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CAROL GREGORY
CAROL NA TERRA DO SOL
(AVENTURAS DE UM CASAL MISSIONÁRIO NO CEARÁ)
São Paulo - 2008
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Sumário
Parte 1 – Meus sonhos
1- Como estou agora
2- Minha vida e o nordeste
3- Culto de envio e a chegada em Aratuba
Parte2 - Aratuba
1- Chegamos ao campo missionário: Aratuba
2- Início da nova vida
3- Aninha: um presente de Deus
4- Uma culinária diferente
5- Adolescentes e as artes
6- Nasce um novo grupo
7- A multiplicação do grupo
8- Congregação Matas
9- Evangelismo no sítio São João
10- Um grupo no sertão Santo Antonio
11- O ensino
12- Cultura e cosmovisão
13- Aculturação e choque cultural
Parte 3 – Minha vida particular no Ceará
1- Eu, minha casa e os animais
2- As doenças
3- As viagens
4- As festas de aniversário
5- Os estudos
Parte 4 - Baturité
1- Nossas moradias em Baturité
2- Ameaças a nova vida
3- Nosso próprio sítio
4- Trabalhando na rádio comunitária
5- Colhendo frutos: visíveis e invisíveis
6- Nasce a Missão Ekbalo
Parte 5 – A Entresafra
1- Quando tarda a visão
2- Choque cultural ao contrário
3- Meus conselhos para você
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Ao libertar os escravos em 1884, quatro anos antes que a Princesa Isabel assinasse a Lei Áurea, o Ceará
foi chamado por José do Patrocínio, grande batalhador da causa abolicionista, de “Terra da Luz”.
(Tasso Jereissati).
Terra da Luz foi intimamente chamada pelos cearenses de “A Terra do Sol”.
Essa biografia da minha vida na Terra do Sol celebra a luz que ilumina a região litorânea com lindas
praias, a serra com uma imensa variedade de vegetação e o maravilhoso sertão cearense que abriga um
povo acolhedor.
“O Ceará também sobe a serra, no lado leste do seu território, e reencontra sua antiga face esquecida, mas
nunca abandonada. Estradas serpeantes levam à cidade de Baturité, Mulungu, Guaramiranga e Aratuba.
Estradas cortantes em “zig-zag”, em curvas súbitas, abertas na carne verde do Maciço, e que conduzem o
viajante ao lugar que os índios tupis respeitosamente denominaram de “serra verdadeira”. (Ceará Terra-
da-Luz)
E é este o pedaço do Ceará que dedicamos 7 anos das nossas vidas para servir esse povo amável com
nossas profissões de médico e Assistente Social. Além de nossas profissões usamos nossos talentos, dons
e características de cada um de na nossa família como um todo. Para este lugar também usamos os
aspectos materiais que tínhamos para dedicarmos o nosso amor a cada adolescente, jovem e adulto: nossa
casa, nosso carro, e parte do salário do Tommy.
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DEDICATÓRIA
Dedico esta obra primeiramente aos meus pais que me ensinaram desde o berço a amar e respeitar
todo ser humano, amando o próximo como a mim mesmo. E a minha irmã, Keka, companheira nas
aventuras no meio dos trabalhos de ação social e de missões no Mato Grosso do Sul.
As irmãs e professoras do Colégio Santa Maria que incutiram na minha vida amor aos injustiçados,
pobres e excluídos e ensinando-me como ser uma agente de mudança nesta sociedade materialista.
A Laís Silva, que me apresentou um Jesus que vive, amoroso, poderoso, soberano e que morreu na
cruz por mim, ressuscitou e deu-me vida abundante para ser sua seguidora aqui na terra, seguindo seus
mandamento de ir e pregar o evangelho a todas as nações. E a sua família que me apoiou nestes anos de
volta do campo, nos recebendo em Uberlândia com hospedagens para rei, rainha e princesa. Fomos
amados, paparicados e honrados pelo Júlio e Laís, seus 4 filhos, seu genro e pela Igreja que se reúne em
sua casa, missão Shekiná.
As minhas três amigas (Ana Bia, Luzinete e Vânia) que estiveram bem perto de mim nestes três anos
em tratamento em São Paulo, sempre me consolando nos dias piores do meu tratamento médico,
apoiando-me na minha vida missionária para que eu possa realizar os sonhos de Deus.
Ao casal amigo, Ulisses e Cidoca que nos apoiaram de diversas maneiras na nossa reentrada
missionária de Baturité para São Paulo.
A minha amada sogra, que a chamo carinhosamente de “tia Lia” que gerou e educou meu marido da
maneira mais excelente que podia e sempre aceitou-me e amou-me mais do que nora, e sim outra como
outra de suas filhas. Nestes dois anos de São Paulo esteve ao meu lado entendendo minha dor por causa
da minha saúde debilitada, por isso incentivou-me na formação da minha biografia.
Aos meus cunhados, Júlio e Adriana que foram além de família, amigos, conselheiros, protetores e
incentivadores do nosso trabalho na sociedade sertaneja. Às duas irmãs do Júlio: Ana Maria que
encaminhou o Tommy para se especializar em medicina da Família e foi sua professora neste curso na
Saúde Pública, sempre o estimulando para ser um verdadeiro médico de família. E Laízinha, que nos
ajudou encontrar a cidade certa para iniciarmos o nosso trabalho e em todos os anos nos apoiando com
seu jeito amoroso de nos estimular nesta missão. E a Emair, a pediatra da minha filha que tratou as sete
pneumonias da Aninha e no seu consultório foi mais que médica, uma amiga e irmã em Cristo, sempre
com palavras de estímulo ao nosso trabalho missionário.
À Priscila, que foi secretária do Tommy há uns 12 anos atrás e minha companheira no trabalho que
realizamos na Igreja durante gestão do Tommy como presidente da obra. Foi a primeira ler os meus
manuscritos e fazer as primeiras correções ortográficas.
A minha editora, a jornalista Yara Rocca que deu uma beleza para esta obra, corrigindo e dedicando
parte do seu tempo ensinando-me a arte de escrever um livro.
Ao Maurício que fez a revisão dos conceitos teológicos, históricos e da missão integral e prefaciou
meu livro. Juntamente com Aline (sua esposa e uma amiga) e sua ONG, o CADI, que nos ajudou na
reciclagem na área de Desenvolvimento Integral, dando-nos cursos, apostilas, palestras e orientações.
A minha filha amada, que foi me dada pela graça de Deus e é a minha companheira fiel no dia a dia.
Sempre ao meu lado quando escrevia, pois meu computador fica no seu quarto, dando suas grandes boas
idéias para deixar sua marca no livro.
Ao meu amado, amigo e companheiro marido, que vivenciou todas essas experiências contadas nesta
obra. Ele foi o meu maior incentivador de ser a Carol que Deus criou para fazer o que Deus me mandou.
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E ao meu Deus e Pai Eterno que me criou a sua imagem e semelhança; ao meu Senhor e Salvador
Jesus Cristo que me deu uma nova vida e ao meu amigo Espírito Santo que me ensina e conduz em todas
as coisas.
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PREFÁCIO
Conheci Thomas e Carol há cerca de 10 anos atrás. Nesta caminhada, tive o privilégio de participar
quase “por acaso” do seu culto de envio para o Ceará, de visitá-los em sua casa em São Paulo e ser tão
bem recebido com a minha família, de poder servi-los em meu próprio lar, de ajudar na formação de
alguns de seus discípulos, de ir vê-los em Aratuba, início de sua jornada no Nordeste, e acima de tudo, de
desfrutar da sua amizade e compartilhar dos seus sonhos.
Thomas, médico que fez da sua profissão verdadeiro sacerdócio da reconciliação; Carol, assistente
social que sempre teve, por intuição ou direção do próprio Deus, correndo em suas veias o sangue da
Missão Integral; antes de tudo, exemplos de discípulos de Cristo que abrem mão de tudo o que têm para
atender ao chamado de Deus. Nesses tempos de tanto individualismos em nossos templos, de uma
teologia centrada no “eu” ou naquilo que Deus pode fazer “por mim”, Thomas e Carol são exemplos de
discípulos dispostos a ir aonde poucas pessoas querem ir, sinalizando o Reino que já é chegado a “nós”,
trabalhando para o “êxito dos outros”.
A sua vocação nos anima, o seu amor pelo povo nos inspira, o seu exemplo nos encoraja.
Você vai navegar pela história de um chamado específico e sua concretização na perspectiva da
Carol. Mas este livro narra não só a história de um chamado, mas a história de uma vida, que ao ser
transformado, transformam muitas outras.
Carol, a tua dor a tua fraqueza te fortalecem, e forjam em ti a fibra e a coragem do povo nordestino, a
quem você tão obstinadamente deseja servir. A tua vulnerabilidade permite que o teu caráter seja
moldado pelas mãos do Senhor, que nunca desistirá daqueles a quem soberanamente elege.
Carol, na tua esperança de levar vida ao sertanejo, é a esperança que o Senhor já colocou no coração
daquele povo sofrido, uma alegre expectativa em Deus, daquilo que Ele já está por fazer a nosso favor, o
anseio por aquele momento em que os céus tocarão a terra, em que a chuva vai cair, a erva vai brotar, a
abundância vai chegar...
Carol, a tua bem-aventurança é a bem-aventurança do pobre brasileiro do semi-árido: a dependência do
Pai, a capacidade de refugiar-se somente nEle, e de assegurar nEle com todas as forças.
Carol, a tua alegria, a alegria da Carol sempre falante e carinhosa, é a mesma alegria do povo em
quem a Imago Dei já depositou todos os recursos necessários para o desenvolvimento e transformação.
A tua fraqueza suscita a tua fortaleza, assim como a fraqueza e a aparente falta de recursos na Terra do
Sol suscitará novos caminhos de transformação, a chegada de um Reino inabalável.
Neste livro, o leitor poderá conhecer a história de um chamado que envolve amor, esperança, sonhos
e tristezas. É uma obra ainda inacabada. Thomas e Carol só estão começando...
Boa leitura, boa viagem!
Maurício José Silva Cunha
CADI – Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral
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PARTE 1 ☼
MEUS SONHOS
“NO ABRIR DESTA CARTINHA
VOCÊ VAI LOGO ENCONTRANDO
MEU CORAÇÃO ÔS PEDAÇOS
MEUS OÍO POR TI CHORANDO”
(autor desconhecido)
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1- COMO ESTOU AGORA
Como amo o Nordeste. Tenho uma afeição genuína pelo sertanejo. Estou ligada de alma e espírito
aos cearenses. Como sinto saudades do meu Ceará. Só Deus sabe realmente o que sinto dentro do meu
coração. Tenho chorado dia e noite pelo Ceará. De repente penso no Ceará e vou dormir orando para que
Deus me leve de volta ao meu Ceará. Quando vem na mente a cidade de Aratuba ou Baturité, logo meus
olhos lacrimejam de saudades. Lágrimas por um povo que mora no meu coração. Se ouvir uma música de
Cassiane, logo o coração aperta e dói meu peito. As lágrimas fazem de tudo para jorrar e eu tento segura-
las de vergonha. Pois aprendi apreciar as músicas de Cassiane com os jovens de Aratuba. Se na televisão
o jornal fala do nordeste, fico mais atenta para obter alguma notícia sobre o local. Se o telefone toca e
vem o sinal a cobrar, o meu coração dispara, pois sei que é alguém de Aratuba ou Baturité. Será o
Pacheco? A Flaziane? A Glauciane? Ou a missionária Rosana? Parece loucura, mas é o que sinto. Parece
que fiquei doida, pois o que faz de mim uma mulher crescida e madura ficar pensando e chorando por um
povo?
Ando triste e cabisbaixa. Sinto-me deslocada. Será que é só por causa do Ceará? Doce loucura.
Passei 2006 em descanso no Vale da Benção, em Araçariguama – SP, numa casa maravilhosa. Um ano
sabático. Ano que Deus nos pediu para descansar. Em 2005 a nossa cobertura espiritual por mais de dez
anos, orientou-nos a voltar para a base (São Paulo) para descanso, tratamento da minha saúde e
reciclagem na área espiritual e na medicina.
Em dezembro de 2006 já estávamos instalados no Loteamento Vale da Benção. Alugamos uma casa
grande e com um jardim maravilhoso. Nele havia vários pés de árvores frutíferas. Do terraço de nossa
casa dava pra ver um pasto com vacas e bois pastando. Minha casa ficava perto do centro de oração e da
portaria do loteamento. Foi um ano muito bom, pois a Aninha (nossa filha) estudou no Colégio Vale da
Benção, colégio cristão com princípios bíblicos. Participamos de muitos cultos, encontros, palestras,
conferências, almoços, chás e festas no Vale. Também tivemos muito contato com a cidade das crianças.
Foi um ano onde aprendi muitas coisas novas nos vários seminários em que participei. Neste tempo, Deus
colocou no coração de uma grande amiga para ser voluntária no colégio Vale da Benção com o seu novo
projeto educacional, ela vinha na terça-feira para casa, dormia e só voltava no dia seguinte. Esse tempo
de comunhão foi muito importante para a minha vida espiritual, pois ela foi um instrumento de cura
interior na minha vida.
Neste ano, Tommy trabalhou muito dando plantões em São Roque e Vargem Grande Paulista.
Aprendeu muito com colegas de trabalho e com os próprios pacientes. Aproveitou para fazer um curso no
Hospital das Clínicas – USP (Universidade de São Paulo).
Ele deu plantão de trinta e seis horas, entrando sete horas na segunda-feira, saindo dezenove horas na
terça-feira. Doze horas diurnas na quarta-feira e vinte e quatro horas na quinta-feira. Quando pediam,
dava plantão de doze ou vinte quatro horas na sexta-feira ou sábado.
Voltamos para São Paulo em 2007, pois um irmão querido da igreja onde nascemos espiritualmente
ofereceu seu apartamento para morarmos durante este ano.
Falei tudo isso, pois você pode pensar: que vida maravilhosa a Carol teve no Vale teve em São
Paulo. Morar no Vale da Bênção, um lugarzinho parecendo o céu e ainda numa casa boa e um terreno de
chácara. Muita oração, palestras, vista maravilhosa, muito verde, missionários e pastores por todo o
canto. E depois morar num super apartamento, de quatro dormitórios, duas suítes, três salas, cozinha
grande, três terraços e repleto de armários. Sem falar na piscina, sala de musculação, parquinho, quadra e
salão de festas. E detalhe: localizado no bairro mais nobre de São Paulo, o Morumbi. Perto do Shopping
Jardim Sul, padarias maravilhosas, restaurantes e muitas lojas. Parece o céu! Mas para mim, não. Se fosse
a outra época da minha vida, tudo seriam um sonho ou um milagre. Mas o meu coração não está mais em
casa, moradia, dinheiro ou status. O meu coração está no meu Ceará. É por este povo que sofro choro,
intercedo e clamo a Deus todos os dias pelos nordestinos.. É pelo cearense que faço planos e tenho
sonhos. Lembro-me todos os dias da minha casinha lá em Baturité, da Igrejinha amarelinha lá em
Aratuba e dos meus irmãozinhos do Ceará.
Todas as noites custo pegar no sono, pois fico pensando em toda essa loucura: será que é o chamado
missionário ou sou eu que estou fugindo? Pode ser amor por um povo ou posso estar com problemas
mentais e emocionais?
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- “Senhor, o que está se passando dentro de mim? Estou sofrendo! Estou infeliz com a minha
situação. Preciso ficar alegre para alegrar o meu marido. Estou sendo submissa em seguí-lo nesta
fase de reciclagem, mas por dentro estou morrendo. O que estou fazendo de errado? Estou
pecando? Oro e peço que mude o meu coração, mas ele continua triste.
- “Senhor, tem a minha oração, tire este sofrimento do meu coração.!”
- “Senhor, apesar da tristeza, eu entrego a minha vida para o Senhor realizar a sua vontade,
entrego o meu trabalho no Nordeste no seu altar, como um Isaque, e ficarei no lugar onde o
Senhor quiser.”
Morando no Sudeste, mas pensando no Nordeste. No sudeste de corpo e espírito e com pensamentos no
nordeste.
2- MINHA VIDA E O NORDESTE
Por que o nordeste?
Analisando o meu amor pelo nordeste e sertão, vejo que isso me acompanha desde a adolescência. Um
amor que foi crescendo comigo e aumentando a cada ano da minha vida. Nordeste, meu querido nordeste.
Sertão, que lugar maravilhoso. Cearense, povo amigo, hospitaleiro e que sabe amar.
MEU NASCIMENTO
Tudo começou na minha família. Uma família adorada de quatro pessoas. Um casal que se
apaixonou e teve duas filhas que deram suas vidas para educá-las com amor e virtude de caráter. Eu sou a
filha mais velha e muito agradecida a Deus por ter me dado uma família linda e maravilhosa. Como Deus
foi maravilhoso por tê-los unido e por eles terem sido meus pais. Vieram de mundos diferentes e se
adaptaram muito bem e deram uma vida equilibrada para suas duas filhas, Maria Carolina (Carol) e
Maria Angélica (Keka). Meu pai era capixaba. Teve uma família que vivia mudando de casa no interior
de São Paulo e Paraná. Tudo em função do emprego do meu avô. Meu pai, recém formado em
odontologia conheceu a Maria Helena, Lenita para os íntimos, filha de pais ricos. Eles moravam num
bairro elegante numa mesma casa a vida toda. Família quatrocentona, com primas e primos riquíssimos.
Lenita era bailarina do teatro municipal e professora de ballet. Casaram-se e foram morar no fim da
estrada de Santo Amaro, perto da estátua do Borba Gato no Brooklin, local considerado periferia naquela
época, hoje não mais. Alugaram uma casinha geminada, bonitinha e bem decorada pelas belas mãos de
minha mãe. José Luis ou Dr. Coelho é o meu querido paizão. Trabalhou numa escola pública como
dentista e montou um consultório particular rua na Joaquim Nabuco, uma travessa da estrada de Santo
Amaro. Um início difícil, principalmente para minha mãe que saiu de um casarão, de uma família bem
estabelecida para ir morar longe de tudo, numa casinha e com um marido recém-formado. Isso
significava clientes de vez em quando ou de vez em nunca. Mas com amor e perseverança eles foram
conquistando espaço e meu pai foi fazendo sua clientela e seu nome.
Depois de dois anos, num momento precioso de seu casamento, eu nasci. Graças a Deus, fui
gerada num momento de amor, carinho e respeito. Ao nascer, fui muito amada e querida. Minha mãe
deixou seu emprego e dedicou-se ao marido, as filhas e à casa. Foi tão bom ter a minha mãe por perto, em
casa. Como agradeço a ela por ter me colocado em primeiro lugar e deixado a sua profissão por amor a
mim. A educação que me deu foi de muita importância para minha vida. Tudo que fiz na profissão e no
meu ministério devo muito ao aprendizado que tive em casa. Ter uma mãe vinte e quatro horas por dia
ao seu lado é um privilégio.
MINHA ESCOLA
Outra providência divina foi à escola que meus pais escolheram para nós estudarmos. Era uma das
melhores escolas de São Paulo, dirigida por freiras católicas canadenses - Colégio Santa Maria. Uma
escola que visava à formação, educação e obras sociais. Uma escola muito cara para uma família como a
nossa, mas pelo esforço de todos, eles conseguiram pagar a minha escola por 13 anos. Do jardim ao
terceiro colegial (ensino médio de hoje). Escola de tempo semi-integral onde tínhamos aulas normais e
aulas de datilografia, inglês, francês, filosofia, culinária, artes, religião, sociologia, teatro, iniciação de
todos os esportes (inclusive os americanos como: beisebol, rugby e crict).
O interessante foram às diferenças sociais com as quais aprendi a conviver: Estudei na classe com a
filha do dono do Banco Real, filha do ministro da agricultura, filha de políticos e empresários. Freqüentei
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casas com elevadores, piscinas, mansões e até castelos. Amigas que passavam o natal em países com
neve na Europa ou Estados Unidos e o inverno em Campos de Jordão ou fazendas maravilhosas. Amigas
que tinham avião e iates. Claro que as minha amigas íntimas não eram tão ricas, era mais ou menos como
a minha família. Mas nossa classe vivia em perfeita união. Quem passava as férias na Europa trazia
presentes para quem ficava em São Paulo ou ia para o litoral. Andávamos de Mercedes com motorista,
almoçávamos em salões fabulosos, os jantares eram com serviço à francesa. Muito luxo. Como pude
conviver com tudo isso? Meus pais colocavam nossos pés no chão. Não podíamos ter roupas de marca ou
brinquedos caros. Aprendemos com nossa mãe a sermos simples e conviver bem com todo tipo de gente.
Neste cenário luxuoso, a escola teve o objetivo de nos ensinar o que é o Brasil na realidade. Levavam-nos
para conhecer favelas, asilos e creches. Nas férias, tínhamos oportunidade de participar de missões no
sertão de Minas Gerais, Bahia e no pantanal do Mato Grosso. Iniciei na favela Cidade Dutra, às quintas-
feiras acompanhando uma das irmãs e hoje ela dirige a obra social e é uma grande ONG. Lá fazíamos
visitas domiciliares e recreação com crianças. Depois comecei a visitar o Asilo Ondina Lobo e toda
semana conversava com os idosos. Um tempo depois fui voluntária numa creche.
VIAGENS MISSIONÁRIAS
No primeiro colegial, hoje primeiro ano do ensino médio começou os preparos para ir à minha
primeira viagem missionária para o sertão de Minas Gerais. No primeiro semestre era preparatório para o
nosso trabalho no campo missionário e para arrecadarmos dinheiro para custear a viagem. Viajávamos na
primeira quinzena de julho. O segundo semestre era dedicado às avaliações da viagem, cursos para a
próxima viagem e trabalhos voluntários na cidade de São Paulo. No segundo ano fui para o Mato Grosso
e voltei mais três vezes para a cidade de Cipolândia, Mato Grosso do Sul.
ENCONTRO COM O TOMMY
Conheço o Tommy desde meus 5 anos de idade. Ele era colega de classe da minha irmã. Comecei a
me relacionar como amiga dele nesta segunda viagem missionária. Ele ficou tão encantado com esse
trabalho que eu fazia no Mato Grosso, que logo o convidei para ir à nossa próxima viagem. Ele gostou
muito. Após essa viagem, nós dois e minha irmã fomos líderes das outras equipes e viagens e pudemos
inovar bastante. Foram momentos preciosos para nossa formação educacional.
A nossa viagem era feita de ônibus, pago com nosso trabalho e ficávamos morando por dez dias na
cidade onde atuávamos socialmente. Dormíamos na capela juntando dois bancos de madeira e
colocávamos nosso sleeping em cima dos bancos. O banheiro era uma fossa nos fundos da igreja que era
cheia de baratas na cor branca. As refeições eram feitas nas casas dos moradores. Comida simples, mas
saborosa. Não tinha chuveiro e os banhos eram feitos no rio que ficava dois quilômetros da aldeia. Não
havia luz elétrica e tudo era iluminado por velas ou lampiões a gás. Trabalhávamos na área de saúde,
educação e religiosa. Também fazíamos recreação com crianças e reuniões com debates com os jovens.
O mais interessante era a diferença que víamos com nossos próprios olhos no mês de julho. Nos
primeiros dias estávamos morando em aldeias do Mato Grosso e no resto das férias íamos para casa de
amigas em fazendas ou Campos de Jordão, dormindo em mansões, comendo do bom e melhor. Quando
me deitava, meditava na vida e pensava nos pobres e ricos. Uns tem tudo e outros nada. Luxo e pobreza.
Doença e saúde. Com dezesseis anos conversava com Deus, do jeito que sabia e deitada na cama falava:
- “Deus, como posso ser útil neste mundo tão dividido?” O Senhor poderia me usar para ajudar as
pessoas necessitadas? “Deus como sofro em ver tanta pobreza, fome doença, corrupção e não
poder fazer nada”.
Essa era a minha oração ou meditação durante a minha adolescência e juventude. Estudava essas questões, o
socialismo e o comunismo. Gostava de ler Marx e Engels.
MEU NAMORO COM O TOMMY
Depois que comecei a namorar o Tommy, vi com meus olhos a vida que ele teve e tinha na época:
igual a minha. Veio de uma família onde a mãe era de família muito rica e poderosa e casou com o pai, mais
simples. Meus sogros tiveram cinco filhos e educaram da melhor forma possível e tiveram a mesma idéia dos
meus pais: colocar os filhos numa escola boa. O Tommy estudou o primário no Colégio Santa Maria como eu
e o ginásio e colegial no Colégio Santa Cruz. Nós dois com os mesmos questionamentos e orações à Deus. O
Tommy pesquisou mais, foi conhecer outras religiões e estudava muito o existencialismo.
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FACULDADE
Tommy fez vestibular para Medicina e entrou na faculdade Pinheiros, Universidade de São Paulo
(USP), a melhor universidade de medicina. Com residência em Saúde Pública e pós graduação em
administração em saúde, na Getúlio Vargas. Eu entrei na faculdade, Pontífice Universidade Católica (PUC)
cursando Serviço Social. Tommy era mais voltado para o existencialismo e eu fui me focando no socialismo
cristão.
MISSÕES URBANAS
No primeiro ano de faculdade resolvemos parar de viajar para missões em outro estado e trabalhar no
nosso bairro, Chácara Santo Antonio, fazendo algo mais efetivo. Fomos fazer uma inspeção na favela perto de
casa e conhecemos um seminarista católico, uma dona de casa e um estudante de artes atuando na favela.
Entramos neste grupo e junto com eles começamos a conhecer e nos tornarmos conhecidos na favela. Quando
já estávamos familiarizados, começamos a fazer o nosso diagnóstico para atuarmos na nossa área.
Organizamos uma reunião na capela dentro da favela e nesta levamos o povo a debater suas vidas e
necessidades. Reunimos-nos mais vezes e o povo estava animado. Através dos debates, visitas domiciliares e
pesquisas, o problema que mais queriam solucionar era o esgoto. Queriam muito ter uma rede de esgoto e
melhorar a qualidade de vida e a saúde.
