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LINGUAGEM VISUAL NA
HISTORIOGRAFIA
Programa de Pós-Graduação EAD
UNIASSELVI-PÓS
Autor: Thiago Juliano Sayão
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no
1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090
Copyright © UNIASSELVI 2009
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.
Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza
Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol
Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel
Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD:	 Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller
	 Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald
	 Profa. Jociane Stolf
	
Revisão de Conteúdo: Prof. Evandro André de Souza
Revisão Gramatical: Profa. Teresa Pfiffer Franco
Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
907.2
S2754l Sayão, Thiago Juliano.
Linguagem Visual na Historiografia/ Thiago Juliano
Sayão. Centro Universitário Leonardo da Vinci –
Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2009.x; 95 p.: il.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830-240-5
1. Historiografia 2. Imagem e Linguagem Visual na
História I. Centro Universitário Leonardo da. Vinci
II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título
Impresso por:
Thiago Juliano Sayão
Possui graduação em História pela
Universidade do Estado de Santa Catarina (2001)
e mestrado em História Cultural pela Universidade
Federal de Santa Catarina (2004). Atualmente cursa
doutorado em História na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Atua como professor-tutor do curso de
Licenciatura em História em Ensino a Distância do Centro
Universitário Leonardo da Vinci. Possui experiência
no ensino fundamental e superior. É co-autor dos
Cadernos de História Medieval, História do Brasil
Colonial e História Contemporânea destinados
ao curso de História EAD da UNIASSELVI.
Sumário
APRESENTAÇÃO...................................................................... 7
CAPÍTULO 1
Noções de Imagem................................................................... 9
CAPÍTULO 2
Historiografia e Imagem....................................................... 27
CAPÍTULO 3
Fotografia e História........................................................... 51
CAPÍTULO 4
Cinema e História................................................................... 75
APRESENTAÇÃO
Este caderno de estudos foi escrito a partir da noção de que todos os
artefatos culturais são fontes históricas. As produções materiais são “lidas”, neste
sentido, como vestígios culturais reveladores do imaginário. As imagens, assim
como a arquitetura de uma cidade ou mesmo a vestimenta de uma pessoa podem
fornecer informações sobre determinado contexto histórico.
Tratar as imagens como fonte histórica é uma forma de alargar as fronteiras
da própria História, aproximando-a das artes e das ciências humanas. O estudo
da imagem exige um certo grau de erudição daquele que deseja compreendê-la,
pois a imagem convida o intérprete a circular entre diferentes saberes. Acredito
que o trabalho de leitura da imagem é por natureza transdisciplinar, já que ele une
conhecimentos com o intuito da compreensão do artefato visual.
No decorrer da leitura deste caderno de estudos você irá se deparar com
reflexões filosóficas e históricas sobre imagem; terá contato com a ideia de
“artefato cultural”, originada da antropologia, e perceberá métodos de análise
da imagem advindos de teorias da arte e da psicologia. Contudo, apesar da
complexidade que envolve o estudo da imagem, você encontrará aqui um texto
didático e introdutório, que tem como foco a relação entre linguagem visual e
historiografia.
No capítulo 1 estudaremos os conceitos básicos e as primeiras reflexões
filosóficas elaboradas sobre imagem. Além disso, faremos uma breve incursão
sobre o sentido do termo representação, que considero de extrema importância
para pensarmos a imagem como fonte histórica.
No capítulo 2 serão estudadas as reflexões dos historiadores sobre imagem.
Veremos o sentido de fonte histórica na História Tradicional e na Nova História,
para, em seguida, adentrarmos nos estudos de História Cultural, que trata as
imagens como verdadeiros indícios da mentalidade de uma época. Ainda, no
segundo capítulo, faremos uma breve leitura de dois quadros famosos, “Última
ceia”, de Leonardo da Vinci, e “Primeira missa no Brasil”, de Victor Meirelles. Esta
análise das pinturas serve, justamente, para pôr em prática as teorias estudadas.
O terceiro capítulo abordará, especificamente, as reflexões acerca da
fotografia, seja para entendermos sua natureza, seja para pensá-la como
vestígio do passado. Serão apresentadas as principais características da imagem
fotográfica, os aspectos relacionados com a história da fotografia, as relações
entre fotografia e historiografia e os métodos de análise da fotografia.
No quarto capítulo problematizaremos a imagem em movimento. Veremos o
cinema como fonte de conhecimento, enquanto produto culturalmente elaborado.
Estudaremos o cinema a partir do seguinte pressuposto: o filme revela muito
do contexto social e cultural da sociedade em que foi produzido. A partir deste
raciocínio convido-o a ler o capítulo 4, pensando nas possibilidades de uso do
filme, seja na sala de aula ou como fonte de conhecimento para compreensão de
determinado imaginário social.
Por fim, espero que o caderno de Linguagem Visual na Historiografia sirva
como guia rumo a um novo olhar sobre imagem. Que os conhecimentos que
poderá adquirir aqui contribuam em sua formação acadêmica.
Bons estudos!
O autor.
CAPÍTULO 1
Noções de Imagem
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes
objetivos de aprendizagem:
 Identificar as características gerais que definem uma imagem.
 Discutir o conceito de imagem e de representação.
10
Linguagem Visual na Historiografia
11
NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1
ConteXtuaLiZaçÃo
Convido você a embarcar em um estudo sobre a natureza da
imagem. Estou certo de que estes conhecimentos básicos serão os
primeiros passos para que você veja as imagens de uma maneira
diferente. A discussão sobre o conceito de imagem será importante
para o objetivo final dessa disciplina, que é fornecer ferramentas
teóricas e sugestões de práticas educacionais, para que você trabalhe
as imagens, ou como objeto de pesquisas, ou como conteúdos
programáticos de seus futuros planos de ensino.
Além disso, espero que as informações teóricas, aprendidas neste
capítulo, forneçam as bases para que você se interesse e aprofunde
os estudos sobre a sociedade midiática e globalizada em que vivemos.
Atualmente, estamos sob um verdadeiro bombardeio de imagens, seja
no ambiente privado ou público. Se a televisão e a internet trazem para dentro de
nossas casas diferentes informações por meio das imagens, as propagandas em
outdoors, placas e cartazes estão cada vez mais presentes no campo visual das
vias de circulação das cidades. Considero, aliás, que estas produções culturais
do tempo presente devem ser incorporadas aos próprios conteúdos curriculares
das escolas. As novelas, os filmes, os comerciais televisivos, as imagens digitais
divulgadas na “internet”, devem ser tratadas como verdadeiros conteúdos
programáticos nas aulas de história, como também nas diferentes disciplinas
escolares. Isto, simplesmente, porque a escola é o espaço privilegiado
de formação do indivíduo em sociedade. O profissional da educação
deve aprender a lidar de maneira crítica com as informações visuais.
Só desta maneira poderá contribuir para a formação de cidadãos
capazes de lidar criticamente com o mundo em que vivemos. Hoje,
mais que nunca, o professor de história deve ser um pesquisador
capaz de contextualizar as imagens do tempo presente.
Apesar de vivermos um tempo em que as imagens são produzidas e
reproduzidas incessantemente, percebe-se que os profissionais de educação
ainda se mostram despreparados para trabalhar com a imagem, em particular
com as fotográficas e fílmicas, o principal foco de estudos deste Caderno. Seja
porque o estudo da imagem está restrito a cursos específicos, como arte; moda;
arquitetura; design; marketing e propaganda, ou porque a imagem foi tratada até
agora como simples ilustração ao texto.
No entanto, veremos que a imagem tem uma identidade própria; ela não
serve apenas para reafirmar o que já foi dito em um texto. Seu significado também
não se resume na legenda que, geralmente, é posta logo abaixo dela. Mas,
O objetivo dessa
disciplina é forne-
cer ferramentas
teóricas e suges-
tões de práticas
educacionais para
que você trabalhe
as imagens, ou
como objeto de
pesquisas, ou
como conteúdos
programáticos de
seus futuros plano
de ensino.
O professor de
história deve
ser um pesqui-
sador capaz de
contextualizar as
imagens do tempo
presente.
12
Linguagem Visual na Historiografia
infelizmente, estes são os usos mais encontrados em livros didáticos. Precisamos
olhar a imagem sob outra perspectiva, já que a imagem é uma fonte rica de
conhecimentos.
Para que possamos recolher informações das imagens precisamos, primeiro,
percebê-las como artefatos historicamente construídos, e, em segundo lugar,
compreender que elas têm uma linguagem específica, ou uma forma particular de
transmitir uma mensagem. Daí nosso primeiro desafio, enquanto estudiosos ou
leitores de imagens: aprender o vocabulário que compõe essa forma de expressão
cultural.
Entender a linguagem da imagem nos encaminhará para a elaboração de uma
interpretação verossímil sobre ela. Sim, porque não há um único significado para
uma imagem, assim como não existe uma única versão para um acontecimento
histórico. O que podemos fazer é nos lançar no desafio de interpretar uma
imagem sob a luz dos conhecimentos que temos sobre ela. Só assim, por meio
de pesquisas que deem sentido a uma imagem, é que nos aproximaremos de
seus significados mais prováveis, que sejam verossímeis. Não se preocupe,
voltaremos a explicar melhor o ato de interpretação da imagem no capítulo 2,
quando virmos determinados métodos de leitura de imagem.
Agora, caro estudante, veremos determinados conceitos-chave
ligados à imagem, que nos servirão de referências básicas. Perceba
que estou usando a palavra “ler” para me referir à maneira de tratar a
imagem, justamente para que fique claro que uma imagem não fala por
si mesma! Na verdade, é o contrário do que diz o ditado popular: “uma
imagem vale mais que mil palavras”. Para que uma imagem valha por
mil ou mais palavras, é necessário questioná-la, ou seja, elaborar um
trabalho de interpretação fundamentado por pesquisas.
Imagens PrimitiVas
As imagens são os indícios mais antigos da presença do homem sobre a terra,
sejam os objetos destinados aos cerimoniais, os vasos funerários, ou as pinturas
rupestres encontradas no interior de cavernas, as imagens participavam da vida
em comunidade muito antes da escrita. Se as primeiras escritas apareceram
há cerca de 4.000 anos, na região do atual Iraque, as pinturas em cavernas já
existem há aproximadamente 40.000 anos, na região do atual Zimbábue, no sul
da África.
Aliás, as únicas fontes de informações que os arqueólogos dispõem, para
compreender a história que antecede a invenção da escrita, são as imagens
Para que uma
imagem valha
por mil ou
mais palavras,
é necessário
questioná-la, ou
seja, elaborar
um trabalho de
interpretação
fundamentado por
pesquisas.
13
NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1
e os artefatos materiais produzidos pelas sociedades primitivas. É o estudo
dessas fontes imagéticas que permitem entender a forma de organização social:
os alimentos consumidos; as relações políticas e econômicas entre tribos; os
ritos sociais etc. Portanto, antes mesmo dos historiadores contemporâneos se
dedicarem aos estudos da cultura material e imagética, os arqueólogos, desde a
segunda metade do século XIX, já utilizavam seus próprios métodos para analisar
esse tipo de fonte, com a finalidade de reconstruir os comportamentos humanos e
as ideias de sociedades de um passado remoto.
É intrínseco às pinturas rupestres – como são chamados os desenhos pré-
históricos encontrados em cavernas e paredes rochosas – sua função mágica.
Acredita-se que os homens pré-históricos representavam os animais, a fim de
facilitar a captura dos mesmos. Segundo Gombrich, a maior parte da produção
imagética dos povos primitivos está ligada ao poder das imagens.
Ainda existem povos primitivos limitados ao
emprego de ferramentas de pedra raspando
imagens rupestres de animais para fins mágicos.
Muitas tribos celebram festividades regulares,
nas quais se vestem como animais e como eles
se movimentam em danças solenes e rituais.
Também acreditam que, de algum modo, isso lhe
dá poder sobre suas presas. (GOMBRICH, 1999,
p. 42).
Desde os primeiros tempos, a imagem resulta dos sistemas de
valores e crenças da sociedade que a produziu. Ela tem sua função
social dentro da cultura em que foi gestada, e, por isso, é considerada
um indício do imaginário de uma coletividade. Porém, nem sempre
os historiadores conceberam a imagem desta maneira, pois ela não
era vista como uma fonte confiável para a reconstrução objetiva do
passado.
TestemunHo HistóriCo AmBÍguo
A tradição historiográfica do século XIX, período em que a história passou
a ser tratada como disciplina científica, desconsiderou todas as fontes históricas
que não se incluíam entre os documentos escritos oficiais, pois os historiadores
daquele período (e também muitos historiadores do século XX) acreditavam que
apenas esse tipo de fonte poderia fornecer informações fidedignas do passado.
A história tradicional sempre privilegiou o documento escrito oficial e a
erudição do historiador como elementos indispensáveis para a escrita da história
Desde os primei-
ros tempos, a
imagem resulta
dos sistemas de
valores e crenças
da sociedade que
a produziu. Ela
tem sua função
social dentro da
cultura em que foi
gestada, e, por
isso, é considera-
da um indício do
imaginário de uma
coletividade.
14
Linguagem Visual na Historiografia
“séria” – entendida como uma história cientificista. Assim, para a reconstrução
da verdade histórica, desprezou-se todo um conjunto extremamente valioso
e diversificado de fontes históricas, que incluem as fontes visuais. E qual a
explicação para o desprezo dos historiadores pela fonte visual?
Temos dois motivos correlacionados que explicam a
desconsideração das fontes visuais pelos historiadores tradicionais. A
ambiguidade interpretativa desse tipo de fonte e a falta de teorias e
métodos de análise para as imagens. As imagens são, por natureza,
objetos ambíguos, permitem múltiplas interpretações. E essa
ambiguidade não condizia com o espírito positivista do século XIX, que
prezava pela objetividade dos documentos.
Por outro lado, os historiadores não dispunham de métodos
científicos para a leitura das imagens (como, por exemplo, a
semiótica que só foi desenvolvida no início do século XX). Os
estudos sobre imagem (que inclui todos os tipos de objetos visuais,
de pinturas a estatuetas) mantiveram-se, assim, restritos ao universo
dos colecionadores, nos antiquários. “Os antiquários tiveram mérito de superar
uma desconfiança preponderante em relação às imagens, reivindicando a
validade da imagem como fonte histórica”. (KNAUSS, 2009, p.101).
De fato, as imagens – que são aqui consideradas como o conjunto de artefatos
da cultura visual – só recentemente passaram a fazer parte das preocupações
dos historiadores. Até a segunda metade do século XX, os estudos que
privilegiaram as imagens como indícios históricos eram raros. Peter Burke aponta
os trabalhos de Philippe Ariès sobre a história da Infância, e de Michel Vovelle,
sobre a Revolução Francesa, publicados respectivamente em 1960 e 1970, como
representantes dos estudos contemporâneos que utilizam as imagens como fonte
histórica. Esses trabalhos fazem parte da “virada pictórica” – momento em as
ciências sociais redefiniram o papel da imagem no estudo cultural da sociedade.
O termo “virada pictórica”, por sua vez, foi criado por William Mitchell para definir o
movimento de revalorização, nos anos 1960, dos estudos da imagem.
Agora, prezado estudante, daremos início ao estudo de dois conceitos-chave
deste caderno de estudos, que são: imagem e representação. Estes dois termos
são centrais e nos acompanharão no desenrolar de nossos estudos. A partir
daqui, daremos início a uma reflexão mais filosófica sobre a natureza da imagem.
As imagens são,
por natureza,
objetos ambíguos,
permitem múltiplas
interpretações. E
essa ambiguidade
não condizia
com o espírito
positivista do
século XIX, que
prezava pela
objetividade dos
documentos.
15
NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1
Rumo ao ConCeito de Imagem
As imagens são, segundo Aumont (1993), representações do
mundo que foram feitas para serem vistas. E é justamente pensando
a imagem como representação (enquanto uma construção social e
histórica), que os historiadores passaram a considerá-la um indício
do tempo passado. Antes disso a imagem era, para os historiadores
tradicionais, simples ilustração gráfica ou pictórica de um fato ou de
um personagem histórico.
Se recorrermos ao dicionário para conceituar imagem, veremos
que essa palavra tem diferentes significados, assim como os usos que fazemos
dela. Citamos anteriormente um uso popular do vocábulo imagem. Outra menção
corriqueira desta palavra está, por exemplo, na identificação que fazemos
de uma estátua religiosa. Quando nos referimos à estátua de Nossa Senhora,
substituímos a palavra estátua pela palavra imagem e dizemos: “a imagem de
Nossa Senhora”. Diferente da imobilidade de uma estátua, a imagem envolve
sentimento e imaginação.
Estes dois exemplos nos remetem a significados distintos atribuídos
usualmente à palavra imagem. No primeiro caso (“a imagem vale mais que mil
palavras”), a imagem ganha o sentido de expressão visual, que transmite uma
mensagem de maneira instantânea. Neste caso, não existe a necessidade da
explicação verbal ou textual para que se entenda o que está sendo dito; basta um
lance de vista para que a mensagem seja captada. É o caso típico da propaganda
visual. No segundo uso, a palavra imagem tem o sentido de representação
religiosa; ela é, portanto, um objeto que tem o poder de se colocar no lugar do(a)
santo(a).
Após essas breves considerações sobre dois sentidos usuais da palavra
imagem, vejamos o que o dicionário Houaiss (2002) diz a respeito deste vocábulo.
Imagem:
1 “Representação da forma ou do aspecto de ser ou objeto por
meios artísticos”.
1.1 “Representação de seres que são objeto de culto, de veneração”.
2 “Reprodução estática ou dinâmica de seres, objetos, cenas, ...
obtida por meios técnicos”.
3 “Representação ou reprodução mental de uma percepção ou
sensação anteriormente experimentada”. (nossa numeração).
E é justamente
pensando a
imagem como
representação
que os historiado-
res passaram a
considerá-la um
indício do tempo
passado.
16
Linguagem Visual na Historiografia
Na definição 1, imagem é uma representação de algo ou alguém, elaborada
pelas mãos treinadas e habilidosas de um artista. Nesse sentido, teríamos o
desenho, a pintura, a escultura, ou mesmo a gravura, como exemplos. Já na
segunda definição, imagem aparece como resultado da reprodução de algo ou
alguém. Repare que a diferença está nas palavras representação e reprodução.
Enquanto a primeira nos remete a um trabalho de criação humana, a
segunda nos permite ver a imagem como cópia fiel do real, produzida por meio de
máquinas (como por exemplo, a câmera fotográfica ou cinematográfica). No entanto,
entendemos que as imagens fotográficas, televisivas e cinematográficas não são
simplesmente reproduções fiéis do real; elas são, também, representações do real.
Fazem parte de um processo complexo de construção. Em outras palavras, a imagem
produzida pela câmera é resultado de um conjunto de procedimentos técnicos,
mas também sensíveis, que mostram determinados aspectos da realidade visível.
Isto porque é uma pessoa que opera a câmera, e será a partir do olhar desta
pessoa (ou de uma equipe, no caso do cinema) que um espaço ou uma narrativa
ganhará vida. A fotografia é um tema interessante, você não acha? Mas deixemos
para discuti-lo mais adiante, afinal ele merece seu próprio capítulo. Voltemos
então ao conceito de imagem do Houaiss.
Uma terceira noção dá à palavra imagem um sentido abstrato, que
existe apenas no plano psicológico. Ou seja, diz respeito à maneira
pela qual imaginamos o mundo a nossa volta. Por exemplo, quando
pronuncio a palavra “peixe” imaginamos a forma deste ser vivo. Mesmo
que nunca tenhamos visto pessoalmente um peixe, podemos imaginá-
lo (caso tenhamos conhecido sua figura em livros ou em outro suporte
físico ou virtual). Assim, quando ouvimos a palavra “peixe” sacamos
de nosso “arquivo de memórias” a representação que fazemos deste
animal aquático. Aliás, existe uma palavra que explica a capacidade
que temos de representar imagens mentalmente: imaginação. A
imagem percebida pela imaginação faz parte do próprio ato de pensar.
Pensamos através de imagens. As imagens estão na base de nossas
relações sensíveis e práticas com o mundo.
Alberto Manguel esclarece:
Para aqueles que podem ver, a existência se passa em um
rolo de imagens que se desdobra continuamente, imagens
capturadas pela visão e realçadas ou modeladas pelos
outros sentidos, imagens cujo significado (ou suposição
de significado) varia constantemente, configurando uma
linguagem feita de imagens traduzidas em palavras e de
palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos
abarcar e compreender nossa própria existência. As imagens
que formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens
A imagem
percebida pela
imaginação faz
parte do próprio
ato de pensar.
Pensamos através
de imagens. As
imagens estão na
base de nossas
relações sensíveis
e práticas com o
mundo.
17
NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1
e alegorias. Ou, talvez sejam apenas presenças vazias que
completamos com nosso desejo, experiência, questionamento
e remorso. Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como
as palavras, são a matéria de que somos feitos. (MANGUEL,
2001, p. 21).
Atividade de Estudos:
1) A partir do que foi dito em relação ao conceito 3 de imagem,
retirado do dicionário Houaiss (2002), registre suas opiniões
sobre a frase de Alberto Manguel: “as imagens, assim como as
palavras, são a matéria de que somos feitos”.
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Constatamos, então, que a palavra imagem tem diferentes significados.
Uma imagem pode ser um artefato visual ou uma representação mental. Entre
os artefatos imagéticos temos: pinturas, fotografias, filmes, desenhos, estátuas,
logomarcas, etc. Por outro lado, todas as imagens que não podemos tocar
constituem-se de representações mentais ou abstratas.
Apresentadas as devidas diferenças em torno da palavra imagem, veremos,
a partir de agora, os pontos comuns que nos permitem identificar a
natureza de um artefato imagético. A intenção de compreender a
natureza da imagem vem, desde a antiguidade, com as reflexões
de filósofos gregos. Segundo Platão (428-347 a.C.): “chamamos de
imagens em primeiro lugar as sombras, depois os reflexos que vemos
nas águas ou na superfície de corpos opacos, polidos e brilhantes e
todas as representações do gênero”. (apud JOLY, 1996, p. 13/14).
