O documento discute o conceito de fé na teologia cristã, analisando como ele é tratado na Bíblia, nos Padres da Igreja e no Magistério atual. Na Bíblia, a fé é vista como confiança e entrega a Deus, respondendo à Sua revelação. Nos Padres da Igreja, a fé é tratada como obediência a Deus e união com Cristo. No Magistério atual, a fé é apresentada como adesão à revelação de Deus e testemunho do Pai e do Filho
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THEOLOGIA Ano 2008, Volume 2, No.1
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O CONCEITO DE FÉ NA TEOLOGIA FUNDAMENTAL CRISTÃ
Felipe Barrozo Arboith1
RESUMO
Ao visarmos estudar teologia devemos antes nos aprofundar nos conceitos básicos que
ela possui. Por exemplo, o que entendemos por revelação, que é o início de toda verdade
revelada, tratada pela teologia. Por isso afirmamos que esse conceito é o mais básico de
todos. Ao falarmos de revelação, outro conceito vem em nossa mente: é o que
entendemos por fé. Ao falarmos de revelação, necessariamente devemos tratar também
da fé, que é a resposta que devemos dar à revelação de Deus. Por ser um conceito tão
importante e básico para a teologia, até mesmo para se entender a revelação, conceito
primeiro da ciência teológica, visamos expor nesse escrito o que a doutrina cristã
entende quando fala de fé. Trataremos desse conceito, primeiro na Sagrada Escritura,
depois na era Patrística e, por fim, no Magistério atual da Igreja.
PALAVRAS-CHAVE: Fé. Revelação. Teologia Fundamental.
INTRODUÇÃO
Ao visarmos estudar teologia devemos antes nos aprofundar nos conceitos
básicos que ela possui. Esses conceitos são como que os alicerces para iniciarmos
qualquer discussão acerca da ciência teológica. Por exemplo, o que entendemos por
revelação, que é o início de toda verdade revelada, tratada pela teologia; por isso
afirmamos que esse conceito é o mais básico de todos.
Ao falarmos de revelação, outro conceito vem em nossa mente: é o que
entendemos por fé. Ao falarmos de revelação, necessariamente devemos tratar também
da fé, o que, como veremos mais adiante, é basicamente a resposta que devemos dar à
revelação de Deus. Por ser um conceito tão importante e básico para a teologia, até
mesmo para se entender a revelação, conceito primeiro da ciência teológica, trataremos
sobre isso nesse trabalho.
Analisando o que se entendeu por fé durante as principais épocas do
cristianismo, buscaremos aqui compreender o que a Igreja entende por fé. Assim
1
Seminarista da Diocese de Cachoeira do Sul/RS. Acadêmico do II Semestre (2008) do Curso de Teologia da
Faculdade Palotina – FAPAS. E-mail: fba33@ibest.com.br
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responderemos a perguntas tais como: o que é fé? Como esse conceito é tratado nas
diferentes épocas da história cristã? Qual relação entre fé e revelação?
O trabalho será dividido em duas partes. Na primeira, trabalhar-se-á acerca do
conceito de fé na Sagrada Escritura, tanto no Antigo Testamento como no Novo
Testamento. Em um segundo momento, tratar-se-á acerca do conceito de fé na patrística
cristã, ou seja, como os Padres da Igreja trataram esse tema. E, por último, o conceito de
fé no magistério atual da Igreja, analisando o conceito de fé no Concílio Vaticano II e no
Catecismo da Igreja Católica.
Com esse trabalho buscaremos aprofundar um pouco os conceitos fundamentais
da teologia cristã. Com esse conceito claro em nós, poderemos, mais facilmente, realizar
um estudo com mais sucesso na ciência teológica cristã. Esse trabalho também irá nos
auxiliar, a entendermos porque se fala de revelação e porque esse tema é o mais básico
de todos. Que possamos ter sucesso em nosso trabalho.
1 A FÉ SEGUNDO A SAGRADA ESCRITURA
1.1 Antigo Testamento
No Antigo Testamento, o termo “fé” é utilizado basicamente para expressar um
relacionamento interpessoal com Deus. “Crer, de fato, significa, no AT, entregar-se a
Deus (Gn 15,6; Ex 14,31; Nm 14,11), entregar-se à palavra salvífica de um Deus que
conduz a história e que fez aliança primeiro com os pais e depois com ‘seu povo’, Israel”
(Latourelle, 1994, p. 319). Desde Abraão, a palavra de Deus já trata de crença e de fé.
