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5’ a LER
Uma parceria do Clube de Leitura
e da Biblioteca Escolar
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
1ª SEMANA – 7 a 11 de outubro de 2019
5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na
primeira aula da manhã, todos os dias.
TEXTO 1/SEGUNDA-FEIRA, 7 de outubro de 2019
Mário-Henrique Leiria (1923-1980), Contos do Gin-Tonic (1973)
CEGARREGA PARA CRIANÇAS
A Velha dormindo
o rato roendo
a Velha zumbindo
o rato correndo
a Velha rosnando
o rato rapando
a Velha acordando
o rato calando
a Velha em sentido
o rato escondido
a Velha marchando
o rato mirando
a Velha dizendo
o rato escutando
a Velha ordenando
o rato fazendo
a Velha correndo
o rato fugindo
a Velha caindo
o rato parando
a Velha olhando
o rato esperando
a Velha tremendo
o rato avançando
a Velha gritando
o rato comendo
TEXTO 2/TERÇA-FEIRA, 8 de outubro de 2019
Fábula de La Fontaine, traduzida por Bocage
O CORVO E A RAPOSA
É fama que estava o corvo
Sobre uma árvore pousado
E que no sôfrego bico
Tinha um queijo atravessado.
Pelo faro, àquele sítio
Veio a raposa matreira,
A qual, pouco mais ou menos,
Lhe falou desta maneira:
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
– Bons dias, meu lindo corvo;
És glória desta espessura;
És outra fênix, se acaso
Tens a voz como a figura.
A tais palavras, o corvo,
Com louca, estranha afouteza,
Por mostrar que é bom solista
Abre o bico e solta a presa.
Lança-lhe a mestra o gadanho
E diz: – Meu amigo, aprende
Como vive o lisonjeiro
À custa de quem o atende.
Esta lição vale um queijo;
Tem destas para teu uso.
Rosna então consigo o corvo
Envergonhado e confuso:
– Velhaca, deixou-me em branco;
Fui tolo em fiar-me dela;
Mas este logro me livra
De cair noutra esparrela.
TEXTO 3/QUARTA-FEIRA, 9 de outubro de 2019
Fernando Pessoa, Poemas de Alberto Caeiro
IX
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.
s.d. “O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas
de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
TEXTO 4/QUINTA-FEIRA, 10 de outubro de 2019
Crónica de Miguel Esteves Cardoso publicada no jornal Público de 18 de julho 2010
O ARROZ DOCE QUENTE
Vou fazer 55 anos e só esta semana provei arroz doce quente, acabado de fazer. Avisaram-me que
fazia virar a tripa, mas que valia a pena.
E fez, mas valeu.
Faltam-me a marmelada quente e os doces de ginja e tomate recém-fervidos e arrefecidos só o
bastante para não arrancar o céu da boca. Toda a gente à minha volta conhecia esses prazeres,
mas, quando confessei a minha virgindade, detetei melancolias. A ignorância das coisas boas da
vida - quando fazem mal e quando sabem mais bem a primeira vez do que a segunda - pode ser
invejável. Andy Wharol disse que o sexo deveria começar aos 40 anos, para animar a metade mais
chata da vida.
Adiar prazeres é uma boa estratégia. Convém que sejam prazeres que não requeiram energia
física. Tenho autores guardados, como Joseph Roth. Ou cidades, como Barcelona. De resto, fui
ganancioso e esbanjei, na estupidez e cobardia do carpe diem, o pouco conhecimento que tinha
na imensidão das coisas que conheci. Antes de aprender a dar-lhes valor, à parte serem diferentes
umas das outras. Só se vai uma vez a Paris pela primeira vez. Desperdicei-a aos treze anos. A
pressa é uma paixão destrutiva. Quando queremos ser mais velhos do que somos e fazemos tudo
para ter vivido tanto como eles, é-nos roubada a juventude.
Fiz bem com o arroz doce quente. As alegrias também se poupam e adiam. Devem guardar-se. Faz
mal quem se antecipa tanto que lhe escapa a felicidade de saber o que lhe está a acontecer. Antes
de ser tarde.
TEXTO 5/SEXTA-FEIRA, 11 de outubro de 2019
Mário-Henrique Leiria (1923-1980), Contos do Gin-Tonic (1973)
RIFÃO QUOTIDIANO
Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
2ª SEMANA – 14 a 18 de outubro de 2019
5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na
primeira aula da manhã, todos os dias.
TEXTO 6/SEGUNDA-FEIRA, 14 de outubro de 2019
Mário-Henrique Leiria (1923-1980), Contos do Gin-Tonic (1973)
A FAMÍLIA
Vamos à pesca
disse o pai
para os três filhos
vamos à pesca do esturjão
nada melhor do que pescar
para conservar
a união familiar
a mãe deu-lhe razão
e preparou
sem mais detença
um bom farnel
sopa de couves com feijão
para ir também
à pescaria do esturjão
e a mãe e o pai
e os três filhos
foram à pesca
do esturjão
todos atentos
satisfeitíssimos
que bom pescar
o esturjão!
que bom comer
o belo farnel
sopa de couves com feijão!
e foi então
que apanharam
um magnífico esturjão
que logo quiseram
ali fritar
mas enganaram-se na fritada
e zás fritaram o velho pai
apetitoso
muito melhor
mais saboroso
do que o esturjão
vamos para casa
disse o esturjão.
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
TEXTO 7/ TERÇA-FEIRA, 15 de outubro de 2019
Fernando Pessoa (1888-1935), Poemas de Alberto Caeiro
XIV
Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior.
Olho e comovo-me,
Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado,
E a minha poesia é natural como o levantar-se o vento...
TEXTO 8/QUARTA-FEIRA, 16 de outubro de 2019
Fábulas de La Fontaine
AMOR COM AMOR SE PAGA
Uma formiga sedenta veio à margem do rio beber água. Para alcançá-la, devia descer por uma
pequena folha de erva. Quando assim fazia, escorregou e caiu na água do rio.
Uma pomba, pousada numa árvore próxima, viu a formiga em perigo. Rapidamente, arrancou uma
folha da árvore e deixou-a cair no rio, perto da formiga, que pôde subir por ela e flutuar até à
margem. Logo que alcançou a terra, a formiga viu um caçador, que se escondia atrás duma árvore,
com uma rede nas mãos. Vendo que a pomba corria perigo, mordeu o calcanhar do caçador. A dor
fez com que ele largasse a rede e a pomba fugiu para um ramo mais alto. De lá, ela arrulhou para a
formiga:
- Obrigada, querida amiga!
TEXTO 9/QUINTA-FEIRA, 17 de outubro de 2019
Cesário Verde (1855-1886), O livro de Cesário Verde (1887)
DE TARDE
Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma cousa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima d’uns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
7-3-1914
“O Guardador de Rebanhos”.
In Poemas de Alberto Caeiro.
Fernando Pessoa. (Nota explicativa
e notas de João Gaspar Simões e
Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática,
1946 (10ª ed. 1993).
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
TEXTO 10/SEXTA-FEIRA, 18 de outubro de 2019
Mário-Henrique Leiria (1923-1980), Contos do Gin-Tonic (1973)
O MENINO E O CAIXOTE
-Não pode ser - disse o senhor Sousa ao filho, o Ernestinho de oito anos.
-Mas, papá, eu vejo nos filmes. Todos têm - afirmou a criança, à procura de uma salvação para
aquilo que lhe parecia um desejo certo.
-Onde é que já se viu um leão em casa? Só nessas fitas idiotas. E, além disso, o menino não vê que
não há espaço? Para a semana arranjo-lhe um gato bonito, daqueles que bebem leitinho e fazem
miau.
O Ernestinho desistiu de convencer o pai. Para quê? Era um homem com bigode, sempre a explicar
o que não era preciso. Nem sequer percebia de leões.
Sentou-se no chão a pensar. Com certeza que devia haver um leão, ali em casa!
Não era a vassoura atrás da porta, nem a cadeira larga da mãe dormir aos domingos, nem sequer
o embrulho do lixo à espera de ser deitado fora. Foi investigar, toda a gente sabe que os leões
estão onde menos se espera.
Na cozinha, lá ao fundo, estava o caixote vazio que trouxera as compras da Cooperativa. O
Ernestinho pousou-lhe a mão, acariciou-o com ternura e um certo receio.
O caixote rugiu e sacudiu a areia amarela e antiga que lhe aquecia a juba. O menino puxou-o ao de
leve, como quem ensina e acompanha, e o caixote seguiu-o, pisando firme.
O Ernestinho sentou-se no chão da sala. Entre o sofá e a mesinha da televisão o caixote ficava
mesmo bem, confortável, como na caverna onde nascera e dera o primeiro rugido.
-Agora vamos caçar, Baluba - explicou o Ernestinho ao caixote.
-Que faz o meninho aí com esse caixote? - perguntou severamente o senhor Sousa, abrindo a
porta, de sobrolho franzido.
O menino olhou para o pai, assustado, e depois para o seu amigo Baluba.
-Mata o velho, Baluba! - gritou, num desespero.
O leão saltou veloz e, com uma única dentada eficaz, arrancou a cabeça do senhor Sousa.
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
3ª SEMANA – 21 a 25 de outubro de 2019
5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na
primeira aula da manhã, todos os dias.
TEXTO 11/ SEGUNDA-FEIRA, 21 de outubro de 2019
Mário-Henrique Leiria (1923-1980), Contos do Gin-Tonic (1973)
A VIAGEM, ENFIM
Isto de ter sempre o mesmo sonho todas as noites torna-se aborrecido.
Era assim: saía de casa, ia até ao carro e dizia à família «vamos lá fazer essa viagem». Primeiro
entravam a mulher e as duas crianças, depois os pais, ele instalava-se ao volante e pronto, não
havia lugar para os sogros! Era sempre a mesma coisa. Por mais que empurrassem, não
conseguiam metê-los lá dentro.
Acordava a suar, empurrando ainda qualquer coisa que não estava lá.
A mulher aconselhou-lhe uns calmantes, para ver se o sonho se ia.
Mas nada. Lá vinha sempre, todas as noites. É verdade que empurrava menos, talvez os
calmantes, mas continuava naquele desespero de não conseguir enfiar os sogros no carro
alucinante.
Os sogros disseram-lhe que não se interessavam em ir, não faziam questão, já estavam velhos
para viagens.
Os pais prontificaram-se a ceder os lugares deles.
Toda a família colaborava, mas o sonho continuava.
Chegou a fazer experiências, a meter a família completa no velho Citroën arrastadeira. E
conseguia, lá se metiam todos, mais ou menos apertados mas entravam. Mas no sonho não.
A coisa tornava-se desesperante.
- Porque é que não vais ao Mora? Ele é psicanalista, explica-te, tira-te isso – insistia a mulher, já
arreliada, e preocupada também, com aquelas viagens nocturnas e frustradas em que ele se
envolvia sem culpa.
O Mora era amigo de infância, nem sequer permitia que ele pagasse, era extraordinário! Às vezes
até ia lá jantar. E respondeu à mulher:
- Tens razão, Xuxa, vou mesmo, que isto assim não pode ser. Tens sempre razão menina.
Contou tudo. O Mora mandou-lhe contar mais, o passado continua sempre oculto, ao que disse.
Deitado, contou-lhe o que ele precisava era de derivar, sabem, encontrar qualquer coisa além do
carro e da viagem que não fazia em sonhos. Derivar. Substituir o carro. Agradeceu e convidou o
Mora para jantar no sábado. O Mora não podia e deu-lhe uma palmada nas costas.
Chegou a casa aliviado e esclareceu a Xuxa:
- Vou derivar, menina.
- Derivar?
Sim, substituir o carro e tudo o mais, excepto tu, as crianças, os velhos e a casa.
(...)
À noite não sonhou. No dia seguinte a Xuxa disse-lhe que até parecia dez anos antes.
Tudo voltou à normalidade, os sogros deixaram de se preocupar com a viagem, as crianças
entusiasmaram-se com os estoiros da moto. E o carro na garagem.
E, de repente, tornou a sonhar. O sonho.
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
Assim: saiu de casa, foi até ao carro e disse à família «vamos lá fazer essa viagem». A mulher e as
crianças entraram, depois os pais, e ele instalou-se ao volante. E não havia lugar para os sogros!
Começaram a empurrar para os meter lá dentro, e nada. Então virou-se para a garagem. Estava
um pouco diferente mas a moto continuava lá dentro. Deixou tudo, montou a moto, pôs o chapéu
de palha e avançou pela estrada. Uma estrada larga, muito aberta a tudo. Pareceu-lhe já a ter visto
alguma vez. Olhou para trás e lá ao longe, à porta da casa, continuavam a empurrar-lhe os sogros.
Acenou uma despedida, acelerou e continuou, olhando árvores e nuvens. Ainda não voltou.
TEXTO 12/TERÇA-FEIRA, 22 de outubro de 2019
Fernando Pessoa (1888-1935),
POEMAS DE ALBERTO CAEIRO
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas—a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.
8-11-1915
“Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João
Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).
1ª publ. in “Poemas Inconjuntos”. In Athena, nº 5. Lisboa: Fev. 1925.
