SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 51
Baixar para ler offline
Alfabetário da memória

Uma leitura dos quadros n’Os Cus de
 Judas de António Lobo Antunes.
“Chorou na noite de fim de ano de
 1970, porque dias depois tinha que
 partir para a guerra. Dessa
 experiência tirou os ensinamentos
 mais terríveis, mas também algumas
 das melhores coisas da sua vida: a
 descoberta     da   amizade  e   a
 aprendizagem da solidariedade.” (In,
 Conversas com António Lobo Antunes,María Luisa Blanco, Lisboa, Dom
 Quixote, 2002, p.47)
“É esquisito falar-lhe disto enquanto lhe
toco os seios, lhe percorro o ventre,
procuro com os dedos a junção húmida
das coxas onde realmente o mundo
começa(...)” (C.J.187)
L’origine du monde (Courbet)
“O restaurante do Jardim,(...) encontrava-
se ordinariamente repleto,(...), de grupos
excursionistas e de mães impacientes, que
afastavam com os garfos balões à deriva
como sorrisos distraídos, a arrastarem
pontas de guita atrás de si, tal as noivas
volantes de Chagall a bainha dos vestidos”
(C.J.10)
La mariée (Chagall)
“Por essa época, eu alimentava a
esperança insensata de rodopiar um dia
espirais graciosas em torno das hipérboles
majestáticas do professor preto, vestido de
botas brancas e calças cor-de-rosa,
deslizando no ruído de roldanas com que
sempre imaginei o voo difícil dos anjos de
Giotto, a espanejarem nos seus céus
bíblicos numa inocência de cordéis.” (C.J.13)
“Em Elvas, à ilharga de um aspirante
gordo e inseguro como um pudim flan na
borda de um prato, desejei evaporar-me
nas muralhas da cidade à maneira dos
violinistas de Chagall no azul espesso da
tela, batendo as desajeitadas asas de cotão
das minhas mangas militares...” (C.J.21)
O violinista verde (Chagall)
“...mais meia garrafa e cuidar-nos-íamos
Vermeer, tão hábeis como ele para
traduzir,    através      da simplicidade
doméstica de um gesto, a tocante e
inexprimível        amargura da     nossa
condição.” (C.J.32)
composição vários quadros de Vermeer
“...no meio de um círculo cubatas
aparentemente desertas, no silêncio carregado
de ruído que África tem quando se cala, e
dezenas de larvas informes principiavam a
surgir, manquejando, arrastando-se, trotando,
dos arbustos, das árvores, das palhotas, dos
contornos indecisos das sombras, larvas de
Bosch de todas as idades em cujos ombros se
agitavam, como penas, franjas de farrapos,
avançando para mim à maneira dos sapos
monstruosos dos pesadelos das crianças, a
estenderem os cotos ulcerados para os frascos
O juízo final (Bosch )
“Você, por exemplo, que oferece o
ar asséptico competente e sem caspa
das secretárias de administração,
era capaz de respirar dentro de um
quadro de Bosch, sufocada de
demónios, de lagartas, de gnomos
nascidos de cascas de ovo, de
gelatinosas órbitas assustadas?”
(C.J.62, 63)
O jardim das delícias (Bosch)
“...sob o olhar indiferente de mulheres de
dentes serrados em triângulo, acocoradas
na cama no alheamento de perfil de certos
retratos de Picasso, em cuja curva dos
lábios flutuam Guernicas desdenhosas.”
(C.J.49)
A mulher chorando ( Picasso)
A mulher chorando (Picasso)
“Talvez o tipo da mesa ao lado, que o
décimo Carvalho Ribeiro Ferreira inclina
dezassete graus para bombordo na rigidez
de andor de uma torre de Pisa de casaco
de veludo à beira de queda catastrófica,
seja Amadeo Modigliani a procurar no
fundo do cálice um rosto assassinado de
mulher,...” (C.J.53)
Jeanne Hébuterne com uma camisola amarela (Modigliani
“...de quando em quando             e by
appointment of Her Majesty the Queen, o
reflexo do génio, e sobre as nossas
cabeças ungidas tombam as línguas de
fogo de Johnny Espírito Santo Walker:
Utrillo, que amarrotava postais ilustrados
enquanto pintava...” (C.J.54)
Igreja de Blévy (Utrillo
“...Soutine, o dos meninos do
       coro e das casas
      torturadas...” (C.J.54)
O menino do coro (Soutin
“A sombra inchava volumes
 geométricos nos prédios vizinhos,
desenhada por um Soulages triste.”
               (C.J.55)
Composição (Soulages)
“O furriel enfermeiro, a quem a vista
do sangue enjoava, ficava à porta da
sala de operações improvisada, dobrado
