Depoente: Anselmo Duarte
Entrevistadores: Ettore Liberalesso, Thalma Di Lelli e Anicleide Zequini
Data: 5 de outubro de 1991
Local: Salto/SP
Gravação original em fita cassete
Digitalização em 2006
Acervo do Museu da Cidade de Salto - Ettore Liberalesso
Rua José Galvão, 104 - Centro - Salto/SP
https://www.youtube.com/embed/7mcaF543YgQ
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Depoimento de Anselmo Duarte (1991)
1. História de Salto
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TRANSCRIÇÃO DO ÁUDIO
Duração: 1h 51min 18s
Depoimento de Anselmo Duarte. 05 de outubro de 1991.
1ª PARTE – LADO 1
...Acho que... Anselmo, contar um pouco, assim,
dos pais, né? Da onde vieram, né? Como eles vieram a
se estabelecer aqui em Salto, né? Pegar um pouco
essa história...
Pois não. Bom eu sou... Nasci em 1920, na antiga
Rua Sete de Setembro, hoje Padre João Couto, né?
Monsenhor... Bem ali na esquina, em frente à Igreja,
onde é hoje a Redação do... era do “Trabalhador”
ali, né? Exatamente ali, naquela janela, da primeira
casa de Sete de Setembro. E vivi, mas não me lembro
de ter vivido ali. Eu vivi a minha vida toda
(.....?.....) aqui em baixo na... em frente ao
“sobradão dos alemães”. Ali era Rua Sete de Setembro
157, 156... uma coisa assim... Houve um prédio lá
onde eu nasci. O meu pai tinha uma venda naquela
esquina que era conhecida como “A venda do Zé
Augusto” ou “A venda da capivara”, porque papai
criava uma capivara que andava feito cachorro ali
pela... pela venda. Ficava sentada na porta da
venda, né? Era uma capivara mansa, né? Os meus pais
é... Meu pai veio de Portugal... Veio de Portugal,
eu não posso precisar o ano, mas... (.....?.....) lá
por 1915, talvez. Ele não veio pra Salto. Ele foi
para Capivari e de Capivari ele conheceu minha mãe.
Casou-se e veio montar essa venda aqui em Salto, né?
Em 1920. Mamãe era nascida em Capivari, Olímpia
Duarte, meu pai José Augusto Bento. Desse casamento
eles tiveram é... sete filhos: Alfredo, Leonilda,
Sócrates, Jó, Áurea, Aurora e eu. O papai saiu
quando eu tinha oito meses de idade e foi tentar a
vida lá na... no norte do Paraná, na fundação da
cidade de Cambará, Bandeirante, Jacarezinho... que
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estava na moda aquele tempo. Estavam desbravando o
norte do Paraná, e não voltou mais. Mamãe ficou só,
criando os sete filhos que eram todos muito jovens
ainda, né? Acho que o mais velho devia ter uns
quatorze, quinze anos. E mamãe começou a costurar
pra ganhar a vida. As minhas irmãs, meus dois irmãos
foram aprender a profissão... Acho que tinham
possibilidade de serem exercidas aqui na cidade. Um
aprendeu a profissão de... carpinteiro, marceneiro,
o Alfredo. O Sócrates foi aprender mecânica; o Jô
era doente, tinha reumatismo nas pernas não podia se
locomover, então, tornou-se um desenhista, pintor
e... tratava das coisas que podia ser feito com as
mãos. A minha irmã Áurea e Aurora entraram na
Brasital. Eram operárias. E nós vivíamos disso: do
salário das minhas duas irmãs Áurea e Aurora e da
costura que mamãe fazia. Mais tarde ele teve uma
escola de corte e costura, onde muitas meninas, que
depois, tornaram-se pessoas importantes aqui da
cidade, né? Pessoas da sociedade... que aprenderam
esse corte e costura. Fora disso, mamãe que... nunca
teve uma parteira, não deixava de ser uma coisa
curiosa. Mamãe, ela mesma, que se servia
(.....?.....) dos partos, né? Nós todos nascemos em
casa atendidos pela própria mãe, como índio, vamos
assim dizer, e com essa prática de ter... de tratar
do parto, a si própria, ela começou a atender
pessoas pobres gratuitamente, e sempre que a pessoa
ficava grávida, pessoa muito pobre daqui, se sítios
que sabiam que ela tinha experiência, vinham buscá-
la. Então, ela foi uma figura assim, muito
importante, assim na cidade de Salto nesse tempo
e... porque ela sempre esteve a disposição de muita
gente, dos pobres, muita vezes de madrugada, vinham
buscá-la... de sítio, de cavalo... Ela saía de a
cavalo no sítio pra ir atender pessoas pobres aí no
sítio. Essa foi minha mãe. Mais tarde, mamãe mudou-
se daqui (.....?.....) ficar pó aqui... ficou
falando o que aconteceu em Salto nesse tempo, não é?
Bom, quando eu comecei a entender o mundo, a vida
abrir os olhos para o mundo, eu estranhava que meus
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amigos, todos tinham pai. Eu não tinha pai, né?
Então eu sempre perguntava à mamãe é... é... “Onde é
que está meu pai? Meu pai não vem? Todos os meus
amigos tem pai, eu não tenho...” Essa foi minha
primeira noção, assim de... de medo do futuro e
responsabilidade ao mesmo tempo. Lembro-me
perfeitamente, que teve... a chegada, então devia
ser muito menino, mil novecentos e vin... eu devia
ter unas três ou quatro anos, aqui em Salto de
refugiados russos que vieram praça, por que depois
da... Revolução Russa, então vieram esses russos pra
cá e... como eu era loirinho quando menino... Tanto
é que meu era “Russo” e pros colegas “Russo Louco”,
porque eu era muito “levado” e brincalhão e tal... E
eu me lembro que um dia então, mamãe...
(.....?.....) perguntar: “Onde é que está meu pai?”
E quando chegaram aqueles russos, mamãe sempre
apontava um russo, que tinha cabelo louro, também,
ela dizia: Aquele é teu pai, né?” Era uma
brincadeira. Mamãe era uma pessoa muito divertida e
eu corri atrás de um russo desses e dei a mão a ele.
Esse é fato que eu cito como curioso, porque
atualmente, uma descendência desse russo, não é? Ela
é... uma pessoa de cultura e é oficial, foi no caso,
o ano passado até o ano retrasado, oficial do
gabinete do Secretário do Transporte em São Paulo. E
quando ela começou a falar de Salto, ela falou então
do avô dela e contava essa passagem, né? Que foi um
(.....?.....) assim de cinqüenta, sessenta anos
depois, compreende? Mas lembro-me muito dessa
passagem da chegada dos russos aqui... aqui em
Salto. O tempo foi passando, foi chegando o tempo da
escola... Aqui tinha o curso primário, apenas, que
era o Grupo Escolar Tancredo do Amaral... e eu
então, fui naturalmente, como todo menino daquela
época, matriculado na escola Tancredo do Amaral. Eu
nunca fui um aluno brilhante, nunca fui oi primeiro.
Eu sei que no estudo sempre eliminava aqueles que
eram. E sempre muito brincalhão, muito “levado”,
sempre jogando futebol, sempre tratando de esportes.
Eu gostava muito de esporte, né? Lembro-me do Grupo
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Tancredo do Amaral, acho que todos do meu tempo não
esquecem jamais, de uma professora que era... ela
era uma professora substituta, Maria Augusta, parece
que Pires de Camargo, né? Ela era de Itu e ela era
uma... menina ainda, devia ter dezenove, vinte anos.
Ela estava começando... Era professora substituta, e
coube a ela então, um dia de substituir um professor
famoso que era, eu acho que... o Antonio Berreta,
né? Ele transferiu-se para Itu, pro ginásio de lá,
não é? E Maria Augusta assumiu logo, assim, uma
quarta série. Ela, naturalmente, com tanta
responsabilidade, assume logo a quarta série
(.....?.....) do primário, né? Ela se dedicou ao
extremo, né? Naturalmente com medo, assim de... de
fracassar como professora, das coisas didáticas,
então... ele se tornou então, uma professora
excelente, uma professora fora do comum, que ninguém
nunca mais esqueceu. Ela ensinou tanto, de forma
psicológica tão apropriada que nós todos nos
interassávamos pelos estudos e fomos nos adiantando,
adiantando de tal forma... adiantando... ela dando
prêmios em dinheiro, dando prêmios em brinquedos,
incentivando, motivando (.....?.....) uma professora
sensacional. Tanto é que foi marcante a passagem
dessa Maria Augusta aqui, naquele ano,
principalmente, porque saíram dessa classe algumas
pessoas que se tornaram mais tarde, importantes. Não
digo por mim, mas por outros. Por que foi justamente
nesse ano é... desse ano saiu todos os filhos de
operários, o Franci... o Archimedes Lammoglia, que
mais tarde, tornou-se médico e advogado e deputado,
não é? Saiu dali. Tinha um outro que, tornou-se em
São Paulo, professor: Cesário Mandacorato, também
filho de imigrantes E outro os mais importantes da
classe: Armando Buratti, que também tornou-se uma
pessoa muito importante também nos estudos. É...
Silas Steffen que hoje é professor. Foi em São
Paulo, de Odontologia, foi Odontólogo. Hoje está
aposentado, Silas Steffen. É... Jota Silvestre que
(.....?.....) advogado e pessoa conhecida mos meios
artísticos daqui e dos Estados Unidos, atualmente
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onde vive. Então foi um ano assim, muito proveitoso,
quer dizer, saiu desse ano. Dessa classe da
professora Maria Augusta e que nós nunca mais
esquecemos (.....?.....) era tão novinha que todos
nós namorávamos ela. Éramos apaixonados pela Maria
Augusta. E eu mesmo quando fui par São Paulo e
voltei já “compridão” na... na época... uma idade
que a gente cresce muito, né? Que é dos dez aos
dezoito anos, né? Eu já voltei, mas com a idéia de
namorar Maria Augusta. Era aquela paixão que não
acabava. Eu fui uma pessoa muito importante aqui pra
cidade. Importante para (.....?.....) era
felicidade, né? Fora isso, gostaria... (Sr. Ettore:
Até aí Anselmo, estamos em 1933.) Em 33? Ah! Muito
bem. (Sr. Ettore: Quando você deixou a escola,
apaixonado pela Maria Augusta.) Exato. (Sr. Ettore:
A partir daí, quanto a sua adolescência fora de
Salto, então já que você tinha ido pra Capital...)
Pois, não. Bom, de 33, quando saí da escola aqui,
todo menino que saía da escola só tinha um destino:
era a Brasital ou a Companhia... Têxtil Brasileira,
né? Era a segunda maior fábrica de Salto. A minha
irmã já era operária, né? E eu sempre dizia a mamãe
que eu não queria ir pra fábrica. E u não queria ser
operário. Eu queria... “O que você quer ser?” Eu
quero ser independente. Eu quero montar meu negócio.
Então disse a mim: “Que negócio você quer montar?”
Eu já tinha montado até os treze anos, os meus
“negocinhos”. O primeiro: eu fiz uma caixa de
engraxate... Fui engraxate (.....?.....) durante
algum tempo. Mamãe ficava envergonhada porque era
modista. Na cidade era modista, então todo mundo
dizia: “Fica feio, Dona Olímpia, o seu filho
engraxando sapato ali na praça, né?” Então mamãe
proibiu. “Não, o serviço é sujo!” Aí eu fui ser
maleiro. Pegava mala de viajantes na estação que o
único meio de comunicação com a Capital era o trem,
não é? Eu pegava aquelas malas dos viajantes que
chegavam e tal, pra arranjar dinheiro, pra ir ao
cinema, que eu já começava apaixonado, assim por
cinema... Não entendia a mágica do cinema! Achava
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incrível, né? Isso já aos 8... desde os 8 anos de
idade. É... Depois de maleiro eu fui... Minha mãe
dizia: “Você tem que arranjar um emprego meu filho”.
De... Limpo, desses que tem roupa branca”. Mamãe
dizia, não é?Roupa branca, é médico, dentista,
farmacêutico, barbeiro... Todos de que eu sabia que
tinha roupa branca, No início fui pra farmácia, que
era na esquina da Sete de Setembro, com a rua
principal. Não me lembro o nome daquela farmácia
ali, mas eles me botaram... (Sr. Ettore:
(.....?.....) Ítalo-Brasileiro?) Acho que é, porque
tinha dois globos de vidro bonitos, coloridos assim,
né? Então eu trabalhei... Mas eles me botaram em vez
de avental branco me botaram pra lavar vidro.
Naquele tempo nas farmácias lavava-se muito vidro,
porque os remédios eram aviados pelo farmacêutico,
porque farmacêutico naquele tempo era pessoa formada
que as... sabia... é como se diz? É preparar o
produto... o remédio, lidar com aquela química, né?
Então eles precisavam de muitos vidros. Então a
gente lavava vidro, tinha que lavar vidros, né?