Em Gn 22,1 a fé de Abraão é testada e esse, além de mostrar uma obediência fiel à voz
de Javé, expressa também uma confiança firme em Deus (Gn 22,8-14). Aqui fé,
obediência e confiança caminham juntas. O termo “fé” é utilizado para designar o ato de
ser firme e fiel a algo. Trata-se ainda do ato de aceitar algo como firme ou verdadeiro.
Na Antiga Aliança, Deus se revela ao povo escolhido. Por amor, Javé revela-se a
Seu povo, esse do qual o próprio Senhor espera uma resposta pessoal, que se manifesta
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na adesão de Sua palavra e vontade, ou seja, na fé. A partir da revelação de Deus é que
se torna possível ter fé.
Ao revelar-se, Javé muitas vezes utiliza-se de pessoas escolhidas para a
transmissão de Sua palavra e plano de amor. Nesses eleitos, a palavra de Deus é
reconhecida e aceita pela fé dos crentes. Ligando-se a esses mensageiros, os crentes
unem-se em torno de um ponto único, formando assim uma comunidade, um povo
eleito. Como em Moisés, onde o povo se une para libertar-se da escravidão do Egito, e
assim receberem a terra prometida por Javé.
Com Moisés o povo de Israel aceitava sua história e experiência, mas também o
fato de ele ser um enviado de Deus para ser seu guia. Professavam que esses guias eram
homens de fé, ou seja, que eram verdadeiros e acatavam assim suas ordens.
Aqui novamente fé, obediência e confiança andam juntas, e levarão o povo eleito
à pátria prometida. Os crentes devem dessa vez ter fé na pessoa do eleito de Deus e na
palavra do Senhor, que se comunica pelos homens de Deus. A libertação da escravidão e
a conquista da terra prometida tornar-se-ão o ponto central da fé do povo judeu. “O
reconhecimento de tais benefícios para Israel e para todos os homens permanecerá
sempre a essencial ‘confissão de fé’ do AT” (Lacoste, 2004, p. 719).
Outro sentido da fé era aquilo que dava segurança. Segundo o salmo 36, Deus é
digno de fé, pois oferece segurança através de sua fidelidade. Daí tiramos outro sentido.
Fé era vista como fidelidade à algo, aqui a Javé. Ele próprio, como já vimos, é digno de
fé por Sua fidelidade às promessas da aliança. O homem que for fiel à essa aliança, pela
sua fé, será salvo (Hab 2,4). Por Deus ser fiel, no povo de Israel, “acredita-se então na
palavra de Deus ou aceita-se sua autoridade” (Mackenzie, 1983, p. 341). A fidelidade é
de onde surge a fé, e é para onde ela deve ir.
Encontramos isso em Abraão. Ele e sua mulher, mesmo sabendo que não
poderiam ter filhos, creram na promessa de Javé. Abraão aceitou a promessa com
confiança e assim creu no poder, vontade e fidelidade de Deus (Gn 15,1ss).
Isaías afirma que aquele que crê, não deve se inquietar (Is
28,16). A finalidade da fé pedida por Isaías mostra que fé é uma
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total sujeição a Iahweh, uma renúncia aos recursos seculares e
materiais, uma procura de segurança somente na vontade
salvadora de Deus” (Mackenzie, 1983, p. 341).
Fé e confiança unem-se necessariamente. Não é tão intelectual o conceito de fé
no AT, como temos hoje, mas entra num âmbito da vontade e do sentimento do homem,
esse que pela sua fé confia nas promessas de Deus, que é fiel em Sua Aliança.
1.2 Novo Testamento
Para Latourelle, o Novo Testamento:
Devido a seu caráter interpessoal, esta fé é naturalmente
semelhante à do AT. É respectivamente confiança e entrega a
Deus, presente na palavra e na ação de Jesus (sinóticos);
Obediência que torna o crente semelhante ao crucificado-
ressuscitado e que dá o Espírito dos filhos de Deus (Paulo);
adesão ao testemunho do Pai e do Filho (João) (Latourelle, 1994,
p. 319).
