em que escrevia.
Percebi que muitas das informações de rodapé poderiam até ser dispensáveis para o
leitor/avaliador. No entanto, elas estavam ali pois tinham me ajudado a compreender melhor
esse trabalho. Como exemplo, pesquisei um pouco sobre autores mencionados por Célia que
não conhecia suficientemente. Para mim foi muito importante me aprofundar um pouco mais,
me permitiu caminhar com maior clareza em meus estudos. Mas de fato, não são informações
de corpo de texto. São quase que pequenos desvios, estradas paralelas que peguei, para alargar
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Uma mestra da palavra: o pensamento educacional de Célia Linhares

  • 1. 18 UNIVERSIDADE FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO UMA MESTRA DA PALAVRA: Ética, memória, poética e (com)paixão na obra de Célia Linhares por ADRIANNE OGÊDA GUEDES RIO DE JANEIRO 2008
  • 2. 19 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO UMA MESTRA DA PALAVRA: Ética, memória, poética ou (com)paixão na obra de Célia Linhares por ADRIANNE OGÊDA GUEDES Tese apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Doutora em Educação da Universidade Federal Fluminense, sob a orientação da Profª Drª Iduina Mont’Alverne Chaves. RIO DE JANEIRO 2008
  • 3. 20 FOLHA DE APROVAÇÃO Adrianne Ogêda Guedes UMA MESTRA DA PALAVRA: Ética, memória, poética ou (com)paixão na obra de Célia Linhares Rio de Janeiro, 17 de abril de 2008. Aprovada por: _________________________________ Iduina Mont’Alverne Chaves (UFF- Presidente) _______________________________________ Maria Cecília Sanchez Teixeira (USP) _______________________________________ Denice Bárbara Catani (USP) _______________________________________ Valdelúcia Alves da Costa (UFF) ________________________________________ Waldeck Carneiro da Silva (UFF)
  • 4. 21 Para minha mãe Eny, e Moacyr e Aguiléa Ogêda, meus avós maternos, (in memorian), raízes.
  • 5. 22 Agradeço, A todos os depoentes que colaboraram fundamentalmente com esse trabalho: Ana Heckert, Andréia Reis, Balina Belo, Bruna Molissani, Clarice Nunes, Dagmar Canella, Dorothy Pritchard, Eliana Yunes, Estela Scheivar, Heloisa de Oliveira Santos Villela, Inês Bragança, Isabel Reis, Jésus de Alvarenga Bastos, Raimundo Palhano, Lúcia Fidalgo, Luís Sangenis, Maria de Jesus Gaspar Leite, Mônica Sally, Mônica Corbucci, Ney Luiz Teixeira de Almeida, Patrícia Porto, Ramofly Bicalho dos Santos, Rosane Marendino, Tereza Calomeni, Rose Clair Matela, Thereza Pflueger, Valdelúcia Alves da Costa e Waldeck Carneiro da Silva, As bolsistas Juliana Pessanha e Verônica Costa, pelos compartilhamentos no vasculhar de uma estrada comum a nossos interesses, A UFF pela bolsa CAPES que viabilizou essa pesquisa, A Isabela da secretaria do programa de doutorado da UFF, sempre solícita e atenciosa, A Selene Beviláqua Chaves Afonso, que com sua escuta sensível, arguta e atenta tem me ajudado nas travessias, Aos colegas que fazem parte do grupo de orientandos da professora Iduina Chaves: Bruna Molissani, Eduardo Menezes, Jacyana Guaraná, Patrícia Porto e Tânia Ninhary que foram parceiros muito importantes ao longo de meu doutorado, escutando as idéias quando elas ainda estavam nascendo, A José Linhares que com sua simpatia, boa vontade e erudição, me ajudou na pesquisa histórica desta tese, A Iduina Mont’Alverne Chaves, por tudo e muito mais. Pela parceria atenta e entusiasmada com que me brindou ao longo desse trabalho, fazendo dessa caminhada, uma experiência nada solitária, A Gabriela Paschoal e Luang Dachar, que com sensibilidade e criatividade deram seus toques de arte a esse trabalho, E por fim, a própria Célia Linhares, que se mostrou sempre disponível as minhas muitas solicitações, abrindo sua casa e sua vida com singular receptividade e afetuosidade. A Daniela, presença sempre amiga, com quem troquei impressões, sentimentos e dúvidas nesses quatro anos e que sempre tinha uma palavra cúmplice e bem vinda, A Maria José, pelo apoio e cuidado tão necessário nesses tempos corridos, A querida Márcia Ahrends que me ajudou a “colocar” o corpo no lugar pós tese, A minha família, Glauco, Miatã e Isabella por fazerem parte da minha vida e estarem por perto, fazendo tudo ter um sentido muito maior, Aos meus sogros Maria e Kleber, com quem sempre pude contar, Ao Glauco muito especialmente, pelo carinho com que me acolheu nos momentos mais difíceis e nos de partilha da alegria de criar. Também pelos jogos de frescobol que me ajudavam muitas vezes a me preocupar apenas em acertar a bola.
  • 6. 23 SUMÁRIO Resumo Abstract Introdução Capítulo 1: Década de 60, os Inícios 1.1 - Movimento popular e políticas públicas: tensões e conquistas dos anos 60. 1.1.1 Movimento estudantil e organização dos empresários: o arrefecimento da Pedagogia Nova. 1.1.2 A reforma universitária no final da década 1.2 Entre o dia e a noite: Incertezas e confianças 1. 3 – Trilhas do pensamento pedagógico que se construía... 87 1.4 A voz dos parceiros: Dorothy Pritchard, Memórias de uma rádio-educadora. 1.5 O levedo está fermentando: marcando a trilha para continuar a caminhada. Capítulo 2: Década de 70, medos e ousadias. 2.1 “Segurança e desenvolvimento(?!)”: a desnacionalização do Brasil 112 2.2 De mala e cuia: Chegada ao Rio de Janeiro 2.3 Uma passagem tenebrosa: ausência sempre presente. 131 2.4 Trilhas do pensamento pedagógico ... 137 2.4.1 artigo: “O poder das expectativas e o self” (1972) 142 2.4.2 Introdução à ontologia da criatividade (ensaio de filosofia educacional sob a metodologia fenomenológica) – Tese de Livre docência. 1974 145 2.4.3 Ambigüidade, androgenia e crise – 1974.
  • 7. 24 2.4.4 Mestrado em Educação na Universidade Federal Fluminense: docência e pesquisa em perspectiva. 1978 156 2.5.1 A voz dos parceiros: Balina Belo, memórias de uma professora de didática. 2.5.2 A voz dos parceiros: Jésus de Alvarenga Bastos,de aluno à colega, memórias de muitas parcerias. 175 2.6 Pedra e semente: A Saga do herói, aventura de estar vivo. 190 Capítulo 3: Década de 80: Firmeza e esperança 196 3.1 Abertura política: O povo volta às ruas. 3.2 Mais firme na trilha. 204 3.3 Trilhas do pensamento pedagógico ... 213 3.3.1 Pensamento utópico e fantasias da educação na América Latina 216 3.3.2 A atuação da escola na fermentação da crise Malvinas/ Falklands (1982) 219 3.3.3 A educação e suas relações com as Identidades Culturais na América Latina (1983). 221 3.3.4 La identidad cultural y el processo de educacion en la América Latina – tesis de Doctorado em Ciências de la Educación, Universidad Nacional de Buenos Aires (1983). 3.3.5 A Interdisciplinaridade na Psicopedagogia (1986). 22 3.3.6 Os protagonistas da Pedagogia Escolar: Suas convergências e divergências (1987) 3.3.7 A escola e seus profissionais: tradições e contradições (1988) 227 3.4 A voz dos parceiros: Heloisa de Oliveira Santos Villela, aprendendo a viver com Célia, memórias de um encontro de fortalecimento e confiança 236 3.4 A voz dos parceiros: Waldeck memórias de um homem político 255 3.5 Mestra-mãe Capítulo 4: de 90 aos dias atuais: início de um novo século, novos tempos?! 4.1 Novas idéias, velhas raízes. 4.2 Novos rumos, novos ares: tempo de recomeços. 4 . 3 Parte I: Trilhas do pensamento, anos 90.
  • 8. 25 4.3.1 A Crise do Político na Educação: a imposição da estratégia como espaço de servidão versus a emancipação de sujeitos históricos na construção ética. Tese para Concurso de Professor Titular de Política Educacional (1993) 292 4.3.2 Tecnologias inteligentes x juventude desempregada: desafios da história. (1995) 4.3.3 Sujeitos Históricos: seus lugares na Escola e na Formação de Professores. (1996) 4.3.4 Direito ao saber com sabor: supervisão e formação de professores na escola pública. (1997) 301 4.3.5 Terremotos na pedagogia: perspectivas da formação de professores. 303 4.3.6 Escola Balaia – Um convite ao Debate para a Reinvenção de Caxias. (1999) 4.3.7 O Pensamento Pedagógico crítico no Brasil: A presença de Paulo Freire. (1997) 4.3.8 Medos e Violências nas Escolas: E a educação com isso? (1999) 321 4.3.9 Los lugares de cambio de los sujetos pedagógicos. 1998 321 4.4 Voz dos parceiros PARTE I: anos 90. 4.4.1 A voz dos parceiros: Clarice Nunes, uma parceria de confiança. 323 4.4.2 A voz dos parceiros: Valdelúcia, memórias de vôos em parceria: 329 4.4.3 A voz dos parceiros: Inês Bragança, memórias do convite para um piquenique- pedagógico 4. 5. Parte II: Trilhas do pensamento, anos 2000. 4.5.1 Pesquisas Educacionais podem romper com Profecias de Nascimento? Memórias e Projetos do Magistério no Brasil. (2001) 4.5.2 De uma cultura de paz e justiça social: movimentos instituintes em escolas públicas como processos de formação docente. 4.5.3 Liberdade: uma busca nossa de cada dia. (2003). 350 4.5.4. Memórias e narrações como leitura e releitura do mundo em Paulo Freire. (2003) 4.5.5 Órfãos de guerra? A educação nos labirintos de tempos e espaços contemporâneos. (2003). 4.5.6 Formação continuada de professores: como? Para quê? Para quem? (2004). 4.5.7 Movimentos instituintes na educação pública. 4. 6. Parte II: A Voz dos Parceiros, anos 2000. 461 4.6.1 A voz dos parceiros, anos 2000: Maria de Jesus Gaspar Leite, Sonhando com um futuro para a escola: de mãos dadas com Célia.