Muitos. Mamãe não gostou também desse serviço que
era de lavador de vidros. Nunca que “tava” com o
avental branco, né? Aí, eu entrei na barbearia do
Afonso Carola. Eu fiz (.....?.....) de avental
branco, né? Fiquei lá aprendendo... ávido pra fazer
uma barba... mas era muito jovem ainda. E a minha
profissão terminou por dois motivos: primeiro,
porque além da... de ter que fazer a limpeza da
barbearia... Naquele tempo a aprendiz tinha que
fazer a limpeza, varrer, lavar a barbearia, dar
lustre naqueles metais, nos espelhos, escovar as
toalhas (.....?.....) e recolher lenha pra dona
do... da barbearia. Nesse tempo era Dona Palmira,
mulher do Afonso Carola, né? Pegava aquela
carroça... caminhão de lenha na rua, lenha que vinha
(.....?.....) porque cozinhava-se com lenha naquele
tempo. Então tinha que recolher a lenha. O trabalho
é horroroso, pesado e sujava i pescoço e tal. Mamãe
começou a implicar com meu emprego. Aí terminou
(.....?.....) foi quando entrou um delegado na
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delegacia... na barbearia. Um dia... Era o Doutor
Mendonça, e “tava” novo aqui na cidade querendo
fazer o nome de valentão e tal, não é? De
autoridade... Ele “tava” esperando e o Afonso Carola
estava cortando o cabelo de avental branco, ele
disse: “Ele não faz a barba?” Então o Afonso Carola
disse: “Não, ele é aprendiz.” Falou: “Bom, um dia há
de se fazer a primeira. Todo mundo faz a primeira. A
primeira ele vai fazer hoje.” E eu já sabia fazer.
Eu achava que sabia, né? Porque eu fazia a barba do
meu irmão em casa. Aí... pra praticar, né? Aí ele
sentou-se. “Seu” Afonso ficou muito preocupado
porque era maior autoridade da cidade. E eu ensaboei
e ele sempre falando do lado, Afonso Carola: “Pincel
é o tal, o sabão num sei o que...” Aí quando eu
ensaboei toda a cara do Doutor Mendonça, delegado,
ele falou: “A navalha de cabo branco” (.....?.....),
né? Depois mais tarde fui conhecer a fábrica da
Alemanha, em Solingen, na Alemanha. Aqui nós falamos
“Solinge” essa fábrica... navalhas... Aqui se dizia:
É “Solinge”. Dois gêmeos, né? Fiquei tão
impressionado que hoje tenho até um faqueiro... É
“dois gêmeos”. Que eu comprei em Solingen na
Alemanha, né? Ele me deu a branca e eu passei no
couro, amolei e comecei a fazer a barba do Doutor
Mendonça. Ele tinha um nariz muito comprido que caía
sobre o lábio superior. Eu fui fazendo a barba toda
e deixei aqui em baixo pra cortar depois, porque eu
não sabia como é que eu ia cortar, fazer a barba de
baixo do nariz... e ele ficou com aquele bigodinho
de (.....?.....) só que eram brancos, né? Aí eu
comecei de lado (.....?.....) até que eu peguei na
ponta do nariz dele e levantei pra tacar a navalha,
né? Mas eu dei um talho profundo no lábio superior
do delegado, né? Aí: “Pedra “húme”! Corre! Pedra...
Pedra “húme”! (.....?.....) e o Afonso Carola disse:
“Deixa que eu termino”. Ele disse: “Não mexe em mim!
Ele (.....?.....) a primeira barba ele vai até o
fim, agora.” E eu tremia, né? E eu terminei...
tirando aquela barba em baixo daquele nariz
imenso... Levantava o nariz dele... Quase quebrei o
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nariz do homem! E aquele sangue correndo
(.....?.....) barba, foi a última! Primeira e última
barba que eu fiz. Fiquei apavorado! Afonso já não me
queria mais lá... Disse: “Já cortou o delegado, né?”
E correu aquele boato na cidade: “Anselmo cortou o
delegado, né? Com a navalha!” Foi a primeira e
última barba. Aí eu fui aprender datilografia também
aqui em Salto e mamãe... mamãe (.....?.....) uma
autoridade e escreveu uma carta para o gerente da
Têxtil Brasileira. Era o senhor Orlando Vitale e
disse: “ O portador desta é meu filho, honesto,
trabalhador e tal.” Como se fosse um deputado. Assim
mamãe, né? Porque ela se julgava uma autoridade, né?
Era a única modista da cidade. E eu fui... vim para
a Têxtil Brasileira e o Orlando Vitale uma pessoa
humana, muito boa, achou interessante a mamãe com
essa autoridade assim, pedindo emprego pra mim e
entrei pra... pro escritório. Era... “Office-boy”.
Naquele tempo era “Menino de Recados”, né? Andava
pela fábrica toda (.....?.....) só durou um ou dois
anos ali dentro da Têxtil Brasileira... Foi o
primeiro emprego em escritório. Aí fomos para São
Paulo e... continuei trabalhando. Eu trabalho desde
oito anos de idade, né? E em São Paulo eu fui
trabalhar num escritório de cópias à máquina onde eu
tirava também um curso de Economia. Depois desse
escritório de cópias á máquina eu já era bom
datilógrafo e já “tava” estudando (.....?.....) uns
16 alunos talvez. Trabalhei nos Irmãos Vitalle,
editores de música na Praça da Sé. Dali fui já
trabalhar numa Cínica Médica do Doutor Adhemar de
Barros, que era a Praça Ramos de Azevedo. De lá, eu
já formado em Economia, eu fui trabalhar nas... na
fábrica de balanças Filizola no Canindé e ali eu
fiquei muitos anos. Fiquei até vinte, vinte anos,
mais ou menos (.....?.....). Nesse tempo todo a
única diversão que o brasileiro tinha nesse tempo
era... cinema, esportes e bailes, né? E eu dançava
muito, gostava... e me tornei um bailarino, assim
quase que profissional, apesar de não ser. Mas
sabia, porque todos os locais onde eu ia sempre
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quando dançava, chamava a atenção, pedia pra dançar
só. Até que eu formei uma dupla de... com uma menina
que praticava esporte comigo no Clube de Regatas
Tietê e daí eu saí do emprego (.....?.....). (Sr.
Ettore: E você lembra o nome da garota?) É... era...
o nome dela era Theogenides com “TH”. Acho que grego
Theog... Theogenides... Vieira Gomes, mas o apelido
era “Lolita” porque ela tinha um aspecto
(.....?.....) ela era campeã sul-americana de
natação... Era (.....?.....) e eu também apreciava
esporte no Tietê e não abandonamos o esporte pela
dança, né? E fomos pro Rio. E nós dançamos primeiro
no Cassino de... no Guarujá, em Santos na Praia...
na praia José Menino, tinha um Cassino ali. E depois
fomos pra... pro... Rio de Janeiro. E eu fui dançar
com ela na Urca, no Cassino da Urca que era o maior
é... Casa de Espetáculos do... do Brasil e era
famosa até no mundo inteiro, nós é que não sabíamos
que os shows da Urca eram importantes, né? E ali
fiquei trabalhando como bailarino importante,
principal não. Era um solista, mas dançava, fazia
meu número de maxixe, danças brasileiras que eu não
era bailarino clássico, né? Eu fazia... dança
maxixe, dançava tango... essas coisas e tinha
números musicais, assim onde eu entrava dançando.
Ali eu conheci o Orson Welles, que foi fazer um
filme no Rio de Janeiro. Chama-se “Tudo é Verdade”,
“All”s True” e... entrei num número musical nesse
filme. Comecei sempre... vendo cinema, nunca
esquecendo o cinema, né? E nesse tempo eu já
trabalhava como figurante de filmes na... lá Rio de
Janeiro... todos os filmes que faziam eles
anunciavam que precisavam de figurantes...
trabalhava de graça, trabalhava sempre... As
filmagens era... Quando tinha figurante eles faziam
sábado e domingo pra pegar figuração gratuita, né?
Trabalhei como figurante no filme é...
“Inconfidência Mineira” que é clássico do cinema
dirigido por uma mulher, Carmen Santos. Trabalhei
como figurante no filme do Orson Welles e mais tarde
trabalhei... Me chamaram pra fazer o papel principal
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de um filme. Não porque eu tivesse sido figurante, é
porque eu já “tava” trabalhando nesse tempo,
abandonei a vida artística, porque eu vi que num...
que não dava resultado ser bailarino, figurante
sempre, né? Eu voltei à minha profissão, mas como
redator. É redator de repórter de uma revista
chamada “Observador Econômico e Financeiro”. (Sr.
Ettore: Mas o seu primeiro filme chamava-se?) O
primeiro... “Querida Susana” (.....?.....) eu era...
trabalhava no “Observador Econômico e Financeiro”,
nesse tempo onde trabalhei lá uns dois ou três anos
como repórter de redator de assuntos econômicos, né?
Era uma revista muito importante do Brasil, porque
era do Getúlio e do Valentim (.....?.....) que era
economista dele, né? Então, tudo se sabia à respeito
do Governo, através dessa revista. Era uma revista
importante para os empresários, indústrias, né? E de
lá eu já tinha um bom salário (.....?.....) não
ganhava só como redator, como repórter também
(.....?.....) é porque eu queria, porque eu já não
gostava mais de trabalhar em escritório. Não queria
ter horário, não queria ter relógio. Então, viajava
o Brasil inteiro fazendo reportagem sobre
determinados assuntos, porque cada redator, cada
mês... era uma revista mensal, a gente abordava um
determinado assunto, não é? Foi quando me
convidaram pra fazer um filme e eu não queria,
porque eu “tava” bem, ganhando bem, né? Fui por
curiosidade fazer esse filme, porque gostava muito
de cinema. E fui fazer o teste, mas certo de que não
passaria no teste, porque ele convidou mais uns seis
atores profissionais. A mim ele convidou pelo tipo
físico. Eu me vestia bem, “tava” na época de
imitação como um norte-americano, e o papel era pra
um... jovem norte-americano que vinha ao Brasil, né?
Tanto que meu nome no primeiro filme era Teddy
Croysler. Era norte-americano mesmo! E daí eu fui
contratado pelo tipo e pela... pela roupa, porque eu
me lembro que ele perguntou se eu tinha terno. Eu
falei: “Tenho uns oito ou dez... Eu gosto de me
vestir bem! Tenho bons sapatos, né?” Ele falou:
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“Então é ótimo, né? É bom ator e tem oito ternos.” E
assim eu entrei pro cinema e fiz o primeiro filme. E
como era cara nova e todos naquele filme eram novos,
eram estreantes, né? Que esse diretor italiano,
Alberto Beralizzi, ele queria inovar, né? Então ele
não queria inovar, né? Então ele não queria nada
igual que já tinha se feito no Brasil e... e passei
no teste. É uma coisa curiosa (.....?.....) volta em
Salto. É... não porque era o melhor, é... tinha seis
atores que eu era fã, que quando eu fui fazer o
teste fiquei pedindo autógrafos dos meus
concorrentes. Era Celso Guimarães. Era um grande
ator, galã da Rádio Nacional, né? Era Mário Brazini
que já era galã da... Atlântida, do Rio de Janeiro,
tinha um outro que... Perez, Alberto Perez, era
outro ator também já famoso. Se não me engano, Paulo
Porto, é... irmão do Jaime Costa que chamava-se
Adolar Costa, sei lá... Bem eram seis atores de
Teatro. “Eu jamais vou ganhar dessa gente!” Eu era
tímido, inclusive, né? Só tinha tipo e terno, né?
Mais não. Era tímido, né? E então, ele me deixou por
último: “Você vai vendo como é que o pessoal está
fazendo e você faz igual”. Só que quando minha vez,
quando enfrentei aqueles refletores de frente e as
câmeras, eu que era apaixonado por cinema, tive uma
emoção muito forte, quando vi os refletores virados
pra mim, porque atrás das câmeras você não vê os
refletores e eu me senti em Hollywood, assim, né?
(.....?.....) estúdio devia ser paupérrimo. Era
estúdio Imperial Filmes, lá do Rio, e eu esqueci o
diálogo, esqueci tudo, deu branco e o diretor ficou
nervoso e tinha que vir andando, andando contra a
câmera... e ele falava em italiano e fazia quinze
dias que ele estava no Brasil. Ele só falava em
italiano. Aquilo foi um... me deixou completamente
tonto e eu queria falar alguma coisa e não podia e
não sabia e ele dizia: “Parla! Parla! Duarte! Parla!
Parla!” E eu num falava nada e fui andando, andando
e quando cheguei perto da câmera, assim, já em close
(.....?.....) começa sempre de longe pra ver o corpo
todo. Andando, tinha que dar uns gritos, umas
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gargalhadas. Que nada! Ele falava: “Dá uma
gargalhada!” Eu tinha que “dá” um sorriso amarelo,
né? Não sai som. Quando cheguei diante da câmera,
assim (.....?.....) falei baixo, humildemente pra
ele, eu “tava” completamente tonto: (Anselmo fala em
italiano.) Eu comecei a falar não sei porque em
italiano, porque aqui em Salto, aí de volta à Salto,
quando a gente era menino, tinha Escola Italiana de
Música que eu cursei. Tinha Escola de Desenho,
tinha... uma série de escolas italianas, não é? Que
eram a Colônia Italiana. Era uma Colônia muito
grande e operante. Mesmo a Colônia Italiana eu acho
que foi muito bom para o desenvolvimento da cidade,
não só no ponto de vista material da fábricas, de
tudo que eles construíram como também na parte
intelectual e artística. Aqui em Salto, tinha um
Grêmio Dramático que era elogiado por todo mundo.
Minha irmã foi atriz desse Grêmio Dramático, meu pai
foi ator desse Grêmio Dramático (.....?.....) eles
tinham a Escola de Música, tinha a banda que era
(.....?.....) melhores bandas do Brasil que vinha
maestro... sempre vinha da Itália maestro
profissional. Por aqui passou Pradelli, que era
excelente, grande maestro (.....?.....) me parece
que injustiçado, porque fala-se muito em música e
nunca se fala no Pradelli. O Pradelli era um grande
maestro, que foi o apogeu da Banda da...
“Corporazione Musicale Giuseppe Verdi”, e eu entrei
inicialmente na... na... na Banda muito menino, não?
