Este documento não fornece informações claras ou uma narrativa compreensível. Ele parece conter uma mistura de símbolos, frases sem conexão e referências desconexas, tornando impossível resumir seu conteúdo em poucas frases.
8. JENHEI, VíctoR – TCC apresentado ao
DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS ECA-USP NO
ANO DE 2016.
9.
10. Agradeço aos técnicos, funcionários e professores do Departamento de Artes
Visuais da ECA-USP, aos funcionários das bibliotecas da USP e dos demais locais
que frequentei neste período.
Também agradeço ao professor Marco Buti (pelas aulas e pela orientação) e
aos componentes da banca examinadora.
A algum (ns) amigo (s) que fiz no decorrer da graduação. Generalizo aqui para
não cometer o deslize de esquecer alguém.
A minha mãe, Sra. Bibliografia.
Ao meu pai, Sr. Nota de Rodapé.
Aos pés que fazem girar a Roda da Fortuna...
11.
12. 1
É corrente ― no vocabulário contemporâneo das artes ― falar-se em “poética
do artista”, identificar poética ou poéticas nas obras de arte. Pode-se entender o
conceito como um encadeamento perceptível de imagens ou temas verificado em uma
linguagem narrativa comum ― ou incomum ― observada na obra de todos os
artistas contemporâneos. A poética é, ou poéticas são ― entenda-se também o termo
aplicado no plural para designar a mistura de gêneros/linguagens1
pelos quais o artista
se expressa, experimenta, critica, afirma, etc. ― o resultado do conjunto de “fazeres”.
Logo, estes fazeres apresentam-se no TCC como objetos escultóricos e objetos
gravados quando expostos. O universo de temas dos quais eles possivelmente
partiram são apresentados aqui, retoricamente, enquanto textos.
Obs.: as fotos dos trabalhos encontram-se registradas e documentadas em um pen
drive localizado na biblioteca.
1
Desenho, pintura, escultura, fotografia, cinema, literatura, poesia, narrativas pessoais (biografias),
arquitetura, dança, teatro, música, vídeo, corpo, etc, separadamente, conjuntamente ou em um
amálgama com meios digitais.
13. 2
p 144 - importante - olhar pigmento preto para curar amarelão.
p 144- ação de ver.
p 147- Pentadius – poema da fortuna e ambivalência.
l'âme pupilline – E. Monseur – reflexo da pupila e reflexo da água são os
mesmos, só mudam as proporções. P 5, p. 6 – pupilo, pequeno homem que se vê
na pupila.
“Le rire rituel” – Salomon Reinach – os primeiros sorrisos da primavera. O riso
de Hera ao ver o ídolo de madeira (doedela) feito por Zeus para gerar ciúmes.
“Sorrisos da primavera”, retorno à vida. Riso enquanto intensidade, plenitude
da vida. Recém nascido ri após o quarto dia, exceto Zoroastro que já nasceu
rindo.
Baubo, - bebida cycéon, - balbuciar – bebida dada a Deméter que ri mesmo após
perder Proserpina. Baubo – rosto na barriga, ventre exposto como refúgio e sem
peitos, com as vestimentas formando o cabelo. Isaac - aquele que ri- Israel –
deus ri.
P157- Eutélidas dos belos cabelos.
p 169 Sócrates encapuzado por causa da vergonha de ser visto e poder perder a
contenção do discurso. “les chiens dans le culte d'Esculape”.
P 213- lavar os olhos com urina para curar cegueira - Catão.
P 233- cegueira simbólica.
P 235 – silêncio como figura sem rosto no Renascimento. Cartari, “les images des
dieux des anciens”
P 236 – fortuna cega e Timão, o misantropo, de Luciano. — olhos caindo nos pés
é um presságio de casar as filhas com pessoas invioláveis – olhos – símbolos dos
filhos.
P237 – Frazer – les rois magiciens – femmes qui donnent aux maris monnaies de
cuivre pour les hommes ne voir ses defaults.
P 240 – fumaça e nuvens – símbolos da ignorância.
P 241 – ignorância.
243- van Marle – iconographie de l'art profane.
251 – o olho e a luz.
14. 3
256- olho e sol – Platão e Plotino.
257- leis de Manou.
264 – zeus - dyaus.
p.272. - Pour la même raison on ne doit pas uriné tourné vers lui. - nota 11 da
273.
p 273 - sol enquanto verdade. Alegoria: mulher com o sol na mão.
P275- Formichi.
P 285- Holbein e filho.
287- Tervarent – “les enigmes de l'art.”
290- H. Schwarz – the mirror in the art – olho espelho- coisas internas e
externas.
p291- Céu espelho do fogo central )( augé – A. Rey, “la jeunesse de la science
grecque”.
p295- homem - espelho de deus e do mundo. Espelho da alma pelo exterior –
Alcibíades de Platão e fala de Sócrates. Schuhl (Pierre- Maxime) Le merveilleux,
la pensée et l'action. Paris, Flammarion, 1932.- un ami c'est un autre soi-même –
Aristóteles. (isso é muito pitagórico... , ver Porfírio na “Vida de Pitágoras”).
P 296- espelho celeste, com poeira e sem poeira. ( ainda sem Hui -Neng ...).
P 297- coquete, mulher que só seduz por seduzir - Peithó e Apathé gregos nas
conversas duplas. (Afrodite enquanto Vênus de veneração e de venérea, veneno-
Ver R. Schilling.)
p 308- olhos fixos.2
2
Estas duas páginas são uma cópia de um documento de Word feito durante a leitura do livro “Le
symbolisme de l'oeil” de Waldemar Deonna. De certo modo, tenta-se mostrar como funciona o
processo de pesquisa no universo das leituras. Uma série de referências aparentemente desconexas
se juntam e, dado o devido tempo, podem se reorganizar para formar um ensaio, uma pesquisa, uma
“obra de arte”, ou até mesmo não se cristalizar em nada. Desta maneira foi escrito o texto
Aproximações entre o Saci e o Abaporu entre 2013/2015.
15. 4
Alguns dos trabalhos deste TCC apresentam e não apresentam títulos e
referências bibliográficas na tentativa de deixar em evidência ou não o universo
simbólico em que eu, estudante de artes visuais, estive imerso no decorrer de certo
período. Uma série de temas e formas se intersectam de alguma maneira ou de outra,
e esta relação necessita de um comentário inicial para mostrar o modo como os
trabalhos foram realizados.
A escolha ou não de um título pode determinar o significado de uma obra.
Muitas obras de arte não são intituladas e entram em uma categoria de “objetos
inomináveis”, ou seja, a “apreciação estética” parece ser priorizada e, ao mesmo
tempo, deixa-se a interpretação ao livre gosto das referências culturais do
espectador/fruidor. Por outro lado, quando as obras têm algum título que não seja
“sem título”, elas podem adquirir uma interpretação específica ou até mesmo um
significado único fechado na relação semântica objeto/nome.
