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Desejos frustrados




Estudo dos Evangelhos



A partir de hoje tentarei publicar semanalmente alguns breves estudos sobre os Evangelhos.



Bibliografia utilizada:

CARSON, D.A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 1997.
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 1995.
GUNDRY, Robert Horton.Panorama do Novo Testamento. 3 .ed. atual. e ampl. São Paulo, Vida
Nova, 2008.
HENDRIKSEN, William. Mateus: volume 1. São Paulo, Cultura Cristã, 2001
HENDRIKSEN, William. Mateus: volume 2. São Paulo, Cultura Cristã, 2001.
LEWIS, C. S. Mero Cristianismo. São Paulo: Quadrante, 1997
LOHSE, Eduard. Contexto e Ambiente do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2000.
MULHOLLAND, Dewey M. Marcos: Introdução e Comentário. São Paulo, Vida Nova. 1999
SCHWARZ, John. Manual da Fé Cristã. Belo Horizonte, Betânia. 2002.

www.tempora-mores.blogspot.com (publicação do dia 20/07/2011)

Recomendo:


Meditações no Evangelho de Marcos - J. C. Ryle - Editora Fiel




Introdução aos Evangelhos



O que é o Evangelho?

É um vocábulo que deriva do grego euanggelion (eu = bom + anggelion = mensagem/notícia).
Essa boa notícia é o anúncio de Jesus Cristo, que viveu, morreu pelos pecados dos homens e
mulheres, e ressuscitou. Pode-se dizer que é uma palavra distintamente neo-testamentária, pois
aparece mais de setenta e cinco vezes com o significado específico de Boas Novas. Já no Antigo
Testamento, é encontrado apenas uma vez em sua tradução grega (septuaginta – LXX), no texto
de 2 Sm 4: 10, mas com o significado de uma recompensa em troca de uma boa notícia, mesmo
que a recompensa, neste caso, tenha sido a morte do mensageiro. Entretanto, a idéia
neotestamentária das Boas Novas de Jesus como ação redentora e graciosa de Deus é
encontrada em todo o Antigo Testamento, especialmente na menção ao Messias prometido. O
texto de Gênesis 3: 15 é amplamente conhecido como o proto-evangelho, pois faz referência a
Jesus logo na ocasião da Queda.
Curiosidade: A palavra Evangelho raramente é achada no sentido de “boas novas” fora da
literatura cristã primitiva. Conforme Homero, em Odisséia, o termo referia-se à recompensa dada
ao mensageiro, não à mensagem em si.

      A partir do século II sua forma plural (evangelhos/euanggelia) – passou a ser usada em
referência aos quatro primeiros livros do NT.

Quantos Evangelhos?

      A literatura cristã exerceu certa influência cultural, ocasionando o surgimento de gêneros
literários que receberam o nome de epístolas e evangelhos, além da literatura apocalíptica.

      O termo evangelho como gênero literário caracterizava-se basicamente por conter obras
escritas por diversos autores, que reivindicavam autoria de personagens da tradição cristã (Tiago,
Pedro, Judas, etc), e conteúdo que supostamente registravam palavras e obras de Jesus.
Existiam mais de vinte evangelhos diferentes, além dos quatro canônicos, que fazem parte do
conjunto de livros não-canônicos denominados Livros Apócrifos (literalmente: ocultos;
usualmente: espúrio/falso).

      Os motivos principais pelos quais os demais evangelhos não fizeram parte do cânon
bíblico são: a) dúvidas quanto a real autoria dos escritos, não podendo afirmar que foram escritos
por algum dos apóstolos de Jesus ou por alguém que com eles andou; b) pouca aceitação e
aplicação dos escritos nas comunidades cristãs da época.

      Por outro lado, a escolha de quatro evangelhos e não apenas de um foi defendida pelos
pais da igreja por acharem que cada um deles trazia um testemunho valioso e diferente a respeito
de Jesus, pois haviam sido escritos para públicos distintos, com ênfases diferentes. Assim, a
compreensão acerca de Jesus é mais rica e profunda se baseada em quatro relatos autênticos
em vez de um.

      O Evangelho de Marcos foi o primeiro a ser escrito, no final da década de 50 d.C. ou início
da década de 60 d.C., para os cristãos que sofriam perseguições em Roma. Mateus escreveu a
judeus crentes em meados da década de 60 d.C., e quis mostrar que Jesus era o Messias. Lucas
retratou Jesus como o Salvador para todas as pessoas no final da década de 60d.C. ou início da
década de 70 d.C.. João, o último a ser escrito, entre os anos 80 e 90 d.C., queria que seus
leitores compreendessem que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo. Nenhum dos Evangelhos
traz o nome do seu autor em seu texto. Foi a Tradição Cristã que os identificaram a partir da
primeira metade do segundo século d.C..
A disposição bíblica dos Evangelhos, começando com Mateus e terminando com João,
tentou obedecer a ordem cronológica de suas compilações, apenas com a inversão de Marcos,
primeiro a ser escrito, com Mateus, o segundo, pois, dentre outros motivos, entendeu-se que
este, por ter sido escrito a judeus, faria melhor a conexão com o Antigo Testamento.

Curiosidade:

Mateus é representado por um homem, pois mostra a humanidade de Jesus;

Marcos é representado por um leão, que simboliza o grande poder de Jesus;

Lucas é representado por um boi, animal usado nos sacrifícios e simbolizando a morte expiatória
de Jesus;

João é representado por uma águia, ave que voa mais alto que as outras, simbolizando a
divindade de Jesus.



       Desta forma, os Evangelhos são documentos escritos por cristãos, especificamente
apóstolos (Mateus e João) ou discípulos destes (Marcos e Lucas), guiados por Deus para
realização dos seus trabalhos (cf. Lc 1:1-3), cujo propósito principal é o registro da ação
salvadora de Deus operada em Jesus Cristo através da narrativa de seu nascimento, vida, morte
e ressurreição. Os quatro Evangelhos canônicos tiveram ampla aceitação e circulação nas
comunidades cristãs primitivas, diferentemente dos demais documentos chamados apócrifos que,
de maneira geral, tinham por objetivo principal satisfazer a curiosidade acerca do Jesus histórico.
A Igreja Cristã primitiva, bem como as igrejas oriundas da Reforma Protestante, consideram não-
inspiradas por Deus, portanto, inválidas, quaisquer informações acerca do Jesus histórico
contidas em fontes extra-bíblicas.

       Por outro lado, todos os registros históricos nos Evangelhos, assim como em toda a Bíblia,
devem ser aceitos como verdadeiros, pois entende-se que a ação redentora de Deus em Jesus
Cristo teve seu lastro temporal na história da humanidade, e todos os eventos lá narrados
contribuem para o propósito principal de salvação mediante a fé.

OS EVANGELHOS SINÓTICOS

       Os três primeiros Evangelhos são chamados de Evangelhos Sinóticos (do grego synopsis
= ver em conjunto), termo utilizado pela primeira vez já no século XVIII, tendo em vista as
inúmeras semelhanças estruturais, de enfoque e conteúdo que Mateus, Marcos e Lucas tem
entre si.
Os três Evangelhos estruturam o ministério de Jesus obedecendo a uma seqüência
geográfica geral, em que o mesmo começa na Galiléia, vai para o norte, em seguida na Judéia e
Peréia, e finalmente em Jerusalém. Os evangelistas sinóticos criam um clima de ação intensa e
ininterrupta quando apresentam Jesus constantemente em ação, realizando milagres, por
exemplo, mais do que ensinando. Quanto ao conteúdo, são narrados muitos dos mesmos
acontecimentos. Mais de 600 dos 661 versículos de Marcos podem ser encontrados em Mateus e
mais ou menos 380 versículos de Lucas são semelhantes ao material de Marcos. Provavelmente,
Mateus e Lucas usaram Marcos na compilação dos seus Evangelhos. Além disso, 235 versículos
que são comuns em Mateus e Lucas não são encontrados em Marcos, o que levanta a hipótese
daqueles terem à disposição um outro documento. Este outro possível documento recebeu o
nome de “Fonte Q” (letra inicial do vocábulo alemão “quelle”, que significa “fonte”). Não se tem
prova concreta da existência deste.

      O Reino de Deus

O principal ensino de Jesus nos Evangelhos Sinóticos é sobre o Reino de Deus, termo que
aparece cerca de cinqüenta vezes nos três livros. A expressão não se refere a um reino
geográfico ou político, mas a um governo espiritual de Deus. Jesus veio para inaugurar o reino,
que já está presente, mas ainda não se manifestou plenamente. O convite é feito para que todos
aqueles que se arrependerem de seus pecados e crerem em Jesus Cristo tomem parte neste
reino. Os cristãos e a igreja são, pois, testemunhas da manifestação futura e triunfante deste
reino.




Apócrifos
Evangelhos Apócrifos

Fonte: www.tempora-mores.blogspot.com (com adaptações)


Esses evangelhos são geralmente classificados em narrativas da infância de Jesus, narrativas da
vida e da paixão de Jesus, coleção de ditos de Jesus e diálogos de Jesus.


As narrativas da infância mais conhecida são o Proto-Evangelho de Tiago, Evangelho de Tomé o
Israelita, o Livro da Infância do Salvador, a História de José, o Carpinteiro, o Evangelho Árabe da
Infância, a história de José e Asenate e o Evangelho Pseudo-Mateus da Infância. Entre as
narrativas da vida ou paixão de Cristo mais importantes se destacam o Evangelho de Pedro, o
Evangelho de Nicodemus, o Evangelho dos Nazarenos, o Evangelho dos Hebreus, o Evangelho
dos Ebionitas e o Evangelho de Gamaliel.


Existem apenas dois que se enquadram na categoria de coleção de ditos de Jesus, o Evangelho
de Tomé e o suposto documento Q (quelle, “fonte” em alemão), do qual não se tem prova
concreta da existência. Na categoria de diálogos de Jesus com outras pessoas e revelações que
ele fez em secreto mencionamos o Diálogo com o Salvador e o Evangelho de Bartolomeu.

Essas obras são chamadas de evangelhos apócrifos por que não são considerados como obras
genuínas, produzidas pelos apóstolos ou pelos supostos autores. Além disso, pretendem
transmitir um conhecimento esotérico, oculto, além daquele conhecimento dos apóstolos. Em
grande parte, esses evangelhos foram escritos por autores gnósticos com o propósito de
difundirem as suas idéias no meio da igreja, usando para isso a autoridade dos evangelhos
canônicos e dos apóstolos. Alguns deles foram encontrados século passado em Nag Hammadi,
norte do Egito.


O Proto-evangelho de Tiago, por exemplo, escrito no século II, que descreve o nascimento e a
infância de Jesus e a juventude da Virgem Maria, é tipicamente uma tentativa de satisfazer à
curiosidade popular em torno de coisas não mencionadas nos evangelhos canônicos. A teologia
desse "evangelho" é a de um docetismo popular: Jesus tem um corpo não sujeito às leis do
espaço e do tempo. O escrito não tem valor como fonte histórica sobre Jesus.


Outro exemplo é o Evangelho da Verdade. Esse não é um evangelho no sentido costumeiro da
palavra; é antes uma meditação, uma espécie de sermão sobre a redenção pelo conhecimento
(gnosis) de Deus. É atribuído ao gnóstico Valentino, que viveu em meados do século II e por
conseguinte, não ajuda em nada a pesquisa sobre o Jesus histórico. Na mesma linha vai o
Evangelho de Filipe, escrito antes de 350. É, evidentemente, uma compilação de materiais mais
antigos. O texto causou certo sensacionalismo quando da sua publicação, porque sugere uma
relação amorosa entre Jesus e Maria Madalena. O Evangelho de Pedro – um fragmento que se
conservou – descreve o processo contra Jesus, sua execução e sua ressurreição. Sua cristologia
é a do docetismo: aquele que sofre e morre é apenas uma aparição do verdadeiro Jesus, que é
divino e por isso não pode sofrer e morrer. Conforme esse evangelho, o corpo de Jesus se
volatiliza na cruz antes de subir ao céu.


É preciso dizer que existem vários destes evangelhos apócrifos que foram compostos por autores
cristãos desconhecidos, não gnósticos, e que aparentam refletir um tipo de cristianismo popular
marginal. A maior parte deles pretende suprir a falta de informação histórica nos evangelhos
canônicos, fornecendo detalhes sobre a infância de Jesus, diálogos dele com os apóstolos,
informações sobre Maria e demais personagens que aparecem nos evangelhos tradicionais. Em
alguns casos, parece que foram escritos para defender doutrinas não apostólicas e que estavam
começando a ganhar corpo dentro do Cristianismo, como por exemplo, o conceito de que Maria é
mãe de Deus e medianeira. O Proto-Evangelho de Tiago, já do séc. III, explica porque Maria foi a
escolhida: por sua virgindade e santidade, e a defende como mãe de Deus e medianeira.

Alguns contém exemplos morais não recomendáveis. Por exemplo, o Evangelho de Tomé, o
Israelita, narra diversos episódios em que o menino Jesus amaldiçoa e mata quem fica em seu
caminho. Quase todos são recheados de histórias lendárias e bobas, como o Evangelho de
Nicodemus, que narra como José de Arimatéia, Nicodemus e os guardas do sepulcro se tornaram
testemunhas da ressurreição de Jesus. É um livro cheio de lendas, fantasias e histórias
fantásticas.

Os evangelhos apócrifos usaram diversas fontes em sua composição: o Antigo Testamento, os
próprios evangelhos canônicos e as cartas de Paulo. Usaram também tradições cristãs extra-
canônicas, de origem desconhecida e suas próprias idéias e conceitos.



A Atitude da Igreja para com os Evangelhos Apócrifos
No período pós-apostólico alguns desses Evangelhos chegaram a ser recebidos por um tempo,
como leitura proveitosa, como o Evangelho de Pedro, a princípio recomendado por Serapião,
bispo de Antioquia em 191 d.C., mas depois, ele mesmo reconhece que ele tem elementos
estranhos e o desrecomenda. Assim, nenhum deles jamais foi reconhecido como autêntico e
apostólico.

Desde cedo a Igreja Cristã rejeitou estas obras, pois não preenchiam o critério de canonicidade:
não foram escritas pelos apóstolos ou por alguém ligado a eles, contradiziam a doutrina cristã,
tinham exemplos e recomendações morais e éticas pouco recomendáveis, e seus autores
falsamente atribuíram a autoria aos apóstolos, como por exemplo, o Evangelho de Tomé, de
Pedro, de Bartolomeu, de Filipe. Além do mais, suas histórias fantásticas acerca de Cristo
claramente revelavam seu caráter especulativo e supersticioso, ao contrário da sobriedade e da
seriedade dos evangelhos bíblicos. Não é de admirar, portanto, que eles não aparecem em
nenhuma das listas canônicas, onde os 4 evangelhos canônicos aparecem.

Aqui cabe-nos mencionar o testemunho de Eusébio em sua História Eclesiástica, ao falar do
Evangelho de Pedro, Tomé e Matias:

"Nenhum desses livros tem sido considerado digno de menção em qualquer obra de membros de
gerações sucessivas de homens da Igreja. A fraseologia deles difere daquela dos apóstolos; e
opinião e a tendência de seu conteúdo são muito dissonantes da verdadeira ortodoxia e
claramente mostram que são falsificações de heréticos. Por essa razão, esse grupo de escritos
não deve ser considerado entre os livros classificados como não autênticos, mas deveriam ser
totalmente rejeitados como obras ímpias".

Essa postura prevaleceu até a Reforma Protestante e o período posterior chamado de ortodoxia
protestante. Com a chegada do método histórico-crítico, filho do Iluminismo e do racionalismo,
passou-se a negar a autoria apostólica e a inspiração divina dos Evangelhos canônicos. Os
mesmos passaram a ser vistos como produção da fé da Igreja, sem valor real para a
reconstrução do Jesus histórico. Dessa perspectiva, os evangelhos apócrifos chegaram então a
ser considerados como literatura tão válida como os canônicos para nos dar informações sobre o
Cristianismo nascente, embora não sobre o Jesus histórico.



O renascimento do interesse pelos evangelhos apócrifos, em particular, os gnósticos.

A partir da visão crítica defendida pelo liberalismo teológico e pelo método histórico-crítico, em
anos recentes os evangelhos escritos pelos gnósticos passaram a receber grande atenção e
importância nos estudos neotestamentários das origens do Cristianismo e na chamada busca do
Jesus histórico.


