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DISFUNÇÕES DA LINGUAGEM:
UM ENCONTRO ENTRE A LINGÜÍSTICA E A NEUROCIÊNCIA
Antonio José dos Santos Junior1
Resumo: O presente artigo discute a interação entre a Lingüística e a Neurociência no que se refere às
chamadas disfunções da linguagem.Os fenômenos focalizados serão estudados através da apresentação de
alguns casos clínicos constantes de BRUST [2000]. Explorar-se-ão dois casos clássicos de afasia.
Primeiramente, um caso da Afasia de Broca, a qual se caracteriza por uma fala não fluente e aprosódica, com
dificuldade articulatória. Posteriormente, analisar-se-á um caso de afasia de Wernicke, caracterizada por uma
fala fluente, com articulação normal, mas com uma escassez de conteúdo significativo. O objetivo do trabalho é
proporcionar uma visão acerca dos distúrbios da linguagem, relacionando a linguagem com as áreas cerebrais
que lhes são específicas.
1) Introdução
A linguagem articulada é uma tecnologia característica e exclusiva do homem. Através
dela, os homens têm estabelecido vínculos entre si, têm transmitido conceitos e valores. À
possibilidade de comunicação pela linguagem devem-se, pelo menos em parte, as grandes
conquistas da nossa civilização.
Não obstante, há casos em que pessoas não gozam da plena capacidade de se comunicar
pela linguagem. Alguns, após acidentes em que ocorrem lesões cerebrais, passam a ter grande
dificuldade em pronunciar palavras, ou em estruturar as frases de acordo com os padrões de
sua língua. Outros conseguem articular bem as palavras, falando até com fluência normal;
porém, o que dizem não faz sentido, seja pelo uso de palavras de forma inadequada, seja por
falta de estruturação adequada das sentenças. Algumas pessoas até são capazes de ler
fluentemente, mas não têm a menor noção do que estão falando; outras conseguem ler, mas
não conseguem escrever [cf. CARTER,2003, p.297].
O estudo dessas disfunções é muito importante para as Neurociências, bem como para a
Lingüística. Do ponto de vista das Neurociências, porque a maior parte do que se conhece
sobre os locais cerebrais envolvidos na linguagem vem do estudo de pessoas que têm
problemas de linguagem [cf. CARTER, ibid., p.296] . Outrossim, a análise dessas disfunções é
importante para a Lingüística, porque permite uma melhor compreensão sobre a natureza da
linguagem.
1 Aluno do 6.º Período do Curso de Letras Português-Alemão da UERJ.
182
2) As Disfunções da Linguagem
Dentre as principais disfunções da linguagem podem-se incluir a afasia, a agrafia, a
alexia e o Comprometimento (ou transtorno) Específico da Linguagem. Neste trabalho, tratar-
se-á mais detidamente da afasia.
PINKER [2002, p.605] define afasia como “perda ou déficit da linguagem decorrente de
lesão cerebral”. Já BRUST [2000, p.239] conceitua afasia como “um distúrbio adquirido da
função da linguagem previamente intacta”. O autor ainda acrescenta que a afasia:
“Refere-se a uma anormalidade de um ou mais dos processos de codificação que fundamentam os
vários componentes da linguagem, incluindo fala compreensão oral , escrita e leitura. Os surdos-
mudos afásicos apresentam deficiência da produção ou compreensão da linguagem de sinais.”
[BRUST, ibid., p.239].
Os dois principais tipos de afasia são a afasia de Broca (também chamada de afasia
motora ou expressiva) e a afasia de Wernicke.
Embora o objetivo deste trabalho seja estudar casos de afasia, é relevante conceituar
algumas outras disfunções da linguagem. Alexia e agrafia caracterizam-se, respectivamente,
pela dificuldade (ou impossibilidade) em ler e em escrever. A alexia pode ocorrer juntamente
com a agrafia, ou não. Quando a alexia não é acompanhada de agrafia é chamada de alexia
pura. O Comprometimento Específico da Linguagem (CEL), também conhecido como
Transtorno específico da Linguagem (SLI, em inglês), caracteriza-se como qualquer síndrome
que obste ao pleno desenvolvimento da linguagem, desde que não se possa atribuí-la a
“déficits de maturação, baixa inteligência, problemas sociais ou dificuldades no controle dos
músculos da face” [PINKER, 2002, p. 615]. CARTER [2003, p. 299] caracteriza esse
comprometimento da linguagem como “uma doença na qual crianças brilhantes e atentas em
todos os outros aspectos não conseguem assimilar a linguagem de maneira normal”. Outra
disfunção da linguagem é a pura surdez de palavras, que se caracteriza pela incapacidade de
se reconhecerem palavras faladas e de se lhes atribuir algum sentido; as palavras soam como
se fossem de uma língua estrangeira. Importa observar que os acometidos dessa síndrome são
capazes de falar e de ler, bem como de reconhecer sons não-verbais [cf. Pinker, 2002, p.400].
