Enlaces foi um projeto sob coordenação do Núcleo Entretempos. Neste livreto, constam artigos de diferentes profissionais que realizaram seminários teóricos durante o processo de formação.
2. realização coordenação e organização
Prefeitura do Município de Osasco
Secretaria de Assistência Social
prefeito
Jorge Lapas
secretária de assistência social
Solange Cristina Silva
diretora administrativa
Ester Begnini
diretora da proteção social básica
Elizete Nantes Mendes Saramello
diretora da proteção social especial
Suzete Souza Franco
3. CADERNO
textos de referência
do projeto de formação
de profissionais
da Assistência Social
de Osasco
VOL. 2
organização
Carina Ferreira Guedes
Fernanda Ghiringhello Sato
Núcleo Entretempos
SÃO PAULO
2016
4.
5. Prefácio
Jorge lapas
Solange Cristina Alves
Apresentação
Equipe Núcleo Entretempos
“Falando a mesma língua”: sobre a construção em
equipe dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP)
Carina Ferreira Guedes
Fernanda Ghiringhello Sato
Histórico e desafios atuais da
Proteção Social Básica em Osasco
Elizete Nantes Saramello
A Proteção Social Especial em Osasco:
desafios atuais
Suzete Souza Franco
Violência e Desamparo: inquietante familiaridade
Isabel da Silva Kahn Marin
Plano Individual de Atendimento (pia):
De onde eu vim? Aonde estou?
Para onde eu vou?
Registro da produção dos profissionais no
seminário da Valéria Pássaro
7
9
11
21
33
37
53
7. 7
É com grande satisfação que lançamos o 2º volume da formação realizada pelo
Núcleo Entretempos com os trabalhadores da Assistência Social.
Avançamos na política da Assistência em nosso município na estrutura físi-
ca, porém ficou nítida a necessidade de um olhar diferenciado para os nossos
profissionais. São eles que ficam a maior parte do tempo com as nossas crianças
nos abrigos e nos serviços de maneira geral.
Foi este o primeiro desafio que impulsionou a procura de uma consultoria,
somado à necessidade do nosso compromisso na execução do SUAS em Osasco
e do nosso compromisso de Governo. Buscamos a capacitação com uma visão
que preconiza a continuidade do que prevê a NOB RH, considerando toda a
história de tentativas boas e ruins já vividas pela Assistência Social em Osasco.
Toda a experiência tem sido enriquecedora para toda a equipe dos serviços de
Proteção Básica e Especial e já conseguimos visualizar o envolvimento da rede
de organizações sociais envolvidas conosco neste processo.
É com carinho que acompanhamos e apresentamos aqui o resultado de mais
uma etapa do trabalho atingido com sucesso.
Jorge Lapas
Prefeito do Município de Osasco
Solange Cristina Silva
Secretária de Assistência Social
A teoria sem a prática vira ‘verbalismo’, assim como a prática sem teoria
vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se
a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade.
paulo freire
8. 8
Desejamos uma boa leitura
a todos, na esperança
que os materiais deste
Caderno tragam boas
conversas, instiguem boas
perguntas e proporcionem
reflexões coletivas.
9. 9
Caderno Enlaces compõe os textos de referência do projeto de formação de
profissionais dos Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, CRAS
e Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos de Osasco, realizado
pelo Núcleo Entretempos. Seu objetivo é apresentar as principais sistematiza-
ções e conteúdos abordados, na forma de textos de referências e indicações
de materiais e atividades.
Neste segundo volume, acompanhamos o percurso da formação que, após
um momento inicial de diagnóstico e mapeamento, começa a profundar a refle-
xão sobre as práticas realizadas e a debruçar-se sobre a construção em equipe
dos Projetos Políticos-Pedagógicos dos serviços.
Assim, iniciamos este caderno com os históricos das Proteções Sociais Básica
e Especial, escritos pelas respectivas diretoras. Textos de suma importância, que
localizam a todos sobre o percurso das proteções em Osasco e seus desafios
atuais, para os quais os Projeto Político-Pedagógicos são ferramentas de enfren-
tamento. Apresentamos também um texto sobre os sentidos e as estratégias de
construção dos PPPs, de forma a potencializar sua utilização como instrumento
de gestão democrática dos serviços. Em seguida, trazemos um texto de referên-
cia do seminário teórico sobre a práxis e as afetações na assistência, escrito pela
palestrante convidada Isabel da Silva Kahn Marin. Para finalizar, apresentamos
o registro da produção dos grupos do seminário teórico sobre Plano Individual
de Atendimento (PIA), que sistematiza as importantes considerações e reflexões
dos participantes sobre o tema. Valéria Pássaro, a palestrante convidada deste
seminário, gentilmente nos cedeu uma lista de bons filmes provocadores de
reflexões, que compartilhamos aqui com vocês.
Desejamos uma boa leitura a todos, na esperança que os materiais deste
Caderno tragam boas conversas, instiguem boas perguntas e proporcionem
reflexões coletivas.
Equipe Núcleo Entretempos
10. 10
O que quer dizer
Paulo Leminsky
O que quer dizer diz.
Não fica fazendo
o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo,
coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
um dia, vai ser feliz.
11. 11
“falando a mesma língua”:
sobre a construção em equipe dos projetos
político-pedagógicos (ppp)
O PPP, Projeto Político-Pedagógico, é um instrumento de registro, sistemati-
zação e planejamento das ações realizadas em um serviço, que devem estar
alinhadas, tanto com a proposta de trabalho da equipe, quanto com a Política
Pública em nível municipal, estadual e federal.
É um instrumental exigido na portaria de alguns serviços, como os de Medi-
das Socioeducativas em Meio Aberto e SAICAS, assim como também em outras
políticas, como, por exemplo, nas escolas e instituições de Ensino Superior. Po-
rém, para além da exigência formal e burocrática, o PPP pode ser também um
instrumento para a construção e pactuação de alinhamentos de concepções e
estratégias de trabalho, de forma que a equipe possa “falar a mesma língua”,
tanto entre si, quanto também com os usuários, rede e gestão. Falar a mesma
língua, não significa que todos devem falar a mesma coisa, que deve
haver consenso em relação a tudo: o PPP deve ser um acordo firmado
a partir de uma multiplicidade de vozes e um dos seus maiores desafios
é potencializar uma construção coletiva efetiva, em que as diferenças
de olhares e posicionamentos encontrem alguma representatividade
no projeto do serviço.
Historicamente, o PPP surge como instrumento na área da educação na
década de 1980, quando no Brasil se iniciam movimentos de questionamento
ao modelo de Estado Intervencionista, defendendo formas democráticas na
gestão dos serviços públicos. A proposta da construção de um Projeto Polí-
tico-Pedagógico em cada escola surge, portanto, em um contexto de crítica
ao modo de gestão da educação, realizado na época de forma centralizada
Carina Ferreira Guedes
Fernanda Ghiringhello Sato
Coordenadoras do Núcleo Entretempos
12. 12
e planificada, conforme a proposta do governo militar implantado durante a
ditadura. O PPP marca, portanto, a criação de um instrumento que visa
promover a gestão democrática do ensino público, em detrimento ao
planejamento centralizador estatal (GURGEL, 2009).
Nessa época, é quando surgem no Brasil algumas pesquisas para olhar para
a população até então pouco considerada na elaboração de políticas públicas:
pessoas em situação de rua, infância em situação de risco etc. Assim, o PPP passa
também a ser um instrumento para legitimar que esses segmentos da popula-
ção fossem considerados na elaboração de políticas de educação pública (GUR-
GEL, 2009). Ao descentralizar o planejamento do processo educacional, as es-
colas passam a utilizar a realidade local para abordagens de temas e conteúdos
propostos no currículo, adequando-os a assuntos relevantes na atualidade e em
cada território. O PPP prevê autonomia da escola quanto à metodologia, para
que esta se comunique melhor com o público que atende e valorize a cultura
e contexto local, conectando os alunos com as discussões globais a partir das
diretrizes do currículo traçadas em âmbito nacional, estatal e municipal.
Na política do SUAS, o PPP também é um instrumento que visa à ges-
tão democrática: deve ser representativo dos diferentes trabalhadores
e da forma como se relacionam com a função social do serviço, inde-
pendente de formação ou hierarquia, e também expressar as vozes do
público atendido, para que o planejamento seja traçado a partir daí.
É um registro que precisa estar alinhado com as diretrizes da política do SUAS,
mas também é importante que ele seja construído pautado nas especificida-
des do público atendido, do território no qual o serviço está localizado e do
momento atual da rede socioassistencial: só assim servirá de referência para
organizar o trabalho.
Para que e para quem: construindo sentidos vivos
Para garantir seu uso como instrumento de gestão democrática dos serviços, é ne-
cessário indagar seu sentido: a serviço de quem/de que ele está sendo elaborado?
O PPP, como expressão da compreensão e proposta de cada equipe,
deve ser elaborado de forma realista, apontando dificuldades e desa-
fios e também estratégias para superá-los. Muitas vezes, as ações descritas
13. 13
nem sempre correspondem ao que já é realizado, apontando para direciona-
mentos que a equipe deseja dar a seu trabalho, porém é importante que se refi-
ram a projetos concretos, e não apenas ao que se imagina que seja o correto, ou
o esperado. É um documento que indica a responsabilidade que cada um tem
em relação à proposta e, para ser pactuado, não pode ser usado como fachada.
Dar visibilidade às problemáticas e às propostas de trabalho é também
uma de suas funções. Na medida em que sistematiza os desafios encontra-
dos no trabalho, seja referente aos recursos necessários, às questões locais
ou aos impasses cotidianos, ele é um instrumento que comprova a percepção
da equipe para essas questões, apontando também caminhos e responsabili-
dades na direção de sua superação. Dessa maneira, as problemáticas são
registradas não como queixa, mas como questões que impulsionam o
trabalho, assim como delimitam seus limites.
O PPP também opera como referência para as ações realizadas, evi-
tando que as decisões sejam vistas como pessoais: é a partir dele que um
serviço pode apresentar o que faz e ter base para utilizá-lo como suporte em
suas decisões. Como documento pactuado entre a equipe, com a gestão e
com os usuários e rede, ele serve para sustentar oS argumentos técni-
cos dos profissionais em relação a um trabalho realizado, bem como
apresentar a sistematização das práticas. É, portanto, um documento
que comunica, à gestão, ao judiciário e aos outros equipamentos da rede o
que o serviço faz, de que forma e a partir de qual proposta.
