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CADERNO
textos de referência
do projeto de formação
de profissionais
da Assistência Social
de Osasco
VOL. 1
organização
Carina Ferreira Guedes
Fernanda Ghiringhello Sato
SÃO PAULO
2015
realização coordenação e organização
Prefácio
Solange Cristina Alves
Apresentação
Equipe Núcleo Entretempos
Núcleo Entretempos
Carina Ferreira Guedes
Fernanda Ghiringhello Sato
Enlaces: Projeto de formação de profissionais da
Assistência Social de Osasco
Equipe Núcleo Entretempos
Cartografias Afetivas
Carina Ferreira Guedes
Fernanda Ghiringhello Sato
Sistema Único de Assistência Social:
concepção geral e desafios para a prática
Nájila Thomaz de Souza
Seguranças Sociais e o trabalho social no SUAS
Abigail Silvestre Torres
7
9
11
15
19
27
37
76
Em 2013, assumi a Gestão da Secretaria de Assistência Social com uma recomen-
dação do Prefeito Jorge Lapas de fazer com que o conhecimento técnico tão rico
na Política de Assistência Social fosse traduzido em uma linguagem em que todos
os trabalhadores da Assistência Social pudessem usufruir e se apropriar dele ple-
namente para um maior resultado do trabalho e de que essa linguagem pudesse
circular na mesma intensidade e com o mesmo respeito no sentido inverso, que
o conhecimento vivido e adquirido com a prática de quem está lá na ponta fosse
considerado pelos técnicos.
São os agentes da ponta que ficam a maior parte do tempo com as nossas
crianças nos abrigos e nos serviços de maneira geral. São para as cozinheiras que
às vezes são contados os segredos mais importantes no processo de atendimen-
to, que faz falta se não é considerado para compor um diagnóstico técnico, é o
recepcionista do CRAS que acolhe a primeira queixa na hora do atendimento,
e assim por diante. Como fazer para que esse conhecimento mútuo circulasse?
Foi este o primeiro desafio que impulsionou a procura de uma consultoria,
somado à necessidade do nosso compromisso na execução do SUAS em Osasco
e do nosso compromisso de Governo. Buscamos a capacitação com uma visão
que preconiza a continuidade do que prevê a NOB RH, considerando toda a
história de tentativas boas e ruins já vividas pela Assistência Social em Osasco.
Toda a experiência tem sido enriquecedora para toda a equipe dos Serviços de
Proteção Básica e Especial e já conseguimos visualizar o envolvimento da rede
de organizações sociais envolvidas conosco neste processo.
É com grande alegria e com gratidão a um governo que tem um olhar sensível e
comprometido com o desenvolvimento social que apresento o 1º volume de muitos
outros que virão fruto da capacitação com a consultoria do Núcleo Entretempos.
Solange Cristina Silva
Secretária de Assistência Social
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se
educam entre si, mediatizados pelo mundo.
paulo freire
98
Desejamos a todos uma
boa leitura e esperamos
que as reflexões
disparadas possam
encadear boas discussões
e contribuições para a
melhoria do trabalho
Caderno Enlaces compõe os textos de referência do projeto de formação
de profissionais dos Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes,
CRAS e Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos de Osasco, rea-
lizado pelo Núcleo Entretempos.
Este caderno é o primeiro volume da série, que será publicada ao longo
da formação. Seu objetivo é apresentar as principais sistematizações e con-
teúdos abordados, na forma de textos de referência e indicações de materiais
e atividades. Como a participação dos profissionais ao longo dos diferentes
dispositivos de formação é diversa, este caderno também pretende ser uma
material de referência que possa ser utilizado pelas equipes para socialização
das discussões e apropriação dos principais temas abordados.
Neste caderno iniciamos com as apresentações do Núcleo Entretempos, em-
presa contratada para realização da capacitação, e da proposta de formação En-
laces, nome de batismo desse processo. Esperamos que assim todos possam co-
nhecer um pouco mais sobre nossa forma de trabalhar. Em seguida, o texto (sobre
cartografia – colocar título) traz os fundamentos deste início de trabalho: a escuta
das relações dos profissionais e usuários com o serviço, o território, bem como
suas críticas, expectativas e desejos, que irão fundamentar o planejamento da
formação. Finalizamos com os dois textos escritos a partir dos Seminários Teóricos
realizados em Setembro e Outubro de 2015: Nájila Thomaz de Souza apresenta o
histórico de constituição do Sistema Único de Assistência Social no Brasil, proble-
matizando suas conquistas e desafios na atualidade; Abigail Silvestre Torres apro-
funda a perspectiva de trabalho social no SUAS, enfatizando as seguranças sociais
e a potência e responsabilidade dos profissionais na garantia de sobrevivência e,
principalmente, de acolhimento e convivência. Estes três textos buscam localizar o
CRAS, Serviços de convivência e Fortalecimento de Vínculos e os Serviços de Aco-
lhimento dentro dos referenciais que organizam a política do Sistema Único de
Assistência Social .Parte-se, portanto, de começar pelo que é comum aos serviços,
para a partir destes referenciais trabalharmos as especificidades.
Desejamos a todos uma boa leitura e esperamos que as reflexões disparadas
possam encadear boas discussões e contribuições para a melhoria do trabalho.
Equipe Núcleo Entretempos
1110
núcleo entretempos
O Núcleo Entretempos é uma empresa especializada em capacitação e forma-
ção de profissionais que atuam diretamente ou na interface com o campo da
assistência social e direitos humanos. Nosso objetivo é contribuir com a produ-
ção de práticas condizentes com os marcos legais atuais e com a valorização da
singularidade dos sujeitos no cotidiano das instituições e rede de serviços.
Compreendemos que formações que apresentem o contexto político e
histórico dos serviços de atenção à população em vulnerabilidade social, bem
como os principais conceitos envolvidos, são importantes na medida em que
permitem que o profissional se situe dentro de um contexto e conheça os dis-
positivos da rede. Porém, sabemos que os profissionais que trabalham com esse
público entram em contato com histórias violentas, cruas e viscerais. Assim, tor-
na-se desafio propor estratégias de formação que permitam a circulação dessas
dificuldades e a elaboração das afetações decorrentes desses encontros.
Nesse sentido, consideramos que a formação de profissionais deve pri-
vilegiar questões e incômodos advindos da prática cotidiana, de modo
com que os conteúdos abordados tenham como ponto de partida as
questões do trabalho e retornem a ele trazendo novas maneiras de
ver e lidar com essas situações.
Nosso próprio nome – Entretempos – foi pensado a partir de duas frases muito
ditas pelo profissionais que trabalham na Assistência Social: a de que se sentem
“apagando incêndios” e “enxugando gelo”. A primeira fala nos remete às
cenas em que nos percebemos solicitados a atender e a tentar dar conta de inú-
1312
Compondo a equipe Enlaces estão Carolina Esmanhoto Bertol, Gabriela Urba-
no, Mariana Manfredi, Mariana de Moura e Natalia Felix Noguchi, que possuem
diferentes formações e percursos profissionais, envolvendo: atuação direta em
serviços e projetos ligados à garantia de direitos, experiência em processos de
formação e capacitação profissional e avaliação de projetos sociais e experiên-
cia em coordenação de grupos e oficinas e articulação de rede.
Contamos ainda com a participação de outros profissionais especialistas
que virão contribuir com a formação em Seminários Teóricos e Encontros Te-
máticos. Visamos assim garantir uma diversidade de formadores para contem-
plar a complexidade do campo da Assistência Social.
Carina Ferreira Guedes
Fernanda Ghiringhello Sato
Coordenadoras do
Núcleo Entretempos
	
Para conhecer mais sobre o Núcleo Entretempos e ler textos e materiais
escritos por nós, visite nosso site: www.nucleoentretempos.com
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culturais relacionadas à área, curta nossa página no facebook:
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Quando quiser entrar em contato com a gente, nosso email é:
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meras situações que se apresentam como urgentes. A sensação é a de que ‘não
há tempo a perder’ e nos sentimos pessoalmente implicados neste pedido, mo-
bilizados pela emergência e pelo apelo afetivo e visceral da situação. Há nessa
fala a convocação para uma temporalidade do imediato, a qual, na exigência
de respostas urgentes, suscita movimentos reativos, em que há pouco espaço
para a construção de estratégias de trabalho mais efetivas.
Diante dessas mais diferentes urgências, repetidas, que exigem um inten-
so investimento dos profissionais por dias, semanas, meses, o que emerge e
se intensifica é a sensação de esgotamento, de que se está enxugando gelo.
Perde-se o olhar para o novo, e onde viam urgência, passam a ver rotina.
Qualquer ideia ou tentativa de uma nova estratégia ou de uma nova ação
é rapidamente desinvestida, como se “não houvesse o que fazer, pois já foi
tentado tudo”.
Essas duas temporalidades, embora aparentemente opostas, são comple-
mentares e ambas podem conduzir ao adoecimento do profissional e da ins-
tituição. Como alternativa, apostamos na criação de um tempo de reflexão,
um intervalo entre a demanda e a ação, um entre-tempo. Momento este de
tentativa de compreensão e de abertura e criação de possibilidades, na inten-
ção de construir alternativas ao curto circuito rapidamente instalado entre a
urgência de respostas e a cronificação das mesmas.
É nesse sentido que buscamos conjugar, em nossa formações, espaços de
aprendizagens de conteúdos teóricos com momentos de escuta e troca en-
tre os profissionais. Para saber mais sobre nossa proposta de formação
para Osasco, leia o próximo texto!
Nossa equipe
O Núcleo Entretempos foi criado e é coordenado por Carina Ferreira Guedes
e Fernanda Ghiringhello Sato, psicólogas e psicanalistas, que têm em suas tra-
jetórias profissionais experiências em: atuação direta em serviços que compõe
a rede de garantia de direitos de crianças e adolescentes na Assistência Social,
consultorias em avaliações de projetos ligados a essa temática, formação de
profissionais e coordenação de grupos, além de formação na área de pesquisa
acadêmica e em psicanálise.
Para saber mais sobre nós
1514
enlaces
projeto de formação de profissionais
da assistência social de osasco
O nome deste projeto de formação – Enlaces – foi escolhido na intenção de
que ele proporcione novos e diferentes laços: enlaces entre a rede de serviços
e entre profissionais, novos enlaces com os usuários e também entre teorica e
prática, visando produzir mais um enlaçamento do profissional com sua prática
de trabalho, no sentido da implicação e da criatividade. Laço é pensado como
o que une, mas não prende; não é um nó, mas sim formas de aproximação e
articulação, do que pode caminhar junto.
A formação enlaces é destinada aos profissinais dos Serviços de Acolhimen-
to Institucional para Crianças e Adolescentes e Casas-lar, Centro de Referência
da Assistência Social (CRAS), Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Fa-
mília (PAIF) e Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, da rede
direta e conveniada de Osasco. A formação inicou-se em Agosto de 2015 e terá
duração de 1 ano, compreendendo 3 tempos:
1º tempo: mapeamento
Partimos da premissa de que uma formação tem mais efeitos quando dialoga
efetivamente com as questões dos profissionais. Assim, nesse primeiro momen-
to a intenção é conhecer o que os profissionais tem a dizer sobre sua prática
de trabalho, bem como o que os usuários contam sobre o serviço em que são
atendidos. A partir desse diagnóstico inicial, serão definidas e acordadas com
os trabalhadores os temas prioritários da formação.
1716
2º tempo: desenvolvimento da formação
Este será o momento de discutir e aprofundar os temas prioritários definidos
no mapeamento. A formação acontecerá a partir de três dispositivos formati-
vos: o primeiro consiste em encontro mensais em cada um dos serviços en-
volvidos, com toda equipe presente (na Proteção Social Básica, os encontros
serão no CRAS e envolverão os Serviços de Convivência referenciados àquele
território), nos quais serão discutidos os temas eleitos pela equipe a partir da
especificidade do momento de cada instituição. Já os outros dois dispositivos
são coletivos e envolverão representantes de cada serviço: os seminário teó-
ricos, que acontecerão mensalmente, no qual especialistas convidados virão
aprofundar teoricamente alguns assuntos, e os encontros temáticos, que
serão um conjunto de encontros sequenciais teórico-práticos, no qual os pro-
fissionais interessados em temas específicos se reunirão em grupos de trabalho
medidados pela equipe do Entretempos para desenvolver compreensões co-
muns e ações ligadas à temática escolhida.
3º tempo: fechamento e avaliação
Este será o momento de realizar uma avaliação do processo, indicando até
onde ele avançou, bem como quais são os próximos passos e desafios dos pro-
fissionais da rede de Osasco. É também um momento de reflexão, para pensar-
mos que fatores proporcionaram os avanços e quais dificultaram os aprendiza-
dos, de forma a subsidiar ações futuras de formação.