TEXTO 13/QUARTA-FEIRA, 23 de outubro de 2019
Fábula de La Fontaine, traduzida por Bocage
A RAPOSA E AS UVAS—
Contam que certa raposa,
Andando muito esfaimada,
Viu roxos, maduros cachos
Pendentes de alta latada.
—–
De bom grado os trincaria,
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
Mas sem lhes poder chegar,
Disse: “Estão verdes, não prestam,
Só os cães os podem tragar!”
—–
Eis cai uma parra, quando
Prosseguia seu caminho,
E, crendo que era algum bago,
Volta depressa o focinho.
TEXTO 15/SEXTA-FEIRA, 25 de outubro de 2019
Fernando Pessoa (1888-1935), Mensagem (1934)
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
4ª SEMANA – 28 a 31 de outubro de 2019
5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula
da manhã, todos os dias.
TEXTO 11/ SEGUNDA-FEIRA (28 outubro 2019)
SEMANA DA PREGUIÇOSA
Na segunda me deito
Na terça me levanto
Na quarta é dia santo
Na quinta vou à feira
Na sexta venho da feira
Sábado vou-me confessar
No domingo comungar
Diga-me lá, ó comadre,
Quando hei de trabalhar?
Popular
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
TEXTO 12/ TERÇA-FEIRA (29 outubro 2019)
SER POETA...
São assim os poetas:
Dão no pino do Inverno
Versos da Primavera.
A razão?
Talvez seja
Que neles o coração
Mesmo velho viceja.
Miguel Torga
TEXTO 13/ QUARTA-FEIRA (30 outubro 2019)
UM MUNDO DIVERTIDO
Anda-se para aí a dizer constantemente que este mundo está cada vez mais perigoso. É verdade.
Mas olhem que também está cada vez mais divertido. Uma notícia cai diante dos meus olhos e, apesar de me
encontrar num lugar público e junto de muita gente, não consigo deixar de rir à gargalhada.
A notícia informa-me que o prefeito de Brasília acaba de assinar um decreto em que proíbe o uso do gerúndio
nos documentos oficiais.
A partir de agora, minha gente, nada de «tá andando», «tá-se fazendo», «tou chegando» ou dessa moleza que
se calhar o clima do planalto propicia.
A partir de agora, minha gente, é no duro mesmo: «anda-se», «faz-se», «cheguei», etc.
Até porque lazeira tem hora, né?
E como eu (que ainda há poucos dias de lá voltei) entendo o prefeito de Brasília!...
Não é preciso lá estar muito tempo para se perceber que aquela terra vive toda em ritmo de gerúndio. Vai-se
andando, vai-se marcando o que é preciso, vai-se chegando quando se chegar, vai-se fazendo pela vida. E quando
alguém de fora tenta impor um andamento diferente, explicam-nos, naquela voz irresistivelmente doce, que não
vale a pena a gente correr «no final dá tudo certo, e, se não der certo, é porque ainda não é o final»...
Alice Vieira, O que se Leva desta Vida, Casa das Letras, 2011 (adaptado)
TEXTO 14/ QUINTA-FEIRA (31 outubro 2019)
NOTÍCIA
Animal deve ter saído do rio Mondego
Lontra capturada dentro de uma agência bancária na Figueira da Foz
A lontra tentou refugiar-se sob o capô de um carro mas acabou por fugir para dentro da agência. A operação de
resgate foi difícil mas só deixou marcas nas patas do animal...
O alerta foi dado à PSP por volta das 9h, por um comerciante. «A lontra entrou para a zona do motor de um
carro, num local não acessível», disse o subcomissário Santos, da PSP da Figueira da Foz. O animal, uma lontra
comum macho juvenil, estava na zona da Praça General Freire de Andrade (Praça Velha), na baixa da cidade, a
poucas centenas de metros do rio Mondego.
A captura envolveu o Centro de Recuperação de Animais Marinhos (Quiaios), a Polícia Marítima, a PSP e os
bombeiros locais, que montaram uma verdadeira «caça à lontra» durante 20 minutos. Munidos de redes
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
tentaram capturá-la uma e outra vez, sem sucesso. «Como é um animal muito esguio e com muita mobilidade
conseguiu escapar», diz Marisa Ferreira, coordenadora do centro.
O animal começou por se refugiar dentro de um carro, fugiu para outro, e acabou por entrar numa agência da
Caixa Geral de Depósitos, onde foi finalmente capturado.
[…]
«Foi uma manhã bem passada para alguns figueirenses», com muitos curiosos a assistir à tentativa de captura,
diz o subcomissário Santos. O trânsito esteve cortado durante alguns minutos, para prevenir um eventual
acidente.
Público online 23.05.2012 – 18:29
(consultado em 28 setembro 2019)
5ª SEMANA – 4 a 8 de novembro de 2019
5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula
da manhã, todos os dias.
TEXTO 15/ SEGUNDA-FEIRA (4 novembro 2019)
UM CONTRA O OUTRO
Anda, desliga o cabo
Que liga a vida a esse jogo,
Joga comigo um jogo novo,
Com duas vidas, um contra o outro.
Já não basta,
esta luta contra o tempo,
este tempo que perdemos,
a tentar vencer alguém.
Ao fim ao cabo,
o que é dado como um ganho,
vai-se a ver desperdiçamos,
sem nada dar a ninguém.
[…]
Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q' essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes, é a tua que,
mais perde se não vens.
[…]
Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que
mais perde se não vens.
Texto de Pedro da Silva Martins
TEXTO 16/ TERÇA-FEIRA (5 novembro 2019)
ENQUANTO A LUZ FALTOU
Alfredo Zimke estava reformado. Há muito tempo que esperava com impaciência que a televisão transmitisse o
filme policial que fora anunciado e que tinha por título Um Estranho a Bordo. Ficou muito desiludido quando, às
20 horas e 28 minutos, a locutora anunciou com um simpático sorriso que o filme seria transmitido duas horas
mais tarde por causa de um programa de atualidades desportivas.
Furioso, desligou a televisão e foi para a cama resmungando. Nem percebeu que dois minutos mais tarde faltou
a luz.
Isto aconteceu no dia 29 de outubro de 1969.
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
A luz não faltou só em casa de Alfred Zimke. Das 20 horas e 30 às 21 horas e 58 todo o bairro de Oberburg ficou
às escuras.
Apesar de uma intensa pesquisa, os especialistas da Companhia de Eletricidade demoraram uma hora para
encontrarem a causa da falta de corrente. Ficaram muito admirados porque parecia evidente que a interrupção
tinha sido provocada propositadamente.
A ligação principal tinha sido cortada por mãos muito habilidosas
Quase ao mesmo tempo em que foi feita esta descoberta, a polícia recebeu a notícia que duas ourivesarias
tinham sido assaltadas de uma maneira que revelava bastante esperteza
Não restavam dúvidas de que os acontecimentos se relacionavam
Pouco depois da meia-noite os funcionários da polícia já tinham examinado os rastos e chegado à conclusão de
que o autor dos dois roubos só podia ser Jacob Tischlinsky, um superladrão que, por sinal, até morava naquele
mesmo bairro.
Mas o novo dia começara e já dois funcionários da polícia tiravam Tischlinsky da cama para o prender. E
exultaram quando ele jurou que, precisamente àquela hora, tinha estado a ver um filme policial na televisão. Era
até capaz de contar o conteúdo do filme.
Os funcionários objetaram que entre as 20 horas e 30 e as 21 horas e 58 tinha faltado a luz e que, por isso, era
impossível alguém ter estado a ver televisão a essa hora. Tischlinsky fez um gesto de desprezo:
- Estão a seguir uma pista errada, meus senhores. Jacob Tischlinsky não precisa de luz para ver televisão. Jacob
Tischlinsky tem uma televisão a pilhas.
Examinado o aparelho de televisão chegou-se à conclusão que as suas afirmações eram verdadeiras. Mas, apesar
de não se terem encontrado impressões digitais no lugar do delito e não se terem achado os objetos roubados
na sua casa, Tischlinsky ficou preso.
Por causa de um único pormenor.
Wolfgang Ecke, O Homem Vestido de Negro, Ed. Verbo
(“Enquanto a Luz Faltou" é um conto policial. Se o escutares com muita atenção, serás, certamente, capaz de
descobrir o erro que permitiu aos polícias descobrir o culpado do caso que foram chamados a investigar.)
TEXTO 17/ Quarta-feira (6 novembro 2019)
Contigo em contradição
Pode estar um grande amigo.
Duvida mais dos que estão
Sempre de acordo contigo.
Entre leigos e letrados
Fala só de quando em quando.
Que nós às vezes calados
Dizemos mais que falando.
Para não fazeres ofensas
E teres dias felizes,
Não digas tudo o que pensas,
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
Mas pensa tudo o que dizes.
ANTÓNIO ALEIXO,
Este Livro Que Vos Deixo
TEXTO 18/ Quinta-feira (7 novembro 2019)
ANDAR DE CAVALO A VER A FLOR
O senhor Hua Han tinha um amigo chamado Gui Liang, que era coxo. Como Hua Han era um bom
casamenteiro, o amigo pediu-lhe o favor de procurar uma rapariga jeitosa, pois queria casar. Por coincidência,
Ye Qing, uma menina de nariz muito torto, falou também com Hua Han para lhe encontrar um noivo.
Hua Han pensou: "Se conseguisse fazer o casamento entre estes dois, seria ideal.”
Então o casamenteiro pediu a Gui Liang que passasse por casa de Ye Qing, mas a cavalo. E pediu a Ye Qing
que, quando o pretendente aparecesse, pegasse numa flor, fingindo que estava a cheirá-la.
Assim, ela apaixonou-se pelo garboso cavaleiro e ele ficou todo encantado com a bela e delicada menina
que cheirava uma flor.
Segundo os hábitos da época, o casamenteiro e as duas famílias começaram a tratar dos preparativos para
a grande festa e os noivos só se voltaram a encontrar no dia do casamento.
Quando se viram sem disfarces, ambos perceberam por que razão um andava a cavalo e a outra cheirava
a flor.
Contos da Terra do Dragão, rec., adapt. e trad. de Wang Suoying e Ana Cristina Alves, Ed. Caminho, 2000
TEXTO 19/ Sexta-feira (8 novembro 2019)
O VAGABUNDO NA ESPLANADA
O vagabundo, de mãos nos bolsos das calças, vinha, despreocupadamente, avenida abaixo.
[...]
Junto dos Restauradores, a esplanada atraiu-lhe a atenção. De cabeça inclinada para trás, pálpebras
baixas, catou pelos bolsos umas tantas moedas, que pôs na palma da mão. Com o dedo esticado, separou-as,
contando-as conscienciosamente. Aguardou o sinal de passagem, e saiu da sombra dos prédios para o Sol da
tarde quente de Verão.
A meio da esplanada havia uma mesa livre. Com o à-vontade de um frequentador habitual, o homem
sentou-se.
[...]
Mas o fato e os modos da sua chegada haviam despertado nos ocupantes da esplanada, mulheres e
homens, uma turbulência de expressões desaprovadoras. Ao desassossego de semelhante atrevimento sucedera
a indignação.
[...]
Um rapaz aproximou-se. Casaco branco, bandeja sob o braço, muito senhor do seu dever.
Mas, ao reparar no rosto do homem, tartamudeou:
– Não pode...
E calou-se. O homem olhava-o com atenta benevolência.
– Disse?
– É reservado o direito de admissão – tornou o rapaz, hesitando. – Está além escrito.
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
Depois de ler o dístico, o homem, com a placidez de quem, por mera distração, se dispõe a aprender mais
um dos confusos costumes da cidade, perguntou:
– Que direito vem a ser esse?
– Bem... – volveu o empregado. – A gerência não admite... Não podem vir aqui certas pessoas.
– E é a mim que vem dizer isso?
O homem estava deveras surpreendido. Encolhendo os ombros, como quem se presta a um sacrifício, deu
uma mirada pelas caras dos circunstantes. O azul-claro dos olhos embaciou-se-lhe.
– Talvez que a gerência tenha razão – concluiu ele, em tom baixo e magoado. – Aqui para nós, também
me não parecem lá grande coisa.
O empregado nem podia falar.
Conciliador, já a preparar-se para continuar a leitura do jornal, o homem colocou as moedas sobre a mesa,
e pediu, delicadamente:
– Traga-me uma cerveja fresca, se faz favor. E diga à gerência que os deixe ficar. Por mim, não me importo.
Manuel da Fonseca, «O Vagabundo na Esplanada», Tempo de Solidão,
6ª SEMANA – 11 a 15 de novembro de 2019
5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula
da manhã, todos os dias.
TEXTO 20/ Segunda-feira (11 novembro 2019)
Ó minha menina loura,
Ó minha loura menina,
Dize a quem te vê agora
Que já foste pequenina...
Levas uma rosa ao peito
E tens um andar que é teu...
Antes tivesses o jeito
De amar alguém, que sou eu.
Tens um livro que não lês,
Tens uma flor que desfolhas;
Tens um coração aos pés
E para ele não olhas.
