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Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Porto Alegre, 25 a 29 de Julho de 2016
ARQUITETURA ASSISTENCIAL E SAÚDE: DISCUTINDO
CONCEPÇÕES E PROTAGONISTAS
SESSÃO TEMÁTICA: ARQUITETURA ASSISTENCIAL E SAÚDE: DISCUTINDO
CONCEPÇÕES E PROTAGONISTAS
Cybelle Salvador Miranda
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo- UFPA
cybelle1974@hotmail.com
Marcia Rocha Monteiro
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - UFAL
mrmontei@hotmail.com
 
 
ARQUITETURA ASSISTENCIAL E SAÚDE: DISCUTINDO
CONCEPÇÕES E PROTAGONISTAS
RESUMO
Inscrita no corpo das investigações sobre a arquitetura da saúde, a definição de concepções da
Arquitetura, cumprindo o papel de ‘auxílio’ proposto sob o signo da caridade, da filantropia e da
assistência, constitui o cerne desta sessão de discussão. Propõe-se destacar o projeto de arquitetura,
considerando o entrelaçamento desses dois campos de saber: arquitetura e saúde, na trajetória
histórica da instituição hospitalar, seja em aspectos físico-funcionais, estéticos, médico-científicos,
tecnológicos, geográficos, socioculturais, políticos ou econômicos. Cumpre ainda compreender a
Arquitetura assistencial no contexto de seus financiadores e projetistas, sejam eles monarcas,
arquitetos, médicos, mecenas, filantropos ou instituições, acentuando os trânsitos entre Brasil e
Portugal, nos séculos XIX e XX e o diálogo com pesquisadores de outros domínios territoriais. Esta
sessão faz parte do Grupo de pesquisa “Saúde e Cidade: arquitetura, urbanismo e patrimônio cultural",
registrado no Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq (Brasil), integrando pesquisadores da
Universidade Federal do Pará e da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e busca dar continuidade ao
Colóquio Internacional Arquitetura assistencial luso-brasileira da Idade Moderna à contemporaneidade:
espaços, funções e protagonistas, realizado em novembro de 2015 em Lisboa, em cooperação entre a
Universidade Federal do Pará, a Universidade de Lisboa e a Universidade Lusíada, integrando neste
painel a Universidade Federal de Alagoas. No âmbito das pesquisas realizadas por esse Grupo, as
investigações sobre a arquitetura da saúde ampliaram-se, ganhando novos contornos com o diálogo
interinstitucional, no Brasil e Além-Mar, abrangendo a assistência à saúde da população de um modo
geral e suas especificidades como a institucionalização da assistência à saúde do trabalhador. Soma-
se a isso a visão necessária aos objetivos das instalações físicas que constituem sua materialidade e
que o arquiteto tem como ação básica estabelecer ordenação estética e técnica e aplicar esses
conceitos às diferentes necessidades e interesses dos grupos sociais alvos.
Palavras-chave: Arquitetura assistencial. Patrimônio da saúde. Modelos hospitalares. intercâmbios
culturais.
ASSISTANCE ARCHITECTURE AND HEALTH: DISCUSSING
CONCEPTS AND ACTORS
ABSTRACT
Inscribed in the body of research on the health architecture, the definition of conceptions of architecture,
fulfilling the role of 'aid' proposed under the sign of charity, philanthropy and service, is at the heart of
this discussion session. It' s proposed to highlight the architectural design, considering the intertwining
of these two fields of knowledge: architecture and health, the historical trajectory of hospitals, either in
physical and functional aspects, aesthetic, medical and scientific, technological, geographical, socio-
cultural, political or economic. We should also understand the Assistance Architecture in the context of
its funders and designers, be they monarchs, architects, doctors, patrons, philanthropists and
institutions, accentuating the transits between Brazil and Portugal in the nineteenth and twentieth
centuries and dialogue with researchers from other territorial domains. This session is part of the
Research Group "Health and City: architecture, urbanism and cultural heritage", registered in the
National Research Council - CNPq (Brazil), integrating researchers from the Federal University of Pará
and the Oswaldo Cruz Foundation (FIOCRUZ) and aims to continue the International Colloquium Luso-
Brazilian of Assistance Architecture from the Modern Age to the contemporaneity: spaces, functions and
actors, held in November 2015 in Lisbon, integrating in this session the Federal University of Alagoas.
As part of the research conducted by this group, research on health architecture were extended, gaining
new contours with the inter-institutional dialogue in Brazil and Overseas, covering the health care of the
population of general and their specificities as the institutionalization of assistance to workers' health.
Added to this the necessary vision to the objectives of the physical facilities that constitute its materiality
 
3
 
 
and the architect's basic action to establish aesthetic and technical order and apply these concepts the
different needs and interests of target social groups.
Keywords: Assistance Architecture. Health Heritage. Hospital models.
 
4
 
 
1. NARRANDO AS ORIGENS
Trataremos o início de nossa participação nos estudos da Saúde, aglutinando trajetórias que
partem de projetos acadêmicos sediados na Universidade de Alagoas, bem como por meio
da Rede Brasil Patrimônio da saúde, coordenada pela FIOCRUZ, envolvendo as autoras
deste texto nos planos pessoal e científico.
As investigações sobre Arquitetura Assistencial na Universidade Federal Alagoas
acompanharam a trajetória de Marcia Monteiro iniciada em 1989 com o projeto de extensão
Escritório de Arquitetura da UFAL no Hospital Geral Severiano da Fonseca (antigo Sanatório),
em Maceió, criado pela professora Lucia Leimback, ao qual se associaram a Arquiteta Sandra
Cavalcanti e a professora Patricia Melro. Esse hospital com tipologia pavilhonar, situado na
parte alta da cidade no bairro do Farol, foi inaugurado em 1947, integrando a infraestrutura de
assistência à saúde da Campanha Nacional da Liga Contra a Tuberculose no Brasil. Com o
aparecimento dos antibióticos e terapêutica ambulatorial e a redução das internações perdeu
sua função original de isolamento, tornando-se hospital geral de médio porte. Nos anos 80 do
século XX contava com 200 leitos, possibilitados pelos novos serviços médicos.
Ao iniciar o escritório em 1989, a instituição, conhecida como Sanatório e que deu nome ao
bairro, funcionava precariamente. Muitos internados, abandonados pela família, permaneciam
como moradores do hospital, reforçando o estigma de isolamento e exclusão social,
espelhando a pobreza e descaso com a população mais vulnerável. O projeto visou
modernizar e humanizar seus espaços para imprimir nova imagem e atrair clientes. Com a
aposentadoria da professora Lúcia Leimbeck, Márcia Monteiro assumiu a coordenação do
escritório, em que a oportunidade de aprendizado na área hospitalar atraiu estudantes da
UFAL e da Escola Técnica Federal (ETFAL), possibilitou especializar-se em Administração
Hospitalar pela Universidade São Camilo (SP), iniciar estudos sobre hospitais de Maceió e
participar de congressos em São Paulo, onde conheceu o arquiteto Jarbas Karman que, em
distintas ocasiões, concedeu entrevistas sobre o tema.
Em 1992, foi convidada a fazer projetos para a Fundação Hospital da Agroindústria do Açúcar
e do Álcool de Alagoas, conhecida como Hospital do Açúcar de Alagoas, também localizada
no bairro do Farol, experiência que se prolongou até 1997. O edifício inaugurado em 1957
com projeto do arquiteto Manoel Messias de Gusmão foi construído por usineiros,
fornecedores e plantadores de cana e Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) para a assistência
à saúde dos trabalhadores da economia canavieira. Esse hospital contava com 550 leitos em
alas para particulares e convênios, entre estas as dos instituidores da Fundação-Hospital com
 
5
 
 
assistência diferenciada por categoria de trabalhador e alas para atendimento SUS, advindas
das cotas do IAA transferidas para o Ministério da Saúde, após sua extinção em 1990.
Das experiências no Hospital do Açúcar e antigo Sanatório, a arquiteta ampliou o enfoque de
pesquisa, que revelou a assistência à saúde entrelaçada às relações de trabalho para o
sistema e o contexto da saúde pública no país. Aprofundou seus estudos com as pesquisas
de doutorado sobre os hospitais, dando ênfase ao modelo norte americano do Hospital
Districtal, que inspirou o projeto do hospital alagoano, resultando na tese Saúde & Açúcar:
História, economia e arquitetura do Hospital do Açúcar de Alagoas, 1950-2000, orientada pelo
historiador José Jobson de Andrade Arruda, na Pós-graduação em História Econômica da
FFLECH-USP entre 1997 e 2001.
Posteriormente, Márcia Monteiro foi convidada pelo Instituto Histórico e Geográfico de
Alagoas (IHGAL) a escrever um livro sobre história da saúde no Estado, cuja pesquisa deteve-
se no período Imperial tendo como fontes documentos de presidentes da província,
coletâneas de leis e jornais, além da obra “Oswaldo Cruz Monumenta Histórica”, que trata os
100 anos dos serviços de saúde pública no Brasil, a partir da chegada da Família Real. Essa
pesquisa resultou no livro "A saúde em Alagoas no Brasil Império: caminhos e descaminhos”,
publicado pelo IHGAL, em 2004, com participação do professor Fernando Antonio Gomes de
Andrade (UFAL) e reeditado pela Edufal, em 2013, sob o título “A saúde pública em Alagoas
no Brasil Império: caminhos e descaminhos”.
Entre 2007 e 2010, em cooperação técnica na Universidade Federal de São Paulo, lecionou
disciplinas no Departamento de Medicina Preventiva, onde estudou sobre o Sistema Único de
Saúde (SUS) e a população idosa, para a qual elaborou projetos de moradias e vilas, além da
sede do Centro de Estudos do Envelhecimento e da Universidade Aberta da Terceira Idade,
associando assistência, convivência, pesquisa e extensão.
Outras publicações integram o percurso: o artigo "Homens da cana e hospitais do açúcar:
uma arquitetura da saúde no Estado Novo” publicado na revista Manguinhos (2011); e o livro
Hospital do Açúcar de Alagoas: arquitetura e assistência à saúde: 50 anos de história,
publicado pela Edufal (2015), contextualizando as condições de vida e saúde da população,
nos anos 1950 e o Hospital do Açúcar de Alagoas desde sua concepção até os anos 2000.
O primeiro momento em que Cybelle Miranda se integrou na investigação sobre Arquitetura
Assistencial ocorreu quando, em 2009, foi convidada junto com a Professora Doutora Jane
Felipe Beltrão para integrar a equipe de Belém na Rede Brasil: Inventário Nacional do
Patrimônio Cultural da Saúde: bens edificados e acervos, que se insere entre as ações
prioritárias definidas no âmbito da Rede Latino-Americana de História e Patrimônio Cultural
 
