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PODE UM CONTRATO PSICOLOGICO SER IMPOSTO POR UM
                           INDIVÍDUO EM SUA RELAÇÃO COM OUTRO?



Contratos são compromissos feitos livremente, são voluntários. Entretanto, downsizing
e reestruturações têm imposto aos trabalhadores arranjos que eles não escolheram.
                                        Denise Rousseau em “Psycological Contracts in Organizations”


Sim, pode ocorrer algum tipo de imposição contratual ainda que breve, senão por que estariam os
trabalhadores se sujeitando a arranjos que não escolheram?
Contratos psicológicos se desenvolvem a partir de uma mistura complexa de características individuais,
cognições, dicas/sinais sociais e mensagens organizacionais.
Contratos são compromissos assumidos por diferentes partes (grupos, indivíduos) em torno de promessas
e obrigações. Claramente existe um viés material associado aos contratos, mas compromissos, como
todas as promessas, são subjetivos, por isso podemos afirmar também que contratos psicológicos são, não
somente a troca de materialidades, mas também de subjetividades. E como os indivíduos são limitados
em sua capacidade cognitiva temos sempre contratos incompletos com diferentes interpretações,
dependendo do ponto de vista que se assuma.
As informações que recebemos não entram em nossos cérebros como dados crus. Antes mesmo de
entrarem, os dados são recebidos de forma interpretada, conforme a estrutura de cada indivíduo (modelo
mental) e também conforme a disponibilidade de informações administradas pelo indivíduo que o
suportarão na interpretação das novas informações “entrantes”.
Mas todos os contratos carregam intrinsecamente assimetria de informação, ou seja, ambas as partes
possuem informações desconhecidas pela outra, além disso, as partes envolvidas enviam mensagens
constantemente, eventos que sinalizam intenções futuras. Disso, começamos a inferir que a manipulação
deliberada dos sinais, informações mantidas assimétricas, e agindo de má fé os indivíduos ou
organização podem gerar na outra parte expectativas futuras enganosas ou falsas esperanças de
cumprimento do acordo.
Por outro lado, fatores situacionais moldam ou determinam a disposição das partes para cumprir o
acordo. Se as partes não são obrigadas a cumprirem um acordo, ou seja ,se não há mecanismos de
enforcement suficientemente fortes, e as partes são guiadas apenas pelo desejo de não prejudicar a outra,
abre-se então a janela para comportamentos oportunísticos de descumprimento do acordo. Por causa das
condicionantes externas, a organização pode não ter incentivos suficientes para cumprir o acordo ou
desincentivos que inibam o descumprimento. As condicionantes externas possibilitam não somente o
descumprimento do acordo vigente mas a imposição de novos contratos psicológicos.
O exemplo utilizado por Denise Rousseau, citado no início deste texto, mostra bem essa situação e pode
ser desenvolvido da seguinte forma. Os funcionários admitidos previamente ao downsizing e
reestruturação estavam sob um contrato psicológico que a organização (ou seus agentes) sabia que não
era sustentável no longo prazo, mas essa informação era mantida assimétrica e as mensagens e sinais
emitidos pela organização eram contidos a fim de evitar a antecipação do rompimentos de contratos,
principalmente aqueles que a organização não desejava romper.
Após a reengenharia toda, um novo contrato psicológico foi “celebrado”. Os “afortunados” funcionários
mantidos na organização deveriam suprir a falta dos que foram dispensados, trabalhar mais horas, atingir
metas mais altas, se adequar aos novos processos, ter mais produtividade etc., e a contrapartida era tão
somente a de permanecer no emprego, até a próxima reestruturação. Por que os funcionários se
sujeitaram ao novo contrato psicológico? Porque as condicionantes externas, nomeadamente a escassez
de emprego (já que ocorria uma “onda” de reengenharias no mercado como um todo eliminando
estruturalmente milhares de postos de trabalho) limitava em alta medida a capacidade dos funcionários
de buscar contratos melhores ou menos danosos em outras organizações. Pode-se argumentar, todavia,
que mesmo existência de uma condicionante externa forte não justificaria a sujeição, já que isso iria de
encontro com o pensamento sócio-econômico-humanístico-democrático-ocidental de liberdade
individual.
Entretanto no curto prazo isso é o que tende a acontecer na maioria dos casos e é o que se defende aqui.
Há uma sujeição inicial ao novo contrato psicológico, mas em um segundo momento essa sujeição se
transforma obrigatoriamente em voluntariness ou então o contrato se rompe. De qualquer forma a
imposição/sujeição ocorre mas não se mantém. Apesar de limitada, os indivíduos utilizam a
racionalidade para aprenderem a reinterpretar os sinais emitidos pela organização e também a assimetria
de informações tende a diminuir com o tempo, pois os indivíduos agora mais atentos buscam com maior
diligência informações sobre a organização em questão e sobre outras organizações ou indivíduos com os
quais podem desenvolver, agora voluntariamente, contratos psicológicos mais benéficos e fiáveis.