Platão acreditava que a imagem era simplesmente a forma exterior das
coisas, uma espécie de casca que cobria suas verdadeiras essências.
Para esse pensador, a imagem representa o mundo das aparências. Isso quer
dizer que a imagem, sob a perspectiva platônica, é considerada uma forma
Platão acreditava
que a imagem
era simplesmente
a forma exterior
das coisas, uma
espécie de casca
que cobria suas
verdadeiras
essências.
18
Linguagem Visual na Historiografia
enganadora de conhecer a verdadeira natureza das coisas. A imagem desviaria
o homem do mundo das ideias, que seria o único meio de conhecer – através do
pensamento racional – a verdade sobre tudo aquilo que existe.
Assim, segundo Platão, temos o seguinte quadro:
IMAGEM = IMPRESSÃO SENSÍVEL*
IDEIA = CONCEPÇÃO REAL**
* Ou “Conhecimento sensível”: representa o grau inferior de conhecimento.
** Ou “Conhecimento inteligível”: representa o grau superior de conhecimento.
A ideia de imagem, enquanto conhecimento superficial das coisas, fica mais
clara no Mito da Caverna de Platão. Aliás, este mito serve como uma excelente
ilustração para entendermos o sentido que a imagem ganhou no pensamento
platônico, e na forma de conceber a imagem em nossa cultura ocidental de raízes
greco-latina.
O Mito da Caverna, em poucas linhas:
Imagine uma caverna, onde seres humanos estavam condenados a viver
acorrentados uns aos outros com seus rostos voltados apenas para o fundo da
caverna. Jamais haviam visto a luz do sol ou qualquer aspecto do mundo real.
Conheciam apenas as sombras das coisas e das pessoas que passavam no
lado de fora, as quais eram projetadas na parede da caverna. Essas pessoas
acreditavam, devido à condição em que viviam, que as sombras eram os próprios
seres que habitavam o mundo. As sombras eram, portanto, a única realidade
conhecida. Porém, um dia, um dos indivíduos aprisionados se libertou das
correntes e saiu da caverna. Fora da prisão, ele se deparou com o mundo real.
Após ter explorado esse novo mundo, ele regressou para a caverna, a fim de
contar a descoberta aos outros prisioneiros. Entretanto, os habitantes da caverna
não acreditaram no que o homem liberto lhes contou e sua sentença foi a morte.
Caso você queira conhecer mais sobre o Mito da Caverna de
Platão, leia o Livro VII da obra: A República. 2. ed. Lisboa: Caloustre
Gulbenkian, 1993.
Você reparou que, no Mito da Caverna, a sombra é o elemento que equivale
19
NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1
a imagem? Ela carrega o próprio sentido atribuído à imagem: enquanto indício,
marca da presença de algo ou de alguém. Por outro lado, o mundo real só é
identificado sob a luz do sol, luz esta que simboliza o próprio pensamento racional
ou, no caso, filosófico. Conclui-se, então, que no pensamento platônico só é
possível conhecer o mundo real por meio da razão (ou do raciocínio filosófico).
Já as sombras ou as imagens são apenas impressões sensíveis das coisas.
Logo, as imagens representam o conhecimento superficial ligado aos sentidos e
sentimentos e não à razão, que é tida como forma de conhecimento superior.
Entretanto, Aristóteles (384 – 322 a.C.), que foi discípulo de
Platão, pensava diferente. Ele acreditava que nosso conhecimento é
resultado tanto da percepção sensível quanto do raciocínio. Segundo
Marilena Chauí, Aristóteles acreditava que o conhecimento é formado
pela acumulação de diferentes graus de conhecimento (sete ao todo:
sensação, percepção, imaginação, memória, linguagem, raciocínio e
intuição), de modo que, “em lugar de uma ruptura entre o conhecimento
sensível e o intelectual, há continuidade entre eles”. (CHAUÍ, 2003, p.
124). Para Aristóteles, portanto, a sensibilidade não faz parte de um
grau inferior de expressão, mas apresenta-se como uma fonte de
informação diferente que auxilia na compreensão do mundo. Além
disso, este filósofo tinha uma relação diferenciada com a arte visual. A pintura, por
exemplo, não era vista apenas como uma forma de representação do mundo, uma
“sombra”, como afirmava Platão, mas também como um objeto de prazer. Isto
quer dizer que a imagem não se restringe ao debate teórico sobre conhecimento,
pois ela fornece a base para toda uma discussão a respeito da estética.
Veja bem, caro estudante, nosso objetivo aqui não é aprofundar um debate
acerca do conhecimento ou da estética, mas trazer as primeiras reflexões
filosóficas sobre a natureza da imagem, pois ainda hoje as visões de Platão e de
Aristóteles estão presentes nas noções que temos dela. Denominaremos estas
noções de noção platônica e noção aristotélica. Em síntese, temos:
• Noção platônica: A imagem é concebida como ilusão, que impede o juízo
racional, pois acoberta o sentido verdadeiro das coisas.
• Noção aristotélica: A imagem é considerada produção sensível que nos auxilia
a conhecer melhor o mundo, ou melhor, a forma com que nos
relacionamos com ele.
Assim, seja a imagem uma ilusão ou um artefato cultural,
consideramos que ela tem a característica primeira de representação.
Vamos as suas raízes linguísticas? O sentido da palavra latina
imago, por exemplo, que está na origem da palavra imagem, se refere
Para Aristóte-
les, portanto, a
sensibilidade não
faz parte de um
grau inferior de
expressão, mas
apresenta-se
como uma fonte
de informação di-
ferente que auxilia
na compreensão
do mundo.
Seja a imagem
uma ilusão ou um
artefato cultural,
consideramos que
ela tem a caracte-
rística primeira de
representação.
20
Linguagem Visual na Historiografia
à máscara mortuária usada pelos romanos na antiguidade. Isto quer dizer que,
de acordo com a definição de Platão, que acabamos de ver, a imagem é, em seu
nascedouro, uma representação, ou seja, um artefato que se coloca no lugar de
algo ou de alguém.
Para que possamos identificar as origens da imagem, proponho a leitura do
texto de Martine Joly:
No começo, havia a imagem. Para onde nos voltemos, há a imagem. “...por
toda parte no mundo o homem deixou vestígios de suas faculdades imaginativas
sob a forma de desenhos, nas pedras, dos tempos mais remotos do paleolítico
à época moderna”. Esses desenhos destinavam-se a comunicar mensagens, e
muitos deles constituíram o que se chamou “os precursores da escrita”, utilizando
processos de descrição-representação que só conservavam um desenvolvimento
esquemático de representações de coisas reais. “Petrogramas”, se desenhadas
ou pintadas, “petroglifos”, se gravadas ou talhadas – essas figuras representam
os primeiros meios de comunicação humana. São consideradas imagens porque
imitam, esquematizando visualmente, as pessoas e os objetos do mundo real.
Acredita-se que essas primeiras imagens também se relacionam com a magia e
a religião.
Já as religiões judaico-cristãs têm a ver com as imagens. Não porque as
representações religiosas estão presentes em massa em toda a história da
arte ocidental, porém, mais profundamente, porque a noção de imagem, assim
como sua condição, representam um problema-chave, a questão religiosa.
A proibição bíblica de se fabricar imagens e prosternar-se diante delas (3º
mandamento) designava a imagem como estátua e como deus. Uma religião
monoteísta tinha como dever, portanto, combater as imagens, isto é, os outros
deuses. A “querela das imagens”, que abalou o Ocidente do século IV ao século
VII de nossa era, opondo iconófilos e iconoclastas, é o exemplo mais manifesto
desse questionamento sobre a natureza divina da imagem. Mais próxima de
nós, no Renascimento, a questão da separação da representação religiosa e da
representação profana estará na origem do surgimento dos gêneros pictóricos.
Mesmo abolido, o iconoclasmo bizantino influenciou toda a história da pintura
ocidental.
De fato, no campo da arte, a noção de imagem vincula-se essencialmente
à representação visual: afrescos, pinturas, mas também iluminuras, ilustrações
decorativas, desenho, gravura, filmes, vídeo, fotografia e até imagens de síntese.
A estatuária é mais raramente considerada “imagem”. [...]
Presente na origem da escrita, das religiões, da arte e do culto dos mortos,
a imagem também é um núcleo de reflexão filosófica desde a Antiguidade. Em
especial Platão e Aristóteles vão defendê-la ou combatê-la pelos mesmos
21
NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1
motivos. Imitadora, para um, ela engana, para outro, educa. Desvia da verdade
ou, ao contrário, leva ao conhecimento. Para o primeiro, seduz as partes mais
fracas de nossa alma, para o segundo, é eficaz pelo próprio prazer que se sente
com isso. A única imagem válida aos olhos de Platão é a imagem “natural” (reflexo
ou sombra), que é a única passível de se tornar uma ferramenta filosófica.
Instrumento de comunicação, divindade, a imagem assemelha-se ou
confunde-se com o que representa. Visualmente imitadora, pode enganar ou
educar. Reflexo, pode levar ao conhecimento. A sobrevivência, o Sagrado, a
Morte, o Saber, a Verdade, a Arte, se tivermos o mínimo de memória, são os
campos a que o simples termo “imagem” nos vincula. Consciente ou não, essa
história nos constituiu e nos convida a abordar a imagem de uma maneira
complexa, a atribuir-lhe espontaneamente poderes mágicos, vinculada a todos os
nossos grandes mitos. (JOLY, 1996, p. 17-19).
Assim, independente da função que uma imagem possa assumir:
para iludir ou educar, ela tem, como condição, ser uma representação. E é
justamente sobre esta característica primordial da imagem que nos deteremos
neste caderno de estudos. Você deve ter uma ideia do que seja representação,
mas vejamos melhor o que esta palavra quer dizer. De maneira geral,
representação é “um processo pelo qual se institui um representante que, em
certo contexto limitado, tomará o lugar do que representa”. (AUMONT, 1993,
p. 103). Por exemplo: O ator Paulo Betti fez o papel de Carlos Lamarca no
filme “Lamarca”, lançado em 1994. Consideramos, então, que o filme é uma
representação sobre a vida do guerrilheiro comunista. Por outro lado, também
podemos dizer que Paulo Betti representou ( “se colocou no lugar de”) Carlos
Lamarca.
Representação é um conceito central para pensarmos a imagem, mas
também um conceito fundamental na história cultural. Este termo foi cunhado
pelo sociólogo Émile Durkheim para explicar as maneiras pelas quais uma
coletividade compartilha sentidos sobre o mundo. Nos estudos sobre “povos
primitivos”, Durkheim concebe as representações coletivas como formas de
manter a coesão social de um grupo. Elas se traduzem pelas normas, discursos,
rituais e imagens socialmente compartilhadas. Assim, as representações, em
seu sentido sociológico, são formulações mentais que configuram
o real; ou melhor, são formulações mentais pelas quais as pessoas
dão sentido ao mundo e pautam suas próprias condutas, a fim
de conviver socialmente. Os historiadores que trabalham com as
noções de mentalidade e imaginário, por sua vez, têm o conceito de
representação como espinha dorsal de seus estudos. É o caso de
George Duby, Jaques Le Goff, Roger Chartier e Alain Corbin. Quando
nos referimos, por exemplo, à história das representações femininas,
Representação
é um conceito
central para pen-
sarmos a imagem,
mas também um
conceito funda-
mental na história
cultural.
22
Linguagem Visual na Historiografia
estamos falando propriamente dos estudos sobre as maneiras pelas quais as
mulheres foram imaginadas em determinado contexto histórico.
Representar é, pois, fundamentalmente, estar no lugar de, é
presentificação de um ausente; é um apresentar de novo, que
dá a ver uma ausência. A idéia é, pois, a da substituição, que
recoloca uma ausência e torna sensível uma presença.
A representação é conceito ambíguo, pois na relação que se
estabelece entre ausência e presença, a correspondência não
é da ordem do mimético ou da transparência. A representação
não é uma cópia do real, sua imagem perfeita, espécie de
reflexo, mas uma construção feita a partir dele.
Há uma exposição, uma representação de algo ou alguém
que se coloca no lugar de um outro, distante no tempo e/ou
no espaço. Aquilo/aquele que se expõe – o representante
– guarda relações de semelhança, significado e atributos
que remetem ao oculto – o representado. A representação
envolve processos de percepção, identificação,
reconhecimento, classificação, legitimação e exclusão.
(PESAVENTO, 2005, p. 40).
A noção básica que devemos assimilar de representação é
esta: algo ou alguém que se coloca no lugar daquilo que representa.
Representar é apresentar novamente (reapresentar) algo ou alguém,
a partir de um suporte material que difere, em sua forma, daquilo que
representa. Por exemplo: O quadro Mona Lisa, em sua forma, uma tela
bidimencional de 77 por 53 cm, é completamente diferente da forma
da modelo retratada por Leonardo da Vinci (provavelmente Lisa Del
Giocondo).
Marilena Chauí usa o termo analogia para se referir à característica
comum que une os diferentes tipos de imagens. Na citação, a seguir,
podemos perceber que este termo equivale ao sentido que estamos
dando à palavra representação. Apesar das diferenças entre as imagens,
Algo é comum a todas elas: oferecem-nos coisas, situações,
pessoas que guardam alguma semelhança com outras coisas,
situações, pessoas reais. Por oferecer alguma parecença, diz-
se que uma imagem oferece um análogo das próprias coisas,
situações ou pessoas. As imagens oferecem um análogo seja
porque estão no lugar das próprias coisas (como na fotografia
ou numa pintura, por exemplo), seja porque nos fazem
imaginar coisas através de outras (como a bandeira de um
país, uma poesia ou uma música, por exemplo). [...]
Embora sejam diferentes pela natureza da analogia, as
imagens novamente possuem algo em comum: raramente
ou quase nunca a imagem corresponde materialmente
à coisa imaginada. Por exemplo, a bandeira e a nação
são materialmente diferentes, os sons da sinfonia e meus
sentimentos são diferentes, a fotografia e a pessoa fotografada
são diferentes, um mímico que imita uma janela ou uma
locomotiva não é nem uma coisa nem outra, etc. Notamos,
Representação é
algo ou alguém
que se coloca no
lugar daquilo que
representa. Repre-
sentar é apresen-
tar novamente
algo ou alguém,
a partir de um
suporte material
que difere, em
sua forma, daquilo
que representa.
23
NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1
assim, que é próprio das imagens algo que suporíamos
próprio apenas da ficção, isto é, as imagens são irreais,
quando comparadas ao que é imaginado através delas. Um
quadro é real na condição de quadro percebido, mas irreal se
comparado à paisagem da qual é imagem. (CHAUÍ, 2003, p.
145-146).
O quadro de René Magritte, intitulado Traição das imagens, além de
levantar uma discussão sobre a própria natureza da imagem, nos ajuda a entender
a citação Anterior, mais especificamente a seguinte frase: A imagem “quase nunca
corresponde materialmente à coisa imaginada”. Convido que você se detenha por
alguns instantes na figura abaixo.
Figura 1 - Reprodução de parte da pintura de René
Magritte intitulada: Traição das Imagens
Fonte: Disponível em: <http://brasil.indymedia.org/
images/2008/03/413089.jpg>. Acesso em: 01 jun. 2009.
Você não acha que a imagem acima é bastante provocativa? Gosto dela pelo
simples fato de se tratar de uma brincadeira elaborada a partir da contradição
entre imagem e texto; entre o que está desenhado e o que está escrito na
legenda. Ao mesmo tempo em que a imagem nos apresenta um cachimbo, afirma
ironicamente: “Isto não é um cachimbo” (Ceci n’est pas une pipe). Trata-se de uma
ironia traduzida em linguagem visual. E o que Magritte nos faz pensar
com a pintura? Voltando à citação de Marilena Chauí, podemos dizer
que a pintura de René Magritte reafirma o caráter “irreal” da imagem.
Ali não vemos propriamente um cachimbo, mas a pintura de um; a
representação do objeto e não ele próprio. O quadro relança, então, o
debate em torno da imagem como um artefato elaborado, seja a partir
de algo existente, como é o caso da representação do cachimbo, seja
a partir de algo imaginário.
Apesar de irreal e justamente por ser irreal, a
imagem é dotada de um atributo especial: ela tem
o poder de tornar presente ou de presentificar
Segundo Chauí, a
imagem consiste
em um análogo
de algo existente
ou inexistente.
Neste sentido, ela
envolve aspectos
que fazem parte
do imaginário, da-
quilo que constitui
nossas crenças e
valores culturais.
24
Linguagem Visual na Historiografia
algo ausente, seja porque esse algo existe e não se encontra
onde estamos, seja porque é inexistente. No primeiro caso,
a imagem ou o análogo é testemunha irreal de alguma
coisa existente; no segundo, é a criação de uma realidade
imaginária, ou seja, de algo que existe apenas em imagem ou
como imagem. Nos dois casos, porém, o objeto-em-imagem é
imaginário. (CHAUÍ, 2003, p. 146).
Portanto, segundo Chauí, a imagem consiste em um análogo de algo
existente ou inexistente. Neste sentido, ela envolve aspectos que fazem parte do
imaginário, daquilo que constitui nossas crenças e valores culturais. Justamente,
porque a imagem tem o poder “mágico” de tornar presente algo ausente. Um
exemplo da magia da imagem está na relação dos Ianomâmis com a fotografia:
eles acreditavam que a foto tem o poder de capturar a sombra, ou alma, da
pessoa. (PERSICHETTI, 2000, p. 16).
Mas será que toda imagem é uma representação? A pessoa em um retrato
não se coloca necessariamente no lugar de outra. Neste caso, não estaríamos
diante de uma reprodução ao invés de uma representação? Para início de
conversa, poderia dizer que a fotografia é, ao mesmo tempo, reprodução e
representação. Nesse caso, nossa resposta seria sim e não para a segunda
questão. Sim, porque a fotografia é tanto uma cópia fiel do que ela “captura”
(desde que a foto não tenha sido manipulada com auxílio do photoshop),
quanto o resultado de um processo de construção, que envolve o trabalho
mental e manual. Assim, a princípio, a fotografia é um pedaço de papel (em
geral retangular), um “objeto-em-imagem”, que se coloca no lugar daquilo que
foi fotografado. Desta forma, a imagem que está gravada no papel pode ser
considerada uma reprodução; mas, se considerarmos apenas o objeto material,
o próprio papel, sem dúvida não passa de uma representação. Para resumir,
diríamos que a fotografia é uma analogia, já que o significado de analogia
contém os sentidos atribuídos tanto à reprodução quanto à representação.
Atividades de Estudos:
1) Pesquise os conceitos de analogia, reprodução e representação. A
partir das informações coletadas, estabeleça as semelhanças e
diferenças entre estes termos. Defina com suas próprias palavras
o conceito de imagem.
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
25
NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1
___________________________________________________
2) Você acha que a imagem pode ser considerada uma fonte
histórica? Justifique sua resposta a partir do que estudamos
neste capítulo.
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ALgumas Considerações
Definitivamente, a imagem, que não a mental, é um artefato
culturalmente produzido. Ela é resultado de uma construção manual
de algo real ou imaginário. É, no fim das contas, um “ponto de vista” do
mundo. Por isso, para compreender uma imagem, devemos levar em
conta: o contexto cultural do indivíduo ou do grupo que a produziu e as
tecnologias disponíveis no momento de sua criação. A imagem é um
objeto complexo, que faz parte de nossa cultura. Por isso, fica difícil ler
uma imagem se não conhecermos as condições culturais, econômicas
e políticas de sua produção.
A imagem tem, para o historiador, sem dúvida
um valor documental, de época, mas não tomado no seu
sentido mimético. O que importa é ver como os homens se
representam, a si próprios e ao mundo, e quais os valores e
conceitos que experimentavam e que queriam passar, de
maneira direta ou subliminar, com o que atinge a dimensão
simbólica da representação. (PESAVENTO, 2005, p. 88).
Iniciamos esta disciplina pelas noções de imagem e de representação, a
fim de pensarmos o caráter cultural da imagem. Sendo uma representação,
ela nos coloca em contato com o imaginário da sociedade que a produziu e
das relações sociais, políticas e econômicas de uma coletividade. Através das
imagens podemos perceber aspectos mentais e concretos do mundo social,
as subjetividades e as concretudes que compõem as relações culturais de que
fazemos parte.
Para compreender
uma imagem,
devemos levar em
conta: o contexto
cultural do indiví-
duo ou do grupo
que a produziu
e as tecnologias
disponíveis no
momento de
sua criação.
26
Linguagem Visual na Historiografia
Convido-o, então, a passarmos ao próximo capítulo, no qual discutiremos as
reflexões que os historiadores fizeram sobre as imagens, enquanto fonte histórica.
ReferÊnCias
AUMONT, Jacques. A imagem. 6. ed. Campinas, SP : Papirus, 1993.
BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSC,
2004.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LCT, 1999.
HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2002. Versão 1.0.5a, 1 CD – ROM.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 7. ed. Campinas, SP: Papirus,
1996.
KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual.
ArtCultura. Uberlândia, v. 8, n. 12, p. 97-115, jan.-jun. 2000.
MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001.
PERSICHETTI, Simonetta (org.). Imagens da fotografia brasileira 2. São Paulo:
SENAC, 2000.
PESAVENTO, Sandra J. História e História Cultural. 2. ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005.
CAPÍTULO 2
Historiografia e Imagem
A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes
objetivos de aprendizagem:
 Apresentar as diferenças entre história tradicional e nova história.
 Examinar o tratamento conferido à imagem na historiografia.
 Identificar as teorias de análise das imagens.
28
Linguagem Visual na Historiografia
29
HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2
ConteXtuaLiZaçÃo
Certamente você deve ter uma noção do que é história, mas você já parou
para se perguntar como a história é construída? Esta questão é importante para
repensarmos a noção que temos desta disciplina. Normalmente ouvimos que a
História é uma ciência que estuda o desenvolvimento, a evolução das sociedades
humanas, e que tem como objetivo o estudo do passado para a compreensão do
presente. Estas afirmações, no entanto, estão ancoradas em teorias da história
do século XIX, de base positivista, que concebe a história como um movimento
linear, contínuo e evolutivo. Sob a perspectiva cientificista do positivismo não
existe margem para a subjetividade, na história, tampouco noutro tipo de fonte,
senão o documento escrito.