Começamos a trabalhar junto com a população. Tommy e alguns homens de família recolheram em
recipientes várias amostras da água que escorria do esgoto. Tommy levou essa água para fazer uma análise.
Enquanto isso, eu comecei a fazer visitas em toda a favela com umas senhoras e discutir sobre o lixo lançado
no esgoto, doenças existentes entre as crianças, aborto (pois vimos vários fetos jogados pelo chão). Quando a
análise da água chegou e foi constatada a presença de bactérias, o povo ficou chocado. O debate foi fervoroso.
Tommy disse: “- O que vocês querem fazer? Nós estamos aqui somente para ajudá-los nas opções
levantadas por vocês.”
Após um debate gostoso e cheio de idéias vingou a mais votada: Fazer uma festa com danças, comidas típicas
do Nordeste, bingo e leilão. Com o dinheiro arrecadado, seria construída uma rede de esgoto.
Organizamos a festa no salão paroquial da Igreja Católica perto da favela e toda a população
colaborou. No final da festa contamos o dinheiro e começamos a gritar e pular, pois tínhamos o suficiente
para comprar manilha, areia, tijolos e ferramentas. No próximo final de semana começamos a construção. Eu
comprei uma bota vermelha de plástico e coloquei luvas cirúrgicas para poder colocar meus pés e mãos no
esgoto imundo. Só não tapei o nariz para não magoar os moradores. Nunca imaginei na minha vida em pegar
a pá e cavar “cocô” de muitas pessoas. O cheiro era insuportável, me dava náuseas mas engolia a saliva e ia
em frente. Após a primeira etapa cumprida, iniciamos a segunda que era a educação em saúde. Através de
dinâmicas, debates e histórias, ensinamos vários temas: uso de calçado, clorar a água, jogar lixo no lixo,
prevenção de doenças, método anticoncepcionais, aborto, drogas, alcoolismos, adultério, violência doméstica.
Tommy começou a levar os casos de doença mais grave para o Hospital das Clínicas, ele mesmo
acompanhava, registrava e encaminhava. As doenças mais simples, ele medicava na própria favela.
Pensamentos sempre viam na minha mente:
–“Por que há tanta discriminação social, econômica e regional. Eles são nordestinos, povo bom. São
de cor negra, parda e brancos, cor bonita, feita pelo Senhor. São pobres, mas são honestos, querem ganhar a
vida honestamente, mas a sociedade não deixa. O que posso fazer? Acho que estou fazendo pouco.”
Os questionamentos aumentaram. Estudava mais sobre um estilo de governo diferente, o socialismo. Mas
nada respondia meus questionamentos.
DEUS, IGREJA EVANGÉLICA E RELIGIOSIDADE
Mas um dia algo maravilhoso aconteceu comigo. Uma amiga convidou-me para um estudo da Bíblia
e fiquei feliz, pois amava a Bíblia e não entendia direito. Amei a reunião. Convidei o Tommy para ir à
próxima e ele gostou também. Fomos várias vezes nesta reunião de crentes tão diferentes, que cursavam
faculdade de História, Administração, Psicologia e outras e como entendiam a Bíblia. Ficamos fascinados.
Após alguns meses aceitamos Jesus Cristo como Salvador e Senhor das nossas vidas na reunião da Aliança
Bíblica Universitária (ABU). Essa amiga nos acompanhou no nosso início de vida cristã. (E hoje após 25
anos, estamos ligados intimamente de corpo e espírito, não só com ela, mas com o seu marido, que é pastor
da missão, uma Igreja que se reúne em sua casa).
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Mais uns dois meses se passaram e fomos para uma Igreja Evangélica. Uma Igreja que nos ensinou a
orar e entender a Bíblia, mas não tinha visão social. Aos poucos fomos deixando a favela e a nossa vida com
desenvolvimento comunitário e entrando na vida religiosa da igreja.
Saímos do mundo onde éramos sal e luz e entramos numa vida religiosa dentro das quatro paredes do
prédio da igreja. Fomos líderes de jovens, de grupo caseiro, de discipulado, Tommy foi ungido diácono,
depois presbítero com a função pastoral. Fomos bons crentes, bons discípulos, mas esquecemos das missões
urbanas e o ide por toda terra. Esquecemos dos nordestinos. Esquecemos das meditações em nossas vidas. Um
tempo de escuridão social. Quatro anos sem atuar como voluntários em obras sociais.
Como profissionais, fomos missionários onde estagiamos e trabalhamos. Tommy, no Hospital das
Clínicas. Eu no Hospital das Clínicas e no Hospital Matarrazo (como estagiária) onde pude praticar o Serviço
Social e obras de misericórdia. Trabalhei na Legião Brasileira de Assistência (LBA) em trabalhos
comunitários nos bairros da periferia da zona sul e como Assistente Social da Creche Thebaída, creches nas
casas. Antes de nos casar, o nordeste voltou ao nosso coração e ficamos sabendo que a igreja necessitava de
missionários na frente missionária no Piauí. Oferecemo-nos para ir e no início fomos aceitos. Tínhamos que
arranjar emprego, pois a igreja não podia nos sustentar. Tommy entrou em contato com o Piauí e tentou de
tudo para arranjar emprego, mas nada. O presbitério nos chamou e acharam melhor nós ficarmos em São
Paulo, pois éramos de família de classe média e seríamos mais bem aproveitados em São Paulo. Ficou
decidido que não íamos mais. Lá se foram, o nordeste e obras de misericórdia. Ficamos em São Paulo.
CASAMENTO
Quando casamos, Tommy trabalhou na Amil, como diretor administrativo no Hospital São Vicente
de Paula em Jundiaí e depois ingressou na Sabará (cloro) como administrador e saiu como diretor financeiro.
Eu resolvi trabalhar como voluntária e virei esposa de pastor. Neste tempo voltei aos poucos com meus
trabalhos sociais. Mas como somos chamados por Deus para vivermos o Reino de Deus, somos vocacionados
e trabalhamos assim na cidade de São Paulo, estendendo o Reino de Deus através de tudo o que fazíamos.
VOLTANDO AS ORIGENS: MISSÃO INTEGRAL
Onde pude exercer a minha profissão e atuar na comunidade visando um desenvolvimento, foi
quando mudamos de casa para o bairro da Zona Norte chamado Tremembé. Uma grande amiga e discípula,
sabia do meu sonho de unir o social com o espiritual e emocional, o ser integral. De iniciar um trabalho na
minha casa, onde pudesse atuar no homem integral, visando seu espírito, alma e corpo. Ela tinha uma amiga
que tinha uma mansão no Tremembé e não conseguia vender. Os traficantes de drogas estavam começando a
usar a casa e estragar tudo. Fizemos uma proposta de aluguel que o Tommy poderia pagar e prometemos
cuidar da casa como se fosse nossa. Para surpresa de todos, ela aceitou o que o Tommy propôs e nós
mudamos para uma casa de 3 suítes, escritório, hall com lareira, sala de visita, sala de jantar, sala de televisão
toda de vidro, sala de almoço, cozinha e lavanderia. Garagem para 10 carros, com churrasqueira e quartinho e
banheiro. Canil e quarto de empregada com banheiro e mais uma casinha embaixo da casa, com quarto,
cozinha e banheiro. Casa num terreno de mil e quinhentos metros, com flores e árvores frutíferas. Só Deus
para fazer algo incrível assim. A casa ficava ao lado de uma escola estadual. Comecei a orar e perguntar ao
Senhor como poderia ser útil no bairro e quem sabe na escola. Após uma semana de oração e pesquisa em
campo, Deus me deu o trabalho: reforço escolar com meninas da sétima série. Fiz um projeto para apresentar
à igreja-mãe para que ela pudesse me ajudar com recurso financeiro.
PROJETO REFORÇO ESCOLAR TEMPO PARCIAL
No projeto constavam as atividades a serem desenvolvidas com dez meninas da sétima série, mais ou
menos de 13 a 14 anos. O projeto aconteceria três vezes por semana, das setes horas da manhã até treze horas,
horário de entrada de aula, na escola ao lado. Começaríamos com o café da manhã, estudo da bíblia, do
evangelho de João, bem dinâmico, com redação, desenhos e recortes. Aprender a ler jornal, revistas e artigos,
resumir e ministrar às outras. Aulas de artesanato, com pintura em gesso. Aula de etiqueta social. Fazer a
lição de casa. Matriculei no clube dos oficiais, duas vezes por semana, com iniciação em todos os esportes,
incluindo natação. E também matriculei numa escola de datilografia perto de suas casas. Constaria com
lanche e almoço. Precisaria comprar uma mesa de pingue-pongue, assinar revistas (Super Interessante, Isto é e
Veja), cadernos, bíblias, canetas, pastas, dicionário, tintas, gesso e mais coisas de papelaria. O projeto foi
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negado pelo presbitério. Motivo? Esse trabalho não contribuiria para o crescimento da igreja. Quando Tommy
contou-me, fiquei chocada e chorei muito.
Falei com Deus:
“- Foi o Senhor que deu o projeto, é seu, porque os pastores não aceitam? O que faço? Deus ficou
silencioso e eu confusa”.
Mas no dia seguinte Deus respondeu-me através do meu marido:
“- Querida, orei muito pelo projeto e senti que é um projeto de Deus, eu vou assumir a parte
financeira e vai ser um sucesso. Vamos economizar onde pudermos e fazer o projeto pela fé. Vá comprar o
material e ir à escola levar o projeto”.
Apresentei o projeto para a diretora e pedi para ela escolher dez meninas da sétima séria, que fossem
meninas fáceis de serem ministradas e com vontade de crescer em outras áreas de suas vidas. No dia seguinte
a diretora me telefonou dizendo que já tinha escolhido as alunas com a ajuda da coordenadora pedagógica.
Pedi para ela marcar uma reunião com os pais e saí para comprar os materiais. Fizemos a reunião com os pais
num sábado à tarde, expusemos o projeto e falamos que ajudaríamos suas filhas a serem mulheres diferentes e
que estávamos dispostos a ajudar suas famílias também. Fizemos um culto a Deus de ações de graças e
adoração. Fomos dormir empolgados.
Esse projeto durou todo um ano e foi maravilhoso, tanto para mim, como para as meninas e suas
famílias. Deus se movia todos os dias. Não sei cozinhar bem, nem desenhar, quanto mais fazer artesanato.
Mas cozinhei para dez e fiz salada, comida, sobremesa. Tudo ficou perfeito!!! Deus é tremendo. Ele mandou
anjos cozinharem comigo. Uma vez por semana, matriculei-me numa aula de artesanato para aprender a
técnica de pintura em gesso. Na hora do artesanato, nem precisei colocar a mão na massa. Só ia falando e elas
faziam e saíam vasos, porta-retratos e quadros lindos. As revistas chegavam, elas liam, levavam para casa,
recortavam, faziam cartazes e resumos. Depois de dois meses, foram uma a uma se convertendo. Depois de
lermos o evangelho de João, passamos a ler Mateus e depois o Novo Testamento. Elas escreviam resumos,
doutrinas bíblicas, referências e palavras proféticas. Algumas foram batizadas com o Espírito Santo na sala de
casa e batizadas nas águas numa piscina que colocamos em casa. Quanto ao clube, aprenderam a jogar vôlei,
basquete, handball e natação. Todas se formaram em datilografia e a formatura foi na garagem de casa, com
festa e entrega dos diplomas.
O mais incrível foi que cada curso ligava a nossa família a pessoas interessadas em conhecer mais a Deus.
NASCE UMA IGREJA: “ELIANA”, DEUS DÁ DE GRAÇA
Abrimos após três meses de projeto o nosso primeiro grupo caseiro. O grupo cresceu e tínhamos um
estudo dinâmico com perguntas e respostas vindas da Palavra de Deus. Após o primeiro grupo, nasceram
outros grupos familiares na redondeza e em sete meses estávamos inaugurando a Igreja Edificando em Cristo.
Eu comprava gesso numa escola de artesanato e a dona perguntava o porquê do projeto e eu falava
do meu amor pelas pessoas e da obra de Jesus. Ela começou a se interessar e começou a dar de graça o gesso
e aproveitamos uma amiga que foi fazer o curso de artesanato na escola e em um mês a dona da escola se
converteu e no mês seguinte seu marido também.
Deste projeto, três jovens se interessaram por Jesus. Então fiz um mini projeto com os três no
período da tarde. Paguei a datilografia, fiz estudo bíblico com eles e teclado para uma e violão para o outro.
Uma delas trabalhava em casa de família e era tratada como uma escrava. Não podia sair de casa, ganhava
pouco e era explorada. Aconselhamo-la a exigir férias e de tanto lutar com a patroa, conseguiu o mês de julho
e ela ficou hospedada em casa, para poder participar de um projeto só dela. Estudamos a Bíblia e ela fez
datilografia. Os três se converteram, uma trouxe a irmã e o noivo que se converteram e casaram na igreja. A
que trabalhava como escrava, conseguimos tirá-la do emprego e a contratamos como secretária do Centro de
Convivência que abrimos no ano seguinte. Investimos nela, pagamos um curso de Desenvolvimento
Comunitário no CADI (Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral), no Paraná, depois ela estagiou no
Ceará na cidade de Aratuba e voltando para São Paulo foi enviada para trabalhar na favela de Guarulhos, num
trabalho de Desenvolvimento Comunitário (Núcleo Cristão de cidadania). Cursou a faculdade de Pedagogia e
agora está com o objetivo de fazer pós-graduação nesta área. Sua irmã também se converteu, casou e está
numa cidade do interior implantando o Evangelho do reino.
CENTRO DE CONVIVÊNCIA DO TREMEMBÉ
No ano seguinte ao início do projeto, iniciamos um Centro Social em casa, na qual chamei de Centro
de Convivência. Convidei duas amigas Assistentes Sociais para me ajudarem. Ficamos um ano na casa,
iniciando devagar os cursos que a comunidade pedia. Com a outra Assistente social, abrimos um grupo de
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gestante conveniado com o Posto de Saúde. Para as gestantes inscritas no pré-natal do Posto, demos um curso
de dois meses e no final cada gestante recebia um enxoval completo e visitas após o nascimento do bebê.
Enquanto o curso de gestante acontecia, em outra sala umas senhoras da igreja católica
confeccionavam os enxovaizinhos.
Após uns dois anos, tanto a igreja como o Centro de Convivência cresceu tanto, que alugamos na Praça do
Tremembé um salão enorme que pertencia a um supermercado. Fizemos um mutirão da Igreja para reformar e
decorar aquele prédio. Quanto ao Centro Social, tivemos benção sobre benção. Abrimos mais alguns cursos,
como culinária, estética, pintura em pano de tecido, inglês, teclado, violão, bateria, ginástica ritma, e ballet
infantil. Iniciamos um centro de costura para confeccionar roupas para os índios e missionários de base da
JOCUM de Rondônia. Abrimos um brechó de roupas seminovas e novas que funcionavam todos os dias
durante os cursos e no sábado de manhã na frente do prédio. Com o dinheiro arrecadado com o brechó,
comprávamos o material para confeccionar os enxovais das gestantes e tecidos para fazer as roupas para a
JOCUM e sobrava dinheiro para postar no correio. Quando eu queria adquirir algum material e não tinha
dinheiro, orava muito ao Senhor e como fruto da dádiva de Deus, ganhamos: seis computadores, sete
máquinas de costura, sendo duas industriais, todos equipamentos de cabeleireiro, manicura e estética, balança
para nutricionista e toda a decoração da sala da psicóloga. Deus derrama a sua maravilhosa graça dia após dia.
Eu era voluntária e me dedicava ao trabalho no Centro e fazia todo o meu trabalho com fé, amor e dedicação.
Tive relacionamentos com o posto de saúde, com estabelecimentos comerciais da região e com líderes
religiosos. Foram momentos gloriosos para minha vida e também para a comunidade. A minha maior clientela
eram os nordestinos. Por que os nordestinos? O que Deus tem para mim colocando no meu caminho os
nordestinos?
DESLIGAMENTO DA IGREJA MÃE
Alguns anos depois, por causa de uma grave heresia na igreja-mãe, desligaram tanto Tommy como
eu e toda a Igreja que se reunia na minha casa. Passamos a andar debaixo da cobertura de um ministério
apostólico. Após o nosso desligamento começamos a freqüentar conferências missionárias, palestras e
encontros em outras denominações. Fomos a SEPAL e uma missionária da SEPAL nos passou nomes de
líderes de missões e agências missionárias. Nomes de livros que deveríamos ler e datas de conferências
missionárias. Dedicamos um ano para ler, resumir, entrevistar diversos líderes e participar de encontros.
Fizemos dois cursos de Desenvolvimento Comunitário no Paraná, um com o Darrow Miller e outro com o
Maurício do CADI (Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral.. O Tommy dizia: “quando você
completar quarenta anos irá estar no campo missionário”. Isso seria em 1999. Então, começamos a trabalhar a
igreja para nosso envio e nos preparar para o campo. Tanto na visão missionária como estudos de medicina
para o Tommy se integrar novamente na clínica médica.
CHAMADO MISSIONÁRIO URGENTE
No II Encontro de Missões, no ano de 1998, na cidade de Guarapari, Espírito Santo aconteceu o
nosso chamado Missionário. Primeiro, passamos no stand da AMIDE, onde a presidente chamou o Tommy e
deu uma palavra profética:
- “Tommy, Deus está chamando você para voltar a clinicar, usar a medicina no ministério
missionário. Volte para a medicina e Deus vai te usar muito”.
No mesmo dia, andando pelos outros stands, deparamos com um stand nordestino: JUVEP. Paramos
e ficamos pasmados com o que vimos de cartazes e trabalhos no sertão nordestino. O diretor da missão, nos
olhou e percebeu o nosso espanto e começou a conversar conosco. Desta conversa, saiu um planejamento de
uma viagem missionária para a Paraíba com ele. Seria em Janeiro num rali pelo sertão paraibano.
Participamos de várias palestras e fóruns de discussão e em todas elas, nossos olhos enchiam de lágrimas. Em
uma em especial, que era a oficina de Fazedores de Tenda, encontramos o nosso ministério, pois com a
medicina o Tommy iria nos sustentar e evangelizar.
ESPIANDO A TERRA
Em Janeiro de 1999 viajamos para o nordeste sozinho. Passamos por Maceió e visitamos o SEBRAE
e algumas faculdades. Viajamos de ônibus com destino a João Pessoa e parávamos em pousadas para
descansar e estudar história, geografia e política do nordeste. De João Pessoa, saímos no rali pelo sertão
paraibano por cinco dias e após essa viagem com o diretor da missão, nos instalamos num hotel perto de
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Cajazeiras onde alugamos um carro e fizemos viagens por outras cidades do sertão paraibano e sertão do Rio
Grande do Norte. No final de janeiro pegamos um ônibus e fomos para Fortaleza visitar a Adriana e Júlio,
meus cunhados. Passeamos muito por Fortaleza e também visitamos o Banco do Nordeste e pesquisamos,
xerocamos e entrevistamos especialistas, tudo sobre o sertão cearense. Fomos ao SEBRAE, casa de cultura e
outros lugares para aprendermos mais sobre o nordeste. Júlio e Adriana insistiram para conversarmos com
um assessor do secretário de saúde e procurarmos emprego no Ceará, pois todas as cidades tinham implantado
o PSF (Programa Saúde da Família). Marcamos um horário então com o assessor e ele nos falou sobre o PSF
e toda trajetória no Ceará; falou da sua esposa Assistente Social e o trabalho em conjunto com ele.
Identificamos-nos muito. No final da conversa ele nos deu o nome de cem cidades que precisavam de
médicos e mandou escolhermos. Saímos da Secretaria de Saúde e procuramos uma irmã do nosso cunhado
que conhecia todas as cidades do Ceará e pedimos ajuda para escolher cinco cidades. Queríamos cidades que
ficavam no máximo, trezentos quilômetros de Fortaleza, cidade com menos de 2% de cristãos autênticos,
tivesse mais de dez cidades vizinhas, um prefeito correto e de caráter e um secretário de saúde que trabalhava
bem o PSF. Ela nos deu o nome das cinco cidades: Viçosa do Ceará, Quixadá, Baturité, Iguatu e Aratuba.
Entregamos a lista para o assessor. Voltamos para São Paulo orando para Deus abrir as portas da primeira
cidade que iríamos como missionários “fazedores de tenda”.
(Deixamos currículo do Tommy em todas cidades que passamos pela Paraíba e nenhuma nos deu
retorno. Não conseguimos emprego de médico para o Tommy no estado da Paraíba.)
Duas semanas após o retorno da nossa viagem missionária ao nordeste, uma senhora do Ceará nos
telefonou e disse:
- “Sou a secretária de saúde de Aratuba e estamos precisando de médico para início de Maio”.
A primeira cidade se abriu e foi no estado do Ceará. Começamos então a nos preparar para viajar no final de
abril. Mas um dia o Tommy disse:
- “Carol, sinto que devemos viajar para Fortaleza e conhecer a secretária de saúde, procurar casa para
alugar e conhecer a cidade de Aratuba”.
E assim viajamos em março para o Ceará, conhecemos a secretária de saúde, uma cristã
evangélica, médica obstétrica muito boa na prática do PSF. Conhecemos Aratuba, uma cidade de serra.
Fomos apresentados para o prefeito, um senhor honesto e era considerado o melhor prefeito do Ceará e
ficamos sabendo de uma casa para alugar, num sítio que ficava cinco quilômetros do centro da cidade.
Conversamos com todos e deixamos tudo certo, desde emprego até a casa. Voltamos para São Paulo e nos
dedicamos em preparar a igreja para a nossa saída. E assim, no final de abril estávamos instalados na nossa
nova casa e nova cidade. Deus cumpriu tudo isso na minha vida quando eu estava com quarenta anos. Deus é
bom demais, não há outro como Ele.
Então volta a minha pergunta do início do capítulo: “Por que o nordeste?”
Já contei o meu amor pelos nordestinos. Mas também pesquisei muito sobre a região nordeste e comecei a ler
livros sobre a região, pegar recortes de jornal falando do nordeste e fiz um arquivo da região.
O NORDESTE
O nordeste tem uma história de uma estrutura social rígida, de senhores e escravos, de senzalas, de
ricos e pobres.
É a região de menor renda per capta, maior desemprego, maior número de analfabetos, de crianças fora da
escola, de maior índice de trabalho infantil, um número grande de prostituição e mães solteiras. De menor
expectativa de vida, menor percentual de saneamento e água encanada, menor número de trabalhadores sem
carteira registrada e recebendo salário inferior ao salário mínimo e a região menos evangelizada do Brasil.
O nordeste é a periferia do Brasil e o sertão é a periferia do nordeste. O nordeste tem terra rica e gente pobre.
Os poucos ricos exploram a maioria pobre. Foi a terra dos coronéis onde aconteceu muita injustiça social.
O potencial agrícola, turístico, industrial e humano é imenso. Mas tem sido pouco utilizado.
O nordestino do sertão é forte, amável, inteligente, trabalhador, sensível e lutador. Ele é descriminado pelos
nordestinos das serras, caatinga e da região litorânea. Nordestino em geral é descriminado pelas regiões Sul e
Sudeste do Brasil..
Ao mesmo tempo foi o berço de homens e mulheres inteligentes, com dons artísticos e de grande influência
na cultura brasileira. São estes: Rui Barbosa, José de Alencar, Gilberto Freire, Jorge Amado, Raquel de
Queiroz, Clóvis Beviláque, Chico Anísio, Fagner, Tom Cavalcante e José Wilker.
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Dizem que o cearense é o judeu brasileiro. Aonde vamos Brasil afora encontramos um cearense morando lá.
O cearense possui uma cultura ímpar e uma mentalidade peculiar: ele dorme em rede, tem gírias próprias, um
sotaque, uma cozinha deliciosa, muito brincalhona, hospitaleira e com forte inclinação para letras, ciências
humanas, música, dança instrumentos musicais e a literatura de cordel..
3- CULTO DE ENVIO E CHEGADA EM ARATUBA
Chegou o grande dia, o nosso envio pela igreja que iniciamos em nossa casa. A igreja que nasceu do
nosso coração, no bairro do Tremembé, estava enviando o primeiro casal missionário: os pais da igreja, eu e o
Tommy. Estávamos de partida para o sertão do Ceará e deixamos a igreja nas mãos de um presbitério ungido
por nós.
Um culto maravilhoso de envio, com pessoas especiais na nossa vida, vindo para a despedida e orar
por nós, nos enviando. Além dos irmãos da igreja local vieram vários pastores e amigos para a nossa
despedida.
Louvor, adoração, danças com o ministério de dança e mímica da igreja e do grupo de dança do
Centro de Convivência do Tremembé, intercessão pelo nordeste, uma palavra ministrada e oração de envio
por todos os pastores presentes.
Muitos abraços, beijos, orações individuais, presentes, cartas e muito choro, foram embora e dormimos a
nossa última noite na casa dos meus pais. De manhã cedo pegamos minha sogra e fomos para o aeroporto de
Cumbica e ali, depois de despedidas e choros; embarcamos rumo ao nosso sonho: sermos missionários no
nordeste.
Em Fortaleza fomos recebidos pelos nossos cunhados, Júlio e Adriana e sobrinhos Juliana e Pedro.
Dormimos uma noite em seu apartamento. Entrei no quarto do Pedro onde dormimos me arrumei para deitar,
oramos juntos e apagamos a luz. Aí veio um desespero e comecei a chorar. Tommy acendeu a luz e
preocupado perguntou o que estava havendo e comecei a relatar.
- “Querido, estou tão assustada! Saímos de tão longe e aqui estamos. São Paulo, uma selva de
pedra, a maior cidade brasileira para a cidade de Aratuba, uma das menores cidades de um
estado pobre e pequeno. Será que vou me adaptar?”
- “Carol, o que é isso querida? Agora que você se preocupa? Já mudamos tanto dentro da grande
São Paulo e você sempre se adaptou”.