6
 
 
da Saúde, criada em 2005, iniciativa coordenada pelos ministérios da Saúde do Brasil e do
Chile, Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz e BIREME-OPAS, do qual participou com o projeto
Patrimônio de/em Saúde em Belém-Pará. A coordenação geral da Rede Brasil esteve a cargo
do Arquiteto Renato da Gama-Rosa Costa e da Historiadora Gisele Sanglard.
Esta primeira iniciativa permitiu elaborar 23 fichas referentes a edifícios voltados à saúde na
cidade de Belém, dentre os quais figuraram tanto instituições em atividade quanto exemplares
já desaparecidos da paisagem. Assim, a perspectiva dialética entre memória x esquecimento
tornou-se essencial para caracterizar a valoração da arquitetura da saúde como patrimônio.
Dando prosseguimento a esta primeira atividade, Miranda obteve apoio do CNPq para o
Projeto “Memória e Cidade: Itinerários da Saúde na Belém Colonial e Imperial”, desenvolvido
entre 2011 e 2013. O projeto contou com a parceria entre membros do Programa de Pós-
graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) em conjunto com a Professora Jane Felipe
Beltrão do Programa de Pós-graduação em Antropologia e Arqueologia (PPGA) e o Professor
Marcio Couto Henrique do Programa de Pós-graduação História Social da Amazônia
(PPGHIS) da UFPA, sendo sediado no Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural (FAU).
Compôs a rede de pesquisadores o Professor Doutor Fernando Jorge Artur Grilo e a
pesquisadora então doutoranda no Instituto de História da Arte da Universidade de Lisboa,
Joana Maria Balsa Carvalho de Pinho, além da Arquiteta e Urbanista Mestre, atuante na
cidade do Porto, Silvana Cássia Miranda Ferreira.
Já em 2013 deu-se continuidade ao estudo da arquitetura dos edifícios da saúde em Belém
com o projeto “Classicismo nos Hospitais da Misericórdia e da Beneficência na 2ª metade do
século XIX: trânsito entre Brasil e Portugal”, ainda em curso. Resultou das análises realizadas
na investigação anterior a predominância do classicismo imperial como estilo empregado nos
hospitais, vertente que foi retroalimentada pela relação com Portugal. Assim, abre-se um novo
caminho de investigação, que poderá desvendar as relações entre as instituições lusas e
aquelas implantadas na Belém imperial. Ainda em 2013, Miranda integrou-se ao Centro de
Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa (CLEPUL), quando
foi criado o Gabinete de Investigação “Misericórdias e Instituições similares: assistência,
património e cultura”.
O Colóquio Internacional Arquitetura assistencial luso-brasileira da Idade Moderna à
contemporaneidade: espaços, funções e protagonistas, desenvolvido nos dias 9 e 10 de
novembro de 2015, foi organizado por instituições parceiras na investigação do Património da
saúde, reunindo comunicações que contemplam o entendimento da Arquitetura assistencial,
no contexto do espaço luso-brasileiro, provendo uma abordagem global e pluridisciplinar com
a caracterização das várias tipologias arquitetônicas associadas.
 
7
 
 
A organização deste evento foi composta por investigadores vinculados ao ARTIS – Instituto
de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e ao Gabinete de
Investigação “Misericórdias e Instituições similares: assistência, património e cultura”
(CLEPUL), ambos da Universidade de Lisboa, ao Centro de Investigação CITAD da
Universidade Lusíada e ao Grupo de pesquisa “Saúde e Cidade: arquitetura, urbanismo e
patrimônio cultural", registrado no Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq (Brasil), integrando
pesquisadores da Universidade Federal do Pará e da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
Este evento almejou divulgar à sociedade resultados a partir dos quais se possa intervir de
maneira efetiva na preservação e reabilitação dos acervos patrimoniais das Misericórdias e
de outras entidades de caráter filantrópico que se voltem a proteção da saúde nos países
lusófonos.
Foram selecionadas 24 comunicações, versando sobre temas que abrangem instituições
como as Misericórdias, passando por Sanatórios, Hospitais psiquiátricos, dentre outras
especialidades, em Portugal e no Brasil.
2. DANDO LUZ AS TEMÁTICAS DESENVOLVIDAS NO CAMPO DA
ARQUITETURA E URBANISMO NOS SÉCULOS XIX E XX
2.1 PATRIMÔNIO DA SAÚDE
Renato da Gama-Rosa Costa, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz aborda a questão do
Patrimônio moderno da saúde e os desafios para a sua valorização, enfatizando o exemplo
do Rio de Janeiro (2009). Relata a trajetória, ainda recente, de valorização do acervo
arquitetônico da saúde, em especial o moderno, que ganha destaque a partir de 2004 na
Reunião do DOCOMOMO realizada na França, quando se realiza a primeira jornada dedicada
a história e a reabilitação dos Sanatórios edificados entre as grandes guerras mundiais.
Destaca o movimento na América Latina, liderado pelas ações da Rede Brasil, e as
dificuldades em incluir os edifícios construídos entre os anos 30 e 50 do século XX nas listas
de bem tombados, muitas vezes não reconhecidos como parte da arquitetura moderna1
.
O autor conclui que, do primeiro inventário realizado nas capitais do Centro-Oeste, Sul e
Sudeste, os projetos modernos concentram-se em nome de poucos arquitetos como Jarbas
Karman, em Goiânia; Rino Levi e Oswaldo Bratke em São Paulo, Paulo Motta em Florianópolis
                                                            
1
Costa, Renato da Gama-Rosa. "Patrimônio moderno da saúde e os desafios para a sua valorização. O exemplo do Rio de
Janeiro". VIII Seminário Docomomo Brasil. Rio de Janeiro, 2009. http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/160.pdf.
Acesso em: 14 jul 2014.p.3.
 
8
 
 
e Raffaello Berti em Belo Horizonte, além de Jorge Moreira Machado no Hospital das Clínicas
de Porto Alegre e Oscar Niemeyer no Hospital Prof. Edmundo Vasconcellos em São Paulo.
Segundo Renato Costa, a produção dos anos 30 e 40 no Rio de Janeiro é marcada por
projetos elaborados pelas equipes da Prefeitura do Distrito Federal, pelos Institutos de
Aposentadoria e Pensão (IAPs), Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), Divisão de Obras
do Ministério da Saúde e pela Campanha Nacional contra a Tuberculose (CNCT).
A partir dos anos 50 o autor nota uma maturidade estética nas concepções, com clara
referência a Le Corbusier, com estrutura aparente, planta livre, a ideia de protótipo gerando a
possibilidade de reprodução industrial. Como exemplos cita o Sanatório de Curicica, de Sergio
Bernardes, o Hospital da Lagoa, de Niemeyer e Helio Uchoa e o Hospital Universitário da
Universidade do Brasil, de Jorge Machado Moreira.
Deve-se a isso o protagonismo dos arquitetos nas concepções de projeto, antes delineadas
majoritariamente por médicos, tendo como marco o Curso de Planejamento de Hospitais
promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, seção de São Paulo, em 1953. Os partidos
oscilavam entre o modelo pavilhonar no Sanatório e o monobloco vertical nos demais
exemplos, utilizando soluções arquitetônicas e construtivas pertinentes ao contexto da época.
Durante o I ENANPARQ (2010), no Simpósio Temático "Arquitetura e Saúde; história e
patrimônio. Experiências em rede", coordenado por Renato da Gama-Rosa Costa, foram
apresentadas oito comunicações. Destacando hospitais na região Nordeste, temos os textos
“A influência do Districtal Hospital (EUA) nos Hospitais do Açúcar no Brasil” de autoria de
Márcia Monteiro, no qual a autora aborda os Hospitais do açúcar em Pernambuco e Alagoas;
“O edifício hospitalar como instrumento para a cura”, proposto por Luiz Amorim, Laura Alecrim
e Carolina Brasileiro, a partir da análise de sanatórios e leprosários de Pernambuco relaciona
as prescrições médicas com a organização do espaço, mostrando como a arquitetura pode
ser um instrumento de cura e o texto de Maria Renilda Barreto e Christiane Souza “Patrimônio
Cultural da Saúde na Bahia: 150 Anos de História”, que apresenta o estudo de instituições de
saúde sediadas em Salvador fundadas entre 1808 e 1958, através da análise do acervo
arquitetônico, histórico e iconográfico das instituições.
O artigo “A contribuição de Raffaello Berti para o Patrimônio cultural da saúde em Belo
Horizonte” de Rita Marques, Anny Silveira e Claudia Martins, relata a pesquisa sobre o
Patrimônio Cultural da Saúde em Belo horizonte, entre 1897 e 1958, na qual emergiu o nome
de Raffaello Berti, arquiteto italiano radicado no Brasil, que difundiu o modelo monobloco
vertical nos edifícios hospitalares da região.
 
9
 
 
No artigo “Memória da assistência à Saúde em Belém-PA: Arquitetura como documento”,
Cybelle Miranda mostra que, à princípio, a saúde em Belém foi realizada por instituições de
origem portuguesa, como a Santa Casa de Misericórdia, Hospital da Ordem Terceira de São
Francisco da Penitência e Hospital da Beneficente Portuguesa. A estrutura volumétrica destas
instituições representa um marco na paisagem urbana da cidade, assim como a própria
estrutura interna é um componente da memória dos paraenses2
. Preservando o tema, o artigo
“Memórias de concreto: arquitetura de saúde em Santa Catarina” de Ana Amora mostra o
papel das edificações de saúde como suporte de memória, assim como o papel dessas
edificações na construção da cidade de Florianópolis.
O artigo “Colônia Juliano Moreira: Usos, permanências e paisagem” de Tainá Reis mostra as
transformações ocorridas na Colônia Juliano Moreira em decorrência dos usos e
permanências nas suas três fases: fazenda colonial, instituição de tratamento psiquiátrico e
instituição científica, possibilitando um contraponto entre as práticas terapêuticas e a tipologia
de colônia de isolamento influenciando na paisagem do Rio de Janeiro.
Renato Gama-Rosa propõe uma perspectiva comparativa do contexto moderno em “Hospitais
de clínicas de Salvador, São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro: arquitetura para a saúde
entre duas modernidades”, relacionando as concepções espaciais e estéticas vigentes entre
as décadas de 30 e 40 do século XX e as propostas inovadoras trazidas por Le Corbusier.
Em 2013, foi publicado na Revista Amazônica do programa de Pós-graduação em
Antropologia e Arqueologia da UFPA o dossiê Patrimônio em Saúde:
A ideia de produzir um dossiê adveio da participação no projeto Rede Brasil: Inventário
Nacional do Patrimônio Cultural da Saúde: bens edificados e acervos, (...) A proposta
traz consigo a perspectiva de conhecer e comunicar as possibilidades do referido
patrimônio, existente em cada país, indicando as trilhas da História da Saúde e da
Doença, a partir de identificação e inventário de edificações e acervos, na tentativa de
preservá-los visto que integram, enquanto direito, à memória de todos os cidadãos
(Beltrão, Miranda, Henrique,2013, 1).
O Dossiê reuniu 10 artigos originais, abordando temas que cruzam saberes da Arquitetura,
Antropologia, Museologia e História, para o qual contribuíram autores brasileiros e
portugueses, em que as narrativas históricas mesclam-se a temáticas contemporâneas, como
bem exemplificam os textos "Os escravos da Misericórdia" de Marcio Couto Henrique e “Arte,
Clínica, Ciência e Patrimônio: uma Colecção de moldagens de um antigo Hospital de
                                                            
2
Miranda, Cybelle Salvador. "Memória da assistência à Saúde em Belém-PA: Arquitetura como documento". I Encontro Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Anais...Rio de Janeiro: PROURB, 2010. Disponível em:
http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/15/15-11-2-SP.pdf. Acesso em: 10 mar. 2014.
 