  • 9. 26 4.6.2 A voz dos parceiros: Ney Luiz, lembranças de um encontro que trouxe mudanças. 4.6.3 A voz dos parceiros: Ramofly. 4.7 Outras vozes: depoimentos. 4.8 Tempo de tecelagem FECHAMENTO/ ABERTURA: Uma mestra da palavra: ética, memória, poética e com-paixão OU (com)paixão na obra de Célia Linhares. Referências bibliográficas
  • 10. 27 RESUMO IDENTIFICAÇÃO: GUEDES, Adrianne Ogêda: Uma mestra da palavra: Ética, memória, poética e (com)paixão na obra de Célia Linhares. Orientadora: Iduina Mont’Alverne Braun Chaves. UFF, Niterói-RJ, 1704/2008. Tese (Doutorado em Educação), 405 páginas. Campos de confluência: Políticas Públicas, Movimentos Instituintes e Educação. Linha de pesquisa: Formação de Profissionais da Educação. Projeto de pesquisa: Política de formação de professores: a cultura das licenciaturas na UFF. Este trabalho situa-se no âmbito das pesquisas narrativas, focalizando as experiências dos sujeitos, na interface com o estudo dos contextos mais amplos em que transcorrem. Buscou-se compreender as marcas significativas do pensamento educacional/pedagógico da educadora maranhense Célia Linhares, cuja trajetória profissional teve como lócus principal a Universidade Federal Fluminense no período que vai de 1970 a 2000. A tese estuda a sua produção escrita com vistas a: apreender as idéias força, a forma como elas foram se construindo e se constituindo ao longo do tempo, a presença das questões que circulavam nos diferentes tempos históricos vividos por ela e a potencialidade de seu estilo de escrita. A escolha da obra/vida desta professora, se deu em virtude da significativa contribuição à educação brasileira, sobretudo no campo das políticas públicas para formação de professores, tema ligado ao campo de confluência Políticas Públicas, Movimentos Instituintes e Educação, do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense. Outro critério importante para este estudo foi a expressiva obra da referida professora, que nos permitiu articular seus textos, à sua história profissional e à sua pratica pedagógica. Os estudos da complexidade, que têm como patrono Edgar Morin, permeiam o método, as análises e as reflexões tecidas ao longo dessa tese. Entrevistas foram realizadas com a professora Célia Linhares e com pessoas com as quais trabalhou e conviveu em diferentes épocas de sua vida. Além disto, foi feito o estudo do pensamento pedagógico brasileiro desde a década de 60 e das relações entre a educação, o contexto mais amplo brasileiro e a inserção política e pedagógica da professora Célia Linhares, buscando evocar as interdependências entre educação, política, economia e demais aspectos do nosso contexto sócio-político e cultural. Este trabalho nos leva a concluir que a obra dessa educadora ressalta a necessidade de agirmos contra a barbárie, convocando a educação a constituir-se como promotora da solidariedade, do sentimento de pertença no exercício da escuta e do diálogo, no acolhimento e no estabelecimento de relações pautadas pelo amor e pelo afeto. Os princípios da emancipação pela autonomia dos sujeitos, da dignidade e da cidadania como aprendizagem escolar são nucleares no ideário pedagógico da professora Célia Linhares Mestra do Amor, que se deixa contaminar pela verdade do outro, não impondo a sua própria. Palavras-chave: Formação de professores, História da Educação e Pesquisa Narrativa.
  • 11. 28 ABSTRACT This work lies in the scope of searches narratives, focusing on the experiences of the subject, at the interface with the study of broader contexts in which they occur. Thus, it was possible to understand through trajectories, methods and processes of life, involving personal choice, experiences and strategies of the teachers and students face the tensions of a time that never ceases to change. In summary, this study searches to understand the marks of thought significant educational/teaching of the professor Célia Linhares, especially through the study of their written production with a view to: seize the ‘ideas strength’, the way they were building and forming over time, the apresentation of the issues that circulated in different historical times lived by her and singularity of her style of writing. The choice of the work/life of this teacher, happened because of the significant contribution to the Brazilian education, especially in the field of public policy for training of teachers, a theme linked to the research group called ‘Public Policies, Movements Instituints and Education, linked to the Post Graduate Program in Education of the Universidade Federal Fluminense. Another important criterion for this study was the expressive writing works of the teacher in study, which allowed the thorough knowledge of their texts, its history and its professional pedagogical practice. The studies of the complexity, by Edgar Morin, permeate the method, analysis and reflections woven throughout this thesis. Interviews were conducted with with the professor Célia and with many of her peers, people with whom she worked and lived at different times of her was made a study of of the brazilian pedagogical thought since the decade of 60 and the relationships between education, the broader context of Brazil and the insertion of professor Celia Linhares in this movement of interdependence between education, politics, economy and other aspects of our the socio-political and cultural context. Her work emphasizes the need to act against barbarism, calling education to constitute itself as a promoter of solidarity, a sense of belonging to students, in the exercise of listening and dialogue and in the admission and the establishment of relations guided by love and affection. The principles of emancipation through autonomy of the subjects, dignity and citizenship as school learning are core ideas in the teaching of professor Célia Linhares, Master of Love, which makes contaminate the truth of the other, not imposing her own.
  • 12. 29 INTRODUÇÃO “Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um ponto de partida”. (Eduardo Galeano in As Palavras Andantes, 1994) “Não se pode pensar sem alicerces. Que é o imbecil, senão aquele que não dispõe da segurança proporcionada por um sólido cajado?” (Michel Mafessoli, 2004) “(...) É que a sociedade está voltada para o consumo. Não nos foi possível descobrir e vivenciar, com intensidade, que todo real é uma fantasia que ganhou corpo. Só pela fantasia acrescentamos. Somos sempre levados a acreditar que a fantasia é um exercício menor. Parece-me que estamos mais preocupados com a qualidade dos preços do que com a qualidade dos valores. Por muito tempo fomos induzidos à crença de que consumir é mais prazeroso que criar”. (Bartolomeu Campos de Queirós – Jornal da Unicamp, nº293 – 27 de junho a 7 de julho de 2000) Alicerces. Introduzir um trabalho é, de certo modo, além de apresentá-lo, explicitar sobre quais alicerces me sustento/sustentei para construir essa tese. Mostrar o “cajado” que me acompanha no qual me apoio na aventura de escrever e me inscrever. É o momento de expor mais um pouco – pois que o corpo da tese já o faz, e muito – a pesquisadora que sou (ou que vou sendo): que questões me mobilizam e encorajam, como compreendo a ciência, quais são as referências teóricas e metodológicas que me orientam e animam. Na esperança que essa introdução não seja apenas um desfile protocolar de teorias com vistas a cumprir a exigência formal de um trabalho acadêmico, prefiro pensar que vou contar uma história. A história dessa tese e da experiência de autoria que vivi. A história de meus alicerces. Eu sempre gostei de histórias. Sou filha de uma professora-atriz, Eny Ribeiro, que abandonou o teatro em função de, entre outras questões, a não aceitação de sua família. Moça de família simples e conservadora que via com olhos desconfiados o mundo do teatro, “não era coisa de uma mulher decente”, pensavam. Eny então enterrou fotos, recortes de jornal e lembranças no fundo dos armários escuros de seu closet. Os figurinos das muitas peças de que participou, colocou dentro de um enorme baú de madeira e deixou-o dentro de um outro armário escuro, o do meu quarto. Eu lembro de que eram escuros os armários, como me pareciam escuras as memórias daquele sonho do teatro que me encantava tanto. A mim me interessava desenterrar esses sonhos. Pouco se falava sobre esse tempo do teatro, pouco se
  • 13. 30 falava de passagens do passado (ou pelo menos, das que eu gostaria de conhecer mais). Mas havia brechas, em que escapavam cores no meio do breu. Uma delas, quando o baú se abria e eu mergulhava dentro dele, com minha amiga de toda a vida, Verônica Gerchman, recriando incontáveis mundos. Outra, quando minha mãe deixava sua veia teatral escoar nas histórias que contava e nos trabalhos que desenvolveu como diretora de escolas públicas. Eram peças de fantoches, festas culturais, danças, um mundo de eventos com os jovens dos subúrbios cariocas. Eu assistia e participava de tudo aquilo, acompanhando o caminho que a arte ocupava agora na vida de minha mãe. Uma professora-atriz, uma atriz-professora. A mim interessa revirar baús e closets, pescando sonhos. E o fazia. Nas histórias dramatizadas no meu quarto com Verônica, envoltas nas fantasias – as vestidas e as criadas – mesmo sendo ainda uma criança, já conseguia perceber a força e potência de saúde que advinham da criação. Verônica morava com sua mãe e pouco convivia com o pai. Em nossas brincadeiras, na grande maioria das vezes, era ela quem encarnava os personagens masculinos. Lembro que reconheci um dia, pela primeira vez, as conexões entre o que vivíamos fora daquele quarto e nossos jogos dramáticos e narrativos. Certo dia, encantada após ter andado no novo carro esporte de seu pai, após um dos raros fins de semana passados com ele, Verônica se sentou na cama anunciando: “Esse é o meu novo carro esporte! Vamos passear!”. Sua expressão era de contentamento. Naquele espaço da fantasia, da história inventada, elaborávamos desejos, sonhos, faltas e o nosso próprio crescimento. Brincamos assim durante muitos e muitos anos. Até o momento em que nossos sonhos não couberam mais naquele quarto e naquele baú. De meus tempos de menina, me lembro também de prestar muita atenção nas pessoas. No jeito que falavam, como caminhavam, suas histórias e idiossincrasias. Eu poderia passar muito tempo as observando e notava detalhes. Diante do espelho, era comum também, com maquiagens, perucas e fantasias, encarnar muitos personagens diferentes. Brincava com sotaques e expressões, inventava histórias, me transformando em gentes diferentes, vivendo outras vidas. Ainda o faço em casa, não mais para o espelho mas para divertimento de minha família.
  • 14. 31 Na adolescência e nos tempos de universidade, me deliciava com a leitura dos textos biográficos, autobiográficos e mesmo dos romances que traziam histórias de vidas e trajetórias. “Devorava” autobiografias e biografias. Histórias como as de “O Diário de Anne Frank1”, “Christiane F.2”, “Feliz Ano Velho3” de Marcelo Rubens Paiva, “Com licença eu vou à luta4” de Eliane Maciel, Mahatma Gandhi5, Charles Chaplin6, Isadora Duncan7, Liv Ulman8, “Olga9” de Fernando Morais, são algumas que sem esforço me vêm à lembrança e que povoaram meu universo. Posso lembrar detalhes que me marcaram em cada um desses livros. De Christiane F. lembro da perplexidade em conhecer a trajetória de alguém que, com apenas 13 anos, vivia num submundo assustador e que conseguiu, de alguma forma, sair dele. Tão distante dos 13 anos que vivi. De Eliane Maciel, tocava-me sua coragem de enfrentar uma família conservadora em que se sentia oprimida e fazer escolhas dissonantes, para minhas crises com as autoridades, típicas de adolescente, Eliane era uma cúmplice. De Mahatma Gandhi a admiração por sua tenacidade em empreender uma luta pacífica. Com Charles Chaplin surpreendi-me ao conhecer aspectos de sua origem, da mãe com problemas mentais, da extrema pobreza, da capacidade de se recriar em meio a tanta miséria. Com Isadora Duncan a liberdade de ser mulher, vivendo e fazendo escolhas, num tempo em que o destino das mulheres era traçado com linhas duras e inflexíveis. De sua dança-livre – uma de minhas paixões –, de pés descalços, vestimentas leves, explorando novas possibilidades de movimento. Mobilizava-me as experiências daqueles personagens reais, seus sofrimentos, encruzilhadas, abismos, esperanças, valores, amores. Através da leitura e, em particular, da leitura de textos literários, “a partir do mundo transfigurado em arte”, que é a obra literária, ia compreendendo melhor o mundo em que vivemos, o outro e a mim mesma (Ando, 2006). 1 Editora Record, 1990. 2 “Eu Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída” de Kai Hermann e Horst Rieck, Editora Bertrand, 1984. 3 Editora Brasiliense, 1982. 4 “Com licença eu vou à luta: é ilegal ser menor?”, de Eliane Maciel, Editora Codecri, 1983. 5 GANDHI, Mohandas K. Autobiografia: Minha Vida e Minhas Experiências com a Verdade. São Paulo: Palas Atenas, 1999. 6 “Histórias da minha vida” de Charles Chaplin, Editora José Olympio, 1965. 7 “Fragmentos autobiográficos” de Isadora Duncan, Editora L, P&M, 1985. 8 “Mutações”, Liv Ullmann, Editora Círculo do Livro, SP/ 1985. 9 Editora Alfa-Omega, 1986.