Vários fatos têm contribuído para isso. Primeiro, o surgimento do Jesus Seminar nos Estados
Unidos, considerada a 3ª. etapa da busca do Jesus histórico iniciada pelos liberais do século
XVIII. Um de seus membros mais conhecidos, cujas obras têm sido traduzidas e publicadas no
Brasil é John Dominic Crossan. Em sua obra O Jesus Histórico: A vida de um camponês judeu do
mediterrâneo de 1991, ele emprega os apócrifos Evangelho de Pedro e especialmente o
Evangelho de Tomé para a reconstrução do Jesus histórico. Segundo Crossan, essas duas obras
são mais antigas que os Evangelhos canônicos e contém informações importantes que não foram
incluídas em Mateus, Marcos, Lucas e João. Essa atitude de Crossan é característica dos demais
membros do Jesus Seminar e de muitos outros eruditos neotestamentários, que aceitam a
autoridade dos evangelhos apócrifos, especialmente os gnósticos, acima daquela dos canônicos.
Aqui podemos mencionar Elaine Pagels, cuja obra Os Evangelhos Gnósticos, recentemente
traduzida e publicada em português, vai nessa mesma direção.


Segundo, a publicidade e o sensacionalismo da grande mídia em torno da descoberta e
publicação dos textos dos evangelhos gnósticos, como o Evangelho de Judas e de Tomé. A mídia
tem difundido a teoria de que a Igreja cristã teria ocultado e guarda até hoje outros evangelhos
que remontam à época de Jesus e que contradiriam e refutariam totalmente o Cristianismo
tradicional e ortodoxo. A veiculação pela mídia vai na mesma linha de propaganda e
especulações anticristãs voltadas mais diretamente contra a Igreja Católica Romana e que acaba
respingando nos protestantes, especialmente as igrejas históricas. Em 2004 foi o Evangelho de
Tomé. Em 2006 foi a vez do Evangelho de Judas ganhar a capa de revistas populares
pretensamente científicas. A ignorância dos articulistas, o preconceito anticristão, a busca do
sensacionalismo, tudo isso contribuiu para que a publicação do manuscrito copta do Evangelho
de Judas recebesse uma atenção muito maior do que a devida. Em 2007 foi a suposta sepultura
de Jesus, uma inscrição antiga contendo o nome de Tiago, irmão de Jesus, e outras
“descobertas” arqueológicas, fizeram a festa da mídia em anos mais recentes.


Não se deve pensar que essa atitude é um fenômeno atual. Desde os primórdios do Cristianismo,
escritores pagãos como Celso e Amiano Marcelino publicam material atacando as Escrituras e o
Cristianismo. Quando da descoberta dos Manuscritos do Mar Morto e das polêmicas e questões
inclusive legais que envolveram a tradução e a publicação dos primeiros rolos, a imprensa da
época especulava que os Manuscritos representariam o fim do Cristianismo, pois traria
informações que contradiriam completamente o Evangelho. Os anos se passaram e verificou-se a
precipitação da imprensa. Os rolos na verdade tiveram o efeito contrário, confirmando a
integridade e autenticidade do texto massorético do Antigo Testamento.


Terceiro, produções de Hollywood como “O Código da Vinci”, “O Corpo”, “Estigmata”, “A última
Ceia de Cristo” que se baseiam nesses evangelhos gnósticos têm servido para difundi-los
popularmente.



O Evangelho de Judas


Examinemos mais de perto os dois evangelhos gnósticos que têm atraído recentemente a
atenção da academia e do público em geral, que são os evangelhos de Judas e de Tomé.


O Evangelho de Judas preservou-se em um manuscrito copta do século IV, que supostamente
conteria uma tradução do evangelho apócrifo grego de Judas, cuja origem é estimada em
meados do século II. A restauração e a tradução do manuscrito copta foram anunciados em 6 de
abril de 2006, pela National Geographic Society em Washington.


Não se trata da descoberta do Evangelho de Judas. O mesmo já é um velho conhecido da Igreja
cristã. Elaborado em meados do século II, provavelmente na língua grega, era conhecido de
Irineu, um dos pais apostólicos. Na sua obra Contra as Heresias, Irineu o menciona
explicitamente, como sendo uma obra espúria produzida pelos gnósticos da seita dos Cainitas.
No século V o bispo Epifânio critica o Evangelho de Judas por tornar o traidor em um feitor de
boas                                                                                    obras.
Não se trata também da descoberta de um manuscrito antes desconhecido contendo essa obra.
Acredita-se que o único manuscrito conhecido, escrito em copta, foi descoberto em meados da
década de 1950 e depois de uma longa peregrinação nas mãos de colecionadores, bibliotecas,
comerciantes de antiguidades e peritos, chegou às mãos das autoridades. Sua existência foi
anunciada ao mundo em 2004. Trata-se de um códice com 25 páginas de papiro, envoltas em
couro, das 62 páginas do códice original. Somente essas 25 páginas foram resgatadas pelos
especialistas. A tradução que veio a lume em 2006 é dessas páginas.


O que é de fato novo é a tradução do texto desse apócrifo, texto até então desconhecido.
Contudo, o ponto central que a mídia tem destacado com sensacionalismo, já era conhecido
mediante as citações de Irineu e Epifânio, ou seja, que esse evangelho procura reabilitar Judas
da pecha de traidor, transformando-o em vítima e herói.


Várias matérias publicadas na mídia diziam que Judas Iscariotes é o autor desse evangelho.
Contudo, não existe prova alguma disso. Segundo o relato dos quatro Evangelhos canônicos,
Judas suicidou-se após a traição. Como poderia ser o autor dessa obra? Irineu, no século II,
atribuía a autoria do evangelho de Judas aos Cainitas, uma seita gnóstica. No códice descoberto
e agora publicado, não consta somente o evangelho atribuído a Judas, mas duas obras a mais: a
“Carta a Filipe” atribuída ao apóstolo Pedro e “Revelação de Jacó”, relacionado com o patriarca
hebreu. A presença do evangelho de Judas em meio a essas duas obras apócrifas é mais uma
prova da autoria espúria desse evangelho. Chega a ser irritante o preconceito da mídia, que
sempre veicula matérias que negam a autoria tradicional dos Evangelhos canônicos, mas que
rapidamente atribui a Judas Iscariotes a autoria desse apócrifo.


O manuscrito que agora foi traduzido não data do século II, mas do século IV. Especula-se que é
uma tradução para o copta de uma obra mais antiga escrita em grego, que por sua vez dataria de
meados do século II. Daí a inferir a autoria de Judas Iscariotes, que morreu na primeira parte do
século I, vai uma grande distância. A seita dos Cainitas, segundo Irineu em Contra as Heresias,
era especialista em reabilitar personagens bíblicas malignas, como Caim, os sodomitas e Judas.
A produção de um evangelho reabilitando o traidor se encaixa perfeitamente no perfil da seita.

Ao final, pesando todos os fatos e filtrando o sensacionalismo e o preconceito anticristão, a
publicação do evangelho de Judas em nada contribuirá para nosso conhecimento do Judas
Iscariotes histórico e muito menos do Jesus histórico – servirá apenas para nosso maior
conhecimento das crenças gnósticas do século II. Não representa qualquer questionamento sério
do relato dos Evangelhos canônicos, cuja autoria e autenticidade são muito mais bem atestadas,
datam do século I e receberam reconhecimento e aceitação universal pelos cristãos dos primeiros
séculos.

O Evangelho de Tomé


Esse Evangelho consiste numa coleção de 114 ditos que Jesus supostamente teria ditado a seu
irmão gêmeo, Tomé. Ele faz parte da livraria gnóstica descoberta em Nag Hammadi em meados
do século passado. O que temos é um manuscrito copta, tradução de uma versão em grego
desse Evangelho, datada do séc. III. Calcula-se que o evangelho original deve ter sido escrito no
séc. II.


Não se trata de um evangelho no sentido usual do termo, visto que não contém qualquer narrativa
sobre o nascimento, ministério ou paixão de Cristo. Trata-se de uma coleção de ditos de Jesus
sem qualquer moldura geográfica, temporal ou histórica que nos permita localizar quando, onde e
em que contexto Jesus os teria pronunciado. Calcula-se que foi escrito na região da Síria, onde
existem tradições sobre o apóstolo Tomé e onde se sediava a seita dos encratitas, ascéticos que
defendiam uma forma heterodoxa de Cristianismo.


Apesar de trazer muitas citações dos evangelhos canônicos, a teologia do Evangelho de Tomé é
abertamente gnóstica. Defende a salvação através do conhecimento secreto e esotérico que
Jesus revelou a seu discípulo Tomé. Está eivado das dicotomias e dualismos característicos do
pensamento gnóstico mais evoluído do séc. II. Trata-se claramente de uma produção dos mestres
gnósticos, que se valeram dos evangelhos canônicos e do nome do apóstolo Tomé para divulgar
e espalhar suas crenças.

  Postado por Coluna e Baluarte da Verdade




Introdução ao Evangelho de Marcos




O Autor: João Marcos, filho de Maria, companheiro de Paulo, primo de Barnabé e discípulo de
Pedro, mencionado em Atos e nas Epístolas (At 12: 12, 25; Cl 4: 10; 2 Tm 4: 11; Fm 24; 1 Pe 5:
13). Papias, Bispo de Hierápolis, um dos pais da Igreja que viveu no século II d.C., afirmou que
“Marcos, que era o intérprete de Pedro, registrou com exatidão tudo quanto lembrava, quer as
declarações, quer os feitos de Cristo, mas não de forma ordenada. Pois não foi nem ouvinte nem
companheiro do Senhor”.[1]




Data: Entre o final da década de 50 d.C. e início da década de 60 d.C. tem sido a data mais
aceita dentre os estudiosos. É sabido que Lucas também escreveu o livro de Atos dos Apóstolos
e o encerrou antes do julgamento de Paulo em Roma, pois tal ainda não havia ocorrido. Assim,
pode-se datar o livro de Atos antes de 63 d.C.. Como o Evangelho de Marcos foi utilizado por
Lucas na compilação da primeira parte da sua obra de dois volumes, Marcos deve ser situado em
data um pouco mais recuada.

Destinatários: Leitores Romanos Gentios, pois existe a preocupação em traduzir expressões
aramaicas (3: 17; 5: 41; 7: 34; 14: 36; 15: 34); são poucas as referências ao Antigo Testamento,
mostrando que seus leitores não estavam familiarizados com a língua aramaica tampouco com a
Antiga Aliança; explica expressões gregas usando equivalentes latinos (12: 42; 15: 16); a menção
a Rufo (15: 21) que vivia em Roma (Rm 16: 31); e o destaque dado à declaração de um oficial
romano ao pé da cruz: “Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus.” (15: 39)

Propósitos: Marcos escreveu seu relato da vida, morte e ressurreição de Jesus tendo em vista
as necessidades da sua igreja, mas os temas propostos por ele são relevantes para nossa igreja
também, e não apenas para aquela geração. Os principais objetivos de Marcos eram: a)
converter não-cristãos a despeito da vergonha da cruz, tendo em vista o realce ao poder de Jesus
na operação de milagres, na expulsão de demônios, no ensino extraordinário e na vitória sobre
oponentes em debates, no atrair as multidões, na predição do futuro e na ressurreição de mortos,
em contraposição à morte humilhante destinada somente a criminosos e escravos; b) encorajar
cristãos perseguidos e sofredores à perseverança, lembrando-os de que devem seguir os passos
de Jesus (8: 34), pois ele triunfou sobre o mal apesar das aflições, e cumprirá suas promessas.

Características Principais: São três:

a) Marcos dá ênfase à ação e pouca importância a longos discursos. Com uma narrativa ágil
sinalizada com expressões do tipo “imediatamente”, “logo em seguida”, “então”, “a seguir” e
outras mais, o evangelista coloca Jesus em constante movimento: curando, expulsando
demônios, ensinando, etc..

b) Marcos organiza o material com base em palavras-tema e não com base na cronologia dos
eventos. Por exemplo: Palavra-tema Autoridade – Jesus tem autoridade para perdoar pecados,
comer com publicanos, curar no sábado, permitir que seus discípulos cessassem de jejuar, etc
(Mc 2: 1 - 3: 6).

c) Paradoxos (Mc 8: 34 e 10: 33): Esplendor X Humilhação; Teologia da Glória X Teologia da
Cruz; Benefícios da Ressurreição X Conseqüências da Santificação (sofrimento).

Temas: O tema central é Jesus Cristo, o esplendoroso Filho de Deus. Seu brilho é revelado
através das múltiplas facetas realizadas em vida, mas também através da sua morte e
ressurreição. O tema secundário é o discipulado radical daqueles que querem se identificar com
Jesus. O discipulado é difícil e a perseguição é inevitável (8: 34-37; 12: 44; 14: 3-5; 10: 30; 13: 9-
13), mas embora os discípulos não tenham o correto entendimento das coisas, eles serão cheios
do Espírito (4: 40; 6: 52; 9: 6; 13: 11; 10: 39).

Contribuições Teológicas: Por ter sido o primeiro Evangelho a ser escrito, a primeira grande
contribuição de Marcos foi a vinculação da fé cristã a acontecimentos históricos. A vida, morte e
ressurreição de Jesus não são eventos produzidos pela mente religiosa, sem qualquer lastro na
história. Pelo contrário, marcam o momento em que Deus efetivamente manifestou-se na história
da humanidade. A segunda grande contribuição de Marcos foi mostrar que salvação envolve viver
e morrer com Cristo e não apenas ressuscitar com ele. O discipulado radical tem um preço, que
pode significar deixar a família, abrir mão de recursos e até entregar a própria vida. Marcos
reprova o cristianismo fácil e superficial.

<!--[if !supportFootnotes]-->


<!--[endif]-->

<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> Texto registrado na História da Igreja (História
Ecclesiástica) de Eusébio, escrita em 325 d.C..


COLUNA E BALUARTE DA VERDADE

"Creio no cristianismo como no sol que se levanta. Não só porque o vejo, mas porque através dele
vejo tudo o mais" (C. S. Lewis)



sábado, 18 de fevereiro de 2012

O Evangelho de Marcos - Parte 1




1. Antecedentes do Ministério (1: 1-13)
Marcos inicia seu Evangelho descrevendo os preparativos para a vinda e Ministério de Jesus.
Para o autor, as boas novas de salvação (1: 1) começam com João Batista (1: 2-11), em
cumprimento às promessas feitas no passado (Ml 3:1; Is 40: 3). O aparecimento de João no
deserto pregando o batismo de arrependimento lembra o profeta Elias (1: 6, cf. 2 Rs 1: 8). Mas o
ponto central da sua mensagem é a importância do arrependimento e da confissão dos pecados
para o recebimento daquele que traz a completa regeneração pelo batismo no Espírito (1: 4-8). A
palavra grega usada para arrependimento é metanóia, significando mudança deliberada de
comportamento. A mensagem de João, então, diz que é necessário uma nova atitude de coração
e mente (arrependimento), seguida de uma demonstração audível dessa mudança (confissão) e
um sinal visível da purificação moral decorrente do arrependimento (batismo).
        Lembremo-nos de que o arrependimento verdadeiro produz sinais visíveis na vida do
crente. Em primeiro lugar a mudança de comportamento, deixando de fazer o que é errado e
passando a fazer o que é correto diante de Deus. Em segundo lugar o apego às Escrituras (Ml 3:
7).
Ao ser batizado nas águas (1: 9-11) mesmo não sendo pecador (cf. 2 Co 5: 21), Jesus se
  identifica com os pecadores e dá o primeiro sinal de que sua vida será vivida em solidariedade à
  condição humana. Além disso, ao receber o Espírito Santo que desceu como uma pomba (ave
  tida como divina no mundo helenístico), todas as ações e palavras de Jesus passam a ter a
  autoridade e o poder de Deus. Guiado pelo Espírito, a primeira ação de Jesus é ir para o deserto,
  onde ficou por quarenta dias sendo servido por anjos apesar de estar em meio a feras, e ser
  tentado por satanás (1: 12-13), mais uma forma de identificar-se com aqueles que seriam seus
  seguidores.
          João Marcos diz que a boa notícia de salvação começa com a necessidade de mudança
  de comportamento. A solidariedade de Jesus com a condição humana caída não ofusca a
  seriedade com que o pecado deve ser tratado e a importância do arrependimento. Os que seriam
  batizados no Espírito Santo começam a perceber no exemplo de Jesus algumas características
  que fazem parte do discipulado radical: deserto, tentação, providência, poder e autoridade em
  Deus.