10
 
 
Dermatologia e Sífilis de Lisboa”, elaborado por Cristina Bastos, Ana Delicado e Antonio
Matos.
No III ENANPARQ (2014), o Simpósio "Memória e preservação do Patrimônio Cultural da
saúde: o contexto luso-brasileiro" congregou pesquisadores que tratam objetos que agregam
relações entre Brasil e Portugal. Nos estudos acerca da arquitetura da saúde em Belém,
Miranda (2014), em seu artigo “Itinerários da saúde na Belém colonial e imperial” aborda os
deslocamentos das instituições assistenciais na cidade entre os séculos XVIII e XIX,
enfatizando as características arquitetônicas como signos que denotam alterações na
paisagem urbana de Belém, conforme refere a autora:
Do cruzamento com a fisionomia atual dos locais e prédios hospitalares permite-se
revelar as perdas/apagamentos, de modo que, nos itinerários propostos, o morador da
cidade e o visitante possa se reportar aos vestígios materiais da trajetória de mudanças
urbanas (Miranda, 2014,2).
O artigo “Hospital de Isolamento Domingos Freire” de José Abreu Júnior e Aristóteles Miranda
reconstrói a trajetória do hospital de isolamento Domingos Freire, em Belém, que tinha como
função primeira o tratamento de pacientes com febre amarela e posteriormente o tratamento
de tuberculosos. Construído durante o período higienista na virada do século XIX para o
século XX representa a arquitetura da saúde da Belle Époque Amazônica. Tornando-se
inadequado a cumprir as novas exigências médicas, foi desativado e demolido em 1960,
cedendo espaço ao Hospital João de Barros Barreto.
Renato Gama-Rosa Costa trata do “O Hospital-Sanatório da Colônia Portuguesa do Brasil em
Coimbra. Relações entre Portugal e Brasil na área da saúde e do patrimônio cultural”;
construído em Coimbra com apoio da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro, este
hospital foi inaugurado em 1935 e está em funcionamento até hoje, mas enfrenta uma
constante ameaça de fechamento, em razão das discussões de novas políticas de saúde em
Portugal.
O artigo “Fafe – Uma cidade portuguesa construída pelos “brasileiros de torna-viagem” na
transição do século XIX para o XX” de Daniel Bastos evidencia o papel dos “brasileiros de
torna viagem” na construção da cidade portuguesa de Fafe, situada no distrito de Braga. As
transformações ocorridas nesta cidade devem-se a emigração oitocentista que proporcionou
a construção de moradias apalaçadas e edifícios públicos, como o Hospital de São José. Este
foi inaugurado em 1863, administrado pela Santa Casa da Misericórdia de Fafe, sendo
construído nos moldes arquitetônicos do Hospital da Beneficência Portuguesa do Rio de
Janeiro.
 
11
 
 
Nos estudos sobre a saúde em Alagoas, os pesquisadores Monteiro e Andrade (2009;2013)
em seu livro “A saúde pública em Alagoas no Brasil Império: caminhos e descaminhos”,
estabeleceram um panorama das condições de vida e da saúde pública em Alagoas pelas
condições materiais, o conhecimento médico-cientifico, as iniciativas dos governantes em
relação à assistência à saúde e ao cumprimento das legislações e ações deliberadas pelo
Imperador para a proteção da população.
Em 2015 a Arquiteta Cibelly Figueiredo defendeu a dissertação “Hospital D. Luiz I da
Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará como documento/monumento”. Esta
pesquisa apresentou o edifício-sede do Hospital D. Luiz I, construído em 1877, como bem
cultural, material e imaterial e como suporte de memória e de identidade dos imigrantes
portugueses que aportaram em Belém do Pará. A etnografia foi utilizada como ferramenta de
abordagem e de obtenção de dados que proporcionaram o reconhecimento do edifício-sede
como patrimônio histórico, arquitetônico e cultural da história da saúde no Norte do Brasil3
.
Assim, com a conclusão do Inventário do Patrimônio da Saúde, houve continuidade nas
pesquisas acerca deste patrimônio em sua vertente arquitetônica, do qual destacamos as
publicações decorrentes das pesquisas desenvolvidas no Grupo de pesquisa "Saúde e
Cidade: arquitetura, urbanismo e patrimônio cultural" realizadas pelos pesquisadores da
Universidade Federal do Pará, numa rede entre as disciplinas Arquitetura, Antropologia e
História. O aprofundamento das pesquisas sobre o patrimônio da saúde na capital do Estado
do Pará possibilitou o alargamento da caracterização estética e simbólica destes edifícios,
ademais da sua importância funcional. A discussão entre memória e esquecimento se faz
presente nos textos que abordam a degradação física e perda de características estéticas
ensejando pesquisas sobre técnicas construtivas e decorativas que possam favorecer a
restauração das características de época destes exemplares.
2.2 HUMANIZAÇÃO NOS ESPAÇOS DA SAÚDE: PERCEPÇÃO DO USUÁRIO E
MÉTODO DE PROJETO
A discussão sobre hospitais e a humanização da arquitetura assistencial é complexa e precisa
de contextualização quando se observa o processo histórico de adoecimento e assistência
das populações. Na atualidade, as expectativas de um bom serviço de saúde direcionam-se
à qualidade técnica e interação entre as equipes de profissionais das áreas de saúde, sociais
e apoio logístico, às habilidades nas respectivas áreas e ao potencial tecnológico da
instituição hospitalar. Apesar da diversidade de recursos materiais e humanos, o processo de
                                                            
3
Figueiredo, Cibelly Alessandra Rodrigues. Hospital D. Luiz I da Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará como
documento/monumento. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal do Pará. Belém, 2015.
 
12
 
 
hospitalização historicamente e hoje retira do indivíduo, na condição de paciente, seu
protagonismo no processo de tratamento, o convívio com familiares, a autonomia e muitas
vezes a própria identidade, questões que mobilizam pesquisadores e profissionais na busca
de mudanças efetivas nos procedimentos e espacialidades.
No artigo "O hospital e o processo histórico da hospitalização", Monteiro e Neder Filha (2003)
observam que em qualquer tempo o gesto de cuidar é acompanhado de sentimentos distintos,
frequentemente ambíguos, dos que socorrem ou são socorridos e presenciam o socorro,
causando impressões sobre os momentos e os lugares, principalmente no hospital onde é
prestada a assistência. A história própria do hospital, cheia de simbolismos, seja pelo estigma
ou pelas vivências, interfere no imaginário e no processo de hospitalização desde os
primórdios. As autoras citam a organização de instituições para a proteção e tratamento de
escravos, lutadores e soldados, categorias consideradas úteis à sociedade, na Antiguidade
Clássica; a instituição da assistência de caráter religioso e posteriormente a laica, na Idade
Média, a mudança de paradigma com o hospital com função terapêutica, visão humanista e
científica, na Era Moderna, tornando-se um complexo de parafernália tecnológica na Idade
Contemporânea. Assim como hoje, cada solução visou o acolhimento possível dando forma
à assistência de acordo com as visões de mundo e o limite dos conhecimentos médico-
científicos4
.
Os trabalhos apresentados na sessão "Arquitetura assistencial e saúde: discutindo
concepções e protagonistas" oferecem um panorama desse processo de hospitalização
situado entre os séculos XIX e XX, em que a arquitetura assistencial de cada caso espelha as
concepções de saúde e visões humanísticas, holísticas e o pragmatismo das operações
projetuais à serviço do bem-estar dos usuários e das condições socioambientais.
Antonio Pedro Alves de Carvalho no texto "Meio ambiente e estabelecimentos assistenciais
de saúde: da segregação à humanização" faz breve histórico da arquitetura assistencial, a
partir dos pressupostos racionais hipocráticos, na Era Clássica. Ressalta os hospitais
medievais, construídos junto a mosteiros em forma de nave de igreja, onde os cuidados de
saúde eram atos de fé e resignação cristã, isolamento e preparo para a morte, e a mudança
de paradigmas ocorrida na Era Moderna com os hospitais pavilhonares, que consolidaram a
concepção funcionalista e higienista de cura pelo controle do ambiente, espelhando novas
relações e organização de serviços e profissionais.
Essa concepção que, à época, introduziu limites de pacientes por enfermaria, separações por
enfermidades, espaçamentos entre leitos, cubagem de ar, distâncias entre blocos e do
                                                            
4
Monteiro, Marcia Rocha; Neder Filha, Christina Ribeiro. O hospital e o processo histórico da hospitalização. p. 352-356. O
Mundo da Saúde São Paulo (CUSC. Impresso), 2003.
 
13
 
 
hospital com a cidade, apropriando-se de recursos naturais (luz, ventilação, jardins) e da
arquitetura como parte de cuidados de higiene e bem-estar para a recuperação da saúde, foi
retomada pelo autor em outra escala como necessária à humanização da assistência à saúde
nos tempos atuais.
Carvalho (2016) advoga a possibilidade de minimizar os efeitos negativos para o meio
ambiente e a saúde pública, em contraposição ao modelo hospitalocêntrico caracterizado pelo
monobloco vertical, que resulta em complexos de saúde inadministráveis física e
financeiramente, insalubres, insustentáveis, com efeitos negativos para o ambiente e as
necessidades de seus usuários. Em sua análise prescreve o retorno às soluções de pequeno
e médio porte, visando proximidade entre as pessoas e aproveitamento dos recursos naturais,
integração dos espaços com a natureza e práticas mais saudáveis,
Ana Paula Vieceli, em "A casa e o cais: disjunção da arquitetura no encontro com os lugares
da loucura" analisa a espacialidade de um Centro de Atenção Psicossocial construído pós
Reforma Psiquiátrica tendo em vista sua relação com o conceito de espaço da proposta
antimanicomial, buscando através de análises qualitativas, identificar novos conceitos e
práticas distintos dos modelos excludentes que o precederam. A Casa-CAIS, como é
conhecida, resulta de adaptação de residência construida em 1951, em Porto Alegre.
Conforme a autora, o imóvel atende em parte requisitos preconizados para os espaços da
loucura pós reforma antimanicomial, observando aspectos de segregação na disposição dos
ambientes e fluxos internos, a falta de mais espaços de acolhimento e de acessibilidade,
requsito também obrigatório e ainda não atendido. Para Vieceli (2016) a equipe técnica
interage pouco com os usuarios no dia a dia, atuando mais como observadora, por isso sua
impressão da Casa como mais um lugar de aprendizado e abrigo do que de acolhimento.
Observou nas dinâmicas da equipe um reflexo da rigidez ou contenção da espacialidade
demonstrando que há muito o que fazer pela humanização da assistência e da arquitetura
assistencial e que apesar da revolução ou ruptura do modo de conceber a loucura e seus
espaços ainda estamos em estágio de transição.
O texto "O pioneirismo e a obra de Frei Eugênio Maria de Gênova em Uberaba e a construção
de uma cidade mais salubre" de Andreia de Freitas Lopes e Marília Maria B. Teixeira Vale
apresenta as intervenções higienistas de Frei Eugênio Maria de Gênova e suas obras em
Uberaba (MG) e discussões sobre a salubridade e o urbanismo das cidades no seculo XIX,
reverberando as decisões da Corte no Brasil com seu projeto modernizador e civilizatório.
Esse protagonista vinculado à ordem religiosa teve papel importante como ordenador de
 