Esses três momentos tem como eixo central a discussão e desenvolvi-
mento do Projeto Político-Pedagógico (PPP) das instituições. A elabora-
ção de um Projeto Político Pedagógico, além de uma exigência legal no proces-
so de reordenamento e municipalização de alguns serviços, é um instrumento
importante para construção conjunta da “cara” e da proposta de cada
instituição. Assim, entendemos que, embora alguns serviços já tenham um
PPP elaborado, sua reconstrução em equipe é um processo importante para
que ele de fato tenha sentido e possa refletir e orientar a prática de trabalho.
Esse processo é um momento privilegiado para que a equipe possa definir sua
proposta de trabalho e fundamentá-la, estabelecendo também critérios para
seu acompanhamento e avaliação. Enlaçado com diferentes dispositivos de for-
mação, que possuem momentos coletivos e outros específicos de cada institui-
ção, o Projeto Político – Pedagógico também terá diretrizes comuns a todos os
serviços, e aspectos específicos de cada instituição.
	A intenção é que assim as discussões que ocorrerão ao longo da forma-
ção, desde o mapeamento, até seu fechamento e indicação de próximos pas-
sos, possam ser registradas e sistematizadas no Projeto Político-Pedagógico,
contribuindo para que os aprendizados permaneçam e possam se refletir na
prática de trabalho.
1. Encontros nos serviços
trabalhar o que for específico de cada
equipe e instituição
2. Encontros temáticos
experimentar e colocar em prática ações
relativas a um tema escolhido
3. Seminários teóricos
aprofundar teoricamente os temas
1
2
3
1918
cartografias afetivas
“O princípio do cartógrafo é extramoral: a expansão da vida é seu pa-
râmetro básico e exclusivo, e nunca uma cartografia qualquer, tomada
como mapa. O que lhe interessa nas situações com as quais lida é o quan-
to a vida está encontrando canais de efetuação. Pode-se até dizer que
seu princípio é um antipricípio: um princípio que o obriga a estar sempre
mudando de princípios. É que tanto seu critério quanto seu princípio são
vitais e não morais. E sua regra? Ele só tem uma: é uma espécie de “regra
de ouro”. Ela dá elasticidade a seu critério e a seu princípio: o cartógrafo
sabe que é sempre em nome da vida, e de sua defesa, que se inventam
estratégias, por mais estapafúrdias.”
Suely Rolnik em Cartografia Sentimental – Transformações
contemporâneas do desejo
Cartografia é o termo utilizado comumente para falar da ciência da represen-
tação gráfica de elementos contidos no espaço de modo a produzir um mapa.
Essa representação objetiva produzir visualização de demarcações espaciais
a partir de símbolos ou convenções. Um mapa, nessa perspectiva, não é algo
subjetivo, pois representa dados objetivos: ruas, distribuição populacional,
bacias hidrográficas e fronteiras, por exemplo.
É possível questionar, entretanto, que essa objetividade da cartografia
não é neutra: o que é representado diz de um recorte e de uma interpretação
sobre determinado espaço ou território. Nesse sentido, vale lembrar que a
cartografia frequentemente esteve voltada para as intenções geopolíticas de
Carina Ferreira Guedes1
Fernanda Ghiringhello Sato2
2120
controle do espaço, utilizada não apenas para orientar na localização espacial,
mas principalmente para definir também a posse e uso do território.
Uma outra forma de compreender a cartografia pretende ressaltar
quais são as percepções e sentimentos de cada um em relação ao terri-
tório que os cerca: trata-se da cartografia afetiva. Nessa perspectiva,
embora o terreno de fundo seja o território, com suas ruas e relevos, o foco
está nas relações que são estabelecidas com ele: cartografar é, nesse sentido,
uma forma de dar visibilidade a essas relações.
Para iniciar o trabalho da formação Enlaces, optou-se pela realização de
uma cartografia afetiva dos territórios de trabalho dos profissionais: a co-
munidade do entorno, no casos dos CRAS, e a casa, no caso dos Serviços de
Acolhimento para Crianças e Adolescentes. A cartografia entendida tal como
como Suely Rolnik apresenta ao falar do trabalho do cartógrafo: trata-se de
pensar na vida e como ela se dá nos espaços, pensar nos afetos e relações que
definem o uso e a ocupação destes territórios, ou seja, trata-se de uma car-
tografia dos afetos, mais do que dos aspectos concretos, que aparecem
como secundários. Trata-se também de ouvir as histórias e não naturalizar
as fronteiras, símbolos e representações propostas. Por exemplo, é muito co-
mum as áreas livres, comunidades ou favelas não estarem representadas no
mapa, visto que, no rigor dos fatos, são ocupações não regularizadas. Porém,
na “vida como ela é” elas estão lá, sendo, muitas vezes território prioritário
de ação dos profissionais.
Iniciar pela escuta dos profissionais e usuários dos CRAS e Serviços de Aco-
lhimento, mapeando os territórios e as questões (limites, regras, histórias vin-
culadas a um espaço, etc) para poder reconhecer as ações propostas por estes
serviços, as relações estabelecidas entre usuários e comunidade, profissionais
e usuários e vice e versa, foi fundamental para poder falar sobre formação. A
intenção foi de, a partir do cartografia, chegar aos desafios identifi-
cados pelos profissionais e usuários na garantia das três seguridades
que compõe o objetivo da política do SUAS: sobrevivência, convivência e
acolhimento. Para isso, buscou-se saber sobre os modos de se relacionar que
definem, por exemplo, a regra que mantém uma porta fechada ou o horário
da atividade. A forma de nomeação dos espaços, pessoas e bairros, bem como
os estigmas, a forma como um território é visto pelos outros: qual a marca de
cada lugar? O que isso produz nos sujeitos que trabalham, moram, frequen-
tam determinado espaço?
Trata-se aqui de orientar a formação Enlaces pelas questões: justamente
aquilo que diz de onde a vida e o trabalham emperram, o que exige o reco-
nhecimento de algo que não se sabe, bem como da implicação para transfor-
mar esse não saber em uma busca, em querer saber. Assim, temas e conteúdos
não foram escolhidos a priori, mas sim surgiram do trabalho de cartografia e
das questões que dele emergiram.
CRAS e serviços de convivência: cartografando
o território comunitário
O CRAS, Centro de Referência da Assistência Social, traz em seu nome a ques-
tão que norteou a atividade de mapeamento: referência. Esta palavra em si
convoca a pensar: o CRAS, neste território, é referência do quê? Como é perce-
bido pela população? Como se percebe e localiza a forma como suas práticas
se relacionam e ocupam o território de abrangência?
Foram produzidos, a partir do mapa de Osasco, 8 mapas com o território
de abrangência de cada CRAS3
: Veloso, Padroeira, Rochdale, Km 18, Munhoz,
Bonança, Santo Antônio e Piratininga. Cada equipe (técnicos, gestão, Aps, re-
cepção, copeira, auxiliar de serviços gerais, oficineiros, facilitadores e orienta-
dores) foi convidada a cartografar seu território a partir do trabalho que reali-
zam nos CRAS e Serviços de Convivência, mapeando como se localizam como
referência e também as questões específicas que identificam do território.
2322
A produção destes mapas afetivos passou pelo reconhecimento do território no
qual o trabalho do CRAS se faz presente: reconhecer comunidades e públicos,
demandas, potências e espaços de encontro no bairro e também as marcas de
se viver em determinado bairro ou região. Discutiu-se as demandas que emer-
gem dos usuários, como pedidos diretos e também as que chegam ao CRAS de
outras formas: o descuido com o espaço, ou a forma agressiva de estar com o
outro, por exemplo. Mapeou-se também o que aparece pela ausência: público
que não frequenta o CRAS, demandas que ainda não chegam e que poderiam
ser acolhidas neste serviço.
Este mapeamento provocou a pensar: qual, afinal, é o papel do CRAS?
Quais demandas e como ele pode acolher? Quais os limites e condições
para atuação? Trata-se de reconhecer não só os limites em torno de
recurso, mas também de reconhecer quais demandas necessitam de ou-
tras estratégias para serem escutadas e endereçadas.
Em cada um dos 8 territórios, partiu-se de uma mesma proposta e mate-
rial e produziu-se representações muito singulares que explicitam as marcas
e afetações que no momento emergiram do contato dos profissionais com
os territórios e dos usuários com o CRAS e sua comunidade. Estas produções
irão orientar a formação Enlaces: permitem tanto localizar pontos a serem
trabalhados no coletivo como questões de cada equipe do CRAS e serviços de
convivência e seu território de atuação.
2524
A partir destes 2 mapas produzidos em cada serviço (pelos profissionais e usu-
ários) abriu-se uma conversa sobre as percepções sobre a casa: falou-se sobre
o clima da casa, como esta é reconhecida em relação aos outros serviços de
acolhimento, ou seja, “a fama” de cada lugar. Falou-se sobre a circulação pelos
espaços da casa e a forma como cada um pode ocupá-los. Também produzi-
ram-se questões sobre práticas e rotinas que pareciam naturais. Para além do
cuidado concreto, afinal, qual a função é o que cada serviço de acolhimento
- quer produzir/ofertar as crianças e adolescentes?
Nossa postura nesse início de processo foi, nesse sentido, a do pró-
prio cartógrafo afetivo: quisemos conhecer e escutar para propor um tra-
balho a partir dessa escuta. Entrada esta despojada de julgamentos morais,
justamente para possibilitar esse tempo de compreensão. A partir dos emer-
gentes dessas cartografias, identificou-se pontos de atenção e potência que
serão os temas da formação Enlaces.
Referência Bibliográfica
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do
desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.
serviços de acolhimento para crianças e adolescentes:
a casa como território
Nos serviços de acolhimento para crianças e adolescentes, o território carto-
grafado foi a casa. Casa, que é local de trabalho para alguns e de moradia para
outros. Participaram desta atividade os serviços de acolhimento CR2, CR3, Casa
dos Irmãos, Casa Nova Esperança, Casa Abc, Casa Doce lar, Casa Vida Nova,
Amamos e Projeto Lar. O material criado para que os profissionais (Aps, psi-
cólogos, assistentes sociais, gestores, cozinheiras, auxiliares de serviços gerais
e auxiliares administrativos) e os usuários, ou seja, as crianças e adolescentes
que estão acolhidos, pudessem realizar a cartografia da casa, foi desenvolvido
para que pudesse servir como linguagem para as diferentes idades.
Propusemos que, em momentos separados, os profissionais e depois as crian-
ças e adolescentes, produzissem uma planta da casa com a utilização de papéis
coloridos. Após o reconhecimento do espaço, foi pedido para que identificassem
a partir de adesivos com diferentes símbolos e materiais gráficos: os usos dos es-
paços pelos diferentes sujeitos que circulam pela casa; as regras e as histórias que
deram origem a elas; as vontades que não encontram espaço; as atividades que
são realizadas; sentimentos, pensamentos e sonhos; os muros e a fronteira com o
externo a casa. Partiu-se de seus elementos concretos: cômodos e móveis para en-
tão localizarem como são os afetos, as relações com o espaço, como pensam o tra-
balho de acolhimento e mesmo como reconhecem este território enquanto casa.
1.	Carina Ferreira Guedes - Psicóloga, psicanalista e Mestre em Psicologia Social. Coorde-
nadora do Núcleo Entretempos.
2.	FernandaGhiringhelloSato.Psicólogaepsicanalista.CoordenadoradoNúcleoEntretempos.
3.	Mapeamento realizado entre Setembro e Outubro de 2015. A atividade foi realizada
com cada CRAS e com os Serviços de Convivência que funcionam dentro do CRAS.
2726
sistema único de assistência social:
concepção geral
e desafios para a prática
Nájila Thomaz de Souza1
A política de assistência social no Brasil
A trajetória da Política de Assistência Social no Brasil é marcada pela filantro-
pia e políticas de governo, com ações focalistas, fragmentadas, assistencialis-
tas e descontínuas, nas quais as medidas de proteção social fundamentavam-
se no prisma da moral cristã.
Após a luta dos trabalhadores no processo de redemocratização do país, ti-
vemos a promulgação da Constituição Federal em 1988 que reconheceu as
políticas sociais enquanto direito do cidadão e dever do Estado. Deste
modo, a assistência social passou a compor o tripé da seguridade social, junta-
mente com a saúde e a previdência social. Esta constituição foi pioneira no Bra-
sil em indicar a organização de um sistema governamental de assistência social.
SEGURIDADE
SOCIAL
Assistência
social
Previdência
social
SAÚDE
2928
Apesar dos avanços conquistados pela Carta Magna de 1988, visto que a mes-
ma foi aprovada em um momento de acirrado conflito entre as classes e de
forte participação da sociedade civil na luta pelo alargamento da democracia,
o neoliberalismo, de uma forma paradoxal, começa a ditar sua cartilha, pro-
movendo um ajuste nas contas públicas, com privatizações, cortes nos investi-
mentos públicos e expansão no setor privado.
Destaca-se que a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) aprovada
em 2004 sinaliza um marco fundamental de avanço da Política Pública de Assis-
tência Social, na medida em que estabelece provisões assistenciais que precisam
ser pensadas na perspectiva de direito de cidadania sob atenção do Estado.