          2. A primeira parte do ministério na Galiléia: a autoridade de Jesus é confirmada e
  contestada (1: 14 - 3: 6)
a) A Autoridade de Jesus é Confirmada (1: 14 – 45)
          A era dos profetas antigos se encerra com a morte de João Batista e Deus usa Jesus para
  inaugurar o Seu Reino (v. 14-15). A ênfase é dada não só ao arrependimento, mas também à fé.
  Ao crer na pregação de Jesus as pessoas passam a ter um relacionamento com Deus baseado
  na confiança.
          Para Marcos, ter fé significa estar debaixo do domínio de Deus e resulta em obediência (v.
  16-20). O breve relato do chamado dos quatro pescadores (Simão, André, Tiago e João)
  exemplificam a nova realidade do Reino inaugurado em Jesus, em que os seus seguidores
  reconhecem sua autoridade e mudam radicalmente de vida. Quem se arrepende e crê no
  evangelho imediatamente segue a Jesus. Apenas aqueles que o seguem receberão a promessa
  de se tornarem pescadores de homens. O discipulado radical começa a tomar forma. Surge,
  então, uma pergunta que acompanhará todo o Evangelho de Marcos: Existe espaço para projetos
  pessoais no reino de Deus?
          A autoridade de Jesus é vista primeiramente em seu ensino e no seu poder. A nova vida
  trazida por ele deve ser compreendida à luz da palavra de Deus. Além disso, para se alcançar a
  verdadeira liberdade nessa nova forma de viver, o adversário (satanás), que escraviza e destrói,
  deve ser derrotado. (v. 21-28).
          Da sinagoga para a casa de Pedro, onde cura a mãe deste que estava acamada (v. 29-31),
  Jesus demonstra seu senhorio na vida dos seguidores não apenas no lugar da adoração, mas
  também no lugar da intimidade familiar. Em reação à sua repentina popularidade ele se retira
para orar, demonstrando que quem determina sua missão não são os homens, especialmente
   interessados em curas, mas Deus, que lhe deu a incumbência de proclamar as Boas Novas, pois
   somente a proclamação da palavra é que leva as pessoas ao arrependimento e á fé (v. 35-39).
b) A autoridade de Jesus é contestada (2: 1 – 3: 6)
          Após outra história de cura (v. 40-45) Marcos narra acontecimentos em que Jesus revela
   sua autoridade em meio a controvérsias com líderes judeus:
1) Autoridade para perdoar pecados (2: 1-12)
          Jesus perdoa pecados porque recebe autoridade de Deus para fazê-lo. Ele aceita a missão
   predita por Daniel de que o Filho do Homem receberia autoridade do Ancião de Dias para vindicar
   o sofrimento do povo (Dn 7: 13, 14, 18, 21 e 27). Jesus une a cura ao perdão. A cura física do
   paralítico após ser confrontado pelos escribas prova que Jesus realmente tinha poder para
   perdoar pecados. “A ligação do homem com Deus é restaurada, tão certamente quanto lhe é
   restaurada a capacidade de andar”.[1]
2) Autoridade para comer com publicanos e pecadores (2: 13-17)
          Aqueles que se reconhecem pecadores tem condições de atestar a autoridade de Jesus e
   responder ao seu chamado, pois são eles que se arrependem e crêem no evangelho. O chamado
   de Levi (Mateus) comprova que um pecador pode ser perdoado e transformado. Os publicanos
   eram ladrões que sobretaxavam os impostos romanos. Sentar-se à mesa e repartir o pão com
   alguém era, e ainda é, algo especial para os palestinos, simbolizando que havia paz e confiança
   entre as partes. Ao assentar-se com aquele grupo de publicanos Jesus estava firmando sua
   identificação com os pecadores e demonstrando que a redenção de Deus era para todos. Nota-se
   que os primeiros a julgar são os que se apóiam na justiça própria e meritória e não na
   misericórdia de Deus.
3) Autoridade para permitir que os discípulos dispensem o jejum (2: 18-22)
          A essência da religião dos inquiridores de Jesus eram os ritos religiosos, dentre eles o
   jejum. A manutenção dos rituais mantinha a religião. O relacionamento com Deus está além da
   obediência a rituais, por isso mesmo é que Jesus responde a seus opositores trazendo o foco
   para si e sua missão. Ele revela uma nova realidade. Como jejuar na presença daquele que traz
   alegria e não lamentação? Aqueles que o seguem haveriam de perceber que sua vida é vivida
   sob a sombra da cruz, cujo efeito sobre o pecado traz alegria e paz para os que crêem. Isso é
   motivo de festa!
   A Lei de Moisés exigia apenas um jejum por ano, no dia da expiação (Lv 16: 29-34), mas os
   religiosos defendiam a tradição de jejuar duas vezes por semana, entendendo que assim
   poderiam ganhar a aprovação de Deus. Esse tradicionalismo não suportaria as Boas Novas de
   salvação em Jesus, assim como odres velhos não suportam o vinho novo.
4) Autoridade sobre o sábado (2: 23 – 3: 6)
O sábado era o dia da santificação para o judeu, pois foi destinado para seu
      relacionamento com Deus (Ex 20: 8-11; 31: 12-17) e enfatizava os relacionamentos pessoais e a
      justiça social (Dt 5: 12-15). Quebrar a lei no dia de sábado poderia levar o infrator à morte (Ex 35:
      2). O sábado foi o presente de Deus para a humanidade e criado para benefício desta. O
      tradicionalismo farisaico deturpou o propósito abençoador do sábado e inverteu a ordem de
      prioridades. Por isso Jesus foi contundente ao afirmar que o sábado foi feito para o homem e não
      o contrário. Jesus, como Senhor da humanidade, afirmou que matar a fome dos seus discípulos
      era mais importante que a manutenção de um ritual, pois as pessoas são mais importantes que
      as coisas.
      É impressionante como os tradicionalistas mostravam-se (e mostram-se) indiferentes às
      necessidades dos homens e mulheres. Mostram extremo zelo para com os ritos e nenhum para
      com as pessoas. As ações de Jesus caminham num sentido oposto, mostrando que as pessoas
      são mais importantes que o zelo ritualístico.


      [1] MULHOLLAND, Dewey M. Marcos: Introdução e Comentário. São Paulo, Vida Nova. 1999. P.56




      O Evangelho de Marcos - Parte 2
3.   A Segunda Parte do Ministério na Galiléia: a fonte e a natureza da autoridade de Jesus (3: 7
      – 6: 6a)

Se por um lado Jesus era rejeitado por fariseus e herodianos, por outro ele era muito bem aceito pelo
      povo comum, rompendo fronteiras e chegando até às regiões gentias do Líbano e da
      Transjordânia, curando e expulsando demônios (3: 7-11). Mesmo se preocupando em não revelar
      ainda sua filiação divina (v. 12), há a preocupação em mostrar a origem da sua autoridade, que
      não seria exercida apenas por ele, mas teria continuidade com seus discípulos (3: 13-19).
Jesus chama seus discípulos para Si mesmo e não para ocuparem um cargo ou posição dentro do
      Reino ou de alguma instituição. Os discípulos são chamados para aprender de Jesus por andar
      com ele. Além disso, Jesus chama seus discípulos para que também possa enviá-los. O discípulo
      é chamado do meio do povo para posteriormente ser enviado de volta ao meio do povo, desta vez
      munido com autoridade divina. A heterogeneidade do grupo dos chamados ensina um pouco
      sobre a possibilidade de existir um povo unido pela soberania de Deus apesar da diversidade de
      personalidades.
Quem não entende e aceita que a autoridade daquele que perdoa pecados vem de Deus pode vir a
      cometer um erro imperdoável, que é a blasfêmia contra o Espírito Santo, que habita em Jesus.
      Aliás, não é satanás quem domina as ações de Jesus, mas o próprio Deus na pessoa do Seu
      Espírito. Essa é a fonte de Sua autoridade (3: 20-30). Arrependimento e perdão não estão
      acessíveis àqueles que conscientemente rejeitam a salvação de Deus em Jesus. Aceitar Jesus é
      aceitar Seu perdão, o contrário leva à perdição.
Jesus revela que sua missão redefine sua família. Maria, seus irmãos e irmãs só poderão ter parte
   na família de Jesus se estiverem dispostos a serem seus discípulos, permanecendo junto a ele e
   fazendo a vontade de Deus (3: 31-35).


a) O Mistério do Reino de Deus – Parábolas (4: 1-34)
         Cresce o número dos opositores de Jesus e seus discípulos podem não estar tão
   confiantes acerca do estabelecimento do Reino de Deus em sua expressão política e geográfica,
   como muito esperado. O Mestre usa, então, de parábolas para explicar como se desenvolve o
   verdadeiro Reino de Deus, ao mesmo tempo em que esclarece idéias equivocadas. Em torno de
   um terço dos ensinos de Jesus nos Evangelhos Sinóticos está na forma de parábolas. Mas o que
   vem a ser as parábolas?
         Parábola (grego = parabolê) significa “comparação”, “pôr coisas lado a lado”. Usualmente
   as parábolas são comparadas a Alegorias, que significam “dizer uma coisa de maneira diferente”.
   Entretanto, enquanto as alegorias denotam um relato mais elaborado em que se pode encontrar
   esclarecimentos em todos os detalhes da história contada, as parábolas são limitadas a uma
   história breve em que se objetiva a explicação de uma única verdade. O que significaram para os
   ouvintes originais também significa para os ouvintes de hoje.
         As parábolas trazem o Mistério de Deus, que é o próprio Jesus Cristo, revelado pelo
   Espírito (4: 10-11). Jesus foi um enigma e uma luz acesa ao mesmo tempo. Quanto mais se
   descobre sobre ele, mais brilha Sua luz entre os homens.


         A parábola do semeador (4: 3-20): os discípulos de Jesus, como a semente lançada ao
         solo bom, dão muito fruto, pois amadurecem e suportam a perseguição.
         A parábola da candeia (4: 21-25): os discípulos foram chamados para brilhar com a luz de
         Jesus.
         A parábola da semente (4: 26-29): os discípulos precisam confiar que Deus fará o Reino
         crescer de formas que extrapolam o conhecimento humano.
         A parábola do grão de mostarda (4: 30-34): o governo de Deus começou discreto entre os
         discípulos, mas crescerá e será glorioso.




b) A fé que Jesus tem em Deus (4: 35-41)
A confiança que Jesus tinha em Deus dever ser a mesma que seus discípulos precisam
   ter. Os infortúnios da vida não pegam Deus de surpresa e o descansar nele é prova de fé tão
   grande quanto crer que o vento e o mar obedecem ao comando de Jesus. Sua autoridade era
   total, tanto sobre o espírito imundo (1: 25), quanto sobre a natureza. Alguém que conhece
   verdadeiramente Jesus tem-no como Mestre, mas também como Senhor (v. 41).


c) A vida fora de controle (5: 1-20)
          O discípulo verdadeiro experimenta uma mudança radical de vida. Assim como o
   endemoninhado geraseno (5: 1-5) a vida daqueles que não encontraram Jesus é descontrolada,
   isolada, violenta, dolorida e angustiante, características de quem quer controlar a própria vida.
   Essa é a condição em que satanás deseja ver o mundo. A presença de Jesus amedronta o diabo,
   pois ele sabia que nem mesmo uma legião (em referência à legião do exército romano,
   considerada uma imbatível máquina de guerra) poderia impedir a ação de Deus em seu Filho.
   Jesus, então, acalma, “veste” e dá lucidez aos por ele tocados (v. 15). A libertação precede a fé,
   que vem pelo ensino de Jesus e não por experiência de milagres. O mal causado pela influência
   de satanás é muito grande, assim, a decisão de precipitar a manada e porcos (v. 12-13) é um mal
   menor que o de ver novamente um homem sob a influência do inimigo. O desejo do liberto é de
   seguir a Jesus (v. 18), mas para isso precisa obedecer primeiro sua Santa Palavra (v. 19-20).


d) Fé e medo (5: 21-43)
          Dois exemplos de fé são colocados juntos nesta narrativa. De um lado Jairo, um homem
   altamente respeitado pela comunidade e proeminente em uma sinagoga judaica (v. 22); de outro
   uma mulher empobrecida por causa dos gastos com médicos (v. 26) e marginalizada por causa
   da sua doença (cf. Lv 15: 19-27). O exemplo de fé da mulher que tocou nas vestes de Jesus,
   certa de que seria curada, deveria ser imitado por Jairo na esperança de cura da sua filha que
   jazia morta há pouco.
          Ambos tinham medo, ela da enfermidade e ele da morte (v. 33, 36). A fé em Jesus os
   libertou do medo e trouxe-lhes paz. Aqueles que crêem em Jesus não tem motivos para temerem
   nem mesmo a morte.


e) Nazaré incrédula (6: 1-6a)
          Quem é Jesus? Um homem comum ou o Filho legítimo de Deus?


          Dentre os seus Jesus foi rejeitado. A palavra grega skandalizo (v. 3) diz que os nazarenos
   voltaram as costas para Jesus após se maravilharem com seu ensino na sinagoga (v. 2).
   Recusaram-se a crer que Deus era a fonte de seu ensino e dos seus milagres, pois preferiram se
   lembrar dele apenas como um homem comum. Eram incrédulos!
Ao longo da história e nos dias de hoje uma multidão de incrédulos questiona a divindade
    de Jesus e atribuem a ele adjetivos que não admitem a natureza divina. Muitos se encantam com
    seus ensinamentos e com seu poder e graça, mas recusam-se a admitir o que é óbvio para os
    olhos da fé: Jesus é Deus! Para os que creem, Jesus é a manifestação suprema de Deus na
    história. Como não segui-lo?


    O Evangelho de Marcos - Parte 3



4. A Fase Final do Ministério na Galiléia: expansão da autoridade de Jesus (6: 6b – 8: 26)
Rejeitado na sua terra, Jesus prepara uma estratégia para a expansão da sua autoridade: seus
    discípulos. Os discípulos serão enviados. Os enviados já passaram algum tempo com Jesus, já
    aprenderam muitas coisas sobre a nova vida a serviço do Reino e aprenderão ainda mais
    servindo ao povo.


<!--[if !supportLists]-->   a) <!--[endif]-->O risco de pregar o arrependimento (6: 6b-44)
             Os discípulos enviados devem demonstrar total dependência de Deus (v. 8-11). A
    autonomia e a independência são características não só de ministérios imaturos, mas também de
    um discipulado fracassado. Eles pregavam o arrependimento como anúncio da instauração do
    reino de Deus (v. 12), bem como curavam enfermos e expulsavam demônios como evidências do
    poder de Deus (v. 13).
             O relato da morte de João Batista, com quem Jesus estava sendo confundido (v. 14-29),
    faz conexão com a pregação do governo de Deus por parte dos discípulos, que contrasta com o
    governo humano de Herodes. João foi morto porque pregou o arrependimento ao governante
    humano que governava em benefício próprio. Jesus governa pelo serviço ao próximo. Ele liberta,
    cura e dá vida no seu reino àqueles que se arrependem e crêem.
             Jesus recebe novamente seus discípulos e encontra uma multidão sem pastor (v. 34). A
    multidão assentada numa relva verde (v. 39) foi alimentada pelo Mestre com a ajuda dos
    discípulos (v. 40-41) e se fartaram (v. 42)<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]-->. O milagre do
    pastor divino e a cooperação dos discípulos anunciam o modelo de ação da igreja no mundo:
    Jesus fornece os recursos para que seus discípulos façam o trabalho.


<!--[if !supportLists]-->   b) <!--[endif]-->Esperança na tribulação (6: 45-56)
             Os discípulos não tinham entendido o milagre dos pães (v. 52), mas Marcos não deixa
    claro sobre o que exatamente eles não tinham compreensão. Jesus os viu lutando contra a
tempestade no mar da Galiléia e se dirige até eles andando sobre as águas (v. 48), deixando a
    todos apavorados. Talvez os discípulos não soubessem ainda a verdadeira natureza de Cristo,
    mesmo tendo testemunhado a autoridade dele sobre o mar e o vento (4: 35-41) e seu poder na
    multiplicação dos pães e dos peixes. Assim, Jesus caminha sobre o mar para demonstrar sua
    divindade (Sl 77: 19; Is 43: 10), e afirma sua natureza ao identificar-se com o poderoso Eu Sou –
    Yahweh (v. 50).
             Jesus inicia seu ministério de cura ao desembarcar. Há pouco, seus discípulos não o
    haviam reconhecido ao andar por sobre as águas (v. 49), mas o oposto acontece quando ele
    desembarca em Genesaré, onde o povo “logo” o reconheceu.



<!--[if !supportLists]-->   c) <!--[endif]-->O conflito com a tradição dos anciãos (7: 1-23)
             Surge um conflito com os fariseus e escribas de Jerusalém por causa de uma tradição dos
    anciãos de lavarem as mãos antes de comerem. O problema não diz respeito à higiene pessoal,
    mas à pureza cerimonial. Não embasada na Lei de Moisés, mas na tradição rabínica apenas. De
    acordo com essa tradição, ser impuro incluía mais coisas do que aquelas declaradas na Torá (Lv
    11). Era um conjunto de mandamentos humanos. Segundo Jesus, a verdadeira natureza da
    impureza era moral e não cerimonial (20-23).