Eu tocava caixa, mas eu queria soprar um
instrumento. Daí me mandou embora e falou: “Você é
muito magrinho, muito fraco. Você não tem pulmão,
né? Vai aprender um instrumento de corda”. E fui
aprender música com Ana Carra. Foi minha primeira
professora. Depois tive um outro professor... Eu
estudava música eu o primeiro instrumento meu era
bandolim, não é? Que era instrumento que eu tinha em
casa que herdado dos meus... meu avô. Depois eu
estudei mesmo a parte final, importante com maestro
Zequinha Marques, né? Então, foi assim que eu entrei
pro cinema e assim que eu voltei um pouco pra Salto
13. História de Salto
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também, não é? (.....?.....) de Salto a minha estada
com Zequinha Marques também foi muito rápida, porque
é... já sabia bastante de música e já tocava no...
que eu fui tocar na orquestra dele nos ensaios.
Primeiro dia que eu fui tocar com a orquestra em
público, ainda foi aqui, onde hoje é o Clube Ideal,
não é? (Sr. Ettore: Rio Branco ou São Bento?) Rio
Branco. Eu fui lá tocar só esse dia, porque eu era
muito moleque, era menino de rua, andava de
(.....?.....) fazia o “diabo” aqui na cidade e tinha
aquele bando, aquela turma de amigos meus. Como
mamãe cortava meu cabelo sempre com a máquina pra
demorar pra crescer, né? Gastar pouco, né? A gente
tinha cabelo raspado, né? E eu como tinha um defeito
na cabeça, um buraco aqui, também de traquinagem aí
na rua, o cabelo nascia como se fosse cactus aqui em
cima da cabeça, né? E eu “tava” tocando. Era minha
estréia na orquestra em público. Mamãe orgulhosa,
todo mundo lá, eu com meu bandolim lá na orquestra,
aquele tempo bandolim, sempre tinha dois, três
bandolins, né? Violino, “celo”, piano era orquestra
de cordas, né? Então, tocava valsas, chorinhos... Aí
um deles que tinha uma grade de madeira, assim, que
cercava a orquestra, e eu com meus amiguinhos de rua
(.....?.....) enrolando meu cabelo com o dedo assim,
né? E eu ali olhando a partitura musical tocando
e... eu dei com o bandolim na cara de um deles lá
e... quebrou o bandolim e acabou... acabou a minha
vida na orquestra, compreende? Quer fazer alguma
pergunta? (FIM DO LADO 1 DA FITA 20 – 1ª PARTE).
1ª PARTE – LADO 2
Quer que eu fale mais de Salto assim... sobre
Salto? (Interlocutora: É... se tem assim, alguma
coisa (.....?.....) falou ou está começando, né?
Alguma coisa dessa experiência, né? Vivida aqui em
Salto favoreceu essa ida... esse despertar, esse
interesse todo pelo cinema, né?) Bom, sem dúvida.
Porque aqui, como já disse, havia uma vida artística
14. História de Salto
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intensa, não é? Porque tinha... era música, tinha
escola de desenho, tinha é... escola de teatro, eram
todas essas comunicações artísticas que eu assisti,
eu vi, era muito criança ainda mas... Meu pai foi
ator aqui, a minha irmã foi atriz aqui, mas para ser
ator e atriz aqui o tempo aqui em Salto ainda de que
excelentes espetáculos que apresentavam, tinha que
ser amador e os espetáculos ainda que cobrados,
tinha que ser sempre em benefício da Igreja, porque
senão, era profissional, era feio... ser
profissional de teatro, compreende? Porque não era
na época, uma profissão, segundo eles, decente,
porque na Capital, no Rio, São Paulo achavam que as
atrizes e os atores não eram pessoas recomendáveis.
Eram pessoas que não tinham que fazer. Compreende? É
isso que se pensava e a minha irmã, então, ela não
podia falar “atriz” também, compreende? Porque era
feio esse nome, né? Então dizia assim: Não. É
“amadora de teatro”, faz teatro em benefício da
Igreja, sempre o espetáculo era em benefício da
Igreja (..........?..........) eu me lembro que veio
aqui, duas atrizes famosas na época e que... todos
falavam de minha irmã Aurora, né? Eles levaram... A
minha irmã declamava muito bem (.....?.....) era uma
grande atriz, né? W queriam levar até... uma foi...
era... chamava-se Éster Silva e a outra foi Derci
Gonçalves, quando era menina, mocinha fez um teatro
de revista aqui, e queriam levar minha irmã daqui de
Salto, compreende? Aí então, correu o boato, falaram
pra mamãe; “Dona Olímpia, mas a sua filha é atriz?”
Porque eles achavam (.....?.....) (.....?.....) aqui
tem uma grande atriz, quando vinha aquele pessoal de
São Paulo... aquele “Príncipe Maluco” é... tinha um
outro que fazia papel de turco, que ficou famoso
aqui em São Paulo, dizia: “Tem uma grande atriz aqui
em Salto! A Aurora, né?) Aurora Duarte. Aí falaram
pra mamãe: “Sua filha é atriz?” Ela dizia: “Não. A
minha filha é “amadora de teatro”, mas só trabalha
em benefício da Igreja. O certo, né?” A minha irmã
era tão boa artista desse tempo, que o Clube Ideal
é... não permitia operários é... operárias não
15. História de Salto
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podiam ser sócios do Clube. Não podia entrar. Era a
elite de Salto, né? A minha irmã era a única
operária que freqüentava o Clube, porque sempre
quando ia lá, ela dava um show: ela declamava, ela
cantava, cantava com a orquestra, compreende? Então,
esse foi um (.....?.....) interessante da vida dela
na cidade. (Interlocutora: Em que época “tá”
acontecendo isso?) Hein? ( Interlocutora: Em que
época “tá” acontecendo isso?) Eu tinha oito anos.
Com a minha irmã (.....?.....) por exemplo, uma
grande noite que teve aqui... foi que minha irmã
namorava um capitão do Exército, lá de Itu, né? E...
o quartel lá de Itu tinha uma orquestra famosa. Foi
quando começou os “Jazz Band” vir pro Brasil, né?
Aparecer, inclusive aqui no Brasil, né? Aqui de
Salto, destacou-se em “Jazz Band” um grande músico
que é o Gaó, Odmar do Amaral Gurgel. Ele foi pra São
Paulo e foi o primeiro Sal... é... a primeira
orquestra de música norte-americana em São Paulo.
Era... chamava-se “Gaó” e Orquestra Colúmbia. Quem
gravou a primeira música norte-americana, gravada no
Brasil, foi gravada pelo Gaó. Inclusive também
trabalhou num filme. Chamava-se “Coisas Nossas” que
foi o primeiro filme sonoro brasileiro. Ele tocou
uma música do Gaó. E também tinha na época que ele
era assim: o artista mais conhecido fora de Salto,
né? Então, é como “tava” na moda o “Jazz Band”, né?
O Quartel de Itu tinha um “Jazz Band” muito bom e
famoso, não é? Então queriam... e minha irmã
conseguiu (?) ela namorava um capitão de lá, não é?
Ela conseguiu. Me lembro que foi uma noite
memorável. O clube nesse tempo era... onde é a
Concha Acústica era um colégio... depois mais tarde
foi um colégio. Ali era um casarão velho, antigo, eu
fui nessa noite porque mamãe só deixava minha irmã
sair e vir comigo pra... senão ficava falada, como
diz. Tinha que sair com um menino menor e tal. E eu
era guardião da minha irmã que quando ela saía
namorar sem mim, eu pegava pedra e ia apedrejar o
namorado no jardim, esse capitão. Dei muita pedrada
nele, no jardim, né? E eu fui pro clube lá com minha
16. História de Salto
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irmã, lembro que foi uma noite... vi baixo-tuba,
primeira vez que eu vi baixo-tuba cromado, porque os
instrumentos desse tempo era sempre de metal
amarelo, de latão. Primeira vez que eu vi um
instrumento... niquelado. Era aquele baixo-tuba com
aquela boca assim... e era o “Jazz Band” do Quartel
de Itu, tocando aquelas músicas (.....?.....) e tal,
né? E a minha irmã cantou nessa noite com a
orquestra e declamou etc, né? Bom “desligá”. Gasta
muito, a fita.
Bom, aqui em Salto, perto de minha casa na
rua... no fim da Rua Sete de Setembro tinha um
cinema. Chamava-se “Pavilhão” e mais tarde tive a
oportunidade de reproduzir num filme que eu tive a
oportunidade de dirigir... o “Crime do Zé Bigorna”.
Eu botei... tenho a reprodução fiel desse... desse
cinema. Botei “Cine Pavilhão”, tudo como era na
época, né? Então, lendo aqueles cartazes que eles
botavam daqueles filmes ali... (.....?.....) naquele
tempo vinha filmes norte-americanos, filmes
italianos e filmes russos. O cinema era tudo, né? Eu
me lembro que nesse tempo o dono do “Cinema
Pavilhão” era “seu” Lopes, né? E como era cinema
mudo é... tinha uma moça que acompanhava... o filme
com piano, não é? Era pianista, né? Ah! É a filha do
Lopes, não me lembrava, tanto é que quando ela
passava por frente da minha casa, mamãe ficava
sempre na janela (.....?.....) na janela pra ver as
pessoas que desciam a Rua Sete de Setembro pra ir ao
cinema. Nós não á porque não tinha dinheiro. Nós
éramos... operários, minhas irmãs operárias e eu
arranjava um dinheirinho aqui, ali como engraxate,
maleiro, lavava garrafa pra ir ao cinema, né? Mas
nunca dava o suficiente... Lembro que a entrada
custava 300 réis, depois 400 réis, aquela
“moedona”... (.....?.....) tinha o “pavilhão”, não
é? Que passava aqueles filmes mudos, mas tinha uns
meninos que molhavam a tela. Então eles deixavam
esses meninos entrar de graça. E uma forma de
assistir o cinema de graça era a gente arranjar...
nós chamamos de “estoloque”. É uma seringa de
17. História de Salto
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injeção gigante que fazia de taquara... da taquara
grossa, né? Que a gente furava assim, na emenda do
gomo... (Sr. Ettore: Fazia um êmbolo?)...Fazia um
êmbolo com... com courinho na ponta que dava sucção,
não é? Então, a gente sugava assim... como uma
seringa... como uma... seringa de injeção grande e
daí espirava aquela água na... na tela, né? E a tela
precisava ser molhada nesse tempo e eu vou explicar
porque, ainda não haviam inventado as lentes grande-
angulares pra atravessar o cinema todo por cima das
cabeças e projetar na tela. As lentes eram lentes
comuns, quase não tinham inventado as lentes... as
lentes de grande alcance (.....?.....) e o projetor
de filmes ficava atrás da tela. Era... de linho ou
algodão branquinho... transparente. Projetava na
tela, compreende? E a gente via pela transparência
da tela. Então, projetava-se contra os olhos dos
espectadores. Por isso que diziam que cinema fazia
mal a vista. Porque projetava contra os olhos da
gente, compreende? Mas tinham esses meninos que iam
molhar. Mas era um bando de meninos. Não podia
entrar todo mundo, senão era uma chuva lá dentro. E
o “seu” Lopes ficava na porta antes de começar a
sessão, escolhendo. Ele dizia que escolhia...
mostrava pra ele o “estoloque”. Ele dizia que
escolhia pelo “estoloque”, né? Pelo tamanho, pela
qualidade, mas não era uma escolha talvez mais
humana e pra “dá” uma chance pra um e outros, pra
não repetir etc. Então quando chegava na hora
ficava: “Seu” Lopes, o meu! “Seu” Lopes! “Seu”
Lopes! Então ele dizia: “Você, você e você e tal”.
Então, a gente entrava. Assim eu vi muitos filmes.
Ficava atrás da tela, ficava sentado atrás da tela.
O público via a gente e tinha intervalos, não é? De
cada dois rolos assim... O cinema... Os filmes eram
curtos naquele tempo. O filme mais comprido que
tinha era seis, oito rolos, né? Pra se ter uma
idéia, o filme hoje tem dez rolos. É uma hora e
quarenta de projeção, né? Então o filme é mais
curto, tem aquelas comédia... passava aquelas
comédia, depois... tinha intervalo. Outros dois
18. História de Salto
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rolos, tinha intervalo... Só tinha um projetor, né?
E o filme era... era de celulóide, não é como hoje é
de plástico... transparente, né? Era celulóide. Por
isso que ficou esse nome celulóide, que não é mais,
hoje o filme não é incandescente, né? Aquele tempo
era... e quantas vezes, pegava fogo no cinema.
Quando pegava, ia o rolo inteiro! Era um fogaréu!