14
 
 
almas, construções e territórios, atuando também nos domínios urbanos, com pioneirismo
lastreado em sua formação de engenheiro.
As questões tratadas por Lopes e Vale (2016) em relação a influência das teorias médicas
sobre tratados de arquitetura e medidas higienistas e policiais para contenção de doenças e
doentes e o controle da população e das cidades no século XIX indicam de certo modo a
busca de humanização das relações, dos espaços edificados públicos e privados, ainda que
pela limpeza e disciplina. Ações como o isolamento dos doentes e o distanciamento dos
centros urbanos para áreas como cemitérios, matadouros, lazaretos e hospitais são tentativas
de opor-se à carência material e ao caos.
Leila Lopes e Natalia Naoumova em "O uso da cor como ferramenta de humanização de
ambientes de assistência à saúde infantil sob a percepção do usuário: Pelotas, RS"
apresentam análise qualitativa relacionada ao uso de cores e seu impacto em ambientes de
assistência à saúde infantil, visando o planejamento cromático em ambientes similares.
A questão tratada por Lopes e Naoumova (2016) está circunstanciada na visão holística e
conceitos de uma assistência integradora, principalmente pela incorporação de aspectos
psicológicos e sensoriais às concepções contemporâneos de saúde, que reverberam nos
estudos dos profissionais, ao longo do século XX e XXI, e na arquitetura com novas
concepções espaciais com interesse especial pelo público infantil, suscetível ao estresse e
sensível às intervenções.
O artigo "Do Hospital de Pronto Socorro do Recife ao Hospital da Restauração: o espaço
hospitalar em dois tempos" proposto por Luiz Amorim e Cecília Ribeiro descreve as
concepções arquitetônicas de dois exemplares da arquitetura hospitalar pernambucana, o
Pronto Socorro do Recife ao Hospital da Restauração de meados do século XX, referências
modernistas que espelham a lógica funcionalista, com princípios ordenadores de hierarquias
de setores e fluxos, onde a ênfase é a internação ancorada pelos serviços ambulatoriais,
diagnósticos e cirúrgicos.
Amorim e Ribeiro (2016) detalham os dois arranjos espaciais buscando diferenças entre esses
que revelem mudanças significativas nos princípios de planejamento hospitalar, considerando
a demanda de projetos orientados pela busca de eficiência e aperfeiçoamento da arquitetura
hospitalar, ocorrida no Brasil nos anos 1950 e 1960, quando se estabeleceu a organização de
uma prática projetual a partir de cursos realizados em São Paulo e nos Estados Unidos da
América. Os autores também analisam as relações das equipes profissionais nesse processo
de elaboração de projetos,
 
15
 
 
Na mesma linha de protagonismo e temporalidade, Franciely Daiane Massarenti de Almeida
discute a atividade projetual modernista do arquiteto no texto "Rino Levi e a arquitetura da
saúde: simbiose entre arte e técnica", ressaltando a formação na Itália como arquiteto integral
e sua atuação como coordenador das operações no escritório. Além disso o modus operandi
na concepção dos projetos, no qual o programa interage com a forma e o arquiteto busca a
integração com o exterior e o conforto ambiental com aproveitamento dos recursos naturais.
Em seus estudos de caso Almeida (2016) apresenta um hospital vertical e outro pavilhonar,
destacando no primeiro caso a lógica funcionalista e princípios ordenadores e hierárquicos
seguindo o mesmo raciocínio apresentado por Amorim e Ribeiro (2016) e no segundo, o viés
holístico das concepções espaciais com tipologia pavilhonar que permite a relação mais
próxima com a natureza e entre as pessoas tão valorizada nas análises de Carvalho (2016) e
abordadas também por Vieceli (2016) e Lopes e Naoumova (2016).
3. REFLEXÕES FINAIS
Sanglard (2006) chama atenção ao papel da filantropia no processo da assistência hospitalar
no Brasil. Destaca a autora que, com o surgimento das irmandades leigas no final da Idade
Média, estas
se tornaram, em certa medida, ‘mediadoras’ e depositárias da filantropia católica,
situando-se entre o filantropo e a obra de caridade. Sobre esta última, ocorreu também
uma mudança que lhe caracterizaria e conferiria um caráter mutualista, pois os hospitais
passam a não serem mais abertos a todos, mas sim apenas aos membros de
determinada irmandade ou confraria (Sanglard, 2006,13).
Sandra Cavallo, citada pela autora, ao analisar os Hospitais de Turim a partir do século XVI,
destaca que a característica dominante da caridade no regime monárquico é o auxílio e o
privilégio, expressos em cálculos racionais em que o prestígio, a influência e a competição
entre os diversos grupos sociais motivavam as ações de amparo aos locais de acolhimento
dos doentes.
Ao longo do século XVIII tem início o processo de medicalização destes espaços, cujo intuito
era torna-los máquinas de curar. Na sociedade francesa a ideia de progresso do
conhecimento, o qual deveria ser estendido as demais camadas da sociedade, gerava
mudança de hábitos que permitisse uma cidade mais ordenada e higienizada. Surgem no
século XIX renovadas formas de beneficência, as quais a autora denomina ‘modalidades
sofisticadas de caridade’. Assim, “A ‘modernização’ da caridade veio acompanhada de tensão
social e discussões políticas, em que as ações caritativas e/ou filantrópicas encontram-se lado
 
16
 
 
a lado com aquelas que vinham sendo implementadas, mesmo que timidamente, pelo
Estado”5
.
A prolongada ligação entre as Faculdade de Medicina e as Santas Casas em muitas capitais
brasileiras, ver o caso do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e o de Belém, retardou o
processo de efetivo controle dos hospitais pelos médicos, que só veio a acontecer
efetivamente nos anos 20 na capital do país, e se consolidou na segunda metade do século
XX em muitas outras cidades.
O cuidado com o olhar o passado nos permite fazer o enquadramento da arquitetura enquanto
projeto e cultura material, objeto de vários olhares e vivências, em que a atuação do projetista
só recentemente foi consolidada, face aos diversos atores sociais intervenientes e aos
significados construídos historicamente para os termos caridade, filantropia e assistência.
Atentar para a necessidade de refletir sobre o hospital como receptáculo de memória e da
história da cidade, da medicina, da assistência e mesmo da Arquitetura, como objeto que nos
ensina sobre os modos de pensar e viver das gerações passadas. Pensar o projeto hospitalar
em consonância com a cultura médica, mas também com a cultura local, agregando saberes
tradicionais e expectativas diferenciadas, quando pensamos em um país culturalmente
diverso em que o clima, os materiais, as morfologias geográficas e da paisagem clamam pela
não uniformidade de soluções.
Destacamos a experiência divulgada pelo Arquiteto norte-americano Charles Jenks no livro
Architecture of Hope, que aborda soluções inovadoras de Casas-dia para tratamento de
câncer no Reino Unido, que se originou da iniciativa de sua esposa Maggie, então
diagnosticada com a doença.
Reunindo uma complexidade de formas, o programa para o Maggie’s cancer caring
Center tem por meta a arquitetura como construtora da metáfora da esperança, uma
projeção para o futuro. Com sentido utópico realista, o programa pensa o paciente com
uma doença incurável não como um doente terminal, mas como um ser humano que
tem por aspiração viver melhor (Miranda, 2016).
Deste modo, este artigo aglutina parte da trajetória dos estudos sobre arquitetura assistencial
voltada a saúde no Brasil, tema pungente e recorrente no cotidiano da população, e que ainda
demanda estudos acerca dos métodos de projeto adequados as diversas situações sociais,
econômicas e culturais. Dos textos que compõem a Sessão temática que coordenamos, nota-
se o fio condutor da humanização, que aponta o caminho do passado para pensar o presente,
                                                            
5
Sanglard, Gisele. A construção dos espaços de cura no Brasil: entre a Caridade e a medicalização. Revista Esboços, nº 16,
2006. https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/viewFile/119/166. Acesso em 22 abr 2016. p. 19.
 
17
 
 
em que a revisão de conceitos modernos da Arquitetura para adequar-se as necessidades de
dotar os espaços de atributos sensoriais como acolhimento, segurança, tranquilidade e
harmonia.
BIBLIOGRAFIA
Alvim, Angélica; Santos Junior, Wilson (orgs). Anais do III ENANPARQ Arquitetura, Cidade e
Projeto: uma construção coletiva. São Paulo: Universidade presbiteriana Mackenzie;
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Pós-Graduação e Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Anais...Rio de Janeiro: PROURB,
2010. http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/15/15-13-2-SP.pdf. Acesso em: 10
mar. 2016.
Costa, Renato da Gama-Rosa. Patrimônio moderno da saúde e os desafios para a sua
valorização. O exemplo do Rio de Janeiro. VIII Seminário Docomomo Brasil. Rio de Janeiro,
2009. http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/160.pdf. Acesso em: 14 jul
2014.
Figueiredo, Cibelly Alessandra Rodrigues. Hospital D. Luiz I da Benemérita Sociedade
Portuguesa Beneficente do Pará como documento/monumento. Dissertação (Mestrado em
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Universidade Federal do Pará. Belém, 2015.
Machado, Denise P. et al. (org.). I Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Arquitetura e Urbanismo. Anais... Rio de Janeiro: PROURB, 2010. [CD-ROM].
Miranda, Cybelle Salvador. Saúde e arquitetura em diálogo com Charles Jencks. Drops (São
Paulo). v.1, p.1 - 3, 2016.
Miranda, Cybelle Salvador; Beltrão, Jane Felipe; Henrique, Márcio Couto; Bessa, Brena
Tavares. Santa Casa de Misericórdia e as políticas higienistas em Belém do Pará no final do
século XIX. História, Ciências, Saúde-Manguinhos (Impresso), v.22, p.525 - 539, abr-jun
2015.
Miranda, Cybelle Salvador. Itinerários da saúde na Belém colonial e imperial. Anais do III
ENANPARQ Arquitetura cidade e projeto: uma construção coletiva. São Paulo: Universidade
Presbiteriana Mackenzie, 2014. v.1. p.1 – 16.
Miranda, Cybelle Salvador; Beltrão, Jane Felipe; Henrique, Márcio. Caminhos e ausências
no Patrimônio da saúde em Belém, Pará. Amazônica: Revista de Antropologia (Online), v.2,
 
18
 
 
p.308 - 343, 2013.
http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/amazonica/article/view/1496/1903. Acesso em 10
jun 2016.
Miranda, Cybelle Salvador. Memória da assistência à Saúde em Belém-PA: Arquitetura
como documento. I Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Arquitetura e
Urbanismo. Anais...Rio de Janeiro: PROURB, 2010. Disponível em:
http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/15/15-11-2-SP.pdf. Acesso em: 10 mar.
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Monteiro, Marcia Rocha. Hospital do Açúcar de Alagoas: arquitetura e assistência à saúde -
50 anos de História. Maceió: EDUFAL, 2015.
Monteiro, Marcia Rocha; Andrade, F. A. G. A Saúde Pública em Alagoas no Brasil Império.
Caminhos e Descaminhos. Maceió: Edufal, 2013.
Monteiro, Marcia Rocha. "Homens da cana e hospitais do açúcar: uma arquitetura da saúde
no Estado Novo". História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, supl.1, dez.
2011, p.67-94.
Monteiro, Marcia Rocha; Neder Filha, Christina Ribeiro. "O hospital e o processo histórico da
hospitalização". p. 352-356. O Mundo da Saúde São Paulo (CUSC. Impresso), 2003.
Sanglard, Gisele. "A construção dos espaços de cura no Brasil: entre a Caridade e a
medicalização". Revista Esboços, nº 16, 2006.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/viewFile/119/166. Acesso em 22 abr
2016.