No caso, a opção por associar palavras à imagens tem por objetivo fornecer
indícios de como foi o processo de realização das obras, onde a prática de ateliê não
se dissociou das leituras feitas no decorrer desse período. Ou seja, em alguns
momentos as pesquisas teóricas influenciaram os trabalhos práticos e vice-versa,
conscientemente ou inconscientemente3
. Aliás, títulos usados visando apenas dar
indícios já pressupõem que o próprio estudante/leitor/“artista” está plenamente
consciente que o universo inconsciente talvez possa predominar na feitura de um
objeto artístico/poético. Cabe também algumas palavras sobre o porquê dos títulos e
das referências citadas serem, em sua maioria, pertencentes às seguintes categorias:
mitologia, neoplatonismo, pitagorismo, e, inclusive, modernismo ― todos estes
3
Entenda-se por inconsciente não apenas a racionalização psicossexual freudiana, nem só a
psicologia fundamentada no sistema arquetípico junguiano, ou mesmo qualquer outros ramos da
psicologia ou psiquiatria que “racionalizem” em sistemas de causa/efeito “todos” os fatores
irracionais. Pela palavra seria mais próprio considerar uma conjunção de fatores emocionais,
visuais, materiais, racionais e irracionais que a todo momento interferem e estão presentes antes
de qualquer “ação” realizada pelo homem. Não seria o caso de tentar definir um “novo” termo e
nem situá-lo em uma nova perspectiva histórica. A palavra, no sentido aqui empregado, tende a se
aproximar mais da noção de “mistério” (Valéry) envolvendo o fenômeno da “criação” na poesia e
nas artes em geral. Esse “inconsciente” atua como “pano de fundo” e não pode ser muito bem
explicado, pois é imprevisível, conjunção de inúmeros acasos, intenções e não intenções que, em
um implexo/“amplexo” induzem à determinada ação, pensamento ou emoção.
16. 5
temas tidos por antiquados por algumas vertentes da contemporaneidade que se
esquecem de lembrar que, assim como as formas, o inconsciente também é
atemporal:
(...) Pensamos que podemos nascer hoje e viver sem história. Isto é uma
enfermidade, absolutamente anormal. Porque o homem não nasce a cada
dia. Nasce em um cenário histórico específico, com qualidades históricas
específicas e só se completa quando tem relação com essas coisas.
Quando se cresce sem nenhuma conexão com o passado é como nascer
sem olhos e orelhas. Da perspectiva da ciência natural não é necessário
nenhuma conexão com o passado, pode-se apagá-lo. Mas isso é uma
mutilação do ser humano.(...)
fonte: youtube*4
4
Segue o link:https://www.youtube.com/watch?v=PEhAXggHUNA . Fala transcrita a partir de:
1h16m11s da entrevista do autor em questão.
17. 6
Síntese.
O desenho se forma pela inversão das partes de um quadrado inserido dentro
de um círculo; a diagonal do quadrado é substituída por linhas verticais, horizontais e
uma curva. Na escultura a linha aparece pelo recorte na placa de metal. Sendo assim,
ocorre a separação da forma que se apresenta como um par. Ao se inverter um dos
lados, não existe mais qualquer “encaixe perfeito” mas cria-se um espaço vazio
delineado pelos recortes agora antagônicos. Uma série de módulos de madeira
sustentam o par de placas, dando à escultura seu volume tridimensional. O “par” de
figuras se afasta também lateralmente, já que cada uma foi colocada em um extremo
da estrutura de madeira. (foto 1).
“coincidentia oppositorum”
escultura em madeira, vidro, ferro e zinco
2016
(foto 1)
18. 7
Intersecção.
Dois círculos, “lançados” um contra o outro, chocam-se e repelem-se.
Procede-se de outra maneira: faz-se aproximarem-se, lentamente, duas figuras
circulares até o limite das tangentes. Após breve instante, leve estremecimento
percorre ambos os perímetros que se juntam e se confundem. Interpenetram-se.
Surge, então, um mínimo espaço de intersecção. De ambos os lados a área em
comum se expande. Vésica-piscis. Mantida a mesma diagonal horizontal, traça-se
ainda uma linha vertical unindo os pontos altos e baixos na coincidência das
circunferências. Ligados os pontos horizontais aos verticais, obtém-se um losango.
Extrai-se, então ― com certo cuidado ―, apenas o pedaço da forma essencial da
intersecção que interessa: uma parte que contenha rispidez e dureza, a reta; outra,
que contenha suavidade e leveza, a curva. E, resultado do entrelaçamento geométrico
inicial, uma meia-vésica ou segmento de corda com arco é retirada. (folha 2).
20. 9
Quadratura do círculo.
Partes de semi-vésicas ― segmentos de corda com arco ― juntam-se para
formar, em módulos, novamente um círculo. Certamente não mais percebidas como
resquícios do “par” de círculos originais, concebidos em outro momento, já
esquecidos. O que fora parte de uma intersecção interna apresenta-se agora como elo
ou união. Repetidas em uma espécie de minimalismo recorrente tornam-se ligaduras
exteriores de uma forma arredondada ainda conforme e, por isso, contendo-se dentro
da definição do famoso juízo analítico: “o círculo é redondo”. A figura não deixa de
possuir um certo “charme de círculo”, “um certo π ...” Porém, assemelhada mais à
ilustração da quadratura do círculo, parece conter uma espécie de “excesso” que
induz a percepção a “sentir” algo próximo da “ideia” de estilhaçamento ― expressão
de uma característica física do movimento centrífugo, pois o polígono vazio
delineado no interior não retém o olhar que percorre os módulos de semi-vésicas e é
empurrado para fora. A solução, então, é a de reduzir a figura a uma forma mínima
fechada. Quatro semi-vésicas são utilizadas para formar um círculo exterior
“geminado” a um quadrado interior.
Após traçar uma diagonal no quadrado interior, apaga-se a linha original
transformando-a parte em curva, parte em “degraus” retos ― desvio suave e desvios
abruptos. Reproduz-se, paralelamente, essa mesma linha irregular, antiga diagonal
modificada, e aparece na figura outro espaço interno autônomo. Ajustam-se as
extremidades das novas figuras e se apagam as linhas de junção. As formas
irregulares internas, antes ligadas, começam a mostrar características diferentes.
Insere-se, então, um círculo menor no interior de uma das divisões. Do ponto de vista
do equilíbrio de formas, enquanto composição desejada, o desenho está concluído.
Resta a questão da cor. Preenche-se o espaço interior das formas da esquerda e da
direita com tinta preta. De amarelo, as semi-vésicas. Afasta-se um pouco o encaixe
que acopla as duas figuras. Mantém-se a figura da esquerda e inverte-se,
verticalmente, a da direita. Aproxima-se novamente o par: coincidentia oppositorum.
(folha 3).
22. 0 11
) . (
A escrita do texto poético pode tentar acompanhar, mesmo que como ficção, a
gênese do desenho. Um conceito traduz em palavras uma imagem. De modo análogo,
um emblema é uma conjunção entre imagem e conceito. Na descrição poética de um
desenho abstrato um . é emblema dele mesmo. Sendo assim, desenhar um ponto no
meio de um texto pode significar escrevê-lo, e ― na continuidade da descrição ―, a
pausa explicativa torna-se tempo para que ele se multiplique no desenho : neste caso
podem, ambos, deixar de serem apenas indicação de um final e, se anotados em um
novo arranjo linear retilíneo ― em sua unidade tripartida ―, sugerir que algo de seu
emblema ultrapassa sua própria linguagem ...