como um canivete, a vomitar num
banco o feijão do almoço, e eu, tenso de
raiva, imaginava a satisfação da família
se lhe fosse dado observar, em conjunto
e de chapéu de aba larga como na
Lição de Anatomia de Rembrandt, o
médico competente e responsável que
desejavam que eu fosse,...” (C.J.55)
Lição de Anatomia (Rembrandt
“...ver os reformados do dominó na
  eterna postura dos jogadores de
 cartas de Cézanne, e sentir que se
    deixou irremediavelmente de
  pertencer a esse mundo nítido e
   directo onde as coisas possuem
     consistência de coisas, sem
subterfúgios nem subentendidos...”
               (C.J.62)
Jogadores de cartas (Cézanne
“Deve ter uma gravura de Vieira da
   Silva, na parede do quarto e o
retrato do cineasta sem talento, com
     quem mantém uma relação
    desiludida, à cabeceira, deve
  acordar de manhã com torpor de
     crisálida titubeante...” (C.J.68)
Perspectiva Paris (Vieira da Silva)
“...Olhos flutuando à deriva acima
  dos cognacs, olhos acusando os
próprios rostos defuntos, desertos e
 sem nuvens como os dos quadros
de Magritte(...) mulheres e homens
   em cuja desilusão defensiva e
maligna me recuso a reconhecer a
  imagem fragmentária da minha
      própria derrota...” (C.J. 74)
Le baiser (Magritte)
“Deixe-me pagar a conta.(...) e tome-me
 pelo jovem tecnocrata ideal português
  79, inteligência tipo Expresso, isto é,
   mundana, superficial e inofensiva,
cultura género Cadernos Dom Quixote,
  ou seja, prolixa, esquisita e fininha,
 opção política Fox-Trot, Pedras d’El-
Rei e Casa da Comida, uma gravura de
Pomar, uma escultura de Cutileiro e um
      gramofone de campânula no
            apartamento.” (C.J.89)
Camões(Pomar)
“...mas existe também, sabe como é,
    essa claridade difusa, volátil,
omnipresente, apaixonada, comum
 aos quadros de Matisse e às tardes
de Lisboa, que como o pó de África
  atravessa as frinchas, as janelas
  cerradas, os intervalos moles que
 separam uns dos outros os botões
          da camisa,...” (C.J.90)
Atelier vermelho (Matisse
“...o excesso de luz do aeroporto
 impedia-me de me confrontar nos
     vidros com a minha silhueta
hesitante,(...), com a gravata que as
    muitas horas de avião haviam
  decerto desviado a bissectriz dos
 colarinhos, transformando-a num
   trapo mole como os relógios de
      Dali, com as rugas que se
       acumulam em torno das
           pálpebras...” (C.J.95)
Persistência da memória (Dali
“A voz feminina, vinda de nenhum
lado, que anuncia em três línguas a
    partida dos aviões, flutuava,
    imaterial, por sobre a minha
  cabeça, idêntica a uma nuvem de
 Delvaux, até se dissolver a pouco e
 pouco numa espuma de sílabas...”
                (C.J.97)
Pygmalion (Delvaux
“...esta cidade absurda, (...) onde os
 objectos vogam suspensos na luz
    como nos quadros de Matisse,
 obrigava-me a tropeçar de quarto
     em quarto à maneira de uma
  borboleta entontecida, passando
uma palma mole pela lixa repelente
            da barba.” (C.J.148)
A janela azul (Matiss
“...é como se essa melancólica proeza
me justificasse a existência, como se
sentar-me aqui, noite após noite, diante
do espelho, a observar no vidro os
vincos amarelos das olheiras e as rugas
que em torno da boca se multiplicam
numa teia misteriosa, idêntica à que
cobre de leve os quadros de Leonardo,
me assegurasse que ao fim de tantos
anos de deixar-te permaneço vivo...”
(C.J.170)
Estudos (Leonardo da Vinci
“Conheci-te numa manhã de
 sábado, Sofia, e a tua gargalhada
 de prisioneira livre, harmoniosa e
estranha como o voo dos corvos que
Van Gogh pintara antes de se matar
no meio do trigo e do sol, tocou-me
   como um gesto de irreprimível
 ternura me toca se me sinto mais
            só...” (C.J.172,173)
Campo de trigo com corvos (Van G
“E os andares iluminados, (...),
fazem-me sentir irremediavelmente
  de fora de milhares de pequenos
universos confortáveis, em que me
 seria grato incluir, num canto de
sofá, diante de uma reprodução de
        Miró, a minha solidão
   envergonhada de cão tímido, a
arquear constantemente o dorso de
   falsas zangas submissas.” (C.J.225)
Pássaros e grutas (Miró