O PPP também é um instrumento de controle social, por parte dos
usuários e da rede socioassistencial e intersetorial. A partir do que foi
pactuado, os outros serviços da rede podem saber o que esperar ou não da
instituição, quais são seus limites e responsabilidades. Na medida em que ele
também deve estar alinhado aos princípios e diretrizes traçados nos documen-
tos de referência da política pública do SUAS e planos municipais, isso visa
garantir que cada serviço opere dentro do seu escopo, de modo a fortalecer o
atendimento na política pública. Em relação aos usuários, o PPP pode tornar-
se um instrumento mediador do diálogo. É a partir do que foi pactuado com
os usuários, que eles podem cobrar e reivindicar o que foi combinado, assim
como a instituição pode se respaldar em relação a cobranças excessivas.
14. 14
Do coletivo ao singular e do singular ao coletivo
O Projeto Político-Pedagógico é um projeto coletivo elaborado por uma equipe
para atender todos os usuários do serviço. No entanto, é de suma importância
destacar que o PPP precisa ser construído sempre em íntima sintonia com os Planos
Individuais de Atendimento (PIA) – como são chamados nos serviços de acolhimen-
to para crianças e adolescentes – e com os projetos de atendimento às famílias.
Considerar essa relação essencial, entre o que é coletivo do serviço e o que é
singular a cada atendimento realizado, acarreta, em primeiro lugar, a dimensão
de que o PPP, elaborado por cada equipe, assim como os projetos de atendimen-
to, necessitam ser singularizados. Ou seja, é necessário que o cuidado na sua ela-
boração tenha a mesma estrutura e dimensão que o cuidado com o atendimento:
da mesma forma que os projetos de atendimento individuais e familiares não
podem ser massificados, a construção do PPP de cada serviço também não.
Assim, em um PPP, registramos a história do serviço porque entende-
mos que sem saber da onde veio e quais as mudanças - de proposta, de equi-
pe, de gestão - pelas quais passou, não se pode pensar no futuro. Da mesma
maneira, em um atendimento, precisamos escutar a história de vida daquela
família ou usuário, de forma que eles tragam sua versão sobre sua história
de uma maneira específica, com significados que só atribui porque viveu, se
relacionou e enxerga sua realidade a partir desta história. Sem história, há
repetição sem que seja percebida como tal e não há possibilidade de elabo-
ração de um planejamento, de um futuro, porque não se estabelece e nem se
compreende as significações atribuídas ao que veio antes, o momento atual e
o que se deseja, seja no atendimento, seja para o serviço.
Outro passo importante na elaboração do PPP é explicitar a função
social do serviço: declarar os objetivos e qual seu papel na política do SUAS,
qual sua tarefa e diferença que deseja promover. Ao dizer sua função, o ser-
viço diz a que veio e deixa claro, para o usuário e também para a rede de ser-
viços e gestão, sobre o que pode ou não oferecer. Da mesma forma, também
nos atendimentos, é importante esclarecer os limites de atuação, apontando
para o usuário o que ele pode esperar do serviço e o que deve ser buscado em
outros locais. Não se trata de determinar limites que promovam a exclusão de
usuários, ou seu encaminhamento apressado, mas sim de pensar como, a par-
15. 15
tir da função do serviço, pode-se cuidar de cada demanda que chega, inclusive
cuidando dos encaminhamentos necessários para a rede.
A partir do objetivo declarado, é necessário que se acorde qual o papel de
cada profissional para fazer operar a função social do serviço. Portanto, no PPP
determinam-se e explicitam-se as funções de cada profissional, ou seja, a
parte que cabe a cada um para que o serviço possa servir a sua tarefa, a seu objeti-
vo. De forma análoga, é também em relação ao projeto de atendimento para cada
caso/família ou dispositivo de atendimento que são pensadas as funções de cada
profissional. É a função social que produz o alinhamento, e não a criação de or-
ganogramas ou hierarquias, que, muitas vezes, acabam por enrijecer e fazer com
que cada um se implique de modo burocratizado em relação ao seu trabalho. As
hierarquias e organizações entre os profissionais devem sempre existir para bene-
ficiar o objetivo do serviço, e para tal, se faz necessário que todos os profissionais
envolvidos tenham clareza e vejam sentido em seu trabalho.
Somente a partir da clareza do que o serviço pode oferecer é possível pensar
um plano individual ou familiar de atendimento, que inclui, muitas vezes, o limite
do serviço e a criação de estratégias para encaminhamentos para a rede socioas-
sistencial, trabalho com as famílias ou outras intervenções a partir da rede de re-
lações (incluindo aqui serviços, referências afetivas, referências no território etc)
identificado junto a cada sujeito atendido. Dessa forma, no PPP, também se faz
necessário explicitar quais as parcerias e a rede no qual o serviço está incluído,
lembrando aqui que não se trata de elencar os serviços existentes no território,
mas de caracterizar quais acordos e contatos sustentam cada relação de trabalho
e de que forma podem ser fortalecidas.
Conhecer as redes afetivas e as demandas de cada um implica novamente
duas questões, que abrem para essa dobradiça entre o coletivo e o singular:
são necessárias para se pensar cada caso e também para identificar e criar
hipóteses que podem orientar intervenções sobre o coletivo: um caso aten-
dido nunca se encerra em si, visto que diz também do grupo, da família,
da comunidade e do território no qual está inserido. Ou seja, é funda-
mental que o profissional caracterize e identifique o público que atende,
não apenas a partir de dados quantitativos, mas também a partir das hipó-
teses formuladas com base na escuta que realiza. É somente a partir destas
16. 16
hipóteses, que partem da identificação de pontos comuns dos atendimentos
realizados, que é possível planejar atividades e intervenções, como gru-
pos, visitas domiciliares, rodas de conversa etc.
Um exemplo sobre a importância de produção de leituras sobre as deman-
das que possam contribuir para a construção de um projeto e não de um manejo
emergencial de uma situação: um serviço no qual os usuários sujam, jogam lixo
e depredam o espaço físico do serviço. Um primeiro e importante movimento
é organizar e socializar as regras de uso para o espaço, trabalhando numa ver-
tente mais informativa. Outro passo, ainda mais importante, é a equipe do ser-
viço se questionar se a questão da sujeira e desrespeito com espaço diz apenas
de um desconhecimento das regras de uso, ou também comunica outra coisa.
Nesse sentido, é essencial que as equipes possam se perguntar: o que, ao fazer
isso, os usuários estão querendo dizer para nós, equipe deste serviço? Tomar
como mensagem essas ações que aparentemente não dizem nada permite
a reflexão e a construção de respostas que ultrapassem a mera insti-
tuição de novas regras e proibições. Será que um espaço mal cuidado não
pode ser representante da maneira como determinada população se sente em
seu bairro, por exemplo? Se for essa a questão, as regras sobre uso do espaço
podem ajudá-lo a ficar em ordem, porem não ajudam a produzir uma reflexão
e um trabalho sobre o que os usuários dos serviços estão comunicando. Trata-
se portanto de tomar como fenômeno todas as manifestações que ocorrem
dentro dos serviços e na relação com os profissionais da equipe para que estes
eventos não sejam vistos como “natural” ou de forma banalizada e possam ser
entendidos em sua complexidade.
Nesse sentido, o PPP deve sempre produzir projetos, a partir da realização de
uma escuta e uma interpretação, endereçados a trabalhar as questões objetivas e
também subjetivas em torno dos fenômenos que ocorrem nos serviços. Assim, o
Projeto Político-Pedagógico deve servir como sistematização e costura entre o sin-
gular e individual – dos atendidos, de cada profissional, de cada serviço - e o social
e coletivo – do que diz respeito ao grupo de atendidos, a equipe de profissionais e
dos serviços em relação às diretrizes da política pública.
18. 18
Formação Enlaces: nossa proposta de construção
de PPP para SAICAS e CRAS
A Formação Enlaces tem como objetivo a construção do PPP de cada SAICA e CRAS
do município de Osasco. A possibilidade da construção do PPP de forma coletiva
entre os serviços possibilita que possa ser criado um alinhamento entre os mes-
mos, fortalecendo também o contato entre os profissionais. Assim, ganham for-
ça os planos municipais específicos, as intervenções da gestão, ao mesmo tempo
que se constitui um grupo de profissionais mais fortalecido. O objetivo é que o
PPP possa ocupar seu lugar como instrumento de gestão democrática e
ajudar a provocar questões para os serviços sobre a prática que vem
ofertando aos usuários, provocando também a gestão, na medida em
que desafios mais sistemáticos do município ficam em evidência e passam
a exigir novos posicionamentos.
Foram elaborados pela equipe do Núcleo Entretempos e validados com a
gestão da SAS um modelo de PPP para os SAICAs e outro para os CRAS, cons-
truídos a partir de bibliografia sobre o tema (ELAGE ET AL, 2011; GULASSA,
2010), das Orientações Técnicas de cada serviço (BRASIL, 2009; CNDCA/CNAS,
2008) e, no caso dos serviços de acolhimento, de outros modelos existentes.
É importante ressaltar que os modelos de PPP, criados para favorecer um ali-
nhamento e linguagem comum aos serviços de Osasco, devem ser ajustados de
acordo com cada serviço e também revistos ao longo do tempo.
Para garantir que este seja um instrumento que de fato reflita o posiciona-
mento dos profissionais, em sintonia com a política pública de assistência munici-
pal e escuta dos usuários, foram planejados 3 dispositivos de formação:
• Seminários teóricos: dispositivo com objetivo de trazer subsídios
teóricos e provocações de profissionais convidados, sobre temas e
debates comuns aos serviços.
• Encontros temáticos: espaços para discussão e exploração de me-
todologias para implementação/aperfeiçoamento das práticas prio-
ritárias apontadas pela Direção da Proteção Social Especial e Direção
da Proteção Social Básica da SAS. Nesse espaço, a ideia é poder cons-
truir diretrizes comuns para o trabalho nos CRAS e nos SAICAS, par-
19. 19
tindo da indicação da gestão, do posicionamento crítico e da criação
e aperfeiçoamento de metodologias dos profissionais que atuam e
executam este trabalho.
• Encontros nos serviços: espaços mensais com cada equipe dos
CRAS e SAICAS para discussão e construção do PPP, a partir da es-
pecificidade de cada serviço: história, momento profissional, carac-
terísticas do público atendido no momento, território, etc. Este dis-
positivo visa dar lugar para o fortalecimento da equipe, garantindo
que os profissionais, independente de hierarquia ou formação, te-
nham espaço de voz e possam se apropriar da construção deste pro-
jeto do serviço. É também neste dispositivo que são feitas discussões
para transformar o que vem da escuta dos usuários em intervenções
e planejamento de ações.
Referência Bibliográfica
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações
Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. 1.ed. – Brasília, 2009.
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE/ CON-
SELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Orientações técnicas para os serviços
de acolhimento para crianças e adolescentes. Brasília: Autor, 2008.