Fernando Pessoa,
Quadras ao Gosto Popular
TEXTO 21/ Terça-feira (12 novembro 2019)
NESSE TEMPO
Certa manhã acordei sozinho em casa. Acordei a chorar.
− Ó mãe, mãe...
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
Mas a mãe não vinha. Não havia mãe. Havia só a porta fechada.
− Ó mãe, mãe...
E a casa deserta. Pelas frinchas largas da porta via a manhã lá fora. Era uma manhã de sol quente, talvez de
julho, talvez de agosto. Devia haver medas de palha na eira em frente. Mas os meus olhos mal viam,
estavam rasos de água e de angústia.
− Ó mãe, mãe...
E de repente, na manhã clara, começaram a cair estrelas pequeninas, estrelas verdes, vermelhas, estrelas
de oiro. As lágrimas caíam-me pela cara.
− Ó mãe, mãe...
O nariz esmagado contra a porta, os olhos muito abertos, vendo através das frinchas as estrelas caindo,
umas atrás das outras.
− Ó mãe, mãe...
E ninguém me abriu a porta para apanhar as estrelas. Nem mesmo tu, mãe, que a essas horas andavas a
ganhar o pão para a boca daquele que hoje te oferece estes versos.
Eugénio de Andrade, Os amantes sem dinheiro
TEXTO 22/ Quarta-feira (13 novembro 2019)
ESCADA SEM CORRIMÃO
É uma escada em caracol
e que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa do chão.
Os degraus, quanto mais altos,
mais estragados estão.
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.
Quem tem medo não a sobe.
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
o lastro do coração.
Sobe-se numa corrida.
Correm-se p’rigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.
David Mourão-Ferreira, Antologia Poética [1948-1983], Lisboa, Dom Quixote, 1983
TEXTO 23/ Quinta-feira (14 novembro 2019)
CONTO TRADICIONAL
Um pobre homem estava a trabalhar no mato, a cortar lenha para ir vender pela vila e assim sustentar mulher
e filhos. De repente viu ao pé de si dois sujeitos, bem vestidos, que lhe disseram:
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
- Nós somos a Fortuna [sorte] e a Riqueza. Vimos-te ajudar.
Cada um queria acudir de preferência ao pobre homem, e altercavam entre si. Dizia a Riqueza:
- Eu só por mim o faço feliz; sendo rico ele tem tudo.
- Pois mesmo sem ser rico, eu dando-lhe fortuna, faço-lhe maior benefício. Senão experimentemos.
A Riqueza virou-se para o pobre homem e disse:
- Toma lá este cruzado novo; amanhã compra carne, pão e não trabalhes nesse dia.
O homem foi-se embora contentíssimo para casa; no outro dia foi ao açougue. Deu ao magarefe o dinheiro
adiantado, mas como estava um grande barulho de gente no açougue, o carniceiro negou que lhe tivesse
dado o dinheiro, e o pobre homem resignou-se e foi outra vez trabalhar para o mato.
A Riqueza tornou a chegar ao pé dele e quando soube de que lhe servira o cruzado novo, ficou zangada e
deu-lhe uma bolsa cheia de dobrões. O homem voltou para casa; mas como a bolsa era de marroquim
vermelho, uma ave de rapina caiu de repente sobre ele e arrebatou nas garras o saco, e voou. O homem
contou a sua tristeza à mulher, e no outro dia foi trabalhar para o mato. […]
Quando a Riqueza não esperava tomar mais a encontrar o homem no mato, foi ao sítio costumado com a
Fortuna, e qual não foi o seu pasmo quando viu o pobre do homem a trabalhar como dantes. Disse então a
Fortuna:
- Agora é a minha vez de o fazer feliz; vou-lhe dar apenas um vintém. Olhe lá, ó homem, tome esse vintém,
e assim que chegar à vila compre a primeira coisa que lhe aparecer.
O homem em caminho para casa encontrou quem lhe ofereceu uma vara de andar à azeitona pelo preço de
um vintém, e comprou-a. No outro dia, foi para a apanha, e quando ia varejar uma oliveira, caiu-lhe de um
galho uma bolsa de marroquim cheia de dobrões. Agarrou nela e levou-a para casa, contou à mulher donde
suspeitava que lhe vinha aquele tesouro. […]
A Riqueza e a Fortuna foram ao sítio onde o homem costumava cortar lenha e esperaram por ele bastante
tempo. Por fim a Fortuna declarou-se vencedora, dizendo:
- Que te dizia eu? Não é com muito dinheiro que se é feliz.
(Algarve)
Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, vol.1, Publ. Dom Quixote
TEXTO 24/ Sexta-feira (15 novembro 2019)
QUÁSI
1
5
10
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe d’asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d’espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quási vivido...
Quási o amor, quási o triunfo e a chama,
Quási o princípio e o fim – quási a expansão...
Mas na minh’alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
15
20
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
– Ai a dor de ser-quási, dor sem fim...
– Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
[…]
................................................................... ...................................................................
Um pouco mais de sol – e fora brasa,
Um pouco mais de azul – e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe d’asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Paris 1913 – maio 13.
Mário de Sá-Carneiro, Verso e Prosa, edição de Fernando Cabral Martins, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010
7ª SEMANA – 18 a 22 de novembro de 2019
5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira
aula da manhã, todos os dias.
TEXTO 25/ Segunda-feira (18 novembro 2019)
Qual dos sacos matou o burro?
Um almocreve1
tinha que transportar cem sacos de lã. Ele colocou-os, um por um, em cima do burro. Ainda os
sacos estavam por amarrar e já o burro caía por terra, por não poder suportar tanto peso.
O homem desancou no animal para que se levantasse. Porém, ele não se levantou e acabou por morrer.
A mulher do almocreve queixou-se:
- Puseste tanto peso no burro que o mataste.
O almocreve ficou furioso ao ouvir estas palavras e retorquiu impaciente:
- Cada saco pesa apenas dois quilos e meio. Como os coloquei um por um no animal, qual o terá morto?
Contos da Terra do Dragão, rec., adapt. e trad. de Wang Suoying e Ana Cristina Alves,
Ed. Caminho, 2000 (adaptado
_______________
Glossário:
1. Almocreve: indivíduo que utiliza animais para transportar mercadorias.
TEXTO 26/ Terça-feira (19 novembro 2019)
Todo o doente que entrasse no hospital era obrigado a um banho prévio, em corpo inteiro [...]. Tratava-se de
uma medida sábia contra a invasão de parasitas.
Certo dia, chegou ali um homem rude, dos seus cinquenta anos, com as rugas da nuca e da face preenchidas por
décadas de sujidade. [...] Dei-lhe uma palmada nas costas, para o dispor bem, e disse:
– Pode ficar internado, sim senhor. Vai tomar um banho, despir esse fato e entra já hoje para a enfermaria.
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
– Banho, Sr. Doutor?
– Banho, pois... É o costume. […] Então o senhor não toma banho em sua casa?
– Tomei, sim senhor, antes das sortes e antes do meu casamento. A gente não vai chapinhar na água toda a vez
que se lembre. Está um homem sujeito a apanhar um catarral ou um resfriamento.
[…]
Dois dias depois coube-me a vez de prestar serviço na enfermaria dos homens. Numa das camas, o doente tinha
a roupa arrepiada para a cabeça, como se tivesse frio. Peguei no dossier e perguntei ao enfermeiro:
– Quem é este homem?
As mãos do doente afastaram os lençóis com brusquidão. E, de olhos injetados, vermelhos de febre e rancor,
disse numa voz rouquejada, mal se percebendo as palavras:
– Sou eu, Sr. Doutor! Tenho um catarral e é por sua culpa. Eu bem lhe disse que não se brinca com a água.
Fernando Namora, «História de uma Pneumonia»,
Retalhos da Vida de um Médico, 14.ª ed., Lisboa, Bertrand, 1975
TEXTO 27/ Quarta-feira (20 novembro 2019)
POEMA DA MALTA DAS NAUS
Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo,
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.
Chamusquei o pelo hirsuto,
tive o corpo de chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.
[…]
Moldei as chaves do mundo
A que os outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.
O meu sabor é diferente
Provo-me e saibo-me a sal.
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
Não se nasce impunemente
Nas praias de Portugal.
ANTÓNIO GEDEÃO, Poemas Escolhidos
TEXTO 28/ Quinta-feira (21 novembro 2019)
DIÁRIO
15 de julho de 1993
À entrada do auditório, umas mocinhas da Universidade encarregam-se da venda dos livros de Torrente. Escolho
uma meia dúzia deles e fico à espera de que me façam as contas e digam quanto tenho de pagar. Seis livros, seis
parcelas de uma soma simples, nenhuma delas com mais de quatro dígitos. A primeira tentativa falhou, a
segunda não foi melhor. Eu olhava, assombrado, o modo como a rapariga ia somando, dizia sete mais seis, treze,
e vai um, escrevia 3 na soma, 1 ao lado, e prosseguia, adicionando por escrito os que iam aos que estavam, como,
nos velhos tempos, um estudante da primeira classe antes de aprender a usar a memória. Uma colega explicou-
me com um sorriso meio envergonhado: «É que falta a máquina.» Diante daquela florida e ignorante juventude,
senti-me de súbito, infinitamente sábio em aritméticas: pedi o papel e o lápis, e, com um ar de triunfo
condescendente, rematei a soma num instante, mentalmente. As pobres pequenas ficaram esmagadas,
confusas, como se, tendo-lhes faltado os fósforos no meio da selva, lhes tivesse aparecido um selvagem com
dois pauzinhos secos e a arte de fazer lume sem calculadora.
José Saramago, Cadernos de Lanzarote, Diário I, Porto Editora, 2011
TEXTO 29/ Sexta-feira (22 novembro 2019)
Quem a tem...
Não hei de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo,
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
não hei de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
9 de dezembro de 1956
Jorge de Sena, Fidelidade, in Poesia II,
Lisboa, Moraes Editores, 1978.
8ª SEMANA – 25 a 29 de novembro de 2019
5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula
da manhã, todos os dias.
TEXTO 30/ Segunda-feira (25 novembro 2019)
Os Amigos nunca são para as ocasiões
Os amigos nunca são para as ocasiões. São para sempre. A ideia utilitária da amizade, como entreajuda,
pronto-socorro mútuo, troca de favores, depósito de confiança, sociedade de desabafos, mete nojo. A amizade
é puro prazer. Não se pode contaminar com favores e ajudas, leia-se dívidas. Pede-se, dá-se, recebe-se,
esquece-se e não se fala mais nisso.
A decadência da amizade entre nós deve-se à instrumentalização que tem vindo a sofrer. Transformou-se
numa espécie de maçonaria, uma central de cunhas, palavrinhas, cumplicidades e compadrios. É por isso que
as amizades se fazem e desfazem como se fossem laços políticos ou comerciais.
[…]
A glória da amizade é ser apenas presente. É por isso que dura para sempre; porque não contém expectativas
nem planos nem ansiedade.
Miguel Esteves Cardoso, in 'Explicações de Português'
TEXTO 31/ Terça-feira (26 novembro 2019)
«Teatro» designou inicialmente o lugar de onde o público via, na Grécia, as representações dramáticas, e
também o próprio público; mais tarde, o seu significado estendeu-se a todo o espaço destinado à cerimónia
teatral; por fim, incluiu a própria literatura dramática, isto é, as obras literárias destinadas a serem representadas
num teatro. Hoje, a palavra «teatro» engloba praticamente tudo o que se relaciona com a vida das pessoas que
se ocupam da produção do espetáculo teatral: formação, profissão, arte e técnica do dramaturgo, do ator, do
encenador, do cenógrafo, do aderecista, do figurinista, etc. Por extensão, «teatro» designa ainda um local onde
decorrem acontecimentos importantes (diz-se, por exemplo, «o teatro das operações» a respeito do Iugar onde
decorrem manobras militares). A hipocrisia de certas pessoas e certos procedimentos mistificadores da realidade
também se dizem «teatro».
Eduíno de Jesus e A. M. Couto Viana, «Teatro», in Enciclopédia Luso-Brasileira,
Edição Século XXI, Lisboa/São Paulo, Editorial Verbo, 2003 (adaptado)
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
TEXTO 32/ Quarta-feira (27 novembro 2019)
NÃO POSSO ADIAR O AMOR
Não posso adiar o amor
para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque
na garganta
ainda que o ódio estale
e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não, não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese
séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore,
não posso adiar para
outro século minha
vida
nem o meu amor
nem o meu grito de
libertação
Não posso adiar o coração
António Ramos Rosa, O Grito Claro, 1958.
TEXTO 33/ Quinta-feira (28 novembro 2019)
INOCÊNCIO
Decididamente o meu amigo Inocêncio, como seu espírito fraco e facilmente influenciável por tudo e por
todos, há de acabar mal.
Aqui há tempos cheguei a julgá-lo completamente perdido.
Ora imaginem para o que lhe deu: sentindo-se ligeiramente indisposto, foi, a conselho da sua esposa e pela
primeira vez na sua vida, consultar um médico:
-Todo o seu mal deriva do pâncreas.
- De quem, doutor? - inquiriu alarmado o Inocêncio. - Mas se nem sequer o conheço! E de resto não vejo que
motivos esse cavalheiro possa ter para me perseguir dessa maneira.