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  • 1. PODE UM CONTRATO PSICOLOGICO SER IMPOSTO POR UM INDIVÍDUO EM SUA RELAÇÃO COM OUTRO? Contratos são compromissos feitos livremente, são voluntários. Entretanto, downsizing e reestruturações têm imposto aos trabalhadores arranjos que eles não escolheram. Denise Rousseau em “Psycological Contracts in Organizations” Sim, pode ocorrer algum tipo de imposição contratual ainda que breve, senão por que estariam os trabalhadores se sujeitando a arranjos que não escolheram? Contratos psicológicos se desenvolvem a partir de uma mistura complexa de características individuais, cognições, dicas/sinais sociais e mensagens organizacionais. Contratos são compromissos assumidos por diferentes partes (grupos, indivíduos) em torno de promessas e obrigações. Claramente existe um viés material associado aos contratos, mas compromissos, como todas as promessas, são subjetivos, por isso podemos afirmar também que contratos psicológicos são, não somente a troca de materialidades, mas também de subjetividades. E como os indivíduos são limitados em sua capacidade cognitiva temos sempre contratos incompletos com diferentes interpretações, dependendo do ponto de vista que se assuma. As informações que recebemos não entram em nossos cérebros como dados crus. Antes mesmo de entrarem, os dados são recebidos de forma interpretada, conforme a estrutura de cada indivíduo (modelo mental) e também conforme a disponibilidade de informações administradas pelo indivíduo que o suportarão na interpretação das novas informações “entrantes”. Mas todos os contratos carregam intrinsecamente assimetria de informação, ou seja, ambas as partes possuem informações desconhecidas pela outra, além disso, as partes envolvidas enviam mensagens constantemente, eventos que sinalizam intenções futuras. Disso, começamos a inferir que a manipulação deliberada dos sinais, informações mantidas assimétricas, e agindo de má fé os indivíduos ou organização podem gerar na outra parte expectativas futuras enganosas ou falsas esperanças de cumprimento do acordo. Por outro lado, fatores situacionais moldam ou determinam a disposição das partes para cumprir o acordo. Se as partes não são obrigadas a cumprirem um acordo, ou seja ,se não há mecanismos de enforcement suficientemente fortes, e as partes são guiadas apenas pelo desejo de não prejudicar a outra, abre-se então a janela para comportamentos oportunísticos de descumprimento do acordo. Por causa das condicionantes externas, a organização pode não ter incentivos suficientes para cumprir o acordo ou desincentivos que inibam o descumprimento. As condicionantes externas possibilitam não somente o descumprimento do acordo vigente mas a imposição de novos contratos psicológicos. O exemplo utilizado por Denise Rousseau, citado no início deste texto, mostra bem essa situação e pode ser desenvolvido da seguinte forma. Os funcionários admitidos previamente ao downsizing e
  • 2. reestruturação estavam sob um contrato psicológico que a organização (ou seus agentes) sabia que não era sustentável no longo prazo, mas essa informação era mantida assimétrica e as mensagens e sinais emitidos pela organização eram contidos a fim de evitar a antecipação do rompimentos de contratos, principalmente aqueles que a organização não desejava romper. Após a reengenharia toda, um novo contrato psicológico foi “celebrado”. Os “afortunados” funcionários mantidos na organização deveriam suprir a falta dos que foram dispensados, trabalhar mais horas, atingir metas mais altas, se adequar aos novos processos, ter mais produtividade etc., e a contrapartida era tão somente a de permanecer no emprego, até a próxima reestruturação. Por que os funcionários se sujeitaram ao novo contrato psicológico? Porque as condicionantes externas, nomeadamente a escassez de emprego (já que ocorria uma “onda” de reengenharias no mercado como um todo eliminando estruturalmente milhares de postos de trabalho) limitava em alta medida a capacidade dos funcionários de buscar contratos melhores ou menos danosos em outras organizações. Pode-se argumentar, todavia, que mesmo existência de uma condicionante externa forte não justificaria a sujeição, já que isso iria de encontro com o pensamento sócio-econômico-humanístico-democrático-ocidental de liberdade individual. Entretanto no curto prazo isso é o que tende a acontecer na maioria dos casos e é o que se defende aqui. Há uma sujeição inicial ao novo contrato psicológico, mas em um segundo momento essa sujeição se transforma obrigatoriamente em voluntariness ou então o contrato se rompe. De qualquer forma a imposição/sujeição ocorre mas não se mantém. Apesar de limitada, os indivíduos utilizam a racionalidade para aprenderem a reinterpretar os sinais emitidos pela organização e também a assimetria de informações tende a diminuir com o tempo, pois os indivíduos agora mais atentos buscam com maior diligência informações sobre a organização em questão e sobre outras organizações ou indivíduos com os quais podem desenvolver, agora voluntariamente, contratos psicológicos mais benéficos e fiáveis.