No Novo Testamento a fé é tratada de várias maneiras. Nos evangelhos sinóticos
encontramos como tema central a pessoa histórica de Jesus. Aqui o Senhor anuncia a
chegada do Reino de Deus, e pede, em resposta, a fé daqueles que o ouvem (cf. Mc
1,15), aceitando, assim, o plano de Deus e, a partir disso, serem herdeiros e partícipes
desse Reino eterno. Pois
[…] mostram que o encontro pessoal e direto com ele é fonte de
conhecimento da própria existência pessoal. Para conhecer Deus
e nele crer, deve-se conhecer primeiro aquele que foi enviado por
ele, e nele crer. É preciso a ele entregar-se e abandonar-se como
as crianças, que conhecem muito mais por via intuitiva do que
por especulações do intelecto (Mt 18,1-6) (Fisichella, 2000, p.
94).
Apresenta-se o encontro pessoal com Cristo como algo importantíssimo, onde a
própria pessoa se conhece e chega a definir sua existência. Ao encontrar-se, ela
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aproxima-se de Cristo, o qual revela, posteriormente, o Pai. Em relação a esse
acontecimento, espera-se uma resposta e um abandono confiante, da mesma forma que
uma criança faz com quem ama.
Essa fé que Jesus pede a seus seguidores é algo radical e libertador, capaz de
curar o coração, o corpo e a alma dos fiéis. Jesus era aquele que anunciava a necessidade
de crer nesse Reino que Ele próprio veio instaurar, um Reino de amor e de paz, capaz de
transformar a vida daquele que a ele aderir (cf. Mc 9,23).
Nos Atos dos Apóstolos é a fé somada ao batismo que garante a salvação dos
seguidores de Cristo (cf. At 16,31). Tanto judeus como pagãos são chamados a essa
salvação, ou seja, a crerem na Palavra2
de Deus e batizar-se, ingressando assim na
comunidade dos crentes que “era um só coração e uma só alma” (At 4,32).
Em São João, a fé aparece de uma forma muito mais interpessoal do que nos
sinóticos. A fé apresenta-se como ponto central e fundamental de sua teologia. Aqui é o
próprio Jesus que convida a crerem em sua pessoa. O que aceita a proposta, ou seja, o
crente estabelece um relacionamento íntimo com Jesus (cf. Jo 15,15). Dessa maneira:
Crer e conhecer, especialmente em João, são conceitos afins e
por vezes até permutáveis entre si; o significado oculto,
entretanto, é diferente e desestimulante para aquele que pretende
recorrer às modernas teorias do conhecimento. […] A fé, em
outras palavras, abre caminho a um conhecimento e a uma
compreensão cada vez maiores, e a uma comunhão cada vez
mais profunda com a pessoa que é assim conhecida, até conduzir
ao amor (Fisichella, 2000, p. 94-95).
No evangelho de São João a fé e o conhecimento estão intimamente ligados. Mas
esse conhecimento se dá pelo amor, ou seja, com o coração, pois pela simples razão
desestimula o crente. Com esse conhecimento emocional a pessoa conhecida e a que está
conhecendo unem-se em uma comunhão bastante próxima, aumentando cada vez mais
esse laço de amor entre ambas.
2
Aqui, “Palavra”, aparece iniciando com letra maiúscula, visto que, no Novo Testamento, essa palavra se fez carne
em Jesus Cristo.
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Os sinais que Jesus realiza mostram-nos a íntima ligação Dele com o Pai. Ao
convidar o ouvinte para uma fé em Sua pessoa, Cristo está convidando a crer também no
Pai (cf. Jo 12,44), e em Seu plano de amor. O fim de São João ter escrito seu evangelho
é de levar os leitores a “crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus” (Jo 20,31). Essa fé se
dá principalmente na crença e confiança nas testemunhas desse acontecimento (cf. Jo
20,29).
1.2.1 A fé nos escritos paulinos
A fé, segundo os escritos de São Paulo, á basicamente a aceitação, por parte do
ouvinte, à mensagem de Cristo3
. Isso se inicia com a recepção da doutrina contida na
mensagem central de Paulo que é: “Cristo virá julgar, ele ressuscitou, morreu pelos
nossos pecados” (Cerfaux, 1976, p. 131).
