1. SOBRE MINHA COMPREENSÃO METODOLÓGICA
José Arnaldo dos Santos RIBEIRO JUNIOR1
“Não é a consciência que determina a vida, mas a
vida é que determina a consciência”.
(Marx & Engels, A Ideologia Alemã).
A premissa supracitada de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) nos
revela o quanto a escolha de um método é decisiva para a compreensão da vida social. Isto porque,
apesar da compreensão metodológica remeter a uma subjetividade (a escolha pessoal do método), o
modo como uma determinada sociedade se reproduz materialmente põe a questão para o plano da
objetividade. A objetividade, portanto, implica no estudo efetivo da realidade que independe das
representações, das vontades2 humanas. Deste modo, voltando à citação de Marx e Engels, não se
explica a vida material pela consciência, mas sim se explica a consciência pelas contradições da
vida material.
Nos termos da dialética, destaque especial merece ser dado ao filósofo alemão George W. F.
Hegel (1770-1831). A dialética é em Hegel idealista posto que concebe a realidade como
manifestação do Espírito a partir dos movimentos de exteriorização (manifestação nas obras
produzidas) e interiorização (sabedoria, reconhecimento e compreensão de que as obras são produto
do Espírito). Além disso, a filosofia da história de Hegel apresenta como motor interno a
contradição3, bem como essa mesma história é, na verdade, a história do Espírito 4.
1
Graduado em Geografia Bacharelado e Licenciatura Plena pela Universidade Federal do Maranhão (2011). Mestrando
em Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo
(USP). Membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) e do Núcleo de
Estudos e Pesquisa do Sindicalismo (NEPS), ambos vinculados à Universidade Federal do Maranhão. E-mail:
aj_ramone@hotmail.com.
2
Faço alusão aqui ao filósofo irracionalista, anti-dialético e anti-humanista Arthur Schopenhauer: “O mundo e minha
representação. Esta proposição e uma verdade para todo ser vivo pensante, embora só o homem chegue a se transformar
em conhecimento abstrato e refletido. A partir do momento em que e capaz de o levar a este estado, pode-se dizer que
nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma Terra, mas apenas
olhos que veem este sol, Mao que tocam esta Terra, em uma palavra, sabe que o mundo que o cerca existe apenas como
representação, em sua relação com um ser que percebe, que e o próprio homem. Se existe uma verdade que se possa
afirmar a priori e esta, pois exprime o modo de toda experiência possível e imaginável, conceito muito mais geral que
os de tempo, espaço e causalidade que o implicam” (SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e
representação. Trad. M. F. Sá CORREIA. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001. p.9).
3
De modo contrário posicionou-se o estruturalista francês Michel Foucault (1926-1984) em relação à dialética. Nos
Ditos e Escritos IV – Estratégia, Poder-Saber Foucault foi claro: “Não aceito essa palavra dialética. Não e não! É
preciso que as coisas estejam bem claras. Desde que se pronuncia a palavra 'dialética', se começa a aceitar, mesmo que
não se diga, o esquema hegeliano de tese e da antítese e, com ele, uma forma de lógica que me parece inadequada, se
quisermos dar uma descrição verdadeiramente concreta desses problemas. Uma relação recíproca não é uma relação
dialética [...] Veja, a palavra 'contradição' tem, em lógica, um sentido particular. Sabemos bem o que é uma contradição
na lógica das proposições. Mas quando se considera a realidade e se procura descrever e analisar um número importante
de processos, descobre-se que essas zonas de realidade estão isentas de contradições [...] Tomemos o domínio
2. Todavia, Marx e Engels vão opor-se a esse entendimento da história partindo de concepções
basilares do seu pensamento: 1) a contradição, que em Hegel é do Espírito consigo mesmo, aparece
em Marx e Engels concretamente como luta de classes; 2) a dialética, que em Hegel é idealista, em
Marx e Engels torna-se materialista.
Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele,
inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento - que ele transforma em sujeito
autônomo sob o nome de ideia - é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação
externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material transposto para a
cabeça do ser humano e por ela interpretado5.
Como se vê, é a dialética materialista e a cosmovisão materialista que nos permite criticar o
entendimento da história como desenvolvimento progressivo da Ideia e a filosofia “celestial” de
Hegel.
Nos termos do materialismo dialético fundado por Marx e Engels n’A Ideologia Alemã, a
análise de determinada realidade deve ter como foco as relações sociais de produção, posto que,
justamente, permite a satisfação das necessidades básicas dos homens (comer, beber, vestir-se). Na
mesma linha, pontuo a importância de se considerar a luta de classes6 como fundamento de uma
totalização em curso7 e, simultaneamente, de apreensão das relações sociais concretas. Possibilita-
se dessa maneira enxergar a unidade na diversidade como um processo de síntese de várias
determinações, ou seja, permite conceber o pensamento como resultado do real8.
biológico. Nele encontramos um número importante de processos recíprocos antagonistas, mas isso não quer dizer que
se trate de contradições. Isso não quer dizer que haja, de um lado do processo antagonista, um aspecto positivo e, do
outro, um aspecto negativo. Penso que é muito importante compreender que a luta, os processos antagonistas não
constituem, tal como o ponto de vista dialético pressupõe, uma contradição no sentido lógico do termo [...] Se repito, de
modo permanente, que existem processos como a luta, o combate, os mecanismos antagonistas, é porque encontramos
esses processos na realidade. E não são processos dialéticos (apud RODRIGUES, Mavi. MICHEL FOUCAULT SEM
ESPELHOS: um pensador proto pós-moderno. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/ESS, 2006. p. 154).
Contra Foucault, trago a bela explanação do filósofo brasileiro Leandro Konder: “Durante séculos, a hegemonia do
pensamento metafísico nos acostumou a reconhecermos somente um tipo de contradição: a contradição lógica. A lógica,
como toda ciência, ocupa-se da realidade apenas em um determinado nível; para alcançar resultados rigorosos, ela
limita o seu campo e trata de uma parte da realidade. [...] Existem, porém, dimensões da realidade humana que não se
esgotam na disciplina das leis lógicas. Existem aspectos da realidade humana que não podem ser compreendidos
isoladamente: se queremos começar a entendê-los, precisamos observar a conexão íntima que existe entre eles e aquilo
que eles não são. [...] As conexões íntimas que existem entre realidades diferentes criam unidades contraditórias. Em
tais unidades, a contradição é essencial: não é um mero defeito do raciocínio. Num sentido amplo, filosófico, que não se
confunde com o sentido que a lógica confere ao termo, a contradição é reconhecida pela dialética como princípio básico
do movimento elo qual os seres existem. A dialética não se contrapõe à lógica, mas vai além da lógica, desbravando um
espaço que a lógica não consegue ocupar” (KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2008. p.46-
47).
4
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2ªed. São Paulo: Brasiliense, 2008.
5
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: livro I. Trad. Reginaldo SANT’ANNA. 27ªed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira: 2010.p.28.
6
Cabe lembrar que a contradição, que em Hegel é do Espírito consigo mesmo, aparece em Marx e Engels
concretamente como luta de classes.
7
“[...] totalização como processo de revelação dialética, como movimento da Historia e como esforço teórico e prático
para ‘situar’ um acontecimento, um grupo, um homem” (SARTRE, Jean Paul. Questão de Método. São Paulo: Nova
Cultural, 1987. p.158).
8
MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. 2ªed. Lisboa: Editorial Estampa, 1973.