Como desenvolver a capacidade de percecionar novos pontos de partida, explorar novos espaços a partir dos quais se pode formar a decisão de intervir.
artigo escrito para a newsletter Feedforward #17 Mindcoach
Coaching Organizacional - Reflexão e Ação de mãos dadas
1. WWW.MINDCOACH.PT
FEED
FORWARD
#17
JUNHO
2013
Coaching Organizacional - Reflexão e Ação de mãos dadas
Alexandra Dias Lemos
Executive Coach
International Coach Trainer
da ICC para Portugal
NJIZA RODRIGO DA COSTA
Consultora, Coach Organizacional
e Facilitadora de Processos de Mudança
International Certified Coach
Member 7630 ICC
2. Coaching Organizacional Reflexão e Ação de mãos dadas
“(...) quando somos confrontados com desafios complexos, somos por
vezes seduzidos a pensar que compreendemos a situação. Na realidade
Artigo de Opinião:
NJIZA RODRIGO DA COSTA
Consultora, Coach
Organizacional e
Facilitadora de
Processos de Mudança
International Certified Coach
Member 7630 ICC
desafios complexos requerem que adoptemos abordagens diferentes,
abordagens que nos permitam alcançar significados mais profundos,
por vezes escondidos”
(texto traduzido do Livro The Fifth Discipline, Peter Senge, pag. 288)
Compreender a forma como emergem as realidades com que me deparo
diariamente constitui para mim a força motriz que me impele para a
descoberta de novas soluções, que abraçam simultaneamente o individuo, o seu contexto e seus sistemas. Soluções orientadas para o coletivo
e comprometidas com a noção de aprendizagem continua, transformação e capacidade de reinvenção.
Com este enfoque no colectivo, escrevo este artigo de opinião com o
intuito de criar a oportunidade de refletir sobre aquilo que considero ser
o grande desafio de mudança de pensamento nas organizações: o ponto
de partida a partir do qual se inicia qualquer atividade, o espaço inicial a
partir do qual se forma a decisão de intervir.
Falo de reflexão conectada com a ação em detrimento da reflexão abstrata, conceito que nos remete para a perceção negativa que por vezes o
termo gera no mundo corporativo, quando aliado à noção de tempo.
O propósito prende-se com aquilo que considero prioritário em termos
de mudança no contexto atual e mundial em que operam as organizações: a capacidade de percecionar novos pontos de partida, explorar
novos espaços a partir dos quais se pode formar a decisão de intervir.
O contexto que refiro caracteriza-se por uma crescente interconectividade, ligando temas, desafios, atores e ambientes aparentemente desconetados, que tornam cada vez mais impactantes relações de causa e
efeito antes não consideradas.
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Gostaria de neste espaço defender a minha opinião sobre a necessidade
4. Coaching
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de mãos dadas
Partindo deste enquadramento, centrada na aceitação da realidade e hipótese
de compreensão do que “de facto é”, parto para a confrontação com a realidade da generalidade das empresas, o seu modus operandi, em particular o
modo ou atitude inicial com que se começam projetos, se constituem equipas
e executam atividades com o objectivo de mudar e melhorar desempenhos.
A perceção que fui desenvolvendo ao longo da minha carreira e em dife-
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rentes projetos em que participei é que a generalidade inicia a partir de
um ponto de partida que pouco espaço dá à emergência de algo intrinsecamente novo e adaptado ao contexto real que reclama por mudança.
“Infelizmente, dado o pensamento linear que predomina na maioria das
organizações, as intervenções focam-se usualmente em correções rápidas dos sintomas, não nas causas subjacentes. Isto resulta unicamente
em alívios temporários e tende a criar ainda mais pressão no futuro,
para a realização de mais intervenções de baixo nível de alavancagem.”
Peter Senge
Foram algumas as ocasiões em que, tendo a oportunidade de questionar
líderes e gestores sobre a razão da decisão de realizar um intervenção,
independentemente da sua natureza ou enfoque, as respostas que
obtive se situaram ao nível do sintoma: a perda de quota de mercado, um
elevado turnover de empregados, para mencionar dois exemplos reais.
Ambas as intervenções realizadas nestes casos, a meu ver, pautam pela
assunção que o contributo do próprio sistema organizacional para o
estado atual, foi marginal ou residual. Não quero com isto negar a influência de fatores “externos”, antes quero desafiar a questionarmo-nos
sobre a hipótese de outros fatores estarem a agir e que, ao incorporarmos a sua existência, nos possamos tornar mais “anti-frágeis”.
John Whittington, coach e autor do livro “Systemic Coaching and Constellations” providencia um exemplo claro daquilo a que me refiro, ao
falar das forças escondidas num sistema. John Whittington fala das
forças e princípios que organizam os sistemas, que estão para além da
intervenção humana e existem de modo a sustentar um equilíbrio dinâmico. Estas forças criam campos invisíveis que influenciam tudo o que
atravesse no seu caminho. E embora invisíveis, nós conseguimos percecionar os seus efeitos. O exemplo dado é o de um íman. Podemos ver o
efeito do íman, por exemplo nos clips de ferro, mas não conseguimos ver
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o campo magnético que está em funcionamento. A maior parte das
5. Coaching
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intervenções ao nível do desenho e desenvolvimento organizacional
trabalham ao nível do íman ou do clip. ( Whittington J., 2012)
E o que é que caracteriza um intervenção ao nível do “campo magnético”?