A Política de Assistência Social enquanto proteção social não con-
tributiva possui ações específicas estatalmente reguladas para provi-
são de serviços e benefícios sociais com vistas a enfrentar situações de
risco social ou privações sociais. As seguranças sociais previstas pela PNAS
são: acolhida, convívio ou vivência familiar e comunitária e de renda. Com vis-
tas à efetivação e à consolidação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
em 2011 este Sistema adquiriu estatuto de lei (Lei nº 12.435/2011).
Ressalta-se que a Política de Assistência Social deve afiançar duas Prote-
ções Sociais: a Proteção Social Básica (PSB) e a Proteção Social Especial (PSE)
de Média e Alta Complexidade. A PSB tem como objetivos prevenir situações
de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários (PNAS, 2004 p. 33), e a
PSE se propõe a atender famílias e/ou indivíduos em situação de violação de
direitos, que passaram por situação de rompimento e/ou fragilidades nos vín-
culos familiares e comunitários.
A Política de Assistência
Social deve afiançar duas
Proteções Sociais
As PSB e PSE são executadas em unidades públicas estatais territorializadas. A
PSB tem o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e a PSE tem o Centro
de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) enquanto equipamen-
tos públicos estratégicos para atender as famílias e/ou indivíduos em situação de
vulnerabilidade, risco e violação de direitos social e/ou pessoal.
A Norma Operacional Básica/SUAS apresenta os eixos estruturantes para
realização do pacto a ser efetivado pelos três entes federativos que visa a
consolidação da PNAS/2004 sob um Sistema Único. Os eixos estruturantes do
SUAS são: Matricialidade sociofamiliar; Descentralização político-administra-
tiva e Territorialização; Novas bases para a relação entre Estado e Sociedade
Civil; Financiamento; Controle Social; Desafio para a participação popular/ci-
dadão usuário; a Política de Recursos Humanos; a Informação, o Monitora-
mento e a Avaliação.
A Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, deliberação da VI
Conferência Nacional (2007), normatiza os conteúdos dos serviços de Assistên-
cia Social, a construção de nomenclaturas e tipologias com propósito de qua-
lificar a política de Assistência Social, os serviços e benefícios que ela presta e
a forma de conhecer as necessidades que exigem a proteção social do Estado
que são materializadas em direitos por meio dos serviços.
Proteções Sociais
Proteção Social EspecialProteção Social Básica
atende famílias e/ou
indivíduos em situação de
violação de direitos, que
passaram por situação de
rompimento e/ou fragilidades
nos vínculos familiares
e comunitários
Previne situações de
risco por meio
do desenvolvimento
de habilidade
e aquisições
3130
Embora o SUAS esteja em ascensão e em seu processo de implementação no
Brasil, ele não está isento da precarização, privatização, focalização e sucate-
amento expressos nas políticas públicas neste momento complexo de retirada
de direitos da classe trabalhadora.
De fato, a hipertrofia da dimensão/ação repressiva do Estado burguês
conjuga-se outra dimensão, coesiva e legitimadora: o novo assistencialis-
mo, a nova filantropia que satura as várias iniciativas – estatais, privadas
e estatal/privadas, mediante as chamadas “parcerias público-privado” –
que configuram as políticas sociais implementadas desde os anos 1980-
90 para enfrentar o quadro de pauperização contemporânea, isto é, da
“questão social”, “velha” e/ou “nova”. Já não se está diante da tradicio-
nal filantropia (de base confessional e/ou laica) que marcou os modelos
de assistência social que emergiram no século XIX nem, muito menos,
diante dos programas protetores ou de promoção social que vieram a
institucionalizar-se a partir do Estado de Bem Estar Social.
(NETTO, 2012 p. 428)
A focalização das políticas sociais nos mais pobres faz parte da es-
tratégia deste Estado neoliberal negando assim, o caráter universal
destas políticas.
Discutir o financiamento desta Política é fundamental, pois ao focalizar
suas ações nos segmentos mais pobres desta sociedade, imprime outro dese-
nho nesta política, na medida em que sua expansão teve sua centralidade nos
Programas de Transferência de Renda, como demonstra estudo realizado por
Boschetti e Salvador em 2005 (MOTA, 2010 p.134)
[Tais dados revelam] as principais orientações dos programas e ações
planejadas no PPA do atual governo: fortalecimento de benefícios de
transferências de renda como o BPC e Bolsa Família; apenas manutenção
de ações protetivas e socioeducativas, com crescimento pífio de recur-
sos que não alcançam mais de 5% dos recursos do Fundo Nacional de
Assistência Social (...). Este quadro indica, assim, aumento dos recursos
repassados pelo governo federal em forma de transferência de renda
diretamente aos beneficiários e manutenção ou pífio crescimento dos
recursos destinados a ações que devem ser coletivamente executadas
pelos CRAS na modalidade de proteção básica e/ou especial conforme
a PNAS e a NOB.
(Boschetti e Salvador, 2006 p. 50 apud MOTA, 2010 p. 134)
Neste contexto de precarização e retração dos direitos sociais é que estão inse-
ridos os trabalhadores do SUAS. Como os desafios são inúmeros, pretende-se
no próximo tópico pontuar alguns, entendendo que esta discussão é extensa e
complexa, não sendo possível seu esgotamento.
O SUAS: efetivação X precarização
Pretende-se pontuar algumas questões sobre o SUAS, seus avanços e desafios.
Avanços
•	 A Política de Assistência Social compõe o tripé da Seguridade So-
cial, passando a ser uma política de dever do Estado e direito do(a)
cidadão(ã);
•	 A regulamentação da lei 12.435/11 do SUAS como sistema públi-
co não-contributivo, descentralizado e participativo. Esta lei
garante que o SUAS seja política de Estado e não fique a reboque de
políticas de governo;
•	 Capilaridade da Política de Assistência Social em âmbito nacional. De
acordo com o Censo SUAS 2012, temos no Brasil 7.725 CRAS implanta-
dos em 5.323 municípios, configurando uma cobertura de 95,5%. Em
relação ao CREAS fechou-se 2012 com 2.167 unidades, instaladas em
pouco mais de um terço dos municípios brasileiros. A região sudeste
concentra o maior número de CREAS do Brasil, sendo 848, caracteri-
zando 39% (BRASIL, 2013: p. 18 e 40).
•	 No tocante aos recursos humanos, o CENSO SUAS afirma que em 2012
os CRAS possuíam 68.275 trabalhadores, sendo 49,3% possuíam nível
superior, 41% ensino médio e 9,5% ensino fundamental. É interessan-
3332
te que, dentre os trabalhadores com nível superior, o maior número
de trabalhadores(as) são assistentes sociais (22,9%), seguido de psicó-
logos, com 13,2%. O vínculo empregatício é composto de 32,9% esta-
tutários e 31,6% servidor temporário, o restante se divide em vínculo
não permanente, terceirizado, empregado público e comissionado
(BRASIL, 2013: p. 28 - 29).
•	 Houve uma ampliação do financiamento para a Política de Assistên-
cia Social no âmbito Federal, mas sua concentração ainda está nos
Benefícios, conforme já mencionado;
•	 A construção de legislações que definem nacionalmente os serviços
e benefícios a serem ofertados pela Política de Assistência Social;
•	 Houve uma significativa ampliação do Recursos Humanos dentro da
Política a partir da Política Nacional de Assistência Social (2004)/Nor-
ma Operacional Básica de Recursos Humanos (2005);
•	 Construção do Fórum Nacional, Estadual e Municipal de Trabalhadores
(as) do SUAS de São Paulo e Osasco realizou uma atividade no dia 23/09
com os(as) trabalhadores(as) do SUAS sobre a saúde do trabalhador(a).
Desafios
•	 A focalização da ação da Assistência Social nos mais pobres, através
dos Programas de Transferência de Renda. É necessário fortale-
cer a conexão entre serviços e benefícios. Esta centralidade das
ações nos Programas de Transferência de Renda contribui para o con-
trole burocrático das famílias beneficiárias.
•	 É importante refletirmos criticamente sobre as condicionalidades do
Programa Bolsa Família, na medida em que estas condicionalidades
muitas vezes servem como instrumento de controle destas famílias,
além da culpabilização das mesmas;
•	 A centralidade do financiamento Federal no benefícios e PTR’s não
sobram nem 5% para os serviços socioassistenciais. Como queremos
serviços de qualidade com este investimento pífio?;
•	 Construir uma identidade de trabalhadores (as) do SUAS, através do
Fórum Nacional, Estaduais e Municipais;
•	 Dar voz e materializar as demandas e necessidades dos(as) trabalha-
dores as) e usuários(as);
•	 Fortalecer os espaços de Controle Social com a efetiva participação
de trabalhadores (as) e usuários (as);
•	 Judicialização da Política de Assistência Social, visto que os (as) tra-
balhadores (as) do SUAS estão atendendo expedientes e solicitações
dos Órgãos de Defesa de Direitos como o Conselho Tutelar, Ministério
Público, Disque Denúncia (100), Defensoria Pública entre outros. Sa-
lienta-se que muitos desses expedientes possuem prazos que se não
forem respeitados o profissional é responsabilizado. Discute-se sobre
a judicialização da Política de Assistência Social e a penalização dos(as)
trabalhadores(as) do SUAS. Seria esta uma atribuição dos trabalhado-
res do SUAS, tendo em vista que o Judiciário precisa ter uma equipe
que atenda suas necessidades e o CRAS, CREAS e rede socioassistencial
fariam o acompanhamento das famílias quando solicitado?
•	 Convivemos com o sucateamento e a precarização do SUAS, recursos
humanos insuficiente, demanda de trabalho superior a possibilidade
de atendimento de cada equipe, o aprofundamento das terceiriza-
ções, o adoecimentos dos profissionais, o assédio moral cada dia mais
expressivo pelas chefias e a ausência de formação permanente aos tra-
balhadores/as que atuam cotidianamente na base com os usuários/as.
3534
Conclusão
Um dos desafios colocados aos profissionais diz respeito à capacidade de decifrar
esta realidade com vistas a construir propostas criativas capazes superar
os fundamentos conservantistas e tecnocráticos do discurso da competência burocrá-
tica, conforme aponta Marilda Iamamoto (2009). As mediações estão postas na rea-
lidade, elas se expressam no movimento do real, os trabalhadores podem construir
estratégias, através de uma práxis comprometida com os interesses da classe traba-
lhadora. Só o ser humano é capaz de exercer uma prática revolucionária e para tanto,
é necessário uma profunda e qualificada leitura de realidade, pois os movimentos
dialéticos estão no cotidiano.
Convive-se em um cenário que aponta para a fragilização das lutas coletivas na
sociedade e imprime um árduo desafio aos(às) trabalhadores(as) inseridos nos servi-
ços socioassistenciais: a difícil tarefa de estimular a participação popular
em um contexto marcado pela lógica do individualismo e sucateamen-
to das manifestações coletivas, tão bem difundida e impregnada pela
ideologia dominante.
A criação e efetivação do SUAS com sua proposta de implantação dos CRAS e
CREAS vem indicando possibilidades de partilha do poder local, estímulo ao protago-
nismo dos sujeitos e elevação dos níveis de participação. Enfim a nova política pública
de assistência social brasileira visa à retomada do trabalho de base junto à população
com vistas a ampliação e radicalização da democracia.
Contudo, cabe a indagação se a PNAS tem conseguido garantir aos(as) seus(as)
trabalhadores(as) atuantes nas unidades públicas estatais e serviços socioassisten-
ciais, mecanismos que possibilitem o desenvolvimento de um trabalho social na dire-
ção coletiva, possibilitando aos usuários dos CRAS ações que possam desembocar na
participação dessa população na construção e efetivação de direitos sociais amplia-
dos, se inserindo de fato na luta pela distribuição da riqueza socialmente produzida
e pelo protagonismo na construção da política de assistência social.
Referências Bibliográficas
BRASIL, Lei N° 8.742- Orgânica da Assistência Social, 1993- com alterações da
Lei 12.435/2011;
______, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma
Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social NOB/SUAS.
Brasília, 2005.
______, Política Nacional de Assistência Social. Brasília, 2004.
______, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Censo SUAS
2012. CRAS, CREAS, Centros Pop, Gestão Municipal, Gestão Estadual, Conselhos
Municipais, Conselhos Estaduais e Unidades de Acolhimento. Brasília, 2013.
CFESS. O trabalho do/a Assistente Social no SUAS: seminário nacional – CFESS
– Gestão Atitude Crítica para Avançar na Luta – Brasília, 2011.
IAMAMOTO, M.V. e CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil.
São Paulo: Celats/Cortez, 1998.
_________. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação
profissional. 14 ed. São Paulo Ed. Cortez, 2008.
_________. O Serviço Social na cena contemporânea. Serviço Social: direitos
sociais e competências profissionais. Brasília, CFESS – ABEPPS, 2009, p. 16-49.
MOTA. E. ANA. O Mito da assistência social: ensaios sobre Estado, política e
sociedade – 4º Ed. – São Paulo: Cortez, 2010.