<!--[if !supportLists]-->   d) <!--[endif]-->Entre os gentios (7: 24 – 8: 10)
             O ministério de Jesus na Galiléia terminou e agora ele exemplifica o que explicou sobre
    pureza e impureza na experiência junto aos gentios, comumente chamados pelos judeus de
    “cachorrinhos” (v. 28), por considerá-los impuros, já que não eram descendentes de Abraão.
             Jesus é em primeiro lugar o messias dos judeus (v. 27) e depois o Salvador do mundo (v.
    29 e 30). A prioridade era dada aos israelitas (“primeiro...os filhos”), mas a mulher entende que
    uma migalha de misericórdia já seria suficiente para satisfazê-la nas suas necessidades (v. 28).
    Foi embora para sua casa confiante na palavra de Jesus de que sua filha já estava curada (v. 29
    e 30).
             Ao curar também um homem surdo e gago na região de Decápolis, Jesus deixa claro que o
    governo de Deus será estendido a todos os homens e mulheres (v. 31-37), e não apenas aos
    judeus. Da mesma forma, a segunda multiplicação dos pães e peixes (8: 1-10) esclarece que a
    provisão de Deus também é para os gentios.


<!--[if !supportLists]-->   e) <!--[endif]-->A cegueira dos discípulos (8: 11-26)
             Os fariseus são incapazes de perceber que o ministério de Jesus é divino, pois não
    reconhecem os sinais como sendo de Javé, por isso pedem novos sinais à sua própria escolha. A
    recusa de Jesus mostra que a fé dos verdadeiros discípulos independe de sinais (8: 11-13). O
    grande inimigo da fé é a má influência, referida por Jesus como sendo o fermento dos fariseus e
de Herodes (8: 14-21). Quem se preocupa demais com seus próprios problemas não cresce no
    conhecimento de Deus e o que se vê é uma falsa piedade (como os fariseus) e desconhecimento
    da Verdade revelada em Cristo (como Herodes). Muitas barreiras precisam ser vencidas para que
    os discípulos de Jesus tenham correto entendimento acerca do Reino de Deus.
             Jesus cura um cego em duas etapas. A primeira o homem não via nada a passou a
    enxergar, mas não nitidamente. A segunda etapa foi definitiva. O homem passou a ver
    claramente. Da mesma forma, os discípulos perceberiam em breve que Jesus era o Messias (8:
    39), mas esta visão que teriam não era nítida. Era uma visão distorcida, pois esperavam um
    Messias político. A visão nítida sobre Jesus mostrava um Messias que sofre e morre para
    alcançar a vitória (8: 31; 9: 31; 10: 32).


<!--[if !supportLists]-->   5. <!--[endif]-->O Caminho da Glória e do Sofrimento – Jesus no caminho para a
    Cruz (8: 27 – 10: 52)
<!--[if !supportLists]-->   a) <!--[endif]-->Quem é Jesus? (8: 27-38)
             “Quem dizem os homens que sou eu?” (v. 27). Com esta pergunta Jesus introduz o tema
    que dominará a segunda metade do Evangelho de Marcos, que é o discipulado radical. A
    resposta de Pedro dizendo que ele era o Cristo (ou Messias, que significa “Ungido”) mostra que
    os discípulos sabiam que Jesus é único em relação a Deus e não compartilham da opinião dos
    outros homens (v. 28).
             O ensino de Jesus passa a revelar a verdadeira missão do Filho do Homem, que deveria
    sofrer rejeição e morte. A repreensão de Pedro a Jesus mostra a expectativa equivocada
    daqueles que tem Jesus como Senhor em suas vidas para receber apenas os benefícios de sua
    glória. Cristo é Senhor também em seu sofrimento, rejeição e morte, assim, seus seguidores
    poderiam esperar a mesma coisa. A verdadeira vida é encontrada no caminho da cruz de Jesus e
    não na tentativa de, pelos esforços próprios, tentar se salvar. Jesus não tentou salvar-se a si
    mesmo descendo da cruz (Mc 15: 30), mas suportou a dor do abandono de Deus, pois olhava
    para além da dor (Hb 12: 2).
             Da mesma forma, o discípulo fiel deve carregar a sua cruz, negando-se a si mesmo e
    seguindo os passos de Jesus. Não se trata apenas de carregar um fardo ou abrir mão de coisas,
    mas especialmente deixar Jesus reinar onde antes apenas o ego controlava. Na perspectiva de
    Deus o que aparentemente é perda na realidade é ganho. Quem vive para si, na verdade morre,
    mas quem morre para si alcança vida de verdade.


<!--[if !supportLists]-->   b) <!--[endif]-->A Vinda do Reino de Deus (9: 1-13)
             Na narrativa da transfiguração (v. 2-8) Jesus exemplifica aquilo que disse para confortar
    seus discípulos, ao afirmar que o Reino de Deus virá em poder, mesmo estando camuflado em
    fraqueza (v. 1). Os discípulos tiveram uma prévia do que será o Reino Futuro, onde a
humanidade, bem como a criação, será divinamente transformada em glória. Entretanto, o desejo
    de gozar das maravilhas da glorificação não pode ser empecilho para se viver uma vida de
    crucificação.


<!--[if !supportLists]-->   c) <!--[endif]-->O preço alto da falta de dependência de Deus (9: 14-37)
             A oração confiante é uma disciplina espiritual daqueles que querem desenvolver seu
    ministério na dependência de Deus. A falta de fé pode ser relevada por Deus, pois é ele mesmo
    quem nos dá a capacidade de exercitá-la (Ef 2: 8). Mas a dependência é requisito indispensável
    de alguém que tem Jesus como Senhor em sua vida (v. 18, 28-29). Alguém dependente de Deus
    sabe que o Reino dele é invertido em relação ao mundo, onde os que querem governar são os
    que servem e os que querem ser grandes são os que se fazem pequenos (v. 33-35). O serviço
    humilde é a essência do ministério de Jesus, que, mesmo sendo Deus, viveu para dar a vida a
    seus – discípulos – pequeninos (v. 36-37).


<!--[if !supportLists]-->   d) <!--[endif]-->Valores do Reino (9: 38 – 10: 16)
             Jesus não aprova os sincréticos, neutros, pluralistas e descompromissados, tampouco os
    sectaristas. Aqueles que receberam ordem para expulsar demônios falharam (9: 14-29) e ainda
    excluíram alguém que, em nome de Jesus, cumpriu a tarefa (v. 38-41). O verdadeiro discípulo
    não é identificado pelo grupo a que pertence, mas àquele a quem pertence (v. 40).
             Maus testemunhos e ensinos errados acerca das Escrituras levam a duas conseqüências:
    fazem outros se afastarem de Deus e trazem o juízo para os infratores (v. 42). Entrar na vida (v.
    43) é viver a vida verdadeira, viver de acordo com a vontade de Deus. Assim, o discípulo de
    Jesus sabe que qualquer sacrifício é pequeno demais em comparação à bênção de pertencer a
    Cristo e se relacionar com ele.
             No Antigo Testamento os sacrifícios estavam associados ao fogo (Is 66: 24) e ao sal (Ez
    43: 24), por isso da expressão “cada um será salgado com fogo” (v. 49). Trata-se de uma
    metáfora para explicar a importância do testemunho do discípulo, sofrendo e sendo perseguido se
    necessário, para preservar, como o sal, aquilo que foi purificado por Deus pela provação do fogo.
    É um convite para que o discípulo seja um sacrifício vivo para Deus (Rm 12: 1; c.f. v. 50).
             Os discípulos de Cristo não devem viver de acordo com os valores do mundo, tampouco se
    deixar influenciar por eles (Lv 20: 23; c.f. Mc 10: 2-12). Jesus é claro ao afirmar que o divórcio
    nunca foi uma opção para Deus (10: 3-6). Corações duros são corações indispostos a se
    sacrificarem pelo Reino. Indispostos a darem testemunho que ateste sua nova natureza santa.
    Nota-se que a perseverança no casamento sempre foi um preço muito alto a ser pago por
    aqueles que abdicam de um discipulado radical que implica viver cada vez mais a vontade de
    Deus expressa em sua Palavra e cada vez menos a vontade própria.
Aqueles que reivindicam o direito de pertencer ao Reino, achando-se dignos de tal, são
    confrontados com as palavras de Jesus sobre as crianças (10: 13-16), pois elas são aquelas que
    não têm condições de reivindicarem nada, apenas aceitar o que lhes é oferecido. Apenas aceitar
    o governo daquele que dá. Quem recebe a graça de Deus é participante do seu Reino e digno
    dele. Não é meritório, mas fruto da soberana graça de Deus.



<!--[if !supportLists]-->   e) <!--[endif]-->Vida eterna (10: 17-52)
             Atualmente o discurso moral e ético tem sido muito utilizado na evangelização. Fala-se
    muito sobre valores e sobre comportamentos, mas em muitos casos eles acabam se tornando um
    fim em si mesmo, uma discreta apologia à justiça própria. Não respondem à pergunta crucial feita
    por um jovem (10: 17). Este jovem judeu vivia, aparentemente, um padrão social mais elevado.
    Propriedade, família, relacionamentos, etc. (v. 20; c.f. Ex 20: 13-17). Entretanto, Jesus identificou
    o problema do rapaz: sua riqueza. Possuir riquezas não é errado, exceto quando isso se torna
    motivo de auto-afirmação e independência. O amor ao dinheiro impediu o jovem de seguir Jesus
    (v. 22). O amor de Jesus pelo jovem (v.21) não o fez diminuir as exigências do discipulado
    radical.
             O discurso sobre dinheiro e riquezas continua (10: 23-31) como pano de fundo para o tema
    central do discipulado, que é perder a vida para ganhá-la (8: 34-35). Dentre as seduções da
    pseudo-vida, o dinheiro é uma das principais. Para, então, ter-se verdadeira riqueza, abrir mão do
    amor ao dinheiro é fundamental.
             Nesse tema sobre o relacionamento do cristão com o dinheiro e seu valor ético na
    sociedade, cabe a reflexão de C. S. Lewis:
    Não penso, porém, que se possam estabelecer regras sobre quanto devemos dar. Receio que a única regra
    realmente segura seja dar mais do que podemos. Noutras palavras, se os nossos gastos pessoais com
    comodidades, bens supérfluos, diversões, etc. estão no mesmo nível do daqueles que têm receitas similares às
    nossas, provavelmente estamos dando muito pouco. Se as nossas “esmolas”* não nos levam a privar-nos de alguma
    coisa nem nos atrapalham em nada, eu diria que são modestas demais; tem de haver na nossa vida coisas que
    gostaríamos de fazer e não podemos porque o dinheiro que gastamos em dar “esmolas” não o permite. Convém ter
    presente aqui que falo de “esmolas” no sentido habitual. Casos particulares de apertos econômicos entre parentes,
    amigos, vizinhos, ou empregados que Deus, por assim dizer, nos põe diante dos olhos, podem exigir muito mais,
    talvez até que comprometamos seriamente ou mesmo ponhamos em risco a nossa estabilidade financeira.<!--[if
    !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]-->


    Jesus prediz sua morte e ressurreição (10: 33-34). Seria um caminho de sofrimento. Em
    contraste, seus discípulos Tiago e João desejam o contrário, ou seja, os benefícios da
    glorificação. As orações dos discípulos mostram suas intenções. E as de Tiago e João era de
    serem honrados (v. 37). Os benefícios da glorificação são dados àqueles que partilham do cálice,
ou seja, participam do mesmo destino daquele com quem bebem. A santificação precede a
glorificação e o serviço precede o governo (v. 38-45).
O discípulo radical segue a Cristo em seu caminho de Cruz (v. 51-52). Bartimeu é a tipificação
deste discípulo, pois demonstra dependência de Jesus e incapacidade meritória para a salvação
(v. 47-48), além de preocupar-se mais com o seguir do que com o desfrutar (v. 50), demonstrando
ter visão nítida da relação com o Cristo.
<!--[if !supportFootnotes]-->


<!--[endif]-->
<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Deitar-me faz em verdes
pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas... Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos.
Unge minha cabeça com óleo; o meu cálice transborda.” (Sl 23: 2, 5)
<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> LEWIS, C. S. Mero Cristianismo. São Paulo: Quadrante, 1997. p. 92.
*O termo “esmolas” foi traduzido, neste texto, da palavra inglesa Charity, que poderia ser melhor traduzida como
“Caridade”.


O Evangelho de Marcos - Parte 4




6. O   Ministério Final em Jerusalém – Jesus e o templo (11: 1 – 13: 37)


a) O Messias (11: 1-33)


Jesus chega a Jerusalém e vem em nome de Deus (11: 9-10). Se entrasse montado num cavalo
declararia que sua missão era de guerra, pois o cavalo era um símbolo de conquista. Ao entrar
montado num jumento jamais usado por alguém, Jesus mostra que sua missão era de paz e
também era uma missão sagrada. Os gritos de “Salva-nos!” (Hosana) é um apelo para que Jesus
inaugure a esperada era da salvação (v. 2-8).
Ao amaldiçoar a figueira (v. 12-14) Jesus ilustra o que aconteceu com o lugar sagrado (v. 15-17),
que não dava mais frutos para Deus. Não é preciso um lugar para se ter relacionamento com
Deus, mas apenas fé (v. 22). A mesma fé que identifica nas ações de Jesus a fonte da sua
autoridade (v. 27-33).


b) A vinha (12: 1-17)


Jesus tinha perfeita consciência do que significava cumprir os planos de Deus. Sabia que sua
missão terminaria em morte. A parábola dos lavradores conta um pouco desse plano de Deus,
mas aponta também para o pecado daqueles que rejeitam a autoridade de Jesus. Na história, o
dono da vinha é Deus, que envia alguns dos seus servos (profetas) para colherem frutos da
aliança com Israel. Aqueles que possuíam autoridade sobre a vinha (Sinédrio) maltrataram e até
mataram alguns desses servos. Deus então envia seu Filho como demonstração de misericórdia
e amor, mas os lavradores querem matá-lo. Uma história que mostra ainda que aquele que foi
rejeitado se tornará pedra angular do novo Templo de Deus (Sl 118: 22).
A Igreja é de Deus, mas às vezes os cristãos se esquecem de servi-la como filhos e servos e o
fazem como lavradores maus. Da mesma forma que os líderes judaicos administravam mal o
serviço no templo fazendo dele fonte de lucro pessoal (11: 17) muitos líderes de igrejas cristãs
tem buscado o sucesso ministerial (profissional) em troca da fidelidade a Deus.



Uma parte da responsabilidade dos cristãos é a de levar a imagem de Deus na sociedade.
Cumprindo suas responsabilidades para com o governo secular e para com a sociedade de
maneira geral, o cristão cumpre também o papel de administrador fiel da igreja de Deus (v. 13-17;
c.f. Rm 13: 6-7).




c) O amor (12: 18-44)


Deus em seu amor não nos deixará à morte, por isso é chamado Deus dos vivos (12: 27). A
ressurreição liberta. Os saduceus (partido religioso judeu) deram provas de que é possível saber
da existência de textos das Escrituras, citá-las, inclusive, mas ao mesmo tempo não conhecê-las
(v. 24). A Palavra de Deus é o poder de Deus. Aqueles que a conhecem e dela, pela fé,
dependem, são conhecedores e experimentadores desse poder que vence a morte e dá vida.

A essência do ensino de Jesus foi respondida a um escriba interessado nos ensinamentos do
Mestre. O discípulo deve amar a Deus com a totalidade do seu ser. Sentimentos, pensamentos e
esforços físicos são formas de se buscar o relacionamento com Deus e amá-lo (v. 29-30). A partir
dessa relação de amor é que se torna possível o amor ao próximo (v. 31). Ama-se Deus para se
aproximar dele; ama-se ao próximo para tornar-se como Deus.



Jesus se retiraria do templo para nunca mais voltar. Novamente a pergunta: “Quem é Jesus”? Os
verdadeiros discípulos são os únicos que tem condições de responder tal pergunta, pois são os
únicos verdadeiramente devotados a Deus, os únicos dispostos a perder tudo para seguir a Cristo
e os únicos que confiavam plenamente que Deus é quem cuida das suas vidas. Características
encontradas na viúva pobre (12: 41-44).




d) Antes do fim (13: 1-23)


O templo de Jerusalém foi destruído em 70 d.C. por ordem do imperador romano Tito. Tal evento
foi predito pelo Senhor Jesus (v. 2), mas o mais importante para Jesus é a perseverança que
seus discípulos devem ter em tempos de dificuldade (v. 3-23).