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados (14)

Rui Belo
Rui BeloRui Belo
Rui Belo
 
Claro enigma pdf
Claro enigma pdfClaro enigma pdf
Claro enigma pdf
 
Castro alves navio negreiro
Castro alves   navio negreiroCastro alves   navio negreiro
Castro alves navio negreiro
 
Viver! machado de assis
Viver!   machado de assisViver!   machado de assis
Viver! machado de assis
 
Poetas de abril
Poetas de abrilPoetas de abril
Poetas de abril
 
MACARIO
MACARIOMACARIO
MACARIO
 
O Navio Negreiro
O Navio NegreiroO Navio Negreiro
O Navio Negreiro
 
Mestres Da Poesia Pps 2a EdiçãO(Fmm Prod)
Mestres Da Poesia Pps 2a EdiçãO(Fmm Prod)Mestres Da Poesia Pps 2a EdiçãO(Fmm Prod)
Mestres Da Poesia Pps 2a EdiçãO(Fmm Prod)
 
Castro Alves Negreiro
Castro Alves NegreiroCastro Alves Negreiro
Castro Alves Negreiro
 
EMBRULHO DE LETRAS
EMBRULHO DE LETRASEMBRULHO DE LETRAS
EMBRULHO DE LETRAS
 
EMBRULHO DE LETRAS
EMBRULHO DE LETRASEMBRULHO DE LETRAS
EMBRULHO DE LETRAS
 
Clique no seu poeta
Clique no seu poetaClique no seu poeta
Clique no seu poeta
 
Mestres da Poesia
Mestres da PoesiaMestres da Poesia
Mestres da Poesia
 
Poetas A N
Poetas  A NPoetas  A N
Poetas A N
 

Semelhante a AlfabetáRio Da MemóRia Cl

Apresentação para décimo primeiro ano de 2015 6, aula 107-108
Apresentação para décimo primeiro ano de 2015 6, aula 107-108Apresentação para décimo primeiro ano de 2015 6, aula 107-108
Apresentação para décimo primeiro ano de 2015 6, aula 107-108
luisprista
 
_O sentimento dum ocidental__ visão global.pptx
_O sentimento dum ocidental__ visão global.pptx_O sentimento dum ocidental__ visão global.pptx
_O sentimento dum ocidental__ visão global.pptx
DiogoMorais45
 