Para São Paulo, crer é entregar-se a Deus, donde provém nossa salvação4
. Essa
entrega deve ser total. O crente deve acreditar na mensagem de Cristo totalmente, ou
seja, com todo seu ser e utilizar todas as suas forças para viver, durante toda sua
existência, na graça de Deus5
. Aqui a fé deve expressar-se em toda a vida do cristão,
esse que é chamado a entregar-se confiantemente a Deus e à Sua vontade6
.
Essa mensagem, segundo Paulo, é transmitida a nós pela Igreja, ou seja, por uma
comunidade de fé. O ato de crer, nos escritos paulinos, nos insere na Igreja de Cristo7
.
Conforme escreve Cerfaux:
A fé não é somente um ato instantâneo […]. Ela continuará a ser
a disposição fundamental que o acompanhará por toda a sua
existência e continuará a submetê-lo a toda a ação eficaz de Deus
[…], isto é, esta força de Deus que desce do céu e não cessa de
agir em nós até o fim […] (Cerfaux, 1976, p. 135).
3
Cf. Rm 10,17; 1Cor 2,5; 15,14; Gl 3,2-3.
4
Cf. Rm 1,16; Gl 2,16; Ef 1,13; 2Ts 2,13.
5
Cf. 1Cor 15,1-2;16,13; 2Cor 1,24;10,15.
6
Cf. Rm 13,11; Fl 1,27.
7
Cf. Ef 1,13.
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7
A fé não é algo que recebemos somente num breve instante ou num determinado
tempo. Pelo contrário, segundo São Paulo, a fé deve ser a aceitação da mensagem de
Cristo, por parte do crente, para toda sua vida, onde isso deve manifestar-se pelo
testemunho de vida. Nesse sentido, Fisichella, afirma:
Para Paulo é a fé que define o ser cristão e a identidade pessoal.
Trata-se de uma realidade dinâmica que tem início coma
aceitação do batismo que torna as pessoas justificadas. É essa
dimensão que caracteriza a fé paulina; a justificação para a
salvação é um processo que deve levar o crente a uma
assimilação total com o Senhor. Isso dura toda a vida e não
conhece interrupção alguma ou alternância no empenho
(Fisichella, 2000, p. 96).
A identidade própria dos cristãos aqui se dá mediante o ato de crer. Esse se inicia
pelo batismo, onde a pessoa expressa sua aceitação ao plano de Deus revelado em Jesus.
Isso percorre por toda a vida do cristão, onde ele deve testemunhar, pelo seu modo de
vida, o que crê. Essa fé é algo que faz com que o crente se una totalmente com Cristo e é
o que garante a salvação do mesmo.
A fé ainda se mostra nos escritos paulinos, como algo próprio da comunidade
eclesial, ou seja, de toda Igreja. “É a Igreja que crê e que exprime sua fé nas diversas
ações, desde o testemunho até a ação litúrgica” (Idem). É próprio da comunidade cristã
crer no evangelho de Cristo. A partir disso se expressa também na prática o que crê, no
testemunho e nas reuniões cristãs eclesiais.
2 A FÉ, SEGUNDO OS PADRES DA IGREJA
2.1 Patrística
Os padres e autores cristãos dos primeiros séculos, da era a que chamamos
“patrística”, ocupavam-se principalmente com questões acerca da natureza da fé, ou
seja, unindo a doutrina bíblica com a reflexão sobre o que é ser cristão, conversão e as
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conseqüências da fé. A fé era relacionada com a caridade, o testemunho, a pertença à
Igreja, o conhecimento, entre outros. Isso tudo chamamos de “Teologia da fé”.
A fé em Cristo aparece como algo de âmbito eclesial, ou seja, não é somente algo
pessoal, mas de toda Igreja. Ter a fé e seguir as afirmações da Igreja era o que dava
possibilidade para o crente pertencer à comunidade.
Com a crise gnóstica surge o primeiro momento de risco a respeito do conceito
de fé. Para os defensores dessas idéias, a fé se dava como um conhecimento de segunda
ordem, ou seja, é um modo secundário e provisório de conhecer. Seria uma opinião
pessoal, sem fundamentos fortes e firmes. Esse conhecimento secundário deve ser
substituído por um primário, que, para os gnósticos, é o conhecimento racional.