Esse discurso de Jesus no monte das Oliveiras é o maior do livro de Marcos. Os leitores do
evangelista receberam, aqui, orientações suficientes para vencerem o dia mau da perseguição.
Inicialmente Marcos relata o que deve acontecer antes do fim dos tempos, a saber: 1) o
aparecimento de falsos messias (v. 4-8); 2) o “princípio das dores” (v. 8); 3) a perseguição dos
discípulos (v. 9-13), e; 4) grande tribulação e profunda angústia (v. 14-23). Estes acontecimentos
não se referem ao fim dos tempos, mas aos sinais do fim. São sinais característicos do período
entre a ressurreição e a volta (parousia) de Jesus. Desastres da natureza, fome, perseguição e
guerras são alguns sinais de que o plano de Deus está sendo cumprido. Vários impostores
aparecerão tentando interpretar os sinais e propondo saídas para a dificuldade.



e) O fim (13: 24-27)

A vinda de Jesus sobre a terra foi um evento histórico, não apenas da história dos que crêem,
mas de toda a humanidade. Da mesma forma, a volta de Jesus marcará a história humana.

Jesus voltará em poder e glória, um aparecimento digno do Rei da Glória (v. 26-27). Uma
parábola ensina que aqueles que virem o “abominável da desolação” podem ter certeza que a
volta de Jesus está próxima, da mesma forma como os que vêem uma figueira brotando as folhas
depois de terem caído no inverno, certos de que o verão se aproxima. Cabe aos discípulos
estarem preparados para o grande dia (v. 28-37).