3) Linguagem e Cérebro
As áreas do cérebro responsáveis pela linguagem estão, em cerca de 95% dos seres
humanos, no hemisfério esquerdo, “circuncidando o córtex auditivo em todas as direções,
estendendo-se sobre a maior parte dos lobos temporais e infiltrando-se nos lobos parietais e
frontais” [CARTER, 2003, p.273]. As principais dessas áreas são: a área de Wernicke, que
183
torna compreensível a linguagem falada; a área de Broca, que gera a fala (e que talvez
contenha um “módulo de gramática”); e o giro angular, que está relacionado com o
significado. [CARTER, ibid. , p.273]
Há, no entanto, indícios de que outras áreas do cérebro estejam envolvidas no
processamento da linguagem. Tais indícios são oriundos de estudos realizados através de
técnicas de imagens, como a TEP (Técnica de Emissão de Pósitrons). Dentre essas ‘outras
áreas’ está uma parte da ínsula (expansão oculta do córtex situada dentro da grande prega
conhecida como Fissura de Silvius) [cf. CARTER, 2003, p.297].
Cada área principal do córtex da linguagem é provavelmente dividida, como os córtices
sensoriais, em várias regiões e sub-regiões diferentes de processamento. Dessa sorte, pode-se
compreender por que o cérebro responde de uma maneira diferente a uma palavra dependendo
de ele “estar ouvindo-a falada, vendo-a escrita, falando-a, ou considerando que outras
palavras estão relacionadas a ela” [CARTER, ibid., p. 293].
Carter tece comentários sobre o mecanismo cerebral pelo qual se pode conferir sentido a
uma dada seqüência sonora. Primeiramente, observa que é necessário que o cérebro reconheça
que os estímulos sonoros são, deveras, linguagem. “Essa discriminação preliminar pode ser
feita em parte no tálamo e completada pelo córtex auditivo primário” [CARTER, ibid., p.
296]. Se a “massa sonora” for reconhecida como linguagem, é encaminhada para as áreas de
linguagem; se não for reconhecida como linguagem, mas sim como “barulhos ambientais,
música e mensagens não-verbais” [CARTER, ibid., p. 296] irá para outras regiões do cérebro.
É de se notar que a autora faz menção à mensagens não-verbais como “grunhidos,
gritos, exclamações como ‘argh’!” [CARTER, ibid., p. 296]. Dentre essas ditas mensagens
não-verbais, podem-se identificar membros da classe de palavras que a Gramática Tradicional
chama de interjeições. Observe-se que, se as interjeições não são processadas na área
cerebral responsável pela linguagem, pode-se argumentar contrariamente à inclusão desses
sons em uma classe de palavras.
Outrossim, Carter menciona a capacidade essencial que tem o cérebro de “discriminar
sons que mudam muito rapidamente. A diferença entre duas consoantes faladas – o ‘p’ em
‘pa’ e o ‘b’ em ‘baa’, por exemplo – só é distinguível durante uma pequeníssima fração de
segundo” [CARTER, ibid., p. 299] Para a autora, é possível dizer que a “incapacidade de fazer
essas distinções rápidas entre sons esteja na raiz do comprometimento específico da
linguagem (CEL)” [CARTER, ibid., p. 299]:
184
“Uma minúscula área de tecido, cerca de 1 centímetro quadrado, perto da área de Wernicke se
ilumina quando se ouvem consoantes. Quando se desliga essa área por inibição eletromagnética,
há dificuldade em entender palavras que dependem de consoantes para identificação, embora se
compreendam palavras em que vogais são cruciais para compreensão. Ausência de atividade
normal nessa área pode ser responsável por CEL.” [Carter, 2003, p. 273].