Tudo isso eu tenho no meu filme “O Crime do Zé
Bigorna”, até o incêndio do cinema, né? Então, a
gente ficava ali, atrás da tela, sentadinho, cada um
tinha seu balde d’água, né? E passava então, a
comédia, né? Depois que passava a comédia do Harold
Lloyd ou do Charles Chaplin, do Buster Keaton que
eram os comediantes da época, aí então começava a
molhar a tel seca. Ela ficava branquinha, né? E
quando a gente molhava ia formando aquelas manchas
escuras assim, porque quando molha (.....?.....)
então o público assistia aquela... quando começava a
molhar a tela, né? Então ficava aquela torcida
(.....?.....) tudo “tá” no filme, né? Eles sabiam
quem eram as pessoas que estavam lá atrás
(.....?.....) chamavam a gente pelo nome. Eu era
“Russo Louco”, tinha o Gildo “Cassavara”... “Essa
molecada de rua!” E eles ficavam gritando: “Mais pra
direita! Mais pra direita, seu burro!” Aí então,
vinha aquela molhada. Daí: “No meio, seu burro! No
meio!” Assim a gente ia molhando até que a tela
ficava escurinha, “molhadinha”, porque, senão
molhasse, ela pegava fogo, porque o projetor era
muito próximo e saía um... halo quente, um jato
quente de luz e queimava, às vezes. Se não molhasse
bem, queimava a tela, né? Então tinha que molhar a
tela. Muitas pessoas diziam que era pra ficar melhor
a imagem. Não! É mentira! A imagem quando ela secava
é que ela aparecia melhor ainda, né? Era para não
queimar a tela, aquilo que a gente fazia. Tinha que
molhar. Então, ficava aquela luta e eu então, me
lembro de um dia, passou um filme que todo o Salto
queria assistir. Chamava-se “Os Barqueiros do
Volga”. E então, anunciava-se que ia ter som também,
que já o início do (.....?.....) iam tocar uma
19. História de Salto
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música. Vinha o disco... acompanhada com aquelas
músicas. O barqueiro era músico. “O Barqueiro do
Volga” é conhecido até hoje, né? Então, mas era um
filme famoso “Os Barqueiros do Volga”, né? Lá da
Rússia. E tendo todo mundo queria assistir o filme.
E eu fui lá com meu “estoloque” também, né? Esse dia
não fui escolhido. Então, tinha do lado, assim do
cinema, um “paredãozinho”, assim, né? E pra saída de
água daquele terreno... Esse terreno baldio do lado
do cinema, era o povo no intervalo, saía pra tomar
ar, conversar... assim do lado, né? Seria um paredão
assim é um... quintal lateral do cinema, né? E pra
saída de água tinha um buraco, assim no paredão
redondinho, assim meia lua... de saída de água,
pequeno. E eu peguei e meti os pés naquele buraco e
mandei os meus amigos empurrar que eu sempre fui
muito “levado”, né? E... chamava-se aqui quando
eu... fiz isso em circo, também porque nunca tinha
dinheiro pra ir “furá” o circo, “vará” ou “furá” aí
também... (Sr. Ettore: Significava passar por baixo
do pano?)... por baixo do pano, aí foi por baixo do
paredão, né? E ficaram me empurrando assim, né? E
quando eu estava com o paredão aqui nas costas, já
“tava” com o corpo quase lá dentro, me pegaram as
pernas do outro lado do paredão, foi uma sensação
terrível, desagradável. Era o soldado, Cabo
Tibúrcio. Ele... Aquele tempo a arma era dele,
era... nós chamamos de “refe”. Era uma espada assim,
né? E ele tinha o “refe”. Então, não sei de onde é
que vem esse nome re... deve ser (.....?.....) algum
nome francês, né? E ele tirou aquilo e botou aquela
lâmina nas minhas pernas assim e disse: “(?) Ô!
Vagabundo! Eu vou ter cortar as pernas, né? É
proibido varar cinema, né?” Eu comecei a “chorá” e
“gritá” com as pernas presas... com aquele paredão
nas costas. Não tem por onde escapar, né?
(.....?.....) e ele só via as pernas. Não sabia quem
era e esfregava assim na perna e dizia: “‘Tô’ te
cortando a perna!” E eu gritava, urinava...
Aconteceu de tudo comigo (.....?.....). Ele dizia:
“Qual é o seu nome?” Eu dizia: Anselmo... Anselmo
20. História de Salto
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Duarte Bento! “Quem é você?” Eu sou o “Russo”! Me
chamam de “Russo”... de “Russo Louco”. “Filho de
quem?” Eu sou filho da Dona Olímpia Duarte, a
modista! E gritando de lá que ia cortar as pernas.
Pelo amor de Deus! Não faça isso e tal! Até que esse
susto... com esse susto eu nunca mais tentei “vará”
o “Cine Pavilhão”, compreende? Mas esse filme...
depois acabei (.....?.....) passou uns dois dias,
porque era um filme excepcional. E eu acabei
assistindo no dia seguinte, compreende? Eu fui
carregar mala, arranjei dinheiro e entrei para ver
“O Barqueiro de Volga” e no... como filme marcou na
minha vida naquele tempo. Devia ter sido 28, por aí.
Nunca mais esqueci o cartaz do filme. Só que naquele
tempo a gente não estudava inglês. Não “tava” na
moda de estudar inglês. Idioma só se estudava em
curso superior em São Paulo. E aqui a gente lia as
palavras em inglês, em português, né? Então, o
cartaz ficou assim, na minha memória. Era assim
(.....?.....) (.....?.....) ah... oh... o diretor do
filme era... Ah! Meu Deus do céu! Sempre esqueço o
nome dele! Daqui a pouco eu lembro, já... Ah! Meu
Deus do céu! Ah! Eu não me lembro mais! Bom... (Sr.
Ettore: A figura que o cartaz representava, você se
lembra?) O quê? Do... (Sr. Ettore: Do “Barqueiro de
Volga.) Do “Barqueiro de Volga”... eu me lembro bem
do filme, assim, né? Dois filmes foi que me
guardaram foi “Barqueiro de Volga” e depois, já com
som, era o “Sem Novidade no Front”, que em inglês
era “Nada de novo no fronte ocidental” que é um
clássico hoje! Foi o primeiro filme de guerra,
sonoro, que se fez no mundo. Depois, mais tarde,
encontraram o diretor desse filme (.....?.....)
disputando um festival de cinema (.....?.....) eu
queria lembrar desses nomes. “Tá” me falta memória
agora. Então, foi esse período de cinema que tinha
aqui. Mais tarde teve... que eu cheguei a
freqüentar, também, tinha um cinema aqui no... “Cine
Verdi”, que era ali na esquina. Assim era o cinema,
né? Que tinha aquela grade de ferro, ali na esquina,
né? Teve o “Verdi”. Depois do “Cine Verdi”, teve o
21. História de Salto
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“Cine Rui Barbosa” não é isso? Tinha o “Pavilhão”,
“Cine Verdei” e “Rui Barbosa”. Quando eu sai daqui
de Salto só conhecia esse três cinemas, mas me
parece que nunca funcionaram os três juntos, não é?
Chegaram a funcionar os três juntos? (Sr. Ettore:
Até quatro juntos. Porque a Paróquia, também tinha
um pequeno cinema no salão paroquial.) Salão
paroquial. (Sr. Ettore: Nós tivemos funcionando ao
mesmo tempo o “Verdi”, o “São Bento”, o “Rui
Barbosa” e o “São Francisco” da Igreja.) Ah! Já
tinha o “Pavilhão”, então? O “Pavilhão do Lopes que
era no Sete de Setembro... (Sr. Ettore: O “Pavilhão”
do Lopes mais o “Rio Branco” se fundiram para dar
lugar ao “São Bento”, comprado pelo Augusto Mazza e
o Adriano Lopes...) Ah! Sei... (Sr. Ettore: No Salão
Arzília Silva onde é atualmente o Ideal.) Mais é...
Do “Sem novidade no front”, o ator era... Falando em
português como a gente fala aqui era “Levis Ayres”.
Que o Lewis, Lewis Aires, né? Era “Levis Aires” e o
diretor que é muito engraçado o nome, que depois eu
falei à ele pessoalmente, né? Eu guardei o nome
dele. Morreu até a pouco tempo. Ele foi depois, mais
tarde, um dos últimos filmes que ele fez foi “O
Grande Motim”, em Hollywood, com Marlon Brando...
Marlon Brando. Ah! Era o “Levis Millestone”, que é
Lewis Millestone, né? Esse era o diretor. Pra mim
ele era sempre... foi “Levis Millestone” e o ator
era o Levis Aires, né? “Sem Novidade no Front”. Mais
tarde quando eu fui disputar... o Festival San
Francisco, na Califórnia, é esse aqui, onde eu
ganhei, né? Eu tinha um secretário que dizia
assim... Logo que eu cheguei, eu já tinha vencido
Cannes, né? Então, ele falou: “Anselmo, aquele velho
que está sentado ali é o Presidente do Júri. Convém
cumprimentá-lo, fazer amizade, um bom relacionamento
e tal”. Esse Festival é mais difícil do que de
Cannes”. E porquê? Porque era o Festival dos
Festivais. Ali só entravam filmes premiados da
Rússia, de Veneza, do Brasil... de todo o mundo! Só
filmes premiados! Muito difícil! Eu “tava”
disputando com “Westside History” que era... O filme
22. História de Salto
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tinha oito Oscars, né? Então, é muito difícil e eu
falei: “Tá” bem! Como é que é o nome dele? Esse meu
secretário morava há vinte anos nos Estados Unidos.
Já era um grande americano. A pronúncia dele era
totalmente americana. Então, ele falou: “É o
(.....?.....) é o Lewis Millestone”. Falou Luis
Milles? Pra mim, não conheço Luis Milles. Não
conheço. Era “Levis Millestone”, né? Eu falei: O quê
que ele é? Ele falou: Ô! Anselmo! Ele é o diretor
famoso! Ele tem... ultimamente ele fez “O Grande
Motim” com Marlon Brando. E ele fez... dirigiu um
clássico de guerra, que foi o primeiro... é o “Sem
Novidade no Front”. Eu falei: Então, é o “Levis
Millestone”! Porque esse cartaz eu lembro de quando
eu era menino! E disse: “Que ‘Levis Millestone’!
Porque o Lewis é com L, E, W, I, S. Lewis, né? O
“Millestone” é ‘Mailleston’, mesmo que escreve, né?”
Mas lá eles pronunciam “Mailleston”. Aí, eu fui
apresentado a ele. Ele se levantou e disse: “O
senhor que é o diretor do... do... Lá chama-se
“(.....?.....) Promisses”, “O Pagador de Promessas”.
(.....?.....) a palavra (.....?.....) tinha dois
títulos na América. “Eu ‘tô’ louco para ver seu
filme! Porque venceu em Cannes e é muito comentado”.
Mas já tinha dois, quatro prêmios. Aquele foi o
último festival. Tinha vencido Cannes, Edimburgo,
Cartagena na Colômbia, Acapulco no México, não é? E
“tava” ali em San Francisco. Era o último festival
do ano. Ele disse: “Sou louco pra ver seu filme!” Eu
disse: O senhor vai assistir então, o filme e tal
se... Sr. Levis Millestone, né? Eu falei o nome, e
fiz questão de dizer o “Levis Millestone”, porque
vinha da minha infância de Salto, né? Aí o meu
secretário lá disse assim: “ Não, Anselmo! É Lewis
Millestone!” Eu disse: Pra mim ele é “Levis
Millestone”. Não vou mudar o nome dele. E sabe o que
ele respondeu? Ele disse... O meu secretário era
Luis Serrano, correspondente do “Globo” em
Hollywood. Ele falou: “Senhor Serrano, até que enfim
eu encontrei uma pessoa que falou meu nome certo!”
Ele falou: “Como é que certo?” Ele disse: “Eu não
23. História de Salto
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sou americano! Eu sou russo!” Ficou uma revelação
até pro... Serrano, o jornalista: “Mas o senhor é
russo? E disse: “Eu sou russo de Nova Odessa na
Rússia e o meu nome pronuncia assim. Eu sou filho de
judeus russos. Eu sou Levis. Eu sou Levis. E eu sou
Millestone, mesmo.” Até que enfim, eu tinha que
falar: em Salto ainda, ninguém erra esses nomes
(.....?.....). (RISOS). (Sr. Ettore: Se pronuncia
como se escreve?) Se pronuncia como se escreve... e
como francês todo mundo fala, pensa em francês é
muito e tal. Eu morei um ano em Paris... O francês é
tão nacionalista, tão (.....?.....) e orgulhosos de
seu... da sua cultura e de seu idioma, que ele não
faz o menor esforço pra pronunciar nem nomes
próprios. Eles pronunciam como eles lêem em francês.
Eu sou lá, “Duartê”. O Chaplin é Charles “Chaplan”.
Lá “Charló” ou é “Charlô”. Só nós aqui que vivemos
assimilando idiomas e querendo falar no idioma certo
e tal. Bom, então, de vez em quando dou uma escapada
aqui de Salto, vou lá longe, né? Mas Salto tinha
isso, né? O que se fazia na minha infância aqui, era
maravilhosa. Sempre quando eu falo que em Salto...
eu era filho de operários e que andava descalço... e
todo mundo pensa que eu era um “mendingo”, um
coitado... nada! Eu era um menino muito feliz!
Primeiro porque na minha idade a gente gostava de
andar descalço. Não é porque é pobre, é porque era
gostoso, eu gostava de andar descalço. Tanto é que
sapato mamãe comprava, ele num chegava a gastar o
sapato, porque o pé crescia, né? A gente não usava,
não gostava e teve o pé sempre machucado. Um dia
usava um pé... usava pelo menos um pé e outro não.
Quando “tava” machucado, tinha que botar um pé pra
dizer que tinha sapato e no outro pé amarrava uma...
fi... um pano branco, né? Pra dizer: “Ele está
machucado! Não tem sapato!” Então ia mancando com um
pé calçado e o outro não. No final do meu sapato
eu... usava é sandália. Era sandália que amarrava em
cima com um botão do lado... Era envernizada que o
calor aquilo esquentava que era o “demônio”,
sandália envernizada, né? E o pé ia crescendo e ia
24. História de Salto
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entortando dentro do (.....?.....) pra botar o pé
dentro daquele sapato. Minha mãe botava farinha de
trigo e era em dois em empurrar o pé dentro da
sandália até que entrava e ficava torto dentro,
assim, né? Era um sacrifício terrível! E... mamãe ia
assistir as retretas, os saraus aqui na praça
pública da... da... banda que todo o povo ia
assistir. O povo era familiarizado com essas peças
de música e... clássica-erudita. Naquele tempo, a
banda era excepcional, não é? E ficavam todos em pé
em volta do coreto, ali na praça onde é o clube
operário hoje. E mamãe ficava de pé e pra mim era
um... sacrifício terrível, compreende? Com aquela
sandália com o pé torto dentro dela, né? Quando
chegava em casa... quando desabotoava voa assim pra
fora, só farinha de trigo que voava, compreende?