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Marcos pastor gustavo

  • 1. Desejos frustrados Estudo dos Evangelhos A partir de hoje tentarei publicar semanalmente alguns breves estudos sobre os Evangelhos. Bibliografia utilizada: CARSON, D.A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997. DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 1995. GUNDRY, Robert Horton.Panorama do Novo Testamento. 3 .ed. atual. e ampl. São Paulo, Vida Nova, 2008. HENDRIKSEN, William. Mateus: volume 1. São Paulo, Cultura Cristã, 2001 HENDRIKSEN, William. Mateus: volume 2. São Paulo, Cultura Cristã, 2001. LEWIS, C. S. Mero Cristianismo. São Paulo: Quadrante, 1997 LOHSE, Eduard. Contexto e Ambiente do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2000.
  • 2. MULHOLLAND, Dewey M. Marcos: Introdução e Comentário. São Paulo, Vida Nova. 1999 SCHWARZ, John. Manual da Fé Cristã. Belo Horizonte, Betânia. 2002. www.tempora-mores.blogspot.com (publicação do dia 20/07/2011) Recomendo: Meditações no Evangelho de Marcos - J. C. Ryle - Editora Fiel Introdução aos Evangelhos O que é o Evangelho? É um vocábulo que deriva do grego euanggelion (eu = bom + anggelion = mensagem/notícia). Essa boa notícia é o anúncio de Jesus Cristo, que viveu, morreu pelos pecados dos homens e mulheres, e ressuscitou. Pode-se dizer que é uma palavra distintamente neo-testamentária, pois aparece mais de setenta e cinco vezes com o significado específico de Boas Novas. Já no Antigo Testamento, é encontrado apenas uma vez em sua tradução grega (septuaginta – LXX), no texto de 2 Sm 4: 10, mas com o significado de uma recompensa em troca de uma boa notícia, mesmo que a recompensa, neste caso, tenha sido a morte do mensageiro. Entretanto, a idéia neotestamentária das Boas Novas de Jesus como ação redentora e graciosa de Deus é encontrada em todo o Antigo Testamento, especialmente na menção ao Messias prometido. O texto de Gênesis 3: 15 é amplamente conhecido como o proto-evangelho, pois faz referência a Jesus logo na ocasião da Queda.
  • 3. Curiosidade: A palavra Evangelho raramente é achada no sentido de “boas novas” fora da literatura cristã primitiva. Conforme Homero, em Odisséia, o termo referia-se à recompensa dada ao mensageiro, não à mensagem em si. A partir do século II sua forma plural (evangelhos/euanggelia) – passou a ser usada em referência aos quatro primeiros livros do NT. Quantos Evangelhos? A literatura cristã exerceu certa influência cultural, ocasionando o surgimento de gêneros literários que receberam o nome de epístolas e evangelhos, além da literatura apocalíptica. O termo evangelho como gênero literário caracterizava-se basicamente por conter obras escritas por diversos autores, que reivindicavam autoria de personagens da tradição cristã (Tiago, Pedro, Judas, etc), e conteúdo que supostamente registravam palavras e obras de Jesus. Existiam mais de vinte evangelhos diferentes, além dos quatro canônicos, que fazem parte do conjunto de livros não-canônicos denominados Livros Apócrifos (literalmente: ocultos; usualmente: espúrio/falso). Os motivos principais pelos quais os demais evangelhos não fizeram parte do cânon bíblico são: a) dúvidas quanto a real autoria dos escritos, não podendo afirmar que foram escritos por algum dos apóstolos de Jesus ou por alguém que com eles andou; b) pouca aceitação e aplicação dos escritos nas comunidades cristãs da época. Por outro lado, a escolha de quatro evangelhos e não apenas de um foi defendida pelos pais da igreja por acharem que cada um deles trazia um testemunho valioso e diferente a respeito de Jesus, pois haviam sido escritos para públicos distintos, com ênfases diferentes. Assim, a compreensão acerca de Jesus é mais rica e profunda se baseada em quatro relatos autênticos em vez de um. O Evangelho de Marcos foi o primeiro a ser escrito, no final da década de 50 d.C. ou início da década de 60 d.C., para os cristãos que sofriam perseguições em Roma. Mateus escreveu a judeus crentes em meados da década de 60 d.C., e quis mostrar que Jesus era o Messias. Lucas retratou Jesus como o Salvador para todas as pessoas no final da década de 60d.C. ou início da década de 70 d.C.. João, o último a ser escrito, entre os anos 80 e 90 d.C., queria que seus leitores compreendessem que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo. Nenhum dos Evangelhos traz o nome do seu autor em seu texto. Foi a Tradição Cristã que os identificaram a partir da primeira metade do segundo século d.C..
  • 4. A disposição bíblica dos Evangelhos, começando com Mateus e terminando com João, tentou obedecer a ordem cronológica de suas compilações, apenas com a inversão de Marcos, primeiro a ser escrito, com Mateus, o segundo, pois, dentre outros motivos, entendeu-se que este, por ter sido escrito a judeus, faria melhor a conexão com o Antigo Testamento. Curiosidade: Mateus é representado por um homem, pois mostra a humanidade de Jesus; Marcos é representado por um leão, que simboliza o grande poder de Jesus; Lucas é representado por um boi, animal usado nos sacrifícios e simbolizando a morte expiatória de Jesus; João é representado por uma águia, ave que voa mais alto que as outras, simbolizando a divindade de Jesus. Desta forma, os Evangelhos são documentos escritos por cristãos, especificamente apóstolos (Mateus e João) ou discípulos destes (Marcos e Lucas), guiados por Deus para realização dos seus trabalhos (cf. Lc 1:1-3), cujo propósito principal é o registro da ação salvadora de Deus operada em Jesus Cristo através da narrativa de seu nascimento, vida, morte e ressurreição. Os quatro Evangelhos canônicos tiveram ampla aceitação e circulação nas comunidades cristãs primitivas, diferentemente dos demais documentos chamados apócrifos que, de maneira geral, tinham por objetivo principal satisfazer a curiosidade acerca do Jesus histórico. A Igreja Cristã primitiva, bem como as igrejas oriundas da Reforma Protestante, consideram não- inspiradas por Deus, portanto, inválidas, quaisquer informações acerca do Jesus histórico contidas em fontes extra-bíblicas. Por outro lado, todos os registros históricos nos Evangelhos, assim como em toda a Bíblia, devem ser aceitos como verdadeiros, pois entende-se que a ação redentora de Deus em Jesus Cristo teve seu lastro temporal na história da humanidade, e todos os eventos lá narrados contribuem para o propósito principal de salvação mediante a fé. OS EVANGELHOS SINÓTICOS Os três primeiros Evangelhos são chamados de Evangelhos Sinóticos (do grego synopsis = ver em conjunto), termo utilizado pela primeira vez já no século XVIII, tendo em vista as inúmeras semelhanças estruturais, de enfoque e conteúdo que Mateus, Marcos e Lucas tem entre si.
  • 5. Os três Evangelhos estruturam o ministério de Jesus obedecendo a uma seqüência geográfica geral, em que o mesmo começa na Galiléia, vai para o norte, em seguida na Judéia e Peréia, e finalmente em Jerusalém. Os evangelistas sinóticos criam um clima de ação intensa e ininterrupta quando apresentam Jesus constantemente em ação, realizando milagres, por exemplo, mais do que ensinando. Quanto ao conteúdo, são narrados muitos dos mesmos acontecimentos. Mais de 600 dos 661 versículos de Marcos podem ser encontrados em Mateus e mais ou menos 380 versículos de Lucas são semelhantes ao material de Marcos. Provavelmente, Mateus e Lucas usaram Marcos na compilação dos seus Evangelhos. Além disso, 235 versículos que são comuns em Mateus e Lucas não são encontrados em Marcos, o que levanta a hipótese daqueles terem à disposição um outro documento. Este outro possível documento recebeu o nome de “Fonte Q” (letra inicial do vocábulo alemão “quelle”, que significa “fonte”). Não se tem prova concreta da existência deste. O Reino de Deus O principal ensino de Jesus nos Evangelhos Sinóticos é sobre o Reino de Deus, termo que aparece cerca de cinqüenta vezes nos três livros. A expressão não se refere a um reino geográfico ou político, mas a um governo espiritual de Deus. Jesus veio para inaugurar o reino, que já está presente, mas ainda não se manifestou plenamente. O convite é feito para que todos aqueles que se arrependerem de seus pecados e crerem em Jesus Cristo tomem parte neste reino. Os cristãos e a igreja são, pois, testemunhas da manifestação futura e triunfante deste reino. Apócrifos Evangelhos Apócrifos Fonte: www.tempora-mores.blogspot.com (com adaptações) Esses evangelhos são geralmente classificados em narrativas da infância de Jesus, narrativas da vida e da paixão de Jesus, coleção de ditos de Jesus e diálogos de Jesus. As narrativas da infância mais conhecida são o Proto-Evangelho de Tiago, Evangelho de Tomé o Israelita, o Livro da Infância do Salvador, a História de José, o Carpinteiro, o Evangelho Árabe da Infância, a história de José e Asenate e o Evangelho Pseudo-Mateus da Infância. Entre as narrativas da vida ou paixão de Cristo mais importantes se destacam o Evangelho de Pedro, o Evangelho de Nicodemus, o Evangelho dos Nazarenos, o Evangelho dos Hebreus, o Evangelho dos Ebionitas e o Evangelho de Gamaliel. Existem apenas dois que se enquadram na categoria de coleção de ditos de Jesus, o Evangelho de Tomé e o suposto documento Q (quelle, “fonte” em alemão), do qual não se tem prova concreta da existência. Na categoria de diálogos de Jesus com outras pessoas e revelações que
  • 6. ele fez em secreto mencionamos o Diálogo com o Salvador e o Evangelho de Bartolomeu. Essas obras são chamadas de evangelhos apócrifos por que não são considerados como obras genuínas, produzidas pelos apóstolos ou pelos supostos autores. Além disso, pretendem transmitir um conhecimento esotérico, oculto, além daquele conhecimento dos apóstolos. Em grande parte, esses evangelhos foram escritos por autores gnósticos com o propósito de difundirem as suas idéias no meio da igreja, usando para isso a autoridade dos evangelhos canônicos e dos apóstolos. Alguns deles foram encontrados século passado em Nag Hammadi, norte do Egito. O Proto-evangelho de Tiago, por exemplo, escrito no século II, que descreve o nascimento e a infância de Jesus e a juventude da Virgem Maria, é tipicamente uma tentativa de satisfazer à curiosidade popular em torno de coisas não mencionadas nos evangelhos canônicos. A teologia desse "evangelho" é a de um docetismo popular: Jesus tem um corpo não sujeito às leis do espaço e do tempo. O escrito não tem valor como fonte histórica sobre Jesus. Outro exemplo é o Evangelho da Verdade. Esse não é um evangelho no sentido costumeiro da palavra; é antes uma meditação, uma espécie de sermão sobre a redenção pelo conhecimento (gnosis) de Deus. É atribuído ao gnóstico Valentino, que viveu em meados do século II e por conseguinte, não ajuda em nada a pesquisa sobre o Jesus histórico. Na mesma linha vai o Evangelho de Filipe, escrito antes de 350. É, evidentemente, uma compilação de materiais mais antigos. O texto causou certo sensacionalismo quando da sua publicação, porque sugere uma relação amorosa entre Jesus e Maria Madalena. O Evangelho de Pedro – um fragmento que se conservou – descreve o processo contra Jesus, sua execução e sua ressurreição. Sua cristologia é a do docetismo: aquele que sofre e morre é apenas uma aparição do verdadeiro Jesus, que é divino e por isso não pode sofrer e morrer. Conforme esse evangelho, o corpo de Jesus se volatiliza na cruz antes de subir ao céu. É preciso dizer que existem vários destes evangelhos apócrifos que foram compostos por autores cristãos desconhecidos, não gnósticos, e que aparentam refletir um tipo de cristianismo popular marginal. A maior parte deles pretende suprir a falta de informação histórica nos evangelhos canônicos, fornecendo detalhes sobre a infância de Jesus, diálogos dele com os apóstolos, informações sobre Maria e demais personagens que aparecem nos evangelhos tradicionais. Em alguns casos, parece que foram escritos para defender doutrinas não apostólicas e que estavam começando a ganhar corpo dentro do Cristianismo, como por exemplo, o conceito de que Maria é mãe de Deus e medianeira. O Proto-Evangelho de Tiago, já do séc. III, explica porque Maria foi a escolhida: por sua virgindade e santidade, e a defende como mãe de Deus e medianeira. Alguns contém exemplos morais não recomendáveis. Por exemplo, o Evangelho de Tomé, o Israelita, narra diversos episódios em que o menino Jesus amaldiçoa e mata quem fica em seu caminho. Quase todos são recheados de histórias lendárias e bobas, como o Evangelho de Nicodemus, que narra como José de Arimatéia, Nicodemus e os guardas do sepulcro se tornaram testemunhas da ressurreição de Jesus. É um livro cheio de lendas, fantasias e histórias fantásticas. Os evangelhos apócrifos usaram diversas fontes em sua composição: o Antigo Testamento, os próprios evangelhos canônicos e as cartas de Paulo. Usaram também tradições cristãs extra- canônicas, de origem desconhecida e suas próprias idéias e conceitos. A Atitude da Igreja para com os Evangelhos Apócrifos
  • 7. No período pós-apostólico alguns desses Evangelhos chegaram a ser recebidos por um tempo, como leitura proveitosa, como o Evangelho de Pedro, a princípio recomendado por Serapião, bispo de Antioquia em 191 d.C., mas depois, ele mesmo reconhece que ele tem elementos estranhos e o desrecomenda. Assim, nenhum deles jamais foi reconhecido como autêntico e apostólico. Desde cedo a Igreja Cristã rejeitou estas obras, pois não preenchiam o critério de canonicidade: não foram escritas pelos apóstolos ou por alguém ligado a eles, contradiziam a doutrina cristã, tinham exemplos e recomendações morais e éticas pouco recomendáveis, e seus autores falsamente atribuíram a autoria aos apóstolos, como por exemplo, o Evangelho de Tomé, de Pedro, de Bartolomeu, de Filipe. Além do mais, suas histórias fantásticas acerca de Cristo claramente revelavam seu caráter especulativo e supersticioso, ao contrário da sobriedade e da seriedade dos evangelhos bíblicos. Não é de admirar, portanto, que eles não aparecem em nenhuma das listas canônicas, onde os 4 evangelhos canônicos aparecem. Aqui cabe-nos mencionar o testemunho de Eusébio em sua História Eclesiástica, ao falar do Evangelho de Pedro, Tomé e Matias: "Nenhum desses livros tem sido considerado digno de menção em qualquer obra de membros de gerações sucessivas de homens da Igreja. A fraseologia deles difere daquela dos apóstolos; e opinião e a tendência de seu conteúdo são muito dissonantes da verdadeira ortodoxia e claramente mostram que são falsificações de heréticos. Por essa razão, esse grupo de escritos não deve ser considerado entre os livros classificados como não autênticos, mas deveriam ser totalmente rejeitados como obras ímpias". Essa postura prevaleceu até a Reforma Protestante e o período posterior chamado de ortodoxia protestante. Com a chegada do método histórico-crítico, filho do Iluminismo e do racionalismo, passou-se a negar a autoria apostólica e a inspiração divina dos Evangelhos canônicos. Os mesmos passaram a ser vistos como produção da fé da Igreja, sem valor real para a reconstrução do Jesus histórico. Dessa perspectiva, os evangelhos apócrifos chegaram então a ser considerados como literatura tão válida como os canônicos para nos dar informações sobre o Cristianismo nascente, embora não sobre o Jesus histórico. O renascimento do interesse pelos evangelhos apócrifos, em particular, os gnósticos. A partir da visão crítica defendida pelo liberalismo teológico e pelo método histórico-crítico, em anos recentes os evangelhos escritos pelos gnósticos passaram a receber grande atenção e importância nos estudos neotestamentários das origens do Cristianismo e na chamada busca do Jesus histórico. Vários fatos têm contribuído para isso. Primeiro, o surgimento do Jesus Seminar nos Estados Unidos, considerada a 3ª. etapa da busca do Jesus histórico iniciada pelos liberais do século XVIII. Um de seus membros mais conhecidos, cujas obras têm sido traduzidas e publicadas no Brasil é John Dominic Crossan. Em sua obra O Jesus Histórico: A vida de um camponês judeu do mediterrâneo de 1991, ele emprega os apócrifos Evangelho de Pedro e especialmente o Evangelho de Tomé para a reconstrução do Jesus histórico. Segundo Crossan, essas duas obras são mais antigas que os Evangelhos canônicos e contém informações importantes que não foram incluídas em Mateus, Marcos, Lucas e João. Essa atitude de Crossan é característica dos demais membros do Jesus Seminar e de muitos outros eruditos neotestamentários, que aceitam a autoridade dos evangelhos apócrifos, especialmente os gnósticos, acima daquela dos canônicos.
  • 8. Aqui podemos mencionar Elaine Pagels, cuja obra Os Evangelhos Gnósticos, recentemente traduzida e publicada em português, vai nessa mesma direção. Segundo, a publicidade e o sensacionalismo da grande mídia em torno da descoberta e publicação dos textos dos evangelhos gnósticos, como o Evangelho de Judas e de Tomé. A mídia tem difundido a teoria de que a Igreja cristã teria ocultado e guarda até hoje outros evangelhos que remontam à época de Jesus e que contradiriam e refutariam totalmente o Cristianismo tradicional e ortodoxo. A veiculação pela mídia vai na mesma linha de propaganda e especulações anticristãs voltadas mais diretamente contra a Igreja Católica Romana e que acaba respingando nos protestantes, especialmente as igrejas históricas. Em 2004 foi o Evangelho de Tomé. Em 2006 foi a vez do Evangelho de Judas ganhar a capa de revistas populares pretensamente científicas. A ignorância dos articulistas, o preconceito anticristão, a busca do sensacionalismo, tudo isso contribuiu para que a publicação do manuscrito copta do Evangelho de Judas recebesse uma atenção muito maior do que a devida. Em 2007 foi a suposta sepultura de Jesus, uma inscrição antiga contendo o nome de Tiago, irmão de Jesus, e outras “descobertas” arqueológicas, fizeram a festa da mídia em anos mais recentes. Não se deve pensar que essa atitude é um fenômeno atual. Desde os primórdios do Cristianismo, escritores pagãos como Celso e Amiano Marcelino publicam material atacando as Escrituras e o Cristianismo. Quando da descoberta dos Manuscritos do Mar Morto e das polêmicas e questões inclusive legais que envolveram a tradução e a publicação dos primeiros rolos, a imprensa da época especulava que os Manuscritos representariam o fim do Cristianismo, pois traria informações que contradiriam completamente o Evangelho. Os anos se passaram e verificou-se a precipitação da imprensa. Os rolos na verdade tiveram o efeito contrário, confirmando a integridade e autenticidade do texto massorético do Antigo Testamento. Terceiro, produções de Hollywood como “O Código da Vinci”, “O Corpo”, “Estigmata”, “A última Ceia de Cristo” que se baseiam nesses evangelhos gnósticos têm servido para difundi-los popularmente. O Evangelho de Judas Examinemos mais de perto os dois evangelhos gnósticos que têm atraído recentemente a atenção da academia e do público em geral, que são os evangelhos de Judas e de Tomé. O Evangelho de Judas preservou-se em um manuscrito copta do século IV, que supostamente conteria uma tradução do evangelho apócrifo grego de Judas, cuja origem é estimada em meados do século II. A restauração e a tradução do manuscrito copta foram anunciados em 6 de abril de 2006, pela National Geographic Society em Washington. Não se trata da descoberta do Evangelho de Judas. O mesmo já é um velho conhecido da Igreja cristã. Elaborado em meados do século II, provavelmente na língua grega, era conhecido de Irineu, um dos pais apostólicos. Na sua obra Contra as Heresias, Irineu o menciona explicitamente, como sendo uma obra espúria produzida pelos gnósticos da seita dos Cainitas. No século V o bispo Epifânio critica o Evangelho de Judas por tornar o traidor em um feitor de boas obras.