ELAGE, B.; GÓES, M.; FIKS, M.; GENTILE, R. Perspectivas: Formação de profissio-
nais em serviços de acolhimento. São Paulo: Instituto Fazendo História, 2011.
GULASSA, M. L. C. R. (org.) Novos rumos do acolhimento institucional. São Paulo:
Neca – Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a
Criança e o Adolescente, 2010. Disponível em: http://www.neca.org.br/wp-content/
uploads/novos%20rumos%20do%20acolhimento.pdf. Acesso em: 18/04/2016.
GURGEL, Thais. 8 questões essenciais sobre o Projeto Político-Pedagógico. Dispo-
nível em: http://gestaoescolar.abril.com.br/aprendizagem/questoes-essenciais-pro-
jeto-pedagogico-427805.shtml. Acessado em 15/03/2016. 2009.
21. 21
histórico e desafios atuais da
proteção social básica em osasco
Historicamente, em Osasco, os CRAS foram inaugurados em locais até então
utilizados como Centros de Vivências.
Os Centros de Vivência eram equipamentos públicos criados na década
de 80 com foco no funcionalismo. Ofereciam em seus espaços atividades de
contra turno escolar, cursos de manicure, artes manuais, entre outros, além de
serem também locados para eventos de cunho particular. Eram reconhecidos
pela população, embora não atendessem aos interesses do público prioritário
da Assistência Social.
A partir de 2005, houve uma transição dos Centros de Vivência para
os CRAS e, junto com essa mudança de paradigma, iniciou-se a busca pela
identidade desses equipamentos.
As expectativas da população e da gestão foram sendo depositadas no
corpo técnico (assistentes sociais e psicólogos) que concebiam as diretrizes do
trabalho, subsidiados pelas novas normativas. Com o processos de implantação
dos Novos Serviços, em 2008, abriu-se o 1º concurso público para contratação
da equipe técnica para compor o quadro de RH do SUAS em Osasco.
O desafio de tirar algo concreto e apresentar o atendimento subjetivo sem
“concretude” foi lento.
Ocorreu a divisão da Política de Assistência Social. Com a finalidade de ace-
lerar a distribuição de renda na cidade quase que como um plano emergencial
no enfrentamento à extrema pobreza, a Garantia de Renda ficou sob a gestão
de outra pasta, fragmentando o atendimento integral da Assistência Social. Se,
por um lado, essa mudança trouxe grandes avanços, por outro, ocasionou con-
Elizete Nantes Saramello
Departamento de Proteção Social Básica
22. 22
sequências negativas para o fortalecimento da Política de Assistência Social em
Osasco, pois tal divisão deixou os CRAS responsáveis pelas garantias de acolhi-
da, convivência e autonomia, de forma fragmentada, sem a porta de entrada
concreta para a população, representada pela garantia de renda.
Considerando o processo histórico da importância da concretude, de ter
algo a oferecer na Assistência Social, a população não se reconhecia de ime-
diato como público desta política. Em contrapartida, os recursos para equipar
a Assistência Social com tecnologias sociais e complementares, necessárias para
visualizar, calcular e medir leituras das vulnerabilidades multifacetadas existen-
tes na cidade foi destinado somente para a vulnerabilidade socioeconômica.
Progressivamente, os CRAS foram ocupando lugares mais próximos
da população e nos territórios de maior vulnerabilidade econômica, tais como
Veloso, Padroeira, Munhoz, Bonança, Rochdale, deixando aos poucos os prédios
antigos dos Centros de Vivência. A Política de Assistência Social tem nos mostrado
outro caminho, um novo olhar proativo e propositivo, que sai do escopo de espe-
ra do usuário atrás de suas mesas para a esfera coletiva de território. Expandin-
do a leitura individual para a coletiva das demandas locais, fugindo da ideia do
usuário que apenas busca o atendimento individualizado, mas caminhando para
o pensamento coletivo, enquanto território.
A partir de 2005, importantes mudanças foram promovidas, ressal-
tando a contratação de recursos humanos, que representam o bem
maior de uma instituição e que não podem ser consubstanciados em
números. O profissional é valioso, sua experiência pessoal e profissional, mo-
tivações, percepções, valores, singularidade individual que compõe o capital
humano, com bagagens por vezes pouco aproveitadas no serviço público. Faz-
se importante para os trabalhadores da Assistência Social, independente do
modelo de contratação, estar comprometido em suas atribuições como agente
público, conhecendo a Politica de Assistência Social, seus objetivos, diretrizes,
imbuídos dos princípios da gestão pública traçados pela nossa constituição: le-
galidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Com vistas ao investimento do capital humano, a Prefeitura Munici-
pal de Osasco, por meio da Secretaria de Assistência Social contratou a
Consultoria do Núcleo Entretempos para dar continuidade ao processo
23. 23
de capacitação dos trabalhadores do SUAS e da Rede SocioAssistencial,
para cumprimento das diretrizes da Política de Assistência Social em Osasco, a
fim de fortalecer a capacidade de planejar, operacionalizar e medir resultados
da política, tendo como preceitos fundamentais a territorialização, a matricia-
lidade familiar e a função preventiva e protetiva. Temos em nosso histórico as
principais capacitações elencadas abaixo:
• Capacitação e Supervisão aos técnicos da Rede de atendimentos aos
adolescentes em medida socioeducativas – Professor Dr. Jorge Broi-
de – (toda a produção e material de apoio encontra-se disponível
para consulta na Secretaria de Assistência Social).
• Capacitação: Fortalecimento do Controle Social - Abigail Torres.
• Capacitação para construção do Plano Municipal de Convivência Fa-
miliar e Comunitária – Marisa Tardelli (em Parceria com CMDCA)
• Capacitação Projeto Linha de Costura - formação aos atores do Sis-
tema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente de Osasco
– Instituto Auá (em parceria com CMDCA).
• Capacitação aos profissionais dos Serviços de Acolhimento para Crianças
e Adolescentes, CRAS, PAIF e Serviços de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos do Município de Osasco (em curso) – Núcleo Entretempos.
Enquanto trabalhador do SUAS, devemos acionar em nós a solidariedade, a
paciência, a persistência de que somos todos agentes aprendizes capazes de
ensinar e de aprender, acreditando que na dialética eu me transformo no pro-
cesso com respeito ao tempo do outro, sem deixar de ser propositivo, refletin-
do, pois erramos e acertamos.
Porém, não podemos nos conformar com a passividade, nem tão pouco
com a leitura focada da realidade de um único caminho. A prevenção chega
antes do direito violado e todos têm responsabilidades. Temos espaços
legítimos para as lutas políticas nos conselhos de controle social e de direito
com inúmeras deliberações que estão sendo construídas com base nas norma-
tivas, assim como recursos de organização de trabalhadores para pensarmos
em que condições de trabalhos são adequadas para este novo formato.
24. 24
A prevenção chega antes da morte do jovem no território: os termômetros
desses cenários podem ser marcados por nossos posicionamentos, de técnicos,
de agentes públicos que circulam nos territórios não como meros trabalhado-
res, mas como cientistas que se inserem nos contextos das comunidades dos
territórios vividos e desvendam possibilidades e apontam responsabilidades na
articulação com os pares, no empoderamento e na construção de novos cami-
nhos junto ao usuário, à família e à comunidade.
Saímos de um tempo difícil com equipes enxutas, em que todos fizeram o seu
melhor, e entramos em um tempo de novos chamamentos de profissionais para
assumirem seus postos pelo concurso público, com muita expectativa de que as
deliberações da última Conferência que teve como tema: Consolidar o Suas de
vez, rumo a 2026 serão contempladas em tempo de modo a prevenir riscos.
Prioridades da Gestão de Proteção Social Básica
em Relação aos CRAS:
Organizar as ações que são atribuições específicas do serviço: CRAS e
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos.
O PAIF é o Serviço principal do CRAS e uma intervenção exclusiva do CRAS, de
forma que nenhum outro equipamento público pode executá-lo, nem ações do
PAIF podem ser co-financiadas.
Ações do PAIF
Implantar Agenda Unificada com:
• Acolhimento Coletivo: Possui o objetivo de disseminar coletiva-
mente as informações sobre implantação de novos serviços, benefí-
cios e outros programas, bem como projetos e ações para as famílias
referenciadas nas áreas de abrangência de cada CRAS.
• Grupos de Famílias PAIF: Ações Socioeducativas (* a partir de temas
geradores). Neste grupo serão enfatizadas a difusão de informações
e a articulação com a comunidade. Trabalham-se temas básicos e ati-
vidades de interesse das famílias, promovendo a informação e o em-
25. 25
poderamento da família para a superação de problemas, mobilizan-
do para ações de interface e intersetoriais. Não é destinado somente
a famílias integrantes de programas específicos de transferência de
renda; ele é aberto para participação de demais famílias, além das
que já participam de algum programa.
• Articulação com a Rede de Serviços Socioassistencial ou In-
tersetorial: A articulação da rede de serviços consiste no estabe-
lecimento de contatos, pactuações, fluxo de informações e enca-
minhamentos entre o CRAS e a rede de serviços do território. Visa
promover o acesso do usuário do PAIF aos demais serviços socioas-
sistenciais de Proteção Básica.
• Ações Sociocomunitárias: Atividades coletivas que envolvem fa-
mílias e indivíduos que moram no território de abrangência do CRAS
como, por exemplo, realização de campanhas socioeducativas, pales-
tras, exposições, feiras, apresentações artísticas e culturais etc. Essas
atividades promovem interações entre os participantes dos serviços
e a comunidade.
• Inclusão do Público prioritário: É prioridade o acompanhamen-
to das famílias definidas na CIT 04.
• Acolhimento Individual de cada família pelo técnico de referência
dessa família, para fins de acompanhamento familiar. É um momen-
to de escuta qualificada, em que se procura decodificar os anseios
do indivíduo/família frente às suas necessidades pessoais, familiares
e sociais. Esse processo proporciona atenção digna com qualidade,
agilidade, privacidade e objetividade, criação e fortalecimento dos
vínculos entre profissional e família e o reconhecimento das deman-
das implícitas e explícitas, com encaminhamentos adequados.
• Todo acolhimento deverá ser registrado no prontuário SUAS,
a fim de que possa levantar dados que possibilite uma melhor com-
preensão da dinâmica familiar, um melhor entendimento das suas
26. 26
dificuldades e complexidade de seu pedido de atendimento (objetivo
e subjetivo), a reflexão sobre o território em que está inserida, a si-
tuação atual de vulnerabilidade etc. Esses dados irão subsidiar a ela-
boração de um adequado diagnóstico que fundamentará com maior
efetividade o Plano de Ação junto a essas famílias. Caberá ao técnico,
após a escuta qualificada, verificar a necessidade da intervenção e
acompanhamento familiar, assim como outros desdobramentos que
se fizerem necessários (visita domiciliar, encaminhamentos, inserção
em atividades socioeducativas, de geração de renda etc).