É importante ressaltar que as áreas de Wernicke (compreensão da fala) e de Broca
(produção da fala) não são isoladas, mas antes estão conectadas entre si por fibras nervosas.
Parte da ínsula, cravada para dentro da dobra silviana, faz as áreas dal linguagem trabalharem
conjunta e harmoniosamente [cf. CARTER, 2003, p. 273]. Isso explica o fato de as afasias de
Broca ou de Wernicke nunca se restringem a lesões circunscritas às respectivas áreas apenas.
4) Análise de Casos
Apresentamos aqui relatos de casos extraídos do capítulo 16 de de BRUST [2000, p. 239
et seq.]. Examinaremos os casos 63 e 64, que tratam de pacientes que apresentam disfunções
da linguagem.
4.1. Afasia de Broca
O Caso 63 [BRUST, 2000, p. 239] refere-se a um homem destro que apresenta repentina
dificuldade em falar e fraqueza no seu lado direito. Apresenta também hemiparesia
direita ; sua fala limita-se a gemidos inarticulados, não obstante apresente a
compreensão da fala intacta. Em três dias recupera alguma fala (que é não- fluente e de
início tardio). Em um minuto, não consegue falar mais que doze palavras. A fala é
aprosódica e mal- articulada. Repete, insistentemente, frases de uma ou de duas
palavras. Observa-se a predominância de substantivos e de verbos em sua fala (com
problemas de concordância), bem como se observa uma quase ausência de palavras
funcionais (como conjunções e preposições). Sua fala tem um estilo ‘telegráfico’:
“A compreensão da fala é normal quando testada com solicitações simples e perguntas do tipo
sim-não, mas ele comete vários erros quando solicitado a apontar vários objetos em seqüência
ou quando uma solicitação depende da estrutura gramatical. Após serem mostrados diversos
objetos , partes corporais e cores, ele denomina a maioria deles de maneira correta, mas
laboriosa. Para alguns objetos ele usa a palavra errada(p. ex., lápis em vez de caneta) e para
outras ele repete de maneira perseverante o nome do objeto anterior. Ele é capaz de repetir
palavras isoladas, mas não frases de duas ou mais palavras.” [Brust, 2000, p. 239].
O paciente consegue ler em voz alta, apresentando mais dificuldade na leitura em voz
alta de substantivos abstratos e de letras separadas. Sua compreensão da leitura está
comprometida, especialmente em se tratando de frases gramaticalmente complexas [cf. Brust,
2000, p. 240].
O exame de tomografia computadorizada “revela uma hipodensidade anormal no
185
território da divisão superior da artéria cerebral média, incluindo o córtex motor e sensorial
pré e pós roldânico e áreas operculares frontal e parietal” [BRUST, ibid. p.240] .
Esse paciente tem afasia de Broca , também chamada de afasia motora ou expressiva.
Como Brust observa, duas pessoas não usam a linguagem de forma idêntica; da mesma forma,
dois afásicos não têm síndromes idênticas. O autor levanta, no entanto, características gerais
da afasia de Broca: fala sem fluência, carente de ritmo e melodia, dificuldade de articular os
fonemas, agrafia, compreensão da fala e da escrita relativamente preservadas. A afasia de
Broca tem como causa mais comum um Acidente Vascular Cerebral (AVC) no território da
divisão da artéria cerebral [cf. BRUST, 2000, p. 240-241].
4.2. Afasia de Wernicke
Vejamos o Caso 64 de Brust:
“Uma mulher, de 53 anos, começa subitamente a ‘dizer frases desconexas’. Ao exame, algumas
horas depois, sua fala é fluente, chegando à logorréia , e tem articulação e prosódias normais.
Sua fala é intensamente contaminada por parafrasias tanto verbais (uma palavra errada no lugar
da palavra correta) quanto literais (substituição de sílabas dentro de uma palavra, resultando em
um neologismo ou em um som sem sentido). Por isso, a maior parte de sua fala é incompreensível
para o examinador. Ela tem pouca ou nenhuma compreensão da fala do examinador(...). Ao
escrever com a mão direita(...)ela produz letras legíveis e bem formadas que, juntas, constituem
palavras incompreensíveis (...). Ela não entende frases escritas.” BRUST [2000, pp. 241e 242].