Antes demais, implica considerarmos a hipótese de alargamento da
nossa Visão, implica considerar que algo mais existe para além do que é
quantificável e tangível. Exige que aceitemos a noção que a nossa inter-
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pretação da realidade advém de processos cognitivos próprios, e que o
emprego da nossa capacidade analítica está alicerçado em modelos
lógicos que decorrem essencialmente de experiências conceptualizadas
ao longo da vida e da transferência de conhecimento (conceitos) através
das diversas instituições com que interagimos (família, ensino, organizações diversas).
Este alargar de visão, este algo mais, equivale a uma distância sistémica,
isto é, a exploração do atraso, no tempo e espaço, entre causas e efeitos.
Quanto maior e mais complexa é esta sucessão de causas e efeitos,
quanto menor o efeito de intervenções mecanicistas, que intervêm nas
partes isoladas e ignoram o sistema maior e as suas interdependências
com outros subsistemas.
Esquema de análise da evolução da natureza dos desafios nos sistemas
organizacionais:
A ORGANIZAÇÃO
SISTEMA VIVO
COMPLEXO
Simular > Percecionar > Responder
COMPLICADO
Percecionar > Analisar > Responder
Relações de
causa e efeito
identificáveis em
retrospetiva, a natureza
dos elementos amplia
para a esfera do
comportamento dos
agentes envolvidos.
As relações
de causa e
efeito não são
identificáveis.
Instabilidade em
todos os elementos,
reclamando rutura.
Relações de causa
e efeito identificáveis
mas com um nr. de
elementos maior,
dificultando
identificação.
Relações de causa
e efeito lineares e
passiveis de
identificar, com
um nr. de elementos
reduzido.
CAÓTICO
Agir > Percecionar > Responder
SIMPLES
Percecionar > Categorizar > Responder
A ORGANIZAÇÃO
MECÂNICA
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Fig. 1 (adaptado do Modelo Cynefin, desenvolvido por Dave Showden – Cognitive Edge)
6. Coaching
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A intervenção sistémica, embora com enfoque no cliente ou tema em
particular, procura alargar o focos do(s) individuo(s) para o sistema alargado, procurando identificar as dinâmicas que condicionam a performance fluida de indivíduos e organizações e encontrar “novos” recursos.
Atendendo à natureza do desafio/problema (ver figura 1) a atitude de
maior abrangência e abertura a novas perspectivas, passível de ser
desenvolvida, apresenta-se nos dias de hoje como umas das melhores
ferramentas a que podemos socorrer.
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Contudo, alargar a visão exige que se transmute ceticismo e crítica em
curiosidade, estar aberto a ser-se surpreendido e por vezes “desarmado”.
Por vezes uma tarefa difícil, mas talvez um esforço bem “remunerado”.
A capacidade de largar o “velho” para dar espaço ao novo.
“Para ler o mundo precisamos de muitas lentes”, é uma frase que digo
muitas vezes e que espelha a minha predileção pela multidisciplinariedade, a minha opção por continuamente procurar aumentar a diversidade de “ferramentas”, abordagens e metodologias com que trabalho. E o
curso de certificação internacional em coaching cuja entidade certificadora é a ICC, o qual tive o privilégio de fazer com a Mindcoach, veio
reforçar esta atitude que adoto, particularmente optando pela criação de
relações que devem primar pela abertura, pelo vazio e ausência de
(pre)conceitos, pela ausência da dominância de perspetivas.
Esta capacidade de pôr de lado, por momentos que seja, as nossas
assunções encontra-se intimamente ligada com o modo como convidamos e criamos espaço a qualquer tipo de intervenção, isto é, o modo
como apresentamos o convite à ação. Este movimento poderá ter uma
profundidade e extensão maior ou menor em função da formulação da
nossa questão inicial.
Talvez possam os líderes e gestores explorar novas formas de convocar
a ação. Novos pontos de partida que invoquem níveis mais profundos da
organização. E o termo profundidade é invocado no sentido literal da
palavra, conforme espelha a imagem seguinte:
Manifestação da ação (estruturas e processos)
Estratégias, objectivos e planos que suportam a ação
Assunções básicas inconscientes, incorporadas
na organização como valores, perceções, formas
de pensar e sentimentos.
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Adaptação do modelo desenvolvido pelo psicólogo Edgar Schein, sobre uma teoria
de modelo de cultura organizacional
7. Coaching
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Poderemos também explorar o conceito de profundidade aplicando a
mesma lógica estrutural à realidade das diversas instituições e entidades:
O sistema global
A economia nacional
A industria
A organização
O negócio
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A equipa
O primeiro evento
(a manifestação da visão inicial)
Adaptação do conceito de holarquia
A ideia principal que proponho reter é que nesta estrutura, o nível mais
elevado transcende e inclui o nível anterior, isto é, cada novo nível superior inclui o seu nível inferior e acrescenta-lhe algo. E isto define a sua
função como parte e como todo.