Os cristãos responderam rapidamente a essas afirmações. Para eles a fé é um
conhecimento bem fundado e rigoroso, visto que não pode ser medido a partir da
fragilidade humana, mas pela fidelidade de Deus, a quem o homem ouve e aceita,
quando Esse se revela. “O ato de fé, livre, do homem não se fundamenta na fragilidade e
mutabilidade humanas, mas, sim, na firmeza e na fidelidade de Deus, a Quem o homem,
depois de ouvi-lO, se entrega pela fé” (Feiner; Loehrer, 1972, p. 30). A fé, para os
cristãos, é um estado definitivo, ou seja, dos mais simples aos mais cultos todos a
possuem. Assim, o ato de fé não pode dissolver-se em um conhecimento superior. Pois,
segundo Feiner e Loehrer:
[…], a fé é aquele elemento simples e definitivo de que o homem
não pode prescindir. É também algo que – como o tinham
observado, sobretudo os teólogos alexandrinos – ele só sabe
avaliar em seu justo sentido, quando atinge a “gnosis”. Algo,
enfim, que só se completa, quando o homem cumpre os
mandamentos com amor e perfeição (Feiner; Loehrer, 1972, p.
30-31).
Ao atingir a “gnosis”, o homem recebe a possibilidade de saber qual o sentido
verdadeiro do ato de crer. Isso só é completo quando o sujeito atinge a perfeição ao
cumprir fielmente o plano e os mandamentos de Deus. Isso é afirmado pelos teólogos da
escola de Alexandria.
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Clemente de Alexandria, e outros cristãos, dizem que a fé é a “gnosis”
verdadeira, ou a certeza da verdade de fé que se converte em amor e cumprimento dos
mandamentos de Deus. Para eles existe uma dupla conversão no homem. Primeiramente
ele se converte aos paradigmas da fé, ou seja, aceita o que ela afirma como verdade. Em
um segundo momento converte-se da fé para a “gnosis”, a qual se converte, por sua vez,
em amor e estabelece uma relação entre conhecer e o conhecido que é Deus, o revelado.
Nesse sentido, escreve Urbina:
Como resultado da controvérsia gnóstica, tornou-se claro que a
fé é resposta do homem a Deus que fala e que garante a certeza e
segurança da fé. Ao mesmo tempo, o início da fé se mostra como
resultado de uma ação moral. Uma vez que o homem crê, a fé
afeta o conjunto de sua ação moral (Urbina, 1998, p. 238)8
.
Perante as afirmações dos gnósticos acerca da Sagrada Escritura, interpretando-a
arbitrariamente, criou-se um princípio, provindo das Sagradas Escrituras, que tinha
como função ser critério da verdade da fé contra essas heresias; era o chamado “Regula
Fidei”. É a regra de fé, ou de verdade, que os apóstolos comunicaram, os quais
receberam do próprio Jesus e é a que a Igreja transmite desde suas origens. É o que rege
a unidade de fé dos cristãos.
2.2 Santo Agostinho
Santo Agostinho, em sua doutrina, apresenta-nos a fé como algo fundamental,
visto que, em primeiro lugar, fala dela a partir de sua própria experiência, de uma forma
viva e profunda. Também porque trata da relação entre a fé e o conhecimento do
homem. E ainda porque fala do caráter gratuito da fé. Nesse sentido, comentam Feiner e
Loehrer:
8
Tradução minha de: “Como resultado de la controversia gnóstica, se puso de manifesto que la fé es respuesta del
hombre al Dios que habla y que garantiza la certeza y seguridad de la fé. Al mismo tiempo, el comienzo de la fé se
muestra como resultado de uma acción moral. Uma vez el hombre cree, la fé afecta al conjunto de la acción moral del
sujeto” (Urbina, 1998, p. 238).
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Antes de tudo, considera ele o seu lado psicológico. Sua própria
experiência de convertido e seu gênio psicológico têm aqui a sua
parte. Advoga ele em particular a gratuidade da graça contra o
naturalismo dos pelagianos. […], distingue-se a fé da visão ou do
conhecimento, por se firmar ela na autoridade e no testemunho
(Feiner; Loehrer, 1972, p. 31).
Em seus escritos mostra-se como um conhecedor do aspecto psicológico do
homem que resiste à fé. Por seu testemunho obtém autoridade para tratar do tema. A fé
mostra-se como o ponto final aonde chega o coração inquieto. Esse adere a Deus a partir
de um ato de amor do próprio Deus que faz com que o homem tenha a tendência de
chegar à Sua revelação. Agostinho une aqui o aspecto psicológico e teológico do
homem.