Questões sobre clepsidra, de camilo pessanha
Questões sobre clepsidra, de camilo pessanhaQuestões sobre clepsidra, de camilo pessanha
Questões sobre clepsidra, de camilo pessanha
ma.no.el.ne.ves
 
Apresentação para décimo primeiro ano de 2012 3, aula 121-122
Apresentação para décimo primeiro ano de 2012 3, aula 121-122Apresentação para décimo primeiro ano de 2012 3, aula 121-122
Apresentação para décimo primeiro ano de 2012 3, aula 121-122
luisprista
 

Semelhante a AlfabetáRio Da MemóRia Cl (20)

literatura e arte
literatura e arteliteratura e arte
literatura e arte
 
SIMBOLISMO.pptx
SIMBOLISMO.pptxSIMBOLISMO.pptx
SIMBOLISMO.pptx
 
Semana de Letras 2008 - Letras e Telas de Moçambique
Semana de Letras 2008 - Letras e Telas de MoçambiqueSemana de Letras 2008 - Letras e Telas de Moçambique
Semana de Letras 2008 - Letras e Telas de Moçambique
 
Prova de validação para o 3º ano
Prova de validação para o 3º anoProva de validação para o 3º ano
Prova de validação para o 3º ano
 
Navio Negreiro Castro Alves
Navio Negreiro   Castro AlvesNavio Negreiro   Castro Alves
Navio Negreiro Castro Alves
 
Apresentação para décimo primeiro ano de 2015 6, aula 107-108
Apresentação para décimo primeiro ano de 2015 6, aula 107-108Apresentação para décimo primeiro ano de 2015 6, aula 107-108
Apresentação para décimo primeiro ano de 2015 6, aula 107-108
 
[c7s] Figuras de Linguagem
[c7s] Figuras de Linguagem[c7s] Figuras de Linguagem
[c7s] Figuras de Linguagem
 
Moçambique - Mia Couto, Malangatana, Chichorro e Naguib
Moçambique - Mia Couto, Malangatana, Chichorro e NaguibMoçambique - Mia Couto, Malangatana, Chichorro e Naguib
Moçambique - Mia Couto, Malangatana, Chichorro e Naguib
 
Vanguardas
VanguardasVanguardas
Vanguardas
 
Manifesto do futurismo
Manifesto do futurismoManifesto do futurismo
Manifesto do futurismo
 
Romantismo
RomantismoRomantismo
Romantismo
 
Romantismo
RomantismoRomantismo
Romantismo
 
_O sentimento dum ocidental__ visão global.pptx
_O sentimento dum ocidental__ visão global.pptx_O sentimento dum ocidental__ visão global.pptx
_O sentimento dum ocidental__ visão global.pptx
 
Dom Casmurro
Dom CasmurroDom Casmurro
Dom Casmurro
 
As vanguardas europeias.ppt
As vanguardas europeias.pptAs vanguardas europeias.ppt
As vanguardas europeias.ppt
 
1º ano
1º ano1º ano
1º ano
 
Fernando pessoa
Fernando pessoaFernando pessoa
Fernando pessoa
 
Questões sobre clepsidra, de camilo pessanha
Questões sobre clepsidra, de camilo pessanhaQuestões sobre clepsidra, de camilo pessanha
Questões sobre clepsidra, de camilo pessanha
 
Apresentação para décimo primeiro ano de 2012 3, aula 121-122
Apresentação para décimo primeiro ano de 2012 3, aula 121-122Apresentação para décimo primeiro ano de 2012 3, aula 121-122
Apresentação para décimo primeiro ano de 2012 3, aula 121-122
 
Sobre o trágico, o cômico e o crítico
Sobre o trágico, o cômico e o críticoSobre o trágico, o cômico e o crítico
Sobre o trágico, o cômico e o crítico
 

Mais de Home

Pierre kropotkine o princípio anarquista
Pierre kropotkine  o princípio anarquistaPierre kropotkine  o princípio anarquista
Pierre kropotkine o princípio anarquista
Home
 