24. 2 13
Círculo,
ponto, 0lh0, Zero, brilho,
lente, pupilo,
reflexão, conjunções , Olho de Gato, poikilia.
Ao se traçar uma linha reta em uma esfera que esteja se dilatando percebe-se,
nitidamente, a reta transformar-se em uma curva. Anamorfose geométrica. Restrita
ao elemento visual a questão poderia ser quantificada em milímetros de régua ou
transferidor e descrita como segmentos em função de seu posicionamento, no caso,
25. 14
o desenho de uma fina linha reta vertical5
no centro de uma superfície convexa6
.
Mas uma descrição vaga ou imprecisa deixa em aberto as possibilidades de
construção mental dessa esfera riscada que se estabiliza em determinado momento
da visualização. Elementos como brilho, transparência, fundo branco ou fundo negro,
se não mencionados na descrição e nem ao menos sugeridos serão, certamente,
completados pela imaginação daquele que acompanha o relato. O cenário, obra
5
Mesmo sem ter sido informado de que se tratava de uma linha vertical, imagina-se que algumas
pessoas acompanharam mentalmente essa descrição desenhando uma linha vertical, de cima para
baixo, no meio de um círculo. Outras, mais afeitas à coordenada horizontal, desenharam uma linha
“deitada”. Na visualização desse processo é comum substituir-se um círculo por um balão ou
esfera que ― por força de certa imantação figurativa analógica ― faria passar rapidamente na
cabeça a imagem de um mapa-múndi com suas linhas longitudinais e/ou latitudinais das quais,
retiradas todas as informações excrescentes (abstraindo-se), retém-se apenas uma linha longitudinal
ou horizontal, bem no centro, que se curva para a direita ou esquerda (como segmento de uma
elipse); para cima ou para baixo, no caso da preferência ter sido a latitude. Esse raciocínio é
válido para “comprovar” três fatos. O primeiro é que, um canhoto, pode não desenhar dessa
maneira. No caso, descrevendo posteriormente sem precisão o que se desenhava, o traço vertical
foi feito de baixo para cima e a linha engrossada se curvou para a esquerda. Se alguém estiver
lendo esse texto com fome, possivelmente, ao invés do mapa-múndi, verá ― em um rápido flash ―
a imagem de uma laranja cortada longitudinalmente (retiradas as cores, as rugosidades, o bagaço e
os caroços)... Isso, para quem costuma descascar a laranja desse modo... Ou mesmo ter imaginado
uma bexiga “colorida” expandindo-se com um linha desenhada espessando-se e curvando-se como
um “gomo”/vésica-piscis alongado. Logo, qualquer relato poético descritivo, enquanto
encadeamento de imagens, imaginação, ao ser “registrado”, transforma-se em retórica. Ponto para
Paul Valéry. O segundo fato é que, quando uma descrição não é precisa, o interlocutor ou
espectador preenche a descrição com sua própria memória “formal” (vulgo, bagagem cultural) ou,
no caso, aqui, também, por que não, influenciado sub-repticiamente. Em que medida a informação
impressa em itálico e em negrito nas linhas anteriores ― Olho de Gato ―, não influiu na escolha
de se optar por riscar um traço vertical na esfera? Ou mesmo não interferiu na escolha a sucessão
minimalista monótona das vírgulas, interrompida pelo aparecimento súbito de uma outra vírgula
mais escurecida e inflada, antes do olho do felino? Esse mecanismo funcionaria também como
“sugestão” de signos/símbolos na configuração de uma indução retórica em alguma poética. Ponto
para o gatinho. Terceiro ponto: isso explicaria por que mesmo o conceito abstrato de número,
como por exemplo, o Um, é desenhado no oriente próximo/ocidente representado por um traço na
26. 4 15
aberta, fica por conta do leitor/desenhista. No mesmo sentido, a pequena pupila7
―
ao dilatar-se ―, amplificaria também o conjunto “forma/conteúdo”,8
incluindo, na
mesma intersecção simbólica, uma variedade de elementos que se reconheceriam,
esgarçados ou fragmentados, apenas como sinédoque9
. Amalgamam-se ao conjunto
mais elementos fonético/sonoros, sinestésicos ― lembranças tácteis ― complicando
mais o cenário. A linha reta continua existindo em segmentos da curva, mas esta
vertical e, no oriente, era/é um traço na horizontal. Um antigo chinês poderia ter acompanhado
minha “vaga” descrição traçando uma linha na horizontal, da direita para a esquerda, e curvando-a
para baixo... Mesmo a matemática carrega conteúdos simbólicos aquém da própria matemática.
Ponto para Pitágoras. * o raciocínio poderia ter sido encerrado com esse último ponto, mas,
continuando, em que medida, olhos já acostumados a um “específico” teclado ABNT, onde O
Zero (0) está encimado pelo símbolo de fechamento de parênteses (linha curvada para direita na
vertical), e acompanhado de um asterisco em seu canto inferior esquerdo (pequena estrela ou
ponto que se expande, e que se exprime ou se expressa, obviamente, no canto superior direito do
caractere visível na tela no início de mais essa digressão) ―, espécie de hieróglifos que, para o
leitor digitalmente acostumado, passa pelo conhecimento “velado” da pressão simultânea das teclas
“shift” (ou setinha para cima) e “Fn” (função), enfim, não teria esse ser alfabetizado na
linguagem de “emoticons” automaticamente impresso essa tecla como emblema e escapado de
acompanhar mentalmente toda a cansativa descrição exposta aqui ?
6
Por que não tê-la imaginado em uma transparência côncava ou mesmo expandindo-se por dentro?
7
O texto não trata aqui de questões de óptica ou fisiologia da visão. Para isso, R.L. Gregory, Olho
e Cérebro – Psicologia da Visão, e R. Arnheim, Arte e Percepção Visual.
8
Reiterando aqui, não é possível romper essa ligação estrutural interna, nuclear forma/conteúdo,
sem cair em uma antinomia lógica, pois não é difícil perceber que ao se professar a doutrina das
formas puras, abstratas, se está, sempre, mesmo ao se expressar, “projetando” conteúdo geométrico
― simbolismo geométrico: figuras, formas, linhas, etc. ― na descrição dos respectivos fenômenos
e utiliza-se, invariavelmente, de referências perceptuais da linguagem poética. Além do que, na
maioria das vezes, acrescenta-se ao conjunto de percepções “inefáveis” uma série de fragmentos
de textos em um “citacionismo” mais conforme à retórica que a qualquer poética. O resultado é que
a descrição formal visual (geometricamente simbólica, a priori) impregna-se de determinado tipo
de percepção poética contaminada por um simbolismo retórico que adere às pretensas formas
puras. Ocorre que, ao se pretender varrer ou filtrar todas as outras excrescências simbólicas (vulgo,
“projeções”, generalizações, reducionismo interpretativo dos “leigos”) do conjunto inconsciente
cultural que as infinitas intersecções de forma/ conteúdo carregam, tenta-se isolá-las artificialmente
27. 16
metamorfoseia-se em fragmentos de sinuosidades corpóreas, “cílios”, notações
musicais, fases lunares, etc. O conteúdo “formal” original da primeira visada
continua, porém associado à outras formas/conteúdos, e é tomado por alguma
estilização, alegoria, emblema, metáfora, etc. que passa de um determinado
significado para outros. Em meio à proliferação de inúmeros significados tenta-se, a
todo custo, promover a recuperação do reflexo inicial, de um único reflexo original, a
busca da “forma geométrica pura”, a esfera com a linha... Porém esquece-se que,
também a pretensa “forma pura” é mais um elemento/significado dentre os infinitos
elementos/significados “embutidos” na contínua metamorfose das formas/conteúdos
que se projetam, sempre como ambivalentes, ambíguas, múltiplas, combinadas ou
não ― antagônicas ou complementares.