NETTO J. P. Crise do capital e consequências societárias. Revista de Serviço
Social e Sociedade, Ed. Cortez. São Paulo, nº 111, p. 413-429, 2012.
1.	 Autora: Najila Thomaz de Souza – Assistente Social da Prefeitura Municipal de
São Paulo – Mestranda da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no Programa
de Pós Graduação do Serviço Social.
3736
Seguranças sociais e
o trabalho social no SUAS
Abigail Silvestre Torres1
A Assistência Social lida com que tipo de situações? Lida com fragilidades que
não estão somente relacionadas à ausência de renda para garantir à sobrevi-
vência, mas também situações de humilhação, isolamento, abandono, sofri-
mento, preconceito, discriminação, apartação, conflitos etc.
Todas essas fragilidades são desigualdades vividas nas relações, que retra-
tam “a vivência cotidiana das questões sociais dominantes de cada época his-
tórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser tratado como
inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade” (Sawaia, 2004,
p. 105). Bader Sawaia nomeia essas situações como um sofrimento ético
político, que acontece quando as diferenças são vividas nas relações
como desigualdades, provocado pelo reconhecimento negativo/desva-
lorizado que se faz de uma pessoa. Como essas desigualdades se expres-
sam nas relações e são produzidas coletivamente, a responsabilidade
de preveni-las e combatê-las também é coletiva: é uma responsabilidade
do Estado que se realiza por meio da política pública!
É com esse objetivo que são pensadas as seguranças que compõem a
Assistência Social. As seguranças de sobrevivência, acolhimento e convivên-
cia são respostas a essas fragilidades. É importante ressaltar que essa segu-
ranças não estão restritas aos serviços de nome semelhantes. Por exemplo,
a segurança de acolhimento não é trabalho apenas dos serviços de acolhi-
mento, mas de todos os serviços da assistência social! Da mesma forma, a
convivência como estratégia de trabalho não deve ser pensada apenas nos
serviços de convivência!
3938
Cabe a todos
os profissionais da
assistência social
garantir acolhimento,
sobrevivência e
convivência
Nós produzimos proteção nas relações, quando nossas ações fortalecem as pes-
soas. Assim, o trabalho social é voltado a garantir proteção imaterial, ou seja,
para enfrentar inseguranças e vulnerabilidades relacionais. Assim, a proteção
é um direito dos usuários do SUAS, que se expressa em benefícios e serviços,
logo, se é direito deles, é obrigação dos trabalhadores e gestores assegurarem
acesso a esses direitos.
A segurança de sobrevivência visa garantir um padrão mínimo para
uma vida digna e cidadã. É “a garantia de todos tenham uma forma monetá-
ria de garantir sua sobrevivência, independentemente de suas limitações para
o trabalho ou do desemprego” (PNAS, 2004, p. 25). Parte do princípio de que
é o Estado que “está devendo”, pois é seu dever garantir a todos condições
mínimas de sobrevivência.
Na organização das atenções no SUAS, ficou definido que a provisão ma-
terial, ou seja, a garantia de segurança de sobrevivência seria realizada por
meio de benefícios monetários. Já a segurança de acolhida e convivência seria
ofertada por meio de serviços. Em 2009, quando foi aprovada a Tipificação
Nacional dos Serviços Socioassistenciais, inseriu-se ainda a segurança de de-
senvolvimento da autonomia, como resultado esperado dos serviços.
Desse modo, cabe ressaltar, que a direção presente no SUAS é que o trabalho
social se volta às relações e com elas lida na sua intervenção direta,
logo, o trabalho social não se volta à geração de renda ou à garan-
tia de sobrevivência material, para isso, estão previstos benefícios. Cabe
discussão política e técnica sobre os critérios desses benefícios, sua cobertura,
regulamentação, dentre outras questões. Mas, quanto mais automatizados fo-
rem, tanto mais o cidadão sentirá que seu direito está garantido e que não
depende de avaliações dos agentes públicos para acessá-lo.
A segurança de convívio parte do princípio de que é na convivência que
desenvolvemos potencialidades e aprendemos uns com os outros. Nesse
sentido, a convivência comporta dimensões intergeracionais, interterrito-
riais e multiculturais, na medida em que essas diferenças podem ser fato-
res de aprendizagem e ampliação de repertório para todos os envolvidos.
Promover encontros e convivência entre pessoas de diferentes idades, de
diferentes territórios, crianças menores com crianças maiores, meninos e
meninas, adolescentes e crianças, homens e mulheres, idosos e crianças etc,
pode fazer com que todos aprendam! A direção dada aqui é que quanto
mais vínculos relacionais as pessoas possuem e quanto mais susten-
tados no tempo forem esses vínculos, mais protegidas elas estão.
Porém, é também na convivência que produzimos barreiras ao desenvol-
vimento humano, quando essas diferenças são vividas como desigualdades.
Ao conviver, muitas vezes são estabelecidas relações em que desqualificamos
o outro por achar que sabemos mais, que podemos mais, temos mais prazer
em estar com pessoas que pensam como nós, o que oferta também uma sen-
sação de que estamos protegidos entre nossos iguais. Porém, contrariamente
a esse sentimento, o que se observa é que o convívio entre iguais produz uma
cristalização do modo de ver o mundo e, não raras vezes, produz intolerância
e fundamentalismos que desejam eliminar os diferentes.
Contrariamente a isso, a PNAS afirma a importância do convívio entre
diferentes, pois é a partir dessa experiência que as pessoas ampliam seu
modo de olhar a vida, o mundo e os modos de nele viver.
4140
Nesse sentido, a contribuição de ARENDT (2007) é fundamental. Para ela:
Somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas,
numa variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte
que os que estão à sua volta sabem que veem o mesmo na mais
completa diversidade, pode a realidade do mundo manifestar-se
de maneira real e fidedigna.
(ARENDT, 2007: 67)
Essa concepção tem impacto direto nos serviços socioassistenciais, pois tra-
dicionalmente eles foram organizados para acolher pessoas com trajetórias
comuns, quer seja, por idade, pelo tipo de violação sofrida, ou ainda pelo
endereço de sua moradia. Assim, por vezes, são apartados em serviços espe-
cíficos pessoas que tenham vivido situações de violência, tenham experiência
de vivências nas ruas, crianças que estejam envolvidas no trabalho e por aí
vai, como se o convívio entre diferentes fosse danoso para o funcionamen-
to do serviço. Nesse sentido, é importante sempre nos perguntarmos: qual a
qualidade das relações que os nosso usuários estabelecem? Essas relações o
fortalecem ou o enfraquecem? E as relações que nós estabelecemos com eles:
tornam eles mais potentes ou mais fragilizados?
Já a segurança de acolhimento se expressa na vivência do cidadão nos ser-
viços do qual ele frequenta, por meio de acesso ao orientações, encaminha-
mentos sobre serviços e benefícios, ambiência acolhedora e que assegure sua
privacidade, condições de dignidade em ambiente favorecedor da expressão e
do diálogo, ter reparados ou minimizados os danos por vivências de violações
e risco sociais, ter sua identidade e integridade história de vida preservadas.
Bons atendimentos são reconhecidos pelas pessoas e não deveriam ser
exceção. O cidadão deve vivenciar essa segurança! Muitas vezes, não temos o
costume de avaliar o serviço que prestamos, perguntando aos usuários como
foi para eles, como eles se sentiram. Inferimos ou deduzimos por alguns indi-
cadores o que agrada mais às pessoas, tendo a presença de pessoas em ativi-
dades como o principal indicador de sucesso de um serviço. Mas, e quando as
pessoas não se sentem pertencentes aquele local, quando se sentem intrusas
e inadequadas em serviços que foram criados para atender as suas necessi-
dades? Reconhecer essa possibilidade deve produzir uma questão para pen-
sarmos: o que podemos mudar em nossa prática de trabalho de forma que o
usuário se sinta acolhido? Orientar melhor? Atentar à ambiência e ao cuidado
com o espaço? Escutar mais? Realizar mudanças no modo de desenvolver o
trabalho a partir das sugestões/solicitações que os usuários fazem?
Os efeitos de acolhimento é que o reconhecimento de nós, enquan-
to representantes de um serviço público, produz o auto reconhecimen-
to, que é a sensação de ser igual a qualquer outra pessoa da cidade.
Na medida em que o que é vivido em uma relação pode ser transporta-
do para outras relações, quando proporcionamos às pessoas a expe-
riência de serem bem tratadas, bem atendidas, por esse ser um direito
dela, ela também transportará isso para outras relações. É importan-
te lembrar: vínculos fortalecidos são aqueles diversificados e sustentados no
tempo, oferecendo, assim, maior proteção ao sujeito.
No cotidiano do nosso trabalho, que barreiras se impõe
à garantia dessas seguranças?
Uma delas é o imediatismo: o cotidiano é pragmático e requer uma atuação
imediata, que dificulta a reflexão sobre a melhor maneira de agir. Outra bar-
reira que se apresenta é o preconceito: como não temos tempo para conhecer
a pessoa com a qual lidamos, recorremos à analogia, ou seja, a classificamos
em algum tipo já conhecido por experiência. Esse juízo provisório de analogia
pode se constituir em preconceito, se não nos atentarmos aos fatos posterio-
res que contradigam esse isso juízo provisório (HELLER, 1999). Por exemplo, se
um usuário não adere aos encaminhamentos realizados ou mesmo não com-
parece aos encontros que propomos, podemos pensar de imediato que ele
é acomodado, sem nos perguntar e nos questionar o que faz ele não aderir.
Outra barreira que se impõe é que, no cotidiano, lidamos com o cidadão real,
ou seja devemos lidar a partir das condições concretas diferenciadas
e desiguais dos cidadãos, e não do que seria suposto como adequado
para responder às exigências do serviço.
4342
Essas barreiras devem ser alvos de reflexão entre nós profissionais, de forma com
que possamos superá-las e assim garantir de fato as seguranças aos atendidos.
Portanto, as funções do trabalho social no SUAS envolvem conhecer
a situações de desproteção e as vulnerabilidades presentes. Identificar
e dar visibilidade é o primeiro passo para podermos intervir e combater
essas violações. Esse movimento de conhecimento ocorre tanto em re-
lação às trajetórias e vivências relacionais de cada usuário, quanto
em relação aos estudos teóricos sobre o assunto. É importante estudar
e também produzir conhecimento! Também é função do trabalhador
ofertar oportunidades do usuário experimentar outras relações e se
auto reconhecer. Isso amplia as possibilidades de proteção, combaten-
do a situações de violação e também a visão do usuário como coitado
ou carente, a partir do diálogo e da articulação coletiva.
Nesse sentido, o trabalho social é:
•	 interdisciplinar, visto que exige leituras comuns, apoiado em di-
ferentes áreas do conhecimento e entre profissionais que ocupam
cargos e funções;
•	 coletivo, e por isso envolve toda equipe, profissionais de ensino
superior e médio;
•	 planejado, embasado teoricamente, com metodologias e sistemati-
zação da prática, não é improvisação;
•	 orientado ética e politicamente na direção do sujeito, posto que é
para garantir o seu direito que ele existe;
•	 tem como matriz o território e a família, ou seja, não é de solu-
ção individualizada.
Assim, pensar na responsabilidade de produzir seguranças no trabalho social
no SUAS, exige que nos façamos algumas perguntas: estamos olhando todas
as demandas para as quais precisamos produzir respostas? Incorporamos uma
leitura sobre sofrimento e sentimentos quando atendemos as pessoas? Regis-
tramos alterações nesse cenário a partir da intervenção profissional? Podemos
afirmar qual a correlação direta entre alteração em situações de vulnerabilida-
de relacional e o trabalho social desenvolvido? E estamos dialogando com os
usuários para saber seu grau de satisfação sobre atenção recebida?
A partir das reflexões que essas e outras questões nos suscita, é possível
afirmar que o maior desafio do trabalho social no SUAS é produzir uma aten-
ção comprometida com os direitos dos usuários.
Propõe-se que se desenvolva um modo de olhar que expresse uma “aten-
ção cívica” (GOFMAM), um olhar intrometido, metido no que normalmen-
te se desolha, mas também comprometido. E que esse compromisso se
traduza na obrigação de denúncia, de desocultação, de desvelamento e
de superação. O que exige também superar as teorias e práticas do desvio:
“Desvio do olhar de uma realidade desviante”.
(José Machado Pais)
1.	 Autora: Abigail Silvestre Torres - Mestre e Doutora em Serviço Social. Pesquisa-
dora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social da PUC-SP.
Consultora de política pública de assistência social, políticas públicas para infância e
adolescência e controle social.
44
Referências Bibliográficas
ARENDT, HANNAH. As esferas pública e privada. In: A condição humana.
10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 4ª edição. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1999.
PAIS, José Machado. Nos rastos da solidão: deambulações sociológicas.
2.ed. Porto: Ambar, 2006.
SAWAIA, Bader. O sofrimento ético-político como categoria de análise
da dialética exclusão/inclusão. In: SAWAIA, Bader (org.) As artimanhas da
Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social.