Era um sacrifício tremendo! E mamãe sempre me
torcendo a orelha e tal e dizia: “Ali que eu quero
ver você: estudando música, não é? Estudando
italiano lá na escola, tocando música aí na banda.
Aí eu quero ver você na banda, compreende?” A mamãe
era terrível, forçando (.....?.....) então, a gente
ia pras retretas, essas peças etc. Que se
costumava... mamãe costumava muito fazer era ir
sempre comigo (.....?.....) levasse uma criança
junto. Eram as visitas porque não tinha televisão e
não tinha rádio, então, as visitas que se
confraternizavam. Então, quando chegava no sábado ou
domingo diziam: “Onde é que nós vamos sábado? Vamos
na casa do (.....?.....) Carra? Vamos na casa da...
Margarida Parreira? Vamos na casa do Steffen? Vamos
na casa de “A” ou “B”... Programava-se as visitas ou
então, ia... passava antes e dizia: “Vocês não vão
sair sábado? Então eu vou lá!” Então, preparava-se
bolo de fubá... e uma série de coisas etc. Mais
tarde eu me lembro que... uma visita que eu gostava
que a mamãe fizesse... era na casa do... acho que
era Palombo, que tem o filho dele que mora em Itu,
agora, né? Acho que ra Palombo. Dona Tereza Palombo,
morava nessa rua aqui onde “tá” o Clube Ideal, né?
Que foi a primeira pessoa a ter um gramofone. Então
25. História de Salto
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dizia: “Lá tem um gramofone, com aquela corneta,
assim, né?” A gente ia lá e eu ficava alucinado
vendo aquele disco e botava aquela agulha, saía
aquele som, assim naquela corneta, né? Então, essa é
uma visita que eu gostava muito, assim de fazer na
ca... é Palombo, mesmo, né? E... eles eram compadres
de mamãe e tal. E ia nessas visitas e mamãe era
contadora de casos, famosa, né? Eu acho que herdei
dela esse negócio de falar muito também, né? Mas eu
dormia no colo dela. Sempre ficava... porque as
conversas, os casos de mamãe é lógico, que ela
contava em diversas casas mas repetia e eu já
conhecia de cor e salteado aqueles casos que a mamãe
contava, né? Eram casos... Ah! Já enchia aquilo! Eu
já sabia início, meio e fim dos casos. Sei todos
eles até hoje! Que eu contando hoje eu tenho... eu
fico pensando: “Como é que eles riam tanto?” Eles
morriam de rir e os casos não tem graça, né? Me
lembro de que... o marido foi viajar. Era uma
família de negros. Ela recebia o amante... Se
escondeu num balaio. O marido voltou porque perdeu o
tem e quando ele “tava” lá na visita ele nu
escondido no balaio e ela cantava perto do marido.
Ela dizia não sei o que esconde seu pezinho que “tá”
aparecendo, esconde seu pezinho... E daí ele foi
esconder o pezinho. “Tava” num balaio dependurado
com espiga de milho. Ele foi puxar o pé e o balaio
caiu na frente do marido e ele nu. Ele não sabia o
que fazer... ele era o amante, né? Então, ele falou
assim pro... estendeu a mão pro marido e falou:
“Esmola pro São Benedito, né?” Mamãe contava esse
caso e morriam de rir, devido a situação talvez, a
do homem (.....?.....) não falou nada: “Desculpe de
eu estar aqui na sua casa!” Ele virou anjo! Virou
santo! Pedir esmola pra São Benedito! Eram casos
como esse que a mamãe contava sempre, compreende? E
eu dormia. Eu dormia no colo da mamãe. Então, essas
visitas eram comuns, né? Outra visita... aí era
visita, a minha visita quando eu era menino. Em
frente a minha casa tinha um “sobradão” que existe
até hoje: o “sobradão” de pedra da família Steffen.
26. História de Salto
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Era uma família de recursos, de posses, família que
podia se considerar família rica, porque eles eram
fazendeiros em Indaiatuba que vieram pra cá. Então
eu ia lá pedir pra... lavar a casa... assoalho,
lavar assoalho, fazer compras. Lavar louças é...
qualquer serviço... porque a tarde lá eles serviam,
porque era um costume alemão, café com leite, com
mel... Tinha sempre mel, não é? Era mel, café com
leite, bolo, pão e tal. Tinha fartura! Coisa que não
tinha na minha casa! A velha matriarca dos Steffen,
já bastante velha... naquele quarto... sala da
frente... “sobradão”... eu ia todo dia, né? Ela
muito humana, mandava entrar e ficava mostrando,
conversando, mostrando coisas da Alemanha, essas
coisas, né? E ela... “vó” em alemão é (.....?.....)
mas chamávamos ela de “môta” e eu achava que era o
nome dela. Eu chamava ela de “Dona Môta”, que era
“Dona Vó”, né? E era... Me lembro que tinha um móvel
na frente dela, então, dizia: “Não! Hoje não vai
varrer nada! Não vai limpar nada, não!” Parou? (FIM
DO LADO 2 – FITA 20 – 1ª PARTE).
2ª PARTE – LADO 1
Pode? (Interlocutora: Pode.) Então, eu ficava e
ela sempre dizia: “Po... pode entrar. Daqui a pouco
eu arranjo serviço pra você.” Porque eu ficava lá
pra tomar aquele café com... da tarde, ali dos
Steffen, né? E eu me lembro que uma vez, ela
mostrando aquelas fotografias da Alemanha, ela
disse... (Eu olhando...) Tinha um móvel na frente,
uma cômoda com uma pedra de mármore cinza que era
muito bonita! Aqueles puxadores assim... E eu falei:
“Que móvel tão bonito!” E ela disse: “Você não tem
em casa?” Eu disse: “Eu nunca vi móvel tão bonito
assim! Parecia móvel de rei!” Eu falava, né? E ela
dizia assim: É. Veio da Alemanha. Veio da minha “vó”
e ela já era velha, né? Foi... eu trouxe de lá,
quando imigramos para Indaiatuba.” Ela disse: “Mas
um dia você vai ter uma igual a essa.” Eu disse:
“Porque “môta”, que eu vou ter? Eu sou pobre, sou
27. História de Salto
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filho de operários. Ela dizia: “Você vai ter porque
você é um menino bom. Você é um menino trabalhador.”
Ela dizia: “ Que eu nunca foi de pedir comida. Eu
sempre ia pedir trabalho, né?” E ela dizia: “Você é
um menino trabalhador e você ainda vai ter uma... um
móvel desse, um dia.” Aí eu... a tarde ia tomar meu
café com manteiga (.....?.....) aí passados muitos
anos... Isso que eu “tô” falando, eu devia ter
uns... 8 anos de idade, né? Agora, depois... muitos
anos depois, eu ganhei algum dinheiro com cinema e
etc. e tinha uma idéia: eu queria comprar aquele
sobrado da minha infância. Aí fechava o ciclo, quer
dizer, aquilo era meu sonho: comprar o “sobradão”
dos Steffen. Eu queria montar minha casa aí.
Terminar minha vida nesse “sobradão”. É montar ali a
“Casa Anselmo Duarte” e doar pra cidade. Essa era
minha idéia, compreende? Nesse “sobradão”, comecei a
negociar o sobrado com o herdeiro que era meu amigo
de infância, e nessa época era o herdeiro e chamava-
se Vâiner Steffen. Vâiner Steffen que foi também
aluno da Maria Augusta, né? Nessa ocasião, já
proprietário e herdeiro. “Môta” morreu há muitos
anos e muitos anos. Aí eu estava negociando o
“sobradão” lá do... pra fazer... a minha casa, né? A
última morada minha... Eu falei: “Lembra-se da
“môta” que ela tinha aquele móvel, não sei o que
tal... aqui na sala?” Ele falou: “Bem, parece que
“tá” lá no porão.” Ele falou, né? Eu disse: “Então,
vamos ver o porão, onde a gente brincava... de
esconde-esconde. Lá no porão era... o porão do
sobrado é tudo cheio de pedras ali, né? Então, fomos
lá e tinha tudo quebrado. Mas só tinha porcaria lá
dentro: peças de automóveis, caminhão... e eu vi a
cômoda lá, quebrada, quer dizer, os “gavetões” fora
do lugar. Já não tinha os puxadores, não tinha a
pedra de mármore... Fiquei procurando... procurando
tudo. Eu (.....?.....) você me dá esse móvel,
Vâiner? Ele falou: “Anselmo, eu vou tudo que é de
madeira aqui, pra uma pizzaria aí botar fogo, pra
depois em troca de um pizza. Pode levar. É limpeza
de terreno.” Aí. Encostei um caminhão e tirei o
28. História de Salto
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móvel de lá, não é? Ele me doou, e ele me deu o
móvel e eu levei pra Itu e botei lá num restaurador.
Uma coisa curiosa: todos esses pedaços de madeira
que eu levei, estavam todos intactos e originais. O
mármore que estava em cima, que a gente não
encontrava, porque tinha tanto pó em cima que
parecia... madeira e tinha lata de óleo de caminhão
em cima, né? Aí eu passei o dedo assim, naquilo que
parecia madeira, e vi que era o mármore. É um
mármore cinza de Carrara. Levei aqui na... na...
nessa marmoraria da Estação. Mandei restaurar o
móvel... A pedra e esse móvel que a “môta” disse em
1928: “Um dia vai ser seu!” Ele é meu hoje. É o
móvel mais bonito que eu tenho em casa. Eu calculo
que tenha... Ninguém sabe de que madeira é feito.
Ele é autêntico. É tudo maciço. A madeira tine como
um sino, compreende? Nunca teve um bicho,
compreende? Porque é de madeira muito dura, não é? E
ninguém sabe: é uma madeira que está esbranquiçada
já de tão velha, tem mais de 100 anos, compreende?
Então, essa era minha visita que eu costumava fazer
era... ou pegar... ou pra pegar fila ao café
(.....?.....) aí quando entrei na Companhia Têxtil
Brasileira, também menino, tinha 12anos, eu todo dia
saía do escritório e eu ia n casa do Orlando
Vitalle, que ele morava na fábrica... Era Dona Maria
Vitalle. Eu chegava lá sempre no café da tarde, né?
Eu dizia: “Dona Maria a senhora não tem algum
serviço? Quer que eu vá fazer alguma coisa? Comprar,
levar carta no Correio...” Todo dia ela dizia: “Hoje
não! Pode entrar. Aqui ta o sanduíche, o café com
leite e tal. Essas eram minhas visitas obrigatórias:
ou para “môta” Steffen ou pra Dona Maria Ferrari,
né? (Interlocutores: Vitalle!) Ah! Vitalle! Perdão.
Dona Maria Vitalle, exatamente. Minha família daqui
mudou-se pra São Paulo, né? Eu fiquei só em São
Paulo com uma irmã e mamãe foi pro Paraná... Foi pro
Paraná pra tratar do espólio do meu pai que havia
falecido lá no Paraná em 34... 35, não é? E... eu
fiquei só trabalhando em São Paulo, estudando em São
Paulo e trabalhei... parece que eu já contei todos
29. História de Salto
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os meus empregos até que eu fui pro Rio, trabalhei
no Cassino da Urca, fui chamado pra trabalhar em
cinema e... fiz então, o primeiro filme como ator
principal que é “Querida Susana”... e eram todos
estreantes. O diretor italiano também era um
estreante aqui no Brasil e eu que fiz o primeiro
filme só por pura curiosidade, porque não pretendia
abandonar minha profissão, porque eu achava que não
pagavam o suficiente na época eu acabei sendo
convidado pra um segundo filme, mesmo antes de sair
o primeiro, só por reportagens que saiam fotografias
minhas... Começavam a sair fotografias minhas nos
jornais e revistas, né? Daí eu fiz o segundo filme
que foi com Gilda Abreu. Era uma diretora brasileira
que na época era famosa, porque ela tinha dirigido
dois filmes de grande público. Era o “Ébrio” e o
“Coração Materno”. Então, ela “tava” com muito nome.
Eu fiz o filme “Pinguinho de Gente” com Gilda Abreu,
né? Depois, já no terceiro filme e eu descoberto
pelos argentinos... Eu fui trabalhar no cinema
argentino, quer dizer, meu terceiro filme foi na
Argentina e chamava-se “Não me diga adeus”. E fiquei
um ano na Argentina, depois voltei pro Brasil e fui
trabalhar na “Atlântida Cinematográfica”, que faziam
aqueles musicais etc. Eu não fui trabalhar na
“Atlântida” por causa dos musicais, porque eu não
tinha nada a ver com musicais e nem com filmes
revistas, né? Nem com comédia, que eu era ator
tímido, romântico, né? Eu fui chamado na “Atlântida”
por um diretor norte-americano. Chamava-se Edward
Bernudi. Eu fiz o filme “Terra Violenta” na... na...