Reflexoes sobre as feias 1
Reflexoes sobre as feias 1Reflexoes sobre as feias 1
Reflexoes sobre as feias 1
Home
 
Resultados desde 1975 nac&porto
Resultados desde 1975 nac&portoResultados desde 1975 nac&porto
Resultados desde 1975 nac&porto
Home
 
Indice e preambulo ana da palma
Indice e preambulo  ana da palmaIndice e preambulo  ana da palma
Indice e preambulo ana da palma
Home
 
Convite 23 02 12
Convite 23 02 12Convite 23 02 12
Convite 23 02 12
Home
 
Indignacao porto transportes 31agosto2011
Indignacao porto  transportes 31agosto2011Indignacao porto  transportes 31agosto2011
Indignacao porto transportes 31agosto2011
Home
 
A manhã de 10 de maio 2011 polícia no es col a
A manhã de 10 de maio 2011 polícia no es col aA manhã de 10 de maio 2011 polícia no es col a
A manhã de 10 de maio 2011 polícia no es col a
Home
 
Amilcar Cabral sobre a língua portuguesa in pires laranjeira
Amilcar Cabral sobre a língua portuguesa in pires laranjeiraAmilcar Cabral sobre a língua portuguesa in pires laranjeira
Amilcar Cabral sobre a língua portuguesa in pires laranjeira
Home
 
1 partie négritude
1 partie négritude1 partie négritude
1 partie négritude
Home
 
Esquema retórica recurso educacional aberto
Esquema retórica recurso  educacional abertoEsquema retórica recurso  educacional aberto
Esquema retórica recurso educacional aberto
Home
 
Manual de estilo
Manual de estiloManual de estilo
Manual de estilo
Home
 

Mais de Home (20)

O lar da nakba ou ver as fotografias de Ahlam Shibli
O lar da nakba ou ver as fotografias de Ahlam ShibliO lar da nakba ou ver as fotografias de Ahlam Shibli
O lar da nakba ou ver as fotografias de Ahlam Shibli
 
Texto de courbet pt
Texto de courbet ptTexto de courbet pt
Texto de courbet pt
 
Dois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeve
Dois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeveDois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeve
Dois apontamentos sobre o presente em movimento charles reeve
 
Pierre kropotkine o princípio anarquista
Pierre kropotkine  o princípio anarquistaPierre kropotkine  o princípio anarquista
Pierre kropotkine o princípio anarquista
 
Reflexoes sobre as feias 1
Reflexoes sobre as feias 1Reflexoes sobre as feias 1
Reflexoes sobre as feias 1
 
Resultados desde 1975 nac&porto
Resultados desde 1975 nac&portoResultados desde 1975 nac&porto
Resultados desde 1975 nac&porto
 
Propostas feias de Paulo Esperança
Propostas feias de Paulo EsperançaPropostas feias de Paulo Esperança
Propostas feias de Paulo Esperança
 
Indice e preambulo ana da palma
Indice e preambulo  ana da palmaIndice e preambulo  ana da palma
Indice e preambulo ana da palma
 
Convite 23 02 12
Convite 23 02 12Convite 23 02 12
Convite 23 02 12
 
Mpp 4
Mpp 4Mpp 4
Mpp 4
 
Indignacao porto transportes 31agosto2011
Indignacao porto  transportes 31agosto2011Indignacao porto  transportes 31agosto2011
Indignacao porto transportes 31agosto2011
 
A manhã de 10 de maio 2011 polícia no es col a
A manhã de 10 de maio 2011 polícia no es col aA manhã de 10 de maio 2011 polícia no es col a
A manhã de 10 de maio 2011 polícia no es col a
 