  • 15. 32 As histórias romanceadas também me interessavam (e ainda interessam), tais como a trilogia10 de Noah Gordon: “O Físico”, “Xamã” e “A escolha da Doutora Cole”. Nela conhecemos a saga de uma família desde o século XI, em que de gerações em gerações, nasce um membro com especial dom de cura. É fascinante acompanhar o movimento histórico, a própria invenção da medicina desde seus primórdios, as mudanças de valores, de cenários, de ambientes culturais. Lembro também de “Todos os homens são mortais11” de Simone de Beauvoir, que conta a história de um homem imortal, narrada pelo próprio personagem ficcional em sua jornada sem fim numa vida que não tem a morte como horizonte. Imortalidade que tem peso de “danação pura e simples” nas próprias palavras de Beauvoir, pois que o impede de compreender a efemeridade da vida. Já adulta outras tantas descobertas têm me alimentando e não raro, incluo textos de gênero biográfico em meu trabalho como professora formadora de professores. Algumas de minhas leituras parecem até algo estranhas, “vergonhosas”12 como nos diz Lygia Bojunga em suas memórias de leitura, mas que revelam esse leitor que somos todos nós, em busca se sentidos e humanidade, como que procurando cúmplices para o próprio ato de viver. Reconheço, no entanto, que minhas escolhas foram movidas por essa curiosidade em conhecer o outro em sua diferença. Ao aproximar-me desse estranho outro, debruço-me sobre os sentidos que ele foi dando a sua vida, os porquês de suas escolhas, os encontros e desencontros que viveu. Conheço um outro tempo que não vivi, partilho de sentimentos e sentidos que não são os meus. Vou me encontrando a mim mesma nessas leituras, seja pela absoluta ou relativa diferença, seja pelas semelhanças e convergências. Vale citar alguns desses livros, como exercício mesmo de explicitar o que foi me afetando nessa aproximação que os textos biográficos possibilitam. Sem organizar de forma cronológica as leituras que desejo sublinhar, começo com algumas das tais escolhas “embaraçosas” (como aquela revista de trivialidades que a gente, 10 Editora Rocco, 2000. 11 Editora Nova Fronteira, 1983. 12 Em suas memórias de leitura no livro “Livro” de Lygia Bojunga Nunes, a autora faz uma divertida menção a uma de suas “paixões literárias” de juventude, das quais não tem nenhum orgulho em declarar: “(...) Um dia eu chafurdei (a palavra é bem essa: cha-fur-dar) num caso meio vergonhoso da minha vida de leitora. É o tal caso que eu disse que ia contar o milagre, mas não ia dar o nome do santo. Não vou nem contar se o santo é brasileiro ou não. Também não interessa. O que interessa é que foi esse caso – bem negativo, por sinal – que me deu a fantástica dimensão dessa coisa que a gente é. A gente: nós todos aqui: leitores (BOJUNGA NUNES in Livro, um encontro com Lygia Bojunga, 1988: 17,18).
  • 16. 33 por vergonha, lê escondido ou o misterioso autor de uma literatura sem novidade, por quem Lygia se apaixonou). A biografia de Kelly Slater13, livro escolhido por minha filha quando tinha quatorze anos, em 2007 nas férias de verão, é uma dessas. Slatter é um jovem campeão de surf, que narra em sua biografia a infância e os vários episódios vividos em cima de uma prancha, apresentando seus ídolos do surf, sua relação com a liberdade, o risco e buscando o sentido que o moveu a conquistar tantos títulos nesse esporte. Passagens de uma vida passada nas ondas, a recomendação de sua mãe é um emblema: “Quando pegávamos resfriado, em vez de nos levar ao médico, minha mãe nos mandava surfar (SLATER, 2005,p.58)”. Li também o livro de “Abílio Diniz14”, empresário brasileiro, que embora não seja exatamente uma biografia, evoca vários aspectos pessoais. Diniz fala de sua rotina, de suas experiências familiares, do que acredita que sejam os valores mais caros em sua vida. Aparentemente, Abílio representa a absoluta diferença de escolhas e caminhos com relação aos meus, e isso acende minha curiosidade. Instigava-me reconhecer no perfil daquele business-man, que passou por experiências como a de um seqüestro, um interesse pelo movimento, pela manutenção da saúde, aparentemente algo tão diferente da idéia pré-formada que eu tinha de alguém que se dedicava integralmente a vida empresarial. Queria entender o sentido que ocupava em sua vida, tão talhada pela idéia de “sucesso”, essa dimensão do corpo. Convite a olhar para além das idéias pré-concebidas e reconhecer convergências na diferença. Assim também foi ler a autobiografia de Danuza Leão15, num livro em que desfilam personalidades do campo das artes em vários cenários cariocas, sobretudo numa Copacabana glamorousa em sua época de ouro, ou seja, aparentemente a pura familiaridade, carioca e copacabanense que sou. No entanto, quanta diferença reconheço na forma como Danuza traçou sua vida, viveu a maternidade e os relacionamentos. Outros tempos também de um Rio de Janeiro que não conheci em que a rua parecia franqueada ao povo, as grandes salas de cinema ainda não tinham sido substituídas por prédios, A confeitaria Colombo reinava na avenida principal do bairro. Tempo de boemia e encontro social (o tempo ainda “não era dinheiro”). Uma viagem para a vida da elite cultural carioca das décadas de 60 e 70. 13 GAIA Editora, 2005. 14 “Caminhos e escolhas” de Abílio Diniz, Editora Elsevier, 2007. 15 “Quase tudo”, Companhia das Letras, 2005.
  • 17. 34 Fechando o ciclo das estranhezas (serão mesmo estranhas?), o livro “A semente da vitória16”, do preparador físico Nuno Cobra, surgiu no meu caminho, combinando com a fase de corredora que vivi em 2006 (uma professora e doutoranda que, entre leituras, escritas e planejamentos de aulas, buscava na corrida não perder de vista sua corporeidade). Afora o tom prescritivo ao estilo da literatura de “auto-ajuda”, Cobra apresenta uma visão da preparação física interessante que ressoou em mim. Ele faz uma crítica a idéia corrente de que o bom treinamento é aquele que implica em dor muscular e leva a exaustão. Critica também termos como “malhar o corpo”, tão em voga na atual cultura fitness, por associar a um maltrato. O autor ressalta a necessidade de integrar às dimensões do corpo, mente e emoção. Sugere atenção ao próprio movimento, cuidado consigo. Os depoimentos daqueles que treinaram com ele, dão notícias de mudanças que não se limitaram apenas ao físico, mas que envolveram a própria autoconfiança e uma relação mais integrada com suas próprias vidas. É curioso conhecer caminhos tão distantes dos meus e reconhecer a sua legitimidade. A semelhança na diferença, a diferença na semelhança. Outras leituras fisgaram-me pela sintonia maior com a minha própria vida e também pelas temáticas ligadas aos meus interesses mais caros. Bartolomeu Campos de Queirós é um exemplo, em suas memórias de menino no livro “Por parte de Pai17”. Ele nos conta, dentre outras preciosas histórias, como deixou de fazer xixi na cama. Seu avô, com quem morou grande parte da infância, tinha o hábito de escrever nas paredes as coisas mais importantes que aconteciam na pequena cidade mineira em que moravam. Parede viva, verdadeiro e exótico patrimônio cultural da família. Certo dia, o avô ameaçou o menino Bartolomeu de escrever na parede que ela ainda fazia xixi na cama. Ameaça que surtiu prontamente o efeito desejado, revelando o estatuto de poder que a escrita ganhava na vida de Bartolomeu e a referência fundamental daquele avô-historiador. “Eu mesmo só parei de urinar na cama quando meu avô ameaçou escrever na parede. O medo me curou. Leitura era coisa séria e escrever mais ainda. Escrever era não apagar nunca mais. O pior é que, depois de ler, ninguém esquece, se for coisa de interesse.” (QUEIRÓS, 1995, p.14). O artigo memorialista 16 Editora SENAC, 2005. 17 Editora RHJ, 1995.
  • 18. 35 de Vitória Líbia B. de Faria, “Memórias de leitura e Educação Infantil18”, traz também a presença da memória de infância na construção do vínculo com a leitura. Nele, Vitória narra as delícias de uma infância passada no interior em que os serões literários congregavam leitores de todas as idades em volta de um pai contador de histórias, forjando a leitora voraz que ela se tornaria. “Sempre havia os que não sabiam ler convencionalmente, outros que já liam fluentemente e os que liam com certa dificuldade. Essa heterogeneidade não impedia nenhum de nós de participar ativamente dos atos de leitura. O desejo de decifrar aquilo que os livros diziam e de ser admitido no mundo da leitura misturava-se com a admiração pela figura paterna” (Faria, 2004, p. 50). Conta também que ao entrar na escola e ter suas experiências de leitura ignoradas, sentiu fundo o abismo entre escola e vida. Quero ainda citar mais algumas leituras que me tocaram de modo especial. “Língua Absolvida19” de Elias Canetti é uma delas. Livro autobiográfico traz as memórias de infância de Canetti, vividas na Bulgária e em outros países da Europa. Narrativa riquíssima em que o autor rememora miudezas de suas experiências com outras culturas, com a literatura, com outras línguas e a sua convivência com seus pais e familiares. Dentre elas, tocou-me especialmente o vínculo de Elias-menino com seu pai, que faleceu muito jovem, com 31 anos. O pai presenteava-o constantemente com livros. Sempre que Elias finalizava a leitura de um, prontamente outro já chegava para ocupar seu lugar. A discussão sobre as leituras era um espaço de encontro e afeto entre pai e filho. Canetti lembra que não raras vezes dedicava-se a ler os livros com avidez por saber que a noite viveria a delícia de poder contar a seu pai suas impressões sobre o que lera. Troca que o alimentava e pela qual aguardava com entusiasmo. “Comentava com meu pai cada um dos livros que lia. Às vezes ficava tão excitado, que ele tinha que me acalmar. Mas nunca me disse, à maneira dos adultos, que os contos eram mentira; sou-lhe especialmente grato por isso; talvez ainda hoje eu os considere verdadeiros. (...) Os livros e as conversas com meu pai sobre eles se tornaram a coisa mais importante do mundo, para mim.” (CANETTI, 2000, p. 50-51). 18 FARIA, Vitória Líbia Barreto de. “Memórias de leitura e educação infantil”. In: JUNQUEIRA, Renata (Org.). Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 2004. 19 Editora Companhia das Letras, 2000.
  • 19. 36 “Retratos20” de Roseana Kligerman Murray é também uma leitura que me tocou especialmente, essa mais pela capacidade da singeleza de seus textos, mesclados com imagens, de capturar meu coração a cada leitura. São páginas que misturam fotos em preto e branco de entes queridos ladeadas por pequenos textos traduzindo impressões e sentimentos da autora por eles. “A avó em cabelos muito brancos, curtos e lisos. Pouco cabelo. A pele é toda enrugada. Parece que já está virando árvore. O corpo também é pequeno. Ela toda parece um pássaro. (...) Os olhos pousados em coisas distantes, invisíveis navios, alguma terra do lado de lá?” (MURRAY, 1998). Para mim, que tenho tanta curiosidade em compreender como é mesmo então que se formam esses laços de prazer e sentido com a cultura, especialmente com a leitura e a escrita, reafirmei com Vitória Líbia e os serões literários, com Bartolomeu de Queirós e as paredes de seu avô, com Elias Canetti e as conversas com seu pai e com os delicados poemas amorosos de Roseana Murray, dentre outros, as interconexões entre conhecimento, literatura e vínculo afetivo. Pista importante para pensar a formação do leitor e do escritor21, tema de meu profundo interesse. Sem me demorar nos detalhes, que de tão gostosos me convidam a entrega, não posso deixar de mencionar outros livros e autores, que por motivos semelhantes e outros mais, muito me agradaram. “Como e por que ler os clássicos22” de Ana Maria Machado, “Infância23” de Graciliano Ramos, “Felicidade Clandestina24” de Clarice Lispector, “Quase 20 Retratos, editora Minguilim, 1998. 21 A esse respeito vale citar o livro “Teia de autores” de Pedro Benjamin e Tânia Dauster, da editora Autêntica, 2001, fruto de pesquisa sobre a formação do escritor. Os autores entrevistaram vários escritores de literatura perguntando sobre as influências que consideravam mais marcantes para que se tornassem leitores e escritores. Impressiona saber da quase inexistente referência à escola como uma influência. De modo geral, surge sempre a figura de um familiar ou algum amigo especial. Sobre a formação do leitor produzi em co-autoria com Adriana Hoffman o artigo “Formação de professores leitores em um projeto de extensão universitária no curso de Pedagogia: um relato de experiência”, nele discutimos a formação de professores numa perspectiva cultural, defendendo que para ser um formador de leitores – uma das tarefas do docente – há que se amar a literatura, como ensinar a gostar daquilo que não se gosta? Esse artigo foi publicado na Revista Educere et Educare vol. 2 N. 3 jan./jun. 2007. 22 Ana Maria Machado defende que os clássicos são na verdade os livros de que não nos esquecemos. Comenta vários de seus clássicos e discute as relações entre formação de leitores e a escolha literária adequada à infância. Editora Objetiva, 2002. 23 Nesse livro, Graciliano narra experiências de uma infância muito peculiar. Nela a leitura é introduzida com dureza, parte de uma educação marcada por extrema rigidez. Editora Record, 1995. 24 Clarice é Clarice, “irresumível” (se tal palavra existisse...). É uma experiência sensorial ler Clarice. Nesse livro, destaco “Menino a bico de pena”, que narra com delicadeza e sensibilidade o mundo de experiências de um menino-bebê. Esse já tive a oportunidade de ler em cursos de professores de creche e rendeu boas discussões sobre esse universo tão misterioso e interessante que é o homem no começo de sua vida. Editora Rocco, 2000.