E estes níveis inferiores estão sempre lá, obtendo informação e procurando divulgá-la na tentativa de executar o seu papel na organização.
Muitas vezes esta “voz” só é ouvida em espaços próprios, pessoais, onde
os indivíduos transcendem a sua função, para lá do medo de serem
excluídos e do desejo de serem aceites.
Acredito que a capacidade de cocriar e permitar a emergência de algo
verdadeiramente novo com os outros encontra-se intimamente ligada à
curiosidade em explorar as organizações como sistemas vivos e à capacidade de aceder, conscientemente, a cada um destes círculos que se
encontram ligados entre si e formam o todo organizacional. Cada círculo
mantem e expressa a sua identidade coletiva (como parte e como um
todo), desempenhando as suas atividades de liderança, execução e medição, mantendo a sua própria memória e sistemas de aprendizagem.
E adotar esta atitude, alinhada com a visão e pensamento sistémico, implica
a incorporação das cinco características essenciais a qualquer sistema :
1. Todas as partes necessitam estar presentes para garantir o funcionamento ótimo do sistema;
2. É necessário fazer um arranjo específico das partes para que o sistema consiga alcançar a sua meta;
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3. Os sistemas realizam as suas metas específicas e próprias dentro de
8. Coaching
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sistemas ainda maiores;
4. Os sistemas mantêm a sua estabilidade por meio de flutuações e ajustes;
5.Existem fluxos de retroalimentação (“feedback”) nos sistemas.
ANDERSON, V.; JOHNSON, L. Systems Thinking Basics: from concepts to
causal loops. Cambridge, MA: Pegasus Communications, 1997.
Este convite a que se alargue a profundidade e abrangência que suporta
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a ação de intervir, não implica necessariamente grandes alterações de
natureza estrutural. Acredito que muito se pode atingir por, numa
primeira fase, simplesmente incorporar esta visão no desenho de
processos de interação entre os diferentes níveis e elementos que o
compõem.
Reflexão e Ação – Criação de uma infraestrutura que permita integrar
aprendizagem e execução
Não acredito na existência de uma formula mágica, mas sim na possibilidade de se criar espaços para novas práticas. Espaços que anfitriem trabalho,
erro, pausa, tentativa, conversas sobre o que funciona bem e sobre o que não
está a funcionar. Espaços que dão boas vindas à tensão, ao conflito, ao divergente e procuram harmonizar cooperação e competição.
A escolha do tema deste artigo espelha esta minha crença e experiência
na aplicação de métodos e ferramentas que procuram facilitar a criação
destes espaços. E é com regozijo que vejo continuamente a expandir-se
o número de instituições que procuram os serviços profissionais especializados de facilitadores no sentido mobilizar a inteligência coletiva
dos seus sistemas na procura de novas soluções inclusivas e sustentáveis para as partes e para o todo.
Um bom exemplo de instituições que já exploram esta nova abordagem
é a União Europeia, onde naturalmente proliferam opiniões divergentes
e as polaridades por vezes atingem extremos.
Como facilitadora destes processos realizo regularmente ações de atualização e formação sobre as diferentes metodologias e ferramentas.
Recentemente estive numa dessas ações, onde encontrei numa equipa
alargada da Comissão Europeia, facilitadores como eu, e pude ouvir
relatos inspiradores sobre como nessa Instituição se procura criar
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tempo para refletir colectivamente sobre as aprendizagens e se olhar
9. Coaching
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em conjunto para uma futura direção.
A proliferação, mesmo que ainda não tão visível, desta disponibilidade
para criar espaços de reflexão e ação pode constituir uma das resposta
a um mundo que se torna cada vez mais complexo e fragmentado, onde
as soluções e inovações não residem somente na cabeça de um líder ou
numa perspectiva de um determinado nível organizacional, mas sim
numa imagem maior que reside na consciência coletiva do sistema e
Referências:
C. Otto Scharmer, Teory U –
The Social Technology of
Presencing, 2009
John Whittington, Systemic
Coaching & Constellations,
2012
Peter M. Senge, The Fifth
Discipline (1990), 2006
Anderson V. ; Johnson L.,
Systems thinking basics
Ludwig von Bertalanffy,
General System Theory
(1969), 2009
Donella H. Meadows, Thinking in Systems, 2010
elementos que o compõem.
E assim, através destes pontos de partida mais abrangentes e profundos
possamos encontrar novas informações, novos modos de fazer, movidos
por um sentido de equifinalidade entre diferente propósitos e interesses.
Necessitamos somente de vontade e coragem para explorar esse
espaço, por vezes tenso e desconfortável.
Modelos:
Os modelos apresentados
constituem algumas das
fundações e pressupostos
dos métodos e das ferramentas que utilizo e que que
foram desenhados para
efeitos de facilitação de
processos de reflexão e ação
coletiva. (Liderança Participativa, A Arte de Anfitriar
Conversas significativas e
Lideranças Autênticas em
Ação são alguns exemplos de
ações de formação que
realizei e métodos que aplico).
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Luanda, 31 de Maio de 2013