- “É que estou com o coração apertado, está doendo. Não sei, talvez por estar longe dos meus pais,
nossa família, nossa igreja, amigos, não sei dizer. Estou confusa”.
- “Estou lembrando do meu pai e da minha mãe. Eles choraram muito na nossa despedida”.
- “Amada, é a vontade de Deus e Ele confirmou em tudo o que oramos você está emocionada.
Após um culto lindo de ontem, com tantos amigos, despedimos dos pais e vendo-oseles
chorando e uma viagem cansativa, amanhã você estará bem”.
Então o Tommy se levantou, sentou na minha cama e me abraçou com ternura, beijou o meu rosto, enxugou
minhas lágrimas e orou por mim. Depois me deitou na cama, cobriu-me , fez um carinho nos meus cabelos e
dormiu.
Tommy sempre deita e num minuto dorme profundo. Eu fiquei rolando para lá e para cá, imaginando minha
nova vida no sertão.
Num piscar de olhos, vejo o Tommy colocando uma bermuda, me olhando e dizendo:
- “Bom dia querida, durma mais um pouco, vou dar uma caminhada na beira mar e quando o café
estiver pronto te chamo. Todos da casa estão dormindo ainda”.
- “Tá bom”, respondi.
Passei o dia inteiro com tristeza, pois estava rompendo com uma vida burocrata cristã. Um sentimento de
vazio. E perguntava a Deus: - “Para onde vou? Como será a minha nova vida?”
Estou deixando salário bom do Tommy, status por presidir uma obra social grande, posição dentro da igreja,
deixando São Paulo, a maior cidade do Brasil. Estou indo para uma cidade, quem sabe a menor e um dos
estados mais pobres do Brasil. Um lugar onde não sou ninguém e Tommy com emprego de posto de saúde e
com salário três vezes menor. Mas sou uma mulher de fé e de aventura, tenho visão de águia, enxergo longe e
sei que estou para alcançar o alvo que Deus estabeleceu para mim.
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PARTE 2 ☼
ARATUBA
“SE NÓS VIVEMOS POR FORA
DAS COISAS QUE O MUNDO ADORA
DA GRANDE AMBIÇÃO QUE EXPLORA,
OURO, PRATA E POSIÇÃO,
TEMOS, EM NOSSO CAMINHA,
E CADA PASSARINHO,
A MAIS SONORA CANÇÃO”
(Patativa Assaré)
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1- CHEGAMOS NO CAMPO MISSIONÁRIO: ARATUBA
Tomamos café naquela manhã com todos da casa e o Júlio insistiu para levarmos o seu carro
emprestado e no final de semana ele iria com a Adriana no outro carro e voltavam com os dois. Arrumamos o
carro e partimos para Aratuba. O dia estava chuvoso, era mês de Abril e o inverno Nordestino estava muito
bom naquele ano de 1999.
ARATUBA
Aratuba é uma das cidades que compõe o Maciço de Baturité. Inserida dentro de uma área de
preservação ambiental, o município tem atrativos naturais de uma beleza exótica, com trilhas ecológicas e
cachoeiras no meio da serra. Subindo a serra, avistamos o sertão cearense, com um pôr do sol exuberante. È a
cidade cearense de maior altitude. Tem um clima ameno (18ºa 22º) com mínima de até 10º. Fica 132
quilômetros de Fortaleza, capital do estado do Ceará.
Resolvemos ir para Aratuba, avisar a secretária de Saúde, que chegamos e no início de maio o
Tommy iniciaria seu novo trabalho.
Depois fomos ver a casa onde iríamos morar. Ela era toda avarandada e já estava na cor que tínhamos
encomendado ao proprietário: toda amarelinha com as colunas e beirais das portas e janelas de azul royal. Os
três pintores estavam trabalhando na casa e muito simpáticos nos receberam muito bem, como todo cearense.
Mostraram-nos toda a casa, cômodo por cômodo. Da linda varanda dava na sala de jantar e de estar.
Os empregados que estavam trabalhando nela nos mostraram toda a casa. O quintal, o poço, que ficava lá fora
da casa e o rio que passava ao lado.
- “Esse rio não inunda não”? Tommy perguntou num sotaque cearense
- “Só inundou uma vez num inverno muito bom, doutor, mas não entrou na casa. Não tem medo
não doutor, a casa é forte, não vai cair”.
- “O que é essa folhagem seca em cima da porta e esses pontos pretos na parede e chão”?
- “Ah, doutora, esqueci de dizer. Aqui tem muito morcego de noite, então essas folhagens são para
espantar, mas o preto era quando os morcegos vinham e defecavam na parede. Mas agora, com
essa folhagem eles não vêm mais”.
Viajamos para a cidade de Guaramiranga, cidade serrana e turística do Ceará. Dormimos no hotel escola do
SENAC.
O povo é muito acolhedor. Os restaurantes são requintados e pratos das cozinhas alemã e francesa. Todo
carnaval, em vez da festa típica, tem jazz e blues e lotam a cidade.
Após um dia em Guaramiranga, descemos a serra para a cidade de Baturité.
BATURITÉ
Uma cidade com clima de sertão, chuva e calor intenso. Baturité é uma cidade comercial, o pólo de dez
cidades menores.
Choveu três dias sem parar e nada do caminhão da mudança telefonar. Quando a chuva amenizava um pouco,
íamos caminhar pela cidade e logo retornávamos, pois a chuva vinha com toda força. Passamos três dias num
hotel com o quarto todo mofado e só com um a sala de refeições e mais nada.
Dia 29 de Março, quando deu 12h00minhs o motorista do caminhão telefonou dizendo que estava chegando.
- “Aleluia! Até que enfim! Vamos para nossa casa hoje”. Disse para o Tommy
Eu me diverti muito apesar do cansaço. Tivemos um contratempo com o caminhão e a chuva, mas a mudança
foi entrando e terminou às 20h00minhs. Antes de tomar banho, fizemos um culto de adoração e ações de
graças ao Senhor. Ele nos trouxe em segurança, operou milagres e agora estávamos na terra que Ele nos deu.
Após um banho gelado fomos até a cidade telefonar para nossos pais e dizer que estávamos bem. Voltamos
para casa e dormimos muito bem.
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2 - INÍCIO DA NOVA VIDA
PRIMEIRO DIA NA NOVA CASA
Dedicamos nossos dias para arrumar a casa e no final de semana, Julio, Adriana e as crianças vieram nos
ajudar. Passamos um final de semana bem agradável e comemoramos com um founde de queijo no sábado
noite na nossa varanda com uma temperatura de dezoito graus, um friozinho de serra. Pensamos como é bom
ir para uma terra estranha e ter familiares que moram no local. Júlio e Adriana foram bárbaros conosco.
Na segunda-feira o dono da fazenda apresentou-nos um jovem casal, que poderiam trabalhar em casa, ela
com os deveres domésticos e ele com o trabalho do jardim, horta e manutenção do sítio. Logo de início,
gostamos dos dois e já agendamos o início do trabalho.
No sertão e serra cearense o trabalho doméstico funciona desta maneira: eles iniciam o trabalho ás
07h00minhs, páram às 11h45minhs minutos, vão almoçar em sua própria casa, fazem a cesta, retornam ao
emprego às 13h00minhs e saem pontualmente às 16h00minhs. É o costume de todos os trabalhadores da roça
e de casa de família. A maioria ganha menos que um salário mínimo e não tem registro em carteira. A folga
acontece de quinze em quinze dias, somente aos domingos. Quando acertei com o casal de pagar um salário
mínimo para ela e meio salário para ele (pois ele trabalharia apenas meio período), trabalhando sábado meio
dia e tendo folga aos domingos e feriados. Eles ficaram pasmados.
PSF (PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA)
Tommy iniciou o seu trabalho na secretaria de saúde, como médico da família no Programa de Saúde da
Família (PSF).
A implantação do PSF pelo Governo Federal foi uma estratégia para operacionalizar o processo de
descentralização da atenção à saúde, da busca da universalidade e da equidade – princípios estabelecidos na
Constituição de 1988.
A medicina familiar não separa a doença da pessoa e nem a pessoa do ambiente. Reconhece que a saúde e
a doença estão fortemente relacionadas com a personalidade, o modo de vida, o meio ambiente físico e as
relações humanas. Compreende a forte influência que as relações humanas têm no desenlace da doença e
reconhece a família como o cadinho do desenvolvimento da pessoa.
O PSF é um programa onde o médico é inserido dentro da sociedade e da família. Ele entende um pouco
da especialização da clinica geral, da pediatria, obstetrícia, dermatologia, psiquiatria, cardiologia, geriatria e
entende muito de saúde pública. Ele compreende as relações afetivas que envolvem uma família, sendo capaz
de providenciar apoio emocional e de ajudar cada membro da família a lidar com os sentimentos que surgem
com uma doença grave. Tem o papel de levar a prevenção das doenças ligadas à higiene, meio ambiente e
doenças de países de terceiro mundo. Um médico que aprendeu a pensar na família e na sociedade, ao mesmo
tempo em que medita na sua parte clinica.
O médico do PSF vê o município como o seu paciente e deve intervir para levar a ser um município saudável.
O conceito de município saudável pela Promoção de Saúde é o processo que confere ao povo os meios de
assegurar um maior controle e melhoria da sua própria saúde. A paz familiar, harmonia da sociedade,
educação, alimentação, renda, ecossistema, justiça social são índices de um município saudável ou não. O
médico da família trabalha em todas as áreas que o rodeia o ser humano. Uma medicina, bio-psico-social-
ambiental.
O estado do Ceará implantou o PSF em quase sua totalidade de municípios há 15 anos. Os indicadores de
saúde melhoraram, pois os resultados positivos são visto pela redução da mortalidade infantil. Os bons
resultados aparecem também no aumento do índice de aleitamento materno e na ampliação da cobertura pré-
natal. O estado recebe cobertura do Programa Saúde da Família na área bucal – com adesão de dentistas às
equipes PSF.
O médico, as enfermeiras e nutricionistas saem do seu consultório e vão onde as famílias moram. Criam-
se pequenos postos de saúde nas escolas ou em algumas casas. Cada equipe de PSF tem um médico,
enfermeira, auxiliar de enfermagem e um escriturário, além do carro e motorista. Cada dia da semana, essa
equipe anda até um lugar bem distante do centro da cidade, e atende no posto montado num certo local. Antes
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das consultas há uma dinâmica de grupo com os pacientes na sala de espera (sala de aula ou sala ou varanda
de uma casa), aulas sobre prevenção da saúde, de maneira bem instrutiva, com cartazes e teatro. Depois que
todos pacientes forem atendidos e medicados, a equipe faz as visitas domiciliares aos recém nascidos, aos
inválidos, aos deficientes e idosos. Mas durante a semana, em cada bairro, sitio ou fazenda, há agentes de
saúde bem treinadas, com alguns equipamentos fazem visita domiciliares para toda a comunidade.
No início colocaram o Tommy em vários sítios durante as tardes e pelas manhãs atendia no centro de
saúde da cidade. Cada dia da semana ele trabalhava em uma região, ou centro, serra ou sertão. Foi uma
aventura para ele. Havia no sertão a localidade Santo Antônio, um pequeno lugarejo. A equipe atendia na
casa de uma senhora muito simpática. Na sala de visitas ficavam os pacientes esperando a serem consultados,
na cozinha ficava a auxiliar de enfermagem medicando e entregando os medicamentos para serem tomados
durante a semana e o médico ficava num quarto examinando os pacientes. A enfermeira atendia os pré-natais.
Após as consultas, Tommy e a as enfermeiras faziam as visitas domiciliares, para àqueles que não podiam se
locomover. A dona da casa esperava toda equipe para tomar um lanche, antes de retornarem. Mais uns
quilômetros acima havia outra localidade e era feitos o mesmo e a dona da casa era uma senhora mais de
idade e também preparava um maravilhoso lanche. Havia uma localidade chamada Buracão, outra Santo
Antonio, Calembre, Coquinho e Aningas.
O Trabalho do PSF é um trabalho visando o bem estar da população, onde o médico pode ter uma
visão melhor paciente-doença e doença-comunidade. È o Reino de Deus sendo estabelecido através da
profissão médico. Pois o Tommy ia onde o paciente morava, ficava o dia em contato com pessoas e
comunidades. Conversando, atendendo cada paciente como um ser humano, criado por Deus e não como uma
“massa” como é atendida nos grandes centros. Nestes dias que o Tommy viajava até os sítios, ele ia junto com
a sua equipe e como demorava mais de meia hora, a equipe foi tendo um bom convívio e não era mais só uma
equipe de trabalho, tornaram-se amigos e isso é muito bom para a população. Os pacientes eram conhecidos
pela equipe pelo nome, histórico, modo de vida e como uma pessoa digna, especial e única. O trabalho do
Tommy foi levar o Reino de Deus para cada sítio e santificar o comum para Deus. Isso quer dizer, fazer seu
trabalho com excelência, responsabilidade e dando o seu melhor para o paciente. Isso é santificar o comum, a
medicina, os remédios, a consulta, o relacionamento. Não precisa ir só ao culto ou alguma celebração toda
preparada para ser santificado ou santificar algo....Fazendo qualquer coisa para Deus dando o seu melhor é
santificar. A medicina foi o campo missionário do Tommy, onde ele estava santificando as coisas do dia a dia
do seu paciente e da sua vida.
Tommy precisou aprender o vocabulário local - o “ceares” do sertão. Os termos médicos eram bem
diferentes e quando ele tirava a história do paciente precisava perguntar muitas vezes e até com mímica para
entender. O doutor Sérgio, outro médico do PSF, que já trabalhava mais de um ano, ajudou o Tommy fazendo
uma lista das principais queixas dos pacientes na área de saúde. Por exemplo: quando o paciente está com
vontade de vomitar, ele diz: - “doutor vou provocar”.
Não escuto bem é não oiço. Órgãos sexuais são as partes baixas. Dar a luz é pari. Corrimento genital é
escorrimento. Ferida na pele, diz bicheira. Comida pesada, que faz mal á saúde é comida remosa. Tomar
a injeção de benzetasil, diz benzetasilva. Tomar metade do comprimido, tomar uma banda do
comprimido. A dor nas costas, fala-se dor nas patas; na pata direita ou esquerda. Naris escorrendo,
naris istalecido. Sem fome é estou com fastio. Quando está mal do corpo, Ásia ou qualquer mal estar,
diz-se estou com gastura. Aí o médico tem que adivinhar onde é a gastura. Xarope se diz lambedor. Dor
nas costas em cima do “bumbum” é dor nos quarto. Há muitos outros termos médicos “ceares”, mas eu
gastaria linhas e linhas para listar.
Depois de duas semanas arrumando a minha casa, comecei ir às tardes com a equipe do Tommy nas
consultas nos sítios. Fiz isso durante duas semanas.
CURSO PARA AGENTES DE SAÚDE
Conversei com a coordenadora do PSF e ofereci uma ajuda para treinar as agentes de saúde. Ela aceitou e
comecei a estudar sobre o trabalho ideal de uma agente de saúde. Li textos sobre o trabalho de agentes de
saúde que trabalham na África, Cuba e em outras regiões do Brasil. Assisti vídeos do Ministério da Saúde,
que é um treinamento por vídeo para comunidades rurais.
O agente de saúde é o papel mais importante da equipe do PSF, pois é ela que está em contato diário com as
famílias que moram na sua localidade.
Ela precisa ser convencida das necessidades da saúde e ser capaz de implantar mudanças na sua região de
atuação. Por isso um treinamento é de extrema importância.
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O treinamento que elaborei é bem dinâmico para que todas as agentes de saúde que são de níveis de
escolaridade diferentes, possam entender. Além da diferença do grau de instrução, cada uma mora e atua
numa região com certas peculiaridades, sendo sertão, cidade e serra.
Uma boa agente de saúde necessita organizar programas de educação nutricional e sanitária, dar atenção
especial às crianças com peso abaixo do normal, desnutridos. Também sua tarefa consiste em pesar e
examinar as crianças, orientar gestantes, diabéticos e hipertensos. Ter um diário com planilhas para anotar
suas atividades e entregar esta na reunião mensal com a coordenadora do PSF juntamente com todas agentes
de saúde e enfermeiras de todas as localidades.
Na primeira reunião fiz um psicodrama para ensinar como preencher corretamente o cadastro de cada
morador visitado.
Na segunda reunião dividi todas em pequenos grupos para o melhor entendimento do que é ser uma agente de
saúde. Na terceira reunião o tema abordado foi o “Diagnóstico de uma comunidade”. Neste tema propus uma
oficina de territorialização onde cada uma deveria fazer o diagnóstico da sua área (diagnóstico demográfico e
socioeconômico).
Na outra sexta-feira fizemos o diagnóstico do meio ambiente e cultural. Na próxima reunião discutimos sobre
micro áreas de risco. Que significa descobrir o perigo da saúde das pessoas e onde está esse perigo. Para
entendermos bem a realidade dos perigos, fizemos um mapeamento de cada área com todas as informações
pesquisadas. Neste dia aprendemos a usar os símbolos convencionais da saúde.
Na sétima reunião falamos sobre Planejamento Familiar. O que é planejar? Quais os métodos
anticoncepcionais? Cada grupo ficou com nome de métodos para pesquisar a maneira de usar e sua eficácia e
apresentar para todos. Desenhamos o aparelho reprodutor feminino.
Outros temas para as vinte reuniões de treinamento: Pré-Natal, O Resguardo, O Recém Nascido, O Cartão
Registro da Criança, IRA (infecção respiratória aguda), O período da Adolescência, O Deficiente Físico e o
Mental, AIDS, Câncer de Mama e Útero e Saúde Bucal.
Escrevi todo o projeto e a coordenadora do PSF aprovou e assim comecei os treinamentos
juntamente com as enfermeiras. Participei ativamente das primeiras reuniões. No meio do treinamento minha
filha nasceu e deixei todo o treinamento com as aulas, dinâmicas de aquecimento e de ministração à alma tudo
escrito para as enfermeiras fazerem. Estava iniciando uma nova fase em minha vida.
Esse trabalho que elaborei também que foi a maneira de estabelecer o Reino de Deus na saúde do
município, nos sítios e nas vidas das agentes de saúde. Pois o projeto visa alcançar o ser humano por
completo, com a prevenção da saúde e cura dos sintomas. Mesmo não ter participado atuando em todas as
reuniões senti que cumpri a minha parte na chamada de Deus para levar o Reino de Deus para a prática das
agentes de saúde. Este é um trabalho de transformação social a longo prazo e tende a se reproduzir pelo tempo
a fora.
3- ANINHA: UM PRESENTE DE DEUS
Aninha nasceu em 12 de Agosto de 1999 e foi um presente de Deus para nossas vidas. Por isso
demos o nome de Ana que significa “Graça” e o Tommy quis acrescentar Carolina que significa “doce
melodia” e por causa do meu nome também.
Ganhei de uma amiga o livro “Nana Nenê” e deste fiz um manual a seguir para cuidar do meu nenê.
Antes do seu nascimento, li esse livro diversas vezes, fiz um resumo e depois um fichamento que deixei
fixado em cima da minha escrivaninha. Esse livro ensina como fazer o nenê dormir mais tempo durante a
noite. Temos que seguir um esquema de dar de mamar e deixar o nenê ao nosso lado por quinze minutos e
depois colocá-lo no berço. Em um mês a Aninha já dormia das 23h00minhs às 06h00minhs da manhã.
Os móveis do quarto foram comprados num vilarejo na cidade vizinha, Mulungu. O enxoval de
berço, cortina e sacola, compraram no centro da cidade de Fortaleza. Todo na cor rosa, azul e verde, com
motivos aquáticos. Peixes coloridos, estrelas e moluscos. Minha sogra veio nos visitar e pintou na parede
verde claro os peixes iguais do enxoval. Ficou muito aconchegante. Como não tínhamos armários, Tommy
reformou duas estantes de ferro, pintou de verde claro, retirou uma prateleira, colocou um cabo de vassoura
pintada de verde claro, para colocar os vestidinhos. Minha mãe enfeitou com bordado inglês as prateleiras.
Não precisei comprar quase nada, pois a Alix (minha cunhada) mandou pela minha sogra lençóis, cobertores,
toalhas de banho e roupinhas, que foram do Lucas (meu sobrinho). A Keka (minha irmã) mandou pela minha
mãe vestidos que minha sobrinha Adriana tinha usado e macacões, camisinhas e casaquinhos do André (meu
sobrinho). Meus pais e sogra trouxeram presentes de tias e tio. A igreja do Tremembé enviou uma caixa cheia
de presentes dos irmãos e das amigas e alunas do Centro de Convivência. Júlio e Adriana nos presentearam
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com um carrinho e muitos presentes. A família do Júlio nos presenteou também. Os médicos e enfermeiras do
PSF nos deram uma cadeira para o carro. A Aninha ganhou muito presente material, mas principalmente
muito carinho.
Fui uma mãe que quis fazer de tudo: dar o primeiro banho, trocar, amamentar e ninar. O Tommy foi
um super pai, muito presente dividindo as madrugadas comigo, dando banho e fazendo dormir. Foi um mês
de mudanças, pois segui o livro Nana Nenê e após um mês ela já dormia umas seis horas seguidas. Esse livro
é maravilhoso! Neste primeiro mês não podia sair de casa com ela por causa das vacinas. Em casa continuei
com as reuniões de senhoras, adolescentes, crianças e grupo caseiro.
Após as vacinas já andávamos por todo lado. Ela cresceu numa família estável e equilibrada, cujos pais
se amavam e a amavam. Mas por sermos uma família missionária ela passou por muitas aventuras ao nosso
lado. Por exemplo, nas reuniões de grupo caseiro no sítio Tope na época das chuvas, as estradas ficavam
intransitáveis, então tínhamos que ir a pé, embaixo de chuva às vezes. Vestíamos a Aninha com muita roupa e
uma capinha de chuva e íamos a pé do sítio São João até o sítio Tope, uns cinco quilômetros. Íamos todos do
São João a pé e cantando músicas de louvor à Deus. Ou no sítio Matas para o grupo caseiro, íamos de carro,
mas às vezes atolava, às vezes tínhamos que andar um trecho a pé. Nunca reclamávamos, apenas ríamos e
louvávamos ao Senhor. Para nós tudo era uma aventura com Deus. Aninha participava de todos os cultos e
quando já era crescidinha levantava as mãos para Deus e depois quando já estava andando, dançava para o
Senhor. O cultinho para as crianças durante a pregação da Palavra era feito lá no quintal, um lugar a céu
aberto durante a noite. No início da igreja não tínhamos verba para suprir todas as necessidades, então as
crianças sentavam num tijolo e todos ficavam em semicírculo. Após um ano se reunindo desta maneira, um
casal cristão da igreja de Avaré veio nos visitar e ofertou a quantia para construir um telhado para o cultinho e
comprar as cadeiras. Ela nos acompanhava em todas as visitas domiciliares.
4- UMA CULINÁRIA DIFERENTE
Depois de andar com o Tommy pelos sítios, pensei em começar o meu próprio trabalho. A cidade de
Aratuba tinha um bom prefeito e secretários eficientes, com ações sociais em todas as áreas que cobrem o ser
humano. Não havia nada que poderia fazer, pois a população da cidade estava coberta com várias práticas da
área social.
Então, decidi fazer uma campanha de oração. Toda a manhã andava pela estrada da minha casa orando e
clamando a Deus pedindo orientação quanto a minha prática missionária na área de desenvolvimento
comunitário.
Após três dias de orações, Deus falou à minha mente uma frase bem forte e firme:
- “Carol, eu quero que você abra um curso de culinária com as moradoras do sítio São João, com as amigas da
minha secretária do lar”
Respondi à Deus: - “Como vou fazer isto se não sei cozinhar?”
O Senhor falou-me: - “Carol eu estou com você, vá e pise nas águas e elas se abrirão. Você vai dar aula de
culinária na sua cozinha e quando a sobremesa for pra geladeira você vai conversar e abençoar as mulheres.”
- “Só pela tua palavra eu vou. Confio no Senhor. Que seja tudo para a sua Glória.”.
Continuei a orar cantando em línguas, músicas espirituais falando sobre quem era Deus e o quê Ele fazia.
Entrei em adoração e comecei a chorar porque estava sentindo o amor de Deus e Ele por sua boca falou
comigo. Aleluia!
Cheguei a casa alegre e já falei com ela:
- “Querida, vem aqui um pouquinho. Tenho um convite especial para você e suas amigas. Vou iniciar um
curso de culinária e vou convidar suas amigas e família. Começaremos na terça-feira que vem às 14hs. Vou
ensinar a fazer doces fáceis e gostosos”.
Ela ficou contente e disse que ia trazer algumas mulheres.
Quando o Tommy chegou para almoçar fui correndo recebê-lo lá fora e disse:
- “Querido Deus falou comigo hoje e disse para eu dar aula de culinária para as amigas da Lúcia do São
João”.
- “Carol você nem sabe cozinhar, foi Deus mesmo que lhe falou?”, perguntou ele.
- “Claro que foi Tommy. Você acha que eu ia ter uma idéia dessas se nem sei cozinhar?”
- “Mas o que você vai ensinar Carol?”
- “Eu ainda não sei, mas vou orar. Só sei que foi o Senhor que me falou e tudo vai dar certo. Estou confiante”.
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Durante toda a semana fiquei preparando o meu curso de culinária. Telefonei para algumas amigas
em São Paulo para pegar receitas e todas falavam:
- “Aula de culinária Carol? E riam. Todas sabiam o fiasco que eu era na cozinha.”
Mas eu estava confiante em Deus. Escolhi que a primeira receita seria o mouse de limão da Vânia, minha
discípula e amiga de São Paulo. Escrevi a receita no computador, colorido e com desenhos e tirei cinco
cópias.