Essa paciente apresenta também uma quadro de agnosia, ou seja, é incapaz de
reconhecer a anormalidade de seu discurso. Ela sofrera um infarto envolvendo a parte
posterior dos giros temporais superior e médio, bem como os giros supramrginal e angular do
lóbulo parietal inferior [cf. BRUST, ibid. p 242].
A afasia de Wernicke (ou afasia sensorial ou receptiva) tem, em linhas gerais, as
seguintes características: fala fluente, prosódica, articulada normalmente, porém com escassez
de conteúdo significativo. A compreensão oral, a escrita e a leitura em voz alta são
comprometidas. É freqüente a ocorrência de parafrasias verbais ou literais, o que configura o
dito “jargão neológico” ou “afasia com jargão”. É possível que sua fala soe como uma língua
estrangeira. [cf. Brust, ibid. p.242].
Brust observa que as lesões que originam a afasia de Wernicke, bem como a de Broca,
não se restringem a essas áreas exclusivamente. A afasia de Wernicke caracteriza-se por
lesões não só no plano temporal (onde a área de Wernicke se situa), como também na região
posterior ao giro temporal superior. As lesões restritas à área de Wernicke parecem produzir
uma síndrome semelhante à surdez pura para palavras – há comprometimento da
compreensão auditiva, e a fala pode conter erros parafrásicos, mas a compreensão da leitura é
186
relativamente preservada [cf. BRUST, 2000, p. 241]
5. Considerações Finais
Conforme foi analisado, a linguagem possui áreas específicas de processamento no
cérebro. Para PINKER [2002, p. 402], “o cérebro deve ter regiões dedicadas a processos tão
específicos quanto sintagmas nominais e árvores métricas”.
Observamos também a importância do estudo dos casos de disfunções da linguagem,
tanto para as Neurociências, quanto para a Lingüística, como forma de melhor compreender o
funcionamento do cérebro relacionado ao processamento da linguagem.
Bibliografia
BRUST, John C.M., A Prática da Neurociência: Das Sinapses aos Sintomas. John C. M.
Brust. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso Editora, 2000.
CARTER, Rita. O Livro de Ouro da Mente. Rita Carter. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
PINKER, Steven. O Instinto da Linguagem: Como a Mente Cria a Linguagem. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
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Disfunções da Linguagem e Áreas Cerebrais

  • 1. DISFUNÇÕES DA LINGUAGEM: UM ENCONTRO ENTRE A LINGÜÍSTICA E A NEUROCIÊNCIA Antonio José dos Santos Junior1 Resumo: O presente artigo discute a interação entre a Lingüística e a Neurociência no que se refere às chamadas disfunções da linguagem.Os fenômenos focalizados serão estudados através da apresentação de alguns casos clínicos constantes de BRUST [2000]. Explorar-se-ão dois casos clássicos de afasia. Primeiramente, um caso da Afasia de Broca, a qual se caracteriza por uma fala não fluente e aprosódica, com dificuldade articulatória. Posteriormente, analisar-se-á um caso de afasia de Wernicke, caracterizada por uma fala fluente, com articulação normal, mas com uma escassez de conteúdo significativo. O objetivo do trabalho é proporcionar uma visão acerca dos distúrbios da linguagem, relacionando a linguagem com as áreas cerebrais que lhes são específicas. 1) Introdução A linguagem articulada é uma tecnologia característica e exclusiva do homem. Através dela, os homens têm estabelecido vínculos entre si, têm transmitido conceitos e valores. À possibilidade de comunicação pela linguagem devem-se, pelo menos em parte, as grandes conquistas da nossa civilização. Não obstante, há casos em que pessoas não gozam da plena capacidade de se comunicar pela linguagem. Alguns, após acidentes em que ocorrem lesões cerebrais, passam a ter grande dificuldade em pronunciar palavras, ou em estruturar as frases de acordo com os padrões de sua língua. Outros conseguem articular bem as palavras, falando até com fluência normal; porém, o que dizem não faz sentido, seja pelo uso de palavras de forma inadequada, seja por falta de estruturação adequada das sentenças. Algumas pessoas até são capazes de ler fluentemente, mas não têm a menor noção do que estão falando; outras conseguem ler, mas não conseguem escrever [cf. CARTER,2003, p.297]. O estudo dessas disfunções é muito importante para as Neurociências, bem como para a Lingüística. Do ponto de vista das Neurociências, porque a maior parte do que se conhece sobre os locais cerebrais envolvidos na linguagem vem do estudo de pessoas que têm problemas de linguagem [cf. CARTER, ibid., p.296] . Outrossim, a análise dessas disfunções é importante para a Lingüística, porque permite uma melhor compreensão sobre a natureza da linguagem. 1 Aluno do 6.º Período do Curso de Letras Português-Alemão da UERJ. 182