Refletidas nas lentes convexas as imagens se duplicam; afinal, os olhos são
dois. Mesmo que ocorra a focalização de uma única imagem pela convergência das
em um vácuo onde, exclusivamente, reconhece-se apenas como “formas” e, depois ―
procedimento invariável ―, pendura-se nelas etiquetas de puras descrições recheadas de poética
terceirizada. E o poético, fazer intrinsecamente simbólico, rébus de imagens e palavras, invocação
sonora e sinestésica da memória, impregna-se de uma crítica retórica travestida de poética.
Fenômeno inevitável, pelo menos que seja uma boa e bela paródia. Só para lembrar, quando se
estiver separando forma de conteúdo e emprestando poética alheia: “ Meu caro Fedro, eis aqui algo
importante: não há geometria sem palavra”. Paul Valéry, emprestando voz a Sócrates em Eupalinos
ou da Arquitetura, p. 93.
9
Apenas como exemplo, uma figura feminina, deformada “anamorficamente” no reflexo de uma
lente convexa, pode ter deixado o registro de uma forma escura alongada, hipertrofia da imagem de
cabelos negros. Mesmo não conhecendo a imagem inicial alguém poderia ainda identificar a
anamorfose como cabeleira e tentar recuperar, por certa sinédoque visual, determinada mulher. No
entanto, quem não viu a primitiva figura pode reconhecer outra forma, projetar outro conteúdo,
mas recuperar a imagem original à medida que outros elementos fragmentados forem desvendados/
associados ou indicados/sugeridos. Mas em se tratando de espelhos e lentes, quem garante que a
forma identificada inicialmente como figura feminina não teria sido um reconhecimento
equivocado da imagem de um pássaro ou da forma “pura” de um “S”, e tomada por silhueta
feminina? Ou acertado se, simbolicamente, referem-se todas as imagens a uma mesma coisa? Do
ponto de vista do que estritamente se entende por “simbólico”, por um ou alguns atributos
identifica-se uma alegoria ou inúmeras... Sinédoque “simbólica”.
28. 6 17
lentes oculares, as imagens refletidas nos pequenos espelhos negros permanecerão
sempre duplas, ambíguas a fragmentarem-se. No limite, se o reflexo nas lentes for a
imagem de um brilho intenso, dificilmente se identificará a origem da luz e ― ao se
retraírem ao extremo ― as pupilas ficarão imersas na obscuridade. Poikilia10
e
consequente cegueira.
10
Do grego Poikilia: aquilo que brilha, colorido, ondulante, incerto, etc. que se metamorfoseia, de
infinitas faces.
29. 18
Que os textos e as reflexões sobre os olhos e as lentes sejam apenas
considerados sinais. Que eles indiquem caminhos em que se possa estabelecer
qualquer outra relação simbólica ao livre gosto e, em nenhum momento, induzam o
leitor/espectador a algum tipo de limitação de conteúdo ― cerramento do olhar para
outras temáticas. Pelo contrário, que através e por meio das lentes possam ser vistos
inúmeros reflexos e feitas diversas reflexões ― ou não ― no amplo campo de visão
daqueles que observam, já que a própria pupila de cada espectador é quem elege
― por razões inconscientes ― o objeto que seja digno de sua dilatação; que ora
prefere o reflexo, ora a transparência, mesmo que, às vezes, o olhar não se fixe em
ponto algum.
30. 8 19
Linhas curvas se entrecruzam no limiar de suas tangentes. Retas paralelas se
entrecurvam formando ângulos inferiores a 180° cujos três lados não se fecham.
Forma pura... geometria impura. Retas-curvas curvas-retas se intersectam novamente
e, desta vez, em ângulos maiores que 180° coincidindo seus vértices em triângulos
que não se encerram. (figura 3).
Figura 311
11
O cenário de linhas viajando a esmo em espaços não-euclidianos imaginados resulta em uma
figura que foi provavelmente projetada na mente de quem lê, por isso a “figura 3” em branco...
Poder-se-ia compor essa mesma imagem na seguinte descrição retórico/poética: “Pontos tornados
linhas aceleram-se no vazio, segmentos de ápeiron fragmentam-se em estilhaços, reta-curvas,
curvas-reta... que tudo preenchem. Forma complexa: projeção ciográfica de traçados horizontal-
verticais ou vertical-horizontais, inúmero- visíveis e/ou número- invisíveis, “sombra de um sonho”
ou “sonho de uma sombra...” ” Por essa descrição poder-se-ia pensar que não passamos de meras
marionetes nas mãos de um retórico geômetra não-euclidiano...
33. 22
Não ranger os dentes (...)
Não urinar contra o sol.
O olhar, ao se deparar com frases soltas em uma página, leva a mente a vagar
em três direções. A primeira, bem mais fácil, é aquela em que o leitor é apenas um
mero espectador, que vê no conjunto de palavras algo comum ― figuras
reconhecíveis ou abstratas ―, mas que não despertam qualquer interesse mais
profundo. A sensação talvez seja melhor descrita como a daquele que folheia uma
revista, onde palavras e imagens se intercalam para apenas distraírem a atenção. “Não
ranger os dentes”. Nada demais. Mas eis que um leve estranhamento se produz
quando se adverte para “não urinar contra o sol”. Ocorre, então, um pequeno desvio.
O leitor/ espectador para. Olha. Olha para o lado e reconhece uma estreita via que se
abre e, ainda um pouco distraído, começa a percorrê-la um tanto intrigado. Sente um
efeito mais profundo de estranhamento, parecido com o de se folhear um livro
impresso em sânscrito, ou um que contenha páginas de ideogramas chineses, ou
mesmo hieróglifos egípcios... Ainda assim, a mente, vagando apressada, passa pelo
conjunto sem atinar e se perde contemplando, como espectador, os arredores. Figuras
incompreensíveis se desenham e se desfazem, sons de músicas recuperadas na
memória misturam-se às primeiras palavras aprendidas na língua de origem. De
repente, signos egípcios confundem-se com a escrita chinesa e se assemelham aos
sinais em sânscrito tornando-se, repentinamente, um só... Surpreso, o
leitor/espectador se dá conta de que o passeio termina em uma clareira. Vê,
nitidamente, e reconhece, pelo barulho da água, uma fonte marmórea em estilo
renascentista. Sobre ela, a figura de um menino que sorri e urina contra a luz que
ilumina o espaço circular. Anda em direção à luminosidade e um terceiro caminho se
abre.