INÍCIO DAS AULAS
Chegou o dia, a minha secretária disse que traria as mulheres com ela após o almoço. Arrumei a
minha mesa da sala de jantar com uma toalha de flores rosa e verde, coloquei pratos brancos, talheres e copos
bonitos. Fui lá fora e colhi rosas cor de rosas e brancas e coloquei num vaso no centro da mesa. Em cada prato
coloquei a receita e um cartãozinho de boas vindas escrito um versículo bíblico.
Fiquei esperando as mulheres orando na sala de jantar, impus as mãos nos pratos, cantei, o Tommy orou por
mim e saiu.
No horário certo ouvi barulho das mulheres chegando. Eram quatro visitantes e minha secretária. Coloquei o
número certo de pratos. Deus não brinca com Ele tudo é certo.
Vamos lá para a primeira receita do nosso curso: O mouse de limão fácil.
Li a receita alto para todas se familiarizarem para depois colocarem a mão na massa.
Quando terminamos, fui até a geladeira e orei.
- “Senhor abençoe esse doce para que fique gostoso e duro por milagre em uma hora, tudo para tua Glória.
Confio em ti, em nome de Jesus, amém”.
Na sala encontrei todas sentadas nos sofás, mas com vergonha. Fui bem carinhosa e disse que a
minha casa era delas também e queria que sentissem bem acomodadas e livres. Pedi para cada uma dizer o
seu nome, idade, trabalho e número de filhos. Depois fiz uma pequena dinâmica onde cada uma contava a
história do seu nome, como e por que foi dado ao nascer. Com essa dinâmica todas riram muito das histórias
incríveis e ficaram descontraídas. Comecei a falar do meu amor por Jesus e pela Palavra de Deus. O meu
objetivo era falar um pouco de Jesus para elas, mas sem discutirmos religião.
-“Eu sou contra religião. Devemos esquecer a religião e nome de igrejas. Somos todas cristãs e amamos o
mesmo Deus. Vamos descobrir juntas lendo nos evangelhos e debatendo sobre a vida e obra de Jesus”. Eu
disse para todas elas.
“A senhora não tem religião?”, perguntou uma delas.
“ A religião foi inventada pelos homens. Eu creio na Bíblia onde Deus nos fala através de seus filhos ungidos
pelo Espírito Santo. Se lermos a Bíblia, não vamos nos enganar. Todas as religiões tem bons propósitos, mas
todas tem o dedo do homem”, eu falei.
“Vamos fazer juntas, mas eu não sei bem a Bíblia”. outra comentou.
“Não faz mal, o Espírito Santo vai nos ajudar, é essa a função Dele”, comentei.
Naquele dia iniciamos lendo Mateus 6:33 que diz assim: Buscai o reino de Deus em primeiro lugar e sua
justiça e as demais coisas vos serão acrescentadas.
“Queridas vamos nos sentar à mesa e deliciar o mousse de limão”, eu falei alegremente.
Lúcia me acompanhou para buscarmos o suco e o doce. Elas ficaram encantadas com a decoração da mesa.
Perguntaram por que estava tão bonito e eu falei que fiz tudo para elas. Ficaram emocionadas e a conversa
gerou em torno de nunca alguém que tinha mais condições de vida havia convidado-as para entrar, sentar no
sofá e comer numa mesa linda. Agradeceram tanto que na próxima reunião vieram mais mulheres.
Nessas reuniões ensinei vários pratos de sobremesa e todos ficaram deliciosos. Nunca errei uma
receita para a glória de Deus.
Ensinei a fazer vários pratos e todas se deliciaram e eu vi o quanto Deus foi bom para comigo. Percebi que
Ele não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos. Glória a Deus por isso.
MINISTRAÇÃO ATRAVÉS DE DINÂMICAS DE GRUPO
Em meio a tantas dinâmicas que apliquei no trabalho com elas, teve uma que fiz com o livro de Rute
contando a vida de Noemi, com o tema “sonhos frustrados”. Trabalhamos os sonhos da juventude e as
tempestades da vida que acabaram com nossos sonhos. Em Deus mostrei que sonhos frustrados levam a
mudança do nosso caráter e amadurecimento e trocamos nossos sonhos para os sonhos de Deus que são
maravilhosos e os mais adequados para a nossa vida.
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Comecei a falar e repetir a importância de sonhar, planejar e ser visionária, respaldadas pela Palavra de Deus.
Depois de um tempo algumas começaram a sonhar, planejar e orar. Pude ver suas vidas começando a mudar.
Glória ao Senhor por isso!
A dinâmica do Quebra o Vaso foi tremenda. Falei do vaso de Alabastro. Peguei um vaso e um
perfume francês do melhor que eu tinha. Coloquei as mulheres em círculo e comecei a contar a história
encenando com uma saia longa, lenço no cabelo e um vaso. Quebrei o vaso no meio do círculo, depois me
ajoelhei em frente de uma delas, tirei o chinelo, joguei o perfume no seu pé, tirei meu lenço do cabelo,
comecei a chorar de emoção, enxugando os pés com um pouco dos meus cabelos (que são curtos) e beijei os
pés. Fui de uma em uma. Depois pedi para elas fazerem o mesmo. Neste tempo coloquei música de louvor e
adoração. Foi um momento que Jesus estava passando no nosso meio e operou muita cura interior. Sentia a
presença preciosa de Dele, o Seu amor aquelas mulheres sofridas e eu chorava e orava em línguas baixinho,
pois nem consegui orar na minha própria língua. O mais incrível foi quando elas vieram todas ao meu lado,
colocaram-me numa cadeira e ministraram na minha vida. Umas oraram. Outras choravam me beijavam e eu
chorava. Deus operou cura na minha vida também. Quando ministramos abertamente onde todos falam, o
aprendizado é real e nós que ministramos também somos ministrados.
O Lava Pés foi outra inesquecível. Li na Bíblia a respeito do Lava Pés de Jesus. Coloquei uma
música. Elas estavam em círculo. Fui ao meu quarto pegar uma bacia, uma jarra, minhas melhores toalhas de
rosto, as bordadas, sabonete líquido. Fui lavando os pés da primeira do meu lado e orando alto e ministrando
para ela. Passei por todas. Levantei e falei para elas fazerem o mesmo. Foi um momento de choro angustiado,
de libertação e cura interior. Quando ministrávamos, elas uivavam, depois contaram os problemas emocionais
e outras não conseguiram nem falar, pois quando iam abrir a boca voltavam a chorar.
Os problemas contados eram sobre abusos sexuais e de violência que sofreram na infância. Muitas passaram
fome quando eram menores. Pais e maridos alcoólatras, adúlteros. Algumas tiveram gravidez na adolescência
e foram forçadas por seus maridos a fazerem o que não queriam. Tudo foi amplamente discutido, ministrado e
orado durante meses.
Depois de um bom tempo nestas ministrações e algumas tendo aceitado Jesus como Senhor e
Salvador, entrei com estudo Bíblico mais consistente. Dei uma Bíblia, caderno, caneta, lápis preto, borracha e
lápis de cor e adesivos com dizeres bíblicos para cada uma. Nas reuniões eu perguntava e cada uma respondia
lendo no caderno e faziam questão de mostrar a letra que estava ficando bonita, os desenhos, as figuras, flores
desenhadas e o capricho. Quando eu as elogiava, elas ficavam todas alegres e satisfeitas e cada dia cresciam
mais na Palavra, nos caminhos do Senhor e no aprendizado das letras.
Umas das mulheres que sofreu uma grande transformação, foi a minha vizinha. Quando começou a
participar do grupo tinha acabado de ganhar seu último filho. Ele era um mês mais velho que minha filha Ana.
Ela era bem pobre, triste, vestia-se mal e sua casa estava desmoronando. Ela não sabia escrever e mal lia. Ela
foi crescendo de uma maneira espetacular. Sua letra foi ficando bonita, seus trabalhos com conteúdo, a Bíblia
entrava na sua mente e ela começava a praticá-la em sua vida. Aceitou Jesus e batizou-se nas águas. Arranjou
um emprego para cozinhar na casa do dono fazenda, começou a receber encomendas para fazer doces e seu
marido foi aumentado de salário na fazenda aonde ele trabalhava.
Ela começou a dizimar seu salário. Seu salário começou a dar para comprar roupas, reformar a casa, comprar
porcos, galinhas. Mais tarde até cabeça de gado e bodes eles compraram. O dono da fazenda lhes deu uma
terra para eles fazerem um roçado e vender para seu sustento. Seu marido comprou uma moto. Os animais
deram cria, vendeu e fez uma reforma para aumentar sua casa. Seu terreno que antes era só terra, agora tinha
plantas, trepadeiras e flores. Antes ela jogava lixo pela janela da cozinha e depois aprendeu a queimar o lixo e
fazer uma composteira. A casa foi mobiliada, enfeitada com os gessos que ela mesma pintava. Sua comida
ficou deliciosa e a casa formosa. Cortou o cabelo, arrumou os dentes, começou a comprar roupas e bijuterias.
Ela era outra mulher. Essa é uma história de vida onde houve transformação.
5- ADOLESCENTES E AS ARTES
No grupo das senhoras a culinária começou a ser visitada por algumas adolescentes. Filhas das
senhoras. Um dia, vinham duas meninas, no outro dia vinha mais uma e no outro dia, vinham quatro meninas.
No dia em que vieram umas seis meninas, a cozinha ficou lotada, atrapalhando então a aula de culinária. No
momento da dinâmica, as senhoras ficavam inibidas pelas visitantes e não se abriam tanto. Pensei: O que
fazer?
Comecei a orar pelo assunto na estradinha de terra.
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“O Senhor tem enviado algumas adolescentes ao grupo de senhoras. São meninas preciosas e vieram porque o
Senhor as mandou. O que posso fazer para evangelizá-las?”
Já no dia seguinte da oração Deus falou comigo.
“Carol eu quero que você faça um curso de artesanato e ministre a minha Palavra para essas meninas”.
“Obrigado Senhor porque Tu sempre respondes as minhas orações”.
Novamente pulei de alegria. Orei. Cantei novos cânticos e músicas antigas. Voltei para casa muito
alegre.
Chegando a casa fui direto para o computador e fiz um convite bem alegre e colorido. Neste eu escrevi tudo
sobre o curso de artesanato e marquei a data para a próxima quinta-feira.
Chegou finalmente a quinta-feira e acordei animadíssima. Preparei as mesas de plástico na varanda e
coloquei todo material no seu lugar. Em cada lugar tinha um cartãozinho de boas vindas. Quando a Lúcia foi
almoçar pedi para ela vir junto com as meninas. Após o almoço pedi ao Tommy que orasse comigo e
abençoasse a reunião. Eu estava rindo sozinha, pois começaria o meu segundo trabalho missionário e este
seria também outro momento de servir a comunidade segundo os propósitos de Deus.
INÍCIO DAS AULAS
Ouvi de longe umas risadinhas de adolescentes e corri para a varanda com o coração batendo forte de
emoção.De longe ouvi umas risadinhas e conversas e percebi que elas estavam chegando. Vieram todas
bonitas, com os cabelos arrumados, de batom e unhas pintadas. Todas com a melhor camiseta e de shorts
jeans. É a maneira que os jovens de Aratuba se vestem para sair. A melhor blusa com um short ou saia jeans e
havaianas. Percebi que estavam felizes também. Fui rapidamente até a entrada da varanda e recebi cada uma
com um abraço bem caloroso. Todas estavam com o rosto avermelhado por causa da caminhada. Neste dia
vieram cinco garotas.
Sentamos à mesa e finalmente expliquei como seria o curso de artesanato. Começaríamos com
pintura de gesso. Elas estavam me olhando com os olhos brilhantes, demonstrando muita emoção e felicidade.
Percebi que amaram o primeiro dia. Esse grupo durou uns dois anos ou mais. Ele foi aumentando mês a mês
e nas férias de janeiro vieram alguns meninos também.
PROJETO DE FÉRIAS COM JOVENS
Nas férias de janeiro, fevereiro e Julho, as três Igrejas que nos ajudavam, enviavam jovens, senhoras
e casais para atuarem como missionários de férias. Pessoas que dedicavam suas férias para servirem
comunidades carentes.
Eu preparava a casa de maneira que acomodava todos direitinhos.
Como era prazeroso ver os jovens vindo de todas as partes alegres, dinâmicos e satisfeito. Nas férias escolares
sempre tinha de quatro a oito adolescentes da cidade de Aratuba almoçando e jantando em casa, para estarem
juntos aos nossos hóspedes missionários.
Podemos ser úteis nas mãos de Deus com o objetivo de transformar a sociedade e ao mesmo tempo
ter uma satisfação pessoal. Quando nos entregamos nas mãos de Deus para sermos voluntários de tempo
integral, somos usados poderosamente para tocar na vida de pessoas que estão necessitando de Deus para
terem sua vida transformada.
DINÂMICAS COM OS JOVENS ARATUBENSES
Além da pintura em gesso, ensinamos pintura em madeira e em tecido. Forramos latas com tecido,
forramos livros de receita, livros para diário de vida e montagem de um livro de recordações. Fizemos
enfeites de natal. Fomos para cozinha com aulas de culinária ao gosto dos jovens: brigadeiro, beijinho,
pudim, bolo de chocolate, bombom de chocolate, bolachas e sorvetes. Elas forravam as latas e colocavam
bombons ou biscoitos que faziam e presenteavam as mães.
As tarefas que vinculavam a Palavra de Deus era feita todas as semanas. No início pedia para
copiarem versículos e depois salmos. Depois ensinei a memorizarem os versículos e no dia da reunião
fazíamos um concurso de versículos decorados. Ensinei a interpretar a Bíblia e elas faziam através de
perguntas e respostas, redações, resumos e desenhos/colagem do seu entendimento dos textos lidos.
Começaram a criar salmos, composições e canções. Um caderno era mais lindo que o outro. Incentivava a
criação e arte nos cadernos de estudo bíblicos. Quando nos reuníamos, cada uma lia o seu caderno e mostrava
a sua criação. Ensinei o princípio de individualidade, sempre elogiando cada trabalho pela sua peculiaridade e
mostrando as diferenças nas criações. Ensinei o princípio de mordomia, mostrando como cuidar dos seus
materiais, da limpeza e arte nos cadernos e artesanato, na limpeza da louça da cozinha e no uso do banheiro.
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Ensinei a jogar lixo no lixo, tocar a descarga e deixar a limpa a pia do banheiro. Lavar os copos após o uso.
Pedir licença para abrir a geladeira ou ir à algum cômodo da casa. Ensinei etiqueta social também. Como se
portar à mesa nas refeições, na postura de sentar, mãos e uso dos talheres, no vestir-se com decência e
elegância. Como se portar nos lugares públicos. Sempre estava falando do princípio de semear e colher,
ilustrando esse princípio com experiência própria, tanto positiva como negativa.
Tommy sempre foi muito gentil e aproveitava o tempo que estava em casa para conversar ou jogar
com os jovens e neste tempo ministrava os conceitos de Deus.
. Todos os jovens que participaram deste projeto são pessoas que melhoraram nos estudos, na maneira de ver
a vida e de se comportar. Aprenderam a sonhar e investir nos seus sonhos. Começaram a ser moças e moços
que têm objetivos e fazerem planejamento para suas vidas.
6- NASCE UM NOVO GRUPO
Estávamos no início de outubro e eu já tinha três grupos de evangelismo em minha casa. Duas
reuniões à tarde - a de culinária com senhoras e a de artesanato com adolescentes. Um grupo caseiro no
domingo à noite. Todos os participantes moravam no sítio São João.
Nas manhãs eu preparava as reuniões, lia livros ou ia com o Tommy para o Centro de Saúde. Numa
das idas à cidade passei a manhã toda andando com a doutora, a chefe do Tommy. No final das visitas fui ao
Posto de Saúde esperar pelo Tommy para irmos almoçar. Quando entrei no posto levei um susto ao ver
quantas pessoas estavam na sala de espera. Fiquei sabendo que aquele era um dos dias que o dentista atendia
na cidade. Senti algo diferente no meu espírito. Como conheço bem o meu Deus, percebi que Ele iria falar
comigo ou me mostrar alguma coisa. Fiquei quieta e comecei a olhar devagar para todas as pessoas que
estavam sentadas, em pé, para crianças correndo e o pessoal da saúde trabalhando. Com olhos bem abertos e
ouvidos aguçados, pronta para ver ou ouvir o que o Espírito Santo estava tentando me mostrar. Uma voz
firme e ao mesmo tempo suave me mandoueu olhar para a minha direita, para um grupo de adolescentes. Um
impulso me levou até eles e logo me apresentei.
“Bom dia, eu sou a Carol esposa do novo médico o Dr. Thomas”.
Luis, o mais entusiasta disse:
“Eu sou o Luis, esta é a Maria e as outras são colegas da escola. Muito prazer em conhecer a senhora. Sabia
que o Dr Thomas é 10 e todos da cidade comentam que ele é muito bom médico e legal com as pessoas?”
Fiquei em silêncio e conversei com o Senhor
“O que falo agora? O que faço Senhor?”
Deus me disse o seguinte:
“Convida todos eles para uma reunião para conversar sobre sexo, uma aula sobre este tema com o Dr.
Thomas”.
Respondi em silêncio:
“O que Senhor, uma aula de sexo? Como vou falar isso se nem sei como convidar?”
Mas o Senhor me deu todos os detalhes de como falar com eles.
“Sim Senhor lá vou eu”, pensei comigo.
“Pedro você não gostaria de convidar alguns amigos para uma reunião de grupo com o Dr. Thomas?
Poderíamos falar sobre sexo à maneira de Deus com abordagem médica”.
“Que legal! Nós estamos precisando nos reunir, pois a reunião na casa paroquial está parada por enquanto.
Vou convidar meus amigos”, disse ele alegremente.
“Convide para quarta-feira às 19h00min, ok?”.
Luis perguntou se iria ser na minha casa.
- “Não, eu moro no sítio São João. Vamos fazer na Secretaria de Saúde. Fiquei mais tranqüila ao
ver que o Senhor tinha preparado esse momento e que tudo era direção Dele. Deus é tremendo.
Ele só quer a nossa obediência e disposição. O resto Ele faz. É incrível ter Deus como nosso
chefe. Ele é justo, bom, misericordioso, honesto e verdadeiro. Trabalhar como voluntária tempo
integral para o Senhor é a coisa mais maravilhosa que podemos fazer.
Bati na porta e esperei um paciente sair e entrei ofegante falando muito rápido. Tommy falou.
“Espere um pouco Carol, não entendi nada. Sente aqui, descanse e fale devagar”
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Contei toda a conversa com os adolescentes e o Tommy ficou bem alegre e me abraçou.
Ele se encarregou de falar com a sua chefe e ficou tudo acertado para a próxima quarta-feira. Ela deixou a
sala, televisão, vídeo, papéis e canetas para usarmos. Nos dias seguintes deixei reservado para assistir os
vídeos da Secretaria de Saúde sobre orientação sexual. Li folhetos e livros do Tommy sobre o assunto. Numa
noite, nós dois preparamos a primeira reunião, desde as boas vindas, dinâmicas até o tema.
Aguardamos ansiosamente chegar à quarta-feira.
PRIMEIRA REUNIÃO – NA SECRETARIA DE SAÚDE
Na quarta-feira o Tommy veio me buscar para irmos juntos na reunião. Chegamos mais cedo e
aproveitamos para arrumar a sala de vídeo. Pontualmente às 19h00minhs chegaram todos jovens juntos com o
Luis e Maria. Tommy os deixoueles falarem a vontade, só entrava com perguntas para animar mais o debate.
Nesta reunião ainda não falamos do evangelho.
Na segunda reunião vieram quinze jovens. O debate continuou com o mesmo tema e aproveitamos para falar
dos conceitos de Deus em relação ao sexo fora do casamento, sobre pornografia e o sexo que é abençoado por
Deus. Na outra reunião vieram vinte jovens. A cada reunião Deus ia acrescentando mais jovens. Aos poucos
fomos mudando os temas e mais um tempo mudamos completamente os temas e fomos falando da Palavra de
Deus.
O próximo tema foi: A propaganda influencia a nossa vida? Dividimos em grupos e entregamos
cartolina, revistas, tesoura, cola e canetinhas para todos os grupos. Cada grupo preparou o seu trabalho e
depois no grupão cada um apresentou o seu. Após todas as apresentações iniciamos um debate entre os
grupos. O Tommy foi o mediador e foi colocando os princípios de Deus. Percebi que eles estavam
assimilando bem. Perguntavam muito sobre o tema.
TEMAS DISCUTIDOS NAS REUNIÕES
Os outros temas foram: O ensino no Brasil; Para onde esta caminhando a juventude de hoje? Como
vai a nossa família? Entre outros.
Quando chegou o mês de dezembro começamos entrar na Bíblia. Entregamos uma Bíblia Novo
Testamento na Língua de Hoje para cada adolescente que estava participando ativamente do grupo. Demos
um tema para debaterem e prepararem algo prático com tema para os dias de hoje. O tema foi a parábola do
Samaritano. Demos duas semanas para lerem, estudarem e preparar um projeto sobre o tema proposto.
Após duas semanas cada dia saía com um grupo na parte da noite. Eles agendaram com autoridades
da cidade, uns conversaram com o prefeito, outros com secretários municipais, um grupo conversou com a
dentista do posto e outro com a diretora da escola estadual. No dia marcado todos do grupo estavam em frente
à Secretaria de Saúde com sua cesta de natal enfeitada e cada grupo com algumas outras coisas. Um grupo
levou brinquedos, outro levou roupas semi-novas, outro levou cobertores e redes. Cada noite foi especial e
eles estavam muito felizes em poder ajudar alguém, como o Bom Samaritano da Bíblia. Na outra semana nos
encontramos para avaliarmos o trabalho e cada um contar sua experiência de Bom Samaritano e aproveitamos
para tomar um delicioso lanche comunitário.
UM NOVO LUGAR – PRÉDIO NO CENTRO DA CIDADE
A procura para entrar no grupo foi grande e a secretária de saúde ficou pequena para as reuniões
Então resolvemos alugar um salão na cidade. Um dia o prefeito foi almoçar em casa e falamos do grupo de
adolescentes e contamos que estávamos procurando um salão na cidade para reunir os jovens e iniciar a igreja
com reuniões no domingo. Animado com o sucesso do grupo dos adolescentes, contou-nos de um salão no
centro da cidade, em frente a praça, que é de propriedade do sogro dele e este teria a intenção de alugar.
Conversamos com o sogro do prefeito e saímos com um contrato informal do aluguel do prédio. Em Aratuba,
os contratos são feitos com o “fio do bigode”, uma expressão popular de confiança. Como é maravilhoso
poder confiar nas pessoas e não decepcionar. Sr. Memésio aluga esse prédio há sete anos para a nosso igreja e
sempre fomos fiéis no pagamento e na conservação do prédio. O contrato do “fio do bigode” foi válido para
nós paulistas.
No mês de janeiro iniciamos o grupo de jovens já no novo prédio.
Além das dinâmicas e ministrações, iniciamos uma super gincana que duraram janeiro e fevereiro inteirinhos.
Pouco a pouco os jovens que se converteram e se batizaram foram mudando seu modo de vida. A
cada dia o amor ao mundo ia sendo transformado por um grande amor ao Senhor.
NASCE UMA IGREJA
28
No mês de fevereiro inauguramos a Igreja neste mesmo salão. Iniciamos com cultos matutinos e logo
percebemos que a cultura local era de ter culto e missa às 19h00minhs. Então, no outro mês mudamos o
horário do culto. A Igreja iniciou com os jovens da cidade e depois as pessoas dos sítios foram chegando.
7- A MULTIPLICAÇÃO DO GRUPO
Durante sete anos no Ceará muitos trabalhos foram desenvolvidos. De um grupo surgiram outros. A
multiplicação foi natural, seguindo as necessidades do grupo inicial e da cidade. De um trabalho nasceu outro
e deste outro a Igreja de Aratuba foi edificada. Os missionários que vinham de São Paulo estagiar no Ceará
nos ajudaram na implementação de novos trabalhos e inovando os trabalhos já existentes. Os trabalhos que
mais se destacaram neste tempo foram: o pregando na praça, o jogando futebol (Atletas de Cristo) e os 100
sem pinga (prevenção ao alcoolismo).
Minha opinião é que os adolescentes conseguiram avaliar a situação de alcoolismo na cidade e mobilizar as
autoridades para que eles tratassem do problema levantado. Isso já foi muito.
1) Missões no Sertão
O grupo descobriu que a população sertaneja estava sofrendo depressões, desilusões e angustia. Souberam de
famílias que estavam passando fome por causa da seca. Descobriram que muitos eram idólatras, povo muito
religioso, povo trabalhador, mas com baixos salários. Fizemos um trabalho sério e contínuo, fazendo visitas
nas casas dessas pessoas aonde íamos de caminhão e tudo. Depois de um tempo o trabalho fechou, mas a
semente foi plantada.
2) Preparo dos obreiros cearenses numa Escola de Missões em São Paulo
Nós enviamos nove jovens de Aratuba durante sete anos. Os cinco primeiros foram custeados pela nossa
Igreja enviadora (Tremembé – São Paulo) e os dois últimos anos por um casal amigo, pastores da Igreja em
que nos convertemos.
ATUANDO COMO MISSIONÁRIOS EM BATURITÉ
Quando mudamos para a cidade de Baturité, levamos alguns jovens de Aratuba para serem missionários nesta
cidade e morarem conosco.
João, Marcos e Dani, arranjaram ótimos empregos e foram os melhores alunos da escola. João e Marcos
freqüentaram o Liceu na cidade de Baturité, assumiram cargos na liderança estudantil e foram muito
elogiados pela direção da escola. João fez estágio remunerado no SEBRAE e o Marcos trabalhou como
missionário nos ajudando a evangelizar Baturité.
Dani entrou na faculdade de Ciências Contábeis e estagiou no Banco do Brasil. Tommy pagava um salário
mínimo para quem veio trabalhar como missionário em Baturité, enquanto não arranjaram emprego e eles
moraram na nossa casa azul durante dois anos.