  • 2. 2) As Disfunções da Linguagem Dentre as principais disfunções da linguagem podem-se incluir a afasia, a agrafia, a alexia e o Comprometimento (ou transtorno) Específico da Linguagem. Neste trabalho, tratar- se-á mais detidamente da afasia. PINKER [2002, p.605] define afasia como “perda ou déficit da linguagem decorrente de lesão cerebral”. Já BRUST [2000, p.239] conceitua afasia como “um distúrbio adquirido da função da linguagem previamente intacta”. O autor ainda acrescenta que a afasia: “Refere-se a uma anormalidade de um ou mais dos processos de codificação que fundamentam os vários componentes da linguagem, incluindo fala compreensão oral , escrita e leitura. Os surdos- mudos afásicos apresentam deficiência da produção ou compreensão da linguagem de sinais.” [BRUST, ibid., p.239]. Os dois principais tipos de afasia são a afasia de Broca (também chamada de afasia motora ou expressiva) e a afasia de Wernicke. Embora o objetivo deste trabalho seja estudar casos de afasia, é relevante conceituar algumas outras disfunções da linguagem. Alexia e agrafia caracterizam-se, respectivamente, pela dificuldade (ou impossibilidade) em ler e em escrever. A alexia pode ocorrer juntamente com a agrafia, ou não. Quando a alexia não é acompanhada de agrafia é chamada de alexia pura. O Comprometimento Específico da Linguagem (CEL), também conhecido como Transtorno específico da Linguagem (SLI, em inglês), caracteriza-se como qualquer síndrome que obste ao pleno desenvolvimento da linguagem, desde que não se possa atribuí-la a “déficits de maturação, baixa inteligência, problemas sociais ou dificuldades no controle dos músculos da face” [PINKER, 2002, p. 615]. CARTER [2003, p. 299] caracteriza esse comprometimento da linguagem como “uma doença na qual crianças brilhantes e atentas em todos os outros aspectos não conseguem assimilar a linguagem de maneira normal”. Outra disfunção da linguagem é a pura surdez de palavras, que se caracteriza pela incapacidade de se reconhecerem palavras faladas e de se lhes atribuir algum sentido; as palavras soam como se fossem de uma língua estrangeira. Importa observar que os acometidos dessa síndrome são capazes de falar e de ler, bem como de reconhecer sons não-verbais [cf. Pinker, 2002, p.400]. 3) Linguagem e Cérebro As áreas do cérebro responsáveis pela linguagem estão, em cerca de 95% dos seres humanos, no hemisfério esquerdo, “circuncidando o córtex auditivo em todas as direções, estendendo-se sobre a maior parte dos lobos temporais e infiltrando-se nos lobos parietais e frontais” [CARTER, 2003, p.273]. As principais dessas áreas são: a área de Wernicke, que 183
  • 3. torna compreensível a linguagem falada; a área de Broca, que gera a fala (e que talvez contenha um “módulo de gramática”); e o giro angular, que está relacionado com o significado. [CARTER, ibid. , p.273] Há, no entanto, indícios de que outras áreas do cérebro estejam envolvidas no processamento da linguagem. Tais indícios são oriundos de estudos realizados através de técnicas de imagens, como a TEP (Técnica de Emissão de Pósitrons). Dentre essas ‘outras áreas’ está uma parte da ínsula (expansão oculta do córtex situada dentro da grande prega conhecida como Fissura de Silvius) [cf. CARTER, 2003, p.297]. Cada área principal do córtex da linguagem é provavelmente dividida, como os córtices sensoriais, em várias regiões e sub-regiões diferentes de processamento. Dessa sorte, pode-se compreender por que o cérebro responde de uma maneira diferente a uma palavra dependendo de ele “estar ouvindo-a falada, vendo-a escrita, falando-a, ou considerando que outras