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ARQUITETURA ASSISTENCIAL E SAÚDE: DISCUTINDO CONCEPÇÕES E PROTAGONISTAS

  • 1.     Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Porto Alegre, 25 a 29 de Julho de 2016 ARQUITETURA ASSISTENCIAL E SAÚDE: DISCUTINDO CONCEPÇÕES E PROTAGONISTAS SESSÃO TEMÁTICA: ARQUITETURA ASSISTENCIAL E SAÚDE: DISCUTINDO CONCEPÇÕES E PROTAGONISTAS Cybelle Salvador Miranda Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo- UFPA cybelle1974@hotmail.com Marcia Rocha Monteiro Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - UFAL mrmontei@hotmail.com
  • 2.     ARQUITETURA ASSISTENCIAL E SAÚDE: DISCUTINDO CONCEPÇÕES E PROTAGONISTAS RESUMO Inscrita no corpo das investigações sobre a arquitetura da saúde, a definição de concepções da Arquitetura, cumprindo o papel de ‘auxílio’ proposto sob o signo da caridade, da filantropia e da assistência, constitui o cerne desta sessão de discussão. Propõe-se destacar o projeto de arquitetura, considerando o entrelaçamento desses dois campos de saber: arquitetura e saúde, na trajetória histórica da instituição hospitalar, seja em aspectos físico-funcionais, estéticos, médico-científicos, tecnológicos, geográficos, socioculturais, políticos ou econômicos. Cumpre ainda compreender a Arquitetura assistencial no contexto de seus financiadores e projetistas, sejam eles monarcas, arquitetos, médicos, mecenas, filantropos ou instituições, acentuando os trânsitos entre Brasil e Portugal, nos séculos XIX e XX e o diálogo com pesquisadores de outros domínios territoriais. Esta sessão faz parte do Grupo de pesquisa “Saúde e Cidade: arquitetura, urbanismo e patrimônio cultural", registrado no Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq (Brasil), integrando pesquisadores da Universidade Federal do Pará e da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e busca dar continuidade ao Colóquio Internacional Arquitetura assistencial luso-brasileira da Idade Moderna à contemporaneidade: espaços, funções e protagonistas, realizado em novembro de 2015 em Lisboa, em cooperação entre a Universidade Federal do Pará, a Universidade de Lisboa e a Universidade Lusíada, integrando neste painel a Universidade Federal de Alagoas. No âmbito das pesquisas realizadas por esse Grupo, as investigações sobre a arquitetura da saúde ampliaram-se, ganhando novos contornos com o diálogo interinstitucional, no Brasil e Além-Mar, abrangendo a assistência à saúde da população de um modo geral e suas especificidades como a institucionalização da assistência à saúde do trabalhador. Soma- se a isso a visão necessária aos objetivos das instalações físicas que constituem sua materialidade e que o arquiteto tem como ação básica estabelecer ordenação estética e técnica e aplicar esses conceitos às diferentes necessidades e interesses dos grupos sociais alvos. Palavras-chave: Arquitetura assistencial. Patrimônio da saúde. Modelos hospitalares. intercâmbios culturais. ASSISTANCE ARCHITECTURE AND HEALTH: DISCUSSING CONCEPTS AND ACTORS ABSTRACT Inscribed in the body of research on the health architecture, the definition of conceptions of architecture, fulfilling the role of 'aid' proposed under the sign of charity, philanthropy and service, is at the heart of this discussion session. It' s proposed to highlight the architectural design, considering the intertwining of these two fields of knowledge: architecture and health, the historical trajectory of hospitals, either in physical and functional aspects, aesthetic, medical and scientific, technological, geographical, socio- cultural, political or economic. We should also understand the Assistance Architecture in the context of its funders and designers, be they monarchs, architects, doctors, patrons, philanthropists and institutions, accentuating the transits between Brazil and Portugal in the nineteenth and twentieth centuries and dialogue with researchers from other territorial domains. This session is part of the Research Group "Health and City: architecture, urbanism and cultural heritage", registered in the National Research Council - CNPq (Brazil), integrating researchers from the Federal University of Pará and the Oswaldo Cruz Foundation (FIOCRUZ) and aims to continue the International Colloquium Luso- Brazilian of Assistance Architecture from the Modern Age to the contemporaneity: spaces, functions and actors, held in November 2015 in Lisbon, integrating in this session the Federal University of Alagoas. As part of the research conducted by this group, research on health architecture were extended, gaining new contours with the inter-institutional dialogue in Brazil and Overseas, covering the health care of the population of general and their specificities as the institutionalization of assistance to workers' health. Added to this the necessary vision to the objectives of the physical facilities that constitute its materiality
  • 3.   3     and the architect's basic action to establish aesthetic and technical order and apply these concepts the different needs and interests of target social groups. Keywords: Assistance Architecture. Health Heritage. Hospital models.
  • 4.   4     1. NARRANDO AS ORIGENS Trataremos o início de nossa participação nos estudos da Saúde, aglutinando trajetórias que partem de projetos acadêmicos sediados na Universidade de Alagoas, bem como por meio da Rede Brasil Patrimônio da saúde, coordenada pela FIOCRUZ, envolvendo as autoras deste texto nos planos pessoal e científico. As investigações sobre Arquitetura Assistencial na Universidade Federal Alagoas acompanharam a trajetória de Marcia Monteiro iniciada em 1989 com o projeto de extensão Escritório de Arquitetura da UFAL no Hospital Geral Severiano da Fonseca (antigo Sanatório), em Maceió, criado pela professora Lucia Leimback, ao qual se associaram a Arquiteta Sandra Cavalcanti e a professora Patricia Melro. Esse hospital com tipologia pavilhonar, situado na parte alta da cidade no bairro do Farol, foi inaugurado em 1947, integrando a infraestrutura de assistência à saúde da Campanha Nacional da Liga Contra a Tuberculose no Brasil. Com o aparecimento dos antibióticos e terapêutica ambulatorial e a redução das internações perdeu sua função original de isolamento, tornando-se hospital geral de médio porte. Nos anos 80 do século XX contava com 200 leitos, possibilitados pelos novos serviços médicos. Ao iniciar o escritório em 1989, a instituição, conhecida como Sanatório e que deu nome ao bairro, funcionava precariamente. Muitos internados, abandonados pela família, permaneciam como moradores do hospital, reforçando o estigma de isolamento e exclusão social, espelhando a pobreza e descaso com a população mais vulnerável. O projeto visou modernizar e humanizar seus espaços para imprimir nova imagem e atrair clientes. Com a aposentadoria da professora Lúcia Leimbeck, Márcia Monteiro assumiu a coordenação do escritório, em que a oportunidade de aprendizado na área hospitalar atraiu estudantes da UFAL e da Escola Técnica Federal (ETFAL), possibilitou especializar-se em Administração Hospitalar pela Universidade São Camilo (SP), iniciar estudos sobre hospitais de Maceió e participar de congressos em São Paulo, onde conheceu o arquiteto Jarbas Karman que, em distintas ocasiões, concedeu entrevistas sobre o tema. Em 1992, foi convidada a fazer projetos para a Fundação Hospital da Agroindústria do Açúcar e do Álcool de Alagoas, conhecida como Hospital do Açúcar de Alagoas, também localizada no bairro do Farol, experiência que se prolongou até 1997. O edifício inaugurado em 1957 com projeto do arquiteto Manoel Messias de Gusmão foi construído por usineiros, fornecedores e plantadores de cana e Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) para a assistência à saúde dos trabalhadores da economia canavieira. Esse hospital contava com 550 leitos em alas para particulares e convênios, entre estas as dos instituidores da Fundação-Hospital com
  • 5.   5     assistência diferenciada por categoria de trabalhador e alas para atendimento SUS, advindas das cotas do IAA transferidas para o Ministério da Saúde, após sua extinção em 1990. Das experiências no Hospital do Açúcar e antigo Sanatório, a arquiteta ampliou o enfoque de pesquisa, que revelou a assistência à saúde entrelaçada às relações de trabalho para o sistema e o contexto da saúde pública no país. Aprofundou seus estudos com as pesquisas de doutorado sobre os hospitais, dando ênfase ao modelo norte americano do Hospital Districtal, que inspirou o projeto do hospital alagoano, resultando na tese Saúde & Açúcar: História, economia e arquitetura do Hospital do Açúcar de Alagoas, 1950-2000, orientada pelo historiador José Jobson de Andrade Arruda, na Pós-graduação em História Econômica da FFLECH-USP entre 1997 e 2001. Posteriormente, Márcia Monteiro foi convidada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL) a escrever um livro sobre história da saúde no Estado, cuja pesquisa deteve- se no período Imperial tendo como fontes documentos de presidentes da província, coletâneas de leis e jornais, além da obra “Oswaldo Cruz Monumenta Histórica”, que trata os 100 anos dos serviços de saúde pública no Brasil, a partir da chegada da Família Real. Essa pesquisa resultou no livro "A saúde em Alagoas no Brasil Império: caminhos e descaminhos”, publicado pelo IHGAL, em 2004, com participação do professor Fernando Antonio Gomes de Andrade (UFAL) e reeditado pela Edufal, em 2013, sob o título “A saúde pública em Alagoas no Brasil Império: caminhos e descaminhos”. Entre 2007 e 2010, em cooperação técnica na Universidade Federal de São Paulo, lecionou disciplinas no Departamento de Medicina Preventiva, onde estudou sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a população idosa, para a qual elaborou projetos de moradias e vilas, além da sede do Centro de Estudos do Envelhecimento e da Universidade Aberta da Terceira Idade, associando assistência, convivência, pesquisa e extensão. Outras publicações integram o percurso: o artigo "Homens da cana e hospitais do açúcar: uma arquitetura da saúde no Estado Novo” publicado na revista Manguinhos (2011); e o livro Hospital do Açúcar de Alagoas: arquitetura e assistência à saúde: 50 anos de história, publicado pela Edufal (2015), contextualizando as condições de vida e saúde da população, nos anos 1950 e o Hospital do Açúcar de Alagoas desde sua concepção até os anos 2000. O primeiro momento em que Cybelle Miranda se integrou na investigação sobre Arquitetura Assistencial ocorreu quando, em 2009, foi convidada junto com a Professora Doutora Jane Felipe Beltrão para integrar a equipe de Belém na Rede Brasil: Inventário Nacional do Patrimônio Cultural da Saúde: bens edificados e acervos, que se insere entre as ações prioritárias definidas no âmbito da Rede Latino-Americana de História e Patrimônio Cultural