Nessa teologia unem-se fé e conhecimento. Para Agostinho existem três tipos de
conhecimento: contemplação, ciência e fé. Para crer em algo, primeiro se entende o
sentido disso em que se irá crer. Fé se relaciona com o conhecimento do sujeito.
“Crer é pensar com assentimento” […]. A inquietude do coração
desaparece no encontro confiante do homem com Deus na fé,
mas o repouso de fé que assente, caracteriza outro tipo de
inquietação, que é a vontade de compreender, que o leva a
pensar sem abandonar nem condicionar pelo assentimento da fé
(Urbina, 1998, p. 240)9
.
Fé é o mesmo que pensar com assentimento. Na fé o homem encontra-se com
Deus. Assim desaparece a inquietação de seu coração e, da mesma forma, a inquietação
existente no homem de conhecer. A fé permite uma maior intelecção da realidade, pois
legitima a inteligência, mostrando que é racional confiar no testemunho de outro sujeito.
9
Tradução minha de: “creer es pensar con asentimiento” […]. La inquietud del corazón desaparece en el encuentro
confiado del hombre con Dios en la fe, pero al descanso de la fe que asiente, le caracteriza otro tipo de inquietud que
es el deseo de comprender, el cual le lleva a pensar sin abandonar ni condicionar por ello el asentimiento de fe”
(Urbina, 1998, p. 240).
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3 A FÉ SEGUNDO O MAGISTÉRIO DA IGREJA
3.1 Concílio Vaticano II
O Concílio Vaticano II (1962-1965) trata de fé em muitos pontos de sua doutrina,
porém não trata do conceito de fé em si, mas a relação dele com outras realidades. Por
exemplo: fé e cultura (GS 57-59); eficácia frente ao ateísmo (GS 21); papel da fé na
evangelização (LG 23; AG 36).
Segundo Sesboüé
O texto estabelece a “analogia” entre a liberdade teologal, o
aspecto voluntário do ato de fé e a liberdade religiosa. Quanto ao
ato de fé, relembra uma afirmação doutrinária tradicional, que
sempre integrou o tratado de teologia fundamental da fé e da
qual se tirou há muito a conseqüência de que não se pode impor
pela força a fé cristã. […] É um direito da consciência religiosa
como tal exprimir livremente sua fé, conforme a luz da sua
consciência (Sesboüé, 2006, p. 470).
O texto trata sobre a liberdade do ato de fé, que é aqui tratada como a questão
básica para se falar de liberdade religiosa, que é o tema central desse parágrafo. A
consciência religiosa do homem tem o direito de tomar uma decisão livre acerca daquilo
em que crê. Mostra-nos ainda que a resposta da fé, ou seja, o ato de crer foi algo
trabalhado constantemente na Sagrada Escritura e na doutrina dos Padres.
Pois o ato de fé é por sua natureza voluntário, uma vez que o
homem, redimido pelo Cristo Salvador e chamado para a adoção
de filho por Jesus Cristo, não pode aderir a Deus que Se revela, a
não ser que o Pai o atraia e assim preste a Deus o obséquio
racional e livre da fé (DH, n.10).
Defende-se a liberdade do ato de fé, ou seja, afirma que ninguém pode ser
forçado a abraçar a fé: “O homem deve responder a Deus, crendo por livre vontade”. A
fé é por sua natureza algo voluntário. Pela atração de Deus (cf. Jo 6,44) deverá se dar
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uma resposta racional e livre de fé. Exclui-se aqui qualquer tipo de coação, afirma assim
o dever da liberdade religiosa. Na DV, lê-se:
Ao Deus que se revela deve-se “a obediência da fé” […], pela
qual o homem livremente se entrega todo a Deus prestando “ao
Deus revelador um obséquio pleno do intelecto e da vontade” e
dando voluntário assentimento “à revelação feita por Ele. Para
que se preste essa fé, exigem-se a graça prévia e adjuvante de
Deus e os auxílios internos do Espírito Santo […] (DV n. 5).
Nesse texto, a “obediência da fé” é a resposta do homem à revelação de Deus. O
homem se entrega pelo intelecto e pela vontade a Deus, ou seja, aceita a Revelação. Fé
aqui se apresenta como graça de Deus, que surge com o auxílio do Espírito Santo. Essa
move o coração do homem e converte-o a Deus.