palavras estão relacionadas a ela” [CARTER, ibid., p. 293]. Carter tece comentários sobre o mecanismo cerebral pelo qual se pode conferir sentido a uma dada seqüência sonora. Primeiramente, observa que é necessário que o cérebro reconheça que os estímulos sonoros são, deveras, linguagem. “Essa discriminação preliminar pode ser feita em parte no tálamo e completada pelo córtex auditivo primário” [CARTER, ibid., p. 296]. Se a “massa sonora” for reconhecida como linguagem, é encaminhada para as áreas de linguagem; se não for reconhecida como linguagem, mas sim como “barulhos ambientais, música e mensagens não-verbais” [CARTER, ibid., p. 296] irá para outras regiões do cérebro. É de se notar que a autora faz menção à mensagens não-verbais como “grunhidos, gritos, exclamações como ‘argh’!” [CARTER, ibid., p. 296]. Dentre essas ditas mensagens não-verbais, podem-se identificar membros da classe de palavras que a Gramática Tradicional chama de interjeições. Observe-se que, se as interjeições não são processadas na área cerebral responsável pela linguagem, pode-se argumentar contrariamente à inclusão desses sons em uma classe de palavras. Outrossim, Carter menciona a capacidade essencial que tem o cérebro de “discriminar sons que mudam muito rapidamente. A diferença entre duas consoantes faladas – o ‘p’ em ‘pa’ e o ‘b’ em ‘baa’, por exemplo – só é distinguível durante uma pequeníssima fração de segundo” [CARTER, ibid., p. 299] Para a autora, é possível dizer que a “incapacidade de fazer essas distinções rápidas entre sons esteja na raiz do comprometimento específico da linguagem (CEL)” [CARTER, ibid., p. 299]: 184
  • 4. “Uma minúscula área de tecido, cerca de 1 centímetro quadrado, perto da área de Wernicke se ilumina quando se ouvem consoantes. Quando se desliga essa área por inibição eletromagnética, há dificuldade em entender palavras que dependem de consoantes para identificação, embora se compreendam palavras em que vogais são cruciais para compreensão. Ausência de atividade normal nessa área pode ser responsável por CEL.” [Carter, 2003, p. 273]. É importante ressaltar que as áreas de Wernicke (compreensão da fala) e de Broca (produção da fala) não são isoladas, mas antes estão conectadas entre si por fibras nervosas. Parte da ínsula, cravada para dentro da dobra silviana, faz as áreas dal linguagem trabalharem conjunta e harmoniosamente [cf. CARTER, 2003, p. 273]. Isso explica o fato de as afasias de Broca ou de Wernicke nunca se restringem a lesões circunscritas às respectivas áreas apenas. 4) Análise de Casos Apresentamos aqui relatos de casos extraídos do capítulo 16 de de BRUST [2000, p. 239 et seq.]. Examinaremos os casos 63 e 64, que tratam de pacientes que apresentam disfunções da linguagem. 4.1. Afasia de Broca O Caso 63 [BRUST, 2000, p. 239] refere-se a um homem destro que apresenta repentina dificuldade em falar e fraqueza no seu lado direito. Apresenta também hemiparesia direita ; sua fala limita-se a gemidos inarticulados, não obstante apresente a compreensão da fala intacta. Em três dias recupera alguma fala (que é não- fluente e de início tardio). Em um minuto, não consegue falar mais que doze palavras. A fala é aprosódica e mal- articulada. Repete, insistentemente, frases de uma ou de duas palavras. Observa-se a predominância de substantivos e de verbos em sua fala (com problemas de concordância), bem como se observa uma quase ausência de palavras funcionais (como conjunções e preposições). Sua fala tem um estilo ‘telegráfico’: “A compreensão da fala é normal quando testada com solicitações simples e perguntas do tipo sim-não, mas ele comete vários erros quando solicitado a apontar vários objetos em seqüência ou quando uma solicitação depende da estrutura gramatical. Após serem mostrados diversos objetos , partes corporais e cores, ele denomina a maioria deles de maneira correta, mas laboriosa. Para alguns objetos ele usa a palavra errada(p. ex., lápis em vez de caneta) e para outras ele repete de maneira perseverante o nome do objeto anterior. Ele é capaz de repetir palavras isoladas, mas não frases de duas ou mais palavras.” [Brust, 2000, p. 239]. O paciente consegue ler em voz alta, apresentando mais dificuldade na leitura em voz alta de substantivos abstratos e de letras separadas. Sua compreensão da leitura está comprometida, especialmente em se tratando de frases gramaticalmente complexas [cf. Brust, 2000, p. 240]. O exame de tomografia computadorizada “revela uma hipodensidade anormal no 185