  • 6.   6     da Saúde, criada em 2005, iniciativa coordenada pelos ministérios da Saúde do Brasil e do Chile, Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz e BIREME-OPAS, do qual participou com o projeto Patrimônio de/em Saúde em Belém-Pará. A coordenação geral da Rede Brasil esteve a cargo do Arquiteto Renato da Gama-Rosa Costa e da Historiadora Gisele Sanglard. Esta primeira iniciativa permitiu elaborar 23 fichas referentes a edifícios voltados à saúde na cidade de Belém, dentre os quais figuraram tanto instituições em atividade quanto exemplares já desaparecidos da paisagem. Assim, a perspectiva dialética entre memória x esquecimento tornou-se essencial para caracterizar a valoração da arquitetura da saúde como patrimônio. Dando prosseguimento a esta primeira atividade, Miranda obteve apoio do CNPq para o Projeto “Memória e Cidade: Itinerários da Saúde na Belém Colonial e Imperial”, desenvolvido entre 2011 e 2013. O projeto contou com a parceria entre membros do Programa de Pós- graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) em conjunto com a Professora Jane Felipe Beltrão do Programa de Pós-graduação em Antropologia e Arqueologia (PPGA) e o Professor Marcio Couto Henrique do Programa de Pós-graduação História Social da Amazônia (PPGHIS) da UFPA, sendo sediado no Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural (FAU). Compôs a rede de pesquisadores o Professor Doutor Fernando Jorge Artur Grilo e a pesquisadora então doutoranda no Instituto de História da Arte da Universidade de Lisboa, Joana Maria Balsa Carvalho de Pinho, além da Arquiteta e Urbanista Mestre, atuante na cidade do Porto, Silvana Cássia Miranda Ferreira. Já em 2013 deu-se continuidade ao estudo da arquitetura dos edifícios da saúde em Belém com o projeto “Classicismo nos Hospitais da Misericórdia e da Beneficência na 2ª metade do século XIX: trânsito entre Brasil e Portugal”, ainda em curso. Resultou das análises realizadas na investigação anterior a predominância do classicismo imperial como estilo empregado nos hospitais, vertente que foi retroalimentada pela relação com Portugal. Assim, abre-se um novo caminho de investigação, que poderá desvendar as relações entre as instituições lusas e aquelas implantadas na Belém imperial. Ainda em 2013, Miranda integrou-se ao Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa (CLEPUL), quando foi criado o Gabinete de Investigação “Misericórdias e Instituições similares: assistência, património e cultura”. O Colóquio Internacional Arquitetura assistencial luso-brasileira da Idade Moderna à contemporaneidade: espaços, funções e protagonistas, desenvolvido nos dias 9 e 10 de novembro de 2015, foi organizado por instituições parceiras na investigação do Património da saúde, reunindo comunicações que contemplam o entendimento da Arquitetura assistencial, no contexto do espaço luso-brasileiro, provendo uma abordagem global e pluridisciplinar com a caracterização das várias tipologias arquitetônicas associadas.
  • 7.   7     A organização deste evento foi composta por investigadores vinculados ao ARTIS – Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e ao Gabinete de Investigação “Misericórdias e Instituições similares: assistência, património e cultura” (CLEPUL), ambos da Universidade de Lisboa, ao Centro de Investigação CITAD da Universidade Lusíada e ao Grupo de pesquisa “Saúde e Cidade: arquitetura, urbanismo e patrimônio cultural", registrado no Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq (Brasil), integrando pesquisadores da Universidade Federal do Pará e da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Este evento almejou divulgar à sociedade resultados a partir dos quais se possa intervir de maneira efetiva na preservação e reabilitação dos acervos patrimoniais das Misericórdias e de outras entidades de caráter filantrópico que se voltem a proteção da saúde nos países lusófonos. Foram selecionadas 24 comunicações, versando sobre temas que abrangem instituições como as Misericórdias, passando por Sanatórios, Hospitais psiquiátricos, dentre outras especialidades, em Portugal e no Brasil. 2. DANDO LUZ AS TEMÁTICAS DESENVOLVIDAS NO CAMPO DA ARQUITETURA E URBANISMO NOS SÉCULOS XIX E XX 2.1 PATRIMÔNIO DA SAÚDE Renato da Gama-Rosa Costa, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz aborda a questão do Patrimônio moderno da saúde e os desafios para a sua valorização, enfatizando o exemplo do Rio de Janeiro (2009). Relata a trajetória, ainda recente, de valorização do acervo arquitetônico da saúde, em especial o moderno, que ganha destaque a partir de 2004 na Reunião do DOCOMOMO realizada na França, quando se realiza a primeira jornada dedicada a história e a reabilitação dos Sanatórios edificados entre as grandes guerras mundiais. Destaca o movimento na América Latina, liderado pelas ações da Rede Brasil, e as dificuldades em incluir os edifícios construídos entre os anos 30 e 50 do século XX nas listas de bem tombados, muitas vezes não reconhecidos como parte da arquitetura moderna1 . O autor conclui que, do primeiro inventário realizado nas capitais do Centro-Oeste, Sul e Sudeste, os projetos modernos concentram-se em nome de poucos arquitetos como Jarbas Karman, em Goiânia; Rino Levi e Oswaldo Bratke em São Paulo, Paulo Motta em Florianópolis                                                              1 Costa, Renato da Gama-Rosa. "Patrimônio moderno da saúde e os desafios para a sua valorização. O exemplo do Rio de Janeiro". VIII Seminário Docomomo Brasil. Rio de Janeiro, 2009. http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/160.pdf. Acesso em: 14 jul 2014.p.3.
  • 8.   8     e Raffaello Berti em Belo Horizonte, além de Jorge Moreira Machado no Hospital das Clínicas de Porto Alegre e Oscar Niemeyer no Hospital Prof. Edmundo Vasconcellos em São Paulo. Segundo Renato Costa, a produção dos anos 30 e 40 no Rio de Janeiro é marcada por projetos elaborados pelas equipes da Prefeitura do Distrito Federal, pelos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), Divisão de Obras do Ministério da Saúde e pela Campanha Nacional contra a Tuberculose (CNCT). A partir dos anos 50 o autor nota uma maturidade estética nas concepções, com clara referência a Le Corbusier, com estrutura aparente, planta livre, a ideia de protótipo gerando a possibilidade de reprodução industrial. Como exemplos cita o Sanatório de Curicica, de Sergio Bernardes, o Hospital da Lagoa, de Niemeyer e Helio Uchoa e o Hospital Universitário da Universidade do Brasil, de Jorge Machado Moreira. Deve-se a isso o protagonismo dos arquitetos nas concepções de projeto, antes delineadas majoritariamente por médicos, tendo como marco o Curso de Planejamento de Hospitais promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, seção de São Paulo, em 1953. Os partidos oscilavam entre o modelo pavilhonar no Sanatório e o monobloco vertical nos demais exemplos, utilizando soluções arquitetônicas e construtivas pertinentes ao contexto da época. Durante o I ENANPARQ (2010), no Simpósio Temático "Arquitetura e Saúde; história e patrimônio. Experiências em rede", coordenado por Renato da Gama-Rosa Costa, foram apresentadas oito comunicações. Destacando hospitais na região Nordeste, temos os textos “A influência do Districtal Hospital (EUA) nos Hospitais do Açúcar no Brasil” de autoria de Márcia Monteiro, no qual a autora aborda os Hospitais do açúcar em Pernambuco e Alagoas; “O edifício hospitalar como instrumento para a cura”, proposto por Luiz Amorim, Laura Alecrim e Carolina Brasileiro, a partir da análise de sanatórios e leprosários de Pernambuco relaciona as prescrições médicas com a organização do espaço, mostrando como a arquitetura pode ser um instrumento de cura e o texto de Maria Renilda Barreto e Christiane Souza “Patrimônio Cultural da Saúde na Bahia: 150 Anos de História”, que apresenta o estudo de instituições de saúde sediadas em Salvador fundadas entre 1808 e 1958, através da análise do acervo arquitetônico, histórico e iconográfico das instituições. O artigo “A contribuição de Raffaello Berti para o Patrimônio cultural da saúde em Belo Horizonte” de Rita Marques, Anny Silveira e Claudia Martins, relata a pesquisa sobre o Patrimônio Cultural da Saúde em Belo horizonte, entre 1897 e 1958, na qual emergiu o nome de Raffaello Berti, arquiteto italiano radicado no Brasil, que difundiu o modelo monobloco vertical nos edifícios hospitalares da região.
  • 9.   9     No artigo “Memória da assistência à Saúde em Belém-PA: Arquitetura como documento”, Cybelle Miranda mostra que, à princípio, a saúde em Belém foi realizada por instituições de origem portuguesa, como a Santa Casa de Misericórdia, Hospital da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência e Hospital da Beneficente Portuguesa. A estrutura volumétrica destas instituições representa um marco na paisagem urbana da cidade, assim como a própria estrutura interna é um componente da memória dos paraenses2 . Preservando o tema, o artigo “Memórias de concreto: arquitetura de saúde em Santa Catarina” de Ana Amora mostra o papel das edificações de saúde como suporte de memória, assim como o papel dessas edificações na construção da cidade de Florianópolis. O artigo “Colônia Juliano Moreira: Usos, permanências e paisagem” de Tainá Reis mostra as transformações ocorridas na Colônia Juliano Moreira em decorrência dos usos e permanências nas suas três fases: fazenda colonial, instituição de tratamento psiquiátrico e instituição científica, possibilitando um contraponto entre as práticas terapêuticas e a tipologia de colônia de isolamento influenciando na paisagem do Rio de Janeiro. Renato Gama-Rosa propõe uma perspectiva comparativa do contexto moderno em “Hospitais de clínicas de Salvador, São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro: arquitetura para a saúde entre duas modernidades”, relacionando as concepções espaciais e estéticas vigentes entre as décadas de 30 e 40 do século XX e as propostas inovadoras trazidas por Le Corbusier. Em 2013, foi publicado na Revista Amazônica do programa de Pós-graduação em Antropologia e Arqueologia da UFPA o dossiê Patrimônio em Saúde: A ideia de produzir um dossiê adveio da participação no projeto Rede Brasil: Inventário Nacional do Patrimônio Cultural da Saúde: bens edificados e acervos, (...) A proposta traz consigo a perspectiva de conhecer e comunicar as possibilidades do referido patrimônio, existente em cada país, indicando as trilhas da História da Saúde e da Doença, a partir de identificação e inventário de edificações e acervos, na tentativa de preservá-los visto que integram, enquanto direito, à memória de todos os cidadãos (Beltrão, Miranda, Henrique,2013, 1). O Dossiê reuniu 10 artigos originais, abordando temas que cruzam saberes da Arquitetura, Antropologia, Museologia e História, para o qual contribuíram autores brasileiros e portugueses, em que as narrativas históricas mesclam-se a temáticas contemporâneas, como bem exemplificam os textos "Os escravos da Misericórdia" de Marcio Couto Henrique e “Arte, Clínica, Ciência e Patrimônio: uma Colecção de moldagens de um antigo Hospital de                                                              2 Miranda, Cybelle Salvador. "Memória da assistência à Saúde em Belém-PA: Arquitetura como documento". I Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Anais...Rio de Janeiro: PROURB, 2010. Disponível em: http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/15/15-11-2-SP.pdf. Acesso em: 10 mar. 2014.