Houtart 2004
Houtart 2004Houtart 2004
Houtart 2004
 
Ramonet 2004
Ramonet 2004Ramonet 2004
Ramonet 2004
 
Bernard cassen 2004
Bernard cassen 2004Bernard cassen 2004
Bernard cassen 2004
 
Frases
FrasesFrases
Frases
 
Amilcar Cabral sobre a língua portuguesa in pires laranjeira
Amilcar Cabral sobre a língua portuguesa in pires laranjeiraAmilcar Cabral sobre a língua portuguesa in pires laranjeira
Amilcar Cabral sobre a língua portuguesa in pires laranjeira
 
1 partie négritude
1 partie négritude1 partie négritude
1 partie négritude
 
Esquema retórica recurso educacional aberto
Esquema retórica recurso  educacional abertoEsquema retórica recurso  educacional aberto
Esquema retórica recurso educacional aberto
 
Manual de estilo
Manual de estiloManual de estilo
Manual de estilo
 

Último

Assessement Boas Praticas em Kubernetes.pdf
Assessement Boas Praticas em Kubernetes.pdfAssessement Boas Praticas em Kubernetes.pdf
Assessement Boas Praticas em Kubernetes.pdf
Natalia Granato
 

Último (6)

Assessement Boas Praticas em Kubernetes.pdf
Assessement Boas Praticas em Kubernetes.pdfAssessement Boas Praticas em Kubernetes.pdf
Assessement Boas Praticas em Kubernetes.pdf
 
Boas práticas de programação com Object Calisthenics
Boas práticas de programação com Object CalisthenicsBoas práticas de programação com Object Calisthenics
Boas práticas de programação com Object Calisthenics
 
Padrões de Projeto: Proxy e Command com exemplo
Padrões de Projeto: Proxy e Command com exemploPadrões de Projeto: Proxy e Command com exemplo
Padrões de Projeto: Proxy e Command com exemplo
 
ATIVIDADE 1 - GCOM - GESTÃO DA INFORMAÇÃO - 54_2024.docx
ATIVIDADE 1 - GCOM - GESTÃO DA INFORMAÇÃO - 54_2024.docxATIVIDADE 1 - GCOM - GESTÃO DA INFORMAÇÃO - 54_2024.docx
ATIVIDADE 1 - GCOM - GESTÃO DA INFORMAÇÃO - 54_2024.docx
 
ATIVIDADE 1 - CUSTOS DE PRODUÇÃO - 52_2024.docx
ATIVIDADE 1 - CUSTOS DE PRODUÇÃO - 52_2024.docxATIVIDADE 1 - CUSTOS DE PRODUÇÃO - 52_2024.docx
ATIVIDADE 1 - CUSTOS DE PRODUÇÃO - 52_2024.docx
 
ATIVIDADE 1 - LOGÍSTICA EMPRESARIAL - 52_2024.docx
ATIVIDADE 1 - LOGÍSTICA EMPRESARIAL - 52_2024.docxATIVIDADE 1 - LOGÍSTICA EMPRESARIAL - 52_2024.docx
ATIVIDADE 1 - LOGÍSTICA EMPRESARIAL - 52_2024.docx
 