  • 5. território da divisão superior da artéria cerebral média, incluindo o córtex motor e sensorial pré e pós roldânico e áreas operculares frontal e parietal” [BRUST, ibid. p.240] . Esse paciente tem afasia de Broca , também chamada de afasia motora ou expressiva. Como Brust observa, duas pessoas não usam a linguagem de forma idêntica; da mesma forma, dois afásicos não têm síndromes idênticas. O autor levanta, no entanto, características gerais da afasia de Broca: fala sem fluência, carente de ritmo e melodia, dificuldade de articular os fonemas, agrafia, compreensão da fala e da escrita relativamente preservadas. A afasia de Broca tem como causa mais comum um Acidente Vascular Cerebral (AVC) no território da divisão da artéria cerebral [cf. BRUST, 2000, p. 240-241]. 4.2. Afasia de Wernicke Vejamos o Caso 64 de Brust: “Uma mulher, de 53 anos, começa subitamente a ‘dizer frases desconexas’. Ao exame, algumas horas depois, sua fala é fluente, chegando à logorréia , e tem articulação e prosódias normais. Sua fala é intensamente contaminada por parafrasias tanto verbais (uma palavra errada no lugar da palavra correta) quanto literais (substituição de sílabas dentro de uma palavra, resultando em um neologismo ou em um som sem sentido). Por isso, a maior parte de sua fala é incompreensível para o examinador. Ela tem pouca ou nenhuma compreensão da fala do examinador(...). Ao escrever com a mão direita(...)ela produz letras legíveis e bem formadas que, juntas, constituem palavras incompreensíveis (...). Ela não entende frases escritas.” BRUST [2000, pp. 241e 242]. Essa paciente apresenta também uma quadro de agnosia, ou seja, é incapaz de reconhecer a anormalidade de seu discurso. Ela sofrera um infarto envolvendo a parte posterior dos giros temporais superior e médio, bem como os giros supramrginal e angular do lóbulo parietal inferior [cf. BRUST, ibid. p 242]. A afasia de Wernicke (ou afasia sensorial ou receptiva) tem, em linhas gerais, as seguintes características: fala fluente, prosódica, articulada normalmente, porém com escassez de conteúdo significativo. A compreensão oral, a escrita e a leitura em voz alta são comprometidas. É freqüente a ocorrência de parafrasias verbais ou literais, o que configura o dito “jargão neológico” ou “afasia com jargão”. É possível que sua fala soe como uma língua estrangeira. [cf. Brust, ibid. p.242]. Brust observa que as lesões que originam a afasia de Wernicke, bem como a de Broca, não se restringem a essas áreas exclusivamente. A afasia de Wernicke caracteriza-se por lesões não só no plano temporal (onde a área de Wernicke se situa), como também na região posterior ao giro temporal superior. As lesões restritas à área de Wernicke parecem produzir uma síndrome semelhante à surdez pura para palavras – há comprometimento da compreensão auditiva, e a fala pode conter erros parafrásicos, mas a compreensão da leitura é 186
  • 6. relativamente preservada [cf. BRUST, 2000, p. 241] 5. Considerações Finais Conforme foi analisado, a linguagem possui áreas específicas de processamento no cérebro. Para PINKER [2002, p. 402], “o cérebro deve ter regiões dedicadas a processos tão específicos quanto sintagmas nominais e árvores métricas”. Observamos também a importância do estudo dos casos de disfunções da linguagem, tanto para as Neurociências, quanto para a Lingüística, como forma de melhor compreender o funcionamento do cérebro relacionado ao processamento da linguagem. Bibliografia BRUST, John C.M., A Prática da Neurociência: Das Sinapses aos Sintomas. John C. M. Brust. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso Editora, 2000. CARTER, Rita. O Livro de Ouro da Mente. Rita Carter. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. PINKER, Steven. O Instinto da Linguagem: Como a Mente Cria a Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 187