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
Então o médico apresentou pacientemente o pâncreas ao Inocêncio; explicou o melhor que pôde a sua função
no organismo e acabou por receitar.
Inocêncio, sobressaltado com o imprevisto desarranjo daquele órgão tão importante de cuja existência nunca
tinha suspeitado, agarrou sofregamente na receita e enfiou como um furacão pela primeira farmácia que
encontrou.
A mulher, assim que o viu, quis saber o que ele tinha, qual a opinião do médico.
- É o pâncreas! - disse o Inocêncio tristemente.
- Mas o que disse ele? - tornou a esposa numa ansiedade.
- Diz que é o pâncreas... - murmurou novamente o Inocêncio, acabrunhado.
- Mas o que te disse o Pâncreas? O que receitou esse tal médico? - volveu a pobre senhora, excitada já pela
curiosidade insatisfeita.
- Ó filha, o pâncreas é um órgão! - emendou superiormente o Inocêncio.
- Um órgão!
- Sim, o órgão que eu aqui tenho estragado.
- O quê?! - gemeu aflita D. Celeste. - Tu tens um órgão aí dentro! Valha-me Deus! Mas como engoliste tu uma
coisa dessas?
Inocêncio elucidou, então, a esposa; transmitiu-lhe, já com ar catedrático, as informações e os ensinamentos
que o médico lhe fornecera e o remédio que lhe receitara.
A pobre senhora, mais tranquila, começou então dispondo as coisas para tratar Inocêncio; e por sua vontade,
ele teria ingerido logo todo o remédio que trouxera.
AUGUSTO CUNHA, «Um caso de drogomania», Mais Um
TEXTO 34/ Sexta-feira (29 novembro 2019)
Todo o tempo é de poesia.
Desde a névoa da manhã à névoa do outro dia.
Desde a quentura do ventre à frigidez da agonia.
Todo o tempo é de poesia.
Entre as bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas que a amar se consagram.
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança da celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.
Desde a arrumação do caos à confusão da harmonia.
António Gedeão
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
9ª SEMANA – 2 a 6 de dezembro de 2019
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da manhã, todos os dias.
TEXTO 35/ Segunda-feira (2 dezembro 2019)
O POTE DE BARRO E O POTE DE FERRO
O Pote de Ferro um dia convidou
O Pote de Barro para viajar.
Porém, este se escusou
Dizendo ter só vantagem
Em ficar junto à lareira,
Pois só lhe faltava pouco
E de bem frágil maneira
Para em cacos se quebrar
E em cacos ficar no chão.
Diz ele: – Tu tens a pele
Muito mais dura que a minha.
Não tens nada que temer.
– Mas eu vou-te proteger! –
Responde o Pote de Ferro.
– Se qualquer matéria dura
Te ameaçar porventura,
Entre os dois eu ficarei,
Do perigo te salvarei.
Esta oferta o convenceu.
O amigo Pote de Ferro
Logo se pôs ao seu lado.
Lá vão eles a três pés,
Avançando, ao pé-coxinho,
Um contra o outro chocando
Nos ressaltos do caminho.
O Pote de Barro nem cem passos deu,
Pelo seu companheiro foi quebrado
Sem ter sabido como aconteceu.
Associações, só com nossos iguais,
Para um dia não termos de sofrer
Destinos desiguais.
La Fontaine, Fábulas, trad. e adapt. de Maria Alberta
Menéres, 4.ª ed., ASA, 2001
TEXTO 36/ Terça-feira (3 dezembro 2019)
AS MÃOS
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas, mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor, cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Manuel Alegre, O Canto e as Armas,
Lisboa, Pub. Dom Quixote, 2017.
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
TEXTO 37/ Quarta-feira (4 dezembro 2019)
Contei noutro lugar como e porquê me chamo Saramago. Que esse Saramago não era um apelido do lado
paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Que indo o meu pai a declarar no Registo
Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o funcionário (chamava-se ele Silvino) estava
bêbado (por despeito, disso o acusaria sempre meu pai), e que, sob os efeitos do álcool e sem que ninguém se
tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu, por sua conta e risco, acrescentar Saramago ao lacónico José
de Sousa que meu pai pretendia que eu fosse. E que, desta maneira, finalmente, graças a uma intervenção por
todas as mostras divina, refiro-me, claro está, a Baco, deus do vinho e daqueles que se excedem a bebê-lo, não
precisei de inventar um pseudónimo para, futuro havendo, assinar os meus livros. (...)
Mas o pior de tudo foi quando, chamando-se ele [o pai] unicamente José de Sousa, como ver se podia nos seus
papéis, a Lei, severa, desconfiada, quis saber por que bulas tinha ele então um filho cujo nome completo era José
de Sousa Saramago. Assim intimado, e para que tudo ficasse no próprio, no são e no honesto, meu pai não teve
outro remédio que proceder a uma nova inscrição do seu nome, passando a chamar-se, ele também, José de
Sousa Saramago.
Suponho que deverá ter sido este o único caso, na história da humanidade, em que foi o filho a dar o nome ao
pai. Não nos serviu de muito, nem a nós nem a ela, porque meu pai, firme nas suas antipatias, sempre quis e
conseguiu que o tratassem unicamente por Sousa.
José Saramago, As Pequenas Memórias, Porto Editora, 2014
TEXTO 38/ Quinta-feira (5 dezembro 2019)
- Não é arvião. Diz-se: avião.
O menino estranhou a emenda de sua mãe. Não mencionava ele uma criatura do ar?
- Mãe: avioneta é a neta do avião?
- Vamos para a sala de espera - ordenou a mãe.
Sala de espera? O miúdo acreditava que todas as salas fossem iguais. Ela recomendou juízo. Aquilo era um
aeroporto, lugar de respeito. A senhora apontou os passageiros, seus ares graves. Depois, o menino
desenrolou-se do colo materno e foi à vidraça.
Eu assistia a criança.
[…]
- Arranja-te. Estamos quase a partir.
- Então vou-me despedir do passaporteiro.
A mãe corrigiu em dupla dose. Primeiro, não ia a nenhuma parte. Segundo, não chamava assim ao senhor dos
passaportes.
[…]
Saímos da sala para o avião. Chuviscava. O menino seguia os seus passos quando na lisura do alcatrão, ele viu o
sapo. Encharcado, o bicho saltaritava. O menino parou, cuidando os perigos do batráquio. Na imensa
incompreensão do asfalto, o bicho seria esmagado por cega e certeira roda.
- Mãe, eu posso levar o sapo?
A senhora estremeceu de horror. Olhou envergonhada, pedindo desculpas aos passantes. Então, começou a
disputa. A senhora obrigava o braço do filho, os dois teimavam. Venceu a mãe. O menino, murchou como
acento circunflexo, subiu as escadas, ocupou o seu lugar, ajeitou o cinto. Do meu assento eu podia ver a
tristeza desembrulhando líquidas missangas no seu rosto. Fiz-lhe sinal, ele encarou-me de soslaio. Então, em
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
seu rosto se acendeu a mais grata bandeira de felicidade. Porque do côncavo de minhas mãos espreitou o
focinho do mais clandestino de todos os passageiros.
Mia Couto, “Cronicando” in Ana Maria Matos e Maria Ofélia Medeiros, Novas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa -
Moçambique, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses,
1998.
TEXTO 39/ Sexta-feira (6 dezembro 2019)
TROVAS
a uma cativa com quem andava d’amores na
Índia, chamada Bárbora
Aquela cativa,
que me tem cativo,
porque nela vivo
já não quer que viva.
[…]
Presença serena
que a tormenta amansa;
nela enfim descansa
toda a minha pena.
Esta é a cativa
que me tem cativo,
e, pois nela vivo,
é força que viva.
Luís de Camões, Rimas, texto estabelecido e
prefaciado por Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra,
Almedina, 2005, p. 89.
10ª SEMANA – 9 a 13 de dezembro de 2019
5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula
da manhã, todos os dias.
TEXTO 40/ Segunda-feira (9 dezembro 2019)
O SORRISO
Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
Eugénio de Andrade, Poesia, Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 2000, p. 441.
TEXTO 41/ Terça-feira (10 dezembro 2019)
O PINHEIRO DE NATAL
Conta a história que na noite de Natal, junto ao presépio, se encontravam três árvores: Uma tamareira, uma
oliveira e um pinheiro. As três árvores ao verem Jesus nascer, quiseram oferecer-lhe um presente. A oliveira foi
a primeira a oferecer, dando ao menino Jesus as suas azeitonas. A tamareira, logo a seguir, ofereceu-lhe as suas
doces tâmaras. Mas o pinheiro como não tinha nada para oferecer, ficou muito infeliz.
As estrelas do céu, vendo a tristeza do pinheiro, que nada tinha para dar ao menino Jesus, decidiram descer e
pousar sobre os seus galhos, iluminando e adornando o pinheiro que assim se ofereceu ao menino Jesus.
Contos de Natal in http://natal.com.pt/contos-pinheiro-de-natal
(consultado em 14 novembro 2019)
TEXTO 42/ Quarta-feira (11 dezembro 2019)
Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal
E o frio que ainda é pior.
E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.
Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho frio e Natal não.
Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se vai mais uma quadra
Sinto mais Natal nos pés.
Não quero ser dos ingratos
Mas, com este obscuro céu,
Puseram-me nos sapatos
Só o que a chuva me deu
Fernando Pessoa (25-12-1930)
Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI,
2006, Porto Editora
TEXTO 43/ Quinta-feira (12 dezembro 2019)
ESPÍRITO DO NATAL
Estava o Senhor Teotónio, que era rico, muito gordo e grande fumador de charutos, a carregar o carro com os
presentes que passara a manhã a comprar para os filhos, para os sobrinhos e para as muitas pessoas com quem
fazia negócios, quando se aproximou dele um homem pobre, idoso e magro, que prontamente obteve dele esta
resposta:
— Comigo não perca tempo porque não tenho dinheiro trocado, nem alimento falsos mendigos.
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
— Mas eu não lhe pedi nada — respondeu o homem idoso serenamente, com um sorriso que desarmou o Senhor
Teotónio e a sua bazófia de novo-rico. […] -Estou aqui, meu caro senhor, para tentar perceber o que as pessoas
dão umas às outras no Natal.
[…]
— Bem, se quer mesmo saber, eu digo-lhe. Quem tem posses como eu pode comprar uma loja inteira, deixando
toda a gente feliz, a começar nos comerciantes e a acabar nas pessoas que vão receber os presentes. Quem é
pobre como você fica a assistir. Percebeu a diferença?
O homem magro e idoso refletiu uns instantes sobre a resposta seca e sarcástica do Senhor Teotónio e depois
respondeu-lhe com uma nova pergunta:
— Então e o espírito do Natal?
— O que vem a ser isso do espírito do Natal? — quis saber, cheio de curiosidade, o Senhor Teotónio.
— O espírito do Natal — respondeu o homem idoso e magro — é aquilo que nos vai na alma nesta altura do ano
e que está muito para além dos presentes que damos. Para muitas pessoas, o melhor presente pode ser um
telefonema, uma carícia ou um telefonema quando se está só.
[…]
José Jorge Letria, A Árvore das Histórias de Natal, Porto, Ambar, 2006
TEXTO 44/ Sexta-feira (13 dezembro 2019)
PEDRA FILOSOFAL
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
António Gedeão, Movimento Perpétuo, 1956
FELIZ NATAL!
Votos da BE e do Clube de Leitura.

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  • 2. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar 1ª SEMANA – 7 a 11 de outubro de 2019 5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula da manhã, todos os dias. TEXTO 1/SEGUNDA-FEIRA, 7 de outubro de 2019 Mário-Henrique Leiria (1923-1980), Contos do Gin-Tonic (1973) CEGARREGA PARA CRIANÇAS A Velha dormindo o rato roendo a Velha zumbindo o rato correndo a Velha rosnando o rato rapando a Velha acordando o rato calando a Velha em sentido o rato escondido a Velha marchando o rato mirando a Velha dizendo o rato escutando a Velha ordenando o rato fazendo a Velha correndo o rato fugindo a Velha caindo o rato parando a Velha olhando o rato esperando a Velha tremendo o rato avançando a Velha gritando o rato comendo TEXTO 2/TERÇA-FEIRA, 8 de outubro de 2019 Fábula de La Fontaine, traduzida por Bocage O CORVO E A RAPOSA É fama que estava o corvo Sobre uma árvore pousado E que no sôfrego bico Tinha um queijo atravessado. Pelo faro, àquele sítio Veio a raposa matreira, A qual, pouco mais ou menos, Lhe falou desta maneira:
  • 3. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar – Bons dias, meu lindo corvo; És glória desta espessura; És outra fênix, se acaso Tens a voz como a figura. A tais palavras, o corvo, Com louca, estranha afouteza, Por mostrar que é bom solista Abre o bico e solta a presa. Lança-lhe a mestra o gadanho E diz: – Meu amigo, aprende Como vive o lisonjeiro À custa de quem o atende. Esta lição vale um queijo; Tem destas para teu uso. Rosna então consigo o corvo Envergonhado e confuso: – Velhaca, deixou-me em branco; Fui tolo em fiar-me dela; Mas este logro me livra De cair noutra esparrela. TEXTO 3/QUARTA-FEIRA, 9 de outubro de 2019 Fernando Pessoa, Poemas de Alberto Caeiro IX Sou um guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto, E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz. s.d. “O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).