  • 10.   10     Dermatologia e Sífilis de Lisboa”, elaborado por Cristina Bastos, Ana Delicado e Antonio Matos. No III ENANPARQ (2014), o Simpósio "Memória e preservação do Patrimônio Cultural da saúde: o contexto luso-brasileiro" congregou pesquisadores que tratam objetos que agregam relações entre Brasil e Portugal. Nos estudos acerca da arquitetura da saúde em Belém, Miranda (2014), em seu artigo “Itinerários da saúde na Belém colonial e imperial” aborda os deslocamentos das instituições assistenciais na cidade entre os séculos XVIII e XIX, enfatizando as características arquitetônicas como signos que denotam alterações na paisagem urbana de Belém, conforme refere a autora: Do cruzamento com a fisionomia atual dos locais e prédios hospitalares permite-se revelar as perdas/apagamentos, de modo que, nos itinerários propostos, o morador da cidade e o visitante possa se reportar aos vestígios materiais da trajetória de mudanças urbanas (Miranda, 2014,2). O artigo “Hospital de Isolamento Domingos Freire” de José Abreu Júnior e Aristóteles Miranda reconstrói a trajetória do hospital de isolamento Domingos Freire, em Belém, que tinha como função primeira o tratamento de pacientes com febre amarela e posteriormente o tratamento de tuberculosos. Construído durante o período higienista na virada do século XIX para o século XX representa a arquitetura da saúde da Belle Époque Amazônica. Tornando-se inadequado a cumprir as novas exigências médicas, foi desativado e demolido em 1960, cedendo espaço ao Hospital João de Barros Barreto. Renato Gama-Rosa Costa trata do “O Hospital-Sanatório da Colônia Portuguesa do Brasil em Coimbra. Relações entre Portugal e Brasil na área da saúde e do patrimônio cultural”; construído em Coimbra com apoio da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro, este hospital foi inaugurado em 1935 e está em funcionamento até hoje, mas enfrenta uma constante ameaça de fechamento, em razão das discussões de novas políticas de saúde em Portugal. O artigo “Fafe – Uma cidade portuguesa construída pelos “brasileiros de torna-viagem” na transição do século XIX para o XX” de Daniel Bastos evidencia o papel dos “brasileiros de torna viagem” na construção da cidade portuguesa de Fafe, situada no distrito de Braga. As transformações ocorridas nesta cidade devem-se a emigração oitocentista que proporcionou a construção de moradias apalaçadas e edifícios públicos, como o Hospital de São José. Este foi inaugurado em 1863, administrado pela Santa Casa da Misericórdia de Fafe, sendo construído nos moldes arquitetônicos do Hospital da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro.
  • 11.   11     Nos estudos sobre a saúde em Alagoas, os pesquisadores Monteiro e Andrade (2009;2013) em seu livro “A saúde pública em Alagoas no Brasil Império: caminhos e descaminhos”, estabeleceram um panorama das condições de vida e da saúde pública em Alagoas pelas condições materiais, o conhecimento médico-cientifico, as iniciativas dos governantes em relação à assistência à saúde e ao cumprimento das legislações e ações deliberadas pelo Imperador para a proteção da população. Em 2015 a Arquiteta Cibelly Figueiredo defendeu a dissertação “Hospital D. Luiz I da Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará como documento/monumento”. Esta pesquisa apresentou o edifício-sede do Hospital D. Luiz I, construído em 1877, como bem cultural, material e imaterial e como suporte de memória e de identidade dos imigrantes portugueses que aportaram em Belém do Pará. A etnografia foi utilizada como ferramenta de abordagem e de obtenção de dados que proporcionaram o reconhecimento do edifício-sede como patrimônio histórico, arquitetônico e cultural da história da saúde no Norte do Brasil3 . Assim, com a conclusão do Inventário do Patrimônio da Saúde, houve continuidade nas pesquisas acerca deste patrimônio em sua vertente arquitetônica, do qual destacamos as publicações decorrentes das pesquisas desenvolvidas no Grupo de pesquisa "Saúde e Cidade: arquitetura, urbanismo e patrimônio cultural" realizadas pelos pesquisadores da Universidade Federal do Pará, numa rede entre as disciplinas Arquitetura, Antropologia e História. O aprofundamento das pesquisas sobre o patrimônio da saúde na capital do Estado do Pará possibilitou o alargamento da caracterização estética e simbólica destes edifícios, ademais da sua importância funcional. A discussão entre memória e esquecimento se faz presente nos textos que abordam a degradação física e perda de características estéticas ensejando pesquisas sobre técnicas construtivas e decorativas que possam favorecer a restauração das características de época destes exemplares. 2.2 HUMANIZAÇÃO NOS ESPAÇOS DA SAÚDE: PERCEPÇÃO DO USUÁRIO E MÉTODO DE PROJETO A discussão sobre hospitais e a humanização da arquitetura assistencial é complexa e precisa de contextualização quando se observa o processo histórico de adoecimento e assistência das populações. Na atualidade, as expectativas de um bom serviço de saúde direcionam-se à qualidade técnica e interação entre as equipes de profissionais das áreas de saúde, sociais e apoio logístico, às habilidades nas respectivas áreas e ao potencial tecnológico da instituição hospitalar. Apesar da diversidade de recursos materiais e humanos, o processo de                                                              3 Figueiredo, Cibelly Alessandra Rodrigues. Hospital D. Luiz I da Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará como documento/monumento. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará. Belém, 2015.
  • 12.   12     hospitalização historicamente e hoje retira do indivíduo, na condição de paciente, seu protagonismo no processo de tratamento, o convívio com familiares, a autonomia e muitas vezes a própria identidade, questões que mobilizam pesquisadores e profissionais na busca de mudanças efetivas nos procedimentos e espacialidades. No artigo "O hospital e o processo histórico da hospitalização", Monteiro e Neder Filha (2003) observam que em qualquer tempo o gesto de cuidar é acompanhado de sentimentos distintos, frequentemente ambíguos, dos que socorrem ou são socorridos e presenciam o socorro, causando impressões sobre os momentos e os lugares, principalmente no hospital onde é prestada a assistência. A história própria do hospital, cheia de simbolismos, seja pelo estigma ou pelas vivências, interfere no imaginário e no processo de hospitalização desde os primórdios. As autoras citam a organização de instituições para a proteção e tratamento de escravos, lutadores e soldados, categorias consideradas úteis à sociedade, na Antiguidade Clássica; a instituição da assistência de caráter religioso e posteriormente a laica, na Idade Média, a mudança de paradigma com o hospital com função terapêutica, visão humanista e científica, na Era Moderna, tornando-se um complexo de parafernália tecnológica na Idade Contemporânea. Assim como hoje, cada solução visou o acolhimento possível dando forma à assistência de acordo com as visões de mundo e o limite dos conhecimentos médico- científicos4 . Os trabalhos apresentados na sessão "Arquitetura assistencial e saúde: discutindo concepções e protagonistas" oferecem um panorama desse processo de hospitalização situado entre os séculos XIX e XX, em que a arquitetura assistencial de cada caso espelha as concepções de saúde e visões humanísticas, holísticas e o pragmatismo das operações projetuais à serviço do bem-estar dos usuários e das condições socioambientais. Antonio Pedro Alves de Carvalho no texto "Meio ambiente e estabelecimentos assistenciais de saúde: da segregação à humanização" faz breve histórico da arquitetura assistencial, a partir dos pressupostos racionais hipocráticos, na Era Clássica. Ressalta os hospitais medievais, construídos junto a mosteiros em forma de nave de igreja, onde os cuidados de saúde eram atos de fé e resignação cristã, isolamento e preparo para a morte, e a mudança de paradigmas ocorrida na Era Moderna com os hospitais pavilhonares, que consolidaram a concepção funcionalista e higienista de cura pelo controle do ambiente, espelhando novas relações e organização de serviços e profissionais. Essa concepção que, à época, introduziu limites de pacientes por enfermaria, separações por enfermidades, espaçamentos entre leitos, cubagem de ar, distâncias entre blocos e do                                                              4 Monteiro, Marcia Rocha; Neder Filha, Christina Ribeiro. O hospital e o processo histórico da hospitalização. p. 352-356. O Mundo da Saúde São Paulo (CUSC. Impresso), 2003.
  • 13.   13     hospital com a cidade, apropriando-se de recursos naturais (luz, ventilação, jardins) e da arquitetura como parte de cuidados de higiene e bem-estar para a recuperação da saúde, foi retomada pelo autor em outra escala como necessária à humanização da assistência à saúde nos tempos atuais. Carvalho (2016) advoga a possibilidade de minimizar os efeitos negativos para o meio ambiente e a saúde pública, em contraposição ao modelo hospitalocêntrico caracterizado pelo monobloco vertical, que resulta em complexos de saúde inadministráveis física e financeiramente, insalubres, insustentáveis, com efeitos negativos para o ambiente e as necessidades de seus usuários. Em sua análise prescreve o retorno às soluções de pequeno e médio porte, visando proximidade entre as pessoas e aproveitamento dos recursos naturais, integração dos espaços com a natureza e práticas mais saudáveis, Ana Paula Vieceli, em "A casa e o cais: disjunção da arquitetura no encontro com os lugares da loucura" analisa a espacialidade de um Centro de Atenção Psicossocial construído pós Reforma Psiquiátrica tendo em vista sua relação com o conceito de espaço da proposta antimanicomial, buscando através de análises qualitativas, identificar novos conceitos e práticas distintos dos modelos excludentes que o precederam. A Casa-CAIS, como é conhecida, resulta de adaptação de residência construida em 1951, em Porto Alegre. Conforme a autora, o imóvel atende em parte requisitos preconizados para os espaços da loucura pós reforma antimanicomial, observando aspectos de segregação na disposição dos ambientes e fluxos internos, a falta de mais espaços de acolhimento e de acessibilidade, requsito também obrigatório e ainda não atendido. Para Vieceli (2016) a equipe técnica interage pouco com os usuarios no dia a dia, atuando mais como observadora, por isso sua impressão da Casa como mais um lugar de aprendizado e abrigo do que de acolhimento. Observou nas dinâmicas da equipe um reflexo da rigidez ou contenção da espacialidade demonstrando que há muito o que fazer pela humanização da assistência e da arquitetura assistencial e que apesar da revolução ou ruptura do modo de conceber a loucura e seus espaços ainda estamos em estágio de transição. O texto "O pioneirismo e a obra de Frei Eugênio Maria de Gênova em Uberaba e a construção de uma cidade mais salubre" de Andreia de Freitas Lopes e Marília Maria B. Teixeira Vale apresenta as intervenções higienistas de Frei Eugênio Maria de Gênova e suas obras em Uberaba (MG) e discussões sobre a salubridade e o urbanismo das cidades no seculo XIX, reverberando as decisões da Corte no Brasil com seu projeto modernizador e civilizatório. Esse protagonista vinculado à ordem religiosa teve papel importante como ordenador de