• Grupos de Famílias PAIF - Convivência e Desenvolvimento Familiar:
A. Grupos com objetivo desenvolver a sociabilidade e criar situ-
ações em que se possa experimentar a construção, o respeito
e a transformação de regras, desenvolver as habilidades de
argumentação e comunicação, estimular a cooperação e ex-
perimentar formas éticas de resolução de conflitos. Caso esse
grupo esteja vinculado a uma atividade prática, deverá ser
privilegiado o desenvolvimento de atividades comunicativas,
associativas e de convivência. Grupo contínuo e aberto.
B. Grupos que visam refletir sobre uma questão relacionada à
dinâmica familiar, no qual os participantes trabalham suas
dificuldades e potencialidades em relação ao tema. A refle-
xão não restringe a uma dimensão cognitiva, mas envolve a
compreensão da experiência e atitude no cotidiano Grupo
continuo e fechado em decorrência das questões fami-
liares a serem trabalhadas.
27. 27
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
Com advento do reordenamento dos Serviços de Convivência e Forta-
lecimento de Vínculos, iniciado em 2013, houve avanços, sobretudo, no
que tange à compreensão de sua função como trabalho complemen-
tar ao PAIF, com foco na prevenção de riscos sociais. Abaixo há descrições
de outros avanços:
• Abriu-se o entendimento para necessidade de uma intervenção foca-
da nos ciclos de vida e suas especificidades e reforçada a importância
de atendimento do Público Prioritário;
• Aproximação das Entidades Conveniadas prestadoras de SCFV e sua
vinculação/referenciamento aos CRAS’s dos seus respectivos territó-
rios, tem dado novo vislumbre as ações, reforçando a diretriz de tra-
balho complementar com as famílias;
• A capacitação de técnicos, gestores, orientadores sociais e facilitado-
res também tem sido de grande relevância para maior direcionamen-
to do trabalho;
• Parceria com SESC promovendo a efetivação da Convivência Comuni-
tária e o acesso a serviços antes desconhecidos;
• Gestão das informações por meio do SISC que permite um melhor
monitoramento dos usuários;
• Ações que favoreçam a relação entre as gerações.
O CRAS deve garantir em termos de:
Segurança e Sobrevivência
• Possibilitar o acesso à renda através da inserção e orientação às fa-
mílias para os benefícios e programas sociais com acompanhamento
e contra referenciamento (PTR, BPC, benefícios eventuais, segurança
alimentar, entre outros).
• Acompanhar as famílias PBF em descumprimento de condicionalida-
de – suspensão, por motivo de assistência social.
28. 28
Segurança de Acolhimento
• Atendimento com respeito, dignidade, privacidade em todas as ações
de acolhimento ao usuário;
• Escuta qualificada;
• Informações sobre os direitos de cidadania e reflexões;
• Acompanhamento e promoção da convivência familiar e comunitá-
ria fortalecendo seus vínculos – atuando de forma preventiva, para
evitar que seus direitos sejam violados.
Segurança de Convívio
• Ações que fortaleçam os vínculos familiares e comunitários através
de propostas dialógicas e reflexivas que favoreçam a autonomia, o
protagonismo, o sentimento de pertencimento e a descoberta de
fortalezas e potencialidades;
• Oferecer espaço de convívio garantindo orientações e apoio na ga-
rantia de cidadania e de convivência familiar e comunitária;
• Vivenciar experiências de conhecimento e apropriação do território;
29. 29
Desde 2015, para estruturação e organização da Proteção
Social Básica, o plano tático priorizou
1. Contribuir para a organização e qualificação das informações, planejamento
e acompanhamento de trabalho com família.
Monitorou o cumprimento das metas do MDS para os CRAS no período de
2014 a 2017 com as seguintes prioridades:
• Acompanhamento familiar pelo PAIF
• Acompanhamento pelo PAIF das famílias PBF em suspensão por descum-
primento de condicionalidades, cujos motivos sejam da assistência social.
• Acompanhamento pelo PAIF das famílias que apresentem outras vul-
nerabilidades sociais, para além da insuficiência de renda.
2. Uniformizar os Formulários e Instrumentais Técnicos dos CRAS.
Padronizou os formulários utilizados nos CRAS com as seguintes atividades:
• Coletânea dos formulários utilizados nos CRAS
• Formação de GT para estudo dos formulários
• Elaboração dos Formulários padronizados
• Apresentação aos pares, com vistas a implantação
• Encaminhamento para áreas pertinentes para a produção
dos formulários
• Disponibilização e orientação os CRAS dos novos formulários
3. Revisão de referenciais técnicos para a qualificação das Ações do PAIF.
Qualificando o atendimento
• Análise e revisão dos referenciais técnicos utilizados
• Realização de alterações necessárias, definindo diretrizes e procedimentos.
4. Intensificaçãodemonitoramentoinlocoparaqualificaçãodoacompanhamento
às famílias e resgatar a identidade profissional na atuação junto a Proteção
Social Básica.
• Supervisão nas unidades
• Supervisão em grupo
30. 30
5. Revisão do Pacto de Ação entre a Secretaria de Assistência Social e a SDTI
para fins de acompanhamento das famílias beneficiárias dos Programas de
Transferência de Renda para a qualificação do acompanhamento
• GT entre as secretarias SAS e SDTI para definir atualização do Pacto
• Análise do Plano de Ação e, posterior atualização.
6. Implantação de agenda unificada nos CRAS a fim de uniformizar as ofertas
de atendimento
• Implantação da agenda técnica das ações nos CRAS
• Atividades Socioeducativas Proteção Social Básica com temas gera-
dores–a saber:
JAN Cidadania JUL Raízes Brasileiras
FEV Constituição Federal AGO Violência Urbana e Juventude
MAR Gênero SET Diversidade
ABR Socioambiental OUT Idoso
MAI Família NOV Consciência Negra
JUN Criança / adolescente DEZ Solidariedade / Participação e Controle Social
31. 31
Resultados
Resultados importantes de 2015, medidos a partir das diretrizes do pacto de
Aprimoramento de Gestão do SUAS 2014 – 2017 com os seguintes resultados:
(dados atualizados até dez/2015).
PRIORIDADE META RESULTADO
Acompanhamento familiar pelo
PAIF – (base Cad único 59.266)
Atingir taxa de acompanhamento
do PAIF das novas famílias
cadastradas no Cad único de
10% 5.926
3.199
Cadastramento das famílias
beneficiárias do BPC no Cad Único –
(base MDS: 10.226)
Atingir 60% de cadastramento
no Cad único das famílias
com presença de beneficiários
BPC (6.163)
2.495
Acompanhamento pelo PAIF das
famílias com membros beneficiários
do BPC (Base MDS: 10.226)
Atingir 10% da taxa de
acompanhamento pelo PAIF das
famílias com membros
beneficiários do BPC = 1022
193
Acompanhamento pelo PAIF
das famílias PBF-Suspensão
por descumprimento de
condicionalidades, cujos motivos
sejam da assistência Social
(Base: Sicon: Março, maio, julho,
setembro= 562
Atingir 50% de taxa de
acompanhamento das famílias
PBF – Suspensão em decorrência
do descumprimento de
condicionalidades, cujos motivos
sejam da assistência social com
respectivo sistema de informação
SICON = 179
562
Acompanhamento pelo PAIF das
famílias PBF que apresentem
outras vulnerabilidades sociais, para
além da insuficiência de renda
(base cad único PBF 26.080)
Atingir 10% de taxa de
acompanhamento pelo PAIF das
famílias PBF = 2.608
2.773
Reordenamento dos Serviços
de Convivência Fortalecimento de
Vínculos (Base MDS/SISC: 2010)
Atingir o percentual de
50% de inclusão do público
prioritário no Serviço de Convivência
e Fortalecimento
de Vínculos = 1.005
431
Ampliação da cobertura da Proteção
Social Básica nos Municípios de
Grande porte e metrópoles = (Base
cad único 59.225)
Referenciar 100% da população
constante no CadUnico com
½ salário mínimo ou 20% dos
domicílios dos município aos
CRAS = 59.225
40.000
Adesão ao Programa BPC na Escola
= (Base MDS 121)
Alcançar 100% de adesão dos
municípios ao Programa BPC na
Escola = 121
121
33. 33
a proteção social especial em osasco:
desafios atuais
ALBERT EINSTEIN
O município de Osasco está em pleno processo de reordenamento de todos os
abrigos institucionais para crianças e adolescentes tanto no seu espaço físico
quanto na sua estrutura técnica e operacional, estabelecendo critérios éticos
e de humanização no atendimento, conforme a Tipificação Nacional dos Ser-
viços Socioassistenciais.
Atualmente o município dispõe de 7 abrigos de gestão própria e 3 casas
conveniadas, com a estrutura semelhante a de uma residência, com a capaci-
dade de atendimento de até 20 crianças/adolescentes, prevalecendo grupo de
irmãos ou grupos com vínculos afetivos já estabelecidos.
A Proteção Especial oferece também serviço a população em situação de
rua através de 2 albergues e 1 Centro de Referência Especializado para as
Pessoas em Situação de Rua - Centro POP, 2 equipes de abordagem social de
rua para adultos e 1 equipe para abordagem social de crianças e adolescentes.
Para população idosa, temos 1 unidade de longa permanência para idosos
Lar Cora Coralina. Dispomos também de 2 Centro de Referência Especializado
de Assistência Social - CREAS.
Com o proposito de qualificar e capacitar nossos servidores, o Núcleo En-
tretempos vem colaborar através de sua consultoria neste processo de forma-
ção de nossos colaboradores, considerando os saberes existentes e construin-
do novo saberes.
A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original
Suzete Souza Franco
Diretora da Proteção Social Especial
34. 34
Sinto-me honrada em participar deste momento histórico do município,
em que nosso prefeito Jorge Lapas e a secretária de assistência social Solan-
ge Cristina assumiram como compromisso de governo a execução do SUAS e
me delegaram a responsabilidade de conduzir este departamento, nessa nova
etapa da política de assistência social municipal.
Agradeço toda equipe, supervisores técnicos, coordenadores, técnicos,
administrativos, agentes de proteção social, enfermeiros, cozinheiros, auxi-
liares de copa e cozinha, ajudantes gerais, auxiliares de serviços gerais e toda
equipe da Secretaria de Assistência Social, que nunca mediram esforços para
que tudo se concretizasse.
Estamos em processo, e sabemos que temos muito a avançar na consolida-
ção do SUAS, porém felizes porque o primeiro passo já foi dado.