“Atlântida”, né? Mais tarde, esse diretor de “Terra
Violenta”... quarto, quinto filme que eu fiz na
“Atlântida”, esse Edward Bernudi, eu fui contratado,
chamado, depois de Cannes, depois dos prêmios em 62,
63... eu fui chamado pra... pra assumir a “Universal
Pictures” em Hollywood, o meu sonho de criança que
era um dia, se de cinema e depois trabalhar como
ator que era o sonho de todo artista do mundo, ser
um ator de Hollywood. De repente, de um momento para
o outro, eu fui chamado para ser o dono da
30. História de Salto
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“Universal” nos Estados Unidos, porque eu tinha
cinco prêmios internacionais. Então, os Estados
Unidos, sempre estão caçando os melhores diretores
do mundo pra levar pros Estados Unidos. Como eu
havia vencido os filmes norte-americanos nesses
festivais, acharam que eu era melhor que os norte-
americanos, e nessa visita que eu fiz a “Universal”
como presidente da “Universal Pictures” e o vice-
presidente numa “limosine”, quando estava entrando
nos estúdios da “Universal”, o porteiro da
“Universal”, fardado, velhinho, era esse diretor
Edward Bernudi que me dirigiu há muitos anos antes
no... Rio de Janeiro. Então. Eu mandei o carro parar
na portaria. Minha vida sempre feita de imprevistos
assim. Eu que estava sendo levado, como diz, assim
ele me (.....?.....) como se fosse um gênio, né? De
repente eu paro de carro na porta (.....?.....) pare
o carro, né? Que meu professor era porteiro! Eu
saltei do carro. Cheguei e falei: “Bernudi.”Ele
morou no Brasil uns três anos e falava português,
né? Velhinho (.....?.....) Bernudi, você “tá” aí?”
Fiquei tão revoltado que ele tinha um “quepe”
escrito “Universal Pictures” e ele foi assistente
nesse estúdio de grandes diretores. Ele foi
assistente de John Ford, ele foi assistente do
(.....?.....) Tollen. Eu tirei o “quepe” da cabeça
dele e joguei. Eu disse: “É um absurdo você aqui no
estúdio da ‘Universal’!” E o presidente da
“Universal” ficou na “limosine” e falou pro meu
secretário, lá o Serrano. Era tradutor, né? Ele
disse: “Ele é um gênio temperamental! Nunca ninguém
fez isso aqui na “Universal”: saltar do carro, tirar
o “quepe” do porteiro e jogar fora!” Não “tavam”
entendendo nada que eu “tava” fazendo! Aí eu falei:
“ Eu sabia que você vinha visitar, que “tava” aqui
no prontuário aqui da portaria, né? “Tava”
orgulhoso, porque ele foi meu diretor, né? Eu disse:
“Manda um outro tomar conta da portaria!” Já comecei
a dar ordem, lá nos estúdios, né? E você vem no
carro. Você é meu assistente, porque eu vou tomar
conta disso aqui. Você é meu assistente aqui, hoje!
31. História de Salto
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Ele disse: “Mas de jeito nenhum! Eles me mandam
embora! Não faça isso comigo!” Aí eu fui falar com o
presidente da “Universal”. Eu digo: “Olha, esse
porteiro aí... Estão me contratando aqui pra tomar
conta e estão pensando que eu sou um gênio. O
porteiro que vocês tem aqui foi meu professor de
cinema. Eu aprendi muito com ele no Rio de Janeiro.
Ele foi meu diretor no quarto filme. Era “Terra
Violenta” que era do livro de Jorge Amado “Terra do
Sem Fim”, né?” Aí, então, o diretor botou a mão na
minha cabeça e falou: “Meu Deus! Meu (.....?.....)
não “tô” entendendo! Então o senhor foi indicado,
recomendado pelo Conselho da Sociedade da “Universal
Pictures”, porque era o diretor mais vitorioso do
ano no mundo esse sente doido!” Eu fui o diretor que
mais prêmios (.....?.....). “E você diz que o
porteiro é...” Ficaram em dúvida, né? Ficaram
completamente tontos, né? Assim mesmo eu visitei os
estúdios e tal. Vi que só “tavam” fazendo filmes pra
televisão, porque os grandes filmes, eles faziam na
Itália, porque “tava” na moda, né? Eu disse: “Não!
Não “tô” interessado! Como é que seria meu programa
aqui?” Ele falou: “O senhor vai fazer cinco filmes
por ano.” Eu digo: “Eu? Eu só posso fazer um por
ano! Um filme de arte se faz num, porque tem que
ler, fazer pesquisa, adaptação, consulta de música,
de traje de época... Leva um ano pra fazer um filme!
Com é que eu vou fazer cinco?” E disse: “É pra
televisão!” Eu disse: “Não conte comigo! Não quero!”
Ele disse: “Você não precisa fazer. O senhor assina.
Nós queremos o seu nome. Nós fazemos os filmes, os
cinco filmes. O senhor assina. O senhor vai ser
diretor geral do Departamento de Produção da
“Universal”. (.....?.....) não “tô” interessado!”
“Mas nós pagamos bem!” Eu disse: “Eu sempre fui
pobre.” Disse pro presidente da “Universal”. “Passei
a vida toda, a infância pobre num... e foi uma
infância muito alegre, muito feliz, né? Eu... não
custa nada ficar pobre outra vez. Que pra mim não
muda nada, compreende? Acontece que se o senhor dá
muito valor ao dinheiro, eu quero que o senhor saiba
32. História de Salto
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que eu vendi o meu filme muito mal, agora nos
festivais, onde eu andei. Mas muito mal, porque o
Brasil não tem prestígio de cinema! Vendemos muito
mal! Assim mesmo eu vendi... seis milhões de dólares
do meu filme. Eu ganhei três milhões de dólares e eu
não sei o que fazer com esse dinheiro. Eu já fiz
cálculos e dá pra eu viver até os cento e cinqüenta
anos de idade! Então, não há motivo pra me
prostituir fazendo filme pra televisão aqui! Até
logo e não conte comigo!” Então, eu já dei outro
salto! Aí eu “tava” falando do Rio, né? No Rio,
então, eu fiz muitos filmes. Cinqüenta filmes no
Rio. Daí eu fiz em São Paulo é quando fechou a
“Atlântida” é... quando abriu a “Vera Cruz” “tava”
na moda “Vera Cruz”... Eu vim fazer filme na “Vera
Cruz” e fiz na Vera Cruz uns quatro, cinco filmes...
Foi na “Vera Cruz” que era o estúdio da moda: a
“Hollywood Brasileira”. Eu fiz: “Tico-Tico no Fubá”,
“Sinhá Moça”, “Apacionata”, “Veneno” e depois dirigi
um filme lá dentro que foi o primeiro filme... é
“Absolutamente Certo”, né? Depois fechou a “Vera
Cruz”. Eu voltei pro Rio. Voltei a fazer filmes
musicais e fiz na época “Arara Vermelha” também
nesse tempo como ator. Aí eu já ia intercalando:
fazia filmes como ator e como diretor e, às vezes.
Como diretor e ator, né? Mas depois do primeiro
filme que eu dirigi que foi recebido muito bem pela
críti... pela crítica e muito bem na bilheteria, que
foi esse “Absolutamente Certo” é... Aqui no Brasil
tinha uns diretores de elite, vamos assim dizer, que
eram diretores que saiam das universidades ou
diretores que tinham feito cursos pra fora. Duas
escolas famosas tinham no mundo: uma era a
(.....?.....) de Roma e outra o “IBEC” de Paris.
Instituto dos (.....?.....) Cinematográfico. Então,
sempre falavam pra mim: “qual é o seu curso? Qual é
a sua escolaridade? Não sei o que...” Eu gozava todo
mundo e dizia: “Minha escolaridade é... é cursei a
‘Faculdade’ Tancredo do Amaral, né? E o ginásio... o
ginásio onde é... a escola superior de cinema na
Fioren... Fiorendec.” Existia o “IBEC” e todo mundo
33. História de Salto
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dizia: “Eu tenho o “IBEC”! Eu tenho...” Mas eram
péssimos diretores, né? Só tinham o “IBEC”! Eu
disse: “Eu tenho ‘Fiorendec’!” E eles diziam: “O que
é ‘Fiorendec’?” “Fiorendec” é Fiorentina, que é
Restaurante Fiorentina no Leme, no Rio. Reuniam
gente de cinema e tal, né? E esse título eu levei
para Europa e quando eu venci o “Festival de Cannes”
tinha... Lá tem (.....?.....) ano de Cannes. Tem
1500 repórteres, jornalistas e fotógrafos, né?
Então, é um mundo em voltas de você, assim, não é? E
todo mundo (.....?.....) de perguntas é japonês, é
russo, é tcheco etc. É um turbilhão! E todos queriam
saber onde é que eu studei... cinema, né? Eu pra não
explicar tudo (.....?.....) dizia: “Fiorendec!”
Cinema estudei... Eu era autodidata, né? Eu estudei
na “Fiorendec”. Diziam: “Onde é que fica?” E todo
mundo anotando, anotando, né? Isso saía no Japão,
saiu na Rússia... em todo o mundo, né? A minha
biografia em todas as partes do mundo consta que eu
cursei a “Fiorendec”. Aí a “Fiorendec” era a
Fiorentina, onde a gente falava, discutia cinema,
né? Fiorentina. Restaurante do Leme, né? Isso de
noite, de madrugada. Depois das dez começavam a
chegar artistas e cineastas. Artista de teatro de
revista e tal, né? Então, é... como eu “tô” dando
muitos saltos assim, eu depois do “Absolutamente
Certo”, eu fiquei com aquele complexo, assim, de
culpa com... com complexo de inferioridade
intelectu... intelectual cinematográfica, vamos
assim dizer. Eu não era um erudito em História de
Cinema. Qualquer crítico sabia datas. Eu não sabia
datas. Eu sabia fazer cinema. Então, eu disse: “Bom!
Eu ganhei muito dinheiro com o ‘Absolutamente
Certo’. Eu disse: “Vou estudar na... no ‘IBEC’ de
Paris, né?” E foi antes do... e fui estudar e pelo
menos aprendi o idioma (.....?.....) e quando
cheguei lá, foi a grande decepção! Você vê como
existem os mitos na vida: aqui quem tinha, tivesse
estudado no “IBEC” era respeitado: “Ah! Mas ele
estudou no ‘IBEC’!” O “IBEC”, pra mim, era a escola
primária de cinema! Eu fui ficando lá porque eu
34. História de Salto
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“tava” aprendendo idioma... ao mesmo tempo, mas eu
que havia dirigido um filme no Brasil, bateu
recordes de bilheteria e a crítica botou cinco
estrelas... No primeiro filme eu não tinha mais nada
que aprender no “IBEC”, porque lá,. as primeiras
aulas eram de como se compõem uma equipe de doze
pessoas. É eletricista, carpinteiro, não sei o
que... Eu “tava”... Já tinha dirigido, então eu
ficava estudando francês, aprendendo francês. Mas o
“IBEC” é primário! Era primário! É um verniz que a
pessoa trás, porque cinema se aprende no estúdio! Eu
aprendi cinema no estúdio trabalhando, não é? E
com... os professores são os diretores que “tão”
ensinando e eu “tô” perguntando, sempre perguntando,
né? Eu já era montador. Eu trabalhava (.....?.....)
(.....?......) eu já era fotógrafo, sabe... Sabia
operar uma câmera, sabia o que era uma equipe... eu
fazia... enquanto Hollywood, a França “tavam”
fazendo filme com uma equipe de trinta, eu fazia com
uma equipe de dez, inclusive era um diretor
econômico, não é? Então, tudo isso me foi afastando
do “IBEC”. Mas enquanto eu estive em Paris, eu
cursei o “IBEC” mais pra aprender o idioma mesmo,
né? Não aprendi absolutamente nada lá e mais tarde
quando eu fui conhecer a (.....?.....) eu fui
conhecer um amigo que eu conheci no “Festival de
Cannes”, que eu considero, ele assim, uma figura
humana das mais... brilhantes e, assim, notáveis que
é o Fellini. Quando eu venci em Cannes, na noite da
entrega do prêmio, não tinha nenhum diretor dos
perdedores e tinha um grande diretor! Eram 34 filmes
ali, competindo comigo. Os principais: Fellini, De
Cicca, Visconti, Mário Monicelli, Jacopeppi, Pietro
Gelli... Era o ano da “seleção italiana”. Os mais
importantes da Itália, dos comunistas, era o gênio
dos comunistas, que morreu já, quer dizer, era
refugiado no México, Luis Bunhoel. Que até hoje nos
estúdios de comunicação... Luis Bunhoel e tal, não
é? Também competi com ele é Ralf Richardson, da
Inglaterra. Dos Estados Unidos tinha Otto Praminger,
Sydnei Lumetti, Otto Frankenheimer é... do Japão
35. História de Salto
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tinha os... gênios, os gênios competindo também é...