34. 2 23
Não ranger os dentes(...)
Não urinar contra o sol.
Enigmas são propostos e resolvidos dentro de determinada lógica. Édipo
resolve o enigma clássico, mata a fonte formuladora do enigma, mas sua tragédia se
desenlaça aos caprichos do destino, assim como o enigma do sentido da vida humana
ainda permanece não resolvido. Para um tipo de espectador, que apenas vive, não lhe
ocorre este tipo de preocupação. Para outro tipo de leitor do universo, aquele que
aplica a lógica e interpreta o enigma ligando as palavras aos fatos, o aparente non-
sense de forças do acaso acaba reduzido ao pó, ao nada. Todavia, para aqueles que
seguem o caminho da imaginação, e passam o tempo tentando resolver enigmas ―
continuamente ambíguos e indecifráveis ―, seguindo rastros, sinais (os tékmor e os
omnia) por todos os lados, vê um universo que se expande também em seu fluxo
simbólico, para aquém da velocidade da luz, acelerando no enigmático vazio...
Não ranja os dentes(...)
Não urine contra o sol.
Ao sugerir determinado sentido ou significado uma metáfora ou mesmo
divisas e impresas apresentam-se às vezes como verso de uma só linha, enigma
indecifrável, frase abstrusa que se interpreta apenas em seu sentido literal. Mas
inscrevem-se também essas sentenças na categoria de “versos gnômicos”, “leis de
conhecimento” onde, por trás da aparente insignificância escondem ― resultado de
enorme tempo de reflexão e questionamentos ― algum tipo de sabedoria. Algumas
contêm possíveis enigmas evocando imagens estranhas ― espécie de rébus ilógico.
Na aparência de simples frases ocultam em seu interior sentidos e significados
estranhamente complexos que não se revelam à primeira visada.
Ao se tentar decifrar algum verdadeiro sentido oculto identifica-se logo o
primeiro obstáculo. Algo que procura se esconder pode ter deixado pistas porque
quer ser encontrado. Mas não intenta ser descoberto por aquele que se encanta pelo
35. 24
símbolo à primeira vista, na primeira e unívoca cadeia de associações semânticas.
Nem por aqueles cuja estreita visão simbólica consideram as palavras apenas em seu
fluxo lógico, analisando proposições e argumentos em função de seus conjuntos
rodopiando em um “tempo lógico”.
Mesmo na linguagem corrente a significação ou sentido de associações entre
palavras não se encerra obrigatoriamente na simplicidade da reunião de palavras que
se encadeiam em uma frase complexa, que reproduz um único sentido. Pode ser
ambígua, incerta, dupla, uma simples frase usual.
Frente a um enigmático rébus encontrar-se-ão, embutidos em cada palavra,
além da primeira associação semântica, inúmeros outros sentidos impossíveis?,
improváveis e, consequentemente, não-decifráveis para todo leitor. Não tomadas
mais separadamente, unem-se também nas elisões fonéticas, intercambiam-se,
evocam imagens e metáforas ou transmutam-se em alegorias, emblemas ― figuras de
linguagem mais complexas, símbolos de múltiplas funções que confundem mais
ainda alguém que padeça de cegueira simbólica....
TO BE CONTINUED...
Não ranja os dentes(...)
Não urine contra o sol.
Como teria um artista como Marcel Duchamp interpretado estas palavras?
36. 4
Sem título ou “inomniaomnibusexomniaomnibus”
escultura em madeira e ferro
2016
25
40. 8 29
“APROPRIAÇÃO DE REFLEXÕES TERCEIRIZADAS” OU “AS NÚPCIAS DO RODAPÉ
COM A BIBLIOGRAFIA” (última nota)
As citações não contêm a página para evitar o vício de se recair em um
tipo de sinédoque textual ― por uma citação, orelha ou introdução, absorve-se
“magicamente” todo o conteúdo dos livros; por apenas um livro, a obra inteira
do autor. Vício hipertrofiado na contemporaneidade pelo control-f nos textos
digitalizados e pela apropriação de resumos e- enciclopédicos.12
12
Voilà un homme avec qui tu peux parler: tu ne lui parles pas; tu perds un homme.
Voici un homme avec qui tu ne dois pas parler; tu lui parles; tu perds une parole.
Marcel Granet citando um ditado atribuído a Confúcio na abertura do livro La
Religion de Chinois. Paris, Gauthier-Villars et Cie. Éditeurs, 1922.
“Enquanto meditava silenciosamente essas coisas comigo e confiava aos meus
manuscritos minhas queixas lacrimosas, vi aparecer acima de mim uma mulher que inspirava
respeito pelo seu porte: seus olhos estavam em flamas e revelavam uma clarividência sobre-
humana, suas feições tinham cores vívidas e delas emanava uma força inexaurível. Ela parecia
ter vivido tantos anos que não era possível que fosse de nosso tempo. Sua estatura era
indiscernível: por vezes tinha o tamanho humano, outras parecia atingir o céu e, quando
levantava a cabeça mais alto ainda, alcançava o vértice dos céus e desaparecia dos olhares
humanos. Suas vestes eram tecidas de delicadíssimos fios, trabalhados minuciosamente e feitos
de um material perfeito, ela revelou mais tarde ter sido ela própria quem teceu a veste. A poeira
dos tempos, assim como acontece com o brilho das pinturas antigas obscurecia um pouco seu
esplendor. Embaixo de sua imagem estava escrito um Pi e em cima um Theta. E, entre essas duas
letras, via-se uma escada cujos degraus ligavam o elemento inferior ao superior. No entanto,
mãos violentas rasgaram sua veste e cada uma tomou um pedaço dela. Mas ela tinha livros na
mão direita e um cetro na esquerda.”
“Nota do tradutor. Pi (π) e Theta (θ), abreviatura das palavras “ Prática” ( πράξις) e “
Teoria” (θεωρία) em grego.”
Boécio, A Consolação da Filosofia, Martins Fontes, São Paulo, 1998.
“A maioria então ri, quando alguém que é calvo ou corcunda, critica e ridiculariza outros
por isso; em geral é ridículo criticar e ridicularizar o que quer que seja que possa ser criticado de
volta, como Léon de Bizâncio foi criticado por um corcunda por ter sua vista fraca, ele disse: “
Insultas um sofrimento humano, quando carregas nas costas a vingança divina.” Portanto, não
critiques um adúltero, se és louco por jovens, nem um perdulário, se tu próprio és um sovina (...)
Pois o inimigo percebe muitas coisas mais que o amigo (“o amor é cego a respeito do
objeto amado, como Platão diz), e com o ódio há tagarelice em companhia da indiscrição. Hiéron
41. 30
foi criticado por seu inimigo por ter mau cheiro na boca. Então, quando retornou para casa,
perguntou à mulher: O que me dizes? Tu nunca comentaste comigo a respeito disso”. E ela,
porque era prudente e ingênua, respondeu-lhe: “Pensava que todos os homens cheiravam como
tal”. Desse modo, também as coisas apreensíveis pelos sentidos, perceptíveis pelo físico e visíveis
em tudo são apreendidas pelos inimigos, que as percebem primeiro que os amigos e familiares.”