  • 9. Não se trata também da descoberta de um manuscrito antes desconhecido contendo essa obra. Acredita-se que o único manuscrito conhecido, escrito em copta, foi descoberto em meados da década de 1950 e depois de uma longa peregrinação nas mãos de colecionadores, bibliotecas, comerciantes de antiguidades e peritos, chegou às mãos das autoridades. Sua existência foi anunciada ao mundo em 2004. Trata-se de um códice com 25 páginas de papiro, envoltas em couro, das 62 páginas do códice original. Somente essas 25 páginas foram resgatadas pelos especialistas. A tradução que veio a lume em 2006 é dessas páginas. O que é de fato novo é a tradução do texto desse apócrifo, texto até então desconhecido. Contudo, o ponto central que a mídia tem destacado com sensacionalismo, já era conhecido mediante as citações de Irineu e Epifânio, ou seja, que esse evangelho procura reabilitar Judas da pecha de traidor, transformando-o em vítima e herói. Várias matérias publicadas na mídia diziam que Judas Iscariotes é o autor desse evangelho. Contudo, não existe prova alguma disso. Segundo o relato dos quatro Evangelhos canônicos, Judas suicidou-se após a traição. Como poderia ser o autor dessa obra? Irineu, no século II, atribuía a autoria do evangelho de Judas aos Cainitas, uma seita gnóstica. No códice descoberto e agora publicado, não consta somente o evangelho atribuído a Judas, mas duas obras a mais: a “Carta a Filipe” atribuída ao apóstolo Pedro e “Revelação de Jacó”, relacionado com o patriarca hebreu. A presença do evangelho de Judas em meio a essas duas obras apócrifas é mais uma prova da autoria espúria desse evangelho. Chega a ser irritante o preconceito da mídia, que sempre veicula matérias que negam a autoria tradicional dos Evangelhos canônicos, mas que rapidamente atribui a Judas Iscariotes a autoria desse apócrifo. O manuscrito que agora foi traduzido não data do século II, mas do século IV. Especula-se que é uma tradução para o copta de uma obra mais antiga escrita em grego, que por sua vez dataria de meados do século II. Daí a inferir a autoria de Judas Iscariotes, que morreu na primeira parte do século I, vai uma grande distância. A seita dos Cainitas, segundo Irineu em Contra as Heresias, era especialista em reabilitar personagens bíblicas malignas, como Caim, os sodomitas e Judas. A produção de um evangelho reabilitando o traidor se encaixa perfeitamente no perfil da seita. Ao final, pesando todos os fatos e filtrando o sensacionalismo e o preconceito anticristão, a publicação do evangelho de Judas em nada contribuirá para nosso conhecimento do Judas Iscariotes histórico e muito menos do Jesus histórico – servirá apenas para nosso maior conhecimento das crenças gnósticas do século II. Não representa qualquer questionamento sério do relato dos Evangelhos canônicos, cuja autoria e autenticidade são muito mais bem atestadas, datam do século I e receberam reconhecimento e aceitação universal pelos cristãos dos primeiros séculos. O Evangelho de Tomé Esse Evangelho consiste numa coleção de 114 ditos que Jesus supostamente teria ditado a seu irmão gêmeo, Tomé. Ele faz parte da livraria gnóstica descoberta em Nag Hammadi em meados do século passado. O que temos é um manuscrito copta, tradução de uma versão em grego desse Evangelho, datada do séc. III. Calcula-se que o evangelho original deve ter sido escrito no séc. II. Não se trata de um evangelho no sentido usual do termo, visto que não contém qualquer narrativa sobre o nascimento, ministério ou paixão de Cristo. Trata-se de uma coleção de ditos de Jesus sem qualquer moldura geográfica, temporal ou histórica que nos permita localizar quando, onde e
  • 10. em que contexto Jesus os teria pronunciado. Calcula-se que foi escrito na região da Síria, onde existem tradições sobre o apóstolo Tomé e onde se sediava a seita dos encratitas, ascéticos que defendiam uma forma heterodoxa de Cristianismo. Apesar de trazer muitas citações dos evangelhos canônicos, a teologia do Evangelho de Tomé é abertamente gnóstica. Defende a salvação através do conhecimento secreto e esotérico que Jesus revelou a seu discípulo Tomé. Está eivado das dicotomias e dualismos característicos do pensamento gnóstico mais evoluído do séc. II. Trata-se claramente de uma produção dos mestres gnósticos, que se valeram dos evangelhos canônicos e do nome do apóstolo Tomé para divulgar e espalhar suas crenças. Postado por Coluna e Baluarte da Verdade Introdução ao Evangelho de Marcos O Autor: João Marcos, filho de Maria, companheiro de Paulo, primo de Barnabé e discípulo de Pedro, mencionado em Atos e nas Epístolas (At 12: 12, 25; Cl 4: 10; 2 Tm 4: 11; Fm 24; 1 Pe 5: 13). Papias, Bispo de Hierápolis, um dos pais da Igreja que viveu no século II d.C., afirmou que “Marcos, que era o intérprete de Pedro, registrou com exatidão tudo quanto lembrava, quer as declarações, quer os feitos de Cristo, mas não de forma ordenada. Pois não foi nem ouvinte nem companheiro do Senhor”.[1] Data: Entre o final da década de 50 d.C. e início da década de 60 d.C. tem sido a data mais aceita dentre os estudiosos. É sabido que Lucas também escreveu o livro de Atos dos Apóstolos e o encerrou antes do julgamento de Paulo em Roma, pois tal ainda não havia ocorrido. Assim, pode-se datar o livro de Atos antes de 63 d.C.. Como o Evangelho de Marcos foi utilizado por Lucas na compilação da primeira parte da sua obra de dois volumes, Marcos deve ser situado em data um pouco mais recuada. Destinatários: Leitores Romanos Gentios, pois existe a preocupação em traduzir expressões aramaicas (3: 17; 5: 41; 7: 34; 14: 36; 15: 34); são poucas as referências ao Antigo Testamento,
  • 11. mostrando que seus leitores não estavam familiarizados com a língua aramaica tampouco com a Antiga Aliança; explica expressões gregas usando equivalentes latinos (12: 42; 15: 16); a menção a Rufo (15: 21) que vivia em Roma (Rm 16: 31); e o destaque dado à declaração de um oficial romano ao pé da cruz: “Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus.” (15: 39) Propósitos: Marcos escreveu seu relato da vida, morte e ressurreição de Jesus tendo em vista as necessidades da sua igreja, mas os temas propostos por ele são relevantes para nossa igreja também, e não apenas para aquela geração. Os principais objetivos de Marcos eram: a) converter não-cristãos a despeito da vergonha da cruz, tendo em vista o realce ao poder de Jesus na operação de milagres, na expulsão de demônios, no ensino extraordinário e na vitória sobre oponentes em debates, no atrair as multidões, na predição do futuro e na ressurreição de mortos, em contraposição à morte humilhante destinada somente a criminosos e escravos; b) encorajar cristãos perseguidos e sofredores à perseverança, lembrando-os de que devem seguir os passos de Jesus (8: 34), pois ele triunfou sobre o mal apesar das aflições, e cumprirá suas promessas. Características Principais: São três: a) Marcos dá ênfase à ação e pouca importância a longos discursos. Com uma narrativa ágil sinalizada com expressões do tipo “imediatamente”, “logo em seguida”, “então”, “a seguir” e outras mais, o evangelista coloca Jesus em constante movimento: curando, expulsando demônios, ensinando, etc.. b) Marcos organiza o material com base em palavras-tema e não com base na cronologia dos eventos. Por exemplo: Palavra-tema Autoridade – Jesus tem autoridade para perdoar pecados, comer com publicanos, curar no sábado, permitir que seus discípulos cessassem de jejuar, etc (Mc 2: 1 - 3: 6). c) Paradoxos (Mc 8: 34 e 10: 33): Esplendor X Humilhação; Teologia da Glória X Teologia da Cruz; Benefícios da Ressurreição X Conseqüências da Santificação (sofrimento). Temas: O tema central é Jesus Cristo, o esplendoroso Filho de Deus. Seu brilho é revelado através das múltiplas facetas realizadas em vida, mas também através da sua morte e ressurreição. O tema secundário é o discipulado radical daqueles que querem se identificar com Jesus. O discipulado é difícil e a perseguição é inevitável (8: 34-37; 12: 44; 14: 3-5; 10: 30; 13: 9- 13), mas embora os discípulos não tenham o correto entendimento das coisas, eles serão cheios do Espírito (4: 40; 6: 52; 9: 6; 13: 11; 10: 39). Contribuições Teológicas: Por ter sido o primeiro Evangelho a ser escrito, a primeira grande contribuição de Marcos foi a vinculação da fé cristã a acontecimentos históricos. A vida, morte e
  • 12. ressurreição de Jesus não são eventos produzidos pela mente religiosa, sem qualquer lastro na história. Pelo contrário, marcam o momento em que Deus efetivamente manifestou-se na história da humanidade. A segunda grande contribuição de Marcos foi mostrar que salvação envolve viver e morrer com Cristo e não apenas ressuscitar com ele. O discipulado radical tem um preço, que pode significar deixar a família, abrir mão de recursos e até entregar a própria vida. Marcos reprova o cristianismo fácil e superficial. <!--[if !supportFootnotes]--> <!--[endif]--> <!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> Texto registrado na História da Igreja (História Ecclesiástica) de Eusébio, escrita em 325 d.C.. COLUNA E BALUARTE DA VERDADE "Creio no cristianismo como no sol que se levanta. Não só porque o vejo, mas porque através dele vejo tudo o mais" (C. S. Lewis) sábado, 18 de fevereiro de 2012 O Evangelho de Marcos - Parte 1 1. Antecedentes do Ministério (1: 1-13) Marcos inicia seu Evangelho descrevendo os preparativos para a vinda e Ministério de Jesus. Para o autor, as boas novas de salvação (1: 1) começam com João Batista (1: 2-11), em cumprimento às promessas feitas no passado (Ml 3:1; Is 40: 3). O aparecimento de João no deserto pregando o batismo de arrependimento lembra o profeta Elias (1: 6, cf. 2 Rs 1: 8). Mas o ponto central da sua mensagem é a importância do arrependimento e da confissão dos pecados para o recebimento daquele que traz a completa regeneração pelo batismo no Espírito (1: 4-8). A palavra grega usada para arrependimento é metanóia, significando mudança deliberada de comportamento. A mensagem de João, então, diz que é necessário uma nova atitude de coração e mente (arrependimento), seguida de uma demonstração audível dessa mudança (confissão) e um sinal visível da purificação moral decorrente do arrependimento (batismo). Lembremo-nos de que o arrependimento verdadeiro produz sinais visíveis na vida do crente. Em primeiro lugar a mudança de comportamento, deixando de fazer o que é errado e passando a fazer o que é correto diante de Deus. Em segundo lugar o apego às Escrituras (Ml 3: 7).
  • 13. Ao ser batizado nas águas (1: 9-11) mesmo não sendo pecador (cf. 2 Co 5: 21), Jesus se identifica com os pecadores e dá o primeiro sinal de que sua vida será vivida em solidariedade à condição humana. Além disso, ao receber o Espírito Santo que desceu como uma pomba (ave tida como divina no mundo helenístico), todas as ações e palavras de Jesus passam a ter a autoridade e o poder de Deus. Guiado pelo Espírito, a primeira ação de Jesus é ir para o deserto, onde ficou por quarenta dias sendo servido por anjos apesar de estar em meio a feras, e ser tentado por satanás (1: 12-13), mais uma forma de identificar-se com aqueles que seriam seus seguidores. João Marcos diz que a boa notícia de salvação começa com a necessidade de mudança de comportamento. A solidariedade de Jesus com a condição humana caída não ofusca a seriedade com que o pecado deve ser tratado e a importância do arrependimento. Os que seriam batizados no Espírito Santo começam a perceber no exemplo de Jesus algumas características que fazem parte do discipulado radical: deserto, tentação, providência, poder e autoridade em Deus. 2. A primeira parte do ministério na Galiléia: a autoridade de Jesus é confirmada e contestada (1: 14 - 3: 6) a) A Autoridade de Jesus é Confirmada (1: 14 – 45) A era dos profetas antigos se encerra com a morte de João Batista e Deus usa Jesus para inaugurar o Seu Reino (v. 14-15). A ênfase é dada não só ao arrependimento, mas também à fé. Ao crer na pregação de Jesus as pessoas passam a ter um relacionamento com Deus baseado na confiança. Para Marcos, ter fé significa estar debaixo do domínio de Deus e resulta em obediência (v. 16-20). O breve relato do chamado dos quatro pescadores (Simão, André, Tiago e João) exemplificam a nova realidade do Reino inaugurado em Jesus, em que os seus seguidores reconhecem sua autoridade e mudam radicalmente de vida. Quem se arrepende e crê no evangelho imediatamente segue a Jesus. Apenas aqueles que o seguem receberão a promessa de se tornarem pescadores de homens. O discipulado radical começa a tomar forma. Surge, então, uma pergunta que acompanhará todo o Evangelho de Marcos: Existe espaço para projetos pessoais no reino de Deus? A autoridade de Jesus é vista primeiramente em seu ensino e no seu poder. A nova vida trazida por ele deve ser compreendida à luz da palavra de Deus. Além disso, para se alcançar a verdadeira liberdade nessa nova forma de viver, o adversário (satanás), que escraviza e destrói, deve ser derrotado. (v. 21-28). Da sinagoga para a casa de Pedro, onde cura a mãe deste que estava acamada (v. 29-31), Jesus demonstra seu senhorio na vida dos seguidores não apenas no lugar da adoração, mas também no lugar da intimidade familiar. Em reação à sua repentina popularidade ele se retira
  • 14. para orar, demonstrando que quem determina sua missão não são os homens, especialmente interessados em curas, mas Deus, que lhe deu a incumbência de proclamar as Boas Novas, pois somente a proclamação da palavra é que leva as pessoas ao arrependimento e á fé (v. 35-39). b) A autoridade de Jesus é contestada (2: 1 – 3: 6) Após outra história de cura (v. 40-45) Marcos narra acontecimentos em que Jesus revela sua autoridade em meio a controvérsias com líderes judeus: 1) Autoridade para perdoar pecados (2: 1-12) Jesus perdoa pecados porque recebe autoridade de Deus para fazê-lo. Ele aceita a missão predita por Daniel de que o Filho do Homem receberia autoridade do Ancião de Dias para vindicar o sofrimento do povo (Dn 7: 13, 14, 18, 21 e 27). Jesus une a cura ao perdão. A cura física do paralítico após ser confrontado pelos escribas prova que Jesus realmente tinha poder para perdoar pecados. “A ligação do homem com Deus é restaurada, tão certamente quanto lhe é restaurada a capacidade de andar”.[1] 2) Autoridade para comer com publicanos e pecadores (2: 13-17) Aqueles que se reconhecem pecadores tem condições de atestar a autoridade de Jesus e responder ao seu chamado, pois são eles que se arrependem e crêem no evangelho. O chamado de Levi (Mateus) comprova que um pecador pode ser perdoado e transformado. Os publicanos eram ladrões que sobretaxavam os impostos romanos. Sentar-se à mesa e repartir o pão com alguém era, e ainda é, algo especial para os palestinos, simbolizando que havia paz e confiança entre as partes. Ao assentar-se com aquele grupo de publicanos Jesus estava firmando sua identificação com os pecadores e demonstrando que a redenção de Deus era para todos. Nota-se que os primeiros a julgar são os que se apóiam na justiça própria e meritória e não na misericórdia de Deus. 3) Autoridade para permitir que os discípulos dispensem o jejum (2: 18-22) A essência da religião dos inquiridores de Jesus eram os ritos religiosos, dentre eles o jejum. A manutenção dos rituais mantinha a religião. O relacionamento com Deus está além da obediência a rituais, por isso mesmo é que Jesus responde a seus opositores trazendo o foco para si e sua missão. Ele revela uma nova realidade. Como jejuar na presença daquele que traz alegria e não lamentação? Aqueles que o seguem haveriam de perceber que sua vida é vivida sob a sombra da cruz, cujo efeito sobre o pecado traz alegria e paz para os que crêem. Isso é motivo de festa! A Lei de Moisés exigia apenas um jejum por ano, no dia da expiação (Lv 16: 29-34), mas os religiosos defendiam a tradição de jejuar duas vezes por semana, entendendo que assim poderiam ganhar a aprovação de Deus. Esse tradicionalismo não suportaria as Boas Novas de salvação em Jesus, assim como odres velhos não suportam o vinho novo. 4) Autoridade sobre o sábado (2: 23 – 3: 6)
  • 15. O sábado era o dia da santificação para o judeu, pois foi destinado para seu relacionamento com Deus (Ex 20: 8-11; 31: 12-17) e enfatizava os relacionamentos pessoais e a justiça social (Dt 5: 12-15). Quebrar a lei no dia de sábado poderia levar o infrator à morte (Ex 35: 2). O sábado foi o presente de Deus para a humanidade e criado para benefício desta. O tradicionalismo farisaico deturpou o propósito abençoador do sábado e inverteu a ordem de prioridades. Por isso Jesus foi contundente ao afirmar que o sábado foi feito para o homem e não o contrário. Jesus, como Senhor da humanidade, afirmou que matar a fome dos seus discípulos era mais importante que a manutenção de um ritual, pois as pessoas são mais importantes que as coisas. É impressionante como os tradicionalistas mostravam-se (e mostram-se) indiferentes às necessidades dos homens e mulheres. Mostram extremo zelo para com os ritos e nenhum para com as pessoas. As ações de Jesus caminham num sentido oposto, mostrando que as pessoas são mais importantes que o zelo ritualístico. [1] MULHOLLAND, Dewey M. Marcos: Introdução e Comentário. São Paulo, Vida Nova. 1999. P.56 O Evangelho de Marcos - Parte 2 3. A Segunda Parte do Ministério na Galiléia: a fonte e a natureza da autoridade de Jesus (3: 7 – 6: 6a) Se por um lado Jesus era rejeitado por fariseus e herodianos, por outro ele era muito bem aceito pelo povo comum, rompendo fronteiras e chegando até às regiões gentias do Líbano e da Transjordânia, curando e expulsando demônios (3: 7-11). Mesmo se preocupando em não revelar ainda sua filiação divina (v. 12), há a preocupação em mostrar a origem da sua autoridade, que não seria exercida apenas por ele, mas teria continuidade com seus discípulos (3: 13-19). Jesus chama seus discípulos para Si mesmo e não para ocuparem um cargo ou posição dentro do Reino ou de alguma instituição. Os discípulos são chamados para aprender de Jesus por andar com ele. Além disso, Jesus chama seus discípulos para que também possa enviá-los. O discípulo é chamado do meio do povo para posteriormente ser enviado de volta ao meio do povo, desta vez munido com autoridade divina. A heterogeneidade do grupo dos chamados ensina um pouco sobre a possibilidade de existir um povo unido pela soberania de Deus apesar da diversidade de personalidades. Quem não entende e aceita que a autoridade daquele que perdoa pecados vem de Deus pode vir a cometer um erro imperdoável, que é a blasfêmia contra o Espírito Santo, que habita em Jesus. Aliás, não é satanás quem domina as ações de Jesus, mas o próprio Deus na pessoa do Seu Espírito. Essa é a fonte de Sua autoridade (3: 20-30). Arrependimento e perdão não estão acessíveis àqueles que conscientemente rejeitam a salvação de Deus em Jesus. Aceitar Jesus é aceitar Seu perdão, o contrário leva à perdição.
  • 16. Jesus revela que sua missão redefine sua família. Maria, seus irmãos e irmãs só poderão ter parte na família de Jesus se estiverem dispostos a serem seus discípulos, permanecendo junto a ele e fazendo a vontade de Deus (3: 31-35). a) O Mistério do Reino de Deus – Parábolas (4: 1-34) Cresce o número dos opositores de Jesus e seus discípulos podem não estar tão confiantes acerca do estabelecimento do Reino de Deus em sua expressão política e geográfica, como muito esperado. O Mestre usa, então, de parábolas para explicar como se desenvolve o verdadeiro Reino de Deus, ao mesmo tempo em que esclarece idéias equivocadas. Em torno de um terço dos ensinos de Jesus nos Evangelhos Sinóticos está na forma de parábolas. Mas o que vem a ser as parábolas? Parábola (grego = parabolê) significa “comparação”, “pôr coisas lado a lado”. Usualmente as parábolas são comparadas a Alegorias, que significam “dizer uma coisa de maneira diferente”. Entretanto, enquanto as alegorias denotam um relato mais elaborado em que se pode encontrar esclarecimentos em todos os detalhes da história contada, as parábolas são limitadas a uma história breve em que se objetiva a explicação de uma única verdade. O que significaram para os ouvintes originais também significa para os ouvintes de hoje. As parábolas trazem o Mistério de Deus, que é o próprio Jesus Cristo, revelado pelo Espírito (4: 10-11). Jesus foi um enigma e uma luz acesa ao mesmo tempo. Quanto mais se descobre sobre ele, mais brilha Sua luz entre os homens. A parábola do semeador (4: 3-20): os discípulos de Jesus, como a semente lançada ao solo bom, dão muito fruto, pois amadurecem e suportam a perseguição. A parábola da candeia (4: 21-25): os discípulos foram chamados para brilhar com a luz de Jesus. A parábola da semente (4: 26-29): os discípulos precisam confiar que Deus fará o Reino crescer de formas que extrapolam o conhecimento humano. A parábola do grão de mostarda (4: 30-34): o governo de Deus começou discreto entre os discípulos, mas crescerá e será glorioso. b) A fé que Jesus tem em Deus (4: 35-41)
  • 17. A confiança que Jesus tinha em Deus dever ser a mesma que seus discípulos precisam ter. Os infortúnios da vida não pegam Deus de surpresa e o descansar nele é prova de fé tão grande quanto crer que o vento e o mar obedecem ao comando de Jesus. Sua autoridade era total, tanto sobre o espírito imundo (1: 25), quanto sobre a natureza. Alguém que conhece verdadeiramente Jesus tem-no como Mestre, mas também como Senhor (v. 41). c) A vida fora de controle (5: 1-20) O discípulo verdadeiro experimenta uma mudança radical de vida. Assim como o endemoninhado geraseno (5: 1-5) a vida daqueles que não encontraram Jesus é descontrolada, isolada, violenta, dolorida e angustiante, características de quem quer controlar a própria vida. Essa é a condição em que satanás deseja ver o mundo. A presença de Jesus amedronta o diabo, pois ele sabia que nem mesmo uma legião (em referência à legião do exército romano, considerada uma imbatível máquina de guerra) poderia impedir a ação de Deus em seu Filho. Jesus, então, acalma, “veste” e dá lucidez aos por ele tocados (v. 15). A libertação precede a fé, que vem pelo ensino de Jesus e não por experiência de milagres. O mal causado pela influência de satanás é muito grande, assim, a decisão de precipitar a manada e porcos (v. 12-13) é um mal menor que o de ver novamente um homem sob a influência do inimigo. O desejo do liberto é de seguir a Jesus (v. 18), mas para isso precisa obedecer primeiro sua Santa Palavra (v. 19-20). d) Fé e medo (5: 21-43) Dois exemplos de fé são colocados juntos nesta narrativa. De um lado Jairo, um homem altamente respeitado pela comunidade e proeminente em uma sinagoga judaica (v. 22); de outro uma mulher empobrecida por causa dos gastos com médicos (v. 26) e marginalizada por causa da sua doença (cf. Lv 15: 19-27). O exemplo de fé da mulher que tocou nas vestes de Jesus, certa de que seria curada, deveria ser imitado por Jairo na esperança de cura da sua filha que jazia morta há pouco. Ambos tinham medo, ela da enfermidade e ele da morte (v. 33, 36). A fé em Jesus os libertou do medo e trouxe-lhes paz. Aqueles que crêem em Jesus não tem motivos para temerem nem mesmo a morte. e) Nazaré incrédula (6: 1-6a) Quem é Jesus? Um homem comum ou o Filho legítimo de Deus? Dentre os seus Jesus foi rejeitado. A palavra grega skandalizo (v. 3) diz que os nazarenos voltaram as costas para Jesus após se maravilharem com seu ensino na sinagoga (v. 2). Recusaram-se a crer que Deus era a fonte de seu ensino e dos seus milagres, pois preferiram se lembrar dele apenas como um homem comum. Eram incrédulos!