Atualmente, esta noção positivista, que privilegia o documento
escrito e concebe a história como uma ciência objetiva, não se
sustenta. Hoje a história, ou melhor, a historiografia tem sido pensada
sob as perspectivas do relativismo e do construtivismo. Neste sentido,
a história é tratada como um discurso fabricado, que se fundamenta
nas questões lançadas pelo historiador, e nas teorias e fontes utilizadas
para responder problemas de pesquisa. Assim, quando pensamos
a história hoje, devemos considerar as complexas relações que
envolvem o trabalho do historiador; isto é: o contexto social e cultural
em que ele está inserido. Em síntese, a questão não está mais em
entender o que é a história, mas em compreender como as histórias (narrativas
historiográficas) estão sendo construídas.
Conceber a história como texto abre caminho para pensarmos o processo
de trabalho do historiador, que se resume na interpretação do passado a partir
das fontes coletadas e estudadas por ele. O documento não é mais visto como
testemunho fiel da realidade. Ele não fala por si mesmo. É o historiador que
constrói uma narrativa verossímil, a partir da confrontação de diferentes
documentos. O documento, neste sentido, não é mais o lugar seguro
onde a verdade histórica se esconde, mas sim, um indício cultural
do passado. A importância de se compreender a história como uma
construção e de problematizar os documentos históricos, faz parte
da crítica à história tradicional, a qual privilegia a narrativa factual, as
personalidades políticas e os documentos oficiais.
É no contexto da crítica à historiografia tradicional que situaremos
os estudos da nova história e da história cultural, que passam a tratar
a imagem como uma fonte de conhecimento. A imagem, na visão da
A questão não
está mais em
entender o que
é a história, mas
em compreender
como as histórias
(narrativas histo-
riográficas) estão
sendo construí-
das.
A imagem, na
visão da nova
história, é um
documento como
outro qualquer,
indício cultural do
tempo passado,
que desafia o pes-
quisador, ou edu-
cador, ao trabalho
de interpretação.
30
Linguagem Visual na Historiografia
nova história, é um documento como outro qualquer, indício cultural do tempo
passado, que desafia o pesquisador, ou educador, ao trabalho de interpretação.
Este trabalho, no entanto, requer decodificação, associação e confrontação das
imagens com outras fontes. Exige leituras, dedicação e sensibilidade por parte
do analista. Isto torna a leitura de imagem um trabalho extremamente instigante.
Veremos, neste capítulo, que existem diferentes enfoques de tratamento da
imagem: a iconografia, que valoriza os detalhes; os estudos da história social da
arte, que valorizam as formas de recepção da imagem; as leituras psicanalíticas,
que destacam os aspectos inconscientes das imagens; e o estruturalismo, que lê
os elementos visuais como um sistema de significados.
História TradiCionaL e NoVa História
No século XIX, a história ocupava o lugar de honra entre as ciências
humanas; não apenas pela erudição dos historiadores, ou pelo fato da história ser
uma das mais antigas disciplinas dentre suas “irmãs” (sociologia, antropologia,
linguística, filosofia etc), mas, sobretudo, pelo fato do texto histórico ter o poder
de revelar o passado através de métodos de análise dos documentos. Por outro
lado, a história tinha a nobre função de narrar a trajetória política dos Estados
Nacionais modernos.
A história era, enfim, o meio legítimo de conhecer o passado. Entre os
historiadores cientificistas do século XIX que mais se destacaram está o alemão
Leopold Von Ranke, que, imbuido do espírito científico, desejava transformar
a história em uma área do conhecimento que mostrasse como realmente se
desenrolaram os acontecimentos. Ele, juntamente com o filósofo e linguista
Wilhelm Von Humboldt, priorizou a história política para conhecer o passado.
Segundo Jacques Le Goff, Ranke “empobreceu o pensamento histórico, atribuindo
excessiva importância à história política e diplomática” (1996, p. 90).
Resumidamente podemos dizer que o historicismo de Humboldt e Ranke
pensava a história como uma sucessão de acontecimentos no tempo, e caberia ao
historiador o registro desses acontecimentos, a fim de se conhecer a verdadeira
face do passado, ou simplesmente, conhecer como se deram realmente as coisas.
Historicismo:
1. “Conjunto de doutrinas filosóficas que buscam fazer da história o
grande princípio explicativo da conduta, dos valores e de todos
31
HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2
os elementos (artes, filosofia, religião etc.) da cultura humana.”
(HOUAISS, 2002).
2. O seu fundamento é o reconhecimento de que os acontecimentos
históricos devem ser estudados, não como anteriormente se fazia,
como ilustrações da moral e da política, mas como fenômenos
históricos. Na prática, manifestou-se pelo aparecimento da
história como disciplina universitária independente, no nome e na
realidade. Na teoria, expressou-se através de duas proposições:
1) o que aconteceu deve ser explicado em função do momento em
que aconteceu; 2) para o explicar existe uma ciência específica,
usando processos lógicos, a ciência da história. Nenhuma destas
proposições era nova, mas nova era a insistência nelas colocada,
e que levou a exagerar, em termos doutrinais, as duas proposições:
Da primeira, tirou-se a ideia de que fazer história de algo é dar uma
explicação suficiente, e, os que viam uma ordem lógica na ordem
cronológica dos acontecimentos consideraram a ciência histórica
capaz de predizer o futuro. (NADEL apud LE GOFF, 1996, p. 88).
A partir da definição de Nadel, percebemos o historicismo como uma teoria
que legitima a história como disciplina científica que tem como eixo central a
noção de progresso histórico.
Leopold von Ranke fazia parte de uma geração influenciada pelo positivismo,
que combatia a história moralizante e idealista. Ele estava, neste sentido, imbuído
da ideia de um fazer historiográfico científico, comprometido com um método que
valorizava o documento, a fim de recriar, verdadeiramente, o acontecido. Daí o
grande interesse que os historiadores cientificistas nutriam pelos documentos
escritos oficiais, considerados as únicas fontes válidas para recriar os fatos
passados. Vejamos o que Edward Carr diz sobre a relação quase sagrada entre
os historiadores oitocentistas e seus documentos.
O fetichismo dos fatos do século XIX era completado e
justificado por um fetichismo de documentos. Os documentos
eram sacrário do templo dos fatos. O historiador respeitoso
aproximava-se deles de cabeça inclinada e deles falava em
tom reverente. Se está nos documentos é porque é verdade.
(2006, p. 52-53).
Por sua vez, são justamente os documentos oficiais (decretos, tratados,
correspondências, memorandos, etc) que serviram como principais fontes para
a construção da história tradicional da nação. Este tipo de história é legitimada
32
Linguagem Visual na Historiografia
pelo discurso positivista, que enfatiza o progresso dos estados nacionais
modernos. A história nacional, que nasceu com o próprio Estado Nacional,
prestigiou a narrativa da evolução histórica da nação. Entre os personagens
deste tipo de história constam especialmente os povos primitivos (através de
suas heranças culturais) e os heróis nacionais – aqueles que teriam dedicado
suas próprias vidas à construção e ao desenvolvimento da nação. A história
nacional ou tradicional nasceu, assim, no contexto de consolidação do Estado
Nacional moderno, quando se buscou enaltecer certos valores políticos e
culturais que interessavam às classes sociais dominantes. De modo didático,
Peter Burke (1992) caracteriza a história nacional tradicional a partir de seis
pontos:
1. Ênfase ao modelo de escrita que privilegia a história política estatal.
2. Escrita baseada na narrativa dos acontecimentos; feita pelo encadeamento de
fatos históricos.
3. Visão “de cima”, ou seja, privilegia o “feito dos grandes homens, estadistas,
generais, ou ocasionalmente, eclesiásticos” (BURKE, 1992, p.12).
4. Fundamentação em documentos oficiais.
5. Valorização das ações dos grandes homens.
6. Objetividade, ou seja, busca apresentar o que realmente aconteceu.
Por outro lado, a nova história deve ser compreendida como
um conjunto historiográfico heterogêneo, que tem em comum os
paradigmas historiográficos que se opõem à história tradicional. Assim,
não devemos compreender a nova história como um movimento
filosófico ou político fechado e articulado, mas sim como uma reação
generalizada ao historicismo. Peter Burke mostra que a expressão
“nova história” surgiu em 1912, no título do livro do historiador norte-
americano James Robinson (The New History), e tinha como objetivo
construir uma história utilizando diferentes fontes. (A reação à história
rankeana também apareceu na Alemanha, em 1900, com Karl
Lamprech; na frança, na década de 1920, com a Escola dos Annales.;
na Inglaterra, nos anos 1930, com Lewis Namier). Porém, foi a partir da década
de 1970 que houve uma reação mundial contra o modelo de história tradicional.
Para cada uma das seis características da história tradicional apontadas
anteriormente, Peter Burke apresenta seis contrapontos, que dão a ver a
amplitude do movimento historiográfico que estamos chamando de nova história.
A nova história
deve ser com-
preendida como
um conjunto
historiográfico
heterogêneo, que
tem em comum os
paradigmas histo-
riográficos que se
opõem à história
tradicional.
33
HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2
Vejamos as principais características da nova história:
1. Coloca ênfase na noção de cultura, entendida como um sistema de
representações que age sobre o real.
2. Está centrada na análise do contexto (estrutura) e não em algum acontecimento
isolado; e nas mudanças que se realizam a longo prazo. Está presente a noção
de diferentes temporalidades históricas.
3. A história é vista “de baixo”. Problematiza a cultura popular e o cotidiano na
história.
4. Utiliza diferentes fontes históricas, como os artefatos visuais e os depoimentos
orais.
5. Preocupa-se com os movimentos coletivos.
6. A história é vista como uma construção discursiva.
Não pretendo me deter em cada um dos pontos apresentados, mas
simplesmente mostrar como podem ser diferentes as vertentes historiográficas,
que estamos denominando de nova história. Fazem parte da nova história: a
história econômica, a história das mentalidades, a micro-história, história das
mulheres, história da infância e história do meio ambiente.
Para se aprofundar nas características da Nova História
indicadas anteriormente, sugiro a leitura do seguinte artigo:
BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro.
In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas.
São Paulo: Ed. da UNESP, 1992. p. 7-37.
Esta breve apresentação da nova história nos serve, todavia,
para percebermos o cenário geral de difusão do uso das imagens
como indícios históricos. A partir do que foi exposto, podemos dizer
que as imagens começaram a ser tratadas como fontes históricas
no processo de renovação da escrita da história, que inclui o
questionamento da própria noção de documento. Contudo, apesar da
renovação historiográfica ter vindo com força nas décadas de 1970 e
1980, veremos que, desde o começo do século XX, a história cultural
propunha novas formas de escrever a história, a partir da leitura de
imagens.
As imagens
começaram a ser
tratadas como
fontes históricas
no processo de
renovação da
escrita da história,
que inclui o
questionamento
da própria noção
de documento.
34
Linguagem Visual na Historiografia
A História CuLturaL e o Estudo da
Imagem
Uma das obras precursoras da história cultural é “Outono da Idade Média”,
do historiador Johan Huizinga (1872-1945). Além de ser um marco para a história
cultural, o livro também se apresenta como um dos precursores no tratamento da
imagem como fonte histórica. Segundo Peter Burke, “a prosa [do livro] é sensual,
atenta a sons, como o dos sinos e tambores, e às imagens visuais” (2005, p. 20).
Huizinga utilizou, por exemplo, quadros do pintor holandês Jan van Eyck para
compor o clima cultural do período do renascimento. Da mesma maneira, Jakob
Burckhardt (1818-1897), antes mesmo de Huizinga, utilizou obras de arte para
compor o ambiente cultural renascentista. Em “A cultura do renascimento na Itália”
(1860), Burckhardt procurou pensar a sociedade, que inclui as relações políticas,
em termos culturais, numa articulação profícua entre arte e cultura.
É importante notar que, em ambos os livros, a obra de arte é dessacralizada, ou
seja, ela deixa de ser vista em sua individualidade, ou como resultado da genialidade
do artista, para ser tratada como um indício cultural do tempo. Aliás, este é um dos
grandes méritos dos estudos culturais, que consideram a obra de arte como uma
imagem elaborada a partir de sistema de valores socialmente constituídos. Neste
sentido, a obra de Burckhardt é uma das precursoras dos estudos culturais da
imagem, justamente por considerar as imagens como objetos “através dos quais
é possível ler as estruturas de pensamento e representação de uma época”.
(BURKE, 2004, p.13).
A história cultural teve, assim, decisiva influência nos estudos
históricos sobre imagem, pois ampliou a noção de fonte histórica ao
incorporar a linguagem visual no rol de representações analisadas
pelo historiador. Isto equivale a considerar a imagem como indício
cultural de um período histórico. O historiador passa a contar, então,
com mais um conjunto de fontes para ler o passado. Para tal, as fontes
visuais devem ser tratadas com desconfiança e estranhamento pelo
historiador. Elas não devem ser vistas como uma simples ilustração
do passado (por mais realistas que sejam), pois a imagem é uma
composição, e como tal mescla elementos concretos e imaginários. Ou
seja, as representações visuais integram objetos concretos, que estão
explícitos, mas também concepções mentais implícitas. Ao leitor das
imagens cabe, então, interpretar os diferentes aspectos das imagens, a fim de
tornar compreensíveis ideias (ou ideologia) presentes na composição.
A história cultural
teve, assim, deci-
siva influência nos
estudos históricos
sobre imagem,
pois ampliou a
noção de fonte
histórica ao incor-
porar a linguagem
visual no rol de
representações
analisadas pelo
historiador.
35
HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2
Sabemos, no entanto, que as imagens vêm servindo para os mais diferentes
usos. Enquanto documentos “ilustrativos”, elas serviram para o estudo da história
da vestimenta, das mobílias e dos espaços urbanos. Os cenógrafos, arquitetos e
restauradores, por exemplo, utilizam as pinturas e as fotografias para recompor a
forma das fachadas de prédios antigos. Neste sentido, a imagem tem simplesmente
valor de evidência, por mostrar a aparência verdadeira de determinados objetos
que não existem mais. Para este tipo de trabalho a fotografia é um documento
perfeito. Neste caso, o caráter subjetivo da imagem não tem importância, e sim os
elementos concretos que aparecem na representação.
Considerar a imagem como uma cópia do real é acreditar que ela seja uma
janela para o mundo, tal como ele era, porém, como apontamos anteriormente,
devemos tomar cuidado com esta concepção e desconfiar das leituras que
consideram a imagem espelhos visuais do passado – quer dizer, reflexo exato do
acontecimento. A imagem deve ser considerada, antes de tudo, como resultado
de uma composição que, por sua vez, sofreu as influências do contexto cultural
em que foi gestada.
Nem a imagem que pretendeu ser a mais fiel das cópias de
uma realidade qualquer jamais o será, assim como acontece
com qualquer interpretação historiográfica. Há sempre a
arbitrariedade, a parcialidade e as escolhas do observador
e do historiador, o que garante, sempre, olhares e versões
diferentes sobre um mesmo objeto. (PAIVA, 2006, p. 55).
O historiador Eduardo França Paiva compara o trabalho do produtor de
imagens (seja um artista ou técnico) com o trabalho do historiador.
Ambos, o artista e o historiador, não retratam a realidade tal qual ela
é, mas sim um fragmento do real, visto sob determinado ponto de
vista (que inclui a formação escolar e a experiência de vida). Assim,
a pintura, tal qual o texto histórico, não passa de uma construção
específica, que é resultado de escolhas pessoais, mas também das
circunstâncias sócioculturais que cercaram seu autor.
Portanto, a relação entre história cultural e imagem não pode ser
compreendida sem considerarmos a noção de representação e de
imaginário, uma vez que a imagem envolve tanto elementos concretos
quanto simbólicos. Neste sentido, a imagem apresenta-se como
uma fonte de estudo valiosa para o historiador, pois é um artefato que permite
analisar aspectos ideológicos, sociais, econômicos e políticos da época em que
foi construída.
A relação entre
história cultural e
imagem não pode
ser compreendida
sem considerar-
mos a noção de
representação
e de imaginário,
uma vez que a
imagem envolve
tanto elementos
concretos quanto
simbólicos.
36
Linguagem Visual na Historiografia
Atividade de Estudos:
A partir daquilo que estudamos nesta seção, responda a seguinte
questão:
1) Em que sentido o estudo da imagem contribui para a História
Cultural?
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
IConografia: Notas e Comentários
A imagem importa ao historiador na medida em que é considerada uma
figuração prenhe de memória. Isto é: a imagem é tida como uma representação
que incorpora figuras carregadas de sentidos historicamente construídos. É
neste sentido que a iconografia é um método importante para a interpretação de
imagens e compreensão do passado.
Iconografia: “Estudo das representações figuradas; repertório
dessas representações. Estudo descritivo da representação visual de
símbolos e imagens, tal como se apresentam nos quadros, gravuras,
estampas, medalhas, efígies, retratos, estátuas e monumentos de
qualquer espécie, sem levar em conta o valor estético que possam
ter”. (HOUAISS, 2002).
Ler o passado através dos elementos simbólicos da imagem é um exercício
que remonta à década de 1930, quando houve uma reação contra as leituras
tradicionais da história da arte. De maneira geral, a história da arte considerava
apenas os seus aspectos estéticos, deixando de lado a análise do seu conteúdo.
Por outro lado, segundo Peter Burke (2004, p. 44), houve a reação também àqueles
37
HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2
que consideravam a pintura uma cópia da realidade. A principal característica da
iconografia é a ideia de leitura de imagem. Isto quer dizer que a imagem, assim
como o texto, deve ser interpretada em seus componentes visíveis, como também
em seu aspecto subjetivo.
Aby Warburg (1866-1929) e Erwin Panofsky (1890-1948) estão entre os
principais intelectuais difusores da iconografia, que tinham como foco de estudo
as formas simbólicas nas imagens. Por sua vez, do estudo iconográfico criado
por Warburg, Panofsky criou seu próprio método, que foi publicado no livro:
Studies in Iconology (1939). Este método consiste basicamente na leitura da
imagem em três etapas: 1ª – pré-iconográfica; 2ª – iconográfica; 3ª – iconológica.
A primeira etapa consiste na descrição e identificação dos elementos visíveis em
uma imagem; é a mais simples e superficial. Na segunda etapa deve-se levar em
conta os significados convencionais da imagem, ou seja, o reconhecimento dos
elementos como integrantes de determinado evento histórico – para isso o leitor
deve ser uma pessoa erudita, deve conhecer os textos clássicos de literatura e
história. Por fim, a iconologia consiste em estudar as características intrínsecas
da imagem. “Panofsky insistia na ideia de que imagens são parte de toda uma
cultura e não podem ser compreendidas sem um conhecimento daquela cultura”.
Assim, “para interpretar a mensagem, é necessário familiarizar-se com os códigos
culturais” (BURKE, 2004, p. 46).
Portanto, a descrição de uma imagem, segundo Panofsky, nos
coloca no nível da análise iconográfica da imagem: a etapa inicial de
uma leitura imagética. Para o mesmo autor, esta descrição (análise
superficial ou intuitiva) deve ser seguida por uma análise mais
aprofundada, a iconológica, que pretende encontrar a “essência”
da imagem ou reconstituir o “espírito de uma época”. Podemos
considerar, assim, que a análise simbólica, ou interpretativa, tem
como proposta inscrever a imagem em um contexto mais amplo,
relacionando-a a outros documentos que tenham sido produzidos
no mesmo período.
A iconologia, por sua vez, ganhou outros sentidos ao longo do tempo. “Para
Gombrich, por exemplo, o termo refere-se à reconstrução de um programa
pictórico [...]”. (BURKE, 2004, p.46). Portanto, Gombrich contestou a função única
da imagem como reflexo do “espírito da época”, pensando a interpretação da
imagem em uma relação íntima com valores subjetivos de quem a analisa. Neste
sentido, a leitura de uma imagem depende dos conhecimentos do intérprete sobre
determinado período histórico e da “escola pictórica” a que pertence a imagem.
A leitura da imagem resulta tanto da erudição quanto das questões levantadas
pelo estudioso. Em outras palavras, a imagem não fala por si, é preciso estudá-la,
entendendo as condições específicas e o contexto histórico em que foi produzida.
A análise simbó-
lica, ou interpre-
tativa, tem como
proposta inscrever
a imagem em um
contexto mais
amplo, relacio-
nando-a a outros
documentos que
tenham sido
produzidos no
mesmo período.
38
Linguagem Visual na Historiografia
Segundo o holandês Eddy de Jongh, “iconologia é uma tentativa de explicar
representações no seu contexto histórico, em relação a outros fenômenos
culturais” (Ibid). Aproximamos-nos da imagem, enquanto fonte histórica particular,
não menos ou mais importante que outro documento escrito.
Panofsky e Gombrich, por sua vez, são herdeiros da “Escola de Warburg”
que, na década de 1920, dinamizou os debates em torno da interpretação de
imagens. A iconografia (ou o estudo das representações imagéticas do grupo
ligado a Aby Warbug) deu um novo status à obra de arte e, por sua vez, à própria
noção de imagem, que passou a ser percebida como documento suscetível de
uma análise sociocultural. A imagem ultrapassou, assim, a fronteira da história da
arte, dos estilos artísticos, e passou a ser “testemunho” de certos ideais e práticas
do tempo passado.
Warburg chama atenção para os elementos internos da imagem artística. Fala
da necessidade de uma “descrição densa” (que se assemelha à descrição que os
antropólogos fazem das culturas primitivas) e chama a atenção para a análise
dos detalhes em uma pintura. Daí a importância dos elementos que compõem a
imagem, pois são potencialmente transmissores de memórias e sensibilidades.
Por que memórias? Porque, de acordo com Warburg, cada imagem evoca outras
imagens ou representações anteriores. Assim, a imagem – da mesma maneira
que um texto – é composta de outras referências, não em forma de palavras, mas
de elementos gráficos.