  • 20. 37 memória25” de Carlos Heitor Cony, “Meus demônios26” de Edgar Morin. Todos os livros que, de diversas formas, resgatavam memórias de diferentes períodos da vida, ensinando-me a viver27. Preciso ainda citar uma paixão antiga, que se renova sempre. A literatura para crianças. Como Ana Maria Machado, Ricardo de Azevedo e Bartolomeu Campos de Queirós28, de certo modo também estranho essa categoria “literatura infantil”, por isso utilizo a nomenclatura literatura para crianças. O complemento “infantil” pode fazer pensar numa literatura menor o que, efetivamente, ela não o é. Mas ainda assim, acredito que há uma especificidade temática e uma forma estilística que é afeita ao universo da infância e que muitos adultos - sorte a deles -, conseguem encontrar nessa forma um sentido especial, se tornando leitores desse tipo de literatura. Posso dizer que sou um desses adultos de sorte. Dentre esse universo da produção literária para crianças, que tem crescido cada vez mais, quero destacar a que para mim é a escritora maior, a premiadíssima Lygia Bojunga Nunes29. Lygia é a primeira escritora brasileira que traz em seu universo literário o mundo interno da criança, encontrando uma forma toda própria de traduzir os sentimentos infantis. Na literatura de Lygia, a infância não é mitificada, não é idealizada como momento de puro encantamento, de alegria e felicidade. Ela traz uma infância que sofre, que tem solidão, que vive perdas, que lida com a morte, com a separação, com o medo. Raquel, a menina da Bolsa Amarela, foi um dos primeiros personagens que conheci, ela revela bem essa criança de Lygia: “Cheguei em casa e arrumei tudo que eu queria na bolsa amarela. Peguei os nomes que eu vinha juntando e botei no bolso sanfona. O bolso comprido eu 25 Cony as voltas com um pacote que lhe chega de seu falecido pai, revê histórias e sentimentos relativos a seu pai. Um convite a emoção. Editora Companhia das Letras, 1994. 26 Editora Bertrand Brasil, 1997. Morin conta aqui os caminhos que trilhou durante um bom período de sua vida intelectual, relatando o vínculo com o conhecimento e os estudos que desenvolveu. 27 Não resisti a referência. “Harold e Maude: Ensina-me a viver” livro de Colin Higgins (editora Record, 1986) foi uma leitura que marcou meu tempo de adolescente. A história de amor entre um conturbado e lúgubre jovem, obcecado pela morte e uma vivaz mulher septuagenária realçava a capacidade de se encantar e se usufruir da vida. Essa história rendeu uma bela versão cinematográfica dirigida por Hal Ashby em 1972 e uma montagem teatral brasileira em 1982 com a dama do teatro Henriette Morrineau e o então desconhecido Diogo Vilela. Eu vi o filme e a peça! 28 Participei dos dois penúltimos Congressos de Leitura (COLE) em 2003 e 2005 e lá tive a oportunidade de ouvir Ricardo Azevedo e suas impressões sobre a literatura para crianças. Ana Maria Machado e Bartolomeu também abordam a questão da especificidade da literatura infantil em diversos artigos que li em revistas especializadas. 29 Há pouco mais de dois anos Lygia criou a editora Casa Lygia Bojunga para editar exclusivamente seus livros, passando a ter o controle maior de sua própria obra. O site www.casalygiabojunga.com.br merece uma visita, pois aborda todos os seus livros, projetos, sonhos e prêmios.
  • 21. 38 deixei vazio, esperando uma coisa bem magra para esconder lá dentro. (...) Abri um zipe; escondi fundo minha vontade de crescer; fechei. Abri outro zipe; escondi mais fundo minha vontade de escrever; fechei. No outro bolso de botão espremi a vontade de ter nascido garoto (ela andava muito grande, foi um custo pro botão fechar). Pronto! a arrumação tinha ficado legal. Minhas vontades tavam presas na bolsa amarela, ninguém mais ia ver a cara delas.” (A Bolsa Amarela, editora Casa Lygia Bojunga, 2006) Seus livros sempre me causaram um impacto profundo. Em outubro de 2006, em uma das poucas oportunidades em que Lygia, tímida para falar em público, recebeu em uma biblioteca um grupo de crianças para conversar sobre um de seus livros, eu estava lá. Vivemos um momento inesquecível. Eu, do alto de meus mais de trinta anos, estava a sua frente, esperando calmamente numa fila repleta de crianças a minha vez de receber um autógrafo. Quando enfim, me vi diante dela, os olhos marejaram e mostrei a minha coleção completa de suas obras, muitas já amarelecidas com o tempo. Confessei que sempre que encontrava seus livros em sebos, resgatava-os. Impossível deixá-los lá na poeira, sem ninguém para lê-los. Não sei que mágica se deu, mas o dom da palavra se fez e consegui dizer a Lygia o que ela significava para mim, como eu tinha vivido tão perto daqueles personagens todos que ela havia criado, como os sentia meus amigos. Pensei... bom, ou ela vai me achar uma daquelas clássicas “fãs loucas” de filme ou eu consegui mostrar a ela um pouco da força que sua obra tem de alcançar o outro. Lygia, também com os olhos embaçados me disse: “É tão estranho conhecer alguém que conhece tanto a gente...”, com um sorriso e sem muitas palavras faladas, usou as escritas, terreno onde transita tão bem e fez uma dedicatória especial em cada um dos mais de 8 livros que levei. Eis uma delas: “Adrianne, fiquei emocionada de me saber tão presente na tua vida. Gostaria muito de continuar freqüentando teus momentos de quietude”. Que delícia! Lygia sempre foi para mim livro-casa, para me referir ao belo texto “Livro” em que ela aborda sua relação com os livros e as palavras: Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena os livros me deram casa e comida. Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede, deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado. E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro. De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras. Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça. Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir
  • 22. 39 novas casas. Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação. Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia; e de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha- céu, era só escolher e pronto, o livro me dava. Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que – no meu jeito de ver as coisas – é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava. Mas, como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra – em algum lugar – uma criança juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai morar. (Livro, um encontro com Lygia Bojunga Nunes, 1988) Bom, estarei eu já me perdendo em meio as histórias? Creio que não. Pois não é justo de histórias que quero falar?! Das histórias que nos formam, que nos interpenetram e dos rumos que tomamos em nossas trajetórias pessoais?! Afinal, não é a narrativa a arte primordial dos seres humanos e, para sermos, não temos que nos narrar?! (MONTERO, 2004) Perdas, desafios, amores, rompimentos, acontecimentos... todo o caldo de experiências que eram retratadas nesses livros que mencionei me motivavam e instigavam. O que me ensinaram/ensinam? Sempre me instigou o que temos de parecido, nós humanos, todos, o que aprendemos e trocamos com nossas semelhanças; e o que temos de diferente, singular, cujo sentido nos parece tão pessoal, tão único, tão nosso. Talvez essa tenha sido a força motriz que sempre me fez olhar com tanta curiosidade os trajetos do outro, descritos em livros, filmes, músicas e outras narrativas. Talvez tenha sido esse o sentido, agora me referindo especialmente aos caminhos da produção dessa tese, que me mantinha escutando com vivo interesse durante tantas horas as histórias de meus entrevistados, num tempo sem tempo, sem relógio, sem pressa. Singularidades, coletividades marcam nossas trajetórias. As influências que nos formam não são matemáticas, isto é, não basta que se junte uma família assim, com umas tantas experiências assadas que teremos, certamente, um sujeito dessa ou daquela forma. Há mistérios nessa composição que instigam a curiosidade. Talvez só possamos falar desse
  • 23. 40 mistério, que é como nos humanizamos, se contarmos com a idéia da complexidade30 (MORIN) para nos acompanhar nessa empreitada. Se integrarmos a subjetividade como substrato para nossas interpretações, se tomarmos o erro, a margem de dúvida, o inesperado como companheiros de trabalho. A dimensão objetiva não fica de fora, importante lembrar. Ela nos traz dimensões mais amplas, que dizem respeito às pressões de ordem social, política, econômica e cultural que se mesclam no que nos compõe. Mas essa não é uma leitura suficiente. Não dá conta. Não esgota o mistério (que não é esgotável). É então esse olhar que admite a complexidade do real, a dimensão subjetiva como parte dos fenômenos, um de meus alicerces. Nesse sentido, introduz-se aqui uma concepção de ciência que incorpora o complexo, o subjetivo, o erro, o imponderável. Leva-nos a um entendimento do mundo que, mais do que controlado, precisa ser compreendido, contemplado, como nos diz Santos: “A incerteza do conhecimento, que a ciência moderna sempre viu como limitação técnica destinada a sucessivas superações, transforma-se na chave do entendimento de um mundo que mais do que controlado tem de ser contemplado. (...) A criação científica no paradigma emergente assume-se como próxima da criação literária ou artística... “ (Santos, 1987) Nesse ponto, outras histórias são convidadas a entrar. As histórias de como alguns dos estudos fundamentais para essa tese entraram na minha vida, ou melhor, como nos encontramos. Estudos como os da complexidade, da memória, da mestria na formação do professor, da pesquisa (auto)biográfica e narrativa, dentre outros. Penso que nossa relação 30 Apesar de pé de página, o conceito de complexidade é central em minha tese. Escolho, nesse momento, colocá-lo aqui apenas para não romper o fluxo da narrativa. Mais a frente ainda o retomarei com maior destaque. O conceito de complexidade com o qual trabalho referencia-se na obra de Edgar Morin. O debate sobre a complexidade é algo razoavelmente recente no cenário da filosofia e das ciências, traz uma dimensão de ciência que se contrapõe a hegemonia que a racionalidade vem ocupando desde a modernidade. Morin traz o sentido de abertura que tal conceito evoca, colocando a luz sobre outros aspectos, esquecidos pela racionalidade clássica, sem com isso desqualificá-la. Aponta para a insuficiência da lógica racional e abre novas perspectivas que nos permitem ampliar o entendimento dos fenômenos humanos. A complexidade põe em cheque os “pilares da certeza” que fundamentam o pensamento científico clássico, de cujos pressupostos decorre o pensamento simplificador. Tal pensamento só concebe objetos simples que obedecem a leis gerais, que produz um saber anônimo, que não inclui o contexto e todo o complexo, ignora o singular, o concreto, a existência, o sujeito, a afetividade, os desejos, as finalidades, a consciência. O ser humano, a vida, os cosmos são submetidos às leis deterministas triviais, em que é possível prever os efeitos de qualquer causa conhecida. O conhecimento é controlável, esquadrinhável, obediente às regras e leis ordenadas. É nas brechas da crise do pensamento simplificador que a complexidade se funda. Segundo Morin, a complexidade é antes de tudo um “esforço para conceber o desafio inevitável que o real lança ao nosso espírito”. Ela pretende não se constituir como alternativa a perspectiva simplificadora do conhecimento, mas sim, compreender o real numa dimensão mais ampliada, reconhecendo nele aquilo que não se comporta nas definições simplificadoras. (MORIN, 1982, GUEDES, 2001)
  • 24. 41 com os conceitos e teorias passam por essa dimensão do encontro. É Lopes31 quem me ajuda a melhor traduzir essa idéia: “Achei anotado em mim – quando? – em um livro de Nietzche: o que nos faz aproximar de um autor ou de autores, e não aproximar de outro, não está nele, mas em nós mesmos. Essa aproximação, porém, tem um lado perverso. É alguma coisa em latência e inominável que nos aproxima. Ao chegarmos nele, encontramos a expressão daquilo que se queria dizer, mas nesse ponto já não podemos mais dizer, pois esse outro já disse, ele já o fez. (...) Achamos em nós mesmos a verdade do que ouvimos e que não sabíamos que lá estava, de sorte que somos levados a amar aquele que no-la fez ouvir; pois ele não nos mostrou seus bens, mas os nossos” (LOPES, 2003, p.11) “(...) Os livros e autores são mais do que ferramentas de trabalho. Parecem- se com incenso, que perfuma e perfumando faz companhia. (...) Bourdieu diz que “Quem procura acha”. Mais afeita ao Tao, diria que não procuro. Acho. (LOPES, op.cit, p. 11) Assim foi com os livros que citei e com os estudos que subsidiaram essa tese. Meus alicerces. Referências que perfumaram e fizeram companhia, assim como Lopes recebi transfusão de signos, de palavras, de frases... A, já mencionada, teoria da complexidade foi um deles. Edgar Morin e os estudos da complexidade entraram em minha vida em 1999 aproximadamente, quando uma de minhas professoras do curso de pós-graduação que fiz na UNRIO32, apresentou-nos o autor. Na época, soube que Morin era estudado por alguns professores do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Fui então participar de um encontro voltado aos candidatos para a pós-graduação daquele ano. Assistindo a apresentação das linhas de pesquisa do referido programa, escutei a professora Iduina Mont’Alverne Chaves apresentar seu trabalho e mencionar Morin com uma referência importante para ela. Após trocarmos algumas palavras, decidi naquele momento me candidatar ao Mestrado sob sua orientação. Ai começou uma intensa história de criação entre nós, Iduina e eu, permeada por troca, afeto, instigação, alegria. E também por necessários momentos de desencontro, 31 A introdução de seu livro “Da sagrada missão pedagógica”foi uma leitura que me entusiasmou dado o seu tom literário e narrativo, quebrando com os cânones acadêmicos tradicionais. Foi um incentivo a firmar-me na convicção que é possível escrever de forma narrativa sem perder o rigor científico. 32 Formação em Docentes do Nível superior.