37. 37
violência e desamparo:
Isabel da Silva Kahn Marin2
A demanda que me foi feita foi de falar sobre as afetações na práxis da Assistên-
cia. Como nosso trabalho nos afeta? Como respondemos, agimos, frente
a essas situações? Como gostaríamos de agir?
De fato, as práticas na Assistência Social tem sido objeto de minhas pes-
quisas e prática profissional nos últimos 35 anos, culminando em publicações
diversas, mas talvez valesse destacar FEBEM, Família e Identidade: O lugar do
Outro e Violências, que tratam diretamente dessas questões. Perguntei-me,
então, qual seria ainda um ponto que mereceria atenção para retomar nesse
debate. Penso que uma questão importante é refletirmos por que, ape-
sar dos avanços nas legislações e diretrizes técnicas, ainda é tão difícil
colocar em prática os princípios norteadores previstos nas lei. Pretendo
trazer algumas questões e sistematizar alguns pontos que insistem em apare-
cer no cotidiano das instituições e que talvez joguem luzes para os impasses e
desafios na prática.
Os acompanhamentos que continuo fazendo – via Universidade e su-
pervisão – ainda apontam para a enorme dificuldade que os programas
de acolhimento têm ao enfrentar as questões cruciais que os determi-
nam, ou seja, a violência e o abandono e, a partir daí, dar sustentação a
seus projetos. Insisto nesse ponto, pois apesar dos indiscutíveis avanços na or-
ganização e supervisão dos programas de acolhida, a ambivalência suscitada no
trabalho com a criança abandonada, a mobilização do desamparo e a necessi-
dade de fazer o luto simbólico da família ideal são questões que ainda merecem
atenção. São aspectos que permeiam o cotidiano dos abrigos, explicando mui-
inquietante familiaridade1
38. 38
tos dos impasses encontrados para que cumpram os princípios propostos pelo
ECA, dificultando que as crianças se desenvolvam rumo à sua autonomia social.
O abrigo retorna, a meu ver, com a angústia mais primordial que
nos funda: o horror ao abandono, a sensação catastrófica de perder
a continuidade de ser – ferida narcísica que jamais cicatriza e que en-
contra no abrigo a tentação de ser acalmada quando o abandonado
é o outro. A noção freudiana do unheimlich3
, o estranho familiar, nos auxi-
lia a compreender que, nesse caso, o retorno do recalcado é se defrontar com
o próprio desamparo e, para se defender da angústia provocada, unir-se ao
“abandonado”, superprotegendo-o e “odiando” o outro, responsável por essa
sensação: a família que abandonou, os profissionais do fórum, a escola que faz
sofrer, os técnicos que cobram a profissionalização etc. Isso se expressa na difi-
culdade de organizar projetos político-pedagógicos dentro do abrigo, manter
registros tanto da rotina quanto dos históricos das crianças, estabelecer um tra-
balho sistemático com suas famílias e planejar um projeto de vida para o jovem,
preparando-o para o desabrigamento. Continua havendo muita dificuldade e
medo em acolher as expressões infantis, os movimentos dos bebês, suas brinca-
deiras, suas histórias.
Muitos abrigos que tiveram sua origem num projeto afetivo, compensatório,
assistencialista, resistem à ideia da profissionalização, entendendo que perderão
a qualidade afetiva, amorosa, querendo poupar as crianças de qualquer conflito.
Por isso as brincadeiras desaparecem, as histórias são caladas, os movimentos são
restringidos. Não apenas o dos adolescentes que, em tese, se colocariam em risco
- violência urbana, sexo e drogas-, mas até mesmo o dos bebês, como tenho obser-
vado. Isto porque o bebê, muito diferente do imaginário que o representa como
frágil e dócil, com seu corpo vira pelo avesso a ordem das coisas, subverte o sentido
de uma história, muda a direção de certas situações com seu poder de imaginação,
fantasia e criação. As crianças, particularmente as pequenas, conhecem o mundo
desestabilizando-o. Acabam que por recriar, como nos ensina Benjamin (1987), a
historia da barbárie, reconstruindo-a com destroços, reinventando a esperança.
Elas vão assim construir sua história, retomando as relações e circunstâncias que
a levaram a estar ali, questionando sobre seu lugar no mundo e sobre as regras
que regem sua organização. Construir torres, destruí-las, bater na boneca, dar-lhe
39. 39
carinho, fazer e desfazer casas, jogar repetidamente objetos, rasgar, quebrar brin-
quedos, desmontá-los, chorar, brincar de cadê/ achou...cadê mamãe???, brinca-
deiras universais, falam desse processo, mas no abrigo parecem ser insuportáveis.
Regulam-se as saídas dos adolescentes, impedindo-os de terem o coti-
diano que qualquer jovem tem – direito a baladas etc. –, muitas vezes com o
pretexto de poupá-los da violência da cidade ou da dor de expor suas tristes
histórias. Quando transgridem, por exemplo chegando mais tarde do que o
combinado (sendo que o limite de horário estabelecido muitas vezes não con-
diz com a realidade dos horários dos programas dos jovens), sofrem punições
severas, como ficar uma semana no quarto sem sair ou até mesmo a perda
do direito às suas camas. É evidente a falta de preparo dos trabalhadores dos
abrigos para lidar com a especificidade da adolescência, suportando as rei-
vindicações e oposições características dessa fase, sem interpretá-las como
traição afetiva, falta de respeito ou amor! Essa dinâmica tem sido responsável
pela fuga de muitos jovens para conseguir realizar seus desejos, forçando a
um precoce desabrigamento, repetindo-se assim o ciclo de abandono.
Outro aspecto que, ao meu entender, denuncia a ideologia assistencialista
se reflete na prática usual de oferecer às crianças e aos jovens uma série infinita
de atividades, cursos oriundos de parcerias ou doações diversas, ocupando todo
seu tempo, mas que raramente são pensadas a partir de suas necessidades e in-
teresses. Cria-se muitas vezes, então, situações de desistência por parte da crian-
ça sem que se trabalhe o sentido do compromisso, uma vez que a atividade será
substituída por outra. A questão, portanto, dos limites, da lei estruturante que
organiza simbolicamente o sujeito, condição para seu processo de socialização,
fica em muitos casos comprometida. É muito difícil para os educadores lidarem
com os conflitos no seu dia a dia e pode-se imaginar que a diversidade, tanto
da faixa etária quanto das singularidades dos moradores da casa, traga desafios
permanentes a serem enfrentados. Encontramos atitudes que vão de uma
permissividade que beira o descompromisso, e até mesmo negligência,
com justificativas de que não se pode frustrar crianças tão sofridas, ou
que o ECA não deixa punir, ou, então, atitudes disciplinares muito seve-
ras e arbitrárias, sem que se trabalhe o sentido da regra. Esses adultos
estão, no fundo, exercendo o que chamei de violência branca.
41. 41
Desenvolvi esse conceito para discutir a situação do jovem em situação de
risco social, em analogia à série branca de Green [apud Marin, 1998, p.252],
para descrever situações que aparentemente não tinham um caráter violento
e destruidor do ponto de vista do senso comum. Mas justamente pelo seu ca-
ráter silencioso, por não reconhecerem a alteridade e não se oferecerem como
esteio para o jovem que já viveu tantas experiências violentas, essas situações
são, na verdade, violentas. “O enquadre tem por esteio um material arcaico
em que se origina a natureza da agressividade do homem. Se o enquadre não
se mantém, o paciente fica sozinho com seu mundo de fantasmas. Faltando
bruscamente um continente para sua angústia, ele comete passagens ao ato”
(MANNONI, 1995, p.76).
Procurei, assim, com o conceito de violência branca, analisar a relação en-
tre instituição e violência e apontar como o jovem é depositário da violência
negada, a violência a ser excluída da rede social. Violência branca se aplica
também a entender a tendência de algumas instituições para jovens abando-
nados em se apresentar de uma forma sedutora, aquela em que o jovem pode
fazer o que quiser, em que não existem regras claras de convivência, em que
ele não é obrigado a participar de nenhuma atividade, em que se fecham os
olhos para o consumo e tráfico de drogas.
Nesse mesmo trabalho, discuti como não é dada ao jovem a oportunida-
de de se organizar, já que o espaço institucional não se organiza com leis a
partir das quais ele possa se referenciar e denunciar aquilo que lhe falta, ser
ouvido e aprender a buscar soluções de acordo com os princípios colocados
pela ordem social. Penso que, justamente na tentativa de se mostrar perfeita
com educadores que não querem ocupar o lugar de maus, a instituição está
tentando negar a sua origem que é a de ser o resíduo da violência que a so-
ciedade procurou excluir: crianças que foram maltratadas por pais que estão
sendo violentados cotidianamente pelas condições socioeconômicas do país.
A instituição acaba, dessa forma, por produzir outra violência: abandonar os
jovens aos seus próprios impulsos (MARIN, 1998).
Insisto, portanto, em afirmar que as instituições de acolhida deve-
riam ser capazes de assumir sua identidade, sem vergonha de existir, de
poder acolher todas as manifestações de suas crianças, de fazer inter-
42. 42
locuções, de buscar representações para as histórias que vão se cons-
tituindo, permitindo que essas crianças não percam o contato com sua
rede social, com a família que abandonou, até o direito de participar dos
diferentes equipamentos sociais aos quais têm direito, preparando-as
para não terem medo dos estranhamentos e questionamentos que essa
circulação permitirá.
Lembro, aqui, que o noção de acolhimento implica colocar em ação nossa
capacidade de nos tornarmos continentes. Mas é interessante observar que,
na Idade Média, acolher era reunir, associar, estar aberto à relação e, portan-
to, ao desconhecido. Para Lévinas, acolher é sempre o encontro de um rosto
estrangeiro, o risco de um encontro com o Outro, a alteridade radical (apud
Mellier, 2004). Portanto, há necessidade de uma receptividade absoluta para
receber essa alteridade, essa parte estrangeira de si mesmo. No caso do abri-
go, como assinalamos, a partir do conceito de unheimlich, defrontamo-nos
com nosso infantil: desamparo, abandono, medo, hostilidade. O abrigo de-
veria ser capaz de se estruturar para propiciar o acolhimento, conforme dita
a lei, mas assumindo toda essa dimensão contraditória. É, então, essencial o
projeto educacional, a formação e sustentação de seus trabalhadores,
para poder suportar o cotidiano de seu trabalho tão mobilizador e pen-
so ser nesse aspecto justamente que a psicanálise tem muito a contribuir. Ofe-
recer a compreensão e o suporte para que a questão da ambivalência suscita-
da no trabalho de acolhimento ao abandonado, a mobilização do desamparo,
a necessidade de fazer o luto simbólico da família ideal para permitir que as
crianças se desenvolvam rumo à sua autonomia social sejam garantidos.