Segundo Peter Burke, a história cultural das imagens desenvolveu-
se a partir dos estudos de Warburg, estudioso que se dedicou à análise das
sobrevivências de elementos visuais em determinadas representações pictóricas.
“Warburg interessou-se, em particular, pelos elementos da tradição, que chamou
de esquemas ou fórmulas, visuais ou verbais, que persistiam com o passar
dos séculos, embora seus usos e aplicações variassem”. (BURKE, 2000, p.
239-240). Daí a importância das imagens para a história cultural, uma vez
que, através de uma interpretação das mesmas, é possível “a identificação de
estereótipos, fórmulas, lugares-comuns e temas recorrentes em textos, imagens e
apresentações e o estudo de sua transformação, se tornaram parte importante da
história cultural [...]”. (Ibid).
Se o método iconográfico de Panofsky é criticado por considerar a existência
de uma unidade cultural de uma época – na esteira do pensamento sobre “espírito
do tempo” (o Zeitgeist) de Hegel - Warburg, por outro lado, possibilita pensar as
ambiguidades das imagens, o que ele percebeu em suas pesquisas sobre o
período renascentista. De acordo com Warburg, uma imagem é composta de
elementos antigos e novos. A imagem é, pois, uma fonte histórica híbrida, ou seja,
ela mescla diferentes elementos simbólicos. O Nascimento da Vênus, de Sandro
39
HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2
Botticelli, que foi analisado na tese de doutoramento de Warburg, por exemplo,
é composto de símbolos da antiguidade, reelaborados a partir dos problemas
específicos do tempo em que o quadro foi produzido. A iconografia de Warburg
analisa a obra de arte como um verdadeiro testemunho histórico, mais que o
resultado de um estilo estético preciso. De maneira geral, este estudioso concebe
a imagem como um meio de acesso a ideias e sentimentos de uma época.
Portanto, um estudo sobre a iconografia dá a ver que as imagens
não revelam o mundo, muito menos “valem por mil palavras”. Para
que uma imagem “diga” algo é necessário que ela passe por um
processo de análise, de leitura, em que sejam investigados os meios
de produção e o contexto em que foi produzida.
A Última Ceia (1495-8), de Leonardo da Vinci, por exemplo,
é um quadro que trata de um tema da antiguidade, a partir do olhar
humanista do renascimento. Além da simetria e da perspectiva
(profundidade e volume), características da pintura renascentista, os
personagens comunicam toda sua humanidade através de gestos
realistas que denotam emoções. Partindo de uma análise iconográfica, podemos
dizer que a pintura trata de uma cena da história bíblica, onde estão reunidos
Cristo e seus apóstolos, antes da crucificação. O aspecto de tensão da Santa
Ceia de Leonardo está na relação entre a agitação dos apóstolos e a serenidade
de Cristo, após este ter anunciado que havia um traidor entre eles.
Figura 2 - A Última Ceia, Leonardo da Vinci
Fonte: Disponível em: <http://www.legal.adv.br/img/
shots/ceia.jpg>. Acesso em: 10 jul. 2009.
Acompanhe, a seguir, a interpretação da Última Ceia do historiador de
arte Ernst Gombrich (1909-2000) que, além de identificar os personagens da
Para que uma
imagem “diga”
algo é necessário
que ela passe
por um processo
de análise, de
leitura, em que
sejam investi-
gados os meios
de produção e o
contexto em que
foi produzida.
40
Linguagem Visual na Historiografia
cena (análise iconográfica), dá a ver os sentimentos que os envolvem (análise
iconológica).
Leonardo, como Giotto antes dele, revertera ao texto das
Escrituras e se esforçara por visualizar como teria sido a cena
quando Cristo disse: “‘Em verdade vos digo que um dentre
vós me trairá.’ E eles, muitíssimo contristados, começaram
um por um a perguntar-lhe: ‘Porventura sou eu, senhor?’”
(Mateus XXVI, 21-2). [...]. São essas interrogações e esses
sinais que trazem movimento à cena. Cristo acabou de
pronunciar as palavras trágicas, e os que estão a Seu lado
recusam horrorizados ao ouvir a revelação. Alguns parecem
protestar seu amor a Jesus e sua inocência, outros discutem
gravemente a quem o Senhor poderia se referir, outros ainda
parecem aguardar uma explicação para o que ele disse. S.
Pedro, o mais impetuoso deles, precipita-se para S. João, que
se senta à direita de Jesus. Ao segredar algo ao ouvido de
S. João, empurra inadvertidamente Judas para diante e ergue
os olhos com desconfiança ou cólera, um contraste dramático
com a figura do Cristo, calmo e resignado em meio a esse
crescente alvoroço. (GOMBRICH, 1999, p.298).
Percebemos, nesta leitura, a sensibilidade de Gombrich, aliada a seus
conhecimentos de história da arte. Além disso, este texto nos serve de lição: é
possível e interessante reunir em um único texto as descrições e as interpretações
acerca da imagem.
Atividade de Estudos:
1) Apresente cada uma das etapas do método de análise de
imagens, propostas por Erwin Panofsky: pré-iconográfica;
iconográfica e iconológica.
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________
Uma Leitura da Primeira Missa no
BrasiL
Apresentarei uma análise da tela Primeira missa no Brasil (1861),
pintada por Victor Meirelles (1832-1903), para mostrar os aspectos simbólicos
41
HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2
envolvidos na leitura da imagem. Este famoso quadro ilustra a primeira missa
realizada na colônia portuguesa, na América. A tela é uma das mais conhecidas
pinturas brasileiras, em função de sua ampla reprodução em livros didáticos
de história. Ela é convencionalmente aceita como uma ilustração do primeiro
ritual católico realizado em solo brasileiro, feita a partir de elementos da Carta
de Pero Vaz de Caminha (1500). Se a Carta de Caminha é considerada a
certidão textual do nascimento do Brasil, a pintura de Meirelles é a certidão
visual.
Proponho, primeiro, a leitura de trechos da Carta, que descrevem a
participação dos nativos em duas missas: a primeira teria ocorrido dia 26 de abril,
domingo, e a segunda, dia 1º de maio, sexta-feira.
A missa de 26 de abril:
Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra
tanta gente, pouco mais ou menos como a de ontem, com
seus arcos e setas, a qual andava folgando. E olhando-nos,
sentaram-se. E, depois de acabada a missa, assentados nós
à pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram [tocaram]
corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço.
A missa de 1º de maio:
Disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada
por esses já ditos [religiosos e sacerdotes]. Ali estiveram
conosco a ela perto de cinqüenta ou sessenta deles [nativos],
assentados todos de joelho assim como nós.
E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em
pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e
alçaram as mãos, ficando assim até ser acabado; e então
tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a
Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim
todos, como nós estávamos com as mãos levantadas, e em
tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez
muita devoção.
Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; depois da
qual comungaram esses religiosos e sacerdotes e o Capitão
com alguns de nós outros.
Alguns deles, por o Sol ser grande [cerca de meio-dia],
quando estávamos comungando, levantaram-se, e outros
estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou
cinquenta e cinco anos, continuou ali com aqueles que
ficaram. Esse, estando nós assim, ajuntava estes, que
ali ficaram, e ainda chamava outros. E andando assim,
entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o altar
e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes
dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos.
(CAMINHA, 2002, p.115).
42
Linguagem Visual na Historiografia
As missas, pelo que consta na Carta, foram celebradas com muito prazer
e devoção. Na primeira, parece que os nativos fizeram seu próprio ritual; na
segunda, eles já começam a imitar o movimento de se ajoelhar, ensaiando os
primeiros movimentos de aculturação. As missas tiveram como cenário a praia,
e, como vimos, contaram com a presença dos nativos da terra. Contudo, não
podemos esquecer que a Carta de Pero Vaz de Caminha foi escrita para o
agrado do rei D. Manuel, e por isso, procurou mostrar a inocência e afabilidade
do nativo, características que facilitariam a conversão deles aos costumes
da civilização, levada pela mão dos colonizadores portugueses. A Carta traz,
então, o olhar de um escrivão português que reflete os interesses colonialistas
da Coroa portuguesa: expandir a fé, conquistar territórios e encontrar metais
preciosos.
A representação visual da missa (o quadro de Meirelles), por sua vez, foi
elaborada trezentos e sessenta anos depois, passados exatos trinta e oito anos
da independência do Brasil. A representação da Primeira Missa, de Meirelles, foi
elaborada em um contexto completamente diferente do contexto que envolveu a
redação da Carta de Caminha. Neste sentido, as missas, na Carta, são usadas
para a construção da origem mítica do nascimento da nação, que consiste na
miscigenação harmoniosa entre brancos e índios. A missa – enquanto ato capital
da civilização cristã no novo mundo, foi resgatada da Carta para compor o cenário
do primeiro momento de aculturação do nativo. Escreve Eduardo França Paiva:
Malgrado a beleza e a refinada técnica da obra, ela, assim
como tantas outras que experimentaram trajetória similar,
não são, nem poderiam ser, o retrato de uma realidade
ou da forma que ela teria sido verdadeiramente. Mas isso
não a faz menos apreciável aos olhos dos historiadores.
Ao contrário, trata-se de um registro extremamente rico
sobre as intenções oficiais de se inventar, de se criar uma
identidade histórica para a jovem nação, que se tornou
independente em 1822. Era preciso inventar o Brasil e seu
passado. (PAIVA, 2006, p. 92).
A pintura revela, então, os objetivos da elite na segunda metade do século
XIX, que investiu em representações que fundamentariam a cultura nacional
através das relações culturais amistosas entre nativos e europeus. “Sob a égide
católica, associam-se, numa cena de elevação espiritual, as duas culturas. Criava-
se ali o ato de batismo da nação brasileira”. (COLI, 1998, p. 380). Sabemos,
no entanto, que o processo de colonização na América portuguesa se deu a
ferro e fogo. Os povos nativos foram escravizados ou confinados em missões
jesuíticas. Segundo Boris Fausto, “a chegada dos portugueses representou para
os índios uma verdadeira catástrofe. [...]. Os índios que se submeteram ou foram
submetidos sofreram a violência cultural, as epidemias e mortes”. (2008, p. 40).
Este fato certamente era conhecido no século XIX, porém, a imagem oficial que
se queria da nação deveria integrar e não dividir os povos e culturas. A tela de
43
HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2
Victor Meirelles traz, assim, uma imagem romântica da miscigenação.
Segundo Jorge Coli, o quadro Primeira Missa no Brasil “se tornou a verdade
visual do episódio narrado na carta” (1998, p. 383). Coli mostra, ainda, que
a imagem de Meirelles perpetuou-se no imaginário nacional, quando serviu
de modelo para o filme ”A descoberta do Brasil” (1937), de Humberto Mauro.
Podemos concluir que o quadro inventou definitivamente o próprio descobrimento
do Brasil e de sua gente.
Figura 3 - Reprodução do quadro Primeira Missa no Brasil
Fonte: Disponível em: <http://www.moderna.com.br/moderna/didaticos/ei/
aventuradeaprender/datas/images/indio1.jpg>. Acesso em: 09 jul. 2009.
A beleza da pintura é inebriante, por isso, é necessário o distanciamento
para não sermos seduzidos pela imagem. A fim de escapar da força sedutora
da imagem, Eduardo Paiva chama a atenção para a importância do trabalho
do historiador, pois é a partir da pesquisa e do olhar crítico do historiador que é
possível compreender melhor a obra. O cenário da missa é a praia, como indica
a Carta. Contudo, a praia que aparece no quadro é mais uma representação do
litoral criado por Meirelles, do que propriamente uma praia do litoral brasileiro,
no ano de 1500. Note que, na extremidade esquerda do quadro, o pintor colocou
um coqueiro, que serve de elemento simbólico, para mostrar aos espectadores
que a primeira missa se deu em uma praia. Porém, o coqueiro, como assinala
Paiva, não é originário do Brasil; ele foi trazido da Índia pelos colonizadores
portugueses. O coqueiro não poderia, então, ter sido incluído na paisagem do
descobrimento. Desta forma, podemos concluir que a identificação do coqueiro
com a praia faz parte do imaginário que se tem das praias da Bahia, que, por sua
vez, não corresponde à realidade da paisagem do litoral brasileiro no período do
descobrimento.
44
Linguagem Visual na Historiografia
Outras Teorias de Leitura da Imagem
A análise iconográfica é criticada por seu caráter especulativo e também
por seus próprios limites. No primeiro caso, o método iconográfico é acusado de
deixar de lado os aspectos sociais ligados à produção das imagens; no segundo
caso, por sua excessiva atenção às alegorias que compõem a imagem. Vale
lembrar, no entanto, que a iconografia nasceu para a análise das pinturas, em
particular da arte renascentista. Sabemos que esta abordagem tem seus limites,
pois nem todas as imagens trazem personagens ou objetos alegóricos para
serem analisados. Estes objetos são comuns nas pinturas de motivos bíblicos ou
mitológicos.
Sobre o caráter limitado da teoria iconográfica temos o exemplo das pinturas
de paisagens da natureza. Neste caso, o desafio lançado ao historiador ou
leitor não é decodificar códigos para compreender a mensagem que a imagem
transmite, já que em uma paisagem natural lidamos com a representação de
elementos naturais e não com objetos construídos pelo homem. Importa à
leitura da paisagem, no entanto, que o analista estabeleça associações entre
os elementos naturais (água, rocha, mata etc) representados na imagem e no
imaginário historicamente construído sobre os mesmos elementos.
Sobre o estudo da análise do imaginário da paisagem, sugiro a
leitura do livro:
SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
Em função do caráter limitado da iconografia, surgiram outras teorias de
leitura da imagem. Contudo, consideramos que elas não se contrapõem à análise
iconográfica, mas servem para enriquecê-la. Ou seja, as teorias somadas nos
auxiliam a compreender melhor uma imagem. Por isso, elas não devem ser vistas
como aportes metodológicos que, simplesmente, se opõem à iconografia.
Dentre as metodologias de análise da imagem, que não a iconográfica, temos
o método advindo da semiótica, da psicanálise e da teoria da recepção. Nosso
objetivo não é aprofundar cada um destes enfoques teóricos, até porque não
caberia nos objetivos deste Caderno, mas apenas apresentar, em linhas gerais,
suas principais características. Começarei pela semiótica.
45
HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2
A semiótica ou teoria estruturalista de análise leva em conta
as conexões entre os elementos que compõem uma imagem. Seu
interesse repousa no significado integral da obra, e não em uma
interpretação isolada dos elementos que a constituem (como propõe
a iconografia). A imagem é, neste sentido, tratada como um sistema
integrado de signos. A semiótica é, em sua origem, um método de
estudo do texto, e foi adaptada para a leitura de imagens na década de
1960, por Roland Barthes (1915-1918).
Semiótica: Segundo Winfried Nöth, a semiótica é, de
maneira geral, “a ciência dos signos e dos processos significativos
(semiose) na natureza e na cultura”. (NÖTH, 1995, 17). O que nos
interessa aqui, no entanto, é perceber a análise semiótica, que associa
as idéias de representação e de estrutura. Esta associação pode ser
vista, por exemplo, na antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss
(1829-1902), que buscou estabelecer uma relação entre hábitos e
sistemas culturais mais amplos. O próprio estruturalismo (teoria
que define os fatos linguísticos a partir das estruturas ou sistemas),
segundo Nöth, baseia-se nas noções da semiótica, desenvolvidas
por Fernand de Saussure (1857-1913). “O estruturalismo possui uma
base semiótica, que se evidencia na preocupação com a ideia de
signo, da estrutura e dos sistemas sígnicos”. (NÖTH, 1996, p.111).
A análise semiótica, entretanto, se assemelha à iconografia em sua
preocupação com os signos ou indícios presentes em uma imagem. Por
exemplo, o gato, em pinturas renascentistas, significa sensualidade, enquanto o
cachorro, a fidelidade no casamento. A diferença, entretanto, está no objetivo do
estruturalismo, que enfatiza a análise da composição como um todo, incluindo
sua forma artística ou sua estética.
Concepção estruturalista: Segundo Marilena Chauí, “A
concepção estruturalista veio mostrar que os fatos humanos
assumem a forma de estruturas, isto é, de sistemas que criam seus
próprios elementos, dando a eles sentido pela posição e pela função
que ocupam no todo. As estruturas são totalidades organizadas
segundo princípios internos que lhes são próprios e que comandam
seus elementos ou partes, seu modo de funcionamento e suas
A semiótica ou te-
oria estruturalista
de análise leva em
conta as conexões
entre os elemen-
tos que compõem
uma imagem. Seu
interesse repousa
no significado inte-
gral da obra, e não
em uma interpre-
tação isolada dos
elementos que a
constituem.
46
Linguagem Visual na Historiografia
possibilidades de transformação temporal ou histórica. Nelas, o todo
não é a soma das partes nem um conjunto de relações causais entre
elementos isoláveis, mas um princípio ordenador, diferenciador e
transformado. Uma estrutura é uma totalidade dotada de sentido”.
(2003, p. 229-30).
Assim, na concepção estruturalista, o sistema de signos que
compõe uma imagem é visto como “um subsistema de um todo maior.
Este todo, descrito pelos linguistas como langue (linguagem), é o
repertório a partir do qual os falantes individuais fazem suas escolhas
(parole)”. (BURKE, 2004, p. 217).
Segundo a visão estruturalista, que tem como base a semiótica, os
conteúdos das imagens formam “textos figurativos”. Ou seja, a imagem
é tratada como discurso em que as figuras se colocam no lugar das
palavras. Cabe então ao leitor interpretar o significado do texto-imagem
como um todo e não decodificar as figuras isoladamente. Entender a
imagem como um todo quer dizer, por exemplo, identificar seus conflitos
internos, as semelhanças e/ou oposições.
A leitura psicanalítica da imagem, por sua vez, dá ênfase às manifestações
inconscientes na produção de uma obra. As teorias de Sigmund Freud (1856-
1939), presentes em Interpretação dos Sonhos (1899), servem de referencias
para pensarmos esta forma de compreender a imagem. Na leitura psicanalítica os
conteúdos das imagens são verdadeiras projeções subjetivas.
O enfoque psicanalítico é ao mesmo tempo necessário e
impossível. É necessário porque as pessoas de fato projetam
suas fantasias inconscientemente nas imagens, mas é
impossível justificar este enfoque em relação ao passado
de acordo com critérios acadêmicos normais porque as
evidências cruciais foram perdidas. (BURKE, 2004, p. 216).
O enfoque da psicanálise é particularmente difícil aos historiadores,
já que o interesse do historiador repousa no estudo da sociedade e
na cultura, e não no indivíduo, Por outro lado é extremamente difícil
comprovar (por meio da confrontação de fontes textuais ou imagéticas)
que certo elemento em uma obra visual tem um sentido preciso. Como
afirmar que determinado objeto em uma pintura é símbolo fálico, que
representa o domínio dos valores masculinos sobre os femininos?
Entretanto, a análise psicanalítica é importante para pensarmos, por
exemplo, as mensagens subliminares presentes nos comerciais de televisão.
Segundo a visão
estruturalista, que
tem como base
a semiótica, os
conteúdos das
imagens formam
“textos figurati-
vos”. Ou seja, a
imagem é tratada
como discurso em
que as figuras se
colocam no lugar
das palavras.
A análise psicana-
lítica é importante
para pensarmos,
por exemplo, as
mensagens subli-
minares presentes
nos comerciais de
televisão.
47
HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2
Neles são vendidos produtos que teriam pretensos poderes mágicos, como
determinada sandália, que tem o poder de transformar uma menina em uma
mulher. Este é um mundo de imagem e sedução a que devemos estar atentos,
enquanto pais, professores e cidadãos.
Para discussão sobre o assunto mídia e consumo, sugiro que
você assista ao vídeo “Criança, a alma do negócio” (2008). Para isso,
basta acessar o seguinte site:
http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/Biblioteca.aspx?v=8&pid=40
Por fim, o terceiro enfoque relaciona-se com a recepção das imagens.
Trata-se das análises oriundas da história social da arte. Esta vertente de
estudos da arte baseia-se na relação entre obra de arte e suas condições de
produção, distribuição e consumo na sociedade. O foco da história social da
arte está nas relações entre arte e sociedade: perceber tanto as relações entre
artistas e patrocinadores (que incluem as políticas culturais) como também
a forma como a obra de arte ou imagem foi ou é recebida pelo público-
espectador.
Assim, na contramão dos estudos estruturalistas, a preocupação deste
terceiro enfoque está no processo de recepção. Ou seja, nas diferentes formas de
apropriação social da imagem. “O estudo dos efeitos das imagens na sociedade
tomou virtualmente o lugar das análises sobre a influência da sociedade na
elaboração da imagem”. (BURKE, 2004, p. 226-7). O sujeito está no centro da
análise: ele é visto tanto como “refém” das estratégias de mídia, quanto “ator” que
ressignifica o que lhe é oferecido por esta mesma mídia.
48
Linguagem Visual na Historiografia
Atividade de Estudos:
1) Apresente a principal diferença entre o método iconográfico e o
semiótico de interpretação da imagem.
___________________________________________________
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ALgumas Considerações
Vimos, neste capítulo, o quanto as transformações na historiografia (em
particular as reações nos anos 1960 e 1970 contra a história tradicional)
contribuíram para inclusão das imagens nos estudos históricos. E
dentre as tendências historiográficas contemporâneas, destacamos
a dedicação dos trabalhos de história cultural na incorporação
da análise da imagem, isto porque a imagem serve como fonte
privilegiada para se pensar as representações sociais.
Assim, ao invés de tratar a imagem como ilustração, devemos
considerá-la uma fonte que complementa o texto, assim como o texto
é fonte que completa a imagem. Por meio das imagens, o historiador
pode ter acesso a informações que não teria por outro meio. Muitas
vezes, uma imagem guarda detalhes em sua composição que não encontramos
em textos. Estes mesmos detalhes servem ao historiador como verdadeiras pistas
para a compreensão do passado. Este, aliás, é o princípio do método iconográfico
(o qual vimos anteriormente) que busca, da mesma maneira que um detetive,
compor uma cena a partir de indícios. A diferença é que o historiador busca
desvendar um contexto, e o detetive, um crime.