  • 14.   14     almas, construções e territórios, atuando também nos domínios urbanos, com pioneirismo lastreado em sua formação de engenheiro. As questões tratadas por Lopes e Vale (2016) em relação a influência das teorias médicas sobre tratados de arquitetura e medidas higienistas e policiais para contenção de doenças e doentes e o controle da população e das cidades no século XIX indicam de certo modo a busca de humanização das relações, dos espaços edificados públicos e privados, ainda que pela limpeza e disciplina. Ações como o isolamento dos doentes e o distanciamento dos centros urbanos para áreas como cemitérios, matadouros, lazaretos e hospitais são tentativas de opor-se à carência material e ao caos. Leila Lopes e Natalia Naoumova em "O uso da cor como ferramenta de humanização de ambientes de assistência à saúde infantil sob a percepção do usuário: Pelotas, RS" apresentam análise qualitativa relacionada ao uso de cores e seu impacto em ambientes de assistência à saúde infantil, visando o planejamento cromático em ambientes similares. A questão tratada por Lopes e Naoumova (2016) está circunstanciada na visão holística e conceitos de uma assistência integradora, principalmente pela incorporação de aspectos psicológicos e sensoriais às concepções contemporâneos de saúde, que reverberam nos estudos dos profissionais, ao longo do século XX e XXI, e na arquitetura com novas concepções espaciais com interesse especial pelo público infantil, suscetível ao estresse e sensível às intervenções. O artigo "Do Hospital de Pronto Socorro do Recife ao Hospital da Restauração: o espaço hospitalar em dois tempos" proposto por Luiz Amorim e Cecília Ribeiro descreve as concepções arquitetônicas de dois exemplares da arquitetura hospitalar pernambucana, o Pronto Socorro do Recife ao Hospital da Restauração de meados do século XX, referências modernistas que espelham a lógica funcionalista, com princípios ordenadores de hierarquias de setores e fluxos, onde a ênfase é a internação ancorada pelos serviços ambulatoriais, diagnósticos e cirúrgicos. Amorim e Ribeiro (2016) detalham os dois arranjos espaciais buscando diferenças entre esses que revelem mudanças significativas nos princípios de planejamento hospitalar, considerando a demanda de projetos orientados pela busca de eficiência e aperfeiçoamento da arquitetura hospitalar, ocorrida no Brasil nos anos 1950 e 1960, quando se estabeleceu a organização de uma prática projetual a partir de cursos realizados em São Paulo e nos Estados Unidos da América. Os autores também analisam as relações das equipes profissionais nesse processo de elaboração de projetos,
  • 15.   15     Na mesma linha de protagonismo e temporalidade, Franciely Daiane Massarenti de Almeida discute a atividade projetual modernista do arquiteto no texto "Rino Levi e a arquitetura da saúde: simbiose entre arte e técnica", ressaltando a formação na Itália como arquiteto integral e sua atuação como coordenador das operações no escritório. Além disso o modus operandi na concepção dos projetos, no qual o programa interage com a forma e o arquiteto busca a integração com o exterior e o conforto ambiental com aproveitamento dos recursos naturais. Em seus estudos de caso Almeida (2016) apresenta um hospital vertical e outro pavilhonar, destacando no primeiro caso a lógica funcionalista e princípios ordenadores e hierárquicos seguindo o mesmo raciocínio apresentado por Amorim e Ribeiro (2016) e no segundo, o viés holístico das concepções espaciais com tipologia pavilhonar que permite a relação mais próxima com a natureza e entre as pessoas tão valorizada nas análises de Carvalho (2016) e abordadas também por Vieceli (2016) e Lopes e Naoumova (2016). 3. REFLEXÕES FINAIS Sanglard (2006) chama atenção ao papel da filantropia no processo da assistência hospitalar no Brasil. Destaca a autora que, com o surgimento das irmandades leigas no final da Idade Média, estas se tornaram, em certa medida, ‘mediadoras’ e depositárias da filantropia católica, situando-se entre o filantropo e a obra de caridade. Sobre esta última, ocorreu também uma mudança que lhe caracterizaria e conferiria um caráter mutualista, pois os hospitais passam a não serem mais abertos a todos, mas sim apenas aos membros de determinada irmandade ou confraria (Sanglard, 2006,13). Sandra Cavallo, citada pela autora, ao analisar os Hospitais de Turim a partir do século XVI, destaca que a característica dominante da caridade no regime monárquico é o auxílio e o privilégio, expressos em cálculos racionais em que o prestígio, a influência e a competição entre os diversos grupos sociais motivavam as ações de amparo aos locais de acolhimento dos doentes. Ao longo do século XVIII tem início o processo de medicalização destes espaços, cujo intuito era torna-los máquinas de curar. Na sociedade francesa a ideia de progresso do conhecimento, o qual deveria ser estendido as demais camadas da sociedade, gerava mudança de hábitos que permitisse uma cidade mais ordenada e higienizada. Surgem no século XIX renovadas formas de beneficência, as quais a autora denomina ‘modalidades sofisticadas de caridade’. Assim, “A ‘modernização’ da caridade veio acompanhada de tensão social e discussões políticas, em que as ações caritativas e/ou filantrópicas encontram-se lado
  • 16.   16     a lado com aquelas que vinham sendo implementadas, mesmo que timidamente, pelo Estado”5 . A prolongada ligação entre as Faculdade de Medicina e as Santas Casas em muitas capitais brasileiras, ver o caso do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e o de Belém, retardou o processo de efetivo controle dos hospitais pelos médicos, que só veio a acontecer efetivamente nos anos 20 na capital do país, e se consolidou na segunda metade do século XX em muitas outras cidades. O cuidado com o olhar o passado nos permite fazer o enquadramento da arquitetura enquanto projeto e cultura material, objeto de vários olhares e vivências, em que a atuação do projetista só recentemente foi consolidada, face aos diversos atores sociais intervenientes e aos significados construídos historicamente para os termos caridade, filantropia e assistência. Atentar para a necessidade de refletir sobre o hospital como receptáculo de memória e da história da cidade, da medicina, da assistência e mesmo da Arquitetura, como objeto que nos ensina sobre os modos de pensar e viver das gerações passadas. Pensar o projeto hospitalar em consonância com a cultura médica, mas também com a cultura local, agregando saberes tradicionais e expectativas diferenciadas, quando pensamos em um país culturalmente diverso em que o clima, os materiais, as morfologias geográficas e da paisagem clamam pela não uniformidade de soluções. Destacamos a experiência divulgada pelo Arquiteto norte-americano Charles Jenks no livro Architecture of Hope, que aborda soluções inovadoras de Casas-dia para tratamento de câncer no Reino Unido, que se originou da iniciativa de sua esposa Maggie, então diagnosticada com a doença. Reunindo uma complexidade de formas, o programa para o Maggie’s cancer caring Center tem por meta a arquitetura como construtora da metáfora da esperança, uma projeção para o futuro. Com sentido utópico realista, o programa pensa o paciente com uma doença incurável não como um doente terminal, mas como um ser humano que tem por aspiração viver melhor (Miranda, 2016). Deste modo, este artigo aglutina parte da trajetória dos estudos sobre arquitetura assistencial voltada a saúde no Brasil, tema pungente e recorrente no cotidiano da população, e que ainda demanda estudos acerca dos métodos de projeto adequados as diversas situações sociais, econômicas e culturais. Dos textos que compõem a Sessão temática que coordenamos, nota- se o fio condutor da humanização, que aponta o caminho do passado para pensar o presente,                                                              5 Sanglard, Gisele. A construção dos espaços de cura no Brasil: entre a Caridade e a medicalização. Revista Esboços, nº 16, 2006. https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/viewFile/119/166. Acesso em 22 abr 2016. p. 19.
  • 17.   17     em que a revisão de conceitos modernos da Arquitetura para adequar-se as necessidades de dotar os espaços de atributos sensoriais como acolhimento, segurança, tranquilidade e harmonia. BIBLIOGRAFIA Alvim, Angélica; Santos Junior, Wilson (orgs). Anais do III ENANPARQ Arquitetura, Cidade e Projeto: uma construção coletiva. São Paulo: Universidade presbiteriana Mackenzie; Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2014. [CD-ROM]. Beltrão, Jane Felipe; Miranda, Cybelle Salvador; Henrique, Márcio. Patrimônio em Saúde - Dossiê. Amazônica: Revista de Antropologia (Online).251-252, v.2, 2013. Costa, Renato da Gama-Rosa. Hospitais de clínicas de São Paulo, Salvador, Porto Alegre e Rio de Janeiro: arquitetura para a saúde entre duas modernidades. I Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Anais...Rio de Janeiro: PROURB, 2010. http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/15/15-13-2-SP.pdf. Acesso em: 10 mar. 2016. Costa, Renato da Gama-Rosa. Patrimônio moderno da saúde e os desafios para a sua valorização. O exemplo do Rio de Janeiro. VIII Seminário Docomomo Brasil. Rio de Janeiro, 2009. http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/160.pdf. Acesso em: 14 jul 2014. Figueiredo, Cibelly Alessandra Rodrigues. Hospital D. Luiz I da Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará como documento/monumento. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará. Belém, 2015. Machado, Denise P. et al. (org.). I Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Anais... Rio de Janeiro: PROURB, 2010. [CD-ROM]. Miranda, Cybelle Salvador. Saúde e arquitetura em diálogo com Charles Jencks. Drops (São Paulo). v.1, p.1 - 3, 2016. Miranda, Cybelle Salvador; Beltrão, Jane Felipe; Henrique, Márcio Couto; Bessa, Brena Tavares. Santa Casa de Misericórdia e as políticas higienistas em Belém do Pará no final do século XIX. História, Ciências, Saúde-Manguinhos (Impresso), v.22, p.525 - 539, abr-jun 2015. Miranda, Cybelle Salvador. Itinerários da saúde na Belém colonial e imperial. Anais do III ENANPARQ Arquitetura cidade e projeto: uma construção coletiva. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2014. v.1. p.1 – 16. Miranda, Cybelle Salvador; Beltrão, Jane Felipe; Henrique, Márcio. Caminhos e ausências no Patrimônio da saúde em Belém, Pará. Amazônica: Revista de Antropologia (Online), v.2,
  • 18.   18     p.308 - 343, 2013. http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/amazonica/article/view/1496/1903. Acesso em 10 jun 2016. Miranda, Cybelle Salvador. Memória da assistência à Saúde em Belém-PA: Arquitetura como documento. I Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Anais...Rio de Janeiro: PROURB, 2010. Disponível em: http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/15/15-11-2-SP.pdf. Acesso em: 10 mar. 2014. Monteiro, Marcia Rocha. Hospital do Açúcar de Alagoas: arquitetura e assistência à saúde - 50 anos de História. Maceió: EDUFAL, 2015. Monteiro, Marcia Rocha; Andrade, F. A. G. A Saúde Pública em Alagoas no Brasil Império. Caminhos e Descaminhos. Maceió: Edufal, 2013. Monteiro, Marcia Rocha. "Homens da cana e hospitais do açúcar: uma arquitetura da saúde no Estado Novo". História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, supl.1, dez. 2011, p.67-94. Monteiro, Marcia Rocha; Neder Filha, Christina Ribeiro. "O hospital e o processo histórico da hospitalização". p. 352-356. O Mundo da Saúde São Paulo (CUSC. Impresso), 2003. Sanglard, Gisele. "A construção dos espaços de cura no Brasil: entre a Caridade e a medicalização". Revista Esboços, nº 16, 2006. https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/viewFile/119/166. Acesso em 22 abr 2016.