O homem se diferencia do animal por e graças à sua vulnerabilidade, seu
desamparo fundamental: precisa do Outro humano adulto para se tornar
gente, sobreviver e se sentir importante, amado, com um lugar no mundo.
Subjetividade e vulnerabilidade se confundem inexoravelmente; entendo as-
sim a angústia (horror estruturante) que todos temos frente ao desamparo,
sendo, ao mesmo tempo, o encontro com essa condição que nos torna únicos,
sujeitos de nossa história, criativos e autônomos, pois também é fundamental
nos libertarmos dessas amarras, do Outro. Estão aí os mitos e contos de fada
para testemunhar essa dinâmica, em que heróis se estruturam a partir de uma
43. 43
condição de orfandade. Esse é o nosso unheimlich a ser sempre resgatado
frente à vulnerabilidade e, particularmente, com os trabalhadores de abrigo:
a tentação de negar essa condição, de nos preenchermos com o vazio do ou-
tro, tapando esse vazio, impedindo assim o seu desenvolvimento para a auto-
nomia e cidadania. Mas isso não significa abandonar o outro à própria sorte.
Se nosso desamparo não for acolhido, “morreremos”. Precisamos ser olhados,
reconhecidos e mobilizados a seguir em frente. Espaços de formação, trocas
entre profissionais, estudos, são essenciais para sustentarmos nossas posições
e compromissos. É assim que penso ser possível contribuir na construção
dos projetos de acolhimento para que se consiga romper com o ciclo vulnera-
bilidade-risco-exclusão e resgatar o movimento da vulnerabilidade a sujeito
cidadão, responsabilizando-nos por cada encontro humano do qual partici-
pamos, acolhendo a quem quer que se apresente, não culpabilizando sempre
algum outro como “mau” – família, governo, colega etc. – pela angústia que
nos assola, e não tendo medo, nem preconceito, em relação à vulnerabilidade.
Parece-me importante retomar nesse ponto um aspecto desenvolvido
em minha tese de doutorado4
, onde estudei as manifestações da violência na
contemporaneidade, quando defendi que a psicanálise poderia contribuir na
compreensão e no enfrentamento à violência. A proposta é que se resgate
o que chamei de ‘violência fundamental’ que defini como o momento pa-
radoxal de encontro/desencontro de dois seres que buscam realizar-se,
complementar-se, subjetivar-se. Só assim é que se pode permitir ao sujeito
o acesso à ordem do humano e a garantia de participação na ordem social de
forma ativa e criativa. Entendo também, nessa perspectiva, que o amor vem
justamente da possibilidade de ir ao encontro do outro a partir da falta que
se estabelece em função da ruptura violenta de dois corpos que pretende-
ram fazer uma unidade psíquica reproduzindo a vivência narcísica onipotente.
Portanto, sujeitando-se a encontros que suscitam o mal-estar da ‘violência
fundamental’ é que de fato se estará vivendo a alteridade que garante su-
jeitos sociais, o surgimento do Eu e do Outro. Ou seja, deve-se permitir uma
relação que não esteja aprisionada na rede imaginária da perfeição mas, sim,
aberta para a possibilidade da construção e criação social na medida que exis-
te a diferença, o inesperado, ‘outros e mais outros’, não só o igual a si próprio.
44. 44
Esse parece ser um ponto essencial a ser compartilhado com os diferentes
profissionais que enfrentam o sofrimento humano.
Assumir a violência não quer dizer que, pelo fato de ela ser consti-
tutiva nas relações humanas, justifiquem-se e desculpem-se os atos de
violência e aniquilamento. Ao contrário, é preciso responsabilizar-se
pelos encontros humanos e pelos restos de violência que daí resultam.
Estes restos, se puderem ser assumidos, pedirão continência, represen-
tação e tolerância. Nossa profissão, ao cuidar de quem sofreu o mal
ou ao escutar quem praticou o mal, coloca-nos muitas vezes do lado
daquele que justifica qualquer ação pelos traumas e, assim, se des
-responsabiliza por qualquer posicionamento ético. É preciso estar aler-
ta para não corrermos o risco de transformar em vítimas aqueles que sofreram
o mal, lembrando com Alain Badiou (1993) que o ser humano não se reduz
ao seu estado de vítima e assim designar alguém pelo seu trauma impede de
integrá-lo numa evolução, impedindo-o assim de fundar sua identidade para
além dele (trauma). Embora a ética da psicanálise não se restrinja à relação
unívoca de causa e efeito, colocando em evidência a complexidade do incons-
ciente onde não há tempo e espaço, não se escapa muitas vezes à tentação de
se explicar tudo que falta e tudo aquilo que o outro fez faltar. E mesmo que
“Este por quê, por quê obsedante, que solicita um porquê nunca satisfeito,
remeta a núcleos pulsionais radicalmente inconscientes, não ligáveis, densos
e petrificados, onde se alojam inveja, destrutividade, raiva, desejo de morte
ou de assassinato (…)” (M. Enriquez (2000, p. 82), lembro com Freud (1939,
p. 133) que “a ética é uma limitação do instinto”. A dimensão ética se funda
justamente em função da alteridade. Portanto, é no enfrentamento, confron-
tando, encontrando o outro, resgatando a dimensão fundamental do ser hu-
mano – que é a de sua dependência em relação a outro ser humano – que se
pode encontrar soluções de paz para esses embates tantas vezes violentos. Por
isso não se pode fugir à responsabilidade desses encontros, principalmente
quando se tratam de questões onde a vulnerabilidade e a violência se apre-
sentam tão massivamente.
45. 45
É neste ponto que a Psicanálise pode contribuir, sustentando que esse
processo passa, sim, pela violência, mesmo que negada. Como sabemos, a ne-
gação pode ser uma forma de expressar justamente o que está recalcado. Te-
mos, portanto, que encontrar meios para facilitar que o sujeito consiga entrar
em contato com o que esse possível mal estar (e o esforço em negá-lo) está
expressando, assumir os afetos envolvidos (muitas vezes o ódio, a raiva, a inve-
ja…), o que representam, para que possa encontrar meios socialmente aceitos
de expressá-los. Deve-se procurar garantir que os sujeitos, em seus diferentes
encontros humanos necessários para sua socialização, pudessem encontrar
formas de expressão para o que estão sentindo, através das representações
e ações culturais; além disso, deve-se buscar formas de relação com o outro
que não necessariamente abolisse os sentimentos hostis, o que não significa
aniquilar o outro visto como bode expiatório responsável por todo o mal, ou
mesmo segregá-lo nem que seja utilizando-se de critérios científicos para jul-
gá-lo incompetente, doente, louco, carente, delinquente etc.
46. 46
Tal processo não se faz sem sofrimento e abrir-se para essa possibilidade na qual
a dor e a paixão envolvidas trazem a possibilidade de cura, desde que ouvidas.
A proposta fundamentada na psicanálise é enfrentar o corpo a corpo que a
situação de análise propicia para dar conta do sofrimento que a existência hu-
mana suscita, ou seja, o trabalho no campo da transferência. O pedido de alívio
é compreensível e necessário, porém não se pode cair no engodo da supressão
absoluta do sofrimento, tampouco ceder aos fascínios da psicofarmacologia,
tanto para negar o sofrimento quanto para sucumbir ao fracasso de buscar a
compreensão e a ação junto à psicopatologia. Essa experiência pode e deve ser
compartilhada com os agentes de saúde e trabalhadores das áreas de assistên-
cia e educação. Sabe-se, no entanto, quanto é difícil para os profissionais dessa
área suportar as manifestações de angústia que essas questões suscitam, por
remetê-los ao próprio desamparo. A tentação de projetar num outro a respon-
sabilidade pelo sofrimento é grande, reproduzindo uma situação de violência
ao não suportar o apelo que lhes é dirigido por quem sofre.
O abrigo deve, portanto, ser capaz
de superar sua tentação de se colocar
como a solução mágica para a dor
da criança, num lugar de suplência
total, fazendo-se como uma família
ilusoriamente deveria ser.
47. 47
Gostaria de reforçar esse ponto para discutir e oferecer subsídios para os pro-
jetos de trabalhos com as famílias, dentro dos abrigos, que ainda são incipien-
tes e têm demandado muita ajuda. Alguns abrigos conseguem estabelecer o
bom relacionamento das crianças com seus familiares, garantindo as visitas,
intermediando esses encontros, valendo-se de apoios de grupos especializa-
dos em terapia familiar para fazer as mediações necessárias; porém, outros
tantos ainda não conseguem estabelecer um trabalho sistemático com as fa-
mílias, explicitando sua dificuldade em lidar com as angústias que esse conta-
to provoca. É frequente, também, a cisão entre os trabalhos, ou seja, a equipe
responsável pelo atendimento às famílias não é do abrigo, não se relaciona
com os demais funcionários que estão diretamente em contato com as crian-
ças e nem mesmo com a equipe técnica.
Ora, trabalhar família, trabalhar história, não é especificidade de
um momento ou de um profissional. A circulação dos afetos que reme-
tem ao abandono e as ressonâncias disso estão no cotidiano do abrigo
e todos devem ser capazes de senti-las e acolhê-las. Sim, as visitas dos
pais provocam angústia, agitação, e até mesmo violência. É importan-
te que esses afetos sejam trabalhados tanto com familiares quanto
com cuidadores. A culpa geralmente impede o contato com a ambivalência e,
como já foi analisado, é fundamental suportar a ambivalência nos cuidados a
crianças e jovens em situação de vulnerabilidade.
Assim, considerar as famílias das crianças, trabalhar na direção do que é
direito delas, ou seja, reinserção familiar, implica que todos do abrigo pos-
sam dar conta de compreender os sentimentos de impotência e desamparo
que levaram à situação de abandono. Essa me parece ser a chave para que a
família possa construir alternativas para sua reorganização. Portanto, é fun-
damental potencializar essa família para que possam acolher seus fi-
lhos de volta, lembrando que acolher é tolerar diferenças! Trabalhar
com a angústia e culpa desses pais é fundamental, pois eles também, as-
sim como os educadores, para não lidar com suas faltas, muitas vezes
acabam negando-as e, por isso mesmo, enfrentar os filhos é doloroso.
Sabemos o quanto a rede social é precária para apoiar os pais no acolhimento
às necessidades de seus filhos; quando eles próprios não são reconhecidos
48. 48
socialmente, estão desprovidos de seus direitos básicos como trabalho, ha-
bitação, saúde. Seu desamparo é fortemente suscitado frente à demanda de
suas crianças, daí o abandono ser talvez um pedido de socorro, uma denúncia
de que a promessa social de que todos temos direitos, foi frustrada. É neces-
sário, então, estabelecer no abrigo um espaço de escuta para as famílias, no
intuito de possibilitar, a partir do compartilhamento das angústias e culpas em
relação ao abandono, a compreensão de seu significado, buscando formas de
resgatar suas potências, restituindo a possibilidade de criar os seus filhos. Mo-
bilizar a sua responsabilidade social e pessoal, enquanto pais, para poderem
não se sentir envergonhados por não “poder ter podido tudo”.