AlfabetáRio Da MemóRia Cl

  • 1. Alfabetário da memória Uma leitura dos quadros n’Os Cus de Judas de António Lobo Antunes.
  • 2. “Chorou na noite de fim de ano de 1970, porque dias depois tinha que partir para a guerra. Dessa experiência tirou os ensinamentos mais terríveis, mas também algumas das melhores coisas da sua vida: a descoberta da amizade e a aprendizagem da solidariedade.” (In, Conversas com António Lobo Antunes,María Luisa Blanco, Lisboa, Dom Quixote, 2002, p.47)
  • 3. “É esquisito falar-lhe disto enquanto lhe toco os seios, lhe percorro o ventre, procuro com os dedos a junção húmida das coxas onde realmente o mundo começa(...)” (C.J.187)
  • 5. “O restaurante do Jardim,(...) encontrava- se ordinariamente repleto,(...), de grupos excursionistas e de mães impacientes, que afastavam com os garfos balões à deriva como sorrisos distraídos, a arrastarem pontas de guita atrás de si, tal as noivas volantes de Chagall a bainha dos vestidos” (C.J.10)
  • 7. “Por essa época, eu alimentava a esperança insensata de rodopiar um dia espirais graciosas em torno das hipérboles majestáticas do professor preto, vestido de botas brancas e calças cor-de-rosa, deslizando no ruído de roldanas com que sempre imaginei o voo difícil dos anjos de Giotto, a espanejarem nos seus céus bíblicos numa inocência de cordéis.” (C.J.13)
  • 8.
  • 9. “Em Elvas, à ilharga de um aspirante gordo e inseguro como um pudim flan na borda de um prato, desejei evaporar-me nas muralhas da cidade à maneira dos violinistas de Chagall no azul espesso da tela, batendo as desajeitadas asas de cotão das minhas mangas militares...” (C.J.21)
  • 10. O violinista verde (Chagall)
  • 11. “...mais meia garrafa e cuidar-nos-íamos Vermeer, tão hábeis como ele para traduzir, através da simplicidade doméstica de um gesto, a tocante e inexprimível amargura da nossa condição.” (C.J.32)
  • 13. “...no meio de um círculo cubatas aparentemente desertas, no silêncio carregado de ruído que África tem quando se cala, e dezenas de larvas informes principiavam a surgir, manquejando, arrastando-se, trotando, dos arbustos, das árvores, das palhotas, dos contornos indecisos das sombras, larvas de Bosch de todas as idades em cujos ombros se agitavam, como penas, franjas de farrapos, avançando para mim à maneira dos sapos monstruosos dos pesadelos das crianças, a estenderem os cotos ulcerados para os frascos
  • 14. O juízo final (Bosch )
  • 15. “Você, por exemplo, que oferece o ar asséptico competente e sem caspa das secretárias de administração, era capaz de respirar dentro de um quadro de Bosch, sufocada de demónios, de lagartas, de gnomos nascidos de cascas de ovo, de gelatinosas órbitas assustadas?” (C.J.62, 63)
  • 16. O jardim das delícias (Bosch)
  • 17. “...sob o olhar indiferente de mulheres de dentes serrados em triângulo, acocoradas na cama no alheamento de perfil de certos retratos de Picasso, em cuja curva dos lábios flutuam Guernicas desdenhosas.” (C.J.49)
  • 18. A mulher chorando ( Picasso)
  • 19. A mulher chorando (Picasso)
  • 20. “Talvez o tipo da mesa ao lado, que o décimo Carvalho Ribeiro Ferreira inclina dezassete graus para bombordo na rigidez de andor de uma torre de Pisa de casaco de veludo à beira de queda catastrófica, seja Amadeo Modigliani a procurar no fundo do cálice um rosto assassinado de mulher,...” (C.J.53)
  • 21. Jeanne Hébuterne com uma camisola amarela (Modigliani
  • 22. “...de quando em quando e by appointment of Her Majesty the Queen, o reflexo do génio, e sobre as nossas cabeças ungidas tombam as línguas de fogo de Johnny Espírito Santo Walker: Utrillo, que amarrotava postais ilustrados enquanto pintava...” (C.J.54)
  • 23. Igreja de Blévy (Utrillo
  • 24. “...Soutine, o dos meninos do coro e das casas torturadas...” (C.J.54)
  • 25. O menino do coro (Soutin
  • 26. “A sombra inchava volumes geométricos nos prédios vizinhos, desenhada por um Soulages triste.” (C.J.55)