É importante frisar também que o método de análise da imagem depende,
por um lado, das escolhas que o historiador-leitor faz, e por outro, das próprias
informações disponíveis sobre a imagem em estudo. Enquanto a iconografia, a
semiótica e a psicanálise dão ênfase à leitura dos conteúdos, a história social
Ao invés de tratar
a imagem como
ilustração, deve-
mos considerá-la
uma fonte que
complementa o
texto, assim como
o texto é fonte
que completa a
imagem.
49
HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2
da arte e as teorias da recepção abriram o caminho para analisar os aspectos
mercadológicos ligados à imagem. Cabe então a você decidir a maneira de ler a
imagem, que não exclui a utilização de diferentes enfoques teóricos.
ReferÊnCias
BURKE, Peter. O Que é história cultural? Rio de Janeiro : Zahar, 2005.
______. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSP, 2004.
______. Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000.
______. (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Ed. da
UNESP, 1992.
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel
sobre o achamento do Brasil. São Paulo: Martin Claret, 2002.
CARR, Edward Hallet. Que é história? 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003.
COLI, Jorge. A pintura e o olhar sobre si: Victor Meirelles e a invenção de uma
história visual no século XIX brasileiro. In: FREITAS, Marcos C. de. (org.).
Historiografia brasileira em perspectiva. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1998.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Ed. da USP, 2008.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999.
HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2002. Versão 1.0.5a, 1 CD – ROM.
LE GOFF, Jacques. História e memória. 4. ed. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP,
1996.
NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Pierce. São Paulo:
Annablume, 1995.
______. A semiótica no século XX. São Paulo: Annablume, 1996.
50
Linguagem Visual na Historiografia
PAIVA, Eduardo F. História e imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
PESAVENTO, Sandra J. História e História Cultural. 2. ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005.
CAPÍTULO 3
Fotografia e História
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes
objetivos de aprendizagem:
 Apresentar as principais características da fotografia.
 Abordar as relações entre fotografia e história.
 Indicar métodos de análise da imagem fotográfica.
52
Linguagem Visual na Historiografia
Linguagem visual na_histpriogr
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  • 1. LINGUAGEM VISUAL NA HISTORIOGRAFIA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autor: Thiago Juliano Sayão
  • 2. CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2009 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Prof. Evandro André de Souza Revisão Gramatical: Profa. Teresa Pfiffer Franco Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI 907.2 S2754l Sayão, Thiago Juliano. Linguagem Visual na Historiografia/ Thiago Juliano Sayão. Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2009.x; 95 p.: il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-240-5 1. Historiografia 2. Imagem e Linguagem Visual na História I. Centro Universitário Leonardo da. Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título Impresso por:
  • 3. Thiago Juliano Sayão Possui graduação em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2001) e mestrado em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). Atualmente cursa doutorado em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atua como professor-tutor do curso de Licenciatura em História em Ensino a Distância do Centro Universitário Leonardo da Vinci. Possui experiência no ensino fundamental e superior. É co-autor dos Cadernos de História Medieval, História do Brasil Colonial e História Contemporânea destinados ao curso de História EAD da UNIASSELVI.
  • 4.
  • 5. Sumário APRESENTAÇÃO...................................................................... 7 CAPÍTULO 1 Noções de Imagem................................................................... 9 CAPÍTULO 2 Historiografia e Imagem....................................................... 27 CAPÍTULO 3 Fotografia e História........................................................... 51 CAPÍTULO 4 Cinema e História................................................................... 75
  • 6.
  • 7. APRESENTAÇÃO Este caderno de estudos foi escrito a partir da noção de que todos os artefatos culturais são fontes históricas. As produções materiais são “lidas”, neste sentido, como vestígios culturais reveladores do imaginário. As imagens, assim como a arquitetura de uma cidade ou mesmo a vestimenta de uma pessoa podem fornecer informações sobre determinado contexto histórico. Tratar as imagens como fonte histórica é uma forma de alargar as fronteiras da própria História, aproximando-a das artes e das ciências humanas. O estudo da imagem exige um certo grau de erudição daquele que deseja compreendê-la, pois a imagem convida o intérprete a circular entre diferentes saberes. Acredito que o trabalho de leitura da imagem é por natureza transdisciplinar, já que ele une conhecimentos com o intuito da compreensão do artefato visual. No decorrer da leitura deste caderno de estudos você irá se deparar com reflexões filosóficas e históricas sobre imagem; terá contato com a ideia de “artefato cultural”, originada da antropologia, e perceberá métodos de análise da imagem advindos de teorias da arte e da psicologia. Contudo, apesar da complexidade que envolve o estudo da imagem, você encontrará aqui um texto didático e introdutório, que tem como foco a relação entre linguagem visual e historiografia. No capítulo 1 estudaremos os conceitos básicos e as primeiras reflexões filosóficas elaboradas sobre imagem. Além disso, faremos uma breve incursão sobre o sentido do termo representação, que considero de extrema importância para pensarmos a imagem como fonte histórica. No capítulo 2 serão estudadas as reflexões dos historiadores sobre imagem. Veremos o sentido de fonte histórica na História Tradicional e na Nova História, para, em seguida, adentrarmos nos estudos de História Cultural, que trata as imagens como verdadeiros indícios da mentalidade de uma época. Ainda, no segundo capítulo, faremos uma breve leitura de dois quadros famosos, “Última ceia”, de Leonardo da Vinci, e “Primeira missa no Brasil”, de Victor Meirelles. Esta análise das pinturas serve, justamente, para pôr em prática as teorias estudadas. O terceiro capítulo abordará, especificamente, as reflexões acerca da fotografia, seja para entendermos sua natureza, seja para pensá-la como vestígio do passado. Serão apresentadas as principais características da imagem fotográfica, os aspectos relacionados com a história da fotografia, as relações entre fotografia e historiografia e os métodos de análise da fotografia.
  • 8. No quarto capítulo problematizaremos a imagem em movimento. Veremos o cinema como fonte de conhecimento, enquanto produto culturalmente elaborado. Estudaremos o cinema a partir do seguinte pressuposto: o filme revela muito do contexto social e cultural da sociedade em que foi produzido. A partir deste raciocínio convido-o a ler o capítulo 4, pensando nas possibilidades de uso do filme, seja na sala de aula ou como fonte de conhecimento para compreensão de determinado imaginário social. Por fim, espero que o caderno de Linguagem Visual na Historiografia sirva como guia rumo a um novo olhar sobre imagem. Que os conhecimentos que poderá adquirir aqui contribuam em sua formação acadêmica. Bons estudos! O autor.
  • 9. CAPÍTULO 1 Noções de Imagem A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:  Identificar as características gerais que definem uma imagem.  Discutir o conceito de imagem e de representação.
  • 10. 10 Linguagem Visual na Historiografia
  • 11. 11 NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1 ConteXtuaLiZaçÃo Convido você a embarcar em um estudo sobre a natureza da imagem. Estou certo de que estes conhecimentos básicos serão os primeiros passos para que você veja as imagens de uma maneira diferente. A discussão sobre o conceito de imagem será importante para o objetivo final dessa disciplina, que é fornecer ferramentas teóricas e sugestões de práticas educacionais, para que você trabalhe as imagens, ou como objeto de pesquisas, ou como conteúdos programáticos de seus futuros planos de ensino. Além disso, espero que as informações teóricas, aprendidas neste capítulo, forneçam as bases para que você se interesse e aprofunde os estudos sobre a sociedade midiática e globalizada em que vivemos. Atualmente, estamos sob um verdadeiro bombardeio de imagens, seja no ambiente privado ou público. Se a televisão e a internet trazem para dentro de nossas casas diferentes informações por meio das imagens, as propagandas em outdoors, placas e cartazes estão cada vez mais presentes no campo visual das vias de circulação das cidades. Considero, aliás, que estas produções culturais do tempo presente devem ser incorporadas aos próprios conteúdos curriculares das escolas. As novelas, os filmes, os comerciais televisivos, as imagens digitais divulgadas na “internet”, devem ser tratadas como verdadeiros conteúdos programáticos nas aulas de história, como também nas diferentes disciplinas escolares. Isto, simplesmente, porque a escola é o espaço privilegiado de formação do indivíduo em sociedade. O profissional da educação deve aprender a lidar de maneira crítica com as informações visuais. Só desta maneira poderá contribuir para a formação de cidadãos capazes de lidar criticamente com o mundo em que vivemos. Hoje, mais que nunca, o professor de história deve ser um pesquisador capaz de contextualizar as imagens do tempo presente. Apesar de vivermos um tempo em que as imagens são produzidas e reproduzidas incessantemente, percebe-se que os profissionais de educação ainda se mostram despreparados para trabalhar com a imagem, em particular com as fotográficas e fílmicas, o principal foco de estudos deste Caderno. Seja porque o estudo da imagem está restrito a cursos específicos, como arte; moda; arquitetura; design; marketing e propaganda, ou porque a imagem foi tratada até agora como simples ilustração ao texto. No entanto, veremos que a imagem tem uma identidade própria; ela não serve apenas para reafirmar o que já foi dito em um texto. Seu significado também não se resume na legenda que, geralmente, é posta logo abaixo dela. Mas, O objetivo dessa disciplina é forne- cer ferramentas teóricas e suges- tões de práticas educacionais para que você trabalhe as imagens, ou como objeto de pesquisas, ou como conteúdos programáticos de seus futuros plano de ensino. O professor de história deve ser um pesqui- sador capaz de contextualizar as imagens do tempo presente.
  • 12. 12 Linguagem Visual na Historiografia infelizmente, estes são os usos mais encontrados em livros didáticos. Precisamos olhar a imagem sob outra perspectiva, já que a imagem é uma fonte rica de conhecimentos. Para que possamos recolher informações das imagens precisamos, primeiro, percebê-las como artefatos historicamente construídos, e, em segundo lugar, compreender que elas têm uma linguagem específica, ou uma forma particular de transmitir uma mensagem. Daí nosso primeiro desafio, enquanto estudiosos ou leitores de imagens: aprender o vocabulário que compõe essa forma de expressão cultural. Entender a linguagem da imagem nos encaminhará para a elaboração de uma interpretação verossímil sobre ela. Sim, porque não há um único significado para uma imagem, assim como não existe uma única versão para um acontecimento histórico. O que podemos fazer é nos lançar no desafio de interpretar uma imagem sob a luz dos conhecimentos que temos sobre ela. Só assim, por meio de pesquisas que deem sentido a uma imagem, é que nos aproximaremos de seus significados mais prováveis, que sejam verossímeis. Não se preocupe, voltaremos a explicar melhor o ato de interpretação da imagem no capítulo 2, quando virmos determinados métodos de leitura de imagem. Agora, caro estudante, veremos determinados conceitos-chave ligados à imagem, que nos servirão de referências básicas. Perceba que estou usando a palavra “ler” para me referir à maneira de tratar a imagem, justamente para que fique claro que uma imagem não fala por si mesma! Na verdade, é o contrário do que diz o ditado popular: “uma imagem vale mais que mil palavras”. Para que uma imagem valha por mil ou mais palavras, é necessário questioná-la, ou seja, elaborar um trabalho de interpretação fundamentado por pesquisas. Imagens PrimitiVas As imagens são os indícios mais antigos da presença do homem sobre a terra, sejam os objetos destinados aos cerimoniais, os vasos funerários, ou as pinturas rupestres encontradas no interior de cavernas, as imagens participavam da vida em comunidade muito antes da escrita. Se as primeiras escritas apareceram há cerca de 4.000 anos, na região do atual Iraque, as pinturas em cavernas já existem há aproximadamente 40.000 anos, na região do atual Zimbábue, no sul da África. Aliás, as únicas fontes de informações que os arqueólogos dispõem, para compreender a história que antecede a invenção da escrita, são as imagens Para que uma imagem valha por mil ou mais palavras, é necessário questioná-la, ou seja, elaborar um trabalho de interpretação fundamentado por pesquisas.
  • 13. 13 NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1 e os artefatos materiais produzidos pelas sociedades primitivas. É o estudo dessas fontes imagéticas que permitem entender a forma de organização social: os alimentos consumidos; as relações políticas e econômicas entre tribos; os ritos sociais etc. Portanto, antes mesmo dos historiadores contemporâneos se dedicarem aos estudos da cultura material e imagética, os arqueólogos, desde a segunda metade do século XIX, já utilizavam seus próprios métodos para analisar esse tipo de fonte, com a finalidade de reconstruir os comportamentos humanos e as ideias de sociedades de um passado remoto. É intrínseco às pinturas rupestres – como são chamados os desenhos pré- históricos encontrados em cavernas e paredes rochosas – sua função mágica. Acredita-se que os homens pré-históricos representavam os animais, a fim de facilitar a captura dos mesmos. Segundo Gombrich, a maior parte da produção imagética dos povos primitivos está ligada ao poder das imagens. Ainda existem povos primitivos limitados ao emprego de ferramentas de pedra raspando imagens rupestres de animais para fins mágicos. Muitas tribos celebram festividades regulares, nas quais se vestem como animais e como eles se movimentam em danças solenes e rituais. Também acreditam que, de algum modo, isso lhe dá poder sobre suas presas. (GOMBRICH, 1999, p. 42). Desde os primeiros tempos, a imagem resulta dos sistemas de valores e crenças da sociedade que a produziu. Ela tem sua função social dentro da cultura em que foi gestada, e, por isso, é considerada um indício do imaginário de uma coletividade. Porém, nem sempre os historiadores conceberam a imagem desta maneira, pois ela não era vista como uma fonte confiável para a reconstrução objetiva do passado. TestemunHo HistóriCo AmBÍguo A tradição historiográfica do século XIX, período em que a história passou a ser tratada como disciplina científica, desconsiderou todas as fontes históricas que não se incluíam entre os documentos escritos oficiais, pois os historiadores daquele período (e também muitos historiadores do século XX) acreditavam que apenas esse tipo de fonte poderia fornecer informações fidedignas do passado. A história tradicional sempre privilegiou o documento escrito oficial e a erudição do historiador como elementos indispensáveis para a escrita da história Desde os primei- ros tempos, a imagem resulta dos sistemas de valores e crenças da sociedade que a produziu. Ela tem sua função social dentro da cultura em que foi gestada, e, por isso, é considera- da um indício do imaginário de uma coletividade.
  • 14. 14 Linguagem Visual na Historiografia “séria” – entendida como uma história cientificista. Assim, para a reconstrução da verdade histórica, desprezou-se todo um conjunto extremamente valioso e diversificado de fontes históricas, que incluem as fontes visuais. E qual a explicação para o desprezo dos historiadores pela fonte visual? Temos dois motivos correlacionados que explicam a desconsideração das fontes visuais pelos historiadores tradicionais. A ambiguidade interpretativa desse tipo de fonte e a falta de teorias e métodos de análise para as imagens. As imagens são, por natureza, objetos ambíguos, permitem múltiplas interpretações. E essa ambiguidade não condizia com o espírito positivista do século XIX, que prezava pela objetividade dos documentos. Por outro lado, os historiadores não dispunham de métodos científicos para a leitura das imagens (como, por exemplo, a semiótica que só foi desenvolvida no início do século XX). Os estudos sobre imagem (que inclui todos os tipos de objetos visuais, de pinturas a estatuetas) mantiveram-se, assim, restritos ao universo dos colecionadores, nos antiquários. “Os antiquários tiveram mérito de superar uma desconfiança preponderante em relação às imagens, reivindicando a validade da imagem como fonte histórica”. (KNAUSS, 2009, p.101). De fato, as imagens – que são aqui consideradas como o conjunto de artefatos da cultura visual – só recentemente passaram a fazer parte das preocupações dos historiadores. Até a segunda metade do século XX, os estudos que privilegiaram as imagens como indícios históricos eram raros. Peter Burke aponta os trabalhos de Philippe Ariès sobre a história da Infância, e de Michel Vovelle, sobre a Revolução Francesa, publicados respectivamente em 1960 e 1970, como representantes dos estudos contemporâneos que utilizam as imagens como fonte histórica. Esses trabalhos fazem parte da “virada pictórica” – momento em as ciências sociais redefiniram o papel da imagem no estudo cultural da sociedade. O termo “virada pictórica”, por sua vez, foi criado por William Mitchell para definir o movimento de revalorização, nos anos 1960, dos estudos da imagem. Agora, prezado estudante, daremos início ao estudo de dois conceitos-chave deste caderno de estudos, que são: imagem e representação. Estes dois termos são centrais e nos acompanharão no desenrolar de nossos estudos. A partir daqui, daremos início a uma reflexão mais filosófica sobre a natureza da imagem. As imagens são, por natureza, objetos ambíguos, permitem múltiplas interpretações. E essa ambiguidade não condizia com o espírito positivista do século XIX, que prezava pela objetividade dos documentos.
  • 15. 15 NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1 Rumo ao ConCeito de Imagem As imagens são, segundo Aumont (1993), representações do mundo que foram feitas para serem vistas. E é justamente pensando a imagem como representação (enquanto uma construção social e histórica), que os historiadores passaram a considerá-la um indício do tempo passado. Antes disso a imagem era, para os historiadores tradicionais, simples ilustração gráfica ou pictórica de um fato ou de um personagem histórico. Se recorrermos ao dicionário para conceituar imagem, veremos que essa palavra tem diferentes significados, assim como os usos que fazemos dela. Citamos anteriormente um uso popular do vocábulo imagem. Outra menção corriqueira desta palavra está, por exemplo, na identificação que fazemos de uma estátua religiosa. Quando nos referimos à estátua de Nossa Senhora, substituímos a palavra estátua pela palavra imagem e dizemos: “a imagem de Nossa Senhora”. Diferente da imobilidade de uma estátua, a imagem envolve sentimento e imaginação. Estes dois exemplos nos remetem a significados distintos atribuídos usualmente à palavra imagem. No primeiro caso (“a imagem vale mais que mil palavras”), a imagem ganha o sentido de expressão visual, que transmite uma mensagem de maneira instantânea. Neste caso, não existe a necessidade da explicação verbal ou textual para que se entenda o que está sendo dito; basta um lance de vista para que a mensagem seja captada. É o caso típico da propaganda visual. No segundo uso, a palavra imagem tem o sentido de representação religiosa; ela é, portanto, um objeto que tem o poder de se colocar no lugar do(a) santo(a). Após essas breves considerações sobre dois sentidos usuais da palavra imagem, vejamos o que o dicionário Houaiss (2002) diz a respeito deste vocábulo. Imagem: 1 “Representação da forma ou do aspecto de ser ou objeto por meios artísticos”. 1.1 “Representação de seres que são objeto de culto, de veneração”. 2 “Reprodução estática ou dinâmica de seres, objetos, cenas, ... obtida por meios técnicos”. 3 “Representação ou reprodução mental de uma percepção ou sensação anteriormente experimentada”. (nossa numeração). E é justamente pensando a imagem como representação que os historiado- res passaram a considerá-la um indício do tempo passado.
  • 16. 16 Linguagem Visual na Historiografia Na definição 1, imagem é uma representação de algo ou alguém, elaborada pelas mãos treinadas e habilidosas de um artista. Nesse sentido, teríamos o desenho, a pintura, a escultura, ou mesmo a gravura, como exemplos. Já na segunda definição, imagem aparece como resultado da reprodução de algo ou alguém. Repare que a diferença está nas palavras representação e reprodução. Enquanto a primeira nos remete a um trabalho de criação humana, a segunda nos permite ver a imagem como cópia fiel do real, produzida por meio de máquinas (como por exemplo, a câmera fotográfica ou cinematográfica). No entanto, entendemos que as imagens fotográficas, televisivas e cinematográficas não são simplesmente reproduções fiéis do real; elas são, também, representações do real. Fazem parte de um processo complexo de construção. Em outras palavras, a imagem produzida pela câmera é resultado de um conjunto de procedimentos técnicos, mas também sensíveis, que mostram determinados aspectos da realidade visível. Isto porque é uma pessoa que opera a câmera, e será a partir do olhar desta pessoa (ou de uma equipe, no caso do cinema) que um espaço ou uma narrativa ganhará vida. A fotografia é um tema interessante, você não acha? Mas deixemos para discuti-lo mais adiante, afinal ele merece seu próprio capítulo. Voltemos então ao conceito de imagem do Houaiss. Uma terceira noção dá à palavra imagem um sentido abstrato, que existe apenas no plano psicológico. Ou seja, diz respeito à maneira pela qual imaginamos o mundo a nossa volta. Por exemplo, quando pronuncio a palavra “peixe” imaginamos a forma deste ser vivo. Mesmo que nunca tenhamos visto pessoalmente um peixe, podemos imaginá- lo (caso tenhamos conhecido sua figura em livros ou em outro suporte físico ou virtual). Assim, quando ouvimos a palavra “peixe” sacamos de nosso “arquivo de memórias” a representação que fazemos deste animal aquático. Aliás, existe uma palavra que explica a capacidade que temos de representar imagens mentalmente: imaginação. A imagem percebida pela imaginação faz parte do próprio ato de pensar. Pensamos através de imagens. As imagens estão na base de nossas relações sensíveis e práticas com o mundo. Alberto Manguel esclarece: Para aqueles que podem ver, a existência se passa em um rolo de imagens que se desdobra continuamente, imagens capturadas pela visão e realçadas ou modeladas pelos outros sentidos, imagens cujo significado (ou suposição de significado) varia constantemente, configurando uma linguagem feita de imagens traduzidas em palavras e de palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e compreender nossa própria existência. As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens A imagem percebida pela imaginação faz parte do próprio ato de pensar. Pensamos através de imagens. As imagens estão na base de nossas relações sensíveis e práticas com o mundo.