  • 25. 42 estranhamento e dúvida. Mas sempre, sempre sustentados por um amor, confiança e admiração mútuos. Foi com Iduina a meu lado que mergulhei nos estudos da complexidade. Para mim, eles abriam a possibilidade de compreender a pesquisa científica numa dimensão ampliada que critica a razão produtivista e a racionalização modernas que lidam com categorias redutoras da totalidade. O paradigma da complexidade busca a integração entre o diverso, compreende o saber como unificado, apontando para a perspectiva de comunicação e imbricação entre os diversos saberes. Valoriza aspectos como a singularidade, o entorno, o cotidiano, o vivido, o pessoal, a ambigüidade, dentre outros. Há uma busca, na perspectiva da complexidade, de restaurar a totalidade do sujeito, compreendendo as relações entre os diferentes aspectos que, por vezes, são ambíguos, concorrentes, contraditórios na vida humana. A criatividade é valorizada, a subjetividade, a iniciativa, o micro, a complementaridade, a convergência. Desta forma, mais do que tentar superar os elementos que fazem parte da complexidade da vida e do real (como no paradigma clássico), esse paradigma busca compreender a vida em sua inteireza. Numa visão holística, considera o imaginário e a utopia como fatores instituintes na sociedade, recusando uma ordem que aniquila a paixão, o desejo, o olhar, a escuta. Se essas categorias não são novas no campo educacional, apenas recentemente tem sido lidas e analisadas com maior abertura e simpatia (MORIN, 1998,1999, 2000; MONT’ALVERNE CHAVES, 1998, 1999, 2000; GUEDES, 2000, 2002). O pensamento complexo contribui para pensar a complexidade como um dado da realidade, o real em seu processo permanente de transformação, de criação e recriação, construção e reconstrução, na contramão de uma visão dualista, que divide a realidade entre verdade/mentira, certo/errado, bom/mau. Esse tem sido um alicerce fundamental em minhas pesquisas desde o mestrado. Um belo encontro em que ressoou forte a compreensão de uma ciência que valoriza o singular, o micro, a emoção, a arte. Que não parcelariza a realidade para compreendê-la, mas reconhece a necessidade de considerar os fenômenos em conjunto. A escolha pelo tema de minha pesquisa de doutorado nasceu das questões evocadas em minha dissertação de mestrado, "Cultura e ideário pedagógico do Curso de Pedagogia UFF/ Niterói", orientada pela professora Iduina Mont’Alverne Chaves e concluída em 2002. Pesquisando a formação de professores do curso de Pedagogia da referida universidade, entrevistei muitos estudantes sobre suas impressões a respeito da Formação que viviam na
  • 26. 43 UFF, tanto os que estavam cursando os primeiros períodos, quanto os que estavam concluindo ou próximos de concluir o curso. Um dos aspectos que me chamou atenção nos depoimentos dos estudantes tinha a ver com o papel do mestre em suas trajetórias. Alguns faziam referência a contribuição especial de um ou outro professor que havia despertado especial interesse por algum assunto ou fortalecido sua autoconfiança. Esse é na verdade um assunto que sempre mobilizou minha curiosidade e interesse e que se acirrou naquele momento. O que faz com que alguns professores marquem de forma tão especial e outros não? Como nos tornamos “bons professores”? E o que é, afinal, ser um bom professor? Filmes33, livros34, histórias sobre mestres que impactavam seus estudantes sempre contaram com minha audiência interessada e sensível. Nesse sentido, mais recentemente, a leitura de “O mestre ignorante, cinco lições sobre a emancipação intelectual” de Jacques Rancière e “Professores para quê? Para uma Pedagogia 33 “Escritores da Liberdade” dirigido por Richard La Gravenese e lançado em 2007 é um desses filmes que me tocaram de modo especial. Baseado em fatos reais, narra a trajetória de uma professora de Inglês que vive sua primeira experiência como docente numa escola dos subúrbios americanos. A ela é destinada uma turma de “integração”, que bem as moldes brasileiros, de integrada só tem mesmo o nome. A hostilidade entre os diferentes grupos é explícita. A professora encontra um ponto de acesso aos seus alunos, dando voz à eles que contando suas próprias histórias, e ouvindo as dos outros, descobrem o poder da tolerância e reconhecem-se em meio às supostas diferenças. Outros como “A sociedade dos poetas mortos”de Peter Weil, (EUA, 1989), “Ao mestre com carinho” de James Clawel (EUA, 1967), “A escola da vida” de Willian Dear (EUA, 2005), “Quando tudo começa” de Bartrand Tavernier (França, 1999), “Nenhum a menos” de Zhang Yimou (China, 1998), “O carteiro e o poeta” dirigido por Michael Radford em 1994 e “Música do Coração” de Wes Craven (1999) são alguns de meus cult movies queridos que narram experiências de professores. Muitos deles utilizei em meus cursos de graduação, pós- graduação e formação continuada, sempre rendendo excelentes debates e reflexões. 34 Muitos desses livros conheci por ocasião de minha pós-graduação na UNIRIO,mestrado e doutorado na UFF. Para citar apenas alguns dos livros que abordam o papel do professor e pesquisam sua prática que tive a oportunidade de conhecer melhor, destaco “O bom professor e sua prática” de Maria Isabel Cunha (Papirus, 1989) onde a autora procura desvendar o que seria o “bom professor”, investigando seu cotidiano, sua prática e metodologia. “Cartografias do trabalho docente” organizado por Corinta Geraldi, Dario Fiorentini e Elisabete Pereira (Mercado das Letras, 1998) apresenta uma coletânea de artigos que discutem a prática dos professores, tomando-a como objeto de pesquisa. O livro “Da figura do Mestre” de Marlene Dozol (editora da Universidade de São Paulo, 2003) em que a autora explora as categorias filosóficas valiosas à compreensão do tema, selecionando autoridade, formação e sedução como formas de ver a interação entre mestre e aluno. “Ofício de Mestre” de Miguel Arroyo (editora Vozes, 2000) em que o autor resgata imagens sobre o ofício do mestre. “O lugar social do professor” (ed. Quartet, 1998) e “O professor invisível: imaginário, trabalho docente e vocação” (Ed. Quartet, 2003) ambos de Rodolfo Pereira. O primeiro pesquisa a desvalorização atual do magistério, buscando suas origens e o segundo resgata a idéia de vocação, buscando confrontar o preconceito que ela provoca. “Meu professor inesquecível” organizado por Fanny Abramovich (ed. Gente, 1997) que traz depoimentos de onze escritores contemporâneos sobre seus professores inesquecíveis. “Da sagrada missão pedagógica”, de Eliane Marta Teixeira Lopes (ed. São Francisco, 2003), resultado de uma extensa pesquisa da autora em diversos materiais (livros, jornais, panfletos) com vistas a compreender como a idéia da missão de mestre tem sido transmitida e, por fim, ‘O mestre ignorante, cinco lições sobre a emancipação intelectual” de Jacques Ranciére (ed. Autêntica, 2005) que aborda a tarefa singular da emancipação intelectual como um dos desafios da mestria e “Professores para quê?” de Georges Gusdorf da e editora Martins Fontes, 2003. Autores como Tardiff, Nóvoa, Catani, Gusdorf, dentre outros, exploram também aspectos relativos ao ser professor e a sua prática e são preciosas referências para mim. Leituras que me instigam.