A família precisa ser investida para suportar sua vulnerabilidade, suas
faltas e buscar parcerias. Fazê-la compreender que não pode preencher to-
das as necessidades, e talvez assim ela aceite não se livrar do que incomoda,
de quem lhe lembra sua fragilidade, mobiliza sua impotência, no caso, os
filhos: bebês carentes, meninos malcriados, adolescentes insatisfeitos, rei-
vindicativos, fortes, sexualizados. Não ter medo nem preconceito em relação
à vulnerabilidade. Importante lembrar o quanto o bebê suscita sentimentos
de desamparo e impotência; nossas agonias impensáveis primitivas, frente
à fragilidade e ao medo do abandono, e o medo de não ser capaz de dar
conta das demandas incessantes e, muitas vezes, enigmáticas do bebê. Pais
que abandonaram foram, pelos mais diferentes motivos, incapazes
de enfrentar esses sentimentos, o que os leva muitas vezes a uma cul-
pa impensável, que os impede de retomar sua relação com os filhos.
Assumir quão fundamental é suportar a ambivalência na primeira infância,
talvez recoloque em questão a possibilidade de convívio da criança com
sua família. Pais que não toleram os embates e reivindicações de seus filhos
adolescentes que retornam com todas as desilusões que eles próprios vivem,
acabam por abandoná-los muitas vezes por se sentirem incapazes e culpa-
dos. Nomear o jovem de aborrescente afinal é um consenso na sociedade
atual, e ao meu ver é uma forma de violência branca.
Para isso reafirmo que, se nos dispusermos à abertura para a alteridade,
para o acolhimento, é preciso lembrar que o outro se faz presente como dife-
rença, quando traz consigo a noção de indeterminação e estranheza, não sen-
49. 49
do essa condição privilégio apenas das crianças ditas abandonadas. Lembrar
que os sujeitos se constituem num encontro entre uma proposta, um projeto
e seu investimento singular, respondendo a esse projeto; no caso das crianças
pode ser com choro, grito, mordida, sorriso, manifestações que precisam ser
interpretadas por um cuidador. No caso dos adolescentes, é fundamental lem-
brar que estão em busca de filiação e de reconhecimento, tentando encontrar
desesperadamente no social, o lugar que lhe foi prometido, acenado, vendi-
do, e que, em tantos casos, está tão inacessível. Winnicott [1987], nos ensinou
como nas condutas anti-sociais estão os sinais de esperança, os gritos de socor-
ro – e tantas vezes, diria eu, a denúncia de uma impostura. É portanto essen-
cial resgatar a compreensão de como um corpo que grita pode se desenvolver
no sujeito que produz cultura, desde que lhe seja permitida uma pluralidade
de experiências, e que sinta ser importante para o mundo, sendo acolhido em
sua afirmação subjetiva singular no grupo e na coletividade. Criar condições
para a resiliência é o nosso desafio. Boris Cyrulnik nos ilumina quando diz:
“Frente à perda, à adversidade, ao sofrimento que encontramos todos,
um dia ou outro, no decorrer de nossas vidas, muitas estratégias são possí-
veis: seja se abandonar ao sofrimento e fazer carreira de vítima, seja fazer
alguma coisa com seu sofrimento para transcendê-lo. A resiliência não é
de forma alguma uma história de sucesso, é uma história da luta de uma
criança empurrada para a morte que inventa uma estratégia de retorno à
vida; não é o fracasso que é pressuposto desde o começo do filme, é o devir
imprevisível, as soluções surpreendentes e frequentemente romanescas.
A fabricação de uma narrativa sobre si próprio preenche a vida de nossas
origens que perturbava nossa identidade. Constrói-se uma imagem, dá-se
coerência aos acontecimentos, repara-se uma ferida injusta. Um relato não
é um retorno ao passado, é uma reconciliação.”
(2008,contracapa)
50. 50
É preciso, portanto, que todos tenhamos a coragem de dar sustentação a esses
relatos, suportá-los. Permitir que a partir desses dramas possam se construir
narrativas, histórias que permitam a sustentação a essas crianças, sem medo
do inesperado, do choro, do movimento brusco, da fragilidade, dos porquês,
e, principalmente, sem medo dos sentimentos de impotência que isso suscita,
mobilizando afetos de raiva, violência, tentação de apagamento. Por isso nossa
responsabilidade política e ética na produção de conhecimento, na formação
de profissionais, dando sustentação para que os projetos de acolhimento à vul-
nerabilidade cumpram com seus objetivos, facilitem processos de resiliência.
1. Este texto é uma adaptação do texto preparatório para o Seminário “Família, violên-
cia social e trauma”, realizado na USP no dia 7 de dezembro de 2011.
2. Psicóloga, Psicanalista, Doutora em Psicologia Clínica – PUC/SP; Membro da Associação
Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Professora, pesquisadora e
supervisora clínica/institucional do Curso de Psicologia da FACHS da PUC/SP nas áreas
da infância, juventude e família. Responsável pelo Aprimoramento Clínico Institucional
de Casal e Família, oferecido pela Clínica Psicológica “Ana Maria Popovic” da PUC-SP.
Supervisora clínica e institucional de profissionais envolvidos em programas de atenção
a saúde, educação, assistência e justiça. Contato: belkahn@gmail.com.
3. S. Freud (1919). “O estranho”. A palavra em alemão apresenta certa ambiguidade entre
o familiar e o desconhecido, Freud a utiliza então para relacionar tal ambiguidade com
a sensação de inquietude do sujeito frente ao material recalcado (portanto conhecido
pois já vivido), mas que retorna sob forma de algo desconhecido e assustador.
4. Sujeito e violência na contemporaneidade. Doutorado em Psicologia Clínica. PUCSP,
2001. Texto publicado pela Escuta, em 2002, sob o título, Violências.
51. 51
Referências Bibliográficas
BENJAMIN,W. Obras Escolhidas: Magia e técnica. Arte e política. S.Paulo:
Brasiliense, 1987.
CYRULNIK,B. Autobiographie d’un Épouvantail. Paris: Odile Jacob, 2008.
FREUD, S. (1919). “O estranho”. In: Edição Standart Brasileira das Obras
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.v.XVII, p.235-270 .
--------------------. (1939) “Moisés e o Monoteísmo” – Vol. XXIII, pp. 15-152.
ENRIQUEZ, M. – Nas Encruzilhadas do Ódio. São Paulo: Escuta, 2000.
MANNONI, M. Amor, ódio e separação. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.
MARIN, I. K. Instituição e violência, violência nas instituições. In LEVISKY,
D. (Org.). Adolescência pelos caminhos da violência. São Paulo: Casa do
Psicólogo,1998.
MELLIER. D. L’inconscient à la crèche. (Dynamique des équipes et accueil des
bébés). Ed. Érès, Ramoinville, 2004.
WINNICOTT, D.W. Privação e Delinqüência. São Paulo. Martins Fontes, 1987.
53. 53
plano individual de atendimento (pia):
de onde eu vim? aonde estou?
para onde eu vou?
Na nossa metodologia, o mais importante é a ressignificação das histórias
de vidas dos meninos e suas famílias. Não adianta fazer trabalho pontual
sem fazer um percurso na vida de cada um. Não dá para pensar o hoje
e o amanhã, sem pensar no que foi ontem. Partimos desse pressuposto
que pensa o ontem para, depois, durante o acolhimento, pensarmos o
projeto vida. Nesse contexto, paralelamente ao conhecimento pessoal,
há o conhecimento da cidade e do mundo. (...)
Quando eles chegam, não têm consciência que é preciso fazer isso.
Existem apenas relatórios falando de vida deles, mas são burocráticos e
não tratam das histórias mais significativas. Lemos tudo que tem de mate-
rial e pedimos que digam com o que concordam, com o que discordam e
como eles querem contar as próprias histórias, o que falta nessas histórias.
Quando começam a perceber que faltam dados, iniciamos as pesquisas
com eles. Vamos procurar o que está faltando juntos, fazemos um mo-
saico. Nessa busca de entender o que aconteceu, também buscamos a
família. É aí que entramos na família e mergulhamos de fato na história da
família.(...) Percebemos que os meninos têm histórias parecidas com as das
suas famílias. Mas nossa ideia é que não há destino que se autocumpre.
À medida que o menino ou a menina vai tomando consciência de sua
história, a gente vai elaborando alguns processos de repertório de mundo
e de linguagem. Conhecer a cidade a partir do um ponto de vista cultural
é um primeiro passo. Muitos deles tinham um conhecimento periférico
da cidade. A ideia é que eles possam acessar a cidade em outro contexto.
Registro da produção dos profissionais no
seminário de Valéria Pássaro1
54. 54
Pensamos em fazer a inclusão por um bem cultural. Foi aí que surgiram
expedições. Entendemos que as expedições são processos de procura que
ocorrem, simultaneamente internamente e externamente.
(Valéria Pássaro, 2012)
Para falar sobre PIA, Valéria Pássaro propôs que os participantes organizas-
sem o conhecimento que já tem, construídos a partir da prática de atendi-
mento que realizam nos serviços em que atuam. Assim, pediu que se dividis-
sem em quatro grupos aleatórios (com profissionais do CRAS, CREAS, SAICA,
SCFV, Centro POP e ULPI) e que circulassem por diferentes rodas, sendo que
em cada uma havia uma pergunta relacionada a construção de um proje-
to individual de atendimento para ser debatida (metodologia world café).
Ao final, os mediadores de cada grupo apresentaram as principais discus-
sões, a partir da qual a palestrante teceu comentários e problematizações.
Segue abaixo a síntese das principais discussões realizadas pelos grupos:
Pia É Para Atender Quem? Por Quê?
(Relatoria Mariana Manfredi)
Na primeira rodada o grupo achou importante discutir o que é PIA, princi-
palmente pela presença de muitas pessoas da Proteção Básica. Após isso, os
grupos entenderam que fazia sentido pensar que o PIA enquanto documento
equivalia ao Prontuário SUAS usado pelos CRAS e que em ambos os casos era
o processo e documento de registro da história dos usuários (indivíduos ou
famílias) e planejamento de ações das equipes.
O PIA deve atender aos usuários (crianças e adolescentes acolhidos,
suas famílias e as famílias atendidas pelo CRAS). Portanto, todo o planeja-
mento precisa ser feito baseado nas suas vontades e análise das equipes.