  • 17. 17 NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1 e alegorias. Ou, talvez sejam apenas presenças vazias que completamos com nosso desejo, experiência, questionamento e remorso. Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos. (MANGUEL, 2001, p. 21). Atividade de Estudos: 1) A partir do que foi dito em relação ao conceito 3 de imagem, retirado do dicionário Houaiss (2002), registre suas opiniões sobre a frase de Alberto Manguel: “as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos”. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ Constatamos, então, que a palavra imagem tem diferentes significados. Uma imagem pode ser um artefato visual ou uma representação mental. Entre os artefatos imagéticos temos: pinturas, fotografias, filmes, desenhos, estátuas, logomarcas, etc. Por outro lado, todas as imagens que não podemos tocar constituem-se de representações mentais ou abstratas. Apresentadas as devidas diferenças em torno da palavra imagem, veremos, a partir de agora, os pontos comuns que nos permitem identificar a natureza de um artefato imagético. A intenção de compreender a natureza da imagem vem, desde a antiguidade, com as reflexões de filósofos gregos. Segundo Platão (428-347 a.C.): “chamamos de imagens em primeiro lugar as sombras, depois os reflexos que vemos nas águas ou na superfície de corpos opacos, polidos e brilhantes e todas as representações do gênero”. (apud JOLY, 1996, p. 13/14). Platão acreditava que a imagem era simplesmente a forma exterior das coisas, uma espécie de casca que cobria suas verdadeiras essências. Para esse pensador, a imagem representa o mundo das aparências. Isso quer dizer que a imagem, sob a perspectiva platônica, é considerada uma forma Platão acreditava que a imagem era simplesmente a forma exterior das coisas, uma espécie de casca que cobria suas verdadeiras essências.
  • 18. 18 Linguagem Visual na Historiografia enganadora de conhecer a verdadeira natureza das coisas. A imagem desviaria o homem do mundo das ideias, que seria o único meio de conhecer – através do pensamento racional – a verdade sobre tudo aquilo que existe. Assim, segundo Platão, temos o seguinte quadro: IMAGEM = IMPRESSÃO SENSÍVEL* IDEIA = CONCEPÇÃO REAL** * Ou “Conhecimento sensível”: representa o grau inferior de conhecimento. ** Ou “Conhecimento inteligível”: representa o grau superior de conhecimento. A ideia de imagem, enquanto conhecimento superficial das coisas, fica mais clara no Mito da Caverna de Platão. Aliás, este mito serve como uma excelente ilustração para entendermos o sentido que a imagem ganhou no pensamento platônico, e na forma de conceber a imagem em nossa cultura ocidental de raízes greco-latina. O Mito da Caverna, em poucas linhas: Imagine uma caverna, onde seres humanos estavam condenados a viver acorrentados uns aos outros com seus rostos voltados apenas para o fundo da caverna. Jamais haviam visto a luz do sol ou qualquer aspecto do mundo real. Conheciam apenas as sombras das coisas e das pessoas que passavam no lado de fora, as quais eram projetadas na parede da caverna. Essas pessoas acreditavam, devido à condição em que viviam, que as sombras eram os próprios seres que habitavam o mundo. As sombras eram, portanto, a única realidade conhecida. Porém, um dia, um dos indivíduos aprisionados se libertou das correntes e saiu da caverna. Fora da prisão, ele se deparou com o mundo real. Após ter explorado esse novo mundo, ele regressou para a caverna, a fim de contar a descoberta aos outros prisioneiros. Entretanto, os habitantes da caverna não acreditaram no que o homem liberto lhes contou e sua sentença foi a morte. Caso você queira conhecer mais sobre o Mito da Caverna de Platão, leia o Livro VII da obra: A República. 2. ed. Lisboa: Caloustre Gulbenkian, 1993. Você reparou que, no Mito da Caverna, a sombra é o elemento que equivale
  • 19. 19 NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1 a imagem? Ela carrega o próprio sentido atribuído à imagem: enquanto indício, marca da presença de algo ou de alguém. Por outro lado, o mundo real só é identificado sob a luz do sol, luz esta que simboliza o próprio pensamento racional ou, no caso, filosófico. Conclui-se, então, que no pensamento platônico só é possível conhecer o mundo real por meio da razão (ou do raciocínio filosófico). Já as sombras ou as imagens são apenas impressões sensíveis das coisas. Logo, as imagens representam o conhecimento superficial ligado aos sentidos e sentimentos e não à razão, que é tida como forma de conhecimento superior. Entretanto, Aristóteles (384 – 322 a.C.), que foi discípulo de Platão, pensava diferente. Ele acreditava que nosso conhecimento é resultado tanto da percepção sensível quanto do raciocínio. Segundo Marilena Chauí, Aristóteles acreditava que o conhecimento é formado pela acumulação de diferentes graus de conhecimento (sete ao todo: sensação, percepção, imaginação, memória, linguagem, raciocínio e intuição), de modo que, “em lugar de uma ruptura entre o conhecimento sensível e o intelectual, há continuidade entre eles”. (CHAUÍ, 2003, p. 124). Para Aristóteles, portanto, a sensibilidade não faz parte de um grau inferior de expressão, mas apresenta-se como uma fonte de informação diferente que auxilia na compreensão do mundo. Além disso, este filósofo tinha uma relação diferenciada com a arte visual. A pintura, por exemplo, não era vista apenas como uma forma de representação do mundo, uma “sombra”, como afirmava Platão, mas também como um objeto de prazer. Isto quer dizer que a imagem não se restringe ao debate teórico sobre conhecimento, pois ela fornece a base para toda uma discussão a respeito da estética. Veja bem, caro estudante, nosso objetivo aqui não é aprofundar um debate acerca do conhecimento ou da estética, mas trazer as primeiras reflexões filosóficas sobre a natureza da imagem, pois ainda hoje as visões de Platão e de Aristóteles estão presentes nas noções que temos dela. Denominaremos estas noções de noção platônica e noção aristotélica. Em síntese, temos: • Noção platônica: A imagem é concebida como ilusão, que impede o juízo racional, pois acoberta o sentido verdadeiro das coisas. • Noção aristotélica: A imagem é considerada produção sensível que nos auxilia a conhecer melhor o mundo, ou melhor, a forma com que nos relacionamos com ele. Assim, seja a imagem uma ilusão ou um artefato cultural, consideramos que ela tem a característica primeira de representação. Vamos as suas raízes linguísticas? O sentido da palavra latina imago, por exemplo, que está na origem da palavra imagem, se refere Para Aristóte- les, portanto, a sensibilidade não faz parte de um grau inferior de expressão, mas apresenta-se como uma fonte de informação di- ferente que auxilia na compreensão do mundo. Seja a imagem uma ilusão ou um artefato cultural, consideramos que ela tem a caracte- rística primeira de representação.
  • 20. 20 Linguagem Visual na Historiografia à máscara mortuária usada pelos romanos na antiguidade. Isto quer dizer que, de acordo com a definição de Platão, que acabamos de ver, a imagem é, em seu nascedouro, uma representação, ou seja, um artefato que se coloca no lugar de algo ou de alguém. Para que possamos identificar as origens da imagem, proponho a leitura do texto de Martine Joly: No começo, havia a imagem. Para onde nos voltemos, há a imagem. “...por toda parte no mundo o homem deixou vestígios de suas faculdades imaginativas sob a forma de desenhos, nas pedras, dos tempos mais remotos do paleolítico à época moderna”. Esses desenhos destinavam-se a comunicar mensagens, e muitos deles constituíram o que se chamou “os precursores da escrita”, utilizando processos de descrição-representação que só conservavam um desenvolvimento esquemático de representações de coisas reais. “Petrogramas”, se desenhadas ou pintadas, “petroglifos”, se gravadas ou talhadas – essas figuras representam os primeiros meios de comunicação humana. São consideradas imagens porque imitam, esquematizando visualmente, as pessoas e os objetos do mundo real. Acredita-se que essas primeiras imagens também se relacionam com a magia e a religião. Já as religiões judaico-cristãs têm a ver com as imagens. Não porque as representações religiosas estão presentes em massa em toda a história da arte ocidental, porém, mais profundamente, porque a noção de imagem, assim como sua condição, representam um problema-chave, a questão religiosa. A proibição bíblica de se fabricar imagens e prosternar-se diante delas (3º mandamento) designava a imagem como estátua e como deus. Uma religião monoteísta tinha como dever, portanto, combater as imagens, isto é, os outros deuses. A “querela das imagens”, que abalou o Ocidente do século IV ao século VII de nossa era, opondo iconófilos e iconoclastas, é o exemplo mais manifesto desse questionamento sobre a natureza divina da imagem. Mais próxima de nós, no Renascimento, a questão da separação da representação religiosa e da representação profana estará na origem do surgimento dos gêneros pictóricos. Mesmo abolido, o iconoclasmo bizantino influenciou toda a história da pintura ocidental. De fato, no campo da arte, a noção de imagem vincula-se essencialmente à representação visual: afrescos, pinturas, mas também iluminuras, ilustrações decorativas, desenho, gravura, filmes, vídeo, fotografia e até imagens de síntese. A estatuária é mais raramente considerada “imagem”. [...] Presente na origem da escrita, das religiões, da arte e do culto dos mortos, a imagem também é um núcleo de reflexão filosófica desde a Antiguidade. Em especial Platão e Aristóteles vão defendê-la ou combatê-la pelos mesmos
  • 21. 21 NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1 motivos. Imitadora, para um, ela engana, para outro, educa. Desvia da verdade ou, ao contrário, leva ao conhecimento. Para o primeiro, seduz as partes mais fracas de nossa alma, para o segundo, é eficaz pelo próprio prazer que se sente com isso. A única imagem válida aos olhos de Platão é a imagem “natural” (reflexo ou sombra), que é a única passível de se tornar uma ferramenta filosófica. Instrumento de comunicação, divindade, a imagem assemelha-se ou confunde-se com o que representa. Visualmente imitadora, pode enganar ou educar. Reflexo, pode levar ao conhecimento. A sobrevivência, o Sagrado, a Morte, o Saber, a Verdade, a Arte, se tivermos o mínimo de memória, são os campos a que o simples termo “imagem” nos vincula. Consciente ou não, essa história nos constituiu e nos convida a abordar a imagem de uma maneira complexa, a atribuir-lhe espontaneamente poderes mágicos, vinculada a todos os nossos grandes mitos. (JOLY, 1996, p. 17-19). Assim, independente da função que uma imagem possa assumir: para iludir ou educar, ela tem, como condição, ser uma representação. E é justamente sobre esta característica primordial da imagem que nos deteremos neste caderno de estudos. Você deve ter uma ideia do que seja representação, mas vejamos melhor o que esta palavra quer dizer. De maneira geral, representação é “um processo pelo qual se institui um representante que, em certo contexto limitado, tomará o lugar do que representa”. (AUMONT, 1993, p. 103). Por exemplo: O ator Paulo Betti fez o papel de Carlos Lamarca no filme “Lamarca”, lançado em 1994. Consideramos, então, que o filme é uma representação sobre a vida do guerrilheiro comunista. Por outro lado, também podemos dizer que Paulo Betti representou ( “se colocou no lugar de”) Carlos Lamarca. Representação é um conceito central para pensarmos a imagem, mas também um conceito fundamental na história cultural. Este termo foi cunhado pelo sociólogo Émile Durkheim para explicar as maneiras pelas quais uma coletividade compartilha sentidos sobre o mundo. Nos estudos sobre “povos primitivos”, Durkheim concebe as representações coletivas como formas de manter a coesão social de um grupo. Elas se traduzem pelas normas, discursos, rituais e imagens socialmente compartilhadas. Assim, as representações, em seu sentido sociológico, são formulações mentais que configuram o real; ou melhor, são formulações mentais pelas quais as pessoas dão sentido ao mundo e pautam suas próprias condutas, a fim de conviver socialmente. Os historiadores que trabalham com as noções de mentalidade e imaginário, por sua vez, têm o conceito de representação como espinha dorsal de seus estudos. É o caso de George Duby, Jaques Le Goff, Roger Chartier e Alain Corbin. Quando nos referimos, por exemplo, à história das representações femininas, Representação é um conceito central para pen- sarmos a imagem, mas também um conceito funda- mental na história cultural.
  • 22. 22 Linguagem Visual na Historiografia estamos falando propriamente dos estudos sobre as maneiras pelas quais as mulheres foram imaginadas em determinado contexto histórico. Representar é, pois, fundamentalmente, estar no lugar de, é presentificação de um ausente; é um apresentar de novo, que dá a ver uma ausência. A idéia é, pois, a da substituição, que recoloca uma ausência e torna sensível uma presença. A representação é conceito ambíguo, pois na relação que se estabelece entre ausência e presença, a correspondência não é da ordem do mimético ou da transparência. A representação não é uma cópia do real, sua imagem perfeita, espécie de reflexo, mas uma construção feita a partir dele. Há uma exposição, uma representação de algo ou alguém que se coloca no lugar de um outro, distante no tempo e/ou no espaço. Aquilo/aquele que se expõe – o representante – guarda relações de semelhança, significado e atributos que remetem ao oculto – o representado. A representação envolve processos de percepção, identificação, reconhecimento, classificação, legitimação e exclusão. (PESAVENTO, 2005, p. 40). A noção básica que devemos assimilar de representação é esta: algo ou alguém que se coloca no lugar daquilo que representa. Representar é apresentar novamente (reapresentar) algo ou alguém, a partir de um suporte material que difere, em sua forma, daquilo que representa. Por exemplo: O quadro Mona Lisa, em sua forma, uma tela bidimencional de 77 por 53 cm, é completamente diferente da forma da modelo retratada por Leonardo da Vinci (provavelmente Lisa Del Giocondo). Marilena Chauí usa o termo analogia para se referir à característica comum que une os diferentes tipos de imagens. Na citação, a seguir, podemos perceber que este termo equivale ao sentido que estamos dando à palavra representação. Apesar das diferenças entre as imagens, Algo é comum a todas elas: oferecem-nos coisas, situações, pessoas que guardam alguma semelhança com outras coisas, situações, pessoas reais. Por oferecer alguma parecença, diz- se que uma imagem oferece um análogo das próprias coisas, situações ou pessoas. As imagens oferecem um análogo seja porque estão no lugar das próprias coisas (como na fotografia ou numa pintura, por exemplo), seja porque nos fazem imaginar coisas através de outras (como a bandeira de um país, uma poesia ou uma música, por exemplo). [...] Embora sejam diferentes pela natureza da analogia, as imagens novamente possuem algo em comum: raramente ou quase nunca a imagem corresponde materialmente à coisa imaginada. Por exemplo, a bandeira e a nação são materialmente diferentes, os sons da sinfonia e meus sentimentos são diferentes, a fotografia e a pessoa fotografada são diferentes, um mímico que imita uma janela ou uma locomotiva não é nem uma coisa nem outra, etc. Notamos, Representação é algo ou alguém que se coloca no lugar daquilo que representa. Repre- sentar é apresen- tar novamente algo ou alguém, a partir de um suporte material que difere, em sua forma, daquilo que representa.
  • 23. 23 NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1 assim, que é próprio das imagens algo que suporíamos próprio apenas da ficção, isto é, as imagens são irreais, quando comparadas ao que é imaginado através delas. Um quadro é real na condição de quadro percebido, mas irreal se comparado à paisagem da qual é imagem. (CHAUÍ, 2003, p. 145-146). O quadro de René Magritte, intitulado Traição das imagens, além de levantar uma discussão sobre a própria natureza da imagem, nos ajuda a entender a citação Anterior, mais especificamente a seguinte frase: A imagem “quase nunca corresponde materialmente à coisa imaginada”. Convido que você se detenha por alguns instantes na figura abaixo. Figura 1 - Reprodução de parte da pintura de René Magritte intitulada: Traição das Imagens Fonte: Disponível em: <http://brasil.indymedia.org/ images/2008/03/413089.jpg>. Acesso em: 01 jun. 2009. Você não acha que a imagem acima é bastante provocativa? Gosto dela pelo simples fato de se tratar de uma brincadeira elaborada a partir da contradição entre imagem e texto; entre o que está desenhado e o que está escrito na legenda. Ao mesmo tempo em que a imagem nos apresenta um cachimbo, afirma ironicamente: “Isto não é um cachimbo” (Ceci n’est pas une pipe). Trata-se de uma ironia traduzida em linguagem visual. E o que Magritte nos faz pensar com a pintura? Voltando à citação de Marilena Chauí, podemos dizer que a pintura de René Magritte reafirma o caráter “irreal” da imagem. Ali não vemos propriamente um cachimbo, mas a pintura de um; a representação do objeto e não ele próprio. O quadro relança, então, o debate em torno da imagem como um artefato elaborado, seja a partir de algo existente, como é o caso da representação do cachimbo, seja a partir de algo imaginário. Apesar de irreal e justamente por ser irreal, a imagem é dotada de um atributo especial: ela tem o poder de tornar presente ou de presentificar Segundo Chauí, a imagem consiste em um análogo de algo existente ou inexistente. Neste sentido, ela envolve aspectos que fazem parte do imaginário, da- quilo que constitui nossas crenças e valores culturais.
  • 24. 24 Linguagem Visual na Historiografia algo ausente, seja porque esse algo existe e não se encontra onde estamos, seja porque é inexistente. No primeiro caso, a imagem ou o análogo é testemunha irreal de alguma coisa existente; no segundo, é a criação de uma realidade imaginária, ou seja, de algo que existe apenas em imagem ou como imagem. Nos dois casos, porém, o objeto-em-imagem é imaginário. (CHAUÍ, 2003, p. 146). Portanto, segundo Chauí, a imagem consiste em um análogo de algo existente ou inexistente. Neste sentido, ela envolve aspectos que fazem parte do imaginário, daquilo que constitui nossas crenças e valores culturais. Justamente, porque a imagem tem o poder “mágico” de tornar presente algo ausente. Um exemplo da magia da imagem está na relação dos Ianomâmis com a fotografia: eles acreditavam que a foto tem o poder de capturar a sombra, ou alma, da pessoa. (PERSICHETTI, 2000, p. 16). Mas será que toda imagem é uma representação? A pessoa em um retrato não se coloca necessariamente no lugar de outra. Neste caso, não estaríamos diante de uma reprodução ao invés de uma representação? Para início de conversa, poderia dizer que a fotografia é, ao mesmo tempo, reprodução e representação. Nesse caso, nossa resposta seria sim e não para a segunda questão. Sim, porque a fotografia é tanto uma cópia fiel do que ela “captura” (desde que a foto não tenha sido manipulada com auxílio do photoshop), quanto o resultado de um processo de construção, que envolve o trabalho mental e manual. Assim, a princípio, a fotografia é um pedaço de papel (em geral retangular), um “objeto-em-imagem”, que se coloca no lugar daquilo que foi fotografado. Desta forma, a imagem que está gravada no papel pode ser considerada uma reprodução; mas, se considerarmos apenas o objeto material, o próprio papel, sem dúvida não passa de uma representação. Para resumir, diríamos que a fotografia é uma analogia, já que o significado de analogia contém os sentidos atribuídos tanto à reprodução quanto à representação. Atividades de Estudos: 1) Pesquise os conceitos de analogia, reprodução e representação. A partir das informações coletadas, estabeleça as semelhanças e diferenças entre estes termos. Defina com suas próprias palavras o conceito de imagem. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________
  • 25. 25 NOÇÕES DE IMAGEMCapítulo 1 ___________________________________________________ 2) Você acha que a imagem pode ser considerada uma fonte histórica? Justifique sua resposta a partir do que estudamos neste capítulo. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ALgumas Considerações Definitivamente, a imagem, que não a mental, é um artefato culturalmente produzido. Ela é resultado de uma construção manual de algo real ou imaginário. É, no fim das contas, um “ponto de vista” do mundo. Por isso, para compreender uma imagem, devemos levar em conta: o contexto cultural do indivíduo ou do grupo que a produziu e as tecnologias disponíveis no momento de sua criação. A imagem é um objeto complexo, que faz parte de nossa cultura. Por isso, fica difícil ler uma imagem se não conhecermos as condições culturais, econômicas e políticas de sua produção. A imagem tem, para o historiador, sem dúvida um valor documental, de época, mas não tomado no seu sentido mimético. O que importa é ver como os homens se representam, a si próprios e ao mundo, e quais os valores e conceitos que experimentavam e que queriam passar, de maneira direta ou subliminar, com o que atinge a dimensão simbólica da representação. (PESAVENTO, 2005, p. 88). Iniciamos esta disciplina pelas noções de imagem e de representação, a fim de pensarmos o caráter cultural da imagem. Sendo uma representação, ela nos coloca em contato com o imaginário da sociedade que a produziu e das relações sociais, políticas e econômicas de uma coletividade. Através das imagens podemos perceber aspectos mentais e concretos do mundo social, as subjetividades e as concretudes que compõem as relações culturais de que fazemos parte. Para compreender uma imagem, devemos levar em conta: o contexto cultural do indiví- duo ou do grupo que a produziu e as tecnologias disponíveis no momento de sua criação.
  • 26. 26 Linguagem Visual na Historiografia Convido-o, então, a passarmos ao próximo capítulo, no qual discutiremos as reflexões que os historiadores fizeram sobre as imagens, enquanto fonte histórica. ReferÊnCias AUMONT, Jacques. A imagem. 6. ed. Campinas, SP : Papirus, 1993. BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. GOMBRICH, E. H. A história da arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LCT, 1999. HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Versão 1.0.5a, 1 CD – ROM. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 7. ed. Campinas, SP: Papirus, 1996. KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual. ArtCultura. Uberlândia, v. 8, n. 12, p. 97-115, jan.-jun. 2000. MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. PERSICHETTI, Simonetta (org.). Imagens da fotografia brasileira 2. São Paulo: SENAC, 2000. PESAVENTO, Sandra J. História e História Cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
  • 27. CAPÍTULO 2 Historiografia e Imagem A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:  Apresentar as diferenças entre história tradicional e nova história.  Examinar o tratamento conferido à imagem na historiografia.  Identificar as teorias de análise das imagens.