Plutarco, Como tirar proveito dos inimigos, Editora Edipro, 2015.
“El mismo Emanuele Tesauro que dijo de la metáfora:
“La metáfora comprime estrexamente todos los objetos en un palabra: Y hace que los
veas uno dentro del otro de una forma casí milagrosa. Por esta razón tu deleite es grande, porque
es una más curiosa y placentera cosa observar diversos objetos en perspectiva desde un angulo
que si los originales mismos fueran pasando sucesivamente ante tus propios ojos,
vio el cielo como “ un vasto Escudo cerúleo, en el cual la diestra Naturaleza dibuja
acuello sobre lo que medita: formando empresas heroicas, y misteriosos e ingeniosos Símbolos
de sus secretos”, vio los relámpagos “como formidables agudezas (Arguzi) y Claves simbólicas
de la naturaleza, al mismo tiempo mudas y ruidosas: siendo el Rayo su imagen y su lema el
Trueno”, y imaginó a Dios como “ un orador ingenioso que, hablando en acertijos a Hombres
y Angeles, vestia sus conceptos más elevados con variadas Empresas burlescas y Símbolos
pictóricos”. En este pasaje pueden verse las consecuencias extremadamente prácticas (un
sistema emblemático universal) de la vieja opinión que Plutarco formulaba así:
la própria naturaleza ha colocado ante nosotros imágenes sensibles y visibles
representaciones: el sol y las estrellas, de los dioses; chispas repentinas, cometas y meteoros, de
los mortales,
una opinión notablemente extendida en la Edad Media, cuando Alanos de Insulis
canto:
ominis mundi creatura
quasi liber et pictura
nobis est et speculum:
nostrae vitae, nostrae mortis,
nostri status, nostrae sortis
fidele signaculum.
Y que Danielo Bartoli, en De' Simboli transportati al morale, explicó más
detalladamente al definir etimologicamente el emblema ( y. e, un mosaico, un taraceado):
En muchos lugares he visto obras y muestras maravillosas del antiguo y ahora casí
abandonado arte de la incrustación... Requiere toda la habilidad de la inteligencia y de la mano,
42. 0 31
trabajando una en seleccionar y la otra en unir esas diferentes rodajas de madera, de modo que
tengan un cierto color, un cierto grano, una cierta veta, y sean alternativamente tan claras y
luminosas, tan sombreadas y oscuras, que encajadas unas junto a las otras el efecto que se
procura aparezca como resultado de su unión: pero bajo el sombreado de una y otra hoja, con tal
mezcla de colores, non parecerá un conjunto de muchas porciones de distintos arboles y bosques
diferentes artisticamente reunidas, sino una obra nacida de una vez en el tronco de un árbol que
de forma completamente casual apareció cuando se partia este... en tales obras de taracea se
trata de parezca que la naturaleza ha imitado al arte, consiguiendo de ese modo que el arte no
pueda distinguirse de la naturaleza. La fuente del asombro y portanto del deleite en esas obras de
arte ¿ no es el echo de que veamos una cosa empleada en expresar otra ? Siendo tan inocente el
engaño cuanto que en la entera composición de una cosa falsa no hay un elemento siquiera que
no sea verdadero. Lo mismo sucede cuando utilizamos nosotros cualquier cosa sacada de la
Historia, de las fábulas, de la naturaleza y el arte, para representar algo de ordem moral, que les
es ajeno. Verdaderamente en este sentido habría tantas apropiaciones y correspondencias de
proporciones recíprocas entre lo verdadero y sus semejanzas, que la totalidad, por así decirlo, no
parecería artificio del ingenio sino “ filosofia de la naturaleza, como si la naturaleza hubiera
escrito, casi en clave, en todas partes sus preceptos”.
Pero la technepaegnion más prodigiosa fue la elaborada por Erycius Puteanus sobre un
verso del poeta jesuita Bernard van Bauhuysen (Bernardus Bauhusius):
Tot tibi sunt dotes, virgo quot sidera caelo.
Puteanus demostró que las palabras de este verso podian ser combinadas de 1022
maneras diferentes, tantas como el número de estrellas entonces conocidas, de modo que se
podía decir con razón que el cielo era un verdadero emblema de las virtudes de la Virgen:
Omnia in Deo et Natura θαυμάσια Imago Virginis caelo, caelum versu adumbratum. Este verso
fue llamado “Proteo estrellado” y “ maravilla homérica” según palabras de Polux el Sofista
recojidas por Filostrato (Vitae Sophistarum), e también “ Periclymenus multiformis” según
Euforio y el esculiasta de Apolonio.
(...)
“Los emblemas son portanto cosas (representaciones de objetos) que ilustran un
concepto; los epigramas son palabras (un concepto) que ilustran objetos (tales como una obra
de arte, una ofrenda votiva, una tumba). Los dos términos son pues complementarios, tanto es
así que muchos de los epigramas recojidos en la Antologia Griega, escritos originalmente para
estatuas, son a todos los efectos emblemas con otro nombre. La palabra emblema fue
inventada por Alciato, que la tomó de las Annotationes ad Pandectas de F. Budé, en donde
significaba “ trabajos de mosaico”: en este mismo sentido fue utilizado el término
“emblematura” por F. Colonna en su Hypnerotomachia, la cual tuvo gran influencia en el
origen y la afición a los emblemas. Emblema y epigrama representan, pues, dos modos
43. 32
diferentes de concebir la misma technopaegnion; y el punto de vista representacional
implicado por la palabra “emblema” (la contrapartida del punto de vista literario implicado
por el “epigrama”) fue adoptado por Andrea Alciato bajo la influencia de los jeroglíficos
egipcios.”
Mario Praz, Imágenes del Barroco (Estudios de emblemática). Ediciones Sirruela.
Madrid, 1989.
“ L'anamorphose ― le mot fait son apparition au XVII e siècle mais en se rapportant à
des compositions connues auparavant ― procède par une intervention des éléments et des
fonctions. Au lieu d'une reduction progressive à leurs limites visibles, cet une dilatation, une
projection des formes hors delles – mêmes, conduites en sorte qu'elles se redressent à un point de
vue déterminé: une destruction pour un rétablissement, une évasion mais qui implique un
retour. Le procédé est établi comme une curiosité technique mais il contient une poétique de la
abstraction, un mécanisme puissant de l'illusion optique et une philosophie de la réalité factice.
L'anamorphose est un rébus, un monstre, un prodige. Tout un appartenant au monde des
singularités qui dans le fonds a toujour eu un “cabinet” et un refuge, elle en déborde souvent le
cadre hermétique. Le jeux savants sont par définition qu'elque chose de plus.
L'anamorphose n'est pas l'aberration où la réalité est subjuguée par une vision de
l'esprit. Elle est un subterfuge optique où l'apparent éclipse le réel. Le système est savamment
articulé. Les perspectives accélerées et ralenties ébranlent un ordre narurel sans le détruire.
Jurgis Baltrusaits, Anamorphoses - Les perspectives dépravées-II, Champs-Flammarion,
Paris, 1996.