COMO OBREIROS EM ARATUBA
Chico cursou faculdade de Educação Física no período noturno, na cidade de Baturité e trabalhou meio
período como professor de Educação Física no sertão das Marés. No outro período ele trabalha como obreiro
da igreja em Aratuba, (sustentado pelo Tommy).
COMO OBREIRA NA CONGREGAÇÃO MATAS
Sofia trabalha como professora na escola no sítio Pindoba. Ela é a líder da congregação Matas e está iniciando
um grupo evangelístico na escola da Pindoba. Esse trabalho recebeu ofertas de uma amiga que era a
presidente do comitê de missões da Igreja enivadora.
8- CONGREGAÇÃO MATAS
Um dia estava passeando pela cidade e resolvi procurar o Tommy e passei pela Secretaria de Saúde. A
recepcionista chamada Lucia estava sozinha na recepção. Assim que entrei, ela sorriu para mim.
“Oi como vai? Eu sou a Carol esposa do Dr Thomas”.
“Oi eu sou a Jesus das Matas. È um sítio. Sitio Matas”.
“Que nome lindo Jesus. É o nome da pessoa mais importante da minha vida”.
“É o que o povo diz”.
Livro Carol na terra do sol
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Livro Carol na terra do sol

  • 1. 1 CAROL GREGORY CAROL NA TERRA DO SOL (AVENTURAS DE UM CASAL MISSIONÁRIO NO CEARÁ) São Paulo - 2008
  • 2. 2 Sumário Parte 1 – Meus sonhos 1- Como estou agora 2- Minha vida e o nordeste 3- Culto de envio e a chegada em Aratuba Parte2 - Aratuba 1- Chegamos ao campo missionário: Aratuba 2- Início da nova vida 3- Aninha: um presente de Deus 4- Uma culinária diferente 5- Adolescentes e as artes 6- Nasce um novo grupo 7- A multiplicação do grupo 8- Congregação Matas 9- Evangelismo no sítio São João 10- Um grupo no sertão Santo Antonio 11- O ensino 12- Cultura e cosmovisão 13- Aculturação e choque cultural Parte 3 – Minha vida particular no Ceará 1- Eu, minha casa e os animais 2- As doenças 3- As viagens 4- As festas de aniversário 5- Os estudos Parte 4 - Baturité 1- Nossas moradias em Baturité 2- Ameaças a nova vida 3- Nosso próprio sítio 4- Trabalhando na rádio comunitária 5- Colhendo frutos: visíveis e invisíveis 6- Nasce a Missão Ekbalo Parte 5 – A Entresafra 1- Quando tarda a visão 2- Choque cultural ao contrário 3- Meus conselhos para você
  • 3. 3 Ao libertar os escravos em 1884, quatro anos antes que a Princesa Isabel assinasse a Lei Áurea, o Ceará foi chamado por José do Patrocínio, grande batalhador da causa abolicionista, de “Terra da Luz”. (Tasso Jereissati). Terra da Luz foi intimamente chamada pelos cearenses de “A Terra do Sol”. Essa biografia da minha vida na Terra do Sol celebra a luz que ilumina a região litorânea com lindas praias, a serra com uma imensa variedade de vegetação e o maravilhoso sertão cearense que abriga um povo acolhedor. “O Ceará também sobe a serra, no lado leste do seu território, e reencontra sua antiga face esquecida, mas nunca abandonada. Estradas serpeantes levam à cidade de Baturité, Mulungu, Guaramiranga e Aratuba. Estradas cortantes em “zig-zag”, em curvas súbitas, abertas na carne verde do Maciço, e que conduzem o viajante ao lugar que os índios tupis respeitosamente denominaram de “serra verdadeira”. (Ceará Terra- da-Luz) E é este o pedaço do Ceará que dedicamos 7 anos das nossas vidas para servir esse povo amável com nossas profissões de médico e Assistente Social. Além de nossas profissões usamos nossos talentos, dons e características de cada um de na nossa família como um todo. Para este lugar também usamos os aspectos materiais que tínhamos para dedicarmos o nosso amor a cada adolescente, jovem e adulto: nossa casa, nosso carro, e parte do salário do Tommy.
  • 4. 4 DEDICATÓRIA Dedico esta obra primeiramente aos meus pais que me ensinaram desde o berço a amar e respeitar todo ser humano, amando o próximo como a mim mesmo. E a minha irmã, Keka, companheira nas aventuras no meio dos trabalhos de ação social e de missões no Mato Grosso do Sul. As irmãs e professoras do Colégio Santa Maria que incutiram na minha vida amor aos injustiçados, pobres e excluídos e ensinando-me como ser uma agente de mudança nesta sociedade materialista. A Laís Silva, que me apresentou um Jesus que vive, amoroso, poderoso, soberano e que morreu na cruz por mim, ressuscitou e deu-me vida abundante para ser sua seguidora aqui na terra, seguindo seus mandamento de ir e pregar o evangelho a todas as nações. E a sua família que me apoiou nestes anos de volta do campo, nos recebendo em Uberlândia com hospedagens para rei, rainha e princesa. Fomos amados, paparicados e honrados pelo Júlio e Laís, seus 4 filhos, seu genro e pela Igreja que se reúne em sua casa, missão Shekiná. As minhas três amigas (Ana Bia, Luzinete e Vânia) que estiveram bem perto de mim nestes três anos em tratamento em São Paulo, sempre me consolando nos dias piores do meu tratamento médico, apoiando-me na minha vida missionária para que eu possa realizar os sonhos de Deus. Ao casal amigo, Ulisses e Cidoca que nos apoiaram de diversas maneiras na nossa reentrada missionária de Baturité para São Paulo. A minha amada sogra, que a chamo carinhosamente de “tia Lia” que gerou e educou meu marido da maneira mais excelente que podia e sempre aceitou-me e amou-me mais do que nora, e sim outra como outra de suas filhas. Nestes dois anos de São Paulo esteve ao meu lado entendendo minha dor por causa da minha saúde debilitada, por isso incentivou-me na formação da minha biografia. Aos meus cunhados, Júlio e Adriana que foram além de família, amigos, conselheiros, protetores e incentivadores do nosso trabalho na sociedade sertaneja. Às duas irmãs do Júlio: Ana Maria que encaminhou o Tommy para se especializar em medicina da Família e foi sua professora neste curso na Saúde Pública, sempre o estimulando para ser um verdadeiro médico de família. E Laízinha, que nos ajudou encontrar a cidade certa para iniciarmos o nosso trabalho e em todos os anos nos apoiando com seu jeito amoroso de nos estimular nesta missão. E a Emair, a pediatra da minha filha que tratou as sete pneumonias da Aninha e no seu consultório foi mais que médica, uma amiga e irmã em Cristo, sempre com palavras de estímulo ao nosso trabalho missionário. À Priscila, que foi secretária do Tommy há uns 12 anos atrás e minha companheira no trabalho que realizamos na Igreja durante gestão do Tommy como presidente da obra. Foi a primeira ler os meus manuscritos e fazer as primeiras correções ortográficas. A minha editora, a jornalista Yara Rocca que deu uma beleza para esta obra, corrigindo e dedicando parte do seu tempo ensinando-me a arte de escrever um livro. Ao Maurício que fez a revisão dos conceitos teológicos, históricos e da missão integral e prefaciou meu livro. Juntamente com Aline (sua esposa e uma amiga) e sua ONG, o CADI, que nos ajudou na reciclagem na área de Desenvolvimento Integral, dando-nos cursos, apostilas, palestras e orientações. A minha filha amada, que foi me dada pela graça de Deus e é a minha companheira fiel no dia a dia. Sempre ao meu lado quando escrevia, pois meu computador fica no seu quarto, dando suas grandes boas idéias para deixar sua marca no livro. Ao meu amado, amigo e companheiro marido, que vivenciou todas essas experiências contadas nesta obra. Ele foi o meu maior incentivador de ser a Carol que Deus criou para fazer o que Deus me mandou.
  • 5. 5 E ao meu Deus e Pai Eterno que me criou a sua imagem e semelhança; ao meu Senhor e Salvador Jesus Cristo que me deu uma nova vida e ao meu amigo Espírito Santo que me ensina e conduz em todas as coisas.
  • 6. 6 PREFÁCIO Conheci Thomas e Carol há cerca de 10 anos atrás. Nesta caminhada, tive o privilégio de participar quase “por acaso” do seu culto de envio para o Ceará, de visitá-los em sua casa em São Paulo e ser tão bem recebido com a minha família, de poder servi-los em meu próprio lar, de ajudar na formação de alguns de seus discípulos, de ir vê-los em Aratuba, início de sua jornada no Nordeste, e acima de tudo, de desfrutar da sua amizade e compartilhar dos seus sonhos. Thomas, médico que fez da sua profissão verdadeiro sacerdócio da reconciliação; Carol, assistente social que sempre teve, por intuição ou direção do próprio Deus, correndo em suas veias o sangue da Missão Integral; antes de tudo, exemplos de discípulos de Cristo que abrem mão de tudo o que têm para atender ao chamado de Deus. Nesses tempos de tanto individualismos em nossos templos, de uma teologia centrada no “eu” ou naquilo que Deus pode fazer “por mim”, Thomas e Carol são exemplos de discípulos dispostos a ir aonde poucas pessoas querem ir, sinalizando o Reino que já é chegado a “nós”, trabalhando para o “êxito dos outros”. A sua vocação nos anima, o seu amor pelo povo nos inspira, o seu exemplo nos encoraja. Você vai navegar pela história de um chamado específico e sua concretização na perspectiva da Carol. Mas este livro narra não só a história de um chamado, mas a história de uma vida, que ao ser transformado, transformam muitas outras. Carol, a tua dor a tua fraqueza te fortalecem, e forjam em ti a fibra e a coragem do povo nordestino, a quem você tão obstinadamente deseja servir. A tua vulnerabilidade permite que o teu caráter seja moldado pelas mãos do Senhor, que nunca desistirá daqueles a quem soberanamente elege. Carol, na tua esperança de levar vida ao sertanejo, é a esperança que o Senhor já colocou no coração daquele povo sofrido, uma alegre expectativa em Deus, daquilo que Ele já está por fazer a nosso favor, o anseio por aquele momento em que os céus tocarão a terra, em que a chuva vai cair, a erva vai brotar, a abundância vai chegar... Carol, a tua bem-aventurança é a bem-aventurança do pobre brasileiro do semi-árido: a dependência do Pai, a capacidade de refugiar-se somente nEle, e de assegurar nEle com todas as forças. Carol, a tua alegria, a alegria da Carol sempre falante e carinhosa, é a mesma alegria do povo em quem a Imago Dei já depositou todos os recursos necessários para o desenvolvimento e transformação. A tua fraqueza suscita a tua fortaleza, assim como a fraqueza e a aparente falta de recursos na Terra do Sol suscitará novos caminhos de transformação, a chegada de um Reino inabalável. Neste livro, o leitor poderá conhecer a história de um chamado que envolve amor, esperança, sonhos e tristezas. É uma obra ainda inacabada. Thomas e Carol só estão começando... Boa leitura, boa viagem! Maurício José Silva Cunha CADI – Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral
  • 7. 7 PARTE 1 ☼ MEUS SONHOS “NO ABRIR DESTA CARTINHA VOCÊ VAI LOGO ENCONTRANDO MEU CORAÇÃO ÔS PEDAÇOS MEUS OÍO POR TI CHORANDO” (autor desconhecido)
  • 8. 8 1- COMO ESTOU AGORA Como amo o Nordeste. Tenho uma afeição genuína pelo sertanejo. Estou ligada de alma e espírito aos cearenses. Como sinto saudades do meu Ceará. Só Deus sabe realmente o que sinto dentro do meu coração. Tenho chorado dia e noite pelo Ceará. De repente penso no Ceará e vou dormir orando para que Deus me leve de volta ao meu Ceará. Quando vem na mente a cidade de Aratuba ou Baturité, logo meus olhos lacrimejam de saudades. Lágrimas por um povo que mora no meu coração. Se ouvir uma música de Cassiane, logo o coração aperta e dói meu peito. As lágrimas fazem de tudo para jorrar e eu tento segura- las de vergonha. Pois aprendi apreciar as músicas de Cassiane com os jovens de Aratuba. Se na televisão o jornal fala do nordeste, fico mais atenta para obter alguma notícia sobre o local. Se o telefone toca e vem o sinal a cobrar, o meu coração dispara, pois sei que é alguém de Aratuba ou Baturité. Será o Pacheco? A Flaziane? A Glauciane? Ou a missionária Rosana? Parece loucura, mas é o que sinto. Parece que fiquei doida, pois o que faz de mim uma mulher crescida e madura ficar pensando e chorando por um povo? Ando triste e cabisbaixa. Sinto-me deslocada. Será que é só por causa do Ceará? Doce loucura. Passei 2006 em descanso no Vale da Benção, em Araçariguama – SP, numa casa maravilhosa. Um ano sabático. Ano que Deus nos pediu para descansar. Em 2005 a nossa cobertura espiritual por mais de dez anos, orientou-nos a voltar para a base (São Paulo) para descanso, tratamento da minha saúde e reciclagem na área espiritual e na medicina. Em dezembro de 2006 já estávamos instalados no Loteamento Vale da Benção. Alugamos uma casa grande e com um jardim maravilhoso. Nele havia vários pés de árvores frutíferas. Do terraço de nossa casa dava pra ver um pasto com vacas e bois pastando. Minha casa ficava perto do centro de oração e da portaria do loteamento. Foi um ano muito bom, pois a Aninha (nossa filha) estudou no Colégio Vale da Benção, colégio cristão com princípios bíblicos. Participamos de muitos cultos, encontros, palestras, conferências, almoços, chás e festas no Vale. Também tivemos muito contato com a cidade das crianças. Foi um ano onde aprendi muitas coisas novas nos vários seminários em que participei. Neste tempo, Deus colocou no coração de uma grande amiga para ser voluntária no colégio Vale da Benção com o seu novo projeto educacional, ela vinha na terça-feira para casa, dormia e só voltava no dia seguinte. Esse tempo de comunhão foi muito importante para a minha vida espiritual, pois ela foi um instrumento de cura interior na minha vida. Neste ano, Tommy trabalhou muito dando plantões em São Roque e Vargem Grande Paulista. Aprendeu muito com colegas de trabalho e com os próprios pacientes. Aproveitou para fazer um curso no Hospital das Clínicas – USP (Universidade de São Paulo). Ele deu plantão de trinta e seis horas, entrando sete horas na segunda-feira, saindo dezenove horas na terça-feira. Doze horas diurnas na quarta-feira e vinte e quatro horas na quinta-feira. Quando pediam, dava plantão de doze ou vinte quatro horas na sexta-feira ou sábado. Voltamos para São Paulo em 2007, pois um irmão querido da igreja onde nascemos espiritualmente ofereceu seu apartamento para morarmos durante este ano. Falei tudo isso, pois você pode pensar: que vida maravilhosa a Carol teve no Vale teve em São Paulo. Morar no Vale da Bênção, um lugarzinho parecendo o céu e ainda numa casa boa e um terreno de chácara. Muita oração, palestras, vista maravilhosa, muito verde, missionários e pastores por todo o canto. E depois morar num super apartamento, de quatro dormitórios, duas suítes, três salas, cozinha grande, três terraços e repleto de armários. Sem falar na piscina, sala de musculação, parquinho, quadra e salão de festas. E detalhe: localizado no bairro mais nobre de São Paulo, o Morumbi. Perto do Shopping Jardim Sul, padarias maravilhosas, restaurantes e muitas lojas. Parece o céu! Mas para mim, não. Se fosse a outra época da minha vida, tudo seriam um sonho ou um milagre. Mas o meu coração não está mais em casa, moradia, dinheiro ou status. O meu coração está no meu Ceará. É por este povo que sofro choro, intercedo e clamo a Deus todos os dias pelos nordestinos.. É pelo cearense que faço planos e tenho sonhos. Lembro-me todos os dias da minha casinha lá em Baturité, da Igrejinha amarelinha lá em Aratuba e dos meus irmãozinhos do Ceará. Todas as noites custo pegar no sono, pois fico pensando em toda essa loucura: será que é o chamado missionário ou sou eu que estou fugindo? Pode ser amor por um povo ou posso estar com problemas mentais e emocionais?
  • 9. 9 - “Senhor, o que está se passando dentro de mim? Estou sofrendo! Estou infeliz com a minha situação. Preciso ficar alegre para alegrar o meu marido. Estou sendo submissa em seguí-lo nesta fase de reciclagem, mas por dentro estou morrendo. O que estou fazendo de errado? Estou pecando? Oro e peço que mude o meu coração, mas ele continua triste. - “Senhor, tem a minha oração, tire este sofrimento do meu coração.!” - “Senhor, apesar da tristeza, eu entrego a minha vida para o Senhor realizar a sua vontade, entrego o meu trabalho no Nordeste no seu altar, como um Isaque, e ficarei no lugar onde o Senhor quiser.” Morando no Sudeste, mas pensando no Nordeste. No sudeste de corpo e espírito e com pensamentos no nordeste. 2- MINHA VIDA E O NORDESTE Por que o nordeste? Analisando o meu amor pelo nordeste e sertão, vejo que isso me acompanha desde a adolescência. Um amor que foi crescendo comigo e aumentando a cada ano da minha vida. Nordeste, meu querido nordeste. Sertão, que lugar maravilhoso. Cearense, povo amigo, hospitaleiro e que sabe amar. MEU NASCIMENTO Tudo começou na minha família. Uma família adorada de quatro pessoas. Um casal que se apaixonou e teve duas filhas que deram suas vidas para educá-las com amor e virtude de caráter. Eu sou a filha mais velha e muito agradecida a Deus por ter me dado uma família linda e maravilhosa. Como Deus foi maravilhoso por tê-los unido e por eles terem sido meus pais. Vieram de mundos diferentes e se adaptaram muito bem e deram uma vida equilibrada para suas duas filhas, Maria Carolina (Carol) e Maria Angélica (Keka). Meu pai era capixaba. Teve uma família que vivia mudando de casa no interior de São Paulo e Paraná. Tudo em função do emprego do meu avô. Meu pai, recém formado em odontologia conheceu a Maria Helena, Lenita para os íntimos, filha de pais ricos. Eles moravam num bairro elegante numa mesma casa a vida toda. Família quatrocentona, com primas e primos riquíssimos. Lenita era bailarina do teatro municipal e professora de ballet. Casaram-se e foram morar no fim da estrada de Santo Amaro, perto da estátua do Borba Gato no Brooklin, local considerado periferia naquela época, hoje não mais. Alugaram uma casinha geminada, bonitinha e bem decorada pelas belas mãos de minha mãe. José Luis ou Dr. Coelho é o meu querido paizão. Trabalhou numa escola pública como dentista e montou um consultório particular rua na Joaquim Nabuco, uma travessa da estrada de Santo Amaro. Um início difícil, principalmente para minha mãe que saiu de um casarão, de uma família bem estabelecida para ir morar longe de tudo, numa casinha e com um marido recém-formado. Isso significava clientes de vez em quando ou de vez em nunca. Mas com amor e perseverança eles foram conquistando espaço e meu pai foi fazendo sua clientela e seu nome. Depois de dois anos, num momento precioso de seu casamento, eu nasci. Graças a Deus, fui gerada num momento de amor, carinho e respeito. Ao nascer, fui muito amada e querida. Minha mãe deixou seu emprego e dedicou-se ao marido, as filhas e à casa. Foi tão bom ter a minha mãe por perto, em casa. Como agradeço a ela por ter me colocado em primeiro lugar e deixado a sua profissão por amor a mim. A educação que me deu foi de muita importância para minha vida. Tudo que fiz na profissão e no meu ministério devo muito ao aprendizado que tive em casa. Ter uma mãe vinte e quatro horas por dia ao seu lado é um privilégio. MINHA ESCOLA Outra providência divina foi à escola que meus pais escolheram para nós estudarmos. Era uma das melhores escolas de São Paulo, dirigida por freiras católicas canadenses - Colégio Santa Maria. Uma escola que visava à formação, educação e obras sociais. Uma escola muito cara para uma família como a nossa, mas pelo esforço de todos, eles conseguiram pagar a minha escola por 13 anos. Do jardim ao terceiro colegial (ensino médio de hoje). Escola de tempo semi-integral onde tínhamos aulas normais e aulas de datilografia, inglês, francês, filosofia, culinária, artes, religião, sociologia, teatro, iniciação de todos os esportes (inclusive os americanos como: beisebol, rugby e crict). O interessante foram às diferenças sociais com as quais aprendi a conviver: Estudei na classe com a filha do dono do Banco Real, filha do ministro da agricultura, filha de políticos e empresários. Freqüentei
  • 10. 10 casas com elevadores, piscinas, mansões e até castelos. Amigas que passavam o natal em países com neve na Europa ou Estados Unidos e o inverno em Campos de Jordão ou fazendas maravilhosas. Amigas que tinham avião e iates. Claro que as minha amigas íntimas não eram tão ricas, era mais ou menos como a minha família. Mas nossa classe vivia em perfeita união. Quem passava as férias na Europa trazia presentes para quem ficava em São Paulo ou ia para o litoral. Andávamos de Mercedes com motorista, almoçávamos em salões fabulosos, os jantares eram com serviço à francesa. Muito luxo. Como pude conviver com tudo isso? Meus pais colocavam nossos pés no chão. Não podíamos ter roupas de marca ou brinquedos caros. Aprendemos com nossa mãe a sermos simples e conviver bem com todo tipo de gente. Neste cenário luxuoso, a escola teve o objetivo de nos ensinar o que é o Brasil na realidade. Levavam-nos para conhecer favelas, asilos e creches. Nas férias, tínhamos oportunidade de participar de missões no sertão de Minas Gerais, Bahia e no pantanal do Mato Grosso. Iniciei na favela Cidade Dutra, às quintas- feiras acompanhando uma das irmãs e hoje ela dirige a obra social e é uma grande ONG. Lá fazíamos visitas domiciliares e recreação com crianças. Depois comecei a visitar o Asilo Ondina Lobo e toda semana conversava com os idosos. Um tempo depois fui voluntária numa creche. VIAGENS MISSIONÁRIAS No primeiro colegial, hoje primeiro ano do ensino médio começou os preparos para ir à minha primeira viagem missionária para o sertão de Minas Gerais. No primeiro semestre era preparatório para o nosso trabalho no campo missionário e para arrecadarmos dinheiro para custear a viagem. Viajávamos na primeira quinzena de julho. O segundo semestre era dedicado às avaliações da viagem, cursos para a próxima viagem e trabalhos voluntários na cidade de São Paulo. No segundo ano fui para o Mato Grosso e voltei mais três vezes para a cidade de Cipolândia, Mato Grosso do Sul. ENCONTRO COM O TOMMY Conheço o Tommy desde meus 5 anos de idade. Ele era colega de classe da minha irmã. Comecei a me relacionar como amiga dele nesta segunda viagem missionária. Ele ficou tão encantado com esse trabalho que eu fazia no Mato Grosso, que logo o convidei para ir à nossa próxima viagem. Ele gostou muito. Após essa viagem, nós dois e minha irmã fomos líderes das outras equipes e viagens e pudemos inovar bastante. Foram momentos preciosos para nossa formação educacional. A nossa viagem era feita de ônibus, pago com nosso trabalho e ficávamos morando por dez dias na cidade onde atuávamos socialmente. Dormíamos na capela juntando dois bancos de madeira e colocávamos nosso sleeping em cima dos bancos. O banheiro era uma fossa nos fundos da igreja que era cheia de baratas na cor branca. As refeições eram feitas nas casas dos moradores. Comida simples, mas saborosa. Não tinha chuveiro e os banhos eram feitos no rio que ficava dois quilômetros da aldeia. Não havia luz elétrica e tudo era iluminado por velas ou lampiões a gás. Trabalhávamos na área de saúde, educação e religiosa. Também fazíamos recreação com crianças e reuniões com debates com os jovens. O mais interessante era a diferença que víamos com nossos próprios olhos no mês de julho. Nos primeiros dias estávamos morando em aldeias do Mato Grosso e no resto das férias íamos para casa de amigas em fazendas ou Campos de Jordão, dormindo em mansões, comendo do bom e melhor. Quando me deitava, meditava na vida e pensava nos pobres e ricos. Uns tem tudo e outros nada. Luxo e pobreza. Doença e saúde. Com dezesseis anos conversava com Deus, do jeito que sabia e deitada na cama falava: - “Deus, como posso ser útil neste mundo tão dividido?” O Senhor poderia me usar para ajudar as pessoas necessitadas? “Deus como sofro em ver tanta pobreza, fome doença, corrupção e não poder fazer nada”. Essa era a minha oração ou meditação durante a minha adolescência e juventude. Estudava essas questões, o socialismo e o comunismo. Gostava de ler Marx e Engels. MEU NAMORO COM O TOMMY Depois que comecei a namorar o Tommy, vi com meus olhos a vida que ele teve e tinha na época: igual a minha. Veio de uma família onde a mãe era de família muito rica e poderosa e casou com o pai, mais simples. Meus sogros tiveram cinco filhos e educaram da melhor forma possível e tiveram a mesma idéia dos meus pais: colocar os filhos numa escola boa. O Tommy estudou o primário no Colégio Santa Maria como eu e o ginásio e colegial no Colégio Santa Cruz. Nós dois com os mesmos questionamentos e orações à Deus. O Tommy pesquisou mais, foi conhecer outras religiões e estudava muito o existencialismo.