  • 28. 28 Linguagem Visual na Historiografia
  • 29. 29 HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2 ConteXtuaLiZaçÃo Certamente você deve ter uma noção do que é história, mas você já parou para se perguntar como a história é construída? Esta questão é importante para repensarmos a noção que temos desta disciplina. Normalmente ouvimos que a História é uma ciência que estuda o desenvolvimento, a evolução das sociedades humanas, e que tem como objetivo o estudo do passado para a compreensão do presente. Estas afirmações, no entanto, estão ancoradas em teorias da história do século XIX, de base positivista, que concebe a história como um movimento linear, contínuo e evolutivo. Sob a perspectiva cientificista do positivismo não existe margem para a subjetividade, na história, tampouco noutro tipo de fonte, senão o documento escrito. Atualmente, esta noção positivista, que privilegia o documento escrito e concebe a história como uma ciência objetiva, não se sustenta. Hoje a história, ou melhor, a historiografia tem sido pensada sob as perspectivas do relativismo e do construtivismo. Neste sentido, a história é tratada como um discurso fabricado, que se fundamenta nas questões lançadas pelo historiador, e nas teorias e fontes utilizadas para responder problemas de pesquisa. Assim, quando pensamos a história hoje, devemos considerar as complexas relações que envolvem o trabalho do historiador; isto é: o contexto social e cultural em que ele está inserido. Em síntese, a questão não está mais em entender o que é a história, mas em compreender como as histórias (narrativas historiográficas) estão sendo construídas. Conceber a história como texto abre caminho para pensarmos o processo de trabalho do historiador, que se resume na interpretação do passado a partir das fontes coletadas e estudadas por ele. O documento não é mais visto como testemunho fiel da realidade. Ele não fala por si mesmo. É o historiador que constrói uma narrativa verossímil, a partir da confrontação de diferentes documentos. O documento, neste sentido, não é mais o lugar seguro onde a verdade histórica se esconde, mas sim, um indício cultural do passado. A importância de se compreender a história como uma construção e de problematizar os documentos históricos, faz parte da crítica à história tradicional, a qual privilegia a narrativa factual, as personalidades políticas e os documentos oficiais. É no contexto da crítica à historiografia tradicional que situaremos os estudos da nova história e da história cultural, que passam a tratar a imagem como uma fonte de conhecimento. A imagem, na visão da A questão não está mais em entender o que é a história, mas em compreender como as histórias (narrativas histo- riográficas) estão sendo construí- das. A imagem, na visão da nova história, é um documento como outro qualquer, indício cultural do tempo passado, que desafia o pes- quisador, ou edu- cador, ao trabalho de interpretação.
  • 30. 30 Linguagem Visual na Historiografia nova história, é um documento como outro qualquer, indício cultural do tempo passado, que desafia o pesquisador, ou educador, ao trabalho de interpretação. Este trabalho, no entanto, requer decodificação, associação e confrontação das imagens com outras fontes. Exige leituras, dedicação e sensibilidade por parte do analista. Isto torna a leitura de imagem um trabalho extremamente instigante. Veremos, neste capítulo, que existem diferentes enfoques de tratamento da imagem: a iconografia, que valoriza os detalhes; os estudos da história social da arte, que valorizam as formas de recepção da imagem; as leituras psicanalíticas, que destacam os aspectos inconscientes das imagens; e o estruturalismo, que lê os elementos visuais como um sistema de significados. História TradiCionaL e NoVa História No século XIX, a história ocupava o lugar de honra entre as ciências humanas; não apenas pela erudição dos historiadores, ou pelo fato da história ser uma das mais antigas disciplinas dentre suas “irmãs” (sociologia, antropologia, linguística, filosofia etc), mas, sobretudo, pelo fato do texto histórico ter o poder de revelar o passado através de métodos de análise dos documentos. Por outro lado, a história tinha a nobre função de narrar a trajetória política dos Estados Nacionais modernos. A história era, enfim, o meio legítimo de conhecer o passado. Entre os historiadores cientificistas do século XIX que mais se destacaram está o alemão Leopold Von Ranke, que, imbuido do espírito científico, desejava transformar a história em uma área do conhecimento que mostrasse como realmente se desenrolaram os acontecimentos. Ele, juntamente com o filósofo e linguista Wilhelm Von Humboldt, priorizou a história política para conhecer o passado. Segundo Jacques Le Goff, Ranke “empobreceu o pensamento histórico, atribuindo excessiva importância à história política e diplomática” (1996, p. 90). Resumidamente podemos dizer que o historicismo de Humboldt e Ranke pensava a história como uma sucessão de acontecimentos no tempo, e caberia ao historiador o registro desses acontecimentos, a fim de se conhecer a verdadeira face do passado, ou simplesmente, conhecer como se deram realmente as coisas. Historicismo: 1. “Conjunto de doutrinas filosóficas que buscam fazer da história o grande princípio explicativo da conduta, dos valores e de todos
  • 31. 31 HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2 os elementos (artes, filosofia, religião etc.) da cultura humana.” (HOUAISS, 2002). 2. O seu fundamento é o reconhecimento de que os acontecimentos históricos devem ser estudados, não como anteriormente se fazia, como ilustrações da moral e da política, mas como fenômenos históricos. Na prática, manifestou-se pelo aparecimento da história como disciplina universitária independente, no nome e na realidade. Na teoria, expressou-se através de duas proposições: 1) o que aconteceu deve ser explicado em função do momento em que aconteceu; 2) para o explicar existe uma ciência específica, usando processos lógicos, a ciência da história. Nenhuma destas proposições era nova, mas nova era a insistência nelas colocada, e que levou a exagerar, em termos doutrinais, as duas proposições: Da primeira, tirou-se a ideia de que fazer história de algo é dar uma explicação suficiente, e, os que viam uma ordem lógica na ordem cronológica dos acontecimentos consideraram a ciência histórica capaz de predizer o futuro. (NADEL apud LE GOFF, 1996, p. 88). A partir da definição de Nadel, percebemos o historicismo como uma teoria que legitima a história como disciplina científica que tem como eixo central a noção de progresso histórico. Leopold von Ranke fazia parte de uma geração influenciada pelo positivismo, que combatia a história moralizante e idealista. Ele estava, neste sentido, imbuído da ideia de um fazer historiográfico científico, comprometido com um método que valorizava o documento, a fim de recriar, verdadeiramente, o acontecido. Daí o grande interesse que os historiadores cientificistas nutriam pelos documentos escritos oficiais, considerados as únicas fontes válidas para recriar os fatos passados. Vejamos o que Edward Carr diz sobre a relação quase sagrada entre os historiadores oitocentistas e seus documentos. O fetichismo dos fatos do século XIX era completado e justificado por um fetichismo de documentos. Os documentos eram sacrário do templo dos fatos. O historiador respeitoso aproximava-se deles de cabeça inclinada e deles falava em tom reverente. Se está nos documentos é porque é verdade. (2006, p. 52-53). Por sua vez, são justamente os documentos oficiais (decretos, tratados, correspondências, memorandos, etc) que serviram como principais fontes para a construção da história tradicional da nação. Este tipo de história é legitimada
  • 32. 32 Linguagem Visual na Historiografia pelo discurso positivista, que enfatiza o progresso dos estados nacionais modernos. A história nacional, que nasceu com o próprio Estado Nacional, prestigiou a narrativa da evolução histórica da nação. Entre os personagens deste tipo de história constam especialmente os povos primitivos (através de suas heranças culturais) e os heróis nacionais – aqueles que teriam dedicado suas próprias vidas à construção e ao desenvolvimento da nação. A história nacional ou tradicional nasceu, assim, no contexto de consolidação do Estado Nacional moderno, quando se buscou enaltecer certos valores políticos e culturais que interessavam às classes sociais dominantes. De modo didático, Peter Burke (1992) caracteriza a história nacional tradicional a partir de seis pontos: 1. Ênfase ao modelo de escrita que privilegia a história política estatal. 2. Escrita baseada na narrativa dos acontecimentos; feita pelo encadeamento de fatos históricos. 3. Visão “de cima”, ou seja, privilegia o “feito dos grandes homens, estadistas, generais, ou ocasionalmente, eclesiásticos” (BURKE, 1992, p.12). 4. Fundamentação em documentos oficiais. 5. Valorização das ações dos grandes homens. 6. Objetividade, ou seja, busca apresentar o que realmente aconteceu. Por outro lado, a nova história deve ser compreendida como um conjunto historiográfico heterogêneo, que tem em comum os paradigmas historiográficos que se opõem à história tradicional. Assim, não devemos compreender a nova história como um movimento filosófico ou político fechado e articulado, mas sim como uma reação generalizada ao historicismo. Peter Burke mostra que a expressão “nova história” surgiu em 1912, no título do livro do historiador norte- americano James Robinson (The New History), e tinha como objetivo construir uma história utilizando diferentes fontes. (A reação à história rankeana também apareceu na Alemanha, em 1900, com Karl Lamprech; na frança, na década de 1920, com a Escola dos Annales.; na Inglaterra, nos anos 1930, com Lewis Namier). Porém, foi a partir da década de 1970 que houve uma reação mundial contra o modelo de história tradicional. Para cada uma das seis características da história tradicional apontadas anteriormente, Peter Burke apresenta seis contrapontos, que dão a ver a amplitude do movimento historiográfico que estamos chamando de nova história. A nova história deve ser com- preendida como um conjunto historiográfico heterogêneo, que tem em comum os paradigmas histo- riográficos que se opõem à história tradicional.
  • 33. 33 HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2 Vejamos as principais características da nova história: 1. Coloca ênfase na noção de cultura, entendida como um sistema de representações que age sobre o real. 2. Está centrada na análise do contexto (estrutura) e não em algum acontecimento isolado; e nas mudanças que se realizam a longo prazo. Está presente a noção de diferentes temporalidades históricas. 3. A história é vista “de baixo”. Problematiza a cultura popular e o cotidiano na história. 4. Utiliza diferentes fontes históricas, como os artefatos visuais e os depoimentos orais. 5. Preocupa-se com os movimentos coletivos. 6. A história é vista como uma construção discursiva. Não pretendo me deter em cada um dos pontos apresentados, mas simplesmente mostrar como podem ser diferentes as vertentes historiográficas, que estamos denominando de nova história. Fazem parte da nova história: a história econômica, a história das mentalidades, a micro-história, história das mulheres, história da infância e história do meio ambiente. Para se aprofundar nas características da Nova História indicadas anteriormente, sugiro a leitura do seguinte artigo: BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Ed. da UNESP, 1992. p. 7-37. Esta breve apresentação da nova história nos serve, todavia, para percebermos o cenário geral de difusão do uso das imagens como indícios históricos. A partir do que foi exposto, podemos dizer que as imagens começaram a ser tratadas como fontes históricas no processo de renovação da escrita da história, que inclui o questionamento da própria noção de documento. Contudo, apesar da renovação historiográfica ter vindo com força nas décadas de 1970 e 1980, veremos que, desde o começo do século XX, a história cultural propunha novas formas de escrever a história, a partir da leitura de imagens. As imagens começaram a ser tratadas como fontes históricas no processo de renovação da escrita da história, que inclui o questionamento da própria noção de documento.
  • 34. 34 Linguagem Visual na Historiografia A História CuLturaL e o Estudo da Imagem Uma das obras precursoras da história cultural é “Outono da Idade Média”, do historiador Johan Huizinga (1872-1945). Além de ser um marco para a história cultural, o livro também se apresenta como um dos precursores no tratamento da imagem como fonte histórica. Segundo Peter Burke, “a prosa [do livro] é sensual, atenta a sons, como o dos sinos e tambores, e às imagens visuais” (2005, p. 20). Huizinga utilizou, por exemplo, quadros do pintor holandês Jan van Eyck para compor o clima cultural do período do renascimento. Da mesma maneira, Jakob Burckhardt (1818-1897), antes mesmo de Huizinga, utilizou obras de arte para compor o ambiente cultural renascentista. Em “A cultura do renascimento na Itália” (1860), Burckhardt procurou pensar a sociedade, que inclui as relações políticas, em termos culturais, numa articulação profícua entre arte e cultura. É importante notar que, em ambos os livros, a obra de arte é dessacralizada, ou seja, ela deixa de ser vista em sua individualidade, ou como resultado da genialidade do artista, para ser tratada como um indício cultural do tempo. Aliás, este é um dos grandes méritos dos estudos culturais, que consideram a obra de arte como uma imagem elaborada a partir de sistema de valores socialmente constituídos. Neste sentido, a obra de Burckhardt é uma das precursoras dos estudos culturais da imagem, justamente por considerar as imagens como objetos “através dos quais é possível ler as estruturas de pensamento e representação de uma época”. (BURKE, 2004, p.13). A história cultural teve, assim, decisiva influência nos estudos históricos sobre imagem, pois ampliou a noção de fonte histórica ao incorporar a linguagem visual no rol de representações analisadas pelo historiador. Isto equivale a considerar a imagem como indício cultural de um período histórico. O historiador passa a contar, então, com mais um conjunto de fontes para ler o passado. Para tal, as fontes visuais devem ser tratadas com desconfiança e estranhamento pelo historiador. Elas não devem ser vistas como uma simples ilustração do passado (por mais realistas que sejam), pois a imagem é uma composição, e como tal mescla elementos concretos e imaginários. Ou seja, as representações visuais integram objetos concretos, que estão explícitos, mas também concepções mentais implícitas. Ao leitor das imagens cabe, então, interpretar os diferentes aspectos das imagens, a fim de tornar compreensíveis ideias (ou ideologia) presentes na composição. A história cultural teve, assim, deci- siva influência nos estudos históricos sobre imagem, pois ampliou a noção de fonte histórica ao incor- porar a linguagem visual no rol de representações analisadas pelo historiador.
  • 35. 35 HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2 Sabemos, no entanto, que as imagens vêm servindo para os mais diferentes usos. Enquanto documentos “ilustrativos”, elas serviram para o estudo da história da vestimenta, das mobílias e dos espaços urbanos. Os cenógrafos, arquitetos e restauradores, por exemplo, utilizam as pinturas e as fotografias para recompor a forma das fachadas de prédios antigos. Neste sentido, a imagem tem simplesmente valor de evidência, por mostrar a aparência verdadeira de determinados objetos que não existem mais. Para este tipo de trabalho a fotografia é um documento perfeito. Neste caso, o caráter subjetivo da imagem não tem importância, e sim os elementos concretos que aparecem na representação. Considerar a imagem como uma cópia do real é acreditar que ela seja uma janela para o mundo, tal como ele era, porém, como apontamos anteriormente, devemos tomar cuidado com esta concepção e desconfiar das leituras que consideram a imagem espelhos visuais do passado – quer dizer, reflexo exato do acontecimento. A imagem deve ser considerada, antes de tudo, como resultado de uma composição que, por sua vez, sofreu as influências do contexto cultural em que foi gestada. Nem a imagem que pretendeu ser a mais fiel das cópias de uma realidade qualquer jamais o será, assim como acontece com qualquer interpretação historiográfica. Há sempre a arbitrariedade, a parcialidade e as escolhas do observador e do historiador, o que garante, sempre, olhares e versões diferentes sobre um mesmo objeto. (PAIVA, 2006, p. 55). O historiador Eduardo França Paiva compara o trabalho do produtor de imagens (seja um artista ou técnico) com o trabalho do historiador. Ambos, o artista e o historiador, não retratam a realidade tal qual ela é, mas sim um fragmento do real, visto sob determinado ponto de vista (que inclui a formação escolar e a experiência de vida). Assim, a pintura, tal qual o texto histórico, não passa de uma construção específica, que é resultado de escolhas pessoais, mas também das circunstâncias sócioculturais que cercaram seu autor. Portanto, a relação entre história cultural e imagem não pode ser compreendida sem considerarmos a noção de representação e de imaginário, uma vez que a imagem envolve tanto elementos concretos quanto simbólicos. Neste sentido, a imagem apresenta-se como uma fonte de estudo valiosa para o historiador, pois é um artefato que permite analisar aspectos ideológicos, sociais, econômicos e políticos da época em que foi construída. A relação entre história cultural e imagem não pode ser compreendida sem considerar- mos a noção de representação e de imaginário, uma vez que a imagem envolve tanto elementos concretos quanto simbólicos.
  • 36. 36 Linguagem Visual na Historiografia Atividade de Estudos: A partir daquilo que estudamos nesta seção, responda a seguinte questão: 1) Em que sentido o estudo da imagem contribui para a História Cultural? ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ IConografia: Notas e Comentários A imagem importa ao historiador na medida em que é considerada uma figuração prenhe de memória. Isto é: a imagem é tida como uma representação que incorpora figuras carregadas de sentidos historicamente construídos. É neste sentido que a iconografia é um método importante para a interpretação de imagens e compreensão do passado. Iconografia: “Estudo das representações figuradas; repertório dessas representações. Estudo descritivo da representação visual de símbolos e imagens, tal como se apresentam nos quadros, gravuras, estampas, medalhas, efígies, retratos, estátuas e monumentos de qualquer espécie, sem levar em conta o valor estético que possam ter”. (HOUAISS, 2002). Ler o passado através dos elementos simbólicos da imagem é um exercício que remonta à década de 1930, quando houve uma reação contra as leituras tradicionais da história da arte. De maneira geral, a história da arte considerava apenas os seus aspectos estéticos, deixando de lado a análise do seu conteúdo. Por outro lado, segundo Peter Burke (2004, p. 44), houve a reação também àqueles
  • 37. 37 HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2 que consideravam a pintura uma cópia da realidade. A principal característica da iconografia é a ideia de leitura de imagem. Isto quer dizer que a imagem, assim como o texto, deve ser interpretada em seus componentes visíveis, como também em seu aspecto subjetivo. Aby Warburg (1866-1929) e Erwin Panofsky (1890-1948) estão entre os principais intelectuais difusores da iconografia, que tinham como foco de estudo as formas simbólicas nas imagens. Por sua vez, do estudo iconográfico criado por Warburg, Panofsky criou seu próprio método, que foi publicado no livro: Studies in Iconology (1939). Este método consiste basicamente na leitura da imagem em três etapas: 1ª – pré-iconográfica; 2ª – iconográfica; 3ª – iconológica. A primeira etapa consiste na descrição e identificação dos elementos visíveis em uma imagem; é a mais simples e superficial. Na segunda etapa deve-se levar em conta os significados convencionais da imagem, ou seja, o reconhecimento dos elementos como integrantes de determinado evento histórico – para isso o leitor deve ser uma pessoa erudita, deve conhecer os textos clássicos de literatura e história. Por fim, a iconologia consiste em estudar as características intrínsecas da imagem. “Panofsky insistia na ideia de que imagens são parte de toda uma cultura e não podem ser compreendidas sem um conhecimento daquela cultura”. Assim, “para interpretar a mensagem, é necessário familiarizar-se com os códigos culturais” (BURKE, 2004, p. 46). Portanto, a descrição de uma imagem, segundo Panofsky, nos coloca no nível da análise iconográfica da imagem: a etapa inicial de uma leitura imagética. Para o mesmo autor, esta descrição (análise superficial ou intuitiva) deve ser seguida por uma análise mais aprofundada, a iconológica, que pretende encontrar a “essência” da imagem ou reconstituir o “espírito de uma época”. Podemos considerar, assim, que a análise simbólica, ou interpretativa, tem como proposta inscrever a imagem em um contexto mais amplo, relacionando-a a outros documentos que tenham sido produzidos no mesmo período. A iconologia, por sua vez, ganhou outros sentidos ao longo do tempo. “Para Gombrich, por exemplo, o termo refere-se à reconstrução de um programa pictórico [...]”. (BURKE, 2004, p.46). Portanto, Gombrich contestou a função única da imagem como reflexo do “espírito da época”, pensando a interpretação da imagem em uma relação íntima com valores subjetivos de quem a analisa. Neste sentido, a leitura de uma imagem depende dos conhecimentos do intérprete sobre determinado período histórico e da “escola pictórica” a que pertence a imagem. A leitura da imagem resulta tanto da erudição quanto das questões levantadas pelo estudioso. Em outras palavras, a imagem não fala por si, é preciso estudá-la, entendendo as condições específicas e o contexto histórico em que foi produzida. A análise simbó- lica, ou interpre- tativa, tem como proposta inscrever a imagem em um contexto mais amplo, relacio- nando-a a outros documentos que tenham sido produzidos no mesmo período.
  • 38. 38 Linguagem Visual na Historiografia Segundo o holandês Eddy de Jongh, “iconologia é uma tentativa de explicar representações no seu contexto histórico, em relação a outros fenômenos culturais” (Ibid). Aproximamos-nos da imagem, enquanto fonte histórica particular, não menos ou mais importante que outro documento escrito. Panofsky e Gombrich, por sua vez, são herdeiros da “Escola de Warburg” que, na década de 1920, dinamizou os debates em torno da interpretação de imagens. A iconografia (ou o estudo das representações imagéticas do grupo ligado a Aby Warbug) deu um novo status à obra de arte e, por sua vez, à própria noção de imagem, que passou a ser percebida como documento suscetível de uma análise sociocultural. A imagem ultrapassou, assim, a fronteira da história da arte, dos estilos artísticos, e passou a ser “testemunho” de certos ideais e práticas do tempo passado. Warburg chama atenção para os elementos internos da imagem artística. Fala da necessidade de uma “descrição densa” (que se assemelha à descrição que os antropólogos fazem das culturas primitivas) e chama a atenção para a análise dos detalhes em uma pintura. Daí a importância dos elementos que compõem a imagem, pois são potencialmente transmissores de memórias e sensibilidades. Por que memórias? Porque, de acordo com Warburg, cada imagem evoca outras imagens ou representações anteriores. Assim, a imagem – da mesma maneira que um texto – é composta de outras referências, não em forma de palavras, mas de elementos gráficos. Segundo Peter Burke, a história cultural das imagens desenvolveu- se a partir dos estudos de Warburg, estudioso que se dedicou à análise das sobrevivências de elementos visuais em determinadas representações pictóricas. “Warburg interessou-se, em particular, pelos elementos da tradição, que chamou de esquemas ou fórmulas, visuais ou verbais, que persistiam com o passar dos séculos, embora seus usos e aplicações variassem”. (BURKE, 2000, p. 239-240). Daí a importância das imagens para a história cultural, uma vez que, através de uma interpretação das mesmas, é possível “a identificação de estereótipos, fórmulas, lugares-comuns e temas recorrentes em textos, imagens e apresentações e o estudo de sua transformação, se tornaram parte importante da história cultural [...]”. (Ibid). Se o método iconográfico de Panofsky é criticado por considerar a existência de uma unidade cultural de uma época – na esteira do pensamento sobre “espírito do tempo” (o Zeitgeist) de Hegel - Warburg, por outro lado, possibilita pensar as ambiguidades das imagens, o que ele percebeu em suas pesquisas sobre o período renascentista. De acordo com Warburg, uma imagem é composta de elementos antigos e novos. A imagem é, pois, uma fonte histórica híbrida, ou seja, ela mescla diferentes elementos simbólicos. O Nascimento da Vênus, de Sandro
  • 39. 39 HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2 Botticelli, que foi analisado na tese de doutoramento de Warburg, por exemplo, é composto de símbolos da antiguidade, reelaborados a partir dos problemas específicos do tempo em que o quadro foi produzido. A iconografia de Warburg analisa a obra de arte como um verdadeiro testemunho histórico, mais que o resultado de um estilo estético preciso. De maneira geral, este estudioso concebe a imagem como um meio de acesso a ideias e sentimentos de uma época. Portanto, um estudo sobre a iconografia dá a ver que as imagens não revelam o mundo, muito menos “valem por mil palavras”. Para que uma imagem “diga” algo é necessário que ela passe por um processo de análise, de leitura, em que sejam investigados os meios de produção e o contexto em que foi produzida. A Última Ceia (1495-8), de Leonardo da Vinci, por exemplo, é um quadro que trata de um tema da antiguidade, a partir do olhar humanista do renascimento. Além da simetria e da perspectiva (profundidade e volume), características da pintura renascentista, os personagens comunicam toda sua humanidade através de gestos realistas que denotam emoções. Partindo de uma análise iconográfica, podemos dizer que a pintura trata de uma cena da história bíblica, onde estão reunidos Cristo e seus apóstolos, antes da crucificação. O aspecto de tensão da Santa Ceia de Leonardo está na relação entre a agitação dos apóstolos e a serenidade de Cristo, após este ter anunciado que havia um traidor entre eles. Figura 2 - A Última Ceia, Leonardo da Vinci Fonte: Disponível em: <http://www.legal.adv.br/img/ shots/ceia.jpg>. Acesso em: 10 jul. 2009. Acompanhe, a seguir, a interpretação da Última Ceia do historiador de arte Ernst Gombrich (1909-2000) que, além de identificar os personagens da Para que uma imagem “diga” algo é necessário que ela passe por um processo de análise, de leitura, em que sejam investi- gados os meios de produção e o contexto em que foi produzida.