Conforme Sesboüé:
Certamente, a revelação exige “a obediência da fé”, expressa
aqui em estilo Paulino. Mas o enfoque continua sendo do
encontro interpessoal e dialógico, num “ato integral do homem,
pelo qual ele põe na balança inteligência, vontade e coração”
(Sesboüé, 2006, p. 431).
A obediência da fé é expressa na constituição como um ato de entrega total do
homem a Deus. Com sua totalidade o homem adere às verdades reveladas e conduz sua
vivência para o que se exige no plano salvífico de Deus. O homem entrega-se por
completo ao plano do Senhor.
3.2 Catecismo da Igreja Católica
O Catecismo da Igreja, afirma:
Pela fé, o homem submete completamente sua inteligência e sua
vontade a Deus. Com todo o seu ser, o homem dá seu
assentimento a Deus revelador. A Sagrada Escritura denomina
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“obediência da fé” esta resposta do homem ao Deus que revela
(CIC 143).
O Catecismo segue a mesma doutrina do Vaticano II. Fé é a resposta à revelação
de Deus e só se presta a Ele e à Sua palavra. O homem, ao crer no que foi revelado por
Deus, entrega-se totalmente à essa palavra divina, ou seja, toda sua vontade e
inteligência é entregue nas mãos de Deus que se revela. Fé é a adesão completa do ser à
revelação. É um ato pessoal do homem, mas também eclesial, ou seja, é propriedade de
toda Igreja.
A fé é uma submissão livre do homem à palavra de Deus. Igualmente ao Concílio
Vaticano II aqui se vê novamente a necessidade do ato de crer, ser livre. Essa resposta
do homem à Revelação deve ser um ato que parta de sua liberdade. A partir disso
submete toda sua vontade e dirige sua intelectualidade às verdades que Deus revelou.
O ato de fé apresenta-se com várias características. Entre elas: é uma graça (CIC
153); é um ato essencialmente humano (CIC 154); deve ser livre (CIC 160); é necessário
para a salvação (CIC 161); é por onde começa a vida eterna (CIC 163 ss.) e possui um
caráter trinitário: Deus (CIC 150), Jesus (CIC 151), Espírito Santo (CIC 152).
A fé é um ato pessoal […]. Ela não é, porém, um ato isolado.
Ninguém pode crer sozinho, assim com ninguém pode viver
sozinho. Ninguém deu a fé a si mesmo, […]. “Eu creio”: esta é a
fé da Igreja, professada pessoalmente por todo crente,
principalmente pelo batismo (CIC 166-167).
Além de o ato de crer ser algo próprio do ser humano, também é um ato
essencialmente eclesial, ou seja, passa do âmbito pessoal para o eclesial. Crer é próprio
de toda Igreja. O crente recebe o conteúdo de sua fé através da comunidade eclesial, e
deve auxiliá-la também na transmissão dessas verdades. No Catecismo, fé é próprio do
homem, que se manifesta e é transmitida pela Igreja de Cristo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término desse trabalho surge-nos a confirmação da importância de temas
fundamentais, como os tratados aqui, para a ciência teológica. Assim como em uma
construção o alicerce deve estar firme, na busca do saber também acontece da mesma
forma. Os conceitos fundamentais da teologia devem estar claros em nós, para facilitar o
trabalho intelectual que iremos realizar.
O conceito de fé, na Igreja de Cristo, foi tratado de formas diversas no decorrer
dos anos. Cada período de sua história tratou-o de forma única, a partir das necessidades
que a Igreja enfrentava no momento e pela realidade enfrentada. Isso só confirma ainda
mais o que já afirmamos aqui, a importância desse tema, visto que todos os cristãos, do
início ao fim, se entretêm pensando e estudando acerca dessa realidade.
Fé e revelação são dois conceitos fundamentais e andam juntos, ou seja, são
inseparáveis. Deus revela-se por amor à humanidade e esta deve responder com sua fé,
aceitando livremente Deus e sua mensagem. A partir dessa primeira inicia-se o
desenvolvimento de toda doutrina cristã. Por isso afirmamos serem temas fundamentais
para a teologia. Com essas informações, sem sombra de dúvidas, temos nossas bases
intelectuais bem firmes para iniciarmos um aprofundamento cada vez maior na ciência
teológica. Mãos à obra.
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