  • 28. “O furriel enfermeiro, a quem a vista do sangue enjoava, ficava à porta da sala de operações improvisada, dobrado como um canivete, a vomitar num banco o feijão do almoço, e eu, tenso de raiva, imaginava a satisfação da família se lhe fosse dado observar, em conjunto e de chapéu de aba larga como na Lição de Anatomia de Rembrandt, o médico competente e responsável que desejavam que eu fosse,...” (C.J.55)
  • 29. Lição de Anatomia (Rembrandt
  • 30. “...ver os reformados do dominó na eterna postura dos jogadores de cartas de Cézanne, e sentir que se deixou irremediavelmente de pertencer a esse mundo nítido e directo onde as coisas possuem consistência de coisas, sem subterfúgios nem subentendidos...” (C.J.62)
  • 31. Jogadores de cartas (Cézanne
  • 32. “Deve ter uma gravura de Vieira da Silva, na parede do quarto e o retrato do cineasta sem talento, com quem mantém uma relação desiludida, à cabeceira, deve acordar de manhã com torpor de crisálida titubeante...” (C.J.68)
  • 34. “...Olhos flutuando à deriva acima dos cognacs, olhos acusando os próprios rostos defuntos, desertos e sem nuvens como os dos quadros de Magritte(...) mulheres e homens em cuja desilusão defensiva e maligna me recuso a reconhecer a imagem fragmentária da minha própria derrota...” (C.J. 74)
  • 36. “Deixe-me pagar a conta.(...) e tome-me pelo jovem tecnocrata ideal português 79, inteligência tipo Expresso, isto é, mundana, superficial e inofensiva, cultura género Cadernos Dom Quixote, ou seja, prolixa, esquisita e fininha, opção política Fox-Trot, Pedras d’El- Rei e Casa da Comida, uma gravura de Pomar, uma escultura de Cutileiro e um gramofone de campânula no apartamento.” (C.J.89)
  • 38. “...mas existe também, sabe como é, essa claridade difusa, volátil, omnipresente, apaixonada, comum aos quadros de Matisse e às tardes de Lisboa, que como o pó de África atravessa as frinchas, as janelas cerradas, os intervalos moles que separam uns dos outros os botões da camisa,...” (C.J.90)
  • 40. “...o excesso de luz do aeroporto impedia-me de me confrontar nos vidros com a minha silhueta hesitante,(...), com a gravata que as muitas horas de avião haviam decerto desviado a bissectriz dos colarinhos, transformando-a num trapo mole como os relógios de Dali, com as rugas que se acumulam em torno das pálpebras...” (C.J.95)
  • 42. “A voz feminina, vinda de nenhum lado, que anuncia em três línguas a partida dos aviões, flutuava, imaterial, por sobre a minha cabeça, idêntica a uma nuvem de Delvaux, até se dissolver a pouco e pouco numa espuma de sílabas...” (C.J.97)
  • 44. “...esta cidade absurda, (...) onde os objectos vogam suspensos na luz como nos quadros de Matisse, obrigava-me a tropeçar de quarto em quarto à maneira de uma borboleta entontecida, passando uma palma mole pela lixa repelente da barba.” (C.J.148)
  • 45. A janela azul (Matiss
  • 46. “...é como se essa melancólica proeza me justificasse a existência, como se sentar-me aqui, noite após noite, diante do espelho, a observar no vidro os vincos amarelos das olheiras e as rugas que em torno da boca se multiplicam numa teia misteriosa, idêntica à que cobre de leve os quadros de Leonardo, me assegurasse que ao fim de tantos anos de deixar-te permaneço vivo...” (C.J.170)
  • 48. “Conheci-te numa manhã de sábado, Sofia, e a tua gargalhada de prisioneira livre, harmoniosa e estranha como o voo dos corvos que Van Gogh pintara antes de se matar no meio do trigo e do sol, tocou-me como um gesto de irreprimível ternura me toca se me sinto mais só...” (C.J.172,173)
  • 49. Campo de trigo com corvos (Van G
  • 50. “E os andares iluminados, (...), fazem-me sentir irremediavelmente de fora de milhares de pequenos universos confortáveis, em que me seria grato incluir, num canto de sofá, diante de uma reprodução de Miró, a minha solidão envergonhada de cão tímido, a arquear constantemente o dorso de falsas zangas submissas.” (C.J.225)