  • 27. 44 da pedagogia” de Georges Gusdorf, tem sido referências instigantes para pensar o papel do mestre e os aspectos que conferem mestria a alguém. Mobiliza-me a idéia central das obras desses autores que indica a promoção da autonomia intelectual do “discípulo” como uma das tarefas do verdadeiro mestre. Estudar no doutorado a trajetória de uma professora nos pareceu, a mim e a minha orientadora, um caminho rico para explorar, dentre outras questões, esse papel do mestre. Inicialmente, essa era uma questão nuclear. Escolhemos então para nosso estudo a obra/vida da professora Célia Linhares, pela significativa contribuição que tem dado à educação brasileira, sobretudo no campo das políticas públicas para formação de professores, tema ligado ao campo de confluência ao qual pertencemos na UFF (Políticas Públicas, Movimentos Instituintes e Educação). Era também um critério importante para a escolha da professora a ser pesquisada, que ela tivesse uma expressiva obra escrita. Queríamos trabalhar com a possibilidade de pesquisarmos seus textos, sua história profissional e sua prática pedagógica, utilizando a pesquisa narrativa e entrevistas semi-estruturadas. Este estudo buscou, assim, compreender as marcas significativas do pensamento educacional/pedagógico de Célia Linhares, especialmente, através do estudo de sua produção escrita com vistas a apreender as idéias força, a forma como elas foram se construindo e se constituindo ao longo do tempo, a presença das questões que circulavam nos diferentes tempos históricos vividos por ela, e a potencialidade de seu estilo de escrita. Selecionamos os textos produzidos desde a década de 60 até os dias de hoje, entrevistas com Célia Linhares e algumas pessoas que fizeram parte de sua trajetória, seus pares, como chamamos. Esses materiais foram fontes preciosas para apreensão de seu ideário pedagógico. Em 2006 fiz o primeiro grupo de entrevistas mais curtas com orientandos e ex- orientandos de Célia e duas entrevistas longas com ela própria. Estava então preparando minha qualificação e esse foi um primeiro material de pesquisa de campo que reuni. Posteriormente, em 2007, realizei mais duas entrevistas semi-estruturadas longas com Célia Linhares, José Linhares e nove com outros de seus parceiros. Além dessas entrevistas, mantive contato freqüente com Célia Linhares via e-mail, e com alguns dos entrevistados, expondo dúvidas e solicitando a eles que esclarecessem alguns aspectos de seu pensamento e/ou de suas experiências que eu necessitava compreender melhor. Foi também intenso o envio de materiais para leitura por parte de Célia, enriquecendo a investigação bibliográfica. Ao iniciar a pesquisa, lembro que outras questões de estudo e interesse foram surgindo e o papel do mestre, que era central, foi se integrando a outros aspectos que se manifestaram com força evidente. Uma temática que surgiu, em função dos elementos do
  • 28. 45 campo que traçamos, foi a da Memória. Passagens de um longo tempo passado foram rememoradas pelos entrevistados. Pareceu-nos, assim, oportuna a necessidade de revisitar/aprofundar meus estudos a respeito do assunto. Ecléa Bosi foi então uma parceira importante nesse momento. Em seus instigantes livros “Memória e sociedade35” e “O tempo vivo da memória: ensaios de Psicologia social36” travei contato com seus estudos da memória e com sua visão de uma História que inclui aspectos do comportamento, do quotidiano. Para Bosi, a história tradicional, a “que estudamos na escola” (2004, p. 13) não aborda o passado recente e faz parecer aos estudantes que ela é uma sucessão unilinear de lutas de classes ou de tomadas de poder por diferentes forças. Fica fora dessa história etapista e linear, como se fosse de menor importância, os aspectos do quotidiano, os microcomportamentos, fundamentais para Psicologia Social. Bosi resgata tais aspectos, compreendendo que eles traduzem muito de um tempo vivido, ampliando nosso conhecimento a respeito dos valores, da cultura, dos sentidos próprios de diferentes momentos históricos. Considera que a memória oral é um instrumento precioso para construirmos a crônica do quotidiano afirmando que: A história que se apóia unicamente em documentos oficiais, não pode dar conta das paixões individuais que se escondem atrás dos episódios. A literatura conhece já esta prática pelo menos desde o Romantismo: Victor Hugo faz surgir Notre Dame de Paris num quadro popular medieval que a história oficial havia desprezado. (Bosi, 2004, p. 15) A autora afirma também que “Do vínculo com o passado se extrai a força para a formação da identidade” (p. 16) e ainda “Quando se trata de história recente, feliz o pesquisador que se pode amparar em testemunhos vivos e reconstituir comportamentos e sensibilidades de uma época!” (p. 16-17). Idéias que fortaleceram minha confiança na escolha dos caminhos de minha pesquisa de campo, reconhecendo na possibilidade de ter de Célia Linhares, vivos testemunhos de sua trajetória no mundo da educação. Interessava-me compreender como a memória se constitui. Expressariam o passado tal como ele foi ou, de outro modo, ao lembrarmos, recriamos o passado a partir do que somos no 35 Companhia das letras, 2003. 36 Ateliê editorial, 2004.
  • 29. 46 presente? Porque algumas coisas são lembradas, outras esquecidas? Eram questionamentos que guiaram meus estudos e curiosidades sobre o tema. Com o próprio ato de rememorar, vamos reconstituindo sentidos à luz de um tempo vivido, que os atualiza e recria, a partir de novas relações entre fatos e vivências, esquecendo algumas passagens da própria história, lembrando mais vivamente de outras, como nos diz Bosi (2003). A autora, em sua pesquisa sobre as lembranças de velhos, relata a alegria de alguns dos entrevistados com a oportunidade de relembrar a própria trajetória, narrando a vida para um escutador atento e interessado. Alguns depoimentos citados por Bosi ilustram esse sentimento: “Vejo, hoje a minha voz está mais forte que ontem, já não me canso a todo instante. Parece que estou rejuvenescendo enquanto recordo” (Sr. Ariosto), “Agradeço por estar recordando e burilando meu espírito” (Dna. Risoleta) (Bosi, 2003, p. 38). Como que se o próprio ato de narrar a vida reavivasse o sentido da mesma para cada um dos entrevistados, tarefa de auto- aperfeiçoamento, uma reconquista. Os depoimentos recolhidos por Bosi assinalam o direito a narrar a própria vida como algo que permite uma reafirmação de valor da história pessoal. A escuta atenta do pesquisador funcionando com um espelho, fortalecedor do reflexo positivo da própria existência. Célia, em suas reflexões sobre a memória, afirma algo que ressoa com as pesquisas de Bosi. Partindo dos lugares empoeirados onde a escola, com freqüência, tem depositado uma versão da memória, como um equipamento reprodutor, Célia interroga o que queremos construir, conquistar, quando reelaboramos o discurso da memória escolar. “Na trajetória milenar desta palavra, vamos encontrá-la como alimento da poesia e da própria verdade. Na Grécia arcaica, a memória em que apoiavam os poetas fornecia-lhe uma vidência de tal ordem divinizada, que por si mesma estava dotada de uma eficácia capaz de instalar um mundo simbólico-religioso identificado com o próprio real. O aedo sabia o futuro porque tinha acesso ao passado. Tão ligada estava a memória a um movimento de criação coletiva que para Homero versejar era lembrar que ele fazia relatando a epopéia do seu povo e reafirmando seu projeto de polis como dignidade épica. Platão37, em suas recorrentes discussões sobre a retórica, a persuasão e o conhecimento, invocou a palavra de Sócrates para 37 PLATÃO, FEDRO, Lisboa, Guimarães Editores, 1989, p121.
  • 30. 47 estremecer o prestígio, como que era tratado o alfabeto com suas possibilidades de escrita.” 38 A memória, ao ser escutada, é desalienadora – afirma Bosi (op.cit.) – pois contrasta a riqueza e a potencialidade do homem criador de cultura com a figura do consumidor atual. Perspectiva que aponta para a função social da memória e o enriquecimento possível, para as novas gerações, do partilhamento de memórias, em que saberes diversos se comunicam. A autora ressalta, ainda, que a memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento. Era freqüente no contato com seus entrevistados, que as mais vivas recordações aflorassem depois da entrevista, na hora do cafezinho, na escada, no jardim, ou na despedida da entrevistadora. A lembrança puxava mais lembranças e seria preciso um escutador infinito... “(...) Mas nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós. Não é necessário que outros homens estejam lá, que se distingam materialmente de nós: porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem." (BOSI, 2003) Em seus estudos, Bosi destaca, em especial as enunciações de Halbwachs que identifica os quadros sociais da memória, retirando o foco adstrito ao mundo da pessoa e ampliando para a realidade interpessoal das instituições sociais. A memória do indivíduo depende de suas relações com a família, com a classe social, com a escola, com a Igreja, com a profissão, com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo. A autora chama atenção para a afirmação de Halbwachs sobre o apoio da memória autobiográfica na memória histórica, ressaltando que toda história de nossa vida faz parte da história geral. As situações que vivemos e as outras pessoas afetam, provocam, impulsionam nossa memória. Cada memória individual é assim um ponto de vista sobre a memória coletiva, que 38 LINHARES, Célia. A Escola e seus profissionais: tradições e contradições. Rio de Janeiro, Editora Agir, 1997, 2ª ed. P.120/121 .
  • 31. 48 muda conforme o lugar que ocupamos e as relações que mantemos com outros meios. Lembrar, sublinha Bosi, não é de fato reviver uma memória conservada, intacta, pelo contrário, lembrar é ato de refazer, reconstruir, repensar, com as imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. Portanto, o passado “tal como foi” na verdade não existiria, pois ao lançarmos um olhar atualizado para o vivido, ressignificamos as experiências à luz do presente, de quem somos hoje, de todo o cabedal de vivências que se seguiram à que teve curso no passado. Os materiais que estão agora à disposição no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual, afetam as lembranças, a reconstroem. Não somos os mesmos de ontem, nossas idéias, percepções, valores alteraram-se, e com isso, nossa organização do vivido também é afetada. Assim a memória da pessoa está intrinsecamente ligada à memória do grupo, e esta última à esfera maior da tradição (BOSI, 2003). A linguagem seria o instrumento socializador da memória, afirma Bosi, aproximando no mesmo espaço histórico e cultural a imagem lembrada e as imagens da vigília atual. As categorias que a linguagem atualiza acompanham nossa vida psíquica tanto na vigília quanto no sonho. As convenções verbais produzidas em sociedade constituem o quadro ao mesmo tempo mais elementar e mais estável da memória coletiva. Os estudos sobre a memória, apontam, para Bosi, a biografia e a autobiografia como possíveis caminhos metodológicos para se conhecer a forma predominante de memória de um dado indivíduo. A narração da própria vida é, segundo a autora, o testemunho mais eloqüente dos modos que a pessoa tem de lembrar, é a sua memória. O que temos, portanto é a impossibilidade de reviver o passado tal e qual. Lembrar o que vivemos na infância, por exemplo, é uma reconstrução que sofre influências múltiplas, dentre elas o que ouvimos os outros dizerem sobre nossas lembranças. O passado sofre uma “desfiguração” ao ser reconstruído, ao ser manejado pelas idéias e pelos ideais presentes de quem rememora. Isso sublinha o caráter não só pessoal, mas familiar, grupal, social, da memória. Novamente reencontro aproximações entre o pensamento de Célia e de Bosi, quando uma e outra recusam aprisionar a memória em esquemas positivistas e massificadores. “A memória com que Benjamin trabalha e que nós valorizamos, se constitui de um tecido fagulhante, as reminiscências, ‘que relampejam nos momentos de pergio.” (Célia, entrevista, 2007)
  • 32. 49 Portanto, Célia evoca a forma com que a memória se faz presente, sempre em movimentos afetados pela vida e carregados de assombros e de surpresas. Essa também é uma marca trazida por Bosi em seus estudos sobre a memória e que diz respeito à forma como a recordação aflora e suas conexões com o ponto de vista cultural e ideológico do grupo em que o sujeito está inserido. No filme “Quem somos nós” 39 , um dos cientistas que comenta questões sobre a física quântica, traz uma lenda que ilustra bem tal conceito sobre o modo como recordamos: “Os povos indígenas da América do Sul provavelmente não viam as caravelas dos colonizadores se aproximando, pois aquele tipo de embarcação não fazia parte de nada que eles conhecessem. Assim, eles não tinham o conceito da coisa que possibilitasse o reconhecimento das caravelas. Foi preciso que um xamã, intrigado com o movimento inquieto do mar, se pusesse a contemplar o oceano até, enfim, conseguir enxergar as embarcações”. De fato, essa lenda nos aponta para o fato de que para compreendermos uma dada realidade, é necessário que ela, de alguma forma, repercuta em conhecimentos prévios/ convenções que construímos em nossa história. Com relação à memória, dessa forma a questão da convencionalização nos leva a considerar também a relação existente entre o ato de lembrar e o relevo existencial e social do fato recordado para o sujeito que recorda. O que é lembrado estaria condicionado pelo interesse social que o fato tem para o sujeito. Das contribuições de Bosi em seus estudos sobre a memória o que podemos destacar como mais relevante para esta pesquisa, é a idéia da inerência da vida atual ao processo de reconstrução do passado, bem como as relações entre memória, formação cultural e vínculos grupais e sociais. Somos marcados pela história e nossa memória está entranhada pela cultura, pela tradição, pelas ideologias dos diferentes momentos históricos de que participamos. Reconheço, assim, o aspecto social da memória, que ela é construída na articulação entre aspectos individuais e sociais, que se modifica à medida que as experiências do indivíduo se ampliam, de certo modo, remodelando-as. A partir dos princípios sobre memória essa pesquisa se conduziu. 39 Direção de William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente e Roteiro de William Arntz, Betsy Chasse e Matthew Hoffman.