  • 4. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar TEXTO 4/QUINTA-FEIRA, 10 de outubro de 2019 Crónica de Miguel Esteves Cardoso publicada no jornal Público de 18 de julho 2010 O ARROZ DOCE QUENTE Vou fazer 55 anos e só esta semana provei arroz doce quente, acabado de fazer. Avisaram-me que fazia virar a tripa, mas que valia a pena. E fez, mas valeu. Faltam-me a marmelada quente e os doces de ginja e tomate recém-fervidos e arrefecidos só o bastante para não arrancar o céu da boca. Toda a gente à minha volta conhecia esses prazeres, mas, quando confessei a minha virgindade, detetei melancolias. A ignorância das coisas boas da vida - quando fazem mal e quando sabem mais bem a primeira vez do que a segunda - pode ser invejável. Andy Wharol disse que o sexo deveria começar aos 40 anos, para animar a metade mais chata da vida. Adiar prazeres é uma boa estratégia. Convém que sejam prazeres que não requeiram energia física. Tenho autores guardados, como Joseph Roth. Ou cidades, como Barcelona. De resto, fui ganancioso e esbanjei, na estupidez e cobardia do carpe diem, o pouco conhecimento que tinha na imensidão das coisas que conheci. Antes de aprender a dar-lhes valor, à parte serem diferentes umas das outras. Só se vai uma vez a Paris pela primeira vez. Desperdicei-a aos treze anos. A pressa é uma paixão destrutiva. Quando queremos ser mais velhos do que somos e fazemos tudo para ter vivido tanto como eles, é-nos roubada a juventude. Fiz bem com o arroz doce quente. As alegrias também se poupam e adiam. Devem guardar-se. Faz mal quem se antecipa tanto que lhe escapa a felicidade de saber o que lhe está a acontecer. Antes de ser tarde. TEXTO 5/SEXTA-FEIRA, 11 de outubro de 2019 Mário-Henrique Leiria (1923-1980), Contos do Gin-Tonic (1973) RIFÃO QUOTIDIANO Uma nêspera estava na cama deitada muito calada a ver o que acontecia chegou a Velha e disse olha uma nêspera e zás comeu-a é o que acontece às nêsperas que ficam deitadas caladas a esperar o que acontece
  • 5. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar 2ª SEMANA – 14 a 18 de outubro de 2019 5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula da manhã, todos os dias. TEXTO 6/SEGUNDA-FEIRA, 14 de outubro de 2019 Mário-Henrique Leiria (1923-1980), Contos do Gin-Tonic (1973) A FAMÍLIA Vamos à pesca disse o pai para os três filhos vamos à pesca do esturjão nada melhor do que pescar para conservar a união familiar a mãe deu-lhe razão e preparou sem mais detença um bom farnel sopa de couves com feijão para ir também à pescaria do esturjão e a mãe e o pai e os três filhos foram à pesca do esturjão todos atentos satisfeitíssimos que bom pescar o esturjão! que bom comer o belo farnel sopa de couves com feijão! e foi então que apanharam um magnífico esturjão que logo quiseram ali fritar mas enganaram-se na fritada e zás fritaram o velho pai apetitoso muito melhor mais saboroso do que o esturjão vamos para casa disse o esturjão.
  • 6. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar TEXTO 7/ TERÇA-FEIRA, 15 de outubro de 2019 Fernando Pessoa (1888-1935), Poemas de Alberto Caeiro XIV Não me importo com as rimas. Raras vezes Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra. Penso e escrevo como as flores têm cor Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me Porque me falta a simplicidade divina De ser todo só o meu exterior. Olho e comovo-me, Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado, E a minha poesia é natural como o levantar-se o vento... TEXTO 8/QUARTA-FEIRA, 16 de outubro de 2019 Fábulas de La Fontaine AMOR COM AMOR SE PAGA Uma formiga sedenta veio à margem do rio beber água. Para alcançá-la, devia descer por uma pequena folha de erva. Quando assim fazia, escorregou e caiu na água do rio. Uma pomba, pousada numa árvore próxima, viu a formiga em perigo. Rapidamente, arrancou uma folha da árvore e deixou-a cair no rio, perto da formiga, que pôde subir por ela e flutuar até à margem. Logo que alcançou a terra, a formiga viu um caçador, que se escondia atrás duma árvore, com uma rede nas mãos. Vendo que a pomba corria perigo, mordeu o calcanhar do caçador. A dor fez com que ele largasse a rede e a pomba fugiu para um ramo mais alto. De lá, ela arrulhou para a formiga: - Obrigada, querida amiga! TEXTO 9/QUINTA-FEIRA, 17 de outubro de 2019 Cesário Verde (1855-1886), O livro de Cesário Verde (1887) DE TARDE Naquele pic-nic de burguesas, Houve uma cousa simplesmente bela, E que, sem ter história nem grandezas, Em todo o caso dava uma aguarela. Foi quando tu, descendo do burrico, Foste colher, sem imposturas tolas, A um granzoal azul de grão-de-bico Um ramalhete rubro de papoulas. Pouco depois, em cima d’uns penhascos, Nós acampámos, inda o sol se via; 7-3-1914 “O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).
  • 7. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar E houve talhadas de melão, damascos, E pão-de-ló molhado em malvasia. Mas, todo púrpuro a sair da renda Dos teus dois seios como duas rolas, Era o supremo encanto da merenda O ramalhete rubro das papoulas! TEXTO 10/SEXTA-FEIRA, 18 de outubro de 2019 Mário-Henrique Leiria (1923-1980), Contos do Gin-Tonic (1973) O MENINO E O CAIXOTE -Não pode ser - disse o senhor Sousa ao filho, o Ernestinho de oito anos. -Mas, papá, eu vejo nos filmes. Todos têm - afirmou a criança, à procura de uma salvação para aquilo que lhe parecia um desejo certo. -Onde é que já se viu um leão em casa? Só nessas fitas idiotas. E, além disso, o menino não vê que não há espaço? Para a semana arranjo-lhe um gato bonito, daqueles que bebem leitinho e fazem miau. O Ernestinho desistiu de convencer o pai. Para quê? Era um homem com bigode, sempre a explicar o que não era preciso. Nem sequer percebia de leões. Sentou-se no chão a pensar. Com certeza que devia haver um leão, ali em casa! Não era a vassoura atrás da porta, nem a cadeira larga da mãe dormir aos domingos, nem sequer o embrulho do lixo à espera de ser deitado fora. Foi investigar, toda a gente sabe que os leões estão onde menos se espera. Na cozinha, lá ao fundo, estava o caixote vazio que trouxera as compras da Cooperativa. O Ernestinho pousou-lhe a mão, acariciou-o com ternura e um certo receio. O caixote rugiu e sacudiu a areia amarela e antiga que lhe aquecia a juba. O menino puxou-o ao de leve, como quem ensina e acompanha, e o caixote seguiu-o, pisando firme. O Ernestinho sentou-se no chão da sala. Entre o sofá e a mesinha da televisão o caixote ficava mesmo bem, confortável, como na caverna onde nascera e dera o primeiro rugido. -Agora vamos caçar, Baluba - explicou o Ernestinho ao caixote. -Que faz o meninho aí com esse caixote? - perguntou severamente o senhor Sousa, abrindo a porta, de sobrolho franzido. O menino olhou para o pai, assustado, e depois para o seu amigo Baluba. -Mata o velho, Baluba! - gritou, num desespero. O leão saltou veloz e, com uma única dentada eficaz, arrancou a cabeça do senhor Sousa.
  • 8. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar 3ª SEMANA – 21 a 25 de outubro de 2019 5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula da manhã, todos os dias. TEXTO 11/ SEGUNDA-FEIRA, 21 de outubro de 2019 Mário-Henrique Leiria (1923-1980), Contos do Gin-Tonic (1973) A VIAGEM, ENFIM Isto de ter sempre o mesmo sonho todas as noites torna-se aborrecido. Era assim: saía de casa, ia até ao carro e dizia à família «vamos lá fazer essa viagem». Primeiro entravam a mulher e as duas crianças, depois os pais, ele instalava-se ao volante e pronto, não havia lugar para os sogros! Era sempre a mesma coisa. Por mais que empurrassem, não conseguiam metê-los lá dentro. Acordava a suar, empurrando ainda qualquer coisa que não estava lá. A mulher aconselhou-lhe uns calmantes, para ver se o sonho se ia. Mas nada. Lá vinha sempre, todas as noites. É verdade que empurrava menos, talvez os calmantes, mas continuava naquele desespero de não conseguir enfiar os sogros no carro alucinante. Os sogros disseram-lhe que não se interessavam em ir, não faziam questão, já estavam velhos para viagens. Os pais prontificaram-se a ceder os lugares deles. Toda a família colaborava, mas o sonho continuava. Chegou a fazer experiências, a meter a família completa no velho Citroën arrastadeira. E conseguia, lá se metiam todos, mais ou menos apertados mas entravam. Mas no sonho não. A coisa tornava-se desesperante. - Porque é que não vais ao Mora? Ele é psicanalista, explica-te, tira-te isso – insistia a mulher, já arreliada, e preocupada também, com aquelas viagens nocturnas e frustradas em que ele se envolvia sem culpa. O Mora era amigo de infância, nem sequer permitia que ele pagasse, era extraordinário! Às vezes até ia lá jantar. E respondeu à mulher: - Tens razão, Xuxa, vou mesmo, que isto assim não pode ser. Tens sempre razão menina. Contou tudo. O Mora mandou-lhe contar mais, o passado continua sempre oculto, ao que disse. Deitado, contou-lhe o que ele precisava era de derivar, sabem, encontrar qualquer coisa além do carro e da viagem que não fazia em sonhos. Derivar. Substituir o carro. Agradeceu e convidou o Mora para jantar no sábado. O Mora não podia e deu-lhe uma palmada nas costas. Chegou a casa aliviado e esclareceu a Xuxa: - Vou derivar, menina. - Derivar? Sim, substituir o carro e tudo o mais, excepto tu, as crianças, os velhos e a casa. (...) À noite não sonhou. No dia seguinte a Xuxa disse-lhe que até parecia dez anos antes. Tudo voltou à normalidade, os sogros deixaram de se preocupar com a viagem, as crianças entusiasmaram-se com os estoiros da moto. E o carro na garagem. E, de repente, tornou a sonhar. O sonho.