_ “Quant à moi, je suis simpliste. Si je m'observe, je trouve... qu'il y a des choses que
l'on peut dire aux autres; et d'autres, qu'on ne peut dire qu'à soi-même... Et d'autres qu'on ne
peut même pas se dire à soi-même. Il y a quelques saletés, évidentes ― et d'ailleurs
universelles... Cela n'a donc pas un immense intérêt. Et il y a encore des choses... qui semblent
puissantes, indistinctes...(...)
_ Parfait... La Confusion mentale seul ou à deux... Encore un fameux morceau!... Ceci
vous tire l'oeil... Je tiens mon article.
_ Eh bien, n'oubliez pas d'insister sur ceci: que la confusion mentale, ― qui est plus ou
moins pathologique dans le seul, ― est normale quand on est plusiers... L'incohérence, les
quiproquos, le coq-à-l'âne, etc. sont de règle, et même de rigueur, dans les conversations,
débats, discussions, et autres “ échanges de vues”, consultations, controverses, ... duos
44. 2 33
d'amour, etc... etc... Mais, mon chere docteur, on n'avancerait pas si on comprenait... J'irais
plus loin: on ne se comprendrait pas soi-même si on comprenait les autres... Et on cesse de
comprendre les autres si on se comprend tout à fait soi-même... C'est évident... Tenez, nous
nous rencontrons sur ce bloc par le plus grand des hazards; nous causons... Et en quelques
minutes...
_ La divagation pure se déclare!(...)
_ J'appelle tout ce virtuel dont nous parlions, l' IMPLEXE.”
Valéry, Paul. “Lidée fixe ou deux hommes a la mer” Les Laboratoires Martinet, Paris,
s/d
“Telle, sans doute, fut ma petite exhortation.
Et caetera.”
“De la diction des vers”, in Pièces sur l'art. Paul Valéry, Gallimard, Paris, 1934, p.40.
Socrate
“La-bas, immortel, ― relativement aux mortels!...― mais ici... Mais il n'y a pas d'ici, et
tout ce que nous venons de dire est aussi bien un jeu naturel du silence de ces enfers, que la
fantaisie de quelque rhéteur de l'autre monde qui nous a pris pour marionnettes!
Phèdre
C'est en quoi rigoureusement consiste l'immortalité.”
Valéry, Paul. Eupalinos, Editora 34, São Paulo, 1996.
Valéry, Paul. “Lidée fixe ou deux hommes a la mer” Les Laboratoires Martinet, Paris,
s/d. “Pièces sur l'art”, “Eupalinos ou l'Architecte”.
45. 34
“
Le point géométrique est un être invisible. Il doit donc être défini comme immatériel.
(...)
La ligne géometrique est un être invisible. Elle est la trace du point en un mouvement,
donc son produit.
(- - -)
Nous considérons comme plan originel la surface matérielle appelée à porter le contenu
de l'ouvre.”
(∆)
Kandinsky, W. Point et ligne sur plan, Gallimard, Paris, 1991.
“Le reflet de la tête d'un homme dans la pupille dans autre homme étant environ cent
fois plus petit que le reflet de la même tête dans l'eau, le primitif ne pouvait songer à
reconnaître dans un si petit visage une forme de la tête de son âme image, laquelle était pour
lui de grandeur naturelle au cas même où il aurait reconnu qu'il n'y avait dans les deux
images que des proportions différentes de la même image, il ne lui serait pas venu à l'idée de
comparer la pupille à une eau, puisque pour lui, la pupille ne pouvait être qu'un petit trou
noir, tandis que la surface d'une eau était, malgré sa transparence, une réalité aplatie sur
laquelle son âme image pouvait s'étaler comme la feuille d'un nénufar.”
Eugène Monseur. “L'âme pupilline “ in Revue d'histoire des religions, Vol. 51, 1905. p. 1-23,
p.5,
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Published by: Armand Collin
“ (…) e à des conclusions semblables quand on étudie les textes néo-platoniciens qui se
rapportent au miroir de Dionysos. Dans le culte dionysiaque, certains objets étaient tenus pour
sacrés et jouaient un rôle soit comme instruments du culte, soit comme symboles: les auteurs
citent un miroir, une toupie, une pomme de pin, des pommes, des osselets, une balle, etc. {^). La
légende orphique racontait que c'étaient les jouets avec lesquels Héra ou les Titans avaient
amusé le dieu enfant Zagreus, afin de pouvoir plus aisément perpétrer leur forfait: on sait
qu'après l'avoir assassiné, ils le mirent en pièces. Le rôle du miroir dans cet épisode est
particulièrement mis en relief par Nonnus et par Firmicus Maternus {^). Les néo-platoniciens se
sont emparés de cette légende et, selon leur habitude, l'ont interprétée symboliquement. « Le
miroir, dit Proclus (^), a été traité par les théologiens comme un emblème de l'aptitude à
l'achèvement spirituel de l'Univers. C'est pourquoi Héphaistos, disent-ils, fabriqua pour
46. 4 35
Dionysos un miroir: le dieu y ayant contemplé son image sortit (de lui-même) et se répandit dans
toute la création divisible ». Ailleurs (*), il rappelle que, d'après les poèmes orphiques, « les
images de Dionysos régissent la génération et reçoivent la forme complète du modèle », et qu'il
faut leur attribuer «les compositions et les divisions (des êtres) et les lamentations »( s). On
trouve la même doctrine chez Olympiodore (^): «Dionysos ayant mis son image dans le miroir, la
suivit ; il fut ainsi divisé et forma les éléments de l'univers ». Plotin y fait aussi allusion dans un
passsage (') où il compare les âmes qui sont attirées sur la terre par la contemplation de leurs
propres images à Dionysos qui, en regardant son reflet dans le miroir, a subi la même attraction.
D'après l'ancienne légende, la contemplation dans le miroir avait été simplement
l'occasion du démembrement du dieu. Voici que la théologie établit entre ces deux actions une
affinité, on pourrait même dire une certaine identité et, influencée d'une part par la doctrine
platonicienne selon laquelle le monde est créé à l'image des idées divines, de l'autre par la
théorie de l'émanationnisme, elle explique la création du monde par l'extériorisation de Dieu
qu'a provoquée la contemplation de son image et elle attribue la formation des êtres humains à
une dissociation analogue des essences psychiques {^). D'où provient cette curieuse conception,
sinon de l'idée, basée sur l'observation, que la contemplation dans le miroir produit une sorte de
désintégration de la personnalité? On peut reconnaître en cette doctrine comme une anticipation,
grossière sans doute et déformée par le mysticisme religieux, de la théorie moderne des
phénomènes de l'hypnose. Bref, les textes que nous avons examinés montrent au moins que les
anciens avaient observé certains effets psycho-physiologiques de la contemplation des surfaces
brillantes. On peut croire qu'ils avaient été frappés aussi de la propriété qu'elle a de déterminer
une excitation de l'imagination et de faire sortir le sujet de luimême, pour parler le langage des
néo-platoniciens. Cette hypothèse cadre bien, au surplus, avec le fait que la catoptromancie
primitive, telle que nous l'observons dans la parodie d'Aristophane, se passe de tout rite magique
comme de toute cérémonie religieuse.”