  • 11. 11 FACULDADE Tommy fez vestibular para Medicina e entrou na faculdade Pinheiros, Universidade de São Paulo (USP), a melhor universidade de medicina. Com residência em Saúde Pública e pós graduação em administração em saúde, na Getúlio Vargas. Eu entrei na faculdade, Pontífice Universidade Católica (PUC) cursando Serviço Social. Tommy era mais voltado para o existencialismo e eu fui me focando no socialismo cristão. MISSÕES URBANAS No primeiro ano de faculdade resolvemos parar de viajar para missões em outro estado e trabalhar no nosso bairro, Chácara Santo Antonio, fazendo algo mais efetivo. Fomos fazer uma inspeção na favela perto de casa e conhecemos um seminarista católico, uma dona de casa e um estudante de artes atuando na favela. Entramos neste grupo e junto com eles começamos a conhecer e nos tornarmos conhecidos na favela. Quando já estávamos familiarizados, começamos a fazer o nosso diagnóstico para atuarmos na nossa área. Organizamos uma reunião na capela dentro da favela e nesta levamos o povo a debater suas vidas e necessidades. Reunimos-nos mais vezes e o povo estava animado. Através dos debates, visitas domiciliares e pesquisas, o problema que mais queriam solucionar era o esgoto. Queriam muito ter uma rede de esgoto e melhorar a qualidade de vida e a saúde. Começamos a trabalhar junto com a população. Tommy e alguns homens de família recolheram em recipientes várias amostras da água que escorria do esgoto. Tommy levou essa água para fazer uma análise. Enquanto isso, eu comecei a fazer visitas em toda a favela com umas senhoras e discutir sobre o lixo lançado no esgoto, doenças existentes entre as crianças, aborto (pois vimos vários fetos jogados pelo chão). Quando a análise da água chegou e foi constatada a presença de bactérias, o povo ficou chocado. O debate foi fervoroso. Tommy disse: “- O que vocês querem fazer? Nós estamos aqui somente para ajudá-los nas opções levantadas por vocês.” Após um debate gostoso e cheio de idéias vingou a mais votada: Fazer uma festa com danças, comidas típicas do Nordeste, bingo e leilão. Com o dinheiro arrecadado, seria construída uma rede de esgoto. Organizamos a festa no salão paroquial da Igreja Católica perto da favela e toda a população colaborou. No final da festa contamos o dinheiro e começamos a gritar e pular, pois tínhamos o suficiente para comprar manilha, areia, tijolos e ferramentas. No próximo final de semana começamos a construção. Eu comprei uma bota vermelha de plástico e coloquei luvas cirúrgicas para poder colocar meus pés e mãos no esgoto imundo. Só não tapei o nariz para não magoar os moradores. Nunca imaginei na minha vida em pegar a pá e cavar “cocô” de muitas pessoas. O cheiro era insuportável, me dava náuseas mas engolia a saliva e ia em frente. Após a primeira etapa cumprida, iniciamos a segunda que era a educação em saúde. Através de dinâmicas, debates e histórias, ensinamos vários temas: uso de calçado, clorar a água, jogar lixo no lixo, prevenção de doenças, método anticoncepcionais, aborto, drogas, alcoolismos, adultério, violência doméstica. Tommy começou a levar os casos de doença mais grave para o Hospital das Clínicas, ele mesmo acompanhava, registrava e encaminhava. As doenças mais simples, ele medicava na própria favela. Pensamentos sempre viam na minha mente: –“Por que há tanta discriminação social, econômica e regional. Eles são nordestinos, povo bom. São de cor negra, parda e brancos, cor bonita, feita pelo Senhor. São pobres, mas são honestos, querem ganhar a vida honestamente, mas a sociedade não deixa. O que posso fazer? Acho que estou fazendo pouco.” Os questionamentos aumentaram. Estudava mais sobre um estilo de governo diferente, o socialismo. Mas nada respondia meus questionamentos. DEUS, IGREJA EVANGÉLICA E RELIGIOSIDADE Mas um dia algo maravilhoso aconteceu comigo. Uma amiga convidou-me para um estudo da Bíblia e fiquei feliz, pois amava a Bíblia e não entendia direito. Amei a reunião. Convidei o Tommy para ir à próxima e ele gostou também. Fomos várias vezes nesta reunião de crentes tão diferentes, que cursavam faculdade de História, Administração, Psicologia e outras e como entendiam a Bíblia. Ficamos fascinados. Após alguns meses aceitamos Jesus Cristo como Salvador e Senhor das nossas vidas na reunião da Aliança Bíblica Universitária (ABU). Essa amiga nos acompanhou no nosso início de vida cristã. (E hoje após 25 anos, estamos ligados intimamente de corpo e espírito, não só com ela, mas com o seu marido, que é pastor da missão, uma Igreja que se reúne em sua casa).
  • 12. 12 Mais uns dois meses se passaram e fomos para uma Igreja Evangélica. Uma Igreja que nos ensinou a orar e entender a Bíblia, mas não tinha visão social. Aos poucos fomos deixando a favela e a nossa vida com desenvolvimento comunitário e entrando na vida religiosa da igreja. Saímos do mundo onde éramos sal e luz e entramos numa vida religiosa dentro das quatro paredes do prédio da igreja. Fomos líderes de jovens, de grupo caseiro, de discipulado, Tommy foi ungido diácono, depois presbítero com a função pastoral. Fomos bons crentes, bons discípulos, mas esquecemos das missões urbanas e o ide por toda terra. Esquecemos dos nordestinos. Esquecemos das meditações em nossas vidas. Um tempo de escuridão social. Quatro anos sem atuar como voluntários em obras sociais. Como profissionais, fomos missionários onde estagiamos e trabalhamos. Tommy, no Hospital das Clínicas. Eu no Hospital das Clínicas e no Hospital Matarrazo (como estagiária) onde pude praticar o Serviço Social e obras de misericórdia. Trabalhei na Legião Brasileira de Assistência (LBA) em trabalhos comunitários nos bairros da periferia da zona sul e como Assistente Social da Creche Thebaída, creches nas casas. Antes de nos casar, o nordeste voltou ao nosso coração e ficamos sabendo que a igreja necessitava de missionários na frente missionária no Piauí. Oferecemo-nos para ir e no início fomos aceitos. Tínhamos que arranjar emprego, pois a igreja não podia nos sustentar. Tommy entrou em contato com o Piauí e tentou de tudo para arranjar emprego, mas nada. O presbitério nos chamou e acharam melhor nós ficarmos em São Paulo, pois éramos de família de classe média e seríamos mais bem aproveitados em São Paulo. Ficou decidido que não íamos mais. Lá se foram, o nordeste e obras de misericórdia. Ficamos em São Paulo. CASAMENTO Quando casamos, Tommy trabalhou na Amil, como diretor administrativo no Hospital São Vicente de Paula em Jundiaí e depois ingressou na Sabará (cloro) como administrador e saiu como diretor financeiro. Eu resolvi trabalhar como voluntária e virei esposa de pastor. Neste tempo voltei aos poucos com meus trabalhos sociais. Mas como somos chamados por Deus para vivermos o Reino de Deus, somos vocacionados e trabalhamos assim na cidade de São Paulo, estendendo o Reino de Deus através de tudo o que fazíamos. VOLTANDO AS ORIGENS: MISSÃO INTEGRAL Onde pude exercer a minha profissão e atuar na comunidade visando um desenvolvimento, foi quando mudamos de casa para o bairro da Zona Norte chamado Tremembé. Uma grande amiga e discípula, sabia do meu sonho de unir o social com o espiritual e emocional, o ser integral. De iniciar um trabalho na minha casa, onde pudesse atuar no homem integral, visando seu espírito, alma e corpo. Ela tinha uma amiga que tinha uma mansão no Tremembé e não conseguia vender. Os traficantes de drogas estavam começando a usar a casa e estragar tudo. Fizemos uma proposta de aluguel que o Tommy poderia pagar e prometemos cuidar da casa como se fosse nossa. Para surpresa de todos, ela aceitou o que o Tommy propôs e nós mudamos para uma casa de 3 suítes, escritório, hall com lareira, sala de visita, sala de jantar, sala de televisão toda de vidro, sala de almoço, cozinha e lavanderia. Garagem para 10 carros, com churrasqueira e quartinho e banheiro. Canil e quarto de empregada com banheiro e mais uma casinha embaixo da casa, com quarto, cozinha e banheiro. Casa num terreno de mil e quinhentos metros, com flores e árvores frutíferas. Só Deus para fazer algo incrível assim. A casa ficava ao lado de uma escola estadual. Comecei a orar e perguntar ao Senhor como poderia ser útil no bairro e quem sabe na escola. Após uma semana de oração e pesquisa em campo, Deus me deu o trabalho: reforço escolar com meninas da sétima série. Fiz um projeto para apresentar à igreja-mãe para que ela pudesse me ajudar com recurso financeiro. PROJETO REFORÇO ESCOLAR TEMPO PARCIAL No projeto constavam as atividades a serem desenvolvidas com dez meninas da sétima série, mais ou menos de 13 a 14 anos. O projeto aconteceria três vezes por semana, das setes horas da manhã até treze horas, horário de entrada de aula, na escola ao lado. Começaríamos com o café da manhã, estudo da bíblia, do evangelho de João, bem dinâmico, com redação, desenhos e recortes. Aprender a ler jornal, revistas e artigos, resumir e ministrar às outras. Aulas de artesanato, com pintura em gesso. Aula de etiqueta social. Fazer a lição de casa. Matriculei no clube dos oficiais, duas vezes por semana, com iniciação em todos os esportes, incluindo natação. E também matriculei numa escola de datilografia perto de suas casas. Constaria com lanche e almoço. Precisaria comprar uma mesa de pingue-pongue, assinar revistas (Super Interessante, Isto é e Veja), cadernos, bíblias, canetas, pastas, dicionário, tintas, gesso e mais coisas de papelaria. O projeto foi
  • 13. 13 negado pelo presbitério. Motivo? Esse trabalho não contribuiria para o crescimento da igreja. Quando Tommy contou-me, fiquei chocada e chorei muito. Falei com Deus: “- Foi o Senhor que deu o projeto, é seu, porque os pastores não aceitam? O que faço? Deus ficou silencioso e eu confusa”. Mas no dia seguinte Deus respondeu-me através do meu marido: “- Querida, orei muito pelo projeto e senti que é um projeto de Deus, eu vou assumir a parte financeira e vai ser um sucesso. Vamos economizar onde pudermos e fazer o projeto pela fé. Vá comprar o material e ir à escola levar o projeto”. Apresentei o projeto para a diretora e pedi para ela escolher dez meninas da sétima séria, que fossem meninas fáceis de serem ministradas e com vontade de crescer em outras áreas de suas vidas. No dia seguinte a diretora me telefonou dizendo que já tinha escolhido as alunas com a ajuda da coordenadora pedagógica. Pedi para ela marcar uma reunião com os pais e saí para comprar os materiais. Fizemos a reunião com os pais num sábado à tarde, expusemos o projeto e falamos que ajudaríamos suas filhas a serem mulheres diferentes e que estávamos dispostos a ajudar suas famílias também. Fizemos um culto a Deus de ações de graças e adoração. Fomos dormir empolgados. Esse projeto durou todo um ano e foi maravilhoso, tanto para mim, como para as meninas e suas famílias. Deus se movia todos os dias. Não sei cozinhar bem, nem desenhar, quanto mais fazer artesanato. Mas cozinhei para dez e fiz salada, comida, sobremesa. Tudo ficou perfeito!!! Deus é tremendo. Ele mandou anjos cozinharem comigo. Uma vez por semana, matriculei-me numa aula de artesanato para aprender a técnica de pintura em gesso. Na hora do artesanato, nem precisei colocar a mão na massa. Só ia falando e elas faziam e saíam vasos, porta-retratos e quadros lindos. As revistas chegavam, elas liam, levavam para casa, recortavam, faziam cartazes e resumos. Depois de dois meses, foram uma a uma se convertendo. Depois de lermos o evangelho de João, passamos a ler Mateus e depois o Novo Testamento. Elas escreviam resumos, doutrinas bíblicas, referências e palavras proféticas. Algumas foram batizadas com o Espírito Santo na sala de casa e batizadas nas águas numa piscina que colocamos em casa. Quanto ao clube, aprenderam a jogar vôlei, basquete, handball e natação. Todas se formaram em datilografia e a formatura foi na garagem de casa, com festa e entrega dos diplomas. O mais incrível foi que cada curso ligava a nossa família a pessoas interessadas em conhecer mais a Deus. NASCE UMA IGREJA: “ELIANA”, DEUS DÁ DE GRAÇA Abrimos após três meses de projeto o nosso primeiro grupo caseiro. O grupo cresceu e tínhamos um estudo dinâmico com perguntas e respostas vindas da Palavra de Deus. Após o primeiro grupo, nasceram outros grupos familiares na redondeza e em sete meses estávamos inaugurando a Igreja Edificando em Cristo. Eu comprava gesso numa escola de artesanato e a dona perguntava o porquê do projeto e eu falava do meu amor pelas pessoas e da obra de Jesus. Ela começou a se interessar e começou a dar de graça o gesso e aproveitamos uma amiga que foi fazer o curso de artesanato na escola e em um mês a dona da escola se converteu e no mês seguinte seu marido também. Deste projeto, três jovens se interessaram por Jesus. Então fiz um mini projeto com os três no período da tarde. Paguei a datilografia, fiz estudo bíblico com eles e teclado para uma e violão para o outro. Uma delas trabalhava em casa de família e era tratada como uma escrava. Não podia sair de casa, ganhava pouco e era explorada. Aconselhamo-la a exigir férias e de tanto lutar com a patroa, conseguiu o mês de julho e ela ficou hospedada em casa, para poder participar de um projeto só dela. Estudamos a Bíblia e ela fez datilografia. Os três se converteram, uma trouxe a irmã e o noivo que se converteram e casaram na igreja. A que trabalhava como escrava, conseguimos tirá-la do emprego e a contratamos como secretária do Centro de Convivência que abrimos no ano seguinte. Investimos nela, pagamos um curso de Desenvolvimento Comunitário no CADI (Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral), no Paraná, depois ela estagiou no Ceará na cidade de Aratuba e voltando para São Paulo foi enviada para trabalhar na favela de Guarulhos, num trabalho de Desenvolvimento Comunitário (Núcleo Cristão de cidadania). Cursou a faculdade de Pedagogia e agora está com o objetivo de fazer pós-graduação nesta área. Sua irmã também se converteu, casou e está numa cidade do interior implantando o Evangelho do reino. CENTRO DE CONVIVÊNCIA DO TREMEMBÉ No ano seguinte ao início do projeto, iniciamos um Centro Social em casa, na qual chamei de Centro de Convivência. Convidei duas amigas Assistentes Sociais para me ajudarem. Ficamos um ano na casa, iniciando devagar os cursos que a comunidade pedia. Com a outra Assistente social, abrimos um grupo de
  • 14. 14 gestante conveniado com o Posto de Saúde. Para as gestantes inscritas no pré-natal do Posto, demos um curso de dois meses e no final cada gestante recebia um enxoval completo e visitas após o nascimento do bebê. Enquanto o curso de gestante acontecia, em outra sala umas senhoras da igreja católica confeccionavam os enxovaizinhos. Após uns dois anos, tanto a igreja como o Centro de Convivência cresceu tanto, que alugamos na Praça do Tremembé um salão enorme que pertencia a um supermercado. Fizemos um mutirão da Igreja para reformar e decorar aquele prédio. Quanto ao Centro Social, tivemos benção sobre benção. Abrimos mais alguns cursos, como culinária, estética, pintura em pano de tecido, inglês, teclado, violão, bateria, ginástica ritma, e ballet infantil. Iniciamos um centro de costura para confeccionar roupas para os índios e missionários de base da JOCUM de Rondônia. Abrimos um brechó de roupas seminovas e novas que funcionavam todos os dias durante os cursos e no sábado de manhã na frente do prédio. Com o dinheiro arrecadado com o brechó, comprávamos o material para confeccionar os enxovais das gestantes e tecidos para fazer as roupas para a JOCUM e sobrava dinheiro para postar no correio. Quando eu queria adquirir algum material e não tinha dinheiro, orava muito ao Senhor e como fruto da dádiva de Deus, ganhamos: seis computadores, sete máquinas de costura, sendo duas industriais, todos equipamentos de cabeleireiro, manicura e estética, balança para nutricionista e toda a decoração da sala da psicóloga. Deus derrama a sua maravilhosa graça dia após dia. Eu era voluntária e me dedicava ao trabalho no Centro e fazia todo o meu trabalho com fé, amor e dedicação. Tive relacionamentos com o posto de saúde, com estabelecimentos comerciais da região e com líderes religiosos. Foram momentos gloriosos para minha vida e também para a comunidade. A minha maior clientela eram os nordestinos. Por que os nordestinos? O que Deus tem para mim colocando no meu caminho os nordestinos? DESLIGAMENTO DA IGREJA MÃE Alguns anos depois, por causa de uma grave heresia na igreja-mãe, desligaram tanto Tommy como eu e toda a Igreja que se reunia na minha casa. Passamos a andar debaixo da cobertura de um ministério apostólico. Após o nosso desligamento começamos a freqüentar conferências missionárias, palestras e encontros em outras denominações. Fomos a SEPAL e uma missionária da SEPAL nos passou nomes de líderes de missões e agências missionárias. Nomes de livros que deveríamos ler e datas de conferências missionárias. Dedicamos um ano para ler, resumir, entrevistar diversos líderes e participar de encontros. Fizemos dois cursos de Desenvolvimento Comunitário no Paraná, um com o Darrow Miller e outro com o Maurício do CADI (Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral.. O Tommy dizia: “quando você completar quarenta anos irá estar no campo missionário”. Isso seria em 1999. Então, começamos a trabalhar a igreja para nosso envio e nos preparar para o campo. Tanto na visão missionária como estudos de medicina para o Tommy se integrar novamente na clínica médica. CHAMADO MISSIONÁRIO URGENTE No II Encontro de Missões, no ano de 1998, na cidade de Guarapari, Espírito Santo aconteceu o nosso chamado Missionário. Primeiro, passamos no stand da AMIDE, onde a presidente chamou o Tommy e deu uma palavra profética: - “Tommy, Deus está chamando você para voltar a clinicar, usar a medicina no ministério missionário. Volte para a medicina e Deus vai te usar muito”. No mesmo dia, andando pelos outros stands, deparamos com um stand nordestino: JUVEP. Paramos e ficamos pasmados com o que vimos de cartazes e trabalhos no sertão nordestino. O diretor da missão, nos olhou e percebeu o nosso espanto e começou a conversar conosco. Desta conversa, saiu um planejamento de uma viagem missionária para a Paraíba com ele. Seria em Janeiro num rali pelo sertão paraibano. Participamos de várias palestras e fóruns de discussão e em todas elas, nossos olhos enchiam de lágrimas. Em uma em especial, que era a oficina de Fazedores de Tenda, encontramos o nosso ministério, pois com a medicina o Tommy iria nos sustentar e evangelizar. ESPIANDO A TERRA Em Janeiro de 1999 viajamos para o nordeste sozinho. Passamos por Maceió e visitamos o SEBRAE e algumas faculdades. Viajamos de ônibus com destino a João Pessoa e parávamos em pousadas para descansar e estudar história, geografia e política do nordeste. De João Pessoa, saímos no rali pelo sertão paraibano por cinco dias e após essa viagem com o diretor da missão, nos instalamos num hotel perto de
  • 15. 15 Cajazeiras onde alugamos um carro e fizemos viagens por outras cidades do sertão paraibano e sertão do Rio Grande do Norte. No final de janeiro pegamos um ônibus e fomos para Fortaleza visitar a Adriana e Júlio, meus cunhados. Passeamos muito por Fortaleza e também visitamos o Banco do Nordeste e pesquisamos, xerocamos e entrevistamos especialistas, tudo sobre o sertão cearense. Fomos ao SEBRAE, casa de cultura e outros lugares para aprendermos mais sobre o nordeste. Júlio e Adriana insistiram para conversarmos com um assessor do secretário de saúde e procurarmos emprego no Ceará, pois todas as cidades tinham implantado o PSF (Programa Saúde da Família). Marcamos um horário então com o assessor e ele nos falou sobre o PSF e toda trajetória no Ceará; falou da sua esposa Assistente Social e o trabalho em conjunto com ele. Identificamos-nos muito. No final da conversa ele nos deu o nome de cem cidades que precisavam de médicos e mandou escolhermos. Saímos da Secretaria de Saúde e procuramos uma irmã do nosso cunhado que conhecia todas as cidades do Ceará e pedimos ajuda para escolher cinco cidades. Queríamos cidades que ficavam no máximo, trezentos quilômetros de Fortaleza, cidade com menos de 2% de cristãos autênticos, tivesse mais de dez cidades vizinhas, um prefeito correto e de caráter e um secretário de saúde que trabalhava bem o PSF. Ela nos deu o nome das cinco cidades: Viçosa do Ceará, Quixadá, Baturité, Iguatu e Aratuba. Entregamos a lista para o assessor. Voltamos para São Paulo orando para Deus abrir as portas da primeira cidade que iríamos como missionários “fazedores de tenda”. (Deixamos currículo do Tommy em todas cidades que passamos pela Paraíba e nenhuma nos deu retorno. Não conseguimos emprego de médico para o Tommy no estado da Paraíba.) Duas semanas após o retorno da nossa viagem missionária ao nordeste, uma senhora do Ceará nos telefonou e disse: - “Sou a secretária de saúde de Aratuba e estamos precisando de médico para início de Maio”. A primeira cidade se abriu e foi no estado do Ceará. Começamos então a nos preparar para viajar no final de abril. Mas um dia o Tommy disse: - “Carol, sinto que devemos viajar para Fortaleza e conhecer a secretária de saúde, procurar casa para alugar e conhecer a cidade de Aratuba”. E assim viajamos em março para o Ceará, conhecemos a secretária de saúde, uma cristã evangélica, médica obstétrica muito boa na prática do PSF. Conhecemos Aratuba, uma cidade de serra. Fomos apresentados para o prefeito, um senhor honesto e era considerado o melhor prefeito do Ceará e ficamos sabendo de uma casa para alugar, num sítio que ficava cinco quilômetros do centro da cidade. Conversamos com todos e deixamos tudo certo, desde emprego até a casa. Voltamos para São Paulo e nos dedicamos em preparar a igreja para a nossa saída. E assim, no final de abril estávamos instalados na nossa nova casa e nova cidade. Deus cumpriu tudo isso na minha vida quando eu estava com quarenta anos. Deus é bom demais, não há outro como Ele. Então volta a minha pergunta do início do capítulo: “Por que o nordeste?” Já contei o meu amor pelos nordestinos. Mas também pesquisei muito sobre a região nordeste e comecei a ler livros sobre a região, pegar recortes de jornal falando do nordeste e fiz um arquivo da região. O NORDESTE O nordeste tem uma história de uma estrutura social rígida, de senhores e escravos, de senzalas, de ricos e pobres. É a região de menor renda per capta, maior desemprego, maior número de analfabetos, de crianças fora da escola, de maior índice de trabalho infantil, um número grande de prostituição e mães solteiras. De menor expectativa de vida, menor percentual de saneamento e água encanada, menor número de trabalhadores sem carteira registrada e recebendo salário inferior ao salário mínimo e a região menos evangelizada do Brasil. O nordeste é a periferia do Brasil e o sertão é a periferia do nordeste. O nordeste tem terra rica e gente pobre. Os poucos ricos exploram a maioria pobre. Foi a terra dos coronéis onde aconteceu muita injustiça social. O potencial agrícola, turístico, industrial e humano é imenso. Mas tem sido pouco utilizado. O nordestino do sertão é forte, amável, inteligente, trabalhador, sensível e lutador. Ele é descriminado pelos nordestinos das serras, caatinga e da região litorânea. Nordestino em geral é descriminado pelas regiões Sul e Sudeste do Brasil.. Ao mesmo tempo foi o berço de homens e mulheres inteligentes, com dons artísticos e de grande influência na cultura brasileira. São estes: Rui Barbosa, José de Alencar, Gilberto Freire, Jorge Amado, Raquel de Queiroz, Clóvis Beviláque, Chico Anísio, Fagner, Tom Cavalcante e José Wilker.
  • 16. 16 Dizem que o cearense é o judeu brasileiro. Aonde vamos Brasil afora encontramos um cearense morando lá. O cearense possui uma cultura ímpar e uma mentalidade peculiar: ele dorme em rede, tem gírias próprias, um sotaque, uma cozinha deliciosa, muito brincalhona, hospitaleira e com forte inclinação para letras, ciências humanas, música, dança instrumentos musicais e a literatura de cordel.. 3- CULTO DE ENVIO E CHEGADA EM ARATUBA Chegou o grande dia, o nosso envio pela igreja que iniciamos em nossa casa. A igreja que nasceu do nosso coração, no bairro do Tremembé, estava enviando o primeiro casal missionário: os pais da igreja, eu e o Tommy. Estávamos de partida para o sertão do Ceará e deixamos a igreja nas mãos de um presbitério ungido por nós. Um culto maravilhoso de envio, com pessoas especiais na nossa vida, vindo para a despedida e orar por nós, nos enviando. Além dos irmãos da igreja local vieram vários pastores e amigos para a nossa despedida. Louvor, adoração, danças com o ministério de dança e mímica da igreja e do grupo de dança do Centro de Convivência do Tremembé, intercessão pelo nordeste, uma palavra ministrada e oração de envio por todos os pastores presentes. Muitos abraços, beijos, orações individuais, presentes, cartas e muito choro, foram embora e dormimos a nossa última noite na casa dos meus pais. De manhã cedo pegamos minha sogra e fomos para o aeroporto de Cumbica e ali, depois de despedidas e choros; embarcamos rumo ao nosso sonho: sermos missionários no nordeste. Em Fortaleza fomos recebidos pelos nossos cunhados, Júlio e Adriana e sobrinhos Juliana e Pedro. Dormimos uma noite em seu apartamento. Entrei no quarto do Pedro onde dormimos me arrumei para deitar, oramos juntos e apagamos a luz. Aí veio um desespero e comecei a chorar. Tommy acendeu a luz e preocupado perguntou o que estava havendo e comecei a relatar. - “Querido, estou tão assustada! Saímos de tão longe e aqui estamos. São Paulo, uma selva de pedra, a maior cidade brasileira para a cidade de Aratuba, uma das menores cidades de um estado pobre e pequeno. Será que vou me adaptar?” - “Carol, o que é isso querida? Agora que você se preocupa? Já mudamos tanto dentro da grande São Paulo e você sempre se adaptou”. - “É que estou com o coração apertado, está doendo. Não sei, talvez por estar longe dos meus pais, nossa família, nossa igreja, amigos, não sei dizer. Estou confusa”. - “Estou lembrando do meu pai e da minha mãe. Eles choraram muito na nossa despedida”. - “Amada, é a vontade de Deus e Ele confirmou em tudo o que oramos você está emocionada. Após um culto lindo de ontem, com tantos amigos, despedimos dos pais e vendo-oseles chorando e uma viagem cansativa, amanhã você estará bem”. Então o Tommy se levantou, sentou na minha cama e me abraçou com ternura, beijou o meu rosto, enxugou minhas lágrimas e orou por mim. Depois me deitou na cama, cobriu-me , fez um carinho nos meus cabelos e dormiu. Tommy sempre deita e num minuto dorme profundo. Eu fiquei rolando para lá e para cá, imaginando minha nova vida no sertão. Num piscar de olhos, vejo o Tommy colocando uma bermuda, me olhando e dizendo: - “Bom dia querida, durma mais um pouco, vou dar uma caminhada na beira mar e quando o café estiver pronto te chamo. Todos da casa estão dormindo ainda”. - “Tá bom”, respondi. Passei o dia inteiro com tristeza, pois estava rompendo com uma vida burocrata cristã. Um sentimento de vazio. E perguntava a Deus: - “Para onde vou? Como será a minha nova vida?” Estou deixando salário bom do Tommy, status por presidir uma obra social grande, posição dentro da igreja, deixando São Paulo, a maior cidade do Brasil. Estou indo para uma cidade, quem sabe a menor e um dos estados mais pobres do Brasil. Um lugar onde não sou ninguém e Tommy com emprego de posto de saúde e com salário três vezes menor. Mas sou uma mulher de fé e de aventura, tenho visão de águia, enxergo longe e sei que estou para alcançar o alvo que Deus estabeleceu para mim.