São Paulo: Vozes, 2004.
TORRES, Abigail Silvestre. Segurança de convívio e de convivência: direito
de proteção na Assistência Social. Tese de Doutorado.
São Paulo: PUCSP, 2013.
____________________. Parâmetros para o trabalho profissional na política
de assistência social. São Paulo: 2015, no prelo.
46
© Núcleo Entretempos
1ª edição
São Paulo, 2015
organização
Carina Ferreira Guedes
Fernanda Ghiringhello Sato
projeto gráfico
Leandro Daniel
Lucila Muranaka
equipe projeto enlaces
Carina Ferreira Guedes
Carolina Esmanhoto Bertol
Fernanda Ghiringhello Sato
Gabriela Menezes Urbano da Silva
Mariana Manfredi Magalhães
Mariana Moura Abrahão
Natália Feliz Noguchi
Gestão adm financeiro
Kléber Araújo

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Enlaces - volume 1

  • 1.
  • 2. CADERNO textos de referência do projeto de formação de profissionais da Assistência Social de Osasco VOL. 1 organização Carina Ferreira Guedes Fernanda Ghiringhello Sato SÃO PAULO 2015 realização coordenação e organização
  • 3. Prefácio Solange Cristina Alves Apresentação Equipe Núcleo Entretempos Núcleo Entretempos Carina Ferreira Guedes Fernanda Ghiringhello Sato Enlaces: Projeto de formação de profissionais da Assistência Social de Osasco Equipe Núcleo Entretempos Cartografias Afetivas Carina Ferreira Guedes Fernanda Ghiringhello Sato Sistema Único de Assistência Social: concepção geral e desafios para a prática Nájila Thomaz de Souza Seguranças Sociais e o trabalho social no SUAS Abigail Silvestre Torres 7 9 11 15 19 27 37
  • 4. 76 Em 2013, assumi a Gestão da Secretaria de Assistência Social com uma recomen- dação do Prefeito Jorge Lapas de fazer com que o conhecimento técnico tão rico na Política de Assistência Social fosse traduzido em uma linguagem em que todos os trabalhadores da Assistência Social pudessem usufruir e se apropriar dele ple- namente para um maior resultado do trabalho e de que essa linguagem pudesse circular na mesma intensidade e com o mesmo respeito no sentido inverso, que o conhecimento vivido e adquirido com a prática de quem está lá na ponta fosse considerado pelos técnicos. São os agentes da ponta que ficam a maior parte do tempo com as nossas crianças nos abrigos e nos serviços de maneira geral. São para as cozinheiras que às vezes são contados os segredos mais importantes no processo de atendimen- to, que faz falta se não é considerado para compor um diagnóstico técnico, é o recepcionista do CRAS que acolhe a primeira queixa na hora do atendimento, e assim por diante. Como fazer para que esse conhecimento mútuo circulasse? Foi este o primeiro desafio que impulsionou a procura de uma consultoria, somado à necessidade do nosso compromisso na execução do SUAS em Osasco e do nosso compromisso de Governo. Buscamos a capacitação com uma visão que preconiza a continuidade do que prevê a NOB RH, considerando toda a história de tentativas boas e ruins já vividas pela Assistência Social em Osasco. Toda a experiência tem sido enriquecedora para toda a equipe dos Serviços de Proteção Básica e Especial e já conseguimos visualizar o envolvimento da rede de organizações sociais envolvidas conosco neste processo. É com grande alegria e com gratidão a um governo que tem um olhar sensível e comprometido com o desenvolvimento social que apresento o 1º volume de muitos outros que virão fruto da capacitação com a consultoria do Núcleo Entretempos. Solange Cristina Silva Secretária de Assistência Social Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. paulo freire
  • 5. 98 Desejamos a todos uma boa leitura e esperamos que as reflexões disparadas possam encadear boas discussões e contribuições para a melhoria do trabalho Caderno Enlaces compõe os textos de referência do projeto de formação de profissionais dos Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, CRAS e Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos de Osasco, rea- lizado pelo Núcleo Entretempos. Este caderno é o primeiro volume da série, que será publicada ao longo da formação. Seu objetivo é apresentar as principais sistematizações e con- teúdos abordados, na forma de textos de referência e indicações de materiais e atividades. Como a participação dos profissionais ao longo dos diferentes dispositivos de formação é diversa, este caderno também pretende ser uma material de referência que possa ser utilizado pelas equipes para socialização das discussões e apropriação dos principais temas abordados. Neste caderno iniciamos com as apresentações do Núcleo Entretempos, em- presa contratada para realização da capacitação, e da proposta de formação En- laces, nome de batismo desse processo. Esperamos que assim todos possam co- nhecer um pouco mais sobre nossa forma de trabalhar. Em seguida, o texto (sobre cartografia – colocar título) traz os fundamentos deste início de trabalho: a escuta das relações dos profissionais e usuários com o serviço, o território, bem como suas críticas, expectativas e desejos, que irão fundamentar o planejamento da formação. Finalizamos com os dois textos escritos a partir dos Seminários Teóricos realizados em Setembro e Outubro de 2015: Nájila Thomaz de Souza apresenta o histórico de constituição do Sistema Único de Assistência Social no Brasil, proble- matizando suas conquistas e desafios na atualidade; Abigail Silvestre Torres apro- funda a perspectiva de trabalho social no SUAS, enfatizando as seguranças sociais e a potência e responsabilidade dos profissionais na garantia de sobrevivência e, principalmente, de acolhimento e convivência. Estes três textos buscam localizar o CRAS, Serviços de convivência e Fortalecimento de Vínculos e os Serviços de Aco- lhimento dentro dos referenciais que organizam a política do Sistema Único de Assistência Social .Parte-se, portanto, de começar pelo que é comum aos serviços, para a partir destes referenciais trabalharmos as especificidades. Desejamos a todos uma boa leitura e esperamos que as reflexões disparadas possam encadear boas discussões e contribuições para a melhoria do trabalho. Equipe Núcleo Entretempos
  • 6. 1110 núcleo entretempos O Núcleo Entretempos é uma empresa especializada em capacitação e forma- ção de profissionais que atuam diretamente ou na interface com o campo da assistência social e direitos humanos. Nosso objetivo é contribuir com a produ- ção de práticas condizentes com os marcos legais atuais e com a valorização da singularidade dos sujeitos no cotidiano das instituições e rede de serviços. Compreendemos que formações que apresentem o contexto político e histórico dos serviços de atenção à população em vulnerabilidade social, bem como os principais conceitos envolvidos, são importantes na medida em que permitem que o profissional se situe dentro de um contexto e conheça os dis- positivos da rede. Porém, sabemos que os profissionais que trabalham com esse público entram em contato com histórias violentas, cruas e viscerais. Assim, tor- na-se desafio propor estratégias de formação que permitam a circulação dessas dificuldades e a elaboração das afetações decorrentes desses encontros. Nesse sentido, consideramos que a formação de profissionais deve pri- vilegiar questões e incômodos advindos da prática cotidiana, de modo com que os conteúdos abordados tenham como ponto de partida as questões do trabalho e retornem a ele trazendo novas maneiras de ver e lidar com essas situações. Nosso próprio nome – Entretempos – foi pensado a partir de duas frases muito ditas pelo profissionais que trabalham na Assistência Social: a de que se sentem “apagando incêndios” e “enxugando gelo”. A primeira fala nos remete às cenas em que nos percebemos solicitados a atender e a tentar dar conta de inú-
  • 7. 1312 Compondo a equipe Enlaces estão Carolina Esmanhoto Bertol, Gabriela Urba- no, Mariana Manfredi, Mariana de Moura e Natalia Felix Noguchi, que possuem diferentes formações e percursos profissionais, envolvendo: atuação direta em serviços e projetos ligados à garantia de direitos, experiência em processos de formação e capacitação profissional e avaliação de projetos sociais e experiên- cia em coordenação de grupos e oficinas e articulação de rede. Contamos ainda com a participação de outros profissionais especialistas que virão contribuir com a formação em Seminários Teóricos e Encontros Te- máticos. Visamos assim garantir uma diversidade de formadores para contem- plar a complexidade do campo da Assistência Social. Carina Ferreira Guedes Fernanda Ghiringhello Sato Coordenadoras do Núcleo Entretempos Para conhecer mais sobre o Núcleo Entretempos e ler textos e materiais escritos por nós, visite nosso site: www.nucleoentretempos.com Para acompanhar as principais notícias, divulgação de filmes, materiais e dicas culturais relacionadas à área, curta nossa página no facebook: www.facebook.com/nucleoentretempos Para visualizar nossos posts na sua timeline é necessário curtir e em seguida clicar na opção “receber notificações”! Quando quiser entrar em contato com a gente, nosso email é: nucleoentretempos@gmail.com meras situações que se apresentam como urgentes. A sensação é a de que ‘não há tempo a perder’ e nos sentimos pessoalmente implicados neste pedido, mo- bilizados pela emergência e pelo apelo afetivo e visceral da situação. Há nessa fala a convocação para uma temporalidade do imediato, a qual, na exigência de respostas urgentes, suscita movimentos reativos, em que há pouco espaço para a construção de estratégias de trabalho mais efetivas. Diante dessas mais diferentes urgências, repetidas, que exigem um inten- so investimento dos profissionais por dias, semanas, meses, o que emerge e se intensifica é a sensação de esgotamento, de que se está enxugando gelo. Perde-se o olhar para o novo, e onde viam urgência, passam a ver rotina. Qualquer ideia ou tentativa de uma nova estratégia ou de uma nova ação é rapidamente desinvestida, como se “não houvesse o que fazer, pois já foi tentado tudo”. Essas duas temporalidades, embora aparentemente opostas, são comple- mentares e ambas podem conduzir ao adoecimento do profissional e da ins- tituição. Como alternativa, apostamos na criação de um tempo de reflexão, um intervalo entre a demanda e a ação, um entre-tempo. Momento este de tentativa de compreensão e de abertura e criação de possibilidades, na inten- ção de construir alternativas ao curto circuito rapidamente instalado entre a urgência de respostas e a cronificação das mesmas. É nesse sentido que buscamos conjugar, em nossa formações, espaços de aprendizagens de conteúdos teóricos com momentos de escuta e troca en- tre os profissionais. Para saber mais sobre nossa proposta de formação para Osasco, leia o próximo texto! Nossa equipe O Núcleo Entretempos foi criado e é coordenado por Carina Ferreira Guedes e Fernanda Ghiringhello Sato, psicólogas e psicanalistas, que têm em suas tra- jetórias profissionais experiências em: atuação direta em serviços que compõe a rede de garantia de direitos de crianças e adolescentes na Assistência Social, consultorias em avaliações de projetos ligados a essa temática, formação de profissionais e coordenação de grupos, além de formação na área de pesquisa acadêmica e em psicanálise. Para saber mais sobre nós
  • 8. 1514 enlaces projeto de formação de profissionais da assistência social de osasco O nome deste projeto de formação – Enlaces – foi escolhido na intenção de que ele proporcione novos e diferentes laços: enlaces entre a rede de serviços e entre profissionais, novos enlaces com os usuários e também entre teorica e prática, visando produzir mais um enlaçamento do profissional com sua prática de trabalho, no sentido da implicação e da criatividade. Laço é pensado como o que une, mas não prende; não é um nó, mas sim formas de aproximação e articulação, do que pode caminhar junto. A formação enlaces é destinada aos profissinais dos Serviços de Acolhimen- to Institucional para Crianças e Adolescentes e Casas-lar, Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Fa- mília (PAIF) e Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, da rede direta e conveniada de Osasco. A formação inicou-se em Agosto de 2015 e terá duração de 1 ano, compreendendo 3 tempos: 1º tempo: mapeamento Partimos da premissa de que uma formação tem mais efeitos quando dialoga efetivamente com as questões dos profissionais. Assim, nesse primeiro momen- to a intenção é conhecer o que os profissionais tem a dizer sobre sua prática de trabalho, bem como o que os usuários contam sobre o serviço em que são atendidos. A partir desse diagnóstico inicial, serão definidas e acordadas com os trabalhadores os temas prioritários da formação.