  • 9. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar Assim: saiu de casa, foi até ao carro e disse à família «vamos lá fazer essa viagem». A mulher e as crianças entraram, depois os pais, e ele instalou-se ao volante. E não havia lugar para os sogros! Começaram a empurrar para os meter lá dentro, e nada. Então virou-se para a garagem. Estava um pouco diferente mas a moto continuava lá dentro. Deixou tudo, montou a moto, pôs o chapéu de palha e avançou pela estrada. Uma estrada larga, muito aberta a tudo. Pareceu-lhe já a ter visto alguma vez. Olhou para trás e lá ao longe, à porta da casa, continuavam a empurrar-lhe os sogros. Acenou uma despedida, acelerou e continuou, olhando árvores e nuvens. Ainda não voltou. TEXTO 12/TERÇA-FEIRA, 22 de outubro de 2019 Fernando Pessoa (1888-1935), POEMAS DE ALBERTO CAEIRO Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, Não há nada mais simples. Tem só duas datas—a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra coisa todos os dias são meus. Sou fácil de definir. Vi como um danado. Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma. Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei. Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver. Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras; Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento. Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais. Um dia deu-me o sono como a qualquer criança. Fechei os olhos e dormi. Além disso, fui o único poeta da Natureza. 8-11-1915 “Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). 1ª publ. in “Poemas Inconjuntos”. In Athena, nº 5. Lisboa: Fev. 1925. TEXTO 13/QUARTA-FEIRA, 23 de outubro de 2019 Fábula de La Fontaine, traduzida por Bocage A RAPOSA E AS UVAS— Contam que certa raposa, Andando muito esfaimada, Viu roxos, maduros cachos Pendentes de alta latada. —– De bom grado os trincaria,
  • 10. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar Mas sem lhes poder chegar, Disse: “Estão verdes, não prestam, Só os cães os podem tragar!” —– Eis cai uma parra, quando Prosseguia seu caminho, E, crendo que era algum bago, Volta depressa o focinho. TEXTO 15/SEXTA-FEIRA, 25 de outubro de 2019 Fernando Pessoa (1888-1935), Mensagem (1934) MAR PORTUGUÊS Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. 4ª SEMANA – 28 a 31 de outubro de 2019 5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula da manhã, todos os dias. TEXTO 11/ SEGUNDA-FEIRA (28 outubro 2019) SEMANA DA PREGUIÇOSA Na segunda me deito Na terça me levanto Na quarta é dia santo Na quinta vou à feira Na sexta venho da feira Sábado vou-me confessar No domingo comungar Diga-me lá, ó comadre, Quando hei de trabalhar? Popular
  • 11. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar TEXTO 12/ TERÇA-FEIRA (29 outubro 2019) SER POETA... São assim os poetas: Dão no pino do Inverno Versos da Primavera. A razão? Talvez seja Que neles o coração Mesmo velho viceja. Miguel Torga TEXTO 13/ QUARTA-FEIRA (30 outubro 2019) UM MUNDO DIVERTIDO Anda-se para aí a dizer constantemente que este mundo está cada vez mais perigoso. É verdade. Mas olhem que também está cada vez mais divertido. Uma notícia cai diante dos meus olhos e, apesar de me encontrar num lugar público e junto de muita gente, não consigo deixar de rir à gargalhada. A notícia informa-me que o prefeito de Brasília acaba de assinar um decreto em que proíbe o uso do gerúndio nos documentos oficiais. A partir de agora, minha gente, nada de «tá andando», «tá-se fazendo», «tou chegando» ou dessa moleza que se calhar o clima do planalto propicia. A partir de agora, minha gente, é no duro mesmo: «anda-se», «faz-se», «cheguei», etc. Até porque lazeira tem hora, né? E como eu (que ainda há poucos dias de lá voltei) entendo o prefeito de Brasília!... Não é preciso lá estar muito tempo para se perceber que aquela terra vive toda em ritmo de gerúndio. Vai-se andando, vai-se marcando o que é preciso, vai-se chegando quando se chegar, vai-se fazendo pela vida. E quando alguém de fora tenta impor um andamento diferente, explicam-nos, naquela voz irresistivelmente doce, que não vale a pena a gente correr «no final dá tudo certo, e, se não der certo, é porque ainda não é o final»... Alice Vieira, O que se Leva desta Vida, Casa das Letras, 2011 (adaptado) TEXTO 14/ QUINTA-FEIRA (31 outubro 2019) NOTÍCIA Animal deve ter saído do rio Mondego Lontra capturada dentro de uma agência bancária na Figueira da Foz A lontra tentou refugiar-se sob o capô de um carro mas acabou por fugir para dentro da agência. A operação de resgate foi difícil mas só deixou marcas nas patas do animal... O alerta foi dado à PSP por volta das 9h, por um comerciante. «A lontra entrou para a zona do motor de um carro, num local não acessível», disse o subcomissário Santos, da PSP da Figueira da Foz. O animal, uma lontra comum macho juvenil, estava na zona da Praça General Freire de Andrade (Praça Velha), na baixa da cidade, a poucas centenas de metros do rio Mondego. A captura envolveu o Centro de Recuperação de Animais Marinhos (Quiaios), a Polícia Marítima, a PSP e os bombeiros locais, que montaram uma verdadeira «caça à lontra» durante 20 minutos. Munidos de redes
  • 12. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar tentaram capturá-la uma e outra vez, sem sucesso. «Como é um animal muito esguio e com muita mobilidade conseguiu escapar», diz Marisa Ferreira, coordenadora do centro. O animal começou por se refugiar dentro de um carro, fugiu para outro, e acabou por entrar numa agência da Caixa Geral de Depósitos, onde foi finalmente capturado. […] «Foi uma manhã bem passada para alguns figueirenses», com muitos curiosos a assistir à tentativa de captura, diz o subcomissário Santos. O trânsito esteve cortado durante alguns minutos, para prevenir um eventual acidente. Público online 23.05.2012 – 18:29 (consultado em 28 setembro 2019) 5ª SEMANA – 4 a 8 de novembro de 2019 5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula da manhã, todos os dias. TEXTO 15/ SEGUNDA-FEIRA (4 novembro 2019) UM CONTRA O OUTRO Anda, desliga o cabo Que liga a vida a esse jogo, Joga comigo um jogo novo, Com duas vidas, um contra o outro. Já não basta, esta luta contra o tempo, este tempo que perdemos, a tentar vencer alguém. Ao fim ao cabo, o que é dado como um ganho, vai-se a ver desperdiçamos, sem nada dar a ninguém. […] Sai de casa e vem comigo para a rua, vem, q' essa vida que tens, por mais vidas que tu ganhes, é a tua que, mais perde se não vens. […] Sai de casa e vem comigo para a rua, vem, q'essa vida que tens, por mais vidas que tu ganhes, é a tua que mais perde se não vens. Texto de Pedro da Silva Martins TEXTO 16/ TERÇA-FEIRA (5 novembro 2019) ENQUANTO A LUZ FALTOU Alfredo Zimke estava reformado. Há muito tempo que esperava com impaciência que a televisão transmitisse o filme policial que fora anunciado e que tinha por título Um Estranho a Bordo. Ficou muito desiludido quando, às 20 horas e 28 minutos, a locutora anunciou com um simpático sorriso que o filme seria transmitido duas horas mais tarde por causa de um programa de atualidades desportivas. Furioso, desligou a televisão e foi para a cama resmungando. Nem percebeu que dois minutos mais tarde faltou a luz. Isto aconteceu no dia 29 de outubro de 1969.
  • 13. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar A luz não faltou só em casa de Alfred Zimke. Das 20 horas e 30 às 21 horas e 58 todo o bairro de Oberburg ficou às escuras. Apesar de uma intensa pesquisa, os especialistas da Companhia de Eletricidade demoraram uma hora para encontrarem a causa da falta de corrente. Ficaram muito admirados porque parecia evidente que a interrupção tinha sido provocada propositadamente. A ligação principal tinha sido cortada por mãos muito habilidosas Quase ao mesmo tempo em que foi feita esta descoberta, a polícia recebeu a notícia que duas ourivesarias tinham sido assaltadas de uma maneira que revelava bastante esperteza Não restavam dúvidas de que os acontecimentos se relacionavam Pouco depois da meia-noite os funcionários da polícia já tinham examinado os rastos e chegado à conclusão de que o autor dos dois roubos só podia ser Jacob Tischlinsky, um superladrão que, por sinal, até morava naquele mesmo bairro. Mas o novo dia começara e já dois funcionários da polícia tiravam Tischlinsky da cama para o prender. E exultaram quando ele jurou que, precisamente àquela hora, tinha estado a ver um filme policial na televisão. Era até capaz de contar o conteúdo do filme. Os funcionários objetaram que entre as 20 horas e 30 e as 21 horas e 58 tinha faltado a luz e que, por isso, era impossível alguém ter estado a ver televisão a essa hora. Tischlinsky fez um gesto de desprezo: - Estão a seguir uma pista errada, meus senhores. Jacob Tischlinsky não precisa de luz para ver televisão. Jacob Tischlinsky tem uma televisão a pilhas. Examinado o aparelho de televisão chegou-se à conclusão que as suas afirmações eram verdadeiras. Mas, apesar de não se terem encontrado impressões digitais no lugar do delito e não se terem achado os objetos roubados na sua casa, Tischlinsky ficou preso. Por causa de um único pormenor. Wolfgang Ecke, O Homem Vestido de Negro, Ed. Verbo (“Enquanto a Luz Faltou" é um conto policial. Se o escutares com muita atenção, serás, certamente, capaz de descobrir o erro que permitiu aos polícias descobrir o culpado do caso que foram chamados a investigar.) TEXTO 17/ Quarta-feira (6 novembro 2019) Contigo em contradição Pode estar um grande amigo. Duvida mais dos que estão Sempre de acordo contigo. Entre leigos e letrados Fala só de quando em quando. Que nós às vezes calados Dizemos mais que falando. Para não fazeres ofensas E teres dias felizes, Não digas tudo o que pensas,
  • 14. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar Mas pensa tudo o que dizes. ANTÓNIO ALEIXO, Este Livro Que Vos Deixo TEXTO 18/ Quinta-feira (7 novembro 2019) ANDAR DE CAVALO A VER A FLOR O senhor Hua Han tinha um amigo chamado Gui Liang, que era coxo. Como Hua Han era um bom casamenteiro, o amigo pediu-lhe o favor de procurar uma rapariga jeitosa, pois queria casar. Por coincidência, Ye Qing, uma menina de nariz muito torto, falou também com Hua Han para lhe encontrar um noivo. Hua Han pensou: "Se conseguisse fazer o casamento entre estes dois, seria ideal.” Então o casamenteiro pediu a Gui Liang que passasse por casa de Ye Qing, mas a cavalo. E pediu a Ye Qing que, quando o pretendente aparecesse, pegasse numa flor, fingindo que estava a cheirá-la. Assim, ela apaixonou-se pelo garboso cavaleiro e ele ficou todo encantado com a bela e delicada menina que cheirava uma flor. Segundo os hábitos da época, o casamenteiro e as duas famílias começaram a tratar dos preparativos para a grande festa e os noivos só se voltaram a encontrar no dia do casamento. Quando se viram sem disfarces, ambos perceberam por que razão um andava a cavalo e a outra cheirava a flor. Contos da Terra do Dragão, rec., adapt. e trad. de Wang Suoying e Ana Cristina Alves, Ed. Caminho, 2000 TEXTO 19/ Sexta-feira (8 novembro 2019) O VAGABUNDO NA ESPLANADA O vagabundo, de mãos nos bolsos das calças, vinha, despreocupadamente, avenida abaixo. [...] Junto dos Restauradores, a esplanada atraiu-lhe a atenção. De cabeça inclinada para trás, pálpebras baixas, catou pelos bolsos umas tantas moedas, que pôs na palma da mão. Com o dedo esticado, separou-as, contando-as conscienciosamente. Aguardou o sinal de passagem, e saiu da sombra dos prédios para o Sol da tarde quente de Verão. A meio da esplanada havia uma mesa livre. Com o à-vontade de um frequentador habitual, o homem sentou-se. [...] Mas o fato e os modos da sua chegada haviam despertado nos ocupantes da esplanada, mulheres e homens, uma turbulência de expressões desaprovadoras. Ao desassossego de semelhante atrevimento sucedera a indignação. [...] Um rapaz aproximou-se. Casaco branco, bandeja sob o braço, muito senhor do seu dever. Mas, ao reparar no rosto do homem, tartamudeou: – Não pode... E calou-se. O homem olhava-o com atenta benevolência. – Disse? – É reservado o direito de admissão – tornou o rapaz, hesitando. – Está além escrito.
  • 15. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar Depois de ler o dístico, o homem, com a placidez de quem, por mera distração, se dispõe a aprender mais um dos confusos costumes da cidade, perguntou: – Que direito vem a ser esse? – Bem... – volveu o empregado. – A gerência não admite... Não podem vir aqui certas pessoas. – E é a mim que vem dizer isso? O homem estava deveras surpreendido. Encolhendo os ombros, como quem se presta a um sacrifício, deu uma mirada pelas caras dos circunstantes. O azul-claro dos olhos embaciou-se-lhe. – Talvez que a gerência tenha razão – concluiu ele, em tom baixo e magoado. – Aqui para nós, também me não parecem lá grande coisa. O empregado nem podia falar. Conciliador, já a preparar-se para continuar a leitura do jornal, o homem colocou as moedas sobre a mesa, e pediu, delicadamente: – Traga-me uma cerveja fresca, se faz favor. E diga à gerência que os deixe ficar. Por mim, não me importo. Manuel da Fonseca, «O Vagabundo na Esplanada», Tempo de Solidão, 6ª SEMANA – 11 a 15 de novembro de 2019 5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula da manhã, todos os dias. TEXTO 20/ Segunda-feira (11 novembro 2019) Ó minha menina loura, Ó minha loura menina, Dize a quem te vê agora Que já foste pequenina... Levas uma rosa ao peito E tens um andar que é teu... Antes tivesses o jeito De amar alguém, que sou eu. Tens um livro que não lês, Tens uma flor que desfolhas; Tens um coração aos pés E para ele não olhas. Fernando Pessoa, Quadras ao Gosto Popular TEXTO 21/ Terça-feira (12 novembro 2019) NESSE TEMPO Certa manhã acordei sozinho em casa. Acordei a chorar. − Ó mãe, mãe...