Kurosaga com (.....?.....) era um ano difícil, 62,
considerado até hoje, o ano que se encontraram todos
os gênios, e eu era um menino lá dentro, sem nome
nenhum, compreende? Tinha o máximo... da América do
Sul. Era um diretor argentino, compreende? Que não
me lembro o nome dele, que já era... tinha ganho
prêmios internacionais também. Competiu lá com outro
filme. Tinha diretores premiados com a “Palma de
Ouro”. Todos eles quase eram premiados. Já com
“Palma de Ouro”, compreende? Então, quando chegou no
último dia... Havia Antonioni com o filme “Eclipse”,
também, da Itália. Tinha uma seleção, mesmo! No
final, não tinha um diretor lá pra aplaudir. Pra
cumprimentar... Na última noite já se sabe o
resultado antes, as quatro da tarde. O único diretor
famoso que ficou lá aplaudindo e rindo pra mim, que
quando eu “tava” no palco com a “Palma de Ouro” eu
vi aquele diretor rindo, que eu era fã dele: era o
Fellini, que já tinha ganho a “Palma de Ouro” com o
filme “La Doce Vitta”, né? E quando eu desci, ele
rompeu assim, aquela gente “brasileirada” me
abraçando e chorando... e veio me abraçar e disse: “
Congratulacione Duarte!” E rindo e me abraçou e
falou: “É fácil ganhar aqui a “Palma de Ouro”, não
é? Ele falou pra mim, nunca mais esqueci as
palavras, eu falei: “Muito fácil!” Ele disse: “Você
sabia que ia ganhar?” Eu disse: “Sabia!” Ele morreu
de rir e disse: “Ah! Não foi surpresa? Não! E você
não teve medo?” Achou curioso aquele negócio, porque
ele pensou que eu ia dizer: “Momento de grande
emoção!”, né? Eu digo: “Sabia!” Ele disse: “Porque
sabia?” Eu disse: “Por que fiz um curso de
festival.”, eu disse. Eu assisti três “Festivais de
Cannes”, antes e disse: “Eu dei pra eles um filme
que eles queriam ver! Um filme que dizia alguma
coisa que nunca ninguém disse! Diferente!” Eles
queriam um filme diferente, não é? (Interlocutora:
“Original.”) Eu disse: “Não copiei de ninguém! Meu
filme não é parecido com nada! Não parece... Não
copiei diretor nenhum... Eu acho que é um filme
36. História de Salto
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original. Não é melhor do que de ninguém, também.
Mas ele é original.” E isso que eu fiz, compreende?
Ele disse: “E você acha que é o melhor?” Eu disse:
“Eu já acho ruim!”. Eu falei: “Depois que eu vi o
filme eu achei ele ruim.” Ele disse: Pode fazer
melhor?” “Posso! Acho que posso fazer melhor e fiz!”
Só que no segundo, caíram de pau em cima de mim,
aqui no Brasil, né? É ruim! É ruim! Fica provado que
ele não é de nada! Que aquele prêmio foi por
acaso!... Essas coisas da humanidade, né? O que vai
fazer? Se eu não tivesse ganho o prêmio e tivesse
morrido de Aids ou de câncer, eu seria um gênio, né?
Porque disputei o campeonato e perdi, fui
injustiçado (.....?.....) então, (.....?.....) o
Fellini... Quando eu fui a (.....?.....) mais tarde,
visitar que era outro símbolo do cinema
(.....?.....) ele “tava” dirigindo “Roma, Roma” e
cheguei lá, isso pra encurtar a conversa que toda
chegada é um caso muito fantástico também. Pra
chegar até ele, lá dentro. Mas quando eu cheguei,
era uma produção norte-americana. Ele interrompeu a
filmagem que era do outro gesto assim, de
humanidade, de... bondade de tudo de bom que é esse
homem, né? Simpatia, né? Ele interrompeu a filmagem
que tinha umas duzentas, trezentas pessoas no teatro
que ele “tava” filmando, e veio, chegou lá, me deu
um beijo e um fotografo do estúdio falou: “Maestro!”
Lá ele é “Maestro”, o maior diretor da Itália! Falou
(.....?.....), né? Aí ele falou... ele disse: “Eu
não sou artista. Não vou repetir a cena!” Ele falou:
“Eu não dei o beijo para tirar fotografia! O que
você faz aqui no estúdio?” Falou pro fotógrafo. Ele
falou: “Eu sou fotógrafo de (.....?.....) fotógrafo
de cenas e reportagens, algumas para jornais.” Ele
falou: “Péssimo repórter!” Ele falou: “Porque?” Ele
falou: “Porque um prédio não cai duas vezes! Você
tem que “tá” atento sempre pra fotografar, na hora
que ele for cair! Como que vai retorno (.....?.....)
mas como?” Ele disse: “(.....?.....) isso é um
cumprimento.” Ele disse: “Não! É uma cena que eu
estou fazendo!” Aí (.....?.....) todo mundo riu do
37. História de Salto
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fotógrafo. E então, o fotógrafo respondeu mal,
começou a falar (.....?.....) não sei quem é esse
homem que chegou aí. E eu vou tirar fotografias de
um infeliz, de um coitado desse!” E o Fellini subiu
numa mesa e falou: “Antes que um outro imbecil no
estúdio proceda como este repórter aqui, esse meu
funcionário, era né?” Eu vou dizer quem é o homem
que está aqui: o senhor Duarte é um brasileiro. Não
pensem vocês que ele veio vender banana aqui e nem
veio vender café, e nem veio tomar café aqui. Ele é
um cineasta que em 62 (.....?.....) “La Palma D’Oro”
com o filme “La Parolla Data”. O filme na Itália se
chama “La Parolla Data”, “A Palavra Dada”, né?
“Festival de Cannes”, e Pietro Gelli, Antonioni... e
fulano... e fulano... e o gesto que ele fez, ele
disse: “Questo brasiliano a tutti quanti italiani
aqui.” Palmas, aplausos para o senhor Duarte! É
grande diretor de cinema!” (Sr. Ettore: Você pensa
que esse foi um dos maiores reconhecimentos...) O
maior reconhecimento. (Sr. Ettore: ... representava
naquele momento?) Ele parou a filmagem que eu
considero até hoje, ele é um grande diretor e vê que
os grandes são simples, os grandes tem sempre a mão
estendida pra quem acha que é inferior, compreende?
Porque quem ataca é sempre inferior, né? Então, eu
encontrei quem que eu considero, considerava o maior
na época, q que é hoje ainda é o diretor do
espetáculo cinematográfico é Fellini, né? Tem
outros... outras especializações etc. (.....?.....)
filme não sei do que? O filme da incomunicabilidade
de Antonioni é... (.....?.....) filme social.
Comunista que é do Bunhoel tem o homem dos grandes
espetáculos práticos que é o Kurosaga... Mas o homem
do grande espetáculo cinematográfico continua sendo
Fellini, compreende? E essa foi a maior homenagem!
Ele parou a filmagem e disse ainda no meu ouvido:
“Eu vou perguntar pra você...” Eu já era amigo dele
de cinqüenta anos. Essa é a inteligência do homem, a
superioridade do homem. “Eu vou perguntar pra você
alto: o que você quer tomar? Você não diga café que
você é brasileiro, porque café (.....?.....) Você
38. História de Salto
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fala “scotch”, uísque.” Eu disse: “Porque?” Ele
disse: “Porque (.....?.....) filme é “la produzione”
norte-americana, né? E eu´posso tomar uísque, quando
chega visita. (RISOS). É uma grande figura, né? Já
que lê disse... dizem que diretor é (.....?.....)
artista (..........?..........) o ator, né? E eu
disse: “Sim! “Scotch”, né? Ele disse: (.....?.....)
‘scotch’!”, e não filmou mais. Ele disse: “É uma
“produzione” norte-americana (.....?.....). E saí
daí com ele e fomos jantar, compreende? Então,
aquela figura maravilhosa, compreende? “Não é que eu
não tenho tempo, eu “tô” filmando... olhe, eu vou
dizer uma coisa: eu nunca parei uma filmagem por
ninguém que chegou. Não me lembro de ter parado uma
filmagem! “Anselmo “taí”, não sei o que?” Eu “tô”...
“tô” com pressa! Agora tenho que fazer aquela cena!”
Ele não teve dúvida (.....?.....) rão brasileiro,
ele olhou (.....?.....) assim de longe... “tava” em
cima da câmera ele falou: (.....?.....) tutti
(.....?.....) e acabou a filmagem pra ele. Era
quatro horas da tarde, né? E foi uísque, pato,
conversa e fui jantar com ele... E eu mais do eu ele
falou: Lembra-se que eu falei... ele falou... é
fácil ganhar a “Palma de Ouro”! O difícil é mantê-
la! É difícil fazer outro filme bom! Não que seja
impossível. Ninguém nunca mais vai achar o outro
bom, né? Eu (.....?.....) exatamente as palavras
dele: “Foi difícil...” Ele me falou dos colegas meus
de cinema... ele disse: “Você vai ver o vai perder
de colegas, vai perder de amigos! Porque vão falar
mal: “Ganhou isso! Ganhou isso!...” O que inventaram
de histórias da “Palma de Ouro”, inclusive isso foi
para os cursos de comunicação, que é uma injustiça
(.....?.....) ao Brasil, as histórias erradas que
contaram, inclusive o nosso ídolo Paulo Emílio Sales
Gomes, ele sempre contou a história errada, e ele
que defendia o cinema brasileiro, que pra ele só
existe um diretor: é o Glauber Rocha. Mas ele sabe
perfeitamente da história de como foi, e depois é...
Qual é a aula que esses professores deram no curso
de comunicação? É... não de um prêmio e tal... o
39. História de Salto
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filme é bonzinho, tal... mas neste ano... essa é a
aula desse curso de comunicação é... a França, a
Itália estavam muito forte, pra não ofender dois
deram pra um país que não suscitava briga e tal.
Muito bem! Deram para o Brasil, o prêmio. Foi uma
esmola que deram para o Brasil. Ensinam essas
coisas. Acontece que eles ensinam sabem o quê? É
que, depois de Cannes, foi o primeiro, eu me
encontrei cinco vezes com os maiores de Cannes.
Quais eram os melhores filmes de Cannes? “Electra”
de Cacoianis... (Interlocutora: Vai acabar!
(.....?.....) Vai acabar! Ai, que pena!) Era
“Electra” de Cacoianis, “Divórcio Italiano” de
Pietro Germi, o “Anjo Exterminador” de Luís Bonhuel,
o “Gosto de Mel” (.....?.....) of Honey” da
Inglaterra é... falei do Antonioni era “Eclipse”, é
“Boccacio 70” que era de quatro diretores, que era
do Fellini, De Cicca, Visconti e La Monicelli e mais
tarde eu me encontrei com eles... (FIM DO LADO – 1
DA FITA - 20 - 2ª PARTE).
2ª PARTE – LADO 2
... esse negócio na Faculdade que eu ganhei por
favor etc. e tal... que tiveram pena do Brasil... é
contra o Brasil essa história. Eu encontrei com eles
no Festival, por exemplo, o segundo Festival eu par
Acapulco... “Festival de Acapulco”, né? Que
(.....?.....) de Palenc, né? (.....?.....) Palenc e
quando eu cheguei lá, tinha começado o “Festival”.
Então, eu perguntei ao rapaz que estava me levando:
“Qual é o melhor filme que já exibiu? O mais
aplaudido?” Ele falou: “É ‘Electra’ da Grécia, de
Cacoianis.” Que tinha competido comigo em Cannes. “E
os outros?” Ele falou: “Aplaudido tem ‘Divórcio
Italiano’, tem (.....?.....) of Honey da Inglaterra,
“O Gosto de Mel”, tem o do (.....?.....) aqueles
mesmos de Cannes.” Esses foram muito apreciados. O
mais aplaudido foi o “Electra” que tirou em Cannes o
segundo lugar que era prêmio especial do júri em
Cannes, né? Porque em San Francisco só entra filmes
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premiados e todos aqueles que pegaram pequenos
prêmios em Cannes foram pra San Francisco: o melhor
ator, a melhor história, o melhor... Pra ir até San
Francisco tinha que ser o melhor de alguma coisa no
Festival. E eu “tava” lá porque era... era o melhor
de... de Cannes, né? Quando eu cheguei, lá...
encontrei lá com... o Cacoianis que sempre dizia
assim: “Pronto! Chegou o brasileiro!” Em todo
festival que eu chegava ele ficava louco. Então,
dizia: “Porque?” Ele disse: “ Ele tem um filme aí,
que tem um cara carregando uma cruz aí...(RISOS)...
que onde ele chega, ele ganha. É desgraçado! Eu não
sei! O público é imbecil! Fica louco! O público fica
louco com o filme dele, e dão o prêmio pra ele
(....?.....)”. Ficou desanimado. Quando terminou,
passou meu filme em Acapulco, mas foi uma... uma
(.....?.....) assim, todo mundo dizia: “Já ganhou!”
Não é? E de pé, mexicano jogava chapéu, dava aqueles
gritos de índio, né? Foi uma coisa louca! Na saída,
num cinema, na praia, num forte abandonado, assim,
quando eu “tava” chegando lá na praia, chegou assim,
aquela Irene Papa, né? Atriz do filme... É atriz do
filme “Electra”, né? E “tava” me procurando. Então,
o embaixador disse: “Anselmo, a Irene Papa, a atriz
do filme “Electra” ela está te procurando. Ela é a
mulher do Cacoianis, gre...” Mulher do diretor que
me tinha ódio. “Ela ‘tá’ te procurando. “Tá”
chorando, não agüenta... Disse que é o maior filme
que ela viu na vida dela (..........?.........)
diretor “tá” competindo, né? Aí (.....?.....) aquele
povo e tal... e tal... (.....?.....) a grande
tragédia... tragédia do teatro grego, né? E ela
chega até mim e segurava, assim, minha mão e falava
em grego. Não entendia e daí eu falei: É... eu falo
francês. Ela não fala em francês. Fala em português?
Nada! Espanhol? Nada! Daí ela falou: “Italiano?” Ah!
Italiano? Ótimo (.....?.....) ele falava mal o
italiano. Até ficou falando ali comigo, italiano.
Então ela dizia, assim, você que “tá” apertando
minha mão, ela dizia: “Duarte é a primeira vez que
eu vi um filme que é feito...” Porque pra ela o
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filme foi feito pelo povo... o filme no meio da rua,
feito pelo povo, dirigido ao povo, o espetáculo do
povo, para o povo, ela disse: “Eu ‘tô’ cansada de
dizer isso ao meu marido: cinema o espetáculo tem
que ser assim, como no (.....?.....) “Pidalgos” que
é o primeiro teatro da história, né?” “O espetáculo
de “Pidalgos” na Grécia era assim: o povo fazia o
espetáculo pro povo! Esse é o filme! Sensacional!” E
chorava, abraçava e beijava a minha mão, né? Eu
fiquei (.....?......) que eu vi o Cacoianis a
distância, o marido dela já louco da vida, né? Aí,
eu falei: “Vamos falar com o Cacoianis que é um
mestre no cinema! E ele já era diretor famoso, né?