  • 17. 17 PARTE 2 ☼ ARATUBA “SE NÓS VIVEMOS POR FORA DAS COISAS QUE O MUNDO ADORA DA GRANDE AMBIÇÃO QUE EXPLORA, OURO, PRATA E POSIÇÃO, TEMOS, EM NOSSO CAMINHA, E CADA PASSARINHO, A MAIS SONORA CANÇÃO” (Patativa Assaré)
  • 18. 18 1- CHEGAMOS NO CAMPO MISSIONÁRIO: ARATUBA Tomamos café naquela manhã com todos da casa e o Júlio insistiu para levarmos o seu carro emprestado e no final de semana ele iria com a Adriana no outro carro e voltavam com os dois. Arrumamos o carro e partimos para Aratuba. O dia estava chuvoso, era mês de Abril e o inverno Nordestino estava muito bom naquele ano de 1999. ARATUBA Aratuba é uma das cidades que compõe o Maciço de Baturité. Inserida dentro de uma área de preservação ambiental, o município tem atrativos naturais de uma beleza exótica, com trilhas ecológicas e cachoeiras no meio da serra. Subindo a serra, avistamos o sertão cearense, com um pôr do sol exuberante. È a cidade cearense de maior altitude. Tem um clima ameno (18ºa 22º) com mínima de até 10º. Fica 132 quilômetros de Fortaleza, capital do estado do Ceará. Resolvemos ir para Aratuba, avisar a secretária de Saúde, que chegamos e no início de maio o Tommy iniciaria seu novo trabalho. Depois fomos ver a casa onde iríamos morar. Ela era toda avarandada e já estava na cor que tínhamos encomendado ao proprietário: toda amarelinha com as colunas e beirais das portas e janelas de azul royal. Os três pintores estavam trabalhando na casa e muito simpáticos nos receberam muito bem, como todo cearense. Mostraram-nos toda a casa, cômodo por cômodo. Da linda varanda dava na sala de jantar e de estar. Os empregados que estavam trabalhando nela nos mostraram toda a casa. O quintal, o poço, que ficava lá fora da casa e o rio que passava ao lado. - “Esse rio não inunda não”? Tommy perguntou num sotaque cearense - “Só inundou uma vez num inverno muito bom, doutor, mas não entrou na casa. Não tem medo não doutor, a casa é forte, não vai cair”. - “O que é essa folhagem seca em cima da porta e esses pontos pretos na parede e chão”? - “Ah, doutora, esqueci de dizer. Aqui tem muito morcego de noite, então essas folhagens são para espantar, mas o preto era quando os morcegos vinham e defecavam na parede. Mas agora, com essa folhagem eles não vêm mais”. Viajamos para a cidade de Guaramiranga, cidade serrana e turística do Ceará. Dormimos no hotel escola do SENAC. O povo é muito acolhedor. Os restaurantes são requintados e pratos das cozinhas alemã e francesa. Todo carnaval, em vez da festa típica, tem jazz e blues e lotam a cidade. Após um dia em Guaramiranga, descemos a serra para a cidade de Baturité. BATURITÉ Uma cidade com clima de sertão, chuva e calor intenso. Baturité é uma cidade comercial, o pólo de dez cidades menores. Choveu três dias sem parar e nada do caminhão da mudança telefonar. Quando a chuva amenizava um pouco, íamos caminhar pela cidade e logo retornávamos, pois a chuva vinha com toda força. Passamos três dias num hotel com o quarto todo mofado e só com um a sala de refeições e mais nada. Dia 29 de Março, quando deu 12h00minhs o motorista do caminhão telefonou dizendo que estava chegando. - “Aleluia! Até que enfim! Vamos para nossa casa hoje”. Disse para o Tommy Eu me diverti muito apesar do cansaço. Tivemos um contratempo com o caminhão e a chuva, mas a mudança foi entrando e terminou às 20h00minhs. Antes de tomar banho, fizemos um culto de adoração e ações de graças ao Senhor. Ele nos trouxe em segurança, operou milagres e agora estávamos na terra que Ele nos deu. Após um banho gelado fomos até a cidade telefonar para nossos pais e dizer que estávamos bem. Voltamos para casa e dormimos muito bem.
  • 19. 19 2 - INÍCIO DA NOVA VIDA PRIMEIRO DIA NA NOVA CASA Dedicamos nossos dias para arrumar a casa e no final de semana, Julio, Adriana e as crianças vieram nos ajudar. Passamos um final de semana bem agradável e comemoramos com um founde de queijo no sábado noite na nossa varanda com uma temperatura de dezoito graus, um friozinho de serra. Pensamos como é bom ir para uma terra estranha e ter familiares que moram no local. Júlio e Adriana foram bárbaros conosco. Na segunda-feira o dono da fazenda apresentou-nos um jovem casal, que poderiam trabalhar em casa, ela com os deveres domésticos e ele com o trabalho do jardim, horta e manutenção do sítio. Logo de início, gostamos dos dois e já agendamos o início do trabalho. No sertão e serra cearense o trabalho doméstico funciona desta maneira: eles iniciam o trabalho ás 07h00minhs, páram às 11h45minhs minutos, vão almoçar em sua própria casa, fazem a cesta, retornam ao emprego às 13h00minhs e saem pontualmente às 16h00minhs. É o costume de todos os trabalhadores da roça e de casa de família. A maioria ganha menos que um salário mínimo e não tem registro em carteira. A folga acontece de quinze em quinze dias, somente aos domingos. Quando acertei com o casal de pagar um salário mínimo para ela e meio salário para ele (pois ele trabalharia apenas meio período), trabalhando sábado meio dia e tendo folga aos domingos e feriados. Eles ficaram pasmados. PSF (PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA) Tommy iniciou o seu trabalho na secretaria de saúde, como médico da família no Programa de Saúde da Família (PSF). A implantação do PSF pelo Governo Federal foi uma estratégia para operacionalizar o processo de descentralização da atenção à saúde, da busca da universalidade e da equidade – princípios estabelecidos na Constituição de 1988. A medicina familiar não separa a doença da pessoa e nem a pessoa do ambiente. Reconhece que a saúde e a doença estão fortemente relacionadas com a personalidade, o modo de vida, o meio ambiente físico e as relações humanas. Compreende a forte influência que as relações humanas têm no desenlace da doença e reconhece a família como o cadinho do desenvolvimento da pessoa. O PSF é um programa onde o médico é inserido dentro da sociedade e da família. Ele entende um pouco da especialização da clinica geral, da pediatria, obstetrícia, dermatologia, psiquiatria, cardiologia, geriatria e entende muito de saúde pública. Ele compreende as relações afetivas que envolvem uma família, sendo capaz de providenciar apoio emocional e de ajudar cada membro da família a lidar com os sentimentos que surgem com uma doença grave. Tem o papel de levar a prevenção das doenças ligadas à higiene, meio ambiente e doenças de países de terceiro mundo. Um médico que aprendeu a pensar na família e na sociedade, ao mesmo tempo em que medita na sua parte clinica. O médico do PSF vê o município como o seu paciente e deve intervir para levar a ser um município saudável. O conceito de município saudável pela Promoção de Saúde é o processo que confere ao povo os meios de assegurar um maior controle e melhoria da sua própria saúde. A paz familiar, harmonia da sociedade, educação, alimentação, renda, ecossistema, justiça social são índices de um município saudável ou não. O médico da família trabalha em todas as áreas que o rodeia o ser humano. Uma medicina, bio-psico-social- ambiental. O estado do Ceará implantou o PSF em quase sua totalidade de municípios há 15 anos. Os indicadores de saúde melhoraram, pois os resultados positivos são visto pela redução da mortalidade infantil. Os bons resultados aparecem também no aumento do índice de aleitamento materno e na ampliação da cobertura pré- natal. O estado recebe cobertura do Programa Saúde da Família na área bucal – com adesão de dentistas às equipes PSF. O médico, as enfermeiras e nutricionistas saem do seu consultório e vão onde as famílias moram. Criam- se pequenos postos de saúde nas escolas ou em algumas casas. Cada equipe de PSF tem um médico, enfermeira, auxiliar de enfermagem e um escriturário, além do carro e motorista. Cada dia da semana, essa equipe anda até um lugar bem distante do centro da cidade, e atende no posto montado num certo local. Antes
  • 20. 20 das consultas há uma dinâmica de grupo com os pacientes na sala de espera (sala de aula ou sala ou varanda de uma casa), aulas sobre prevenção da saúde, de maneira bem instrutiva, com cartazes e teatro. Depois que todos pacientes forem atendidos e medicados, a equipe faz as visitas domiciliares aos recém nascidos, aos inválidos, aos deficientes e idosos. Mas durante a semana, em cada bairro, sitio ou fazenda, há agentes de saúde bem treinadas, com alguns equipamentos fazem visita domiciliares para toda a comunidade. No início colocaram o Tommy em vários sítios durante as tardes e pelas manhãs atendia no centro de saúde da cidade. Cada dia da semana ele trabalhava em uma região, ou centro, serra ou sertão. Foi uma aventura para ele. Havia no sertão a localidade Santo Antônio, um pequeno lugarejo. A equipe atendia na casa de uma senhora muito simpática. Na sala de visitas ficavam os pacientes esperando a serem consultados, na cozinha ficava a auxiliar de enfermagem medicando e entregando os medicamentos para serem tomados durante a semana e o médico ficava num quarto examinando os pacientes. A enfermeira atendia os pré-natais. Após as consultas, Tommy e a as enfermeiras faziam as visitas domiciliares, para àqueles que não podiam se locomover. A dona da casa esperava toda equipe para tomar um lanche, antes de retornarem. Mais uns quilômetros acima havia outra localidade e era feitos o mesmo e a dona da casa era uma senhora mais de idade e também preparava um maravilhoso lanche. Havia uma localidade chamada Buracão, outra Santo Antonio, Calembre, Coquinho e Aningas. O Trabalho do PSF é um trabalho visando o bem estar da população, onde o médico pode ter uma visão melhor paciente-doença e doença-comunidade. È o Reino de Deus sendo estabelecido através da profissão médico. Pois o Tommy ia onde o paciente morava, ficava o dia em contato com pessoas e comunidades. Conversando, atendendo cada paciente como um ser humano, criado por Deus e não como uma “massa” como é atendida nos grandes centros. Nestes dias que o Tommy viajava até os sítios, ele ia junto com a sua equipe e como demorava mais de meia hora, a equipe foi tendo um bom convívio e não era mais só uma equipe de trabalho, tornaram-se amigos e isso é muito bom para a população. Os pacientes eram conhecidos pela equipe pelo nome, histórico, modo de vida e como uma pessoa digna, especial e única. O trabalho do Tommy foi levar o Reino de Deus para cada sítio e santificar o comum para Deus. Isso quer dizer, fazer seu trabalho com excelência, responsabilidade e dando o seu melhor para o paciente. Isso é santificar o comum, a medicina, os remédios, a consulta, o relacionamento. Não precisa ir só ao culto ou alguma celebração toda preparada para ser santificado ou santificar algo....Fazendo qualquer coisa para Deus dando o seu melhor é santificar. A medicina foi o campo missionário do Tommy, onde ele estava santificando as coisas do dia a dia do seu paciente e da sua vida. Tommy precisou aprender o vocabulário local - o “ceares” do sertão. Os termos médicos eram bem diferentes e quando ele tirava a história do paciente precisava perguntar muitas vezes e até com mímica para entender. O doutor Sérgio, outro médico do PSF, que já trabalhava mais de um ano, ajudou o Tommy fazendo uma lista das principais queixas dos pacientes na área de saúde. Por exemplo: quando o paciente está com vontade de vomitar, ele diz: - “doutor vou provocar”. Não escuto bem é não oiço. Órgãos sexuais são as partes baixas. Dar a luz é pari. Corrimento genital é escorrimento. Ferida na pele, diz bicheira. Comida pesada, que faz mal á saúde é comida remosa. Tomar a injeção de benzetasil, diz benzetasilva. Tomar metade do comprimido, tomar uma banda do comprimido. A dor nas costas, fala-se dor nas patas; na pata direita ou esquerda. Naris escorrendo, naris istalecido. Sem fome é estou com fastio. Quando está mal do corpo, Ásia ou qualquer mal estar, diz-se estou com gastura. Aí o médico tem que adivinhar onde é a gastura. Xarope se diz lambedor. Dor nas costas em cima do “bumbum” é dor nos quarto. Há muitos outros termos médicos “ceares”, mas eu gastaria linhas e linhas para listar. Depois de duas semanas arrumando a minha casa, comecei ir às tardes com a equipe do Tommy nas consultas nos sítios. Fiz isso durante duas semanas. CURSO PARA AGENTES DE SAÚDE Conversei com a coordenadora do PSF e ofereci uma ajuda para treinar as agentes de saúde. Ela aceitou e comecei a estudar sobre o trabalho ideal de uma agente de saúde. Li textos sobre o trabalho de agentes de saúde que trabalham na África, Cuba e em outras regiões do Brasil. Assisti vídeos do Ministério da Saúde, que é um treinamento por vídeo para comunidades rurais. O agente de saúde é o papel mais importante da equipe do PSF, pois é ela que está em contato diário com as famílias que moram na sua localidade. Ela precisa ser convencida das necessidades da saúde e ser capaz de implantar mudanças na sua região de atuação. Por isso um treinamento é de extrema importância.
  • 21. 21 O treinamento que elaborei é bem dinâmico para que todas as agentes de saúde que são de níveis de escolaridade diferentes, possam entender. Além da diferença do grau de instrução, cada uma mora e atua numa região com certas peculiaridades, sendo sertão, cidade e serra. Uma boa agente de saúde necessita organizar programas de educação nutricional e sanitária, dar atenção especial às crianças com peso abaixo do normal, desnutridos. Também sua tarefa consiste em pesar e examinar as crianças, orientar gestantes, diabéticos e hipertensos. Ter um diário com planilhas para anotar suas atividades e entregar esta na reunião mensal com a coordenadora do PSF juntamente com todas agentes de saúde e enfermeiras de todas as localidades. Na primeira reunião fiz um psicodrama para ensinar como preencher corretamente o cadastro de cada morador visitado. Na segunda reunião dividi todas em pequenos grupos para o melhor entendimento do que é ser uma agente de saúde. Na terceira reunião o tema abordado foi o “Diagnóstico de uma comunidade”. Neste tema propus uma oficina de territorialização onde cada uma deveria fazer o diagnóstico da sua área (diagnóstico demográfico e socioeconômico). Na outra sexta-feira fizemos o diagnóstico do meio ambiente e cultural. Na próxima reunião discutimos sobre micro áreas de risco. Que significa descobrir o perigo da saúde das pessoas e onde está esse perigo. Para entendermos bem a realidade dos perigos, fizemos um mapeamento de cada área com todas as informações pesquisadas. Neste dia aprendemos a usar os símbolos convencionais da saúde. Na sétima reunião falamos sobre Planejamento Familiar. O que é planejar? Quais os métodos anticoncepcionais? Cada grupo ficou com nome de métodos para pesquisar a maneira de usar e sua eficácia e apresentar para todos. Desenhamos o aparelho reprodutor feminino. Outros temas para as vinte reuniões de treinamento: Pré-Natal, O Resguardo, O Recém Nascido, O Cartão Registro da Criança, IRA (infecção respiratória aguda), O período da Adolescência, O Deficiente Físico e o Mental, AIDS, Câncer de Mama e Útero e Saúde Bucal. Escrevi todo o projeto e a coordenadora do PSF aprovou e assim comecei os treinamentos juntamente com as enfermeiras. Participei ativamente das primeiras reuniões. No meio do treinamento minha filha nasceu e deixei todo o treinamento com as aulas, dinâmicas de aquecimento e de ministração à alma tudo escrito para as enfermeiras fazerem. Estava iniciando uma nova fase em minha vida. Esse trabalho que elaborei também que foi a maneira de estabelecer o Reino de Deus na saúde do município, nos sítios e nas vidas das agentes de saúde. Pois o projeto visa alcançar o ser humano por completo, com a prevenção da saúde e cura dos sintomas. Mesmo não ter participado atuando em todas as reuniões senti que cumpri a minha parte na chamada de Deus para levar o Reino de Deus para a prática das agentes de saúde. Este é um trabalho de transformação social a longo prazo e tende a se reproduzir pelo tempo a fora. 3- ANINHA: UM PRESENTE DE DEUS Aninha nasceu em 12 de Agosto de 1999 e foi um presente de Deus para nossas vidas. Por isso demos o nome de Ana que significa “Graça” e o Tommy quis acrescentar Carolina que significa “doce melodia” e por causa do meu nome também. Ganhei de uma amiga o livro “Nana Nenê” e deste fiz um manual a seguir para cuidar do meu nenê. Antes do seu nascimento, li esse livro diversas vezes, fiz um resumo e depois um fichamento que deixei fixado em cima da minha escrivaninha. Esse livro ensina como fazer o nenê dormir mais tempo durante a noite. Temos que seguir um esquema de dar de mamar e deixar o nenê ao nosso lado por quinze minutos e depois colocá-lo no berço. Em um mês a Aninha já dormia das 23h00minhs às 06h00minhs da manhã. Os móveis do quarto foram comprados num vilarejo na cidade vizinha, Mulungu. O enxoval de berço, cortina e sacola, compraram no centro da cidade de Fortaleza. Todo na cor rosa, azul e verde, com motivos aquáticos. Peixes coloridos, estrelas e moluscos. Minha sogra veio nos visitar e pintou na parede verde claro os peixes iguais do enxoval. Ficou muito aconchegante. Como não tínhamos armários, Tommy reformou duas estantes de ferro, pintou de verde claro, retirou uma prateleira, colocou um cabo de vassoura pintada de verde claro, para colocar os vestidinhos. Minha mãe enfeitou com bordado inglês as prateleiras. Não precisei comprar quase nada, pois a Alix (minha cunhada) mandou pela minha sogra lençóis, cobertores, toalhas de banho e roupinhas, que foram do Lucas (meu sobrinho). A Keka (minha irmã) mandou pela minha mãe vestidos que minha sobrinha Adriana tinha usado e macacões, camisinhas e casaquinhos do André (meu sobrinho). Meus pais e sogra trouxeram presentes de tias e tio. A igreja do Tremembé enviou uma caixa cheia de presentes dos irmãos e das amigas e alunas do Centro de Convivência. Júlio e Adriana nos presentearam
  • 22. 22 com um carrinho e muitos presentes. A família do Júlio nos presenteou também. Os médicos e enfermeiras do PSF nos deram uma cadeira para o carro. A Aninha ganhou muito presente material, mas principalmente muito carinho. Fui uma mãe que quis fazer de tudo: dar o primeiro banho, trocar, amamentar e ninar. O Tommy foi um super pai, muito presente dividindo as madrugadas comigo, dando banho e fazendo dormir. Foi um mês de mudanças, pois segui o livro Nana Nenê e após um mês ela já dormia umas seis horas seguidas. Esse livro é maravilhoso! Neste primeiro mês não podia sair de casa com ela por causa das vacinas. Em casa continuei com as reuniões de senhoras, adolescentes, crianças e grupo caseiro. Após as vacinas já andávamos por todo lado. Ela cresceu numa família estável e equilibrada, cujos pais se amavam e a amavam. Mas por sermos uma família missionária ela passou por muitas aventuras ao nosso lado. Por exemplo, nas reuniões de grupo caseiro no sítio Tope na época das chuvas, as estradas ficavam intransitáveis, então tínhamos que ir a pé, embaixo de chuva às vezes. Vestíamos a Aninha com muita roupa e uma capinha de chuva e íamos a pé do sítio São João até o sítio Tope, uns cinco quilômetros. Íamos todos do São João a pé e cantando músicas de louvor à Deus. Ou no sítio Matas para o grupo caseiro, íamos de carro, mas às vezes atolava, às vezes tínhamos que andar um trecho a pé. Nunca reclamávamos, apenas ríamos e louvávamos ao Senhor. Para nós tudo era uma aventura com Deus. Aninha participava de todos os cultos e quando já era crescidinha levantava as mãos para Deus e depois quando já estava andando, dançava para o Senhor. O cultinho para as crianças durante a pregação da Palavra era feito lá no quintal, um lugar a céu aberto durante a noite. No início da igreja não tínhamos verba para suprir todas as necessidades, então as crianças sentavam num tijolo e todos ficavam em semicírculo. Após um ano se reunindo desta maneira, um casal cristão da igreja de Avaré veio nos visitar e ofertou a quantia para construir um telhado para o cultinho e comprar as cadeiras. Ela nos acompanhava em todas as visitas domiciliares. 4- UMA CULINÁRIA DIFERENTE Depois de andar com o Tommy pelos sítios, pensei em começar o meu próprio trabalho. A cidade de Aratuba tinha um bom prefeito e secretários eficientes, com ações sociais em todas as áreas que cobrem o ser humano. Não havia nada que poderia fazer, pois a população da cidade estava coberta com várias práticas da área social. Então, decidi fazer uma campanha de oração. Toda a manhã andava pela estrada da minha casa orando e clamando a Deus pedindo orientação quanto a minha prática missionária na área de desenvolvimento comunitário. Após três dias de orações, Deus falou à minha mente uma frase bem forte e firme: - “Carol, eu quero que você abra um curso de culinária com as moradoras do sítio São João, com as amigas da minha secretária do lar” Respondi à Deus: - “Como vou fazer isto se não sei cozinhar?” O Senhor falou-me: - “Carol eu estou com você, vá e pise nas águas e elas se abrirão. Você vai dar aula de culinária na sua cozinha e quando a sobremesa for pra geladeira você vai conversar e abençoar as mulheres.” - “Só pela tua palavra eu vou. Confio no Senhor. Que seja tudo para a sua Glória.”. Continuei a orar cantando em línguas, músicas espirituais falando sobre quem era Deus e o quê Ele fazia. Entrei em adoração e comecei a chorar porque estava sentindo o amor de Deus e Ele por sua boca falou comigo. Aleluia! Cheguei a casa alegre e já falei com ela: - “Querida, vem aqui um pouquinho. Tenho um convite especial para você e suas amigas. Vou iniciar um curso de culinária e vou convidar suas amigas e família. Começaremos na terça-feira que vem às 14hs. Vou ensinar a fazer doces fáceis e gostosos”. Ela ficou contente e disse que ia trazer algumas mulheres. Quando o Tommy chegou para almoçar fui correndo recebê-lo lá fora e disse: - “Querido Deus falou comigo hoje e disse para eu dar aula de culinária para as amigas da Lúcia do São João”. - “Carol você nem sabe cozinhar, foi Deus mesmo que lhe falou?”, perguntou ele. - “Claro que foi Tommy. Você acha que eu ia ter uma idéia dessas se nem sei cozinhar?” - “Mas o que você vai ensinar Carol?” - “Eu ainda não sei, mas vou orar. Só sei que foi o Senhor que me falou e tudo vai dar certo. Estou confiante”.