  • 33. 50 Para mim, tais conceitos se materializaram muito claramente, não apenas ao acompanhar o rememorar de meus entrevistados mas em mim mesma, a medida em que fui mergulhando nas memórias dos outros a respeito de tempos e experiências que conhecia de forma distante. Não raro, os próprios entrevistados surpreendiam-se com a emoção que o rememorar provocava neles, bem como com a força com que lembranças que pareciam tão distantes no tempo surgiam. A situação que vivi com uma de nossas entrevistadas, Dorothy Pritchard, exemplifica muito bem essa questão. Ela começou nossa conversa desconfiando de sua própria memória, “sou pessoa de pouca memória”, dizia. No entanto, a quantidade de detalhes que foram sendo descortinados, e a vivacidade com que ela me relatava os mesmos, expressavam que, mais do que um relato factual, ela vivia por meio do próprio ato de rememorar, um revivificação das experiências, uma leitura atualizada que não seria possível ser feita na própria época da experiência em si. Em “sugestões para um jovem pesquisador” de Bosi (2004) encontro uma advertência que me tocou de modo especial, pois traduziu um sentimento que me acompanhou na maior parte das entrevistas que realizei. Bosi recomenda que a entrevista seja realizada na casa do depoente, pois assim estaremos “mergulhados na sua atmosfera familiar e beneficiados pela sua hospitalidade” (2004, p. 59). Diz também que a entrevista ideal é aquela que permite formação de laços de amizade, responsabilidade pelo outro, da qualidade desse vínculo, afirma a autora, vai depender a qualidade da entrevista. “Narrador e ouvinte irão participar de uma aventura comum e provarão, no final, um sentimento de gratidão pelo que ocorreu: o ouvinte pelo o que aprendeu; o narrador, pelo justo orgulho de ter um passado tão digno de rememorar quanto o das pessoas ditas importantes.” (2004, p.60-61). Bosi continua, afirmando que ambos sairão transformados pela convivência, dotada de uma qualidade única de atenção. Para citar alguns dos momentos inesquecíveis vividos em minha pesquisa de campo, lembro da diversão em acompanhar Dorothy Pritchard assando pães de queijo, colocando um timer próximo a nós duas e me confidenciando que invariavelmente esquecia as coisas no forno - culinária, dizia, não é bem o meu forte. Das experiências que me contou com as danças circulares e as aulas de cavaquinho que aquela jovem senhora vivia com entusiasmo. Sentia-me aberta aquele contato, para mim prazeroso e instigante. Lembro-me também da emoção ao partilhar com Balina Belo de sua busca em vários cadernos antigos por uma de suas poesias. A tal poesia não encontramos, mas ela leu várias, para meu contentamento. Das tardes na casa de Célia, entre lanchinhos e causos contados por José, seu marido, num ambiente que tanto comunicava sobre a própria vida e história daquela família: livros em
  • 34. 51 todos os lugares e um empenho eterno em catalogá-los e organizá-los, nas fotos dos filhos nas paredes, nos brinquedos dos netos em cantos da sala, na sala-escritório com enorme arquivo de todo o processo ligado ao desaparecimento de Rui Frazão Soares, irmão de Célia. Em nossas conversas, sinto que havia um sentimento de amizade que permitia a eles que me contassem suas vidas conversando desarmados (BOSI, 2004, p. 60). Esses encontros – porque foram, efetivamente, entrevistas-encontros – mobilizaram- me por inteiro. O que eu sabia sobre passagens da história recente brasileira, como o golpe militar, a ditadura, o AI-5, transformaram-se em muito mais do que informações conhecidas racionalmente em livros e artigos diversos. Aproximando-me daquelas pessoas e de suas experiências reais, acontecimentos passados se presentificaram para mim também, integrando à minha forma de hoje compreendê-los à dimensão de uma verdadeira experiência, vivida através da história oral que meus entrevistados me narraram. Vivi na pele o que Benjamim e a própria Célia Linhares preconizam com tanta confiança, o poder da narrativa e da experiência de tirar a história da dura vida enclausurada nos fatos lineares, contadas por apenas um ângulo. A história me encharcou por inteiro. Senti-me grávida de história. E como toda grávida que conheço, passei a ver por onde andava outras grávidas (não é assim quando estamos esperando um filho? Não nos parece que aumenta a quantidade de mulheres na mesma condição que a nossa por onde andamos?). Nos tempos de produção dessa tese, minha escuta e sensibilidade foram tocados por esse universo de experiências que passou a me habitar. Passei a reconhecer nas novas leituras que fazia, nos filmes que via e nos estudos para a tese que fui dando continuidade, ligações com aquele universo de experiências. Também aconteceu a releitura de alguns textos, como os da própria Célia, e compreendê-los de uma outra forma, o que não me era possível quando da primeira leitura. Não basta dizer que me sentia “sabendo mais” sobre diversos fatos históricos. Eu não apenas sabia mais, mas sabia de uma forma diferente, que envolvia minha emoção, minha sensibilidade, meu interesse, que tinha se acendido mais vivamente. “O que é de interesse não se esquece”, nos dizia Queirós. De fato, aquele universo passou a ser de meu interesse. Como não reconhecer nesse mergulho, que passa pela experiência de narrar ao outro a própria vida e história, um caminho fascinante para pensarmos na formação do professor?
  • 35. 52 Para exemplificar esse sentido integrado que o conhecimento histórico, via narrativas e estudos passou a ter para mim, posso citar alguns filmes que assisti e a intensidade de sentimentos e relações que pude fazer hoje. Um deles menciono ao longo da tese, se intitula “A vida dos outros40”. O filme conta a história real do sistema de observação alemão oriental durante o período da Guerra Fria. Nos anos 80, o Ministro da Cultura se interessa por uma atriz casada com um conhecido dramaturgo. Acusados de serem traidores do comunismo, passam a ser observados por um agente do serviço secreto, a Stasi. O agente em questão, um homem simples, cuja vida solitária se resume a servir o Estado, envolve-se intensamente com a vida dos artistas que passa a acompanhar diariamente. Emociona-se com a música que escutam, com as peças que encenam e lêem em voz alta, com os momentos de amor e medo que o casal compartilha e então passa a protegê-los. O algoz vira cúmplice pois foi tocado pela arte, pelo sensível, pelo humano. O filme trata com extrema delicadeza e humanidade o esforço de seus protagonistas para extrair a dignidade de suas regradas vidas durante esse período pré-queda do muro de Berlim. Reportei-me às histórias que alguns de meus entrevistados narraram a respeito da ditadura brasileira, das tensões permanentes, do medo de estarem sendo espreitados e, sobretudo, das ambigüidades presentes nas relações de força entre perseguidos e perseguidores. Outro filme, “Batismo de Sangue”, dirigido por Helvécio Ratton e lançado em 2006, baseado no livro de Frei Beto, traz a história verídica do engajamento de alguns freis beneditinos na resistência à ditadura no fim dos anos 60. Freis Tito, Betto, Oswaldo, Fernando e Ivo passam a apoiar o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional, comandado por Carlos Marighella, ficando na mira das autoridades policiais. Capturados a mando do General Fleury, sofrem torturas até denunciarem o ponto de encontro com Marighella, o que ocasionou seu assassinato pelas forças da ditadura. “A tortura quebra o homem”, frase dita por um dos personagens. Quebra por que diante da dor, do limite humano, somos levados a trairmos a nós mesmos, esfacelando-nos, cindindo-nos. A experiência de cisão leva Frei Tito a perturbação mental e conseqüente suicídio. As cenas de tortura do filme foram para mim impossíveis de assistir na integra tão reais me pareciam. A dor, a injustiça, a perplexidade diante da 40 Filme produzido pela Alemanha em 2007, com direção e roteiro de Florian Henckel Von Donnersmarck.
  • 36. 53 capacidade humana de destruição me tomaram. Foi-me impossível não lembrar a todo o momento de Rui Frazão, de Célia Linhares, dos anos 60 e 70 que agora fazem parte de mim também. Na linha de filmes brasileiros, “Zuzu Angel” de Sérgio Rezende, reporta-se a temática semelhante a do filme de Ratton. Narra a história, também verídica, da luta de Zuzu em busca de seu filho desaparecido, Stuart. Ele é preso, torturado e assassinado pelos agentes do Centro de informações da Aeronáutica, sendo dado como desaparecido político. Inicia-se então o périplo de Zuzu, denunciando as torturas e morte de seu filho. Suas manifestações ecoaram no Brasil, no exterior e em sua moda. Assim como em “Batismo” fui capturada pelas emoções do filme e pela temática que sentia agora tão próxima. “A culpa é de Fidel”, filme francês dirigido por Julie Gravas em 2007, foi outro que vi recentemente e que me tocou de modo especial. Narra a história da menina Anna de 9 anos que vê sua vida se modificar inteiramente em virtude do engajamento político de seus pais com a causa Chilena. Novos valores, novos hábitos passam a fazer parte da vida da família. Toda aquela mudança é vista pelo olhar da criança que busca compreender os sentidos que passam a orientar a família, sentindo os efeitos de escolhas que não são as dela em sua vida cotidiana. Os adultos, hora compartilham com ela alguns de seus sentidos, hora deixam-na no vazio sem compreender o que se passa. E ela vai fazendo um esforço hercúleo para encontrar um lugar no meio das mudanças, coisa que o faz concretamente, elegendo um canto do armário como seu, construindo um pequeno continente de segurança. Também aqui me tocou esse movimento que é o nosso de buscar sentidos e de como muitas vezes, arrastamos filhos, familiares e amigos nas escolhas que vamos fazendo. Algumas com impactos tão decisivos na vida de todos. Escolhas que, no caso das crianças, parecem tão distantes de suas necessidades e entendimentos... Esses são alguns exemplos. Conhecer a história pela voz de quem a viveu, a retirou para mim do frio campo da informação factual para introduzi-la no campo da experiência, da sensação. Essa minha renovada escuta e abertura para ouvir e conhecer de novo elementos relativos a outros tempos históricos de meu país e do mundo, se estendeu para a forma como passei a apreciar as músicas (revisitando o movimento Tropicalista e conhecendo-o melhor, ouvindo Beatles, Bob Dylan e outros), os movimentos populares daqui e do mundo (o movimento negro americano e seus líderes, o movimento armorial, maio de 68 na França, as Balaiadas Maranhenses, dentre outros), a produção artística e cultural (as artes plásticas e seu movimento de renovação nos anos 80, o movimento teatral da época da ditadura e do período de democratização, o cinema, a imprensa na voz dos irreverentes criadores do Pasquim). Dispersava-me (no ótimo sentido da palavra) lendo depoimentos de ex-exilados políticos,
  • 37. 54 como o de Heloneida Stuart (concedido em 1999 para o Centro de Pesquisa e documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC da Fundação Getúlio Vargas), pesquisando personalidades das épocas estudadas, ouvindo músicas, lendo sobre movimentos artísticos e culturais. Numa curiosidade que só fazia crescer no contato com meus entrevistados e com os textos de Célia. Como que se assim eu pudesse sentir o mundo com eles, me tornando mais porosa às suas experiências. Esse mergulho na história, que se deu via música, literatura, cinema me levou a necessitar compor na tese um panorama, ainda que breve e geral, dos principais movimentos das décadas que enfoquei, ambientando os capítulos em seu contexto histórico. Descobri depois, mesmo sem saber, que segui o conselho de Lucien Febvre (1977) de que: Para fazer história virem resolutamente as costas ao passado e antes demais vivam. Envolvam-se na vida. Na vida intelectual, sem dúvida, em toda a sua variedade. Historiadores, sejam geógrafos. Sejam também juristas e sociólogos e psicólogos: não fechem os olhos ao grande movimento que, à vossa frente, transforma a uma velocidade vertiginosa, as ciências do universo físico. Mas vivam também uma vida prática. (...) É preciso que a história deixe de vos parecer como uma necrópole adormecida, onde só passam sombras despojadas de substância. É preciso que no velho palácio onde ela dorme, vocês penetrem animados da luta, ainda cobertos de poeira do combate, do sangue coagulado do monstro vencido, e que, abrindo as janelas de par em par, avivando as luzes e restabelecendo o barulho, despertem com a vossa própria vida, a vossa vida quente e jovem, a vida enregelada da Princesa adormecida... (Lucien Febvre in Combates pela História, 1977, p. 56) Como meu foco era compreender o trajeto de Célia Linhares e a construção de seu pensamento pedagógico, era fundamental também contextualizar os diversos momentos históricos que atravessou, com que tensões e idéias dialogou. Para tanto foi preciso abordar o pensamento pedagógico brasileiro ao longo das décadas de 60 até os dias de hoje. O encontro com o livro recém lançado por Demerval Saviani, “História das Idéias pedagógicas no Brasil”, lançado em 2007, foi fundamental, pois apesar de ter recorrido a Otaíza Romanelli, Maria Lúcia Aranha e outros, sentia falta de mais subsídios. Com Saviani, pude trazer para esse trabalho uma visão mais ampla do movimento social e as conexões entre o pensamento pedagógico brasileiro e aspectos da economia e política que se interpenetravam. Pela natureza de meu trabalho, que congrega tantas vozes, que mergulha em aspectos da cultura, da arte, da literatura é na pesquisa narrativa e nos estudos sobre as práticas autobiográficas na formação de professores que encontrei, também, um caminho teórico-