  • 40. 40 Linguagem Visual na Historiografia cena (análise iconográfica), dá a ver os sentimentos que os envolvem (análise iconológica). Leonardo, como Giotto antes dele, revertera ao texto das Escrituras e se esforçara por visualizar como teria sido a cena quando Cristo disse: “‘Em verdade vos digo que um dentre vós me trairá.’ E eles, muitíssimo contristados, começaram um por um a perguntar-lhe: ‘Porventura sou eu, senhor?’” (Mateus XXVI, 21-2). [...]. São essas interrogações e esses sinais que trazem movimento à cena. Cristo acabou de pronunciar as palavras trágicas, e os que estão a Seu lado recusam horrorizados ao ouvir a revelação. Alguns parecem protestar seu amor a Jesus e sua inocência, outros discutem gravemente a quem o Senhor poderia se referir, outros ainda parecem aguardar uma explicação para o que ele disse. S. Pedro, o mais impetuoso deles, precipita-se para S. João, que se senta à direita de Jesus. Ao segredar algo ao ouvido de S. João, empurra inadvertidamente Judas para diante e ergue os olhos com desconfiança ou cólera, um contraste dramático com a figura do Cristo, calmo e resignado em meio a esse crescente alvoroço. (GOMBRICH, 1999, p.298). Percebemos, nesta leitura, a sensibilidade de Gombrich, aliada a seus conhecimentos de história da arte. Além disso, este texto nos serve de lição: é possível e interessante reunir em um único texto as descrições e as interpretações acerca da imagem. Atividade de Estudos: 1) Apresente cada uma das etapas do método de análise de imagens, propostas por Erwin Panofsky: pré-iconográfica; iconográfica e iconológica. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ Uma Leitura da Primeira Missa no BrasiL Apresentarei uma análise da tela Primeira missa no Brasil (1861), pintada por Victor Meirelles (1832-1903), para mostrar os aspectos simbólicos
  • 41. 41 HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2 envolvidos na leitura da imagem. Este famoso quadro ilustra a primeira missa realizada na colônia portuguesa, na América. A tela é uma das mais conhecidas pinturas brasileiras, em função de sua ampla reprodução em livros didáticos de história. Ela é convencionalmente aceita como uma ilustração do primeiro ritual católico realizado em solo brasileiro, feita a partir de elementos da Carta de Pero Vaz de Caminha (1500). Se a Carta de Caminha é considerada a certidão textual do nascimento do Brasil, a pintura de Meirelles é a certidão visual. Proponho, primeiro, a leitura de trechos da Carta, que descrevem a participação dos nativos em duas missas: a primeira teria ocorrido dia 26 de abril, domingo, e a segunda, dia 1º de maio, sexta-feira. A missa de 26 de abril: Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos como a de ontem, com seus arcos e setas, a qual andava folgando. E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram [tocaram] corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. A missa de 1º de maio: Disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos [religiosos e sacerdotes]. Ali estiveram conosco a ela perto de cinqüenta ou sessenta deles [nativos], assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim até ser acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção. Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; depois da qual comungaram esses religiosos e sacerdotes e o Capitão com alguns de nós outros. Alguns deles, por o Sol ser grande [cerca de meio-dia], quando estávamos comungando, levantaram-se, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinquenta e cinco anos, continuou ali com aqueles que ficaram. Esse, estando nós assim, ajuntava estes, que ali ficaram, e ainda chamava outros. E andando assim, entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o altar e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos. (CAMINHA, 2002, p.115).
  • 42. 42 Linguagem Visual na Historiografia As missas, pelo que consta na Carta, foram celebradas com muito prazer e devoção. Na primeira, parece que os nativos fizeram seu próprio ritual; na segunda, eles já começam a imitar o movimento de se ajoelhar, ensaiando os primeiros movimentos de aculturação. As missas tiveram como cenário a praia, e, como vimos, contaram com a presença dos nativos da terra. Contudo, não podemos esquecer que a Carta de Pero Vaz de Caminha foi escrita para o agrado do rei D. Manuel, e por isso, procurou mostrar a inocência e afabilidade do nativo, características que facilitariam a conversão deles aos costumes da civilização, levada pela mão dos colonizadores portugueses. A Carta traz, então, o olhar de um escrivão português que reflete os interesses colonialistas da Coroa portuguesa: expandir a fé, conquistar territórios e encontrar metais preciosos. A representação visual da missa (o quadro de Meirelles), por sua vez, foi elaborada trezentos e sessenta anos depois, passados exatos trinta e oito anos da independência do Brasil. A representação da Primeira Missa, de Meirelles, foi elaborada em um contexto completamente diferente do contexto que envolveu a redação da Carta de Caminha. Neste sentido, as missas, na Carta, são usadas para a construção da origem mítica do nascimento da nação, que consiste na miscigenação harmoniosa entre brancos e índios. A missa – enquanto ato capital da civilização cristã no novo mundo, foi resgatada da Carta para compor o cenário do primeiro momento de aculturação do nativo. Escreve Eduardo França Paiva: Malgrado a beleza e a refinada técnica da obra, ela, assim como tantas outras que experimentaram trajetória similar, não são, nem poderiam ser, o retrato de uma realidade ou da forma que ela teria sido verdadeiramente. Mas isso não a faz menos apreciável aos olhos dos historiadores. Ao contrário, trata-se de um registro extremamente rico sobre as intenções oficiais de se inventar, de se criar uma identidade histórica para a jovem nação, que se tornou independente em 1822. Era preciso inventar o Brasil e seu passado. (PAIVA, 2006, p. 92). A pintura revela, então, os objetivos da elite na segunda metade do século XIX, que investiu em representações que fundamentariam a cultura nacional através das relações culturais amistosas entre nativos e europeus. “Sob a égide católica, associam-se, numa cena de elevação espiritual, as duas culturas. Criava- se ali o ato de batismo da nação brasileira”. (COLI, 1998, p. 380). Sabemos, no entanto, que o processo de colonização na América portuguesa se deu a ferro e fogo. Os povos nativos foram escravizados ou confinados em missões jesuíticas. Segundo Boris Fausto, “a chegada dos portugueses representou para os índios uma verdadeira catástrofe. [...]. Os índios que se submeteram ou foram submetidos sofreram a violência cultural, as epidemias e mortes”. (2008, p. 40). Este fato certamente era conhecido no século XIX, porém, a imagem oficial que se queria da nação deveria integrar e não dividir os povos e culturas. A tela de
  • 43. 43 HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2 Victor Meirelles traz, assim, uma imagem romântica da miscigenação. Segundo Jorge Coli, o quadro Primeira Missa no Brasil “se tornou a verdade visual do episódio narrado na carta” (1998, p. 383). Coli mostra, ainda, que a imagem de Meirelles perpetuou-se no imaginário nacional, quando serviu de modelo para o filme ”A descoberta do Brasil” (1937), de Humberto Mauro. Podemos concluir que o quadro inventou definitivamente o próprio descobrimento do Brasil e de sua gente. Figura 3 - Reprodução do quadro Primeira Missa no Brasil Fonte: Disponível em: <http://www.moderna.com.br/moderna/didaticos/ei/ aventuradeaprender/datas/images/indio1.jpg>. Acesso em: 09 jul. 2009. A beleza da pintura é inebriante, por isso, é necessário o distanciamento para não sermos seduzidos pela imagem. A fim de escapar da força sedutora da imagem, Eduardo Paiva chama a atenção para a importância do trabalho do historiador, pois é a partir da pesquisa e do olhar crítico do historiador que é possível compreender melhor a obra. O cenário da missa é a praia, como indica a Carta. Contudo, a praia que aparece no quadro é mais uma representação do litoral criado por Meirelles, do que propriamente uma praia do litoral brasileiro, no ano de 1500. Note que, na extremidade esquerda do quadro, o pintor colocou um coqueiro, que serve de elemento simbólico, para mostrar aos espectadores que a primeira missa se deu em uma praia. Porém, o coqueiro, como assinala Paiva, não é originário do Brasil; ele foi trazido da Índia pelos colonizadores portugueses. O coqueiro não poderia, então, ter sido incluído na paisagem do descobrimento. Desta forma, podemos concluir que a identificação do coqueiro com a praia faz parte do imaginário que se tem das praias da Bahia, que, por sua vez, não corresponde à realidade da paisagem do litoral brasileiro no período do descobrimento.
  • 44. 44 Linguagem Visual na Historiografia Outras Teorias de Leitura da Imagem A análise iconográfica é criticada por seu caráter especulativo e também por seus próprios limites. No primeiro caso, o método iconográfico é acusado de deixar de lado os aspectos sociais ligados à produção das imagens; no segundo caso, por sua excessiva atenção às alegorias que compõem a imagem. Vale lembrar, no entanto, que a iconografia nasceu para a análise das pinturas, em particular da arte renascentista. Sabemos que esta abordagem tem seus limites, pois nem todas as imagens trazem personagens ou objetos alegóricos para serem analisados. Estes objetos são comuns nas pinturas de motivos bíblicos ou mitológicos. Sobre o caráter limitado da teoria iconográfica temos o exemplo das pinturas de paisagens da natureza. Neste caso, o desafio lançado ao historiador ou leitor não é decodificar códigos para compreender a mensagem que a imagem transmite, já que em uma paisagem natural lidamos com a representação de elementos naturais e não com objetos construídos pelo homem. Importa à leitura da paisagem, no entanto, que o analista estabeleça associações entre os elementos naturais (água, rocha, mata etc) representados na imagem e no imaginário historicamente construído sobre os mesmos elementos. Sobre o estudo da análise do imaginário da paisagem, sugiro a leitura do livro: SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Em função do caráter limitado da iconografia, surgiram outras teorias de leitura da imagem. Contudo, consideramos que elas não se contrapõem à análise iconográfica, mas servem para enriquecê-la. Ou seja, as teorias somadas nos auxiliam a compreender melhor uma imagem. Por isso, elas não devem ser vistas como aportes metodológicos que, simplesmente, se opõem à iconografia. Dentre as metodologias de análise da imagem, que não a iconográfica, temos o método advindo da semiótica, da psicanálise e da teoria da recepção. Nosso objetivo não é aprofundar cada um destes enfoques teóricos, até porque não caberia nos objetivos deste Caderno, mas apenas apresentar, em linhas gerais, suas principais características. Começarei pela semiótica.
  • 45. 45 HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2 A semiótica ou teoria estruturalista de análise leva em conta as conexões entre os elementos que compõem uma imagem. Seu interesse repousa no significado integral da obra, e não em uma interpretação isolada dos elementos que a constituem (como propõe a iconografia). A imagem é, neste sentido, tratada como um sistema integrado de signos. A semiótica é, em sua origem, um método de estudo do texto, e foi adaptada para a leitura de imagens na década de 1960, por Roland Barthes (1915-1918). Semiótica: Segundo Winfried Nöth, a semiótica é, de maneira geral, “a ciência dos signos e dos processos significativos (semiose) na natureza e na cultura”. (NÖTH, 1995, 17). O que nos interessa aqui, no entanto, é perceber a análise semiótica, que associa as idéias de representação e de estrutura. Esta associação pode ser vista, por exemplo, na antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss (1829-1902), que buscou estabelecer uma relação entre hábitos e sistemas culturais mais amplos. O próprio estruturalismo (teoria que define os fatos linguísticos a partir das estruturas ou sistemas), segundo Nöth, baseia-se nas noções da semiótica, desenvolvidas por Fernand de Saussure (1857-1913). “O estruturalismo possui uma base semiótica, que se evidencia na preocupação com a ideia de signo, da estrutura e dos sistemas sígnicos”. (NÖTH, 1996, p.111). A análise semiótica, entretanto, se assemelha à iconografia em sua preocupação com os signos ou indícios presentes em uma imagem. Por exemplo, o gato, em pinturas renascentistas, significa sensualidade, enquanto o cachorro, a fidelidade no casamento. A diferença, entretanto, está no objetivo do estruturalismo, que enfatiza a análise da composição como um todo, incluindo sua forma artística ou sua estética. Concepção estruturalista: Segundo Marilena Chauí, “A concepção estruturalista veio mostrar que os fatos humanos assumem a forma de estruturas, isto é, de sistemas que criam seus próprios elementos, dando a eles sentido pela posição e pela função que ocupam no todo. As estruturas são totalidades organizadas segundo princípios internos que lhes são próprios e que comandam seus elementos ou partes, seu modo de funcionamento e suas A semiótica ou te- oria estruturalista de análise leva em conta as conexões entre os elemen- tos que compõem uma imagem. Seu interesse repousa no significado inte- gral da obra, e não em uma interpre- tação isolada dos elementos que a constituem.
  • 46. 46 Linguagem Visual na Historiografia possibilidades de transformação temporal ou histórica. Nelas, o todo não é a soma das partes nem um conjunto de relações causais entre elementos isoláveis, mas um princípio ordenador, diferenciador e transformado. Uma estrutura é uma totalidade dotada de sentido”. (2003, p. 229-30). Assim, na concepção estruturalista, o sistema de signos que compõe uma imagem é visto como “um subsistema de um todo maior. Este todo, descrito pelos linguistas como langue (linguagem), é o repertório a partir do qual os falantes individuais fazem suas escolhas (parole)”. (BURKE, 2004, p. 217). Segundo a visão estruturalista, que tem como base a semiótica, os conteúdos das imagens formam “textos figurativos”. Ou seja, a imagem é tratada como discurso em que as figuras se colocam no lugar das palavras. Cabe então ao leitor interpretar o significado do texto-imagem como um todo e não decodificar as figuras isoladamente. Entender a imagem como um todo quer dizer, por exemplo, identificar seus conflitos internos, as semelhanças e/ou oposições. A leitura psicanalítica da imagem, por sua vez, dá ênfase às manifestações inconscientes na produção de uma obra. As teorias de Sigmund Freud (1856- 1939), presentes em Interpretação dos Sonhos (1899), servem de referencias para pensarmos esta forma de compreender a imagem. Na leitura psicanalítica os conteúdos das imagens são verdadeiras projeções subjetivas. O enfoque psicanalítico é ao mesmo tempo necessário e impossível. É necessário porque as pessoas de fato projetam suas fantasias inconscientemente nas imagens, mas é impossível justificar este enfoque em relação ao passado de acordo com critérios acadêmicos normais porque as evidências cruciais foram perdidas. (BURKE, 2004, p. 216). O enfoque da psicanálise é particularmente difícil aos historiadores, já que o interesse do historiador repousa no estudo da sociedade e na cultura, e não no indivíduo, Por outro lado é extremamente difícil comprovar (por meio da confrontação de fontes textuais ou imagéticas) que certo elemento em uma obra visual tem um sentido preciso. Como afirmar que determinado objeto em uma pintura é símbolo fálico, que representa o domínio dos valores masculinos sobre os femininos? Entretanto, a análise psicanalítica é importante para pensarmos, por exemplo, as mensagens subliminares presentes nos comerciais de televisão. Segundo a visão estruturalista, que tem como base a semiótica, os conteúdos das imagens formam “textos figurati- vos”. Ou seja, a imagem é tratada como discurso em que as figuras se colocam no lugar das palavras. A análise psicana- lítica é importante para pensarmos, por exemplo, as mensagens subli- minares presentes nos comerciais de televisão.
  • 47. 47 HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2 Neles são vendidos produtos que teriam pretensos poderes mágicos, como determinada sandália, que tem o poder de transformar uma menina em uma mulher. Este é um mundo de imagem e sedução a que devemos estar atentos, enquanto pais, professores e cidadãos. Para discussão sobre o assunto mídia e consumo, sugiro que você assista ao vídeo “Criança, a alma do negócio” (2008). Para isso, basta acessar o seguinte site: http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/Biblioteca.aspx?v=8&pid=40 Por fim, o terceiro enfoque relaciona-se com a recepção das imagens. Trata-se das análises oriundas da história social da arte. Esta vertente de estudos da arte baseia-se na relação entre obra de arte e suas condições de produção, distribuição e consumo na sociedade. O foco da história social da arte está nas relações entre arte e sociedade: perceber tanto as relações entre artistas e patrocinadores (que incluem as políticas culturais) como também a forma como a obra de arte ou imagem foi ou é recebida pelo público- espectador. Assim, na contramão dos estudos estruturalistas, a preocupação deste terceiro enfoque está no processo de recepção. Ou seja, nas diferentes formas de apropriação social da imagem. “O estudo dos efeitos das imagens na sociedade tomou virtualmente o lugar das análises sobre a influência da sociedade na elaboração da imagem”. (BURKE, 2004, p. 226-7). O sujeito está no centro da análise: ele é visto tanto como “refém” das estratégias de mídia, quanto “ator” que ressignifica o que lhe é oferecido por esta mesma mídia.
  • 48. 48 Linguagem Visual na Historiografia Atividade de Estudos: 1) Apresente a principal diferença entre o método iconográfico e o semiótico de interpretação da imagem. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ALgumas Considerações Vimos, neste capítulo, o quanto as transformações na historiografia (em particular as reações nos anos 1960 e 1970 contra a história tradicional) contribuíram para inclusão das imagens nos estudos históricos. E dentre as tendências historiográficas contemporâneas, destacamos a dedicação dos trabalhos de história cultural na incorporação da análise da imagem, isto porque a imagem serve como fonte privilegiada para se pensar as representações sociais. Assim, ao invés de tratar a imagem como ilustração, devemos considerá-la uma fonte que complementa o texto, assim como o texto é fonte que completa a imagem. Por meio das imagens, o historiador pode ter acesso a informações que não teria por outro meio. Muitas vezes, uma imagem guarda detalhes em sua composição que não encontramos em textos. Estes mesmos detalhes servem ao historiador como verdadeiras pistas para a compreensão do passado. Este, aliás, é o princípio do método iconográfico (o qual vimos anteriormente) que busca, da mesma maneira que um detetive, compor uma cena a partir de indícios. A diferença é que o historiador busca desvendar um contexto, e o detetive, um crime. É importante frisar também que o método de análise da imagem depende, por um lado, das escolhas que o historiador-leitor faz, e por outro, das próprias informações disponíveis sobre a imagem em estudo. Enquanto a iconografia, a semiótica e a psicanálise dão ênfase à leitura dos conteúdos, a história social Ao invés de tratar a imagem como ilustração, deve- mos considerá-la uma fonte que complementa o texto, assim como o texto é fonte que completa a imagem.
  • 49. 49 HISTORIOGRAFIA E IMAGEMCapítulo 2 da arte e as teorias da recepção abriram o caminho para analisar os aspectos mercadológicos ligados à imagem. Cabe então a você decidir a maneira de ler a imagem, que não exclui a utilização de diferentes enfoques teóricos. ReferÊnCias BURKE, Peter. O Que é história cultural? Rio de Janeiro : Zahar, 2005. ______. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSP, 2004. ______. Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. ______. (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Ed. da UNESP, 1992. CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil. São Paulo: Martin Claret, 2002. CARR, Edward Hallet. Que é história? 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. COLI, Jorge. A pintura e o olhar sobre si: Victor Meirelles e a invenção de uma história visual no século XIX brasileiro. In: FREITAS, Marcos C. de. (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1998. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Ed. da USP, 2008. GOMBRICH, E. H. A história da arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Versão 1.0.5a, 1 CD – ROM. LE GOFF, Jacques. História e memória. 4. ed. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1996. NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Pierce. São Paulo: Annablume, 1995. ______. A semiótica no século XX. São Paulo: Annablume, 1996.
  • 50. 50 Linguagem Visual na Historiografia PAIVA, Eduardo F. História e imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. PESAVENTO, Sandra J. História e História Cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
  • 51. CAPÍTULO 3 Fotografia e História A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:  Apresentar as principais características da fotografia.  Abordar as relações entre fotografia e história.  Indicar métodos de análise da imagem fotográfica.
  • 52. 52 Linguagem Visual na Historiografia