O PIA é um instrumento essencial para os trabalhadores porque, dentro de
um cenário ideal, serve como sistematização das decisões coletivas e discutidas
por todos da equipe sobre um caso. Além disso, ele garante o andamento de
um processo mesmo com as mudanças dos profissionais e facilita que no-
vas pessoas possam tomar decisões a partir de um histórico de trabalho.
55. 55
O PIA serve como um instrumento importante para a gestão dos serviços,
uma vez que aponta das necessidades e apresenta os fatores atendidos, ou
não pelo Estado. Com isso, é possível ver se as estratégias pensadas estão fa-
zendo sentido e qual os focos de atuação dentro da rede.
Atualmente, o PIA precisa ser entregue em um prazo tão curto que não
atende aos seus principais objetivos, muito menos ao usuário que deveria ser
o foco da construção. Ele acaba sendo um instrumento burocrático que serve
apenas como um documento a ser entregue ao judiciário. A ideia de um plane-
jamento pode até ocorrer, mas ele não é sistematizado e não fica disponível a
todos os envolvidos nos casos.
A percepção é de que o PIA, ou
planejamento das famílias,
só faz sentido se construído junto
à rede de apoio ao usuário.
Isso quer dizer que é fundamental que toda a equipe interna dos serviços,
dos equipamentos parceiros, famílias e o próprio usuário possam participar
da construção PIA. Isso é fundamental para que ele não seja um instrumen-
to burocrático e possa ser usado como um bom momento de planejamento
e criação de estratégias.
56. 56
Como fazer um PIA e com quem fazer um PIA?
(Relatoria Carina Guedes)
O primeiro ponto discutido foi sobre qual seria o instrumento equivalente na
Proteção Básica – o Caderno SUAS, cabendo suas especificidades, visto que
o Caderno SUAS é familiar e não individual. Também foi abordada a im-
portância da elaboração do PIA ser realizada envolvendo o máximo
de atores possíveis, inclusive dos profissionais internos à instituição,
APS e não apenas os técnicos. Foi, assim, estabelecida uma diferença, de
como o PIA costuma ser feito, muito centrado no técnico, e de como
os profissionais gostariam que eles fossem elaborados, envolvendo
toda a equipe. Apesar dos questionamentos sobre os cuidados com o que
sabe dos casos, com o sigilo, foram relatadas experiências exitosas de discus-
sões de caso em equipe para elaboração do PIA.
Os profissionais relataram que, no processo de elaboração do PIA, há um
primeiro momento de escuta das necessidades e demandas (e, nesse sen-
tido, falaram sobre a importância de escutar realmente o que a pessoa quer
e não o que imaginamos que seja melhor para ela), seguido de um momen-
to de pensar qual rede deve ser acionada (nesse ponto, foi apontado
que é importante que esta rede também participe da construção do PIA).
Abordaram também a importância de monitorar e avaliar as metas traçadas e
reelaborar o PIA caso necessário.
O que deve conter um PIA?
(Relatoria Gabriela Urbano)
Antes de responder a essa pergunta, mais de grupo preocupou-se em lembrar
que a escuta dos diferentes atores envolvidos no caso é importante: usuário,
família, serviços da rede, pessoas significativas para a criança (APS, oficinei-
ros). Também que se deve saber sobre o encaminhamento, inclusive fazendo
uma pesquisa nos serviços pelos quais o usuário já passou.
O PIA deve conter dados objetivos: de saúde, educação, da história
de vida, do território, de como chegou ao serviço, condição social e
emocional, lazer, cultura, família, e também dados subjetivos: quais
os desejos e vontades do sujeito, quais as figuras significativas que
57. 57
existem em sua vida, qual riso, vulnerabilidade etc. Por onde consigo
acessar essa pessoa: quais suas ancoragens, referências, do que gos-
ta, do que não gosta, o que faz seus olhos brilharem. Deve conter tam-
bém o objetivo da intervenção, através de uma compreensão do encaminha-
mento e da demanda com o que o sujeito chegou ao serviço, e estratégias de
trabalho, com planos de curto, médio e longo prazo, com definição dos atores
envolvidos e parceiros necessários. Um grupo falou de do PIA como um termo
de compromisso entre parceiros da rede, família e usuário.
Houve uma preocupação em que sejam estipuladas “metas reais”, que se
relacionem com a vida, os desejos e, principalmente, com as possibilidades do
usuário e de sua família - Em outras palavras: deve conter planos práticos e
que sujeito/família banque, consiga sustentar. Neste ponto algumas pes-
soas trouxeram como contraponto o questionamento sobre usarmos o termo
“metas”, já que estamos falando da vida de outras pessoas. Houve um questio-
namento também sobre a ideia de se trabalhar com prazos, pelo mesmo motivo.
Também disseram que o PIA deve ser participativo em todas as etapas,
sempre reavaliado e reconstruído, de acordo com o andamento do caso. Um
grupo falou em haver espaço para as questões abertas e as dúvidas e outro
grupo ressaltou a ideia de que o PIA deve conter a voz do sujeito.
Qual é um bom ambiente para escutar e quem deve escutar?
(Relatoria Mariana Moura)
Discutiu-se sobre a escuta aos usuários acontece nos mais diversos momentos
e contextos e por isso não deve haver um espaço prioritário. Existem diferen-
tes formas de “falar”, de mostrar, que também não são só pela via oral,
mas que podem ser captados pela observação atenta dos profissionais
envolvidos com o usuário. Pode acontecer em um momento mais descon-
traído, ou nos espaços formalizados ou institucionais, pode aparecer em uma
conversa ou em uma atividade em grupo, etc.
Também foi pauta a escuta e a disponibilidade para a fala acontecem quan-
do é construído um vínculo de confiança entre o usuário e o profissional do servi-
ço, quando sua história é respeitada e ouvida sem preconceitos ou julgamentos.
58. 58
É evidente que para que um PIA tenha chance de se efetivar é necessária
a construção de uma rede de atenção que envolva, além de toda os profissio-
nais ligados ao caso, os diferentes serviços da assistência social, da saúde, da
educação, etc. Porém essa articulação é muito difícil de ser realizada e a equi-
pe diretamente ligada ao usuário não tem governabilidade sobre isso. Como
lidar com essa situação?
Deve se desenvolver uma escuta qualificada para o atendimento e aco-
lhimento dos usuários, para que se possa ouvir o que não é dito ou o que
se esconde atrás da demanda urgente que o leva ao serviço. Para que essa
escuta se aprimore é necessário um trabalho de equipe e de parceria en-
tre os profissionais. Cabe se perguntar: o que eu escuto? O que eu devo
saber para um acompanhamento mais vertical deste caso? E em seguida
pensar o que se faz com as informações obtidas, qual encaminhamento
se dá a elas? Como escutar o outro se internamente, entre os profissio-
nais, no ambiente de trabalho não há colaboração e delicadeza uns
com os outros? Como produzir acolhimento em equipes cindidas ou em
disputas internas?
Parece primordial que se construa um espaço de trabalho conjunto e de
escuta que privilegie os diferentes olhares presentes, para que isso possa
transcender a equipe e possibilitar esse mesmo acolhimento e cuidado na
relação com os usuários.
Sobre a infra-estrutura, ela não é a principal prerrogativa para uma boa
escuta, mas é preciso que hajam espaços que permitam conversas mais priva-
das e também trabalhos em grupo, que o espaço permita o sigilo e a discrição
que o caso possa demandar, que também se mostre acolhedor para o usuário.
59. 59
Para conhecer mais sobre o trabalho da Valéria Pássaro:
BORGES, Cacio. Valéria Pássaro fala sobre a metodologia de trabalho da
Casa das Expedições. Entrevista de janeiro de 2012. Disponível em http://
bercodacidadania.org.br/valeria-passaro-fala-sobre-a-metodologia-de-
trabalho-da-casa-das-expedicoes/ acessada em 23/03/2016.
PÁSSARO, Valéria Gonçalves; QUEIROZ, José de Souza. Casa das Expedições.
No prelo.
Pensando no trabalho a partir da cultura, da exploração e am-
pliação de repertório e do mundo – para as crianças, famílias
e também para os profissionais – Valéria Pássaro deixou algu-
mas indicações de filmes, então, fica a dica!
Para abrir conversas com crianças, adolescentes, familiares...
e também profissionais
• Quem quer ser um milionário? Drama. Direção: Danny Boyle. Reino Unido, 2008.
• Clube dos cinco. Drama. Direção: John Hughes. EUA, 1985.
• Abril despedaçado. Direção: Walter Salles. Brasil, 2001.
• Além da sala de aula. Drama. Direção: Jeff Bleckner. EUA, 2011.
• Numa escola em Havana. Comédia dramática. Direção: Ernesto Daranas. Cuba, 2015.
• Entre os muros da escola. Comédia dramática. Direção: Laurent Cantet. França, 2008.
• Crianças invisíveis. Drama musical/coletânea de curta-metragens.
Direção: Mehdi acharem, Emir Kustirica, Spike Lee, Katia Lund, Jordan Scott,
Ridley Scott, Stefano Veneruso. Itália, 2005.
• Quando tudo começa. Drama. Direção: Bertrand Tavernier. França, 1999.
• Human. Documentário. Direção: Yann Arthus-Bertrand. França, 2015.
60. 60
1. VALÉRIA PÁSSARO é educadora social e tem formação em educação e saúde mental.
Atua na área social há 20 anos.
Sobre o brincar, os encontros e as formas de educar na
cultura: experiências para fazer pensar
• Tarja Branca. Documentário. Direção: Cacau Rhoden. Brasil, 2014
• Quando sinto que já sei. Documentário. Direção: Antônio Sagrado. Brasil, 2014.
• Territórios do Brincar. Documentário. Direção: David Reeks e Renata Meirelles.
Brasil, 2015.
• Educação Proibida. Documentário. Direção: German Doin e Veronica Guzzo.
Argentina, 2012.
• Pro dia nascer feliz. Documentário. Direção: João Jardim. Brasil, 2006.
• Sementes do nosso quintal. Documentário. Direção: Fernanda Heinz Figueiredo.
Brasil, 2012.
• Paulo Freire. Documentário. Direção: Moacir de Oliveira.. Brasil, 2012.
• Mitã. Documentário. Direção: Alexandre Basso e Lia Mattos. Brasil, 2013.
Sobre saúde mental e trabalho em instituições:
olhando para dentro
• Procura-se Janaina. Documentário. Direção: Miriam Chnaiderman. Brasil, 2007.
• Entre a luz e a sombra. Documentário. Direção: Luciana Burlamaqui. Brasil, 2007.
• Bicho de sete cabeças. Drama. Direção: Lais Bodanzky. Brasil, 2001.