  • 23. 23 Durante toda a semana fiquei preparando o meu curso de culinária. Telefonei para algumas amigas em São Paulo para pegar receitas e todas falavam: - “Aula de culinária Carol? E riam. Todas sabiam o fiasco que eu era na cozinha.” Mas eu estava confiante em Deus. Escolhi que a primeira receita seria o mouse de limão da Vânia, minha discípula e amiga de São Paulo. Escrevi a receita no computador, colorido e com desenhos e tirei cinco cópias. INÍCIO DAS AULAS Chegou o dia, a minha secretária disse que traria as mulheres com ela após o almoço. Arrumei a minha mesa da sala de jantar com uma toalha de flores rosa e verde, coloquei pratos brancos, talheres e copos bonitos. Fui lá fora e colhi rosas cor de rosas e brancas e coloquei num vaso no centro da mesa. Em cada prato coloquei a receita e um cartãozinho de boas vindas escrito um versículo bíblico. Fiquei esperando as mulheres orando na sala de jantar, impus as mãos nos pratos, cantei, o Tommy orou por mim e saiu. No horário certo ouvi barulho das mulheres chegando. Eram quatro visitantes e minha secretária. Coloquei o número certo de pratos. Deus não brinca com Ele tudo é certo. Vamos lá para a primeira receita do nosso curso: O mouse de limão fácil. Li a receita alto para todas se familiarizarem para depois colocarem a mão na massa. Quando terminamos, fui até a geladeira e orei. - “Senhor abençoe esse doce para que fique gostoso e duro por milagre em uma hora, tudo para tua Glória. Confio em ti, em nome de Jesus, amém”. Na sala encontrei todas sentadas nos sofás, mas com vergonha. Fui bem carinhosa e disse que a minha casa era delas também e queria que sentissem bem acomodadas e livres. Pedi para cada uma dizer o seu nome, idade, trabalho e número de filhos. Depois fiz uma pequena dinâmica onde cada uma contava a história do seu nome, como e por que foi dado ao nascer. Com essa dinâmica todas riram muito das histórias incríveis e ficaram descontraídas. Comecei a falar do meu amor por Jesus e pela Palavra de Deus. O meu objetivo era falar um pouco de Jesus para elas, mas sem discutirmos religião. -“Eu sou contra religião. Devemos esquecer a religião e nome de igrejas. Somos todas cristãs e amamos o mesmo Deus. Vamos descobrir juntas lendo nos evangelhos e debatendo sobre a vida e obra de Jesus”. Eu disse para todas elas. “A senhora não tem religião?”, perguntou uma delas. “ A religião foi inventada pelos homens. Eu creio na Bíblia onde Deus nos fala através de seus filhos ungidos pelo Espírito Santo. Se lermos a Bíblia, não vamos nos enganar. Todas as religiões tem bons propósitos, mas todas tem o dedo do homem”, eu falei. “Vamos fazer juntas, mas eu não sei bem a Bíblia”. outra comentou. “Não faz mal, o Espírito Santo vai nos ajudar, é essa a função Dele”, comentei. Naquele dia iniciamos lendo Mateus 6:33 que diz assim: Buscai o reino de Deus em primeiro lugar e sua justiça e as demais coisas vos serão acrescentadas. “Queridas vamos nos sentar à mesa e deliciar o mousse de limão”, eu falei alegremente. Lúcia me acompanhou para buscarmos o suco e o doce. Elas ficaram encantadas com a decoração da mesa. Perguntaram por que estava tão bonito e eu falei que fiz tudo para elas. Ficaram emocionadas e a conversa gerou em torno de nunca alguém que tinha mais condições de vida havia convidado-as para entrar, sentar no sofá e comer numa mesa linda. Agradeceram tanto que na próxima reunião vieram mais mulheres. Nessas reuniões ensinei vários pratos de sobremesa e todos ficaram deliciosos. Nunca errei uma receita para a glória de Deus. Ensinei a fazer vários pratos e todas se deliciaram e eu vi o quanto Deus foi bom para comigo. Percebi que Ele não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos. Glória a Deus por isso. MINISTRAÇÃO ATRAVÉS DE DINÂMICAS DE GRUPO Em meio a tantas dinâmicas que apliquei no trabalho com elas, teve uma que fiz com o livro de Rute contando a vida de Noemi, com o tema “sonhos frustrados”. Trabalhamos os sonhos da juventude e as tempestades da vida que acabaram com nossos sonhos. Em Deus mostrei que sonhos frustrados levam a mudança do nosso caráter e amadurecimento e trocamos nossos sonhos para os sonhos de Deus que são maravilhosos e os mais adequados para a nossa vida.
  • 24. 24 Comecei a falar e repetir a importância de sonhar, planejar e ser visionária, respaldadas pela Palavra de Deus. Depois de um tempo algumas começaram a sonhar, planejar e orar. Pude ver suas vidas começando a mudar. Glória ao Senhor por isso! A dinâmica do Quebra o Vaso foi tremenda. Falei do vaso de Alabastro. Peguei um vaso e um perfume francês do melhor que eu tinha. Coloquei as mulheres em círculo e comecei a contar a história encenando com uma saia longa, lenço no cabelo e um vaso. Quebrei o vaso no meio do círculo, depois me ajoelhei em frente de uma delas, tirei o chinelo, joguei o perfume no seu pé, tirei meu lenço do cabelo, comecei a chorar de emoção, enxugando os pés com um pouco dos meus cabelos (que são curtos) e beijei os pés. Fui de uma em uma. Depois pedi para elas fazerem o mesmo. Neste tempo coloquei música de louvor e adoração. Foi um momento que Jesus estava passando no nosso meio e operou muita cura interior. Sentia a presença preciosa de Dele, o Seu amor aquelas mulheres sofridas e eu chorava e orava em línguas baixinho, pois nem consegui orar na minha própria língua. O mais incrível foi quando elas vieram todas ao meu lado, colocaram-me numa cadeira e ministraram na minha vida. Umas oraram. Outras choravam me beijavam e eu chorava. Deus operou cura na minha vida também. Quando ministramos abertamente onde todos falam, o aprendizado é real e nós que ministramos também somos ministrados. O Lava Pés foi outra inesquecível. Li na Bíblia a respeito do Lava Pés de Jesus. Coloquei uma música. Elas estavam em círculo. Fui ao meu quarto pegar uma bacia, uma jarra, minhas melhores toalhas de rosto, as bordadas, sabonete líquido. Fui lavando os pés da primeira do meu lado e orando alto e ministrando para ela. Passei por todas. Levantei e falei para elas fazerem o mesmo. Foi um momento de choro angustiado, de libertação e cura interior. Quando ministrávamos, elas uivavam, depois contaram os problemas emocionais e outras não conseguiram nem falar, pois quando iam abrir a boca voltavam a chorar. Os problemas contados eram sobre abusos sexuais e de violência que sofreram na infância. Muitas passaram fome quando eram menores. Pais e maridos alcoólatras, adúlteros. Algumas tiveram gravidez na adolescência e foram forçadas por seus maridos a fazerem o que não queriam. Tudo foi amplamente discutido, ministrado e orado durante meses. Depois de um bom tempo nestas ministrações e algumas tendo aceitado Jesus como Senhor e Salvador, entrei com estudo Bíblico mais consistente. Dei uma Bíblia, caderno, caneta, lápis preto, borracha e lápis de cor e adesivos com dizeres bíblicos para cada uma. Nas reuniões eu perguntava e cada uma respondia lendo no caderno e faziam questão de mostrar a letra que estava ficando bonita, os desenhos, as figuras, flores desenhadas e o capricho. Quando eu as elogiava, elas ficavam todas alegres e satisfeitas e cada dia cresciam mais na Palavra, nos caminhos do Senhor e no aprendizado das letras. Umas das mulheres que sofreu uma grande transformação, foi a minha vizinha. Quando começou a participar do grupo tinha acabado de ganhar seu último filho. Ele era um mês mais velho que minha filha Ana. Ela era bem pobre, triste, vestia-se mal e sua casa estava desmoronando. Ela não sabia escrever e mal lia. Ela foi crescendo de uma maneira espetacular. Sua letra foi ficando bonita, seus trabalhos com conteúdo, a Bíblia entrava na sua mente e ela começava a praticá-la em sua vida. Aceitou Jesus e batizou-se nas águas. Arranjou um emprego para cozinhar na casa do dono fazenda, começou a receber encomendas para fazer doces e seu marido foi aumentado de salário na fazenda aonde ele trabalhava. Ela começou a dizimar seu salário. Seu salário começou a dar para comprar roupas, reformar a casa, comprar porcos, galinhas. Mais tarde até cabeça de gado e bodes eles compraram. O dono da fazenda lhes deu uma terra para eles fazerem um roçado e vender para seu sustento. Seu marido comprou uma moto. Os animais deram cria, vendeu e fez uma reforma para aumentar sua casa. Seu terreno que antes era só terra, agora tinha plantas, trepadeiras e flores. Antes ela jogava lixo pela janela da cozinha e depois aprendeu a queimar o lixo e fazer uma composteira. A casa foi mobiliada, enfeitada com os gessos que ela mesma pintava. Sua comida ficou deliciosa e a casa formosa. Cortou o cabelo, arrumou os dentes, começou a comprar roupas e bijuterias. Ela era outra mulher. Essa é uma história de vida onde houve transformação. 5- ADOLESCENTES E AS ARTES No grupo das senhoras a culinária começou a ser visitada por algumas adolescentes. Filhas das senhoras. Um dia, vinham duas meninas, no outro dia vinha mais uma e no outro dia, vinham quatro meninas. No dia em que vieram umas seis meninas, a cozinha ficou lotada, atrapalhando então a aula de culinária. No momento da dinâmica, as senhoras ficavam inibidas pelas visitantes e não se abriam tanto. Pensei: O que fazer? Comecei a orar pelo assunto na estradinha de terra.
  • 25. 25 “O Senhor tem enviado algumas adolescentes ao grupo de senhoras. São meninas preciosas e vieram porque o Senhor as mandou. O que posso fazer para evangelizá-las?” Já no dia seguinte da oração Deus falou comigo. “Carol eu quero que você faça um curso de artesanato e ministre a minha Palavra para essas meninas”. “Obrigado Senhor porque Tu sempre respondes as minhas orações”. Novamente pulei de alegria. Orei. Cantei novos cânticos e músicas antigas. Voltei para casa muito alegre. Chegando a casa fui direto para o computador e fiz um convite bem alegre e colorido. Neste eu escrevi tudo sobre o curso de artesanato e marquei a data para a próxima quinta-feira. Chegou finalmente a quinta-feira e acordei animadíssima. Preparei as mesas de plástico na varanda e coloquei todo material no seu lugar. Em cada lugar tinha um cartãozinho de boas vindas. Quando a Lúcia foi almoçar pedi para ela vir junto com as meninas. Após o almoço pedi ao Tommy que orasse comigo e abençoasse a reunião. Eu estava rindo sozinha, pois começaria o meu segundo trabalho missionário e este seria também outro momento de servir a comunidade segundo os propósitos de Deus. INÍCIO DAS AULAS Ouvi de longe umas risadinhas de adolescentes e corri para a varanda com o coração batendo forte de emoção.De longe ouvi umas risadinhas e conversas e percebi que elas estavam chegando. Vieram todas bonitas, com os cabelos arrumados, de batom e unhas pintadas. Todas com a melhor camiseta e de shorts jeans. É a maneira que os jovens de Aratuba se vestem para sair. A melhor blusa com um short ou saia jeans e havaianas. Percebi que estavam felizes também. Fui rapidamente até a entrada da varanda e recebi cada uma com um abraço bem caloroso. Todas estavam com o rosto avermelhado por causa da caminhada. Neste dia vieram cinco garotas. Sentamos à mesa e finalmente expliquei como seria o curso de artesanato. Começaríamos com pintura de gesso. Elas estavam me olhando com os olhos brilhantes, demonstrando muita emoção e felicidade. Percebi que amaram o primeiro dia. Esse grupo durou uns dois anos ou mais. Ele foi aumentando mês a mês e nas férias de janeiro vieram alguns meninos também. PROJETO DE FÉRIAS COM JOVENS Nas férias de janeiro, fevereiro e Julho, as três Igrejas que nos ajudavam, enviavam jovens, senhoras e casais para atuarem como missionários de férias. Pessoas que dedicavam suas férias para servirem comunidades carentes. Eu preparava a casa de maneira que acomodava todos direitinhos. Como era prazeroso ver os jovens vindo de todas as partes alegres, dinâmicos e satisfeito. Nas férias escolares sempre tinha de quatro a oito adolescentes da cidade de Aratuba almoçando e jantando em casa, para estarem juntos aos nossos hóspedes missionários. Podemos ser úteis nas mãos de Deus com o objetivo de transformar a sociedade e ao mesmo tempo ter uma satisfação pessoal. Quando nos entregamos nas mãos de Deus para sermos voluntários de tempo integral, somos usados poderosamente para tocar na vida de pessoas que estão necessitando de Deus para terem sua vida transformada. DINÂMICAS COM OS JOVENS ARATUBENSES Além da pintura em gesso, ensinamos pintura em madeira e em tecido. Forramos latas com tecido, forramos livros de receita, livros para diário de vida e montagem de um livro de recordações. Fizemos enfeites de natal. Fomos para cozinha com aulas de culinária ao gosto dos jovens: brigadeiro, beijinho, pudim, bolo de chocolate, bombom de chocolate, bolachas e sorvetes. Elas forravam as latas e colocavam bombons ou biscoitos que faziam e presenteavam as mães. As tarefas que vinculavam a Palavra de Deus era feita todas as semanas. No início pedia para copiarem versículos e depois salmos. Depois ensinei a memorizarem os versículos e no dia da reunião fazíamos um concurso de versículos decorados. Ensinei a interpretar a Bíblia e elas faziam através de perguntas e respostas, redações, resumos e desenhos/colagem do seu entendimento dos textos lidos. Começaram a criar salmos, composições e canções. Um caderno era mais lindo que o outro. Incentivava a criação e arte nos cadernos de estudo bíblicos. Quando nos reuníamos, cada uma lia o seu caderno e mostrava a sua criação. Ensinei o princípio de individualidade, sempre elogiando cada trabalho pela sua peculiaridade e mostrando as diferenças nas criações. Ensinei o princípio de mordomia, mostrando como cuidar dos seus materiais, da limpeza e arte nos cadernos e artesanato, na limpeza da louça da cozinha e no uso do banheiro.
  • 26. 26 Ensinei a jogar lixo no lixo, tocar a descarga e deixar a limpa a pia do banheiro. Lavar os copos após o uso. Pedir licença para abrir a geladeira ou ir à algum cômodo da casa. Ensinei etiqueta social também. Como se portar à mesa nas refeições, na postura de sentar, mãos e uso dos talheres, no vestir-se com decência e elegância. Como se portar nos lugares públicos. Sempre estava falando do princípio de semear e colher, ilustrando esse princípio com experiência própria, tanto positiva como negativa. Tommy sempre foi muito gentil e aproveitava o tempo que estava em casa para conversar ou jogar com os jovens e neste tempo ministrava os conceitos de Deus. . Todos os jovens que participaram deste projeto são pessoas que melhoraram nos estudos, na maneira de ver a vida e de se comportar. Aprenderam a sonhar e investir nos seus sonhos. Começaram a ser moças e moços que têm objetivos e fazerem planejamento para suas vidas. 6- NASCE UM NOVO GRUPO Estávamos no início de outubro e eu já tinha três grupos de evangelismo em minha casa. Duas reuniões à tarde - a de culinária com senhoras e a de artesanato com adolescentes. Um grupo caseiro no domingo à noite. Todos os participantes moravam no sítio São João. Nas manhãs eu preparava as reuniões, lia livros ou ia com o Tommy para o Centro de Saúde. Numa das idas à cidade passei a manhã toda andando com a doutora, a chefe do Tommy. No final das visitas fui ao Posto de Saúde esperar pelo Tommy para irmos almoçar. Quando entrei no posto levei um susto ao ver quantas pessoas estavam na sala de espera. Fiquei sabendo que aquele era um dos dias que o dentista atendia na cidade. Senti algo diferente no meu espírito. Como conheço bem o meu Deus, percebi que Ele iria falar comigo ou me mostrar alguma coisa. Fiquei quieta e comecei a olhar devagar para todas as pessoas que estavam sentadas, em pé, para crianças correndo e o pessoal da saúde trabalhando. Com olhos bem abertos e ouvidos aguçados, pronta para ver ou ouvir o que o Espírito Santo estava tentando me mostrar. Uma voz firme e ao mesmo tempo suave me mandoueu olhar para a minha direita, para um grupo de adolescentes. Um impulso me levou até eles e logo me apresentei. “Bom dia, eu sou a Carol esposa do novo médico o Dr. Thomas”. Luis, o mais entusiasta disse: “Eu sou o Luis, esta é a Maria e as outras são colegas da escola. Muito prazer em conhecer a senhora. Sabia que o Dr Thomas é 10 e todos da cidade comentam que ele é muito bom médico e legal com as pessoas?” Fiquei em silêncio e conversei com o Senhor “O que falo agora? O que faço Senhor?” Deus me disse o seguinte: “Convida todos eles para uma reunião para conversar sobre sexo, uma aula sobre este tema com o Dr. Thomas”. Respondi em silêncio: “O que Senhor, uma aula de sexo? Como vou falar isso se nem sei como convidar?” Mas o Senhor me deu todos os detalhes de como falar com eles. “Sim Senhor lá vou eu”, pensei comigo. “Pedro você não gostaria de convidar alguns amigos para uma reunião de grupo com o Dr. Thomas? Poderíamos falar sobre sexo à maneira de Deus com abordagem médica”. “Que legal! Nós estamos precisando nos reunir, pois a reunião na casa paroquial está parada por enquanto. Vou convidar meus amigos”, disse ele alegremente. “Convide para quarta-feira às 19h00min, ok?”. Luis perguntou se iria ser na minha casa. - “Não, eu moro no sítio São João. Vamos fazer na Secretaria de Saúde. Fiquei mais tranqüila ao ver que o Senhor tinha preparado esse momento e que tudo era direção Dele. Deus é tremendo. Ele só quer a nossa obediência e disposição. O resto Ele faz. É incrível ter Deus como nosso chefe. Ele é justo, bom, misericordioso, honesto e verdadeiro. Trabalhar como voluntária tempo integral para o Senhor é a coisa mais maravilhosa que podemos fazer. Bati na porta e esperei um paciente sair e entrei ofegante falando muito rápido. Tommy falou. “Espere um pouco Carol, não entendi nada. Sente aqui, descanse e fale devagar”
  • 27. 27 Contei toda a conversa com os adolescentes e o Tommy ficou bem alegre e me abraçou. Ele se encarregou de falar com a sua chefe e ficou tudo acertado para a próxima quarta-feira. Ela deixou a sala, televisão, vídeo, papéis e canetas para usarmos. Nos dias seguintes deixei reservado para assistir os vídeos da Secretaria de Saúde sobre orientação sexual. Li folhetos e livros do Tommy sobre o assunto. Numa noite, nós dois preparamos a primeira reunião, desde as boas vindas, dinâmicas até o tema. Aguardamos ansiosamente chegar à quarta-feira. PRIMEIRA REUNIÃO – NA SECRETARIA DE SAÚDE Na quarta-feira o Tommy veio me buscar para irmos juntos na reunião. Chegamos mais cedo e aproveitamos para arrumar a sala de vídeo. Pontualmente às 19h00minhs chegaram todos jovens juntos com o Luis e Maria. Tommy os deixoueles falarem a vontade, só entrava com perguntas para animar mais o debate. Nesta reunião ainda não falamos do evangelho. Na segunda reunião vieram quinze jovens. O debate continuou com o mesmo tema e aproveitamos para falar dos conceitos de Deus em relação ao sexo fora do casamento, sobre pornografia e o sexo que é abençoado por Deus. Na outra reunião vieram vinte jovens. A cada reunião Deus ia acrescentando mais jovens. Aos poucos fomos mudando os temas e mais um tempo mudamos completamente os temas e fomos falando da Palavra de Deus. O próximo tema foi: A propaganda influencia a nossa vida? Dividimos em grupos e entregamos cartolina, revistas, tesoura, cola e canetinhas para todos os grupos. Cada grupo preparou o seu trabalho e depois no grupão cada um apresentou o seu. Após todas as apresentações iniciamos um debate entre os grupos. O Tommy foi o mediador e foi colocando os princípios de Deus. Percebi que eles estavam assimilando bem. Perguntavam muito sobre o tema. TEMAS DISCUTIDOS NAS REUNIÕES Os outros temas foram: O ensino no Brasil; Para onde esta caminhando a juventude de hoje? Como vai a nossa família? Entre outros. Quando chegou o mês de dezembro começamos entrar na Bíblia. Entregamos uma Bíblia Novo Testamento na Língua de Hoje para cada adolescente que estava participando ativamente do grupo. Demos um tema para debaterem e prepararem algo prático com tema para os dias de hoje. O tema foi a parábola do Samaritano. Demos duas semanas para lerem, estudarem e preparar um projeto sobre o tema proposto. Após duas semanas cada dia saía com um grupo na parte da noite. Eles agendaram com autoridades da cidade, uns conversaram com o prefeito, outros com secretários municipais, um grupo conversou com a dentista do posto e outro com a diretora da escola estadual. No dia marcado todos do grupo estavam em frente à Secretaria de Saúde com sua cesta de natal enfeitada e cada grupo com algumas outras coisas. Um grupo levou brinquedos, outro levou roupas semi-novas, outro levou cobertores e redes. Cada noite foi especial e eles estavam muito felizes em poder ajudar alguém, como o Bom Samaritano da Bíblia. Na outra semana nos encontramos para avaliarmos o trabalho e cada um contar sua experiência de Bom Samaritano e aproveitamos para tomar um delicioso lanche comunitário. UM NOVO LUGAR – PRÉDIO NO CENTRO DA CIDADE A procura para entrar no grupo foi grande e a secretária de saúde ficou pequena para as reuniões Então resolvemos alugar um salão na cidade. Um dia o prefeito foi almoçar em casa e falamos do grupo de adolescentes e contamos que estávamos procurando um salão na cidade para reunir os jovens e iniciar a igreja com reuniões no domingo. Animado com o sucesso do grupo dos adolescentes, contou-nos de um salão no centro da cidade, em frente a praça, que é de propriedade do sogro dele e este teria a intenção de alugar. Conversamos com o sogro do prefeito e saímos com um contrato informal do aluguel do prédio. Em Aratuba, os contratos são feitos com o “fio do bigode”, uma expressão popular de confiança. Como é maravilhoso poder confiar nas pessoas e não decepcionar. Sr. Memésio aluga esse prédio há sete anos para a nosso igreja e sempre fomos fiéis no pagamento e na conservação do prédio. O contrato do “fio do bigode” foi válido para nós paulistas. No mês de janeiro iniciamos o grupo de jovens já no novo prédio. Além das dinâmicas e ministrações, iniciamos uma super gincana que duraram janeiro e fevereiro inteirinhos. Pouco a pouco os jovens que se converteram e se batizaram foram mudando seu modo de vida. A cada dia o amor ao mundo ia sendo transformado por um grande amor ao Senhor. NASCE UMA IGREJA
  • 28. 28 No mês de fevereiro inauguramos a Igreja neste mesmo salão. Iniciamos com cultos matutinos e logo percebemos que a cultura local era de ter culto e missa às 19h00minhs. Então, no outro mês mudamos o horário do culto. A Igreja iniciou com os jovens da cidade e depois as pessoas dos sítios foram chegando. 7- A MULTIPLICAÇÃO DO GRUPO Durante sete anos no Ceará muitos trabalhos foram desenvolvidos. De um grupo surgiram outros. A multiplicação foi natural, seguindo as necessidades do grupo inicial e da cidade. De um trabalho nasceu outro e deste outro a Igreja de Aratuba foi edificada. Os missionários que vinham de São Paulo estagiar no Ceará nos ajudaram na implementação de novos trabalhos e inovando os trabalhos já existentes. Os trabalhos que mais se destacaram neste tempo foram: o pregando na praça, o jogando futebol (Atletas de Cristo) e os 100 sem pinga (prevenção ao alcoolismo). Minha opinião é que os adolescentes conseguiram avaliar a situação de alcoolismo na cidade e mobilizar as autoridades para que eles tratassem do problema levantado. Isso já foi muito. 1) Missões no Sertão O grupo descobriu que a população sertaneja estava sofrendo depressões, desilusões e angustia. Souberam de famílias que estavam passando fome por causa da seca. Descobriram que muitos eram idólatras, povo muito religioso, povo trabalhador, mas com baixos salários. Fizemos um trabalho sério e contínuo, fazendo visitas nas casas dessas pessoas aonde íamos de caminhão e tudo. Depois de um tempo o trabalho fechou, mas a semente foi plantada. 2) Preparo dos obreiros cearenses numa Escola de Missões em São Paulo Nós enviamos nove jovens de Aratuba durante sete anos. Os cinco primeiros foram custeados pela nossa Igreja enviadora (Tremembé – São Paulo) e os dois últimos anos por um casal amigo, pastores da Igreja em que nos convertemos. ATUANDO COMO MISSIONÁRIOS EM BATURITÉ Quando mudamos para a cidade de Baturité, levamos alguns jovens de Aratuba para serem missionários nesta cidade e morarem conosco. João, Marcos e Dani, arranjaram ótimos empregos e foram os melhores alunos da escola. João e Marcos freqüentaram o Liceu na cidade de Baturité, assumiram cargos na liderança estudantil e foram muito elogiados pela direção da escola. João fez estágio remunerado no SEBRAE e o Marcos trabalhou como missionário nos ajudando a evangelizar Baturité. Dani entrou na faculdade de Ciências Contábeis e estagiou no Banco do Brasil. Tommy pagava um salário mínimo para quem veio trabalhar como missionário em Baturité, enquanto não arranjaram emprego e eles moraram na nossa casa azul durante dois anos. COMO OBREIROS EM ARATUBA Chico cursou faculdade de Educação Física no período noturno, na cidade de Baturité e trabalhou meio período como professor de Educação Física no sertão das Marés. No outro período ele trabalha como obreiro da igreja em Aratuba, (sustentado pelo Tommy). COMO OBREIRA NA CONGREGAÇÃO MATAS Sofia trabalha como professora na escola no sítio Pindoba. Ela é a líder da congregação Matas e está iniciando um grupo evangelístico na escola da Pindoba. Esse trabalho recebeu ofertas de uma amiga que era a presidente do comitê de missões da Igreja enivadora. 8- CONGREGAÇÃO MATAS Um dia estava passeando pela cidade e resolvi procurar o Tommy e passei pela Secretaria de Saúde. A recepcionista chamada Lucia estava sozinha na recepção. Assim que entrei, ela sorriu para mim. “Oi como vai? Eu sou a Carol esposa do Dr Thomas”. “Oi eu sou a Jesus das Matas. È um sítio. Sitio Matas”. “Que nome lindo Jesus. É o nome da pessoa mais importante da minha vida”. “É o que o povo diz”.