  • 9. 1716 2º tempo: desenvolvimento da formação Este será o momento de discutir e aprofundar os temas prioritários definidos no mapeamento. A formação acontecerá a partir de três dispositivos formati- vos: o primeiro consiste em encontro mensais em cada um dos serviços en- volvidos, com toda equipe presente (na Proteção Social Básica, os encontros serão no CRAS e envolverão os Serviços de Convivência referenciados àquele território), nos quais serão discutidos os temas eleitos pela equipe a partir da especificidade do momento de cada instituição. Já os outros dois dispositivos são coletivos e envolverão representantes de cada serviço: os seminário teó- ricos, que acontecerão mensalmente, no qual especialistas convidados virão aprofundar teoricamente alguns assuntos, e os encontros temáticos, que serão um conjunto de encontros sequenciais teórico-práticos, no qual os pro- fissionais interessados em temas específicos se reunirão em grupos de trabalho medidados pela equipe do Entretempos para desenvolver compreensões co- muns e ações ligadas à temática escolhida. 3º tempo: fechamento e avaliação Este será o momento de realizar uma avaliação do processo, indicando até onde ele avançou, bem como quais são os próximos passos e desafios dos pro- fissionais da rede de Osasco. É também um momento de reflexão, para pensar- mos que fatores proporcionaram os avanços e quais dificultaram os aprendiza- dos, de forma a subsidiar ações futuras de formação. Esses três momentos tem como eixo central a discussão e desenvolvi- mento do Projeto Político-Pedagógico (PPP) das instituições. A elabora- ção de um Projeto Político Pedagógico, além de uma exigência legal no proces- so de reordenamento e municipalização de alguns serviços, é um instrumento importante para construção conjunta da “cara” e da proposta de cada instituição. Assim, entendemos que, embora alguns serviços já tenham um PPP elaborado, sua reconstrução em equipe é um processo importante para que ele de fato tenha sentido e possa refletir e orientar a prática de trabalho. Esse processo é um momento privilegiado para que a equipe possa definir sua proposta de trabalho e fundamentá-la, estabelecendo também critérios para seu acompanhamento e avaliação. Enlaçado com diferentes dispositivos de for- mação, que possuem momentos coletivos e outros específicos de cada institui- ção, o Projeto Político – Pedagógico também terá diretrizes comuns a todos os serviços, e aspectos específicos de cada instituição. A intenção é que assim as discussões que ocorrerão ao longo da forma- ção, desde o mapeamento, até seu fechamento e indicação de próximos pas- sos, possam ser registradas e sistematizadas no Projeto Político-Pedagógico, contribuindo para que os aprendizados permaneçam e possam se refletir na prática de trabalho. 1. Encontros nos serviços trabalhar o que for específico de cada equipe e instituição 2. Encontros temáticos experimentar e colocar em prática ações relativas a um tema escolhido 3. Seminários teóricos aprofundar teoricamente os temas 1 2 3
  • 10. 1918 cartografias afetivas “O princípio do cartógrafo é extramoral: a expansão da vida é seu pa- râmetro básico e exclusivo, e nunca uma cartografia qualquer, tomada como mapa. O que lhe interessa nas situações com as quais lida é o quan- to a vida está encontrando canais de efetuação. Pode-se até dizer que seu princípio é um antipricípio: um princípio que o obriga a estar sempre mudando de princípios. É que tanto seu critério quanto seu princípio são vitais e não morais. E sua regra? Ele só tem uma: é uma espécie de “regra de ouro”. Ela dá elasticidade a seu critério e a seu princípio: o cartógrafo sabe que é sempre em nome da vida, e de sua defesa, que se inventam estratégias, por mais estapafúrdias.” Suely Rolnik em Cartografia Sentimental – Transformações contemporâneas do desejo Cartografia é o termo utilizado comumente para falar da ciência da represen- tação gráfica de elementos contidos no espaço de modo a produzir um mapa. Essa representação objetiva produzir visualização de demarcações espaciais a partir de símbolos ou convenções. Um mapa, nessa perspectiva, não é algo subjetivo, pois representa dados objetivos: ruas, distribuição populacional, bacias hidrográficas e fronteiras, por exemplo. É possível questionar, entretanto, que essa objetividade da cartografia não é neutra: o que é representado diz de um recorte e de uma interpretação sobre determinado espaço ou território. Nesse sentido, vale lembrar que a cartografia frequentemente esteve voltada para as intenções geopolíticas de Carina Ferreira Guedes1 Fernanda Ghiringhello Sato2
  • 11. 2120 controle do espaço, utilizada não apenas para orientar na localização espacial, mas principalmente para definir também a posse e uso do território. Uma outra forma de compreender a cartografia pretende ressaltar quais são as percepções e sentimentos de cada um em relação ao terri- tório que os cerca: trata-se da cartografia afetiva. Nessa perspectiva, embora o terreno de fundo seja o território, com suas ruas e relevos, o foco está nas relações que são estabelecidas com ele: cartografar é, nesse sentido, uma forma de dar visibilidade a essas relações. Para iniciar o trabalho da formação Enlaces, optou-se pela realização de uma cartografia afetiva dos territórios de trabalho dos profissionais: a co- munidade do entorno, no casos dos CRAS, e a casa, no caso dos Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. A cartografia entendida tal como como Suely Rolnik apresenta ao falar do trabalho do cartógrafo: trata-se de pensar na vida e como ela se dá nos espaços, pensar nos afetos e relações que definem o uso e a ocupação destes territórios, ou seja, trata-se de uma car- tografia dos afetos, mais do que dos aspectos concretos, que aparecem como secundários. Trata-se também de ouvir as histórias e não naturalizar as fronteiras, símbolos e representações propostas. Por exemplo, é muito co- mum as áreas livres, comunidades ou favelas não estarem representadas no mapa, visto que, no rigor dos fatos, são ocupações não regularizadas. Porém, na “vida como ela é” elas estão lá, sendo, muitas vezes território prioritário de ação dos profissionais. Iniciar pela escuta dos profissionais e usuários dos CRAS e Serviços de Aco- lhimento, mapeando os territórios e as questões (limites, regras, histórias vin- culadas a um espaço, etc) para poder reconhecer as ações propostas por estes serviços, as relações estabelecidas entre usuários e comunidade, profissionais e usuários e vice e versa, foi fundamental para poder falar sobre formação. A intenção foi de, a partir do cartografia, chegar aos desafios identifi- cados pelos profissionais e usuários na garantia das três seguridades que compõe o objetivo da política do SUAS: sobrevivência, convivência e acolhimento. Para isso, buscou-se saber sobre os modos de se relacionar que definem, por exemplo, a regra que mantém uma porta fechada ou o horário da atividade. A forma de nomeação dos espaços, pessoas e bairros, bem como os estigmas, a forma como um território é visto pelos outros: qual a marca de cada lugar? O que isso produz nos sujeitos que trabalham, moram, frequen- tam determinado espaço? Trata-se aqui de orientar a formação Enlaces pelas questões: justamente aquilo que diz de onde a vida e o trabalham emperram, o que exige o reco- nhecimento de algo que não se sabe, bem como da implicação para transfor- mar esse não saber em uma busca, em querer saber. Assim, temas e conteúdos não foram escolhidos a priori, mas sim surgiram do trabalho de cartografia e das questões que dele emergiram. CRAS e serviços de convivência: cartografando o território comunitário O CRAS, Centro de Referência da Assistência Social, traz em seu nome a ques- tão que norteou a atividade de mapeamento: referência. Esta palavra em si convoca a pensar: o CRAS, neste território, é referência do quê? Como é perce- bido pela população? Como se percebe e localiza a forma como suas práticas se relacionam e ocupam o território de abrangência? Foram produzidos, a partir do mapa de Osasco, 8 mapas com o território de abrangência de cada CRAS3 : Veloso, Padroeira, Rochdale, Km 18, Munhoz, Bonança, Santo Antônio e Piratininga. Cada equipe (técnicos, gestão, Aps, re- cepção, copeira, auxiliar de serviços gerais, oficineiros, facilitadores e orienta- dores) foi convidada a cartografar seu território a partir do trabalho que reali- zam nos CRAS e Serviços de Convivência, mapeando como se localizam como referência e também as questões específicas que identificam do território.
  • 12. 2322 A produção destes mapas afetivos passou pelo reconhecimento do território no qual o trabalho do CRAS se faz presente: reconhecer comunidades e públicos, demandas, potências e espaços de encontro no bairro e também as marcas de se viver em determinado bairro ou região. Discutiu-se as demandas que emer- gem dos usuários, como pedidos diretos e também as que chegam ao CRAS de outras formas: o descuido com o espaço, ou a forma agressiva de estar com o outro, por exemplo. Mapeou-se também o que aparece pela ausência: público que não frequenta o CRAS, demandas que ainda não chegam e que poderiam ser acolhidas neste serviço. Este mapeamento provocou a pensar: qual, afinal, é o papel do CRAS? Quais demandas e como ele pode acolher? Quais os limites e condições para atuação? Trata-se de reconhecer não só os limites em torno de recurso, mas também de reconhecer quais demandas necessitam de ou- tras estratégias para serem escutadas e endereçadas. Em cada um dos 8 territórios, partiu-se de uma mesma proposta e mate- rial e produziu-se representações muito singulares que explicitam as marcas e afetações que no momento emergiram do contato dos profissionais com os territórios e dos usuários com o CRAS e sua comunidade. Estas produções irão orientar a formação Enlaces: permitem tanto localizar pontos a serem trabalhados no coletivo como questões de cada equipe do CRAS e serviços de convivência e seu território de atuação.
  • 13. 2524 A partir destes 2 mapas produzidos em cada serviço (pelos profissionais e usu- ários) abriu-se uma conversa sobre as percepções sobre a casa: falou-se sobre o clima da casa, como esta é reconhecida em relação aos outros serviços de acolhimento, ou seja, “a fama” de cada lugar. Falou-se sobre a circulação pelos espaços da casa e a forma como cada um pode ocupá-los. Também produzi- ram-se questões sobre práticas e rotinas que pareciam naturais. Para além do cuidado concreto, afinal, qual a função é o que cada serviço de acolhimento - quer produzir/ofertar as crianças e adolescentes? Nossa postura nesse início de processo foi, nesse sentido, a do pró- prio cartógrafo afetivo: quisemos conhecer e escutar para propor um tra- balho a partir dessa escuta. Entrada esta despojada de julgamentos morais, justamente para possibilitar esse tempo de compreensão. A partir dos emer- gentes dessas cartografias, identificou-se pontos de atenção e potência que serão os temas da formação Enlaces. Referência Bibliográfica ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. serviços de acolhimento para crianças e adolescentes: a casa como território Nos serviços de acolhimento para crianças e adolescentes, o território carto- grafado foi a casa. Casa, que é local de trabalho para alguns e de moradia para outros. Participaram desta atividade os serviços de acolhimento CR2, CR3, Casa dos Irmãos, Casa Nova Esperança, Casa Abc, Casa Doce lar, Casa Vida Nova, Amamos e Projeto Lar. O material criado para que os profissionais (Aps, psi- cólogos, assistentes sociais, gestores, cozinheiras, auxiliares de serviços gerais e auxiliares administrativos) e os usuários, ou seja, as crianças e adolescentes que estão acolhidos, pudessem realizar a cartografia da casa, foi desenvolvido para que pudesse servir como linguagem para as diferentes idades. Propusemos que, em momentos separados, os profissionais e depois as crian- ças e adolescentes, produzissem uma planta da casa com a utilização de papéis coloridos. Após o reconhecimento do espaço, foi pedido para que identificassem a partir de adesivos com diferentes símbolos e materiais gráficos: os usos dos es- paços pelos diferentes sujeitos que circulam pela casa; as regras e as histórias que deram origem a elas; as vontades que não encontram espaço; as atividades que são realizadas; sentimentos, pensamentos e sonhos; os muros e a fronteira com o externo a casa. Partiu-se de seus elementos concretos: cômodos e móveis para en- tão localizarem como são os afetos, as relações com o espaço, como pensam o tra- balho de acolhimento e mesmo como reconhecem este território enquanto casa. 1. Carina Ferreira Guedes - Psicóloga, psicanalista e Mestre em Psicologia Social. Coorde- nadora do Núcleo Entretempos. 2. FernandaGhiringhelloSato.Psicólogaepsicanalista.CoordenadoradoNúcleoEntretempos. 3. Mapeamento realizado entre Setembro e Outubro de 2015. A atividade foi realizada com cada CRAS e com os Serviços de Convivência que funcionam dentro do CRAS.