  • 38. 55 metodológico interessante. Narrativa que é conteúdo e forma, que convida a construir uma escrita em que se congregam muitas vozes, rompendo alguns cânones (LOPES, 2003). Os estudos de Catani, Bueno e Sousa (2003), em sintonia com os da francesa Marie- Christine Josso (2004) dentre outros, foram referência fundamental para compreender a relevância das práticas autobiográficas e biográficas na formação de professores. Catani, Bueno e Sousa (2003), afirmam que no imaginário social, as professoras não têm história porque repetem. Repetem o que aprenderam, repetem cursos, programas, conhecimentos, práticas, durante as décadas de sua carreira profissional. Para as autoras, tal perspectiva faz com que as professoras não sejam em geral sujeitos de memória. Portanto, considerar a voz dos professores nas pesquisas biográficas e autobiográficas é possibilitar a evocação da própria história, valorizando a experiência humana e reconhecendo aí uma inestimável riqueza para o conhecimento. Contar histórias é dar voz ao sujeito. Uma voz comumente reprimida na nossa escola, seja de nível básico ou superior. Dar voz a Célia e seus pares era portanto, agir no sentido de valorizar suas trajetórias, compreender seus percursos. Desse modo, o processo de dar sentido/significado, através do narrar-se, pode ser visto como emancipatório, pois consiste em uma forma de dar expressão à experiência pessoal. Nessa perspectiva, afirmo a escolha das Pesquisas narrativas em minha tese. É Iduina Mont’Alverne Chaves (1999) quem explicita o sentido desse tipo de pesquisa. A autora afirma que as histórias de professores têm um lugar especial no estudo do ensino e da formação/educação dos mestres, pois uma vez contada uma história, ela se torna peça da história, uma peça aberta à interpretação. As pesquisas narrativas, afirma Mont’Alverne Chaves, tais como as histórias de vida e os relatos autobiográficos trabalhados por Catani e outros, têm se constituído como estratégias privilegiadas para se estudar as práticas e as carreiras de professores. Para Nóvoa a formação é inevitavelmente um trabalho de reflexão sobre os percursos de vida (Nóvoa, 1988, p. 116). Somando-se aos esforços de reconceitualizar a formação de professores, de acordo com as perspectivas contemporâneas de pesquisa e de valorizar a subjetividade, estas perspectivas buscam dar voz aos mestres, permitindo que eles se ouçam e se façam ouvir. Trata-se de buscar formas através das quais o sentido se constitui, valorizando a experiência e a subjetividade. A concepção de formação subjacente a essas teorias postula que as práticas docentes encontram-se enraizadas em contextos e histórias individuais, que antecedem, até mesmo, a entrada na escola, estendendo-se a partir daí por todo o percurso de vida escolar e
  • 39. 56 profissional, em contraposição a idéia de que ela só se daria a partir do momento em que os alunos e professores entram em contato com as teorias pedagógicas nos centros de formação. Schön, Pèrez, Sacristán (apud Catani et all, 2003) observam que o discurso pedagógico é prescritivo por excelência. Este caráter, segundo os autores, é contraproducente para a experiência dos professores, tendo em vista que as prescrições acabam por impor e por exigir dos docentes uma conduta ética e uma competência prática que raramente eles podem realizar. Tal imposição leva a um modo equivocado de se compreender as relações entre teoria e prática na atividade docente, vistas em geral de modo unívoco e linear. Tal equívoco acaba por gerar tensões no professor, pois ao invés de fazê-lo refletir sobre seu trabalho e sua formação, exigem um modelamento que gera desestímulo e insatisfação profissional. A percepção da educação como “campo de aplicação de teorias” levou a idéia de que o olhar sobre a experiência passada é no mínimo inútil, porque se refere ao ultrapassado, e no máximo pernicioso, porque sem bases científicas. Nesse sentido, reforçam a idéia de que textos de biográficos poderiam instigar a espaços de reflexão na formação de professores. A respeito do ato de narrar – próprios das pesquisas narrativas - vemos com Benjamim (1994) que as experiências narrativas têm se tornado cada vez mais raras na contemporaneidade, em função de um tempo que dá relevo a velocidade das informações, ao consumo em detrimento da experiência e da convivência. O narrador não está presente entre nós, em sua atualidade viva. Ele é algo distante, e que se distancia ainda mais. (...) É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede a um grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências (Benjamim, 1994: 197-8) Portanto, as pesquisas narrativas buscam abrir espaço para que a experiência dos sujeitos seja contada e interpretada, possibilitando que àqueles que têm acesso a ela possam também refletir sobre a sua própria trajetória à luz da trajetória do outro. Além disso, contribuem para pensar/ponderar sobre as questões e problemas educacionais, ao trazer via bio-história, aspectos da trajetória profissional e de seus contextos à tona. Vale acrescentar que ao desenvolver de modo sistemático a prática de escrita e análise sobre os relatos, com os professores, este tipo de estudo configura um tipo de pesquisa de colaboração, à medida que os professores envolvidos nesse processo se tornam simultaneamente tema e sujeitos da pesquisa (MONT’ALVERNE CHAVES, 1999).
  • 40. 57 A narrativa é contemporânea – pois está relacionada ao aqui e ao agora – e ao mesmo tempo histórica – pois traz a dimensão da tradição, do enraizamento no passado, capturando- o, preservando-o e atualizando-o. Ao narrar a própria história, outras histórias podem ser criadas. As histórias individuais de professores, por exemplo, podem levar outros professores a relembrarem suas próprias histórias e a fazerem relações nos planos individuais e coletivos. Para Mont’Alverne Chaves (op.cit.) a pesquisa narrativa é uma ampla categoria para uma variedade de práticas de pesquisas contemporâneas que incluem a coleta e a análise de autobiografias, biografias, histórias de vida, relatos pessoais, narrativas pessoais, narrativas de entrevistas, documentos de vida, histórias orais, auto-etnografia, etnopsicologia, memória popular, etc. A pesquisa narrativa é claramente interdisciplinar, incluindo elementos de estudos literários, históricos, antropológicos, sociológicos, psicológicos e culturais. As ciências sociais, têm saído desde a década de 70, aproximadamente, de um modelo marcadamente tradicional positivista para uma postura interpretativa: tornando-se o significado seu foco central. A autora afirma ainda que o estudo das narrativas possibilita também que aspectos da vida social e cultural do contexto onde vivem os narradores sejam revelados. Essa perspectiva se apóia numa concepção de conhecimento que reconhece que as diferentes situações vividas pelos professores ao longo de suas histórias, marcam a sua narrativa, pois ao recontarem suas experiências estão na verdade realizando uma recriação permanente, influenciada pelo momento vivido. Contar histórias é o que nós pesquisadores fazemos ao organizarmos as narrativas dos professores. Tal perspectiva aponta as narrativas como fenômeno e método (Mont´Alverne Chaves, 1999). A narrativa, como fenômeno e como método, assume um papel central no desenvolvimento pessoal e profissional. Por meio do contar, escrever e ouvir histórias de vida – as suas e as dos outros – é possível ultrapassar barreiras culturais, descobrir a força da identidade e a integridade do outro e ainda, aprofundar a compreensão de suas perspectivas e possibilidades. Além disso, as narrativas interessam-se em construir e comunicar significados de vida. A narrativa apresenta características multifuncionais. Faz uso de materiais pessoais, tais como estórias de vida, testemunhos, exemplos, conversas e escritos pessoais. Ela convida à reflexão e requer do pesquisador o exame do contexto onde se situa a pesquisa e suas implicações mais amplas. O pesquisador trabalha não apenas com aquilo que é dito, mas também com os não ditos, presentes nas “entrelinhas”, dentro do contexto no qual a vida é vivida e o contexto da
  • 41. 58 entrevista no qual as palavras são faladas para representar aquela vida. Mont’Alverne Chaves (1999) afirma que “O uso metodológico da narrativa traz os pesquisadores ao contato com questões metodológicas, epistemológicas, ontológicas, numa perspectiva multidisciplinar, com suporte da antropologia e da literatura”. No entanto, para que as histórias narradas contribuam efetivamente para a formação de professores é preciso, como nos aponta Mont’Alverne Chaves (op.cit.), que elas sejam genuínas e provoquem união, sejam evocativas, convidem à reflexão e sejam passíveis de interpretação. A autenticidade, a reflexão, a reinterpretação elevam, como nos diz a autora, a história “para além do reino da conversa inútil”. O reconhecimento das potencialidades educativas do trabalho com os relatos de formação apóia-se na idéia de que a espécie de reflexão favorecida pela reconstituição da história individual de relações e experiências com o conhecimento, a escola, a leitura e a escrita permite reinterpretações férteis de si próprio e de processos e práticas de ensinar. Estas são as premissas que sustentam às pesquisas que usam narrativas e que lhes conferem qualificação e riqueza. Acredito que elas se constituem em oportunidades de investigar a formação de modo que a teoria e a prática se façam presentes de modo indissociável. Viver a história e entender as nossas próprias narrativas poderá ser o melhor exercício de construção do conhecimento sobre este tema. É importante também que eu fale um pouco sobre algumas escolhas quanto a forma da escrita desse trabalho. Procuro não interromper fluxos, por isso lanço mão dos pés de página. Por vezes, o excesso de informações que não dizem respeito diretamente ao que se está abordando pode funcionar como “arame farpado” no texto, dificultando sua leitura. Nessa introdução busquei evitar isso, sem no entanto, deixar de explicitar algumas relações que considerei pertinentes e acrescentar referências sobre os livros, filmes e outros que mencionei e que considero, enriqueceram a leitura e ampliaram a compreensão desse texto. No caso dos pés de página ao longo dos capítulos da tese, o motivo é também não interromper fluxos, mas passa por uma reflexão que fui fazendo a medida em que escrevia. Percebi que muitas das informações de rodapé poderiam até ser dispensáveis para o leitor/avaliador. No entanto, elas estavam ali pois tinham me ajudado a compreender melhor esse trabalho. Como exemplo, pesquisei um pouco sobre autores mencionados por Célia que não conhecia suficientemente. Para mim foi muito importante me aprofundar um pouco mais, me permitiu caminhar com maior clareza em meus estudos. Mas de fato, não são informações de corpo de texto. São quase que pequenos desvios, estradas paralelas que peguei, para alargar