  • 16. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar Mas a mãe não vinha. Não havia mãe. Havia só a porta fechada. − Ó mãe, mãe... E a casa deserta. Pelas frinchas largas da porta via a manhã lá fora. Era uma manhã de sol quente, talvez de julho, talvez de agosto. Devia haver medas de palha na eira em frente. Mas os meus olhos mal viam, estavam rasos de água e de angústia. − Ó mãe, mãe... E de repente, na manhã clara, começaram a cair estrelas pequeninas, estrelas verdes, vermelhas, estrelas de oiro. As lágrimas caíam-me pela cara. − Ó mãe, mãe... O nariz esmagado contra a porta, os olhos muito abertos, vendo através das frinchas as estrelas caindo, umas atrás das outras. − Ó mãe, mãe... E ninguém me abriu a porta para apanhar as estrelas. Nem mesmo tu, mãe, que a essas horas andavas a ganhar o pão para a boca daquele que hoje te oferece estes versos. Eugénio de Andrade, Os amantes sem dinheiro TEXTO 22/ Quarta-feira (13 novembro 2019) ESCADA SEM CORRIMÃO É uma escada em caracol e que não tem corrimão. Vai a caminho do Sol mas nunca passa do chão. Os degraus, quanto mais altos, mais estragados estão. Nem sustos nem sobressaltos servem sequer de lição. Quem tem medo não a sobe. Quem tem sonhos também não. Há quem chegue a deitar fora o lastro do coração. Sobe-se numa corrida. Correm-se p’rigos em vão. Adivinhaste: é a vida a escada sem corrimão. David Mourão-Ferreira, Antologia Poética [1948-1983], Lisboa, Dom Quixote, 1983 TEXTO 23/ Quinta-feira (14 novembro 2019) CONTO TRADICIONAL Um pobre homem estava a trabalhar no mato, a cortar lenha para ir vender pela vila e assim sustentar mulher e filhos. De repente viu ao pé de si dois sujeitos, bem vestidos, que lhe disseram:
  • 17. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar - Nós somos a Fortuna [sorte] e a Riqueza. Vimos-te ajudar. Cada um queria acudir de preferência ao pobre homem, e altercavam entre si. Dizia a Riqueza: - Eu só por mim o faço feliz; sendo rico ele tem tudo. - Pois mesmo sem ser rico, eu dando-lhe fortuna, faço-lhe maior benefício. Senão experimentemos. A Riqueza virou-se para o pobre homem e disse: - Toma lá este cruzado novo; amanhã compra carne, pão e não trabalhes nesse dia. O homem foi-se embora contentíssimo para casa; no outro dia foi ao açougue. Deu ao magarefe o dinheiro adiantado, mas como estava um grande barulho de gente no açougue, o carniceiro negou que lhe tivesse dado o dinheiro, e o pobre homem resignou-se e foi outra vez trabalhar para o mato. A Riqueza tornou a chegar ao pé dele e quando soube de que lhe servira o cruzado novo, ficou zangada e deu-lhe uma bolsa cheia de dobrões. O homem voltou para casa; mas como a bolsa era de marroquim vermelho, uma ave de rapina caiu de repente sobre ele e arrebatou nas garras o saco, e voou. O homem contou a sua tristeza à mulher, e no outro dia foi trabalhar para o mato. […] Quando a Riqueza não esperava tomar mais a encontrar o homem no mato, foi ao sítio costumado com a Fortuna, e qual não foi o seu pasmo quando viu o pobre do homem a trabalhar como dantes. Disse então a Fortuna: - Agora é a minha vez de o fazer feliz; vou-lhe dar apenas um vintém. Olhe lá, ó homem, tome esse vintém, e assim que chegar à vila compre a primeira coisa que lhe aparecer. O homem em caminho para casa encontrou quem lhe ofereceu uma vara de andar à azeitona pelo preço de um vintém, e comprou-a. No outro dia, foi para a apanha, e quando ia varejar uma oliveira, caiu-lhe de um galho uma bolsa de marroquim cheia de dobrões. Agarrou nela e levou-a para casa, contou à mulher donde suspeitava que lhe vinha aquele tesouro. […] A Riqueza e a Fortuna foram ao sítio onde o homem costumava cortar lenha e esperaram por ele bastante tempo. Por fim a Fortuna declarou-se vencedora, dizendo: - Que te dizia eu? Não é com muito dinheiro que se é feliz. (Algarve) Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, vol.1, Publ. Dom Quixote TEXTO 24/ Sexta-feira (15 novembro 2019) QUÁSI 1 5 10 Um pouco mais de sol – eu era brasa, Um pouco mais de azul – eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d’asa... Se ao menos eu permanecesse aquém... Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído Num baixo mar enganador d’espuma; E o grande sonho despertado em bruma, O grande sonho – ó dor! – quási vivido... Quási o amor, quási o triunfo e a chama, Quási o princípio e o fim – quási a expansão... Mas na minh’alma tudo se derrama... Entanto nada foi só ilusão!
  • 18. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar 15 20 De tudo houve um começo ... e tudo errou... – Ai a dor de ser-quási, dor sem fim... – Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, Asa que se elançou mas não voou... […] ................................................................... ................................................................... Um pouco mais de sol – e fora brasa, Um pouco mais de azul – e fora além. Para atingir, faltou-me um golpe d’asa... Se ao menos eu permanecesse aquém... Paris 1913 – maio 13. Mário de Sá-Carneiro, Verso e Prosa, edição de Fernando Cabral Martins, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010 7ª SEMANA – 18 a 22 de novembro de 2019 5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula da manhã, todos os dias. TEXTO 25/ Segunda-feira (18 novembro 2019) Qual dos sacos matou o burro? Um almocreve1 tinha que transportar cem sacos de lã. Ele colocou-os, um por um, em cima do burro. Ainda os sacos estavam por amarrar e já o burro caía por terra, por não poder suportar tanto peso. O homem desancou no animal para que se levantasse. Porém, ele não se levantou e acabou por morrer. A mulher do almocreve queixou-se: - Puseste tanto peso no burro que o mataste. O almocreve ficou furioso ao ouvir estas palavras e retorquiu impaciente: - Cada saco pesa apenas dois quilos e meio. Como os coloquei um por um no animal, qual o terá morto? Contos da Terra do Dragão, rec., adapt. e trad. de Wang Suoying e Ana Cristina Alves, Ed. Caminho, 2000 (adaptado _______________ Glossário: 1. Almocreve: indivíduo que utiliza animais para transportar mercadorias. TEXTO 26/ Terça-feira (19 novembro 2019) Todo o doente que entrasse no hospital era obrigado a um banho prévio, em corpo inteiro [...]. Tratava-se de uma medida sábia contra a invasão de parasitas. Certo dia, chegou ali um homem rude, dos seus cinquenta anos, com as rugas da nuca e da face preenchidas por décadas de sujidade. [...] Dei-lhe uma palmada nas costas, para o dispor bem, e disse: – Pode ficar internado, sim senhor. Vai tomar um banho, despir esse fato e entra já hoje para a enfermaria.
  • 19. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar – Banho, Sr. Doutor? – Banho, pois... É o costume. […] Então o senhor não toma banho em sua casa? – Tomei, sim senhor, antes das sortes e antes do meu casamento. A gente não vai chapinhar na água toda a vez que se lembre. Está um homem sujeito a apanhar um catarral ou um resfriamento. […] Dois dias depois coube-me a vez de prestar serviço na enfermaria dos homens. Numa das camas, o doente tinha a roupa arrepiada para a cabeça, como se tivesse frio. Peguei no dossier e perguntei ao enfermeiro: – Quem é este homem? As mãos do doente afastaram os lençóis com brusquidão. E, de olhos injetados, vermelhos de febre e rancor, disse numa voz rouquejada, mal se percebendo as palavras: – Sou eu, Sr. Doutor! Tenho um catarral e é por sua culpa. Eu bem lhe disse que não se brinca com a água. Fernando Namora, «História de uma Pneumonia», Retalhos da Vida de um Médico, 14.ª ed., Lisboa, Bertrand, 1975 TEXTO 27/ Quarta-feira (20 novembro 2019) POEMA DA MALTA DAS NAUS Lancei ao mar um madeiro, espetei-lhe um pau e um lençol. Com palpite marinheiro medi a altura do Sol. Deu-me o vento de feição, levou-me ao cabo do mundo, pelote de vagabundo, rebotalho de gibão. Dormi no dorso das vagas, pasmei na orla das praias, arreneguei, roguei pragas, mordi peloiros e zagaias. Chamusquei o pelo hirsuto, tive o corpo de chagas vivas, estalaram-me as gengivas, apodreci de escorbuto. […] Moldei as chaves do mundo A que os outros chamaram seu, mas quem mergulhou no fundo do sonho, esse, fui eu. O meu sabor é diferente Provo-me e saibo-me a sal.
  • 20. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar Não se nasce impunemente Nas praias de Portugal. ANTÓNIO GEDEÃO, Poemas Escolhidos TEXTO 28/ Quinta-feira (21 novembro 2019) DIÁRIO 15 de julho de 1993 À entrada do auditório, umas mocinhas da Universidade encarregam-se da venda dos livros de Torrente. Escolho uma meia dúzia deles e fico à espera de que me façam as contas e digam quanto tenho de pagar. Seis livros, seis parcelas de uma soma simples, nenhuma delas com mais de quatro dígitos. A primeira tentativa falhou, a segunda não foi melhor. Eu olhava, assombrado, o modo como a rapariga ia somando, dizia sete mais seis, treze, e vai um, escrevia 3 na soma, 1 ao lado, e prosseguia, adicionando por escrito os que iam aos que estavam, como, nos velhos tempos, um estudante da primeira classe antes de aprender a usar a memória. Uma colega explicou- me com um sorriso meio envergonhado: «É que falta a máquina.» Diante daquela florida e ignorante juventude, senti-me de súbito, infinitamente sábio em aritméticas: pedi o papel e o lápis, e, com um ar de triunfo condescendente, rematei a soma num instante, mentalmente. As pobres pequenas ficaram esmagadas, confusas, como se, tendo-lhes faltado os fósforos no meio da selva, lhes tivesse aparecido um selvagem com dois pauzinhos secos e a arte de fazer lume sem calculadora. José Saramago, Cadernos de Lanzarote, Diário I, Porto Editora, 2011 TEXTO 29/ Sexta-feira (22 novembro 2019) Quem a tem... Não hei de morrer sem saber qual a cor da liberdade. Eu não posso senão ser desta terra em que nasci. Embora ao mundo pertença e sempre a verdade vença, qual será ser livre aqui, não hei de morrer sem saber. Trocaram tudo em maldade, é quase um crime viver. Mas embora escondam tudo e me queiram cego e mudo,
  • 21. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar não hei de morrer sem saber qual a cor da liberdade. 9 de dezembro de 1956 Jorge de Sena, Fidelidade, in Poesia II, Lisboa, Moraes Editores, 1978. 8ª SEMANA – 25 a 29 de novembro de 2019 5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula da manhã, todos os dias. TEXTO 30/ Segunda-feira (25 novembro 2019) Os Amigos nunca são para as ocasiões Os amigos nunca são para as ocasiões. São para sempre. A ideia utilitária da amizade, como entreajuda, pronto-socorro mútuo, troca de favores, depósito de confiança, sociedade de desabafos, mete nojo. A amizade é puro prazer. Não se pode contaminar com favores e ajudas, leia-se dívidas. Pede-se, dá-se, recebe-se, esquece-se e não se fala mais nisso. A decadência da amizade entre nós deve-se à instrumentalização que tem vindo a sofrer. Transformou-se numa espécie de maçonaria, uma central de cunhas, palavrinhas, cumplicidades e compadrios. É por isso que as amizades se fazem e desfazem como se fossem laços políticos ou comerciais. […] A glória da amizade é ser apenas presente. É por isso que dura para sempre; porque não contém expectativas nem planos nem ansiedade. Miguel Esteves Cardoso, in 'Explicações de Português' TEXTO 31/ Terça-feira (26 novembro 2019) «Teatro» designou inicialmente o lugar de onde o público via, na Grécia, as representações dramáticas, e também o próprio público; mais tarde, o seu significado estendeu-se a todo o espaço destinado à cerimónia teatral; por fim, incluiu a própria literatura dramática, isto é, as obras literárias destinadas a serem representadas num teatro. Hoje, a palavra «teatro» engloba praticamente tudo o que se relaciona com a vida das pessoas que se ocupam da produção do espetáculo teatral: formação, profissão, arte e técnica do dramaturgo, do ator, do encenador, do cenógrafo, do aderecista, do figurinista, etc. Por extensão, «teatro» designa ainda um local onde decorrem acontecimentos importantes (diz-se, por exemplo, «o teatro das operações» a respeito do Iugar onde decorrem manobras militares). A hipocrisia de certas pessoas e certos procedimentos mistificadores da realidade também se dizem «teatro». Eduíno de Jesus e A. M. Couto Viana, «Teatro», in Enciclopédia Luso-Brasileira, Edição Século XXI, Lisboa/São Paulo, Editorial Verbo, 2003 (adaptado)
  • 22. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar TEXTO 32/ Quarta-feira (27 novembro 2019) NÃO POSSO ADIAR O AMOR Não posso adiar o amor para outro século não posso ainda que o grito sufoque na garganta ainda que o ódio estale e crepite e arda sob montanhas cinzentas e montanhas cinzentas Não, não posso adiar este abraço que é uma arma de dois gumes amor e ódio Não posso adiar ainda que a noite pese séculos sobre as costas e a aurora indecisa demore, não posso adiar para outro século minha vida nem o meu amor nem o meu grito de libertação Não posso adiar o coração António Ramos Rosa, O Grito Claro, 1958. TEXTO 33/ Quinta-feira (28 novembro 2019) INOCÊNCIO Decididamente o meu amigo Inocêncio, como seu espírito fraco e facilmente influenciável por tudo e por todos, há de acabar mal. Aqui há tempos cheguei a julgá-lo completamente perdido. Ora imaginem para o que lhe deu: sentindo-se ligeiramente indisposto, foi, a conselho da sua esposa e pela primeira vez na sua vida, consultar um médico: -Todo o seu mal deriva do pâncreas. - De quem, doutor? - inquiriu alarmado o Inocêncio. - Mas se nem sequer o conheço! E de resto não vejo que motivos esse cavalheiro possa ter para me perseguir dessa maneira.