Já era o quinto ano que ele competia em Cannes, né?
E ela falou: “No! No! No!” Eu disse: “Porque?”
“Porque o meu marido. Depois do “Festival de
Cannes”... Ela não foi a Cannes, né? “Quando ela
chegou na Grécia eu perguntei como foi o Festival e
ele falou (.....?.....) fazer justiças... deram o
prêmio pra um país lá da África, não sei donde. Só
tem negro. Um filme pobre, mal realizado, primário e
que tem um homem carregando uma cruz lá, né? Um
diretor estreante veio de lá, de um país... não sei
nem o nome dele! O filme é ruim!” Ela falou: “ Meu
marido falou que seu filme é tudo isso e ele tem que
vir, eu já te falei.... tem que cumprimentar... eu
estou brigando com ele, porque ele tem que estender
mão a você. Você já ganhou dele em Cannes, ganhou
dele aqui, gostaria (.....?.....) vai ganhar dele
aqui!” E chamava, e eu fui lá falar com ele, não é?
Ele não quis amizade comigo, né? Ele só dizia: “Não!
“Tá” bem! “Tá” bem! Ou você faz um filme popular,
não sei o que...” E saiu de perto. Aí eu encontrei
com ele em San Francisco, na Califórnia. Talvez
quando eu cheguei ele fez assim... (RISOS) “Chegou o
saltense aí, novamente com o filme!” E perdeu outra
vez, né? Então, eu me encontrei com todos eles, com
todos esses filmes que os professores de comunicação
aqui, falam que mereciam, não é? Eu encontrei com
eles em cinco festivais e eles não ganharam... (Sr.
Ettore: (.....?.....) não te derrotaram?) Não
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conseguiram. Então, quando falam o júri dos
festivais (.....?.....), compreende? Será que eu
consegui convencer cinco júris?... Mais tarde eu fui
vice-presidente do júri de Cannes e eu vi que é
humanamente impossível alguém pedir! “Tá” frito! É
uma ofensa, compreende? Ninguém, eu vi todo mundo
lá, a Europa toda (.....?.....) de festivais assim,
são “experts”... (Sr. Ettore: Não admitem pressões?)
Ah! Jamais! Eles não admitem idéias, opinião...
são... e tanto é que nas festas o júri nunca vai na
mesma festa, sempre tem as suas festas separadas
para o júri. Eu fui vice-presidente do júri de
Cannes, no ano em que foi Michelle Morgan a
presidente. Né? Acho que em 73, se eu não me engano,
né? Então, é humanamente impossível... eu me lembro
que no dia que nós encerramos o Festival, né?
(.....?.....) entrou o dono do Festival era... todo
mundo pensava que ele é o presidente do júri, não é?
Ele era Fábio Leblair, presidente do Festival. Há
vinte anos ele que entrou no júri, porque lá tem a
sede que era uma... um departamento lá da Prefeitura
de Cannes, onde o júri se reúne... Ele chegou e
falou: “muito mal... a votação dos senhores! Os
senhores esqueceram que este ano aqui tem um... um
grande filme de um homem que “tá” quase cego, “tá”
morrendo! É o Visconti (.....?.....) de Visconti.”
Ele tinha feito esse filme de... de Veneza. Foi o
último filme dele... “Morte em Veneza”. Ele disse:
“Esse homem vem aqui... o último é o último filme!
Ele “tá” cego! Ele “tá” aqui em Cannes! Era muito
amigo dele. Vocês desconhecem o filme (.....?.....)
júri. Mas o filme não é bom e ele disse: “Mas não
dão um prêmio pra ele? Pelo menos... inventa um
prêmio pra ele!” Ninguém inventou um prêmio pra ele.
É duro o negócio! Não é fácil, não! Ninguém disse:
“Eu não dou... eu não dou nada! É júri de melhores,
não júri do homem que “tá” morrendo, não é júri do
homem que vai ficar cego, “tá” bem? Eu sinto, eu
lamento mas o filme dele é ruim. Esse homem deu uma
“Palma de Ouro” para ele, o dono do Festival.
Chamava-se... não era de Cannes. Isso aí, a
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publicidade... que é uma informação errada no mundo,
era prêmio da Municipalidade de que ele deu e diz
assim: “Pela sua contribuição... deu uma “Palma de
Ouro” durante vinte e cinco anos de Festival que
(.....?.....) é o melhor e aqui no Brasil foi
lançado “Morte em Veneza”... (Sr. Ettore:
(.....?.....) como um prêmio de consolação?) É
consolação! E aqui na publicidade dizem “Palma de
Ouro” de Cannes. Não é mentira, compreende?
(Interlocutora: E como foi a repercussão desse...
ganho a “Palma de Ouro” em Cannes no Brasil, agora?)
Bom, no primeiro momento quando não dá tempo de
ninguém pensar, raciocinar, é um choque e pega todo
mundo de surpresa. Então, imediatamente, todo mundo
grita: “Viva! Bravo! Viva! Incrível!” Não é? Eu
tenho jornais da época que são todos manchetes...
era... sinceramente, o repórter de um jornal que não
é especializado, não tem problema de frustração
nenhuma. Ele “tá” realizado na sua profissão e ele
com... é notícia que já não é... extrapola do cinema
e é uma notícia... é importante do Brasil, então,
veio o secretário (.....?.....) botou em manchete:
“O Brasil vence o Festival de Cannes e tal”, não é?
É o secretário do jornal. Já o crítico, ele vem
corroendo por baixo, compreende? Daí vem outro
artiguinho, vem outro artiguinho, vem outro
artiguinho... até que avolume e passasse a ser uma
verdade, as mentiras, compreende? Então, a chegada
foi sensacional! De acordo com o temperamento de
cada estado, eu desci no Rio e em São Paulo,
temperamento carioca (.....?.....) diferença do...
de Santos, de São Paulo, eu vim de navio, né? Quando
eu cheguei foram os amigos, os colegas (.....?.....)
no navio. Então, muito alegres... O carioca é sempre
piadista, é sempre descontraído... Então, no Rio era
sempre assim: “Ô! Anselmo! Cadê a “Palminha”, aí?
“Cadê” a “Palminha”, aí? “Vâmo” “vê” a “Palminha” aí
que você... “poxâ”! Você é malandro, “hein”? Chegou
lá! Passou todo mundo pra trás! Você tinha que
ganhar mesmo! Aqueles otários e tal.” Essa é a
mentalidade dos cariocas (.....?.....) a “Palminha”,
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né? Ele “tava” num negócio de vidro lá, a prova de
bala no navio, e foram lá. “Ah! Mas, ‘michuruca’,
né? Pequenininha! Pensei que tinha um metro!
Assim... uns dois, três quilos de ouro e tal.” Esse
é o carioca. O paulista já é sério, mais sério,
emocionado, né? Quando chegou em Santos, tinha carro
do Corpo de Bombeiros pra mim desfilar na cidade,
jornais, já tudo preparado etc. Tinha a Câmara
Municipal da cidade de Santos, a Câmara Municipal da
cidade de Salto, Banda de Música as cidade de
Salto... quer dizer, de Santos. Tudo já organizado
pra homenagear, compreende? E eu recebi uma
homenagem mais séria, né? Daí era “Palma de Ouro”
(.....?.....) “pôxa”! Não me diga? É lógico que
sempre (.....?.....) quando a pessoa vê por esses
dias, tinha aí um fundidor que pega ela pra cá e
pra lá (.....?.....) um “negocinho”, senão pensar na
hora da conquista não é nada! (Interlocutora: Pelo
que ela representa?) É que representa. Desfilei em
Santos no carro de... do Corpo de Bombeiros com
papel picado e povo na rua, discurso em praça
pública, jantar do (.....?.....) estavam presentes
os vereadores daqui e autoridades, alguns amigos
aqui de... de Salto também e... em São Paulo,
novamente, daí outro carro de bombeiros em São
Paulo. Desfilei pela Nove de Julho, depois pelo
centro da cidade e tinha uma... o Prefeito era
Prestes Maia. Ele mandou botar em frente à escadaria
do Municipal um palanque que só pra fim, e aquela
praça ali... Praça Ramos de Azevedo, né? Em frente à
escadaria do Municipal, um palanque que só pra esse
fim e aquela praça ali... Praça Ramos de Azevedo em
frente ao Mappin ficou lotada de gente e o Prestes
Maia me recebeu ali, fez discurso de recepção. Fui
recebido pelo Governador lá do Rio, era o Carlos
Lacerda e fui recebido pelo Governador de São Paulo
que era o Carvalho Pinto, não é? E foi essa
homenagem... Os jornais assim: “Brasil campeão do
mundo!”(.....?.....) misturar futebol e tal, não é?
Campeão do mundo de cinema (.....?.....) e manchetes
etc. Foi muito bonita a receptividade. É... com o
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tempo, assim, nos bastidores, são com referência aos
meus colegas de cinema, compreende? Aos meus
colegas... e crítico que pretende ser diretor e diz:
“Bom, se ele chegou até a “Palma de Ouro”, não vou
começar a desanimar, não é?” É gente frustrada! É
gente que não tem coragem de enfrentar a vida...
Porque eu nunca comecei, assim, pensando em ser
maior, agora eu trabalhei pra ser sempre, né?
Estudei (.....?.....) e nunca tive inveja, eu sempre
fui o mesmo, sempre estendi a mão ao vencedor, mesmo
quando eu era ator eu não ganhava prêmio nenhum,
quando era ator e toda entrega de prêmios eu estava
presente, estendendo a mão e cumprimentando, não
porque eu achasse obrigação, é porque eu achava eles
bons atores, achava que eles eram melhores do que eu
e ia cumprimenta-los. Quando ganhei meu primeiro
prêmio no Rio, depois de uns três anos, quando eu já
tinha feito uns dez filmes... Foi (.....?.....)
prêmio da Associação Brasileira de Críticos, não
tinha um ator lá pra me cumprimentar. Eu disse:
“Pôxa” vida! Todo ano eu vinha cumprimentar...
quando eu ganhei, não tinha ninguém!” Bom, daí eu
disse: “ É sempre assim, né?” Então, quando se pega
desprevenido a pessoa grita, vibra, depois fica
pensando, são é... são diversas coisas que
acontecem. Eu sei de muitos casos que originaram,
até já consultei um analista, um psicanalista... até
um psicanalista (.....?.....) diga se eu “tô” louco
ou se estão loucas as pessoas que estão contando a
história errada, compreende? Da minha vida então,
cito exemplos pra analisar: tinha um jornalista em
São Paulo que “metia o pau” etc. Um dia procurei ele
pra tirar satisfações, que já começou a ofender a
minha pessoa e a família. Quando cheguei lá, o
redator era do Diário da Noite, disse assim:
“Anselmo, ele ‘tá’ hospitalizado. O quê que você vai
fazer com esse coitado?” “É doente? Que ele tem?” “É
débil mental, tal.” Não acredito que ele era
realmente um débil mental. Só que depois que sai
publicado a família sofre, todo mundo sofre,
compreende? E daí não tem a retificação que vai
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dizer: “Escreveu quando “tava” doente e ninguém
sabia que ele era débil mental.” Hoje ‘tá’ solto,
anda pelos cinemas em São Paulo e acho que
curaram... deram choque nele e hoje é meu fã, hoje
ele acha que eu não sou mais nada, então quando não
sou mais nada ele passou a seu meu fã. Se pergunta,
ele hoje acha que eu fui o maior diretor! É vivo,
anda por São Paulo lá... Tem até um nome polonês.
Assim tem outros ca... e um outro caso de um
individuo que chegou em casa e tal, a mãe, o pai...
o cara fez curso de Direito... era advogado, hoje é
crítico. Então ele sempre falou que eu era o que? Um
diretor medíocre, um ator medíocre e
semianalfabeto... tudo de ruim, compreende? Aí, um
dia, ele chegou em casa e a mãe perguntou pra ele:
“Você não falou que ele era medíocre, diretor de
filminhos, é ator de filme de chanchada, que era
deprimente na época, é isso... e isso... Meu Deus!
Ele tem as glórias universais, compreende? Como é
que é?” Ele ficou doente, o (.....?.....) ficou
doente, então era a falta de argumento pra enfrentar
a família. Eu soube desse caso, compreende? Ele é
crítico de... é considerado o maior crítico de
cinema do Brasil. Agora, eu não sou de muita
conversa. Eu já dei até com o “script” na cara dele,
compreende? Porque é um infeliz, compreende? Um
infeliz é... (Interlocutora: (.....?.....) Ele é
famoso. Ele é... um homossexual, tem mais essa
ainda, também. Porque frustra a pessoa (.....?.....)
essa vida eu era machão famoso e tal. Rubem Ewald
Filho, ele era menino, “tava” começando, era recém
formado. Até hoje de onde ele me vê treme. Ele
sacode, tem medo que eu bata nele... fica se
escondendo etc. São problemas deles, não são
problemas meus. Eles é que não estavam preparados
pra receber esses prêmios. Eu estava, não por
vaidade, é porque eu estudei pra isso, eu morei três
anos na Europa, eu freqüentei Festivais, então eu
sabia que o mundo queria, tanto é que a mensagem
do... do André Mauraux que entregou a Palma de Ouro
a mim disse: “Esse prêmio vai ao Brasil, ao seu