  • 18. Ao longo da história e nos dias de hoje uma multidão de incrédulos questiona a divindade de Jesus e atribuem a ele adjetivos que não admitem a natureza divina. Muitos se encantam com seus ensinamentos e com seu poder e graça, mas recusam-se a admitir o que é óbvio para os olhos da fé: Jesus é Deus! Para os que creem, Jesus é a manifestação suprema de Deus na história. Como não segui-lo? O Evangelho de Marcos - Parte 3 4. A Fase Final do Ministério na Galiléia: expansão da autoridade de Jesus (6: 6b – 8: 26) Rejeitado na sua terra, Jesus prepara uma estratégia para a expansão da sua autoridade: seus discípulos. Os discípulos serão enviados. Os enviados já passaram algum tempo com Jesus, já aprenderam muitas coisas sobre a nova vida a serviço do Reino e aprenderão ainda mais servindo ao povo. <!--[if !supportLists]--> a) <!--[endif]-->O risco de pregar o arrependimento (6: 6b-44) Os discípulos enviados devem demonstrar total dependência de Deus (v. 8-11). A autonomia e a independência são características não só de ministérios imaturos, mas também de um discipulado fracassado. Eles pregavam o arrependimento como anúncio da instauração do reino de Deus (v. 12), bem como curavam enfermos e expulsavam demônios como evidências do poder de Deus (v. 13). O relato da morte de João Batista, com quem Jesus estava sendo confundido (v. 14-29), faz conexão com a pregação do governo de Deus por parte dos discípulos, que contrasta com o governo humano de Herodes. João foi morto porque pregou o arrependimento ao governante humano que governava em benefício próprio. Jesus governa pelo serviço ao próximo. Ele liberta, cura e dá vida no seu reino àqueles que se arrependem e crêem. Jesus recebe novamente seus discípulos e encontra uma multidão sem pastor (v. 34). A multidão assentada numa relva verde (v. 39) foi alimentada pelo Mestre com a ajuda dos discípulos (v. 40-41) e se fartaram (v. 42)<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]-->. O milagre do pastor divino e a cooperação dos discípulos anunciam o modelo de ação da igreja no mundo: Jesus fornece os recursos para que seus discípulos façam o trabalho. <!--[if !supportLists]--> b) <!--[endif]-->Esperança na tribulação (6: 45-56) Os discípulos não tinham entendido o milagre dos pães (v. 52), mas Marcos não deixa claro sobre o que exatamente eles não tinham compreensão. Jesus os viu lutando contra a
  • 19. tempestade no mar da Galiléia e se dirige até eles andando sobre as águas (v. 48), deixando a todos apavorados. Talvez os discípulos não soubessem ainda a verdadeira natureza de Cristo, mesmo tendo testemunhado a autoridade dele sobre o mar e o vento (4: 35-41) e seu poder na multiplicação dos pães e dos peixes. Assim, Jesus caminha sobre o mar para demonstrar sua divindade (Sl 77: 19; Is 43: 10), e afirma sua natureza ao identificar-se com o poderoso Eu Sou – Yahweh (v. 50). Jesus inicia seu ministério de cura ao desembarcar. Há pouco, seus discípulos não o haviam reconhecido ao andar por sobre as águas (v. 49), mas o oposto acontece quando ele desembarca em Genesaré, onde o povo “logo” o reconheceu. <!--[if !supportLists]--> c) <!--[endif]-->O conflito com a tradição dos anciãos (7: 1-23) Surge um conflito com os fariseus e escribas de Jerusalém por causa de uma tradição dos anciãos de lavarem as mãos antes de comerem. O problema não diz respeito à higiene pessoal, mas à pureza cerimonial. Não embasada na Lei de Moisés, mas na tradição rabínica apenas. De acordo com essa tradição, ser impuro incluía mais coisas do que aquelas declaradas na Torá (Lv 11). Era um conjunto de mandamentos humanos. Segundo Jesus, a verdadeira natureza da impureza era moral e não cerimonial (20-23). <!--[if !supportLists]--> d) <!--[endif]-->Entre os gentios (7: 24 – 8: 10) O ministério de Jesus na Galiléia terminou e agora ele exemplifica o que explicou sobre pureza e impureza na experiência junto aos gentios, comumente chamados pelos judeus de “cachorrinhos” (v. 28), por considerá-los impuros, já que não eram descendentes de Abraão. Jesus é em primeiro lugar o messias dos judeus (v. 27) e depois o Salvador do mundo (v. 29 e 30). A prioridade era dada aos israelitas (“primeiro...os filhos”), mas a mulher entende que uma migalha de misericórdia já seria suficiente para satisfazê-la nas suas necessidades (v. 28). Foi embora para sua casa confiante na palavra de Jesus de que sua filha já estava curada (v. 29 e 30). Ao curar também um homem surdo e gago na região de Decápolis, Jesus deixa claro que o governo de Deus será estendido a todos os homens e mulheres (v. 31-37), e não apenas aos judeus. Da mesma forma, a segunda multiplicação dos pães e peixes (8: 1-10) esclarece que a provisão de Deus também é para os gentios. <!--[if !supportLists]--> e) <!--[endif]-->A cegueira dos discípulos (8: 11-26) Os fariseus são incapazes de perceber que o ministério de Jesus é divino, pois não reconhecem os sinais como sendo de Javé, por isso pedem novos sinais à sua própria escolha. A recusa de Jesus mostra que a fé dos verdadeiros discípulos independe de sinais (8: 11-13). O grande inimigo da fé é a má influência, referida por Jesus como sendo o fermento dos fariseus e
  • 20. de Herodes (8: 14-21). Quem se preocupa demais com seus próprios problemas não cresce no conhecimento de Deus e o que se vê é uma falsa piedade (como os fariseus) e desconhecimento da Verdade revelada em Cristo (como Herodes). Muitas barreiras precisam ser vencidas para que os discípulos de Jesus tenham correto entendimento acerca do Reino de Deus. Jesus cura um cego em duas etapas. A primeira o homem não via nada a passou a enxergar, mas não nitidamente. A segunda etapa foi definitiva. O homem passou a ver claramente. Da mesma forma, os discípulos perceberiam em breve que Jesus era o Messias (8: 39), mas esta visão que teriam não era nítida. Era uma visão distorcida, pois esperavam um Messias político. A visão nítida sobre Jesus mostrava um Messias que sofre e morre para alcançar a vitória (8: 31; 9: 31; 10: 32). <!--[if !supportLists]--> 5. <!--[endif]-->O Caminho da Glória e do Sofrimento – Jesus no caminho para a Cruz (8: 27 – 10: 52) <!--[if !supportLists]--> a) <!--[endif]-->Quem é Jesus? (8: 27-38) “Quem dizem os homens que sou eu?” (v. 27). Com esta pergunta Jesus introduz o tema que dominará a segunda metade do Evangelho de Marcos, que é o discipulado radical. A resposta de Pedro dizendo que ele era o Cristo (ou Messias, que significa “Ungido”) mostra que os discípulos sabiam que Jesus é único em relação a Deus e não compartilham da opinião dos outros homens (v. 28). O ensino de Jesus passa a revelar a verdadeira missão do Filho do Homem, que deveria sofrer rejeição e morte. A repreensão de Pedro a Jesus mostra a expectativa equivocada daqueles que tem Jesus como Senhor em suas vidas para receber apenas os benefícios de sua glória. Cristo é Senhor também em seu sofrimento, rejeição e morte, assim, seus seguidores poderiam esperar a mesma coisa. A verdadeira vida é encontrada no caminho da cruz de Jesus e não na tentativa de, pelos esforços próprios, tentar se salvar. Jesus não tentou salvar-se a si mesmo descendo da cruz (Mc 15: 30), mas suportou a dor do abandono de Deus, pois olhava para além da dor (Hb 12: 2). Da mesma forma, o discípulo fiel deve carregar a sua cruz, negando-se a si mesmo e seguindo os passos de Jesus. Não se trata apenas de carregar um fardo ou abrir mão de coisas, mas especialmente deixar Jesus reinar onde antes apenas o ego controlava. Na perspectiva de Deus o que aparentemente é perda na realidade é ganho. Quem vive para si, na verdade morre, mas quem morre para si alcança vida de verdade. <!--[if !supportLists]--> b) <!--[endif]-->A Vinda do Reino de Deus (9: 1-13) Na narrativa da transfiguração (v. 2-8) Jesus exemplifica aquilo que disse para confortar seus discípulos, ao afirmar que o Reino de Deus virá em poder, mesmo estando camuflado em fraqueza (v. 1). Os discípulos tiveram uma prévia do que será o Reino Futuro, onde a
  • 21. humanidade, bem como a criação, será divinamente transformada em glória. Entretanto, o desejo de gozar das maravilhas da glorificação não pode ser empecilho para se viver uma vida de crucificação. <!--[if !supportLists]--> c) <!--[endif]-->O preço alto da falta de dependência de Deus (9: 14-37) A oração confiante é uma disciplina espiritual daqueles que querem desenvolver seu ministério na dependência de Deus. A falta de fé pode ser relevada por Deus, pois é ele mesmo quem nos dá a capacidade de exercitá-la (Ef 2: 8). Mas a dependência é requisito indispensável de alguém que tem Jesus como Senhor em sua vida (v. 18, 28-29). Alguém dependente de Deus sabe que o Reino dele é invertido em relação ao mundo, onde os que querem governar são os que servem e os que querem ser grandes são os que se fazem pequenos (v. 33-35). O serviço humilde é a essência do ministério de Jesus, que, mesmo sendo Deus, viveu para dar a vida a seus – discípulos – pequeninos (v. 36-37). <!--[if !supportLists]--> d) <!--[endif]-->Valores do Reino (9: 38 – 10: 16) Jesus não aprova os sincréticos, neutros, pluralistas e descompromissados, tampouco os sectaristas. Aqueles que receberam ordem para expulsar demônios falharam (9: 14-29) e ainda excluíram alguém que, em nome de Jesus, cumpriu a tarefa (v. 38-41). O verdadeiro discípulo não é identificado pelo grupo a que pertence, mas àquele a quem pertence (v. 40). Maus testemunhos e ensinos errados acerca das Escrituras levam a duas conseqüências: fazem outros se afastarem de Deus e trazem o juízo para os infratores (v. 42). Entrar na vida (v. 43) é viver a vida verdadeira, viver de acordo com a vontade de Deus. Assim, o discípulo de Jesus sabe que qualquer sacrifício é pequeno demais em comparação à bênção de pertencer a Cristo e se relacionar com ele. No Antigo Testamento os sacrifícios estavam associados ao fogo (Is 66: 24) e ao sal (Ez 43: 24), por isso da expressão “cada um será salgado com fogo” (v. 49). Trata-se de uma metáfora para explicar a importância do testemunho do discípulo, sofrendo e sendo perseguido se necessário, para preservar, como o sal, aquilo que foi purificado por Deus pela provação do fogo. É um convite para que o discípulo seja um sacrifício vivo para Deus (Rm 12: 1; c.f. v. 50). Os discípulos de Cristo não devem viver de acordo com os valores do mundo, tampouco se deixar influenciar por eles (Lv 20: 23; c.f. Mc 10: 2-12). Jesus é claro ao afirmar que o divórcio nunca foi uma opção para Deus (10: 3-6). Corações duros são corações indispostos a se sacrificarem pelo Reino. Indispostos a darem testemunho que ateste sua nova natureza santa. Nota-se que a perseverança no casamento sempre foi um preço muito alto a ser pago por aqueles que abdicam de um discipulado radical que implica viver cada vez mais a vontade de Deus expressa em sua Palavra e cada vez menos a vontade própria.
  • 22. Aqueles que reivindicam o direito de pertencer ao Reino, achando-se dignos de tal, são confrontados com as palavras de Jesus sobre as crianças (10: 13-16), pois elas são aquelas que não têm condições de reivindicarem nada, apenas aceitar o que lhes é oferecido. Apenas aceitar o governo daquele que dá. Quem recebe a graça de Deus é participante do seu Reino e digno dele. Não é meritório, mas fruto da soberana graça de Deus. <!--[if !supportLists]--> e) <!--[endif]-->Vida eterna (10: 17-52) Atualmente o discurso moral e ético tem sido muito utilizado na evangelização. Fala-se muito sobre valores e sobre comportamentos, mas em muitos casos eles acabam se tornando um fim em si mesmo, uma discreta apologia à justiça própria. Não respondem à pergunta crucial feita por um jovem (10: 17). Este jovem judeu vivia, aparentemente, um padrão social mais elevado. Propriedade, família, relacionamentos, etc. (v. 20; c.f. Ex 20: 13-17). Entretanto, Jesus identificou o problema do rapaz: sua riqueza. Possuir riquezas não é errado, exceto quando isso se torna motivo de auto-afirmação e independência. O amor ao dinheiro impediu o jovem de seguir Jesus (v. 22). O amor de Jesus pelo jovem (v.21) não o fez diminuir as exigências do discipulado radical. O discurso sobre dinheiro e riquezas continua (10: 23-31) como pano de fundo para o tema central do discipulado, que é perder a vida para ganhá-la (8: 34-35). Dentre as seduções da pseudo-vida, o dinheiro é uma das principais. Para, então, ter-se verdadeira riqueza, abrir mão do amor ao dinheiro é fundamental. Nesse tema sobre o relacionamento do cristão com o dinheiro e seu valor ético na sociedade, cabe a reflexão de C. S. Lewis: Não penso, porém, que se possam estabelecer regras sobre quanto devemos dar. Receio que a única regra realmente segura seja dar mais do que podemos. Noutras palavras, se os nossos gastos pessoais com comodidades, bens supérfluos, diversões, etc. estão no mesmo nível do daqueles que têm receitas similares às nossas, provavelmente estamos dando muito pouco. Se as nossas “esmolas”* não nos levam a privar-nos de alguma coisa nem nos atrapalham em nada, eu diria que são modestas demais; tem de haver na nossa vida coisas que gostaríamos de fazer e não podemos porque o dinheiro que gastamos em dar “esmolas” não o permite. Convém ter presente aqui que falo de “esmolas” no sentido habitual. Casos particulares de apertos econômicos entre parentes, amigos, vizinhos, ou empregados que Deus, por assim dizer, nos põe diante dos olhos, podem exigir muito mais, talvez até que comprometamos seriamente ou mesmo ponhamos em risco a nossa estabilidade financeira.<!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> Jesus prediz sua morte e ressurreição (10: 33-34). Seria um caminho de sofrimento. Em contraste, seus discípulos Tiago e João desejam o contrário, ou seja, os benefícios da glorificação. As orações dos discípulos mostram suas intenções. E as de Tiago e João era de serem honrados (v. 37). Os benefícios da glorificação são dados àqueles que partilham do cálice,
  • 23. ou seja, participam do mesmo destino daquele com quem bebem. A santificação precede a glorificação e o serviço precede o governo (v. 38-45). O discípulo radical segue a Cristo em seu caminho de Cruz (v. 51-52). Bartimeu é a tipificação deste discípulo, pois demonstra dependência de Jesus e incapacidade meritória para a salvação (v. 47-48), além de preocupar-se mais com o seguir do que com o desfrutar (v. 50), demonstrando ter visão nítida da relação com o Cristo. <!--[if !supportFootnotes]--> <!--[endif]--> <!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas... Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos. Unge minha cabeça com óleo; o meu cálice transborda.” (Sl 23: 2, 5) <!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--> LEWIS, C. S. Mero Cristianismo. São Paulo: Quadrante, 1997. p. 92. *O termo “esmolas” foi traduzido, neste texto, da palavra inglesa Charity, que poderia ser melhor traduzida como “Caridade”. O Evangelho de Marcos - Parte 4 6. O Ministério Final em Jerusalém – Jesus e o templo (11: 1 – 13: 37) a) O Messias (11: 1-33) Jesus chega a Jerusalém e vem em nome de Deus (11: 9-10). Se entrasse montado num cavalo declararia que sua missão era de guerra, pois o cavalo era um símbolo de conquista. Ao entrar montado num jumento jamais usado por alguém, Jesus mostra que sua missão era de paz e também era uma missão sagrada. Os gritos de “Salva-nos!” (Hosana) é um apelo para que Jesus inaugure a esperada era da salvação (v. 2-8). Ao amaldiçoar a figueira (v. 12-14) Jesus ilustra o que aconteceu com o lugar sagrado (v. 15-17), que não dava mais frutos para Deus. Não é preciso um lugar para se ter relacionamento com Deus, mas apenas fé (v. 22). A mesma fé que identifica nas ações de Jesus a fonte da sua autoridade (v. 27-33). b) A vinha (12: 1-17) Jesus tinha perfeita consciência do que significava cumprir os planos de Deus. Sabia que sua missão terminaria em morte. A parábola dos lavradores conta um pouco desse plano de Deus, mas aponta também para o pecado daqueles que rejeitam a autoridade de Jesus. Na história, o dono da vinha é Deus, que envia alguns dos seus servos (profetas) para colherem frutos da aliança com Israel. Aqueles que possuíam autoridade sobre a vinha (Sinédrio) maltrataram e até mataram alguns desses servos. Deus então envia seu Filho como demonstração de misericórdia e amor, mas os lavradores querem matá-lo. Uma história que mostra ainda que aquele que foi rejeitado se tornará pedra angular do novo Templo de Deus (Sl 118: 22).
  • 24. A Igreja é de Deus, mas às vezes os cristãos se esquecem de servi-la como filhos e servos e o fazem como lavradores maus. Da mesma forma que os líderes judaicos administravam mal o serviço no templo fazendo dele fonte de lucro pessoal (11: 17) muitos líderes de igrejas cristãs tem buscado o sucesso ministerial (profissional) em troca da fidelidade a Deus. Uma parte da responsabilidade dos cristãos é a de levar a imagem de Deus na sociedade. Cumprindo suas responsabilidades para com o governo secular e para com a sociedade de maneira geral, o cristão cumpre também o papel de administrador fiel da igreja de Deus (v. 13-17; c.f. Rm 13: 6-7). c) O amor (12: 18-44) Deus em seu amor não nos deixará à morte, por isso é chamado Deus dos vivos (12: 27). A ressurreição liberta. Os saduceus (partido religioso judeu) deram provas de que é possível saber da existência de textos das Escrituras, citá-las, inclusive, mas ao mesmo tempo não conhecê-las (v. 24). A Palavra de Deus é o poder de Deus. Aqueles que a conhecem e dela, pela fé, dependem, são conhecedores e experimentadores desse poder que vence a morte e dá vida. A essência do ensino de Jesus foi respondida a um escriba interessado nos ensinamentos do Mestre. O discípulo deve amar a Deus com a totalidade do seu ser. Sentimentos, pensamentos e esforços físicos são formas de se buscar o relacionamento com Deus e amá-lo (v. 29-30). A partir dessa relação de amor é que se torna possível o amor ao próximo (v. 31). Ama-se Deus para se aproximar dele; ama-se ao próximo para tornar-se como Deus. Jesus se retiraria do templo para nunca mais voltar. Novamente a pergunta: “Quem é Jesus”? Os verdadeiros discípulos são os únicos que tem condições de responder tal pergunta, pois são os únicos verdadeiramente devotados a Deus, os únicos dispostos a perder tudo para seguir a Cristo e os únicos que confiavam plenamente que Deus é quem cuida das suas vidas. Características encontradas na viúva pobre (12: 41-44). d) Antes do fim (13: 1-23) O templo de Jerusalém foi destruído em 70 d.C. por ordem do imperador romano Tito. Tal evento foi predito pelo Senhor Jesus (v. 2), mas o mais importante para Jesus é a perseverança que seus discípulos devem ter em tempos de dificuldade (v. 3-23). Esse discurso de Jesus no monte das Oliveiras é o maior do livro de Marcos. Os leitores do evangelista receberam, aqui, orientações suficientes para vencerem o dia mau da perseguição. Inicialmente Marcos relata o que deve acontecer antes do fim dos tempos, a saber: 1) o aparecimento de falsos messias (v. 4-8); 2) o “princípio das dores” (v. 8); 3) a perseguição dos discípulos (v. 9-13), e; 4) grande tribulação e profunda angústia (v. 14-23). Estes acontecimentos não se referem ao fim dos tempos, mas aos sinais do fim. São sinais característicos do período
  • 25. entre a ressurreição e a volta (parousia) de Jesus. Desastres da natureza, fome, perseguição e guerras são alguns sinais de que o plano de Deus está sendo cumprido. Vários impostores aparecerão tentando interpretar os sinais e propondo saídas para a dificuldade. e) O fim (13: 24-27) A vinda de Jesus sobre a terra foi um evento histórico, não apenas da história dos que crêem, mas de toda a humanidade. Da mesma forma, a volta de Jesus marcará a história humana. Jesus voltará em poder e glória, um aparecimento digno do Rei da Glória (v. 26-27). Uma parábola ensina que aqueles que virem o “abominável da desolação” podem ter certeza que a volta de Jesus está próxima, da mesma forma como os que vêem uma figueira brotando as folhas depois de terem caído no inverno, certos de que o verão se aproxima. Cabe aos discípulos estarem preparados para o grande dia (v. 28-37).