  • 23. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar Então o médico apresentou pacientemente o pâncreas ao Inocêncio; explicou o melhor que pôde a sua função no organismo e acabou por receitar. Inocêncio, sobressaltado com o imprevisto desarranjo daquele órgão tão importante de cuja existência nunca tinha suspeitado, agarrou sofregamente na receita e enfiou como um furacão pela primeira farmácia que encontrou. A mulher, assim que o viu, quis saber o que ele tinha, qual a opinião do médico. - É o pâncreas! - disse o Inocêncio tristemente. - Mas o que disse ele? - tornou a esposa numa ansiedade. - Diz que é o pâncreas... - murmurou novamente o Inocêncio, acabrunhado. - Mas o que te disse o Pâncreas? O que receitou esse tal médico? - volveu a pobre senhora, excitada já pela curiosidade insatisfeita. - Ó filha, o pâncreas é um órgão! - emendou superiormente o Inocêncio. - Um órgão! - Sim, o órgão que eu aqui tenho estragado. - O quê?! - gemeu aflita D. Celeste. - Tu tens um órgão aí dentro! Valha-me Deus! Mas como engoliste tu uma coisa dessas? Inocêncio elucidou, então, a esposa; transmitiu-lhe, já com ar catedrático, as informações e os ensinamentos que o médico lhe fornecera e o remédio que lhe receitara. A pobre senhora, mais tranquila, começou então dispondo as coisas para tratar Inocêncio; e por sua vontade, ele teria ingerido logo todo o remédio que trouxera. AUGUSTO CUNHA, «Um caso de drogomania», Mais Um TEXTO 34/ Sexta-feira (29 novembro 2019) Todo o tempo é de poesia. Desde a névoa da manhã à névoa do outro dia. Desde a quentura do ventre à frigidez da agonia. Todo o tempo é de poesia. Entre as bombas que deflagram. Corolas que se desdobram. Corpos que em sangue soçobram. Vidas que a amar se consagram. Sob a cúpula sombria das mãos que pedem vingança. Sob o arco da aliança da celeste alegoria. Todo o tempo é de poesia. Desde a arrumação do caos à confusão da harmonia. António Gedeão
  • 24. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar 9ª SEMANA – 2 a 6 de dezembro de 2019 5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula da manhã, todos os dias. TEXTO 35/ Segunda-feira (2 dezembro 2019) O POTE DE BARRO E O POTE DE FERRO O Pote de Ferro um dia convidou O Pote de Barro para viajar. Porém, este se escusou Dizendo ter só vantagem Em ficar junto à lareira, Pois só lhe faltava pouco E de bem frágil maneira Para em cacos se quebrar E em cacos ficar no chão. Diz ele: – Tu tens a pele Muito mais dura que a minha. Não tens nada que temer. – Mas eu vou-te proteger! – Responde o Pote de Ferro. – Se qualquer matéria dura Te ameaçar porventura, Entre os dois eu ficarei, Do perigo te salvarei. Esta oferta o convenceu. O amigo Pote de Ferro Logo se pôs ao seu lado. Lá vão eles a três pés, Avançando, ao pé-coxinho, Um contra o outro chocando Nos ressaltos do caminho. O Pote de Barro nem cem passos deu, Pelo seu companheiro foi quebrado Sem ter sabido como aconteceu. Associações, só com nossos iguais, Para um dia não termos de sofrer Destinos desiguais. La Fontaine, Fábulas, trad. e adapt. de Maria Alberta Menéres, 4.ª ed., ASA, 2001 TEXTO 36/ Terça-feira (3 dezembro 2019) AS MÃOS Com mãos se faz a paz se faz a guerra. Com mãos tudo se faz e se desfaz. Com mãos se faz o poema – e são de terra. Com mãos se faz a guerra – e são a paz. Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra. Não são de pedras estas casas, mas de mãos. E estão no fruto e na palavra as mãos que são o canto e são as armas. E cravam-se no tempo como farpas as mãos que vês nas coisas transformadas. Folhas que vão no vento: verdes harpas. De mãos é cada flor, cada cidade. Ninguém pode vencer estas espadas: nas tuas mãos começa a liberdade. Manuel Alegre, O Canto e as Armas, Lisboa, Pub. Dom Quixote, 2017.
  • 25. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar TEXTO 37/ Quarta-feira (4 dezembro 2019) Contei noutro lugar como e porquê me chamo Saramago. Que esse Saramago não era um apelido do lado paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Que indo o meu pai a declarar no Registo Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o funcionário (chamava-se ele Silvino) estava bêbado (por despeito, disso o acusaria sempre meu pai), e que, sob os efeitos do álcool e sem que ninguém se tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu, por sua conta e risco, acrescentar Saramago ao lacónico José de Sousa que meu pai pretendia que eu fosse. E que, desta maneira, finalmente, graças a uma intervenção por todas as mostras divina, refiro-me, claro está, a Baco, deus do vinho e daqueles que se excedem a bebê-lo, não precisei de inventar um pseudónimo para, futuro havendo, assinar os meus livros. (...) Mas o pior de tudo foi quando, chamando-se ele [o pai] unicamente José de Sousa, como ver se podia nos seus papéis, a Lei, severa, desconfiada, quis saber por que bulas tinha ele então um filho cujo nome completo era José de Sousa Saramago. Assim intimado, e para que tudo ficasse no próprio, no são e no honesto, meu pai não teve outro remédio que proceder a uma nova inscrição do seu nome, passando a chamar-se, ele também, José de Sousa Saramago. Suponho que deverá ter sido este o único caso, na história da humanidade, em que foi o filho a dar o nome ao pai. Não nos serviu de muito, nem a nós nem a ela, porque meu pai, firme nas suas antipatias, sempre quis e conseguiu que o tratassem unicamente por Sousa. José Saramago, As Pequenas Memórias, Porto Editora, 2014 TEXTO 38/ Quinta-feira (5 dezembro 2019) - Não é arvião. Diz-se: avião. O menino estranhou a emenda de sua mãe. Não mencionava ele uma criatura do ar? - Mãe: avioneta é a neta do avião? - Vamos para a sala de espera - ordenou a mãe. Sala de espera? O miúdo acreditava que todas as salas fossem iguais. Ela recomendou juízo. Aquilo era um aeroporto, lugar de respeito. A senhora apontou os passageiros, seus ares graves. Depois, o menino desenrolou-se do colo materno e foi à vidraça. Eu assistia a criança. […] - Arranja-te. Estamos quase a partir. - Então vou-me despedir do passaporteiro. A mãe corrigiu em dupla dose. Primeiro, não ia a nenhuma parte. Segundo, não chamava assim ao senhor dos passaportes. […] Saímos da sala para o avião. Chuviscava. O menino seguia os seus passos quando na lisura do alcatrão, ele viu o sapo. Encharcado, o bicho saltaritava. O menino parou, cuidando os perigos do batráquio. Na imensa incompreensão do asfalto, o bicho seria esmagado por cega e certeira roda. - Mãe, eu posso levar o sapo? A senhora estremeceu de horror. Olhou envergonhada, pedindo desculpas aos passantes. Então, começou a disputa. A senhora obrigava o braço do filho, os dois teimavam. Venceu a mãe. O menino, murchou como acento circunflexo, subiu as escadas, ocupou o seu lugar, ajeitou o cinto. Do meu assento eu podia ver a tristeza desembrulhando líquidas missangas no seu rosto. Fiz-lhe sinal, ele encarou-me de soslaio. Então, em
  • 26. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar seu rosto se acendeu a mais grata bandeira de felicidade. Porque do côncavo de minhas mãos espreitou o focinho do mais clandestino de todos os passageiros. Mia Couto, “Cronicando” in Ana Maria Matos e Maria Ofélia Medeiros, Novas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa - Moçambique, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998. TEXTO 39/ Sexta-feira (6 dezembro 2019) TROVAS a uma cativa com quem andava d’amores na Índia, chamada Bárbora Aquela cativa, que me tem cativo, porque nela vivo já não quer que viva. […] Presença serena que a tormenta amansa; nela enfim descansa toda a minha pena. Esta é a cativa que me tem cativo, e, pois nela vivo, é força que viva. Luís de Camões, Rimas, texto estabelecido e prefaciado por Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 2005, p. 89. 10ª SEMANA – 9 a 13 de dezembro de 2019 5’ a ler é uma iniciativa da BE com a colaboração do Clube de Leitura. São uns minutos a ler, na primeira aula da manhã, todos os dias. TEXTO 40/ Segunda-feira (9 dezembro 2019) O SORRISO Creio que foi o sorriso, o sorriso foi quem abriu a porta. Era um sorriso com muita luz lá dentro, apetecia
  • 27. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar entrar nele, tirar a roupa, ficar nu dentro daquele sorriso. Correr, navegar, morrer naquele sorriso. Eugénio de Andrade, Poesia, Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 2000, p. 441. TEXTO 41/ Terça-feira (10 dezembro 2019) O PINHEIRO DE NATAL Conta a história que na noite de Natal, junto ao presépio, se encontravam três árvores: Uma tamareira, uma oliveira e um pinheiro. As três árvores ao verem Jesus nascer, quiseram oferecer-lhe um presente. A oliveira foi a primeira a oferecer, dando ao menino Jesus as suas azeitonas. A tamareira, logo a seguir, ofereceu-lhe as suas doces tâmaras. Mas o pinheiro como não tinha nada para oferecer, ficou muito infeliz. As estrelas do céu, vendo a tristeza do pinheiro, que nada tinha para dar ao menino Jesus, decidiram descer e pousar sobre os seus galhos, iluminando e adornando o pinheiro que assim se ofereceu ao menino Jesus. Contos de Natal in http://natal.com.pt/contos-pinheiro-de-natal (consultado em 14 novembro 2019) TEXTO 42/ Quarta-feira (11 dezembro 2019) Chove. É dia de Natal. Lá para o Norte é melhor: Há a neve que faz mal E o frio que ainda é pior. E toda a gente é contente Porque é dia de o ficar. Chove no Natal presente. Antes isso que nevar. Pois apesar de ser esse O Natal da convenção, Quando o corpo me arrefece Tenho frio e Natal não. Deixo sentir a quem quadra E o Natal a quem o fez, Pois se vai mais uma quadra Sinto mais Natal nos pés. Não quero ser dos ingratos Mas, com este obscuro céu, Puseram-me nos sapatos Só o que a chuva me deu Fernando Pessoa (25-12-1930) Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, 2006, Porto Editora TEXTO 43/ Quinta-feira (12 dezembro 2019) ESPÍRITO DO NATAL Estava o Senhor Teotónio, que era rico, muito gordo e grande fumador de charutos, a carregar o carro com os presentes que passara a manhã a comprar para os filhos, para os sobrinhos e para as muitas pessoas com quem fazia negócios, quando se aproximou dele um homem pobre, idoso e magro, que prontamente obteve dele esta resposta: — Comigo não perca tempo porque não tenho dinheiro trocado, nem alimento falsos mendigos.
  • 28. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar — Mas eu não lhe pedi nada — respondeu o homem idoso serenamente, com um sorriso que desarmou o Senhor Teotónio e a sua bazófia de novo-rico. […] -Estou aqui, meu caro senhor, para tentar perceber o que as pessoas dão umas às outras no Natal. […] — Bem, se quer mesmo saber, eu digo-lhe. Quem tem posses como eu pode comprar uma loja inteira, deixando toda a gente feliz, a começar nos comerciantes e a acabar nas pessoas que vão receber os presentes. Quem é pobre como você fica a assistir. Percebeu a diferença? O homem magro e idoso refletiu uns instantes sobre a resposta seca e sarcástica do Senhor Teotónio e depois respondeu-lhe com uma nova pergunta: — Então e o espírito do Natal? — O que vem a ser isso do espírito do Natal? — quis saber, cheio de curiosidade, o Senhor Teotónio. — O espírito do Natal — respondeu o homem idoso e magro — é aquilo que nos vai na alma nesta altura do ano e que está muito para além dos presentes que damos. Para muitas pessoas, o melhor presente pode ser um telefonema, uma carícia ou um telefonema quando se está só. […] José Jorge Letria, A Árvore das Histórias de Natal, Porto, Ambar, 2006 TEXTO 44/ Sexta-feira (13 dezembro 2019) PEDRA FILOSOFAL Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso em serenos sobressaltos, como estes pinheiros altos que em verde e oiro se agitam, como estas aves que gritam em bebedeiras de azul. Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral, pináculo de catedral, contraponto, sinfonia, máscara grega, magia, que é retorta de alquimista, mapa do mundo distante, rosa-dos-ventos, Infante,
  • 29. 5’ a LER – Uma parceria do Clube de Leitura e da Biblioteca Escolar caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança, ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, passo de dança, Colombina e Arlequim, passarola voadora, pára-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, cisão do átomo, radar, ultra-som, televisão, desembarque em foguetão na superfície lunar. Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança. António Gedeão, Movimento Perpétuo, 1956 FELIZ NATAL! Votos da BE e do Clube de Leitura.