  • 14. 2726 sistema único de assistência social: concepção geral e desafios para a prática Nájila Thomaz de Souza1 A política de assistência social no Brasil A trajetória da Política de Assistência Social no Brasil é marcada pela filantro- pia e políticas de governo, com ações focalistas, fragmentadas, assistencialis- tas e descontínuas, nas quais as medidas de proteção social fundamentavam- se no prisma da moral cristã. Após a luta dos trabalhadores no processo de redemocratização do país, ti- vemos a promulgação da Constituição Federal em 1988 que reconheceu as políticas sociais enquanto direito do cidadão e dever do Estado. Deste modo, a assistência social passou a compor o tripé da seguridade social, junta- mente com a saúde e a previdência social. Esta constituição foi pioneira no Bra- sil em indicar a organização de um sistema governamental de assistência social. SEGURIDADE SOCIAL Assistência social Previdência social SAÚDE
  • 15. 2928 Apesar dos avanços conquistados pela Carta Magna de 1988, visto que a mes- ma foi aprovada em um momento de acirrado conflito entre as classes e de forte participação da sociedade civil na luta pelo alargamento da democracia, o neoliberalismo, de uma forma paradoxal, começa a ditar sua cartilha, pro- movendo um ajuste nas contas públicas, com privatizações, cortes nos investi- mentos públicos e expansão no setor privado. Destaca-se que a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) aprovada em 2004 sinaliza um marco fundamental de avanço da Política Pública de Assis- tência Social, na medida em que estabelece provisões assistenciais que precisam ser pensadas na perspectiva de direito de cidadania sob atenção do Estado. A Política de Assistência Social enquanto proteção social não con- tributiva possui ações específicas estatalmente reguladas para provi- são de serviços e benefícios sociais com vistas a enfrentar situações de risco social ou privações sociais. As seguranças sociais previstas pela PNAS são: acolhida, convívio ou vivência familiar e comunitária e de renda. Com vis- tas à efetivação e à consolidação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2011 este Sistema adquiriu estatuto de lei (Lei nº 12.435/2011). Ressalta-se que a Política de Assistência Social deve afiançar duas Prote- ções Sociais: a Proteção Social Básica (PSB) e a Proteção Social Especial (PSE) de Média e Alta Complexidade. A PSB tem como objetivos prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários (PNAS, 2004 p. 33), e a PSE se propõe a atender famílias e/ou indivíduos em situação de violação de direitos, que passaram por situação de rompimento e/ou fragilidades nos vín- culos familiares e comunitários. A Política de Assistência Social deve afiançar duas Proteções Sociais As PSB e PSE são executadas em unidades públicas estatais territorializadas. A PSB tem o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e a PSE tem o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) enquanto equipamen- tos públicos estratégicos para atender as famílias e/ou indivíduos em situação de vulnerabilidade, risco e violação de direitos social e/ou pessoal. A Norma Operacional Básica/SUAS apresenta os eixos estruturantes para realização do pacto a ser efetivado pelos três entes federativos que visa a consolidação da PNAS/2004 sob um Sistema Único. Os eixos estruturantes do SUAS são: Matricialidade sociofamiliar; Descentralização político-administra- tiva e Territorialização; Novas bases para a relação entre Estado e Sociedade Civil; Financiamento; Controle Social; Desafio para a participação popular/ci- dadão usuário; a Política de Recursos Humanos; a Informação, o Monitora- mento e a Avaliação. A Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, deliberação da VI Conferência Nacional (2007), normatiza os conteúdos dos serviços de Assistên- cia Social, a construção de nomenclaturas e tipologias com propósito de qua- lificar a política de Assistência Social, os serviços e benefícios que ela presta e a forma de conhecer as necessidades que exigem a proteção social do Estado que são materializadas em direitos por meio dos serviços. Proteções Sociais Proteção Social EspecialProteção Social Básica atende famílias e/ou indivíduos em situação de violação de direitos, que passaram por situação de rompimento e/ou fragilidades nos vínculos familiares e comunitários Previne situações de risco por meio do desenvolvimento de habilidade e aquisições
  • 16. 3130 Embora o SUAS esteja em ascensão e em seu processo de implementação no Brasil, ele não está isento da precarização, privatização, focalização e sucate- amento expressos nas políticas públicas neste momento complexo de retirada de direitos da classe trabalhadora. De fato, a hipertrofia da dimensão/ação repressiva do Estado burguês conjuga-se outra dimensão, coesiva e legitimadora: o novo assistencialis- mo, a nova filantropia que satura as várias iniciativas – estatais, privadas e estatal/privadas, mediante as chamadas “parcerias público-privado” – que configuram as políticas sociais implementadas desde os anos 1980- 90 para enfrentar o quadro de pauperização contemporânea, isto é, da “questão social”, “velha” e/ou “nova”. Já não se está diante da tradicio- nal filantropia (de base confessional e/ou laica) que marcou os modelos de assistência social que emergiram no século XIX nem, muito menos, diante dos programas protetores ou de promoção social que vieram a institucionalizar-se a partir do Estado de Bem Estar Social. (NETTO, 2012 p. 428) A focalização das políticas sociais nos mais pobres faz parte da es- tratégia deste Estado neoliberal negando assim, o caráter universal destas políticas. Discutir o financiamento desta Política é fundamental, pois ao focalizar suas ações nos segmentos mais pobres desta sociedade, imprime outro dese- nho nesta política, na medida em que sua expansão teve sua centralidade nos Programas de Transferência de Renda, como demonstra estudo realizado por Boschetti e Salvador em 2005 (MOTA, 2010 p.134) [Tais dados revelam] as principais orientações dos programas e ações planejadas no PPA do atual governo: fortalecimento de benefícios de transferências de renda como o BPC e Bolsa Família; apenas manutenção de ações protetivas e socioeducativas, com crescimento pífio de recur- sos que não alcançam mais de 5% dos recursos do Fundo Nacional de Assistência Social (...). Este quadro indica, assim, aumento dos recursos repassados pelo governo federal em forma de transferência de renda diretamente aos beneficiários e manutenção ou pífio crescimento dos recursos destinados a ações que devem ser coletivamente executadas pelos CRAS na modalidade de proteção básica e/ou especial conforme a PNAS e a NOB. (Boschetti e Salvador, 2006 p. 50 apud MOTA, 2010 p. 134) Neste contexto de precarização e retração dos direitos sociais é que estão inse- ridos os trabalhadores do SUAS. Como os desafios são inúmeros, pretende-se no próximo tópico pontuar alguns, entendendo que esta discussão é extensa e complexa, não sendo possível seu esgotamento. O SUAS: efetivação X precarização Pretende-se pontuar algumas questões sobre o SUAS, seus avanços e desafios. Avanços • A Política de Assistência Social compõe o tripé da Seguridade So- cial, passando a ser uma política de dever do Estado e direito do(a) cidadão(ã); • A regulamentação da lei 12.435/11 do SUAS como sistema públi- co não-contributivo, descentralizado e participativo. Esta lei garante que o SUAS seja política de Estado e não fique a reboque de políticas de governo; • Capilaridade da Política de Assistência Social em âmbito nacional. De acordo com o Censo SUAS 2012, temos no Brasil 7.725 CRAS implanta- dos em 5.323 municípios, configurando uma cobertura de 95,5%. Em relação ao CREAS fechou-se 2012 com 2.167 unidades, instaladas em pouco mais de um terço dos municípios brasileiros. A região sudeste concentra o maior número de CREAS do Brasil, sendo 848, caracteri- zando 39% (BRASIL, 2013: p. 18 e 40). • No tocante aos recursos humanos, o CENSO SUAS afirma que em 2012 os CRAS possuíam 68.275 trabalhadores, sendo 49,3% possuíam nível superior, 41% ensino médio e 9,5% ensino fundamental. É interessan-
  • 17. 3332 te que, dentre os trabalhadores com nível superior, o maior número de trabalhadores(as) são assistentes sociais (22,9%), seguido de psicó- logos, com 13,2%. O vínculo empregatício é composto de 32,9% esta- tutários e 31,6% servidor temporário, o restante se divide em vínculo não permanente, terceirizado, empregado público e comissionado (BRASIL, 2013: p. 28 - 29). • Houve uma ampliação do financiamento para a Política de Assistên- cia Social no âmbito Federal, mas sua concentração ainda está nos Benefícios, conforme já mencionado; • A construção de legislações que definem nacionalmente os serviços e benefícios a serem ofertados pela Política de Assistência Social; • Houve uma significativa ampliação do Recursos Humanos dentro da Política a partir da Política Nacional de Assistência Social (2004)/Nor- ma Operacional Básica de Recursos Humanos (2005); • Construção do Fórum Nacional, Estadual e Municipal de Trabalhadores (as) do SUAS de São Paulo e Osasco realizou uma atividade no dia 23/09 com os(as) trabalhadores(as) do SUAS sobre a saúde do trabalhador(a). Desafios • A focalização da ação da Assistência Social nos mais pobres, através dos Programas de Transferência de Renda. É necessário fortale- cer a conexão entre serviços e benefícios. Esta centralidade das ações nos Programas de Transferência de Renda contribui para o con- trole burocrático das famílias beneficiárias. • É importante refletirmos criticamente sobre as condicionalidades do Programa Bolsa Família, na medida em que estas condicionalidades muitas vezes servem como instrumento de controle destas famílias, além da culpabilização das mesmas; • A centralidade do financiamento Federal no benefícios e PTR’s não sobram nem 5% para os serviços socioassistenciais. Como queremos serviços de qualidade com este investimento pífio?; • Construir uma identidade de trabalhadores (as) do SUAS, através do Fórum Nacional, Estaduais e Municipais; • Dar voz e materializar as demandas e necessidades dos(as) trabalha- dores as) e usuários(as); • Fortalecer os espaços de Controle Social com a efetiva participação de trabalhadores (as) e usuários (as); • Judicialização da Política de Assistência Social, visto que os (as) tra- balhadores (as) do SUAS estão atendendo expedientes e solicitações dos Órgãos de Defesa de Direitos como o Conselho Tutelar, Ministério Público, Disque Denúncia (100), Defensoria Pública entre outros. Sa- lienta-se que muitos desses expedientes possuem prazos que se não forem respeitados o profissional é responsabilizado. Discute-se sobre a judicialização da Política de Assistência Social e a penalização dos(as) trabalhadores(as) do SUAS. Seria esta uma atribuição dos trabalhado- res do SUAS, tendo em vista que o Judiciário precisa ter uma equipe que atenda suas necessidades e o CRAS, CREAS e rede socioassistencial fariam o acompanhamento das famílias quando solicitado? • Convivemos com o sucateamento e a precarização do SUAS, recursos humanos insuficiente, demanda de trabalho superior a possibilidade de atendimento de cada equipe, o aprofundamento das terceiriza- ções, o adoecimentos dos profissionais, o assédio moral cada dia mais expressivo pelas chefias e a ausência de formação permanente aos tra- balhadores/as que atuam cotidianamente na base com os usuários/as.
  • 18. 3534 Conclusão Um dos desafios colocados aos profissionais diz respeito à capacidade de decifrar esta realidade com vistas a construir propostas criativas capazes superar os fundamentos conservantistas e tecnocráticos do discurso da competência burocrá- tica, conforme aponta Marilda Iamamoto (2009). As mediações estão postas na rea- lidade, elas se expressam no movimento do real, os trabalhadores podem construir estratégias, através de uma práxis comprometida com os interesses da classe traba- lhadora. Só o ser humano é capaz de exercer uma prática revolucionária e para tanto, é necessário uma profunda e qualificada leitura de realidade, pois os movimentos dialéticos estão no cotidiano. Convive-se em um cenário que aponta para a fragilização das lutas coletivas na sociedade e imprime um árduo desafio aos(às) trabalhadores(as) inseridos nos servi- ços socioassistenciais: a difícil tarefa de estimular a participação popular em um contexto marcado pela lógica do individualismo e sucateamen- to das manifestações coletivas, tão bem difundida e impregnada pela ideologia dominante. A criação e efetivação do SUAS com sua proposta de implantação dos CRAS e CREAS vem indicando possibilidades de partilha do poder local, estímulo ao protago- nismo dos sujeitos e elevação dos níveis de participação. Enfim a nova política pública de assistência social brasileira visa à retomada do trabalho de base junto à população com vistas a ampliação e radicalização da democracia. Contudo, cabe a indagação se a PNAS tem conseguido garantir aos(as) seus(as) trabalhadores(as) atuantes nas unidades públicas estatais e serviços socioassisten- ciais, mecanismos que possibilitem o desenvolvimento de um trabalho social na dire- ção coletiva, possibilitando aos usuários dos CRAS ações que possam desembocar na participação dessa população na construção e efetivação de direitos sociais amplia- dos, se inserindo de fato na luta pela distribuição da riqueza socialmente produzida e pelo protagonismo na construção da política de assistência social. Referências Bibliográficas BRASIL, Lei N° 8.742- Orgânica da Assistência Social, 1993- com alterações da Lei 12.435/2011; ______, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social NOB/SUAS. Brasília, 2005. ______, Política Nacional de Assistência Social. Brasília, 2004. ______, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Censo SUAS 2012. CRAS, CREAS, Centros Pop, Gestão Municipal, Gestão Estadual, Conselhos Municipais, Conselhos Estaduais e Unidades de Acolhimento. Brasília, 2013. CFESS. O trabalho do/a Assistente Social no SUAS: seminário nacional – CFESS – Gestão Atitude Crítica para Avançar na Luta – Brasília, 2011. IAMAMOTO, M.V. e CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil. São Paulo: Celats/Cortez, 1998. _________. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 14 ed. São Paulo Ed. Cortez, 2008. _________. O Serviço Social na cena contemporânea. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília, CFESS – ABEPPS, 2009, p. 16-49. MOTA. E. ANA. O Mito da assistência social: ensaios sobre Estado, política e sociedade – 4º Ed. – São Paulo: Cortez, 2010. NETTO J. P. Crise do capital e consequências societárias. Revista de Serviço Social e Sociedade, Ed. Cortez. São Paulo, nº 111, p. 413-429, 2012. 1. Autora: Najila Thomaz de Souza – Assistente Social da Prefeitura Municipal de São Paulo – Mestranda da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no Programa de Pós Graduação do Serviço Social.
  • 19. 3736 Seguranças sociais e o trabalho social no SUAS Abigail Silvestre Torres1 A Assistência Social lida com que tipo de situações? Lida com fragilidades que não estão somente relacionadas à ausência de renda para garantir à sobrevi- vência, mas também situações de humilhação, isolamento, abandono, sofri- mento, preconceito, discriminação, apartação, conflitos etc. Todas essas fragilidades são desigualdades vividas nas relações, que retra- tam “a vivência cotidiana das questões sociais dominantes de cada época his- tórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade” (Sawaia, 2004, p. 105). Bader Sawaia nomeia essas situações como um sofrimento ético político, que acontece quando as diferenças são vividas nas relações como desigualdades, provocado pelo reconhecimento negativo/desva- lorizado que se faz de uma pessoa. Como essas desigualdades se expres- sam nas relações e são produzidas coletivamente, a responsabilidade de preveni-las e combatê-las também é coletiva: é uma responsabilidade do Estado que se realiza por meio da política pública! É com esse objetivo que são pensadas as seguranças que compõem a Assistência Social. As seguranças de sobrevivência, acolhimento e convivên- cia são respostas a essas fragilidades. É importante ressaltar que essa segu- ranças não estão restritas aos serviços de nome semelhantes. Por exemplo, a segurança de acolhimento não é trabalho apenas dos serviços de acolhi- mento, mas de todos os serviços da assistência social! Da mesma forma, a convivência como estratégia de trabalho não deve ser pensada apenas nos serviços de convivência!
  • 20. 3938 Cabe a todos os profissionais da assistência social garantir acolhimento, sobrevivência e convivência Nós produzimos proteção nas relações, quando nossas ações fortalecem as pes- soas. Assim, o trabalho social é voltado a garantir proteção imaterial, ou seja, para enfrentar inseguranças e vulnerabilidades relacionais. Assim, a proteção é um direito dos usuários do SUAS, que se expressa em benefícios e serviços, logo, se é direito deles, é obrigação dos trabalhadores e gestores assegurarem acesso a esses direitos. A segurança de sobrevivência visa garantir um padrão mínimo para uma vida digna e cidadã. É “a garantia de todos tenham uma forma monetá- ria de garantir sua sobrevivência, independentemente de suas limitações para o trabalho ou do desemprego” (PNAS, 2004, p. 25). Parte do princípio de que é o Estado que “está devendo”, pois é seu dever garantir a todos condições mínimas de sobrevivência. Na organização das atenções no SUAS, ficou definido que a provisão ma- terial, ou seja, a garantia de segurança de sobrevivência seria realizada por meio de benefícios monetários. Já a segurança de acolhida e convivência seria ofertada por meio de serviços. Em 2009, quando foi aprovada a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, inseriu-se ainda a segurança de de- senvolvimento da autonomia, como resultado esperado dos serviços. Desse modo, cabe ressaltar, que a direção presente no SUAS é que o trabalho social se volta às relações e com elas lida na sua intervenção direta, logo, o trabalho social não se volta à geração de renda ou à garan- tia de sobrevivência material, para isso, estão previstos benefícios. Cabe discussão política e técnica sobre os critérios desses benefícios, sua cobertura, regulamentação, dentre outras questões. Mas, quanto mais automatizados fo- rem, tanto mais o cidadão sentirá que seu direito está garantido e que não depende de avaliações dos agentes públicos para acessá-lo. A segurança de convívio parte do princípio de que é na convivência que desenvolvemos potencialidades e aprendemos uns com os outros. Nesse sentido, a convivência comporta dimensões intergeracionais, interterrito- riais e multiculturais, na medida em que essas diferenças podem ser fato- res de aprendizagem e ampliação de repertório para todos os envolvidos. Promover encontros e convivência entre pessoas de diferentes idades, de diferentes territórios, crianças menores com crianças maiores, meninos e meninas, adolescentes e crianças, homens e mulheres, idosos e crianças etc, pode fazer com que todos aprendam! A direção dada aqui é que quanto mais vínculos relacionais as pessoas possuem e quanto mais susten- tados no tempo forem esses vínculos, mais protegidas elas estão. Porém, é também na convivência que produzimos barreiras ao desenvol- vimento humano, quando essas diferenças são vividas como desigualdades. Ao conviver, muitas vezes são estabelecidas relações em que desqualificamos o outro por achar que sabemos mais, que podemos mais, temos mais prazer em estar com pessoas que pensam como nós, o que oferta também uma sen- sação de que estamos protegidos entre nossos iguais. Porém, contrariamente a esse sentimento, o que se observa é que o convívio entre iguais produz uma cristalização do modo de ver o mundo e, não raras vezes, produz intolerância e fundamentalismos que desejam eliminar os diferentes. Contrariamente a isso, a PNAS afirma a importância do convívio entre diferentes, pois é a partir dessa experiência que as pessoas ampliam seu modo de olhar a vida, o mundo e os modos de nele viver.
  • 21. 4140 Nesse sentido, a contribuição de ARENDT (2007) é fundamental. Para ela: Somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, numa variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte que os que estão à sua volta sabem que veem o mesmo na mais completa diversidade, pode a realidade do mundo manifestar-se de maneira real e fidedigna. (ARENDT, 2007: 67) Essa concepção tem impacto direto nos serviços socioassistenciais, pois tra- dicionalmente eles foram organizados para acolher pessoas com trajetórias comuns, quer seja, por idade, pelo tipo de violação sofrida, ou ainda pelo endereço de sua moradia. Assim, por vezes, são apartados em serviços espe- cíficos pessoas que tenham vivido situações de violência, tenham experiência de vivências nas ruas, crianças que estejam envolvidas no trabalho e por aí vai, como se o convívio entre diferentes fosse danoso para o funcionamen- to do serviço. Nesse sentido, é importante sempre nos perguntarmos: qual a qualidade das relações que os nosso usuários estabelecem? Essas relações o fortalecem ou o enfraquecem? E as relações que nós estabelecemos com eles: tornam eles mais potentes ou mais fragilizados? Já a segurança de acolhimento se expressa na vivência do cidadão nos ser- viços do qual ele frequenta, por meio de acesso ao orientações, encaminha- mentos sobre serviços e benefícios, ambiência acolhedora e que assegure sua privacidade, condições de dignidade em ambiente favorecedor da expressão e do diálogo, ter reparados ou minimizados os danos por vivências de violações e risco sociais, ter sua identidade e integridade história de vida preservadas. Bons atendimentos são reconhecidos pelas pessoas e não deveriam ser exceção. O cidadão deve vivenciar essa segurança! Muitas vezes, não temos o costume de avaliar o serviço que prestamos, perguntando aos usuários como foi para eles, como eles se sentiram. Inferimos ou deduzimos por alguns indi- cadores o que agrada mais às pessoas, tendo a presença de pessoas em ativi- dades como o principal indicador de sucesso de um serviço. Mas, e quando as pessoas não se sentem pertencentes aquele local, quando se sentem intrusas e inadequadas em serviços que foram criados para atender as suas necessi- dades? Reconhecer essa possibilidade deve produzir uma questão para pen- sarmos: o que podemos mudar em nossa prática de trabalho de forma que o usuário se sinta acolhido? Orientar melhor? Atentar à ambiência e ao cuidado com o espaço? Escutar mais? Realizar mudanças no modo de desenvolver o trabalho a partir das sugestões/solicitações que os usuários fazem? Os efeitos de acolhimento é que o reconhecimento de nós, enquan- to representantes de um serviço público, produz o auto reconhecimen- to, que é a sensação de ser igual a qualquer outra pessoa da cidade. Na medida em que o que é vivido em uma relação pode ser transporta- do para outras relações, quando proporcionamos às pessoas a expe- riência de serem bem tratadas, bem atendidas, por esse ser um direito dela, ela também transportará isso para outras relações. É importan- te lembrar: vínculos fortalecidos são aqueles diversificados e sustentados no tempo, oferecendo, assim, maior proteção ao sujeito. No cotidiano do nosso trabalho, que barreiras se impõe à garantia dessas seguranças? Uma delas é o imediatismo: o cotidiano é pragmático e requer uma atuação imediata, que dificulta a reflexão sobre a melhor maneira de agir. Outra bar- reira que se apresenta é o preconceito: como não temos tempo para conhecer a pessoa com a qual lidamos, recorremos à analogia, ou seja, a classificamos em algum tipo já conhecido por experiência. Esse juízo provisório de analogia pode se constituir em preconceito, se não nos atentarmos aos fatos posterio- res que contradigam esse isso juízo provisório (HELLER, 1999). Por exemplo, se um usuário não adere aos encaminhamentos realizados ou mesmo não com- parece aos encontros que propomos, podemos pensar de imediato que ele é acomodado, sem nos perguntar e nos questionar o que faz ele não aderir. Outra barreira que se impõe é que, no cotidiano, lidamos com o cidadão real, ou seja devemos lidar a partir das condições concretas diferenciadas e desiguais dos cidadãos, e não do que seria suposto como adequado para responder às exigências do serviço.
  • 22. 4342 Essas barreiras devem ser alvos de reflexão entre nós profissionais, de forma com que possamos superá-las e assim garantir de fato as seguranças aos atendidos. Portanto, as funções do trabalho social no SUAS envolvem conhecer a situações de desproteção e as vulnerabilidades presentes. Identificar e dar visibilidade é o primeiro passo para podermos intervir e combater essas violações. Esse movimento de conhecimento ocorre tanto em re- lação às trajetórias e vivências relacionais de cada usuário, quanto em relação aos estudos teóricos sobre o assunto. É importante estudar e também produzir conhecimento! Também é função do trabalhador ofertar oportunidades do usuário experimentar outras relações e se auto reconhecer. Isso amplia as possibilidades de proteção, combaten- do a situações de violação e também a visão do usuário como coitado ou carente, a partir do diálogo e da articulação coletiva. Nesse sentido, o trabalho social é: • interdisciplinar, visto que exige leituras comuns, apoiado em di- ferentes áreas do conhecimento e entre profissionais que ocupam cargos e funções; • coletivo, e por isso envolve toda equipe, profissionais de ensino superior e médio; • planejado, embasado teoricamente, com metodologias e sistemati- zação da prática, não é improvisação; • orientado ética e politicamente na direção do sujeito, posto que é para garantir o seu direito que ele existe; • tem como matriz o território e a família, ou seja, não é de solu- ção individualizada. Assim, pensar na responsabilidade de produzir seguranças no trabalho social no SUAS, exige que nos façamos algumas perguntas: estamos olhando todas as demandas para as quais precisamos produzir respostas? Incorporamos uma leitura sobre sofrimento e sentimentos quando atendemos as pessoas? Regis- tramos alterações nesse cenário a partir da intervenção profissional? Podemos afirmar qual a correlação direta entre alteração em situações de vulnerabilida- de relacional e o trabalho social desenvolvido? E estamos dialogando com os usuários para saber seu grau de satisfação sobre atenção recebida? A partir das reflexões que essas e outras questões nos suscita, é possível afirmar que o maior desafio do trabalho social no SUAS é produzir uma aten- ção comprometida com os direitos dos usuários. Propõe-se que se desenvolva um modo de olhar que expresse uma “aten- ção cívica” (GOFMAM), um olhar intrometido, metido no que normalmen- te se desolha, mas também comprometido. E que esse compromisso se traduza na obrigação de denúncia, de desocultação, de desvelamento e de superação. O que exige também superar as teorias e práticas do desvio: “Desvio do olhar de uma realidade desviante”. (José Machado Pais) 1. Autora: Abigail Silvestre Torres - Mestre e Doutora em Serviço Social. Pesquisa- dora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social da PUC-SP. Consultora de política pública de assistência social, políticas públicas para infância e adolescência e controle social.
  • 23. 44 Referências Bibliográficas ARENDT, HANNAH. As esferas pública e privada. In: A condição humana. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 4ª edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1999. PAIS, José Machado. Nos rastos da solidão: deambulações sociológicas. 2.ed. Porto: Ambar, 2006. SAWAIA, Bader. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão. In: SAWAIA, Bader (org.) As artimanhas da Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. São Paulo: Vozes, 2004. TORRES, Abigail Silvestre. Segurança de convívio e de convivência: direito de proteção na Assistência Social. Tese de Doutorado. São Paulo: PUCSP, 2013. ____________________. Parâmetros para o trabalho profissional na política de assistência social. São Paulo: 2015, no prelo.
  • 24. 46 © Núcleo Entretempos 1ª edição São Paulo, 2015 organização Carina Ferreira Guedes Fernanda Ghiringhello Sato projeto gráfico Leandro Daniel Lucila Muranaka equipe projeto enlaces Carina Ferreira Guedes Carolina Esmanhoto Bertol Fernanda Ghiringhello Sato Gabriela Menezes Urbano da Silva Mariana Manfredi Magalhães Mariana Moura Abrahão Natália Feliz Noguchi Gestão adm financeiro Kléber Araújo