Dellate, Armand. La catoptromancie grecque et ses dérives. Droz, Liège-Paris, 1932. (o
excesso de chaves, circunflexos e parênteses deve-se à interpretação equivocada de sinais no
copy/paste, não revisados)
“Le mot θεωρία se rattache à l' idée première de vue. On est à peu près d'accord por y
reconnaìtre un composé de deux thèmes qui indiquent l'action de voir, θέα et Ϝορ (όράω).”
Festugière, A. J., Contemplation et vie contemplative selon Platon, Paris, Vrin, 1936.
“ O termo poikílos designa o desenho colorido de um tecido, a cintilação de uma arma, o
pêlo manchado de um filhote de cervo, o dorso brillhante da serpente constelado de pinceladas
sombrias. Esta mistura de cores, este emaranhado de formas produz um efeito de brilho, de
ondulação, um jogo de reflexos, que o grego percebe como a vibração incessante da luz. Nesse
sentido o poikilos, colorido, está próximo do aiólos, que designa o movimento rápido. Assim, a
superfície mutante do fígado, ora fasta, ora nefasta, é nomeada poikílos como a felicidade,
47. 36
inconstante e móvel, como a divindade que, sem fim, vira e revira, de um lado, depois de outro, os
destinos dos homens. Platão associa o poikílos ao que não permanece jamais semelhante a si
mesmo, oudépote tautón, da mesma forma que em outros textos ele o opõe ao que é simples,
haploûs.”
Détienne, M.; Vernant, J. Pierre. Métis - As astúcias da Inteligência, São Paulo, Odysseus,
2008.
“O enigma ou, em termos específicos, a adivinhação, é, considerado à parte seus efeitos
mágicos, um elemento importante das relações sociais. Como forma de divertimento social se
adapta a toda a espécie de esquemas literários e rítmicos, como por exemplo as perguntas em
cadeia, onde cada pergunta conduz a outra, do conhecido tipo “O que é mais doce que o mel?”
etc. Os gregos gostavam muito da aporia como jogo de sociedade, ou seja, de fazer perguntas
as quais era impossível dar uma resposta definitiva. Isso pode ser considerado como uma
forma moderada do enigma fatal. O “enigma da esfinge” ainda ecoa vagamente nas formas
mais tardias do jogo de enigmas, o tema da pena da morte permanece sempre no pano de
fundo. Um dos exemplos mais característicos da maneira como a tradição o modificou é a
estória de Alexandre o Grande com os “gimnosofistas” indianos. O conquistador tomou uma
cidade que ousara oferecer resistência, e mandou que trouxessem à sua presença os dez sábios
responsáveis por essa decisão. Deveriam eles responder a um certo número de perguntas
insolúveis feitas pelo próprio conquistador. Cada resposta errada significaria a morte, e o que
respondesse pior morreria primeiro. O juiz deste último aspecto deveria ser um dos dez
sábios. Caso seu julgamento fosse considerado acertado, sua vida seria poupada. A maior
parte das perguntas são dilemas de caráter cosmológico, variantes dos enigmas védicos
sagrados. Por exemplo: Quem é mais, os vivos ou os mortos? Qual é o maior, a terra ou o
mar? Qual apareceu primeiro, o dia ou a noite? As respostas são artifícios lógicos, e não
exemplos de sabedoria mística. Quando, finalmente foi feita a pergunta: “Quem respondeu
pior?”, o juiz respondeu: “Cada um pior do que o outro”, inutilizando assim todo o plano,
pois se tornava impossível que algum deles fosse morto.”
Huizinga, J., Homo ludens. Perspectiva, São Paulo, 2008.
48. 6 37
“The Pythagoreans considered the Monad as the beginning of all things, just as a point
is the beginning of a line, a line of a surface, and a surface of a solid, which constitutes a body. A
point implies a preceding Monad, so that it is really the principle of bodies, and all of them arise
from the Monad.
ANONYMOUS BIOGRAPHY OF PYTHAGORAS
Preserved by PHOTIUS
The harmony is generally the result of contraries; for it is the unity of multiplicity, and
the agreement of discordances. (Nicom.Arith.2:509)
FRAGMENTS OF PHILOLAUS
From Boeckh
BIOGRAPHY OF PHILOLAUS
BY DIOGENES LAERTES”
Guthrie, K. The Complete Pythagoras. A full text, public domain edition for the
generalist & specialist. Edited by Patrick Rousell for the WordWideWeb.
49. 38
Última nota: para “As Núpcias entre o Rodapé e a Bibliografia” ― por razões outras
a Norma da ABNT não foi convidada!
54. 2
28 Break not the teeth...
31 Do not urinate against the sun. (be modest).
y ɳ
43
55. 44
Pássaros em padrão Fibonacci ao fundo, antes do “par” voltar à posição 2 e formar o “V” ou “<”
1 + 1 + 2 + 3 + 5... 1 – 2 – 3 – 5 ; Aqui como 1 - 3 - 5 - (2);
Ver nota 23, na página 58.
Ver página 72 do apêndice sobre semi-vésicas em madeira
A pê n
d
i
c
e
.
. .
. . .
. . . .
).(
).(
).(
56. 4 45
Tentando refletir sobre o texto, pensando em algumas questões.
Historicamente, um conceito pode traduzir em palavras uma imagem.
Quanto à questão de um conceito poder traduzir por palavras uma imagem
rememore-se alguns casos em que as obras de arte eram apreciadas pela sua função
sacra pedagógica, quando a imagem era usada para contar história religiosa
(estórias, ficção para os não-religiosos), espécie de “Bíblia em quadrinhos” para os
cristãos analfabetos que, além de não entenderem as ladainhas latinas dos padres não
podiam também ler o Livro Sagrado, mas poderiam ser pedagogicamente educados
na religião pelo emprego de imagens “sacras”. Fato esse não só caro à “Idade
Média”― aliás, conceito/ficção de Petrarca ―, mas também justificada no projeto
pedagógico platônico/“renascentista” da carta de M. Ficino ao jovem Lorenzo
Médici, em que E.Gombrich (“As Mitologias de Botticelli”, em Imagens Simbólicas,
livro que contém também o ensaio sobre a Hipnerotomaquia Polifili) formula sua
hipótese de interpretação (1963) da Primavera de Botticelli, contrapondo-a à “tese”
anterior (1893) de A. Warburg que “provava” que a mesma tela do pintor era
tradução em imagens das palavras do famoso poema de Policiano, Giostra : ut
pictura poesis. O que significaria, segundo os autores, que Botticelli teria lido
primeiro (Warburg), ou seja, traduzido palavras em imagens; ou pela interpretação
de Gombrich, traduzido conceitos abstratos platônicos de proporção, harmonia,
beleza, bondade, verdade, etc., constantes do programa pedagógico de M. Ficino
expresso na intenção da “Carta a Lorenzo”, em imagens ― o que contrariaria o
próprio Platão, desconfiado do ilusionismo dos simulacros, cópias dos pintores, e
57. 46
que expulsou os poetas da cidade ideal no livro X da República; porém ideia mais
conforme ao entendimento da função pedagógica e anagógica das imagens utilizadas
pelos neoplatônicos. E.Panofsky, concordando com A.Warburg, ainda afirma que
Botticelli poderia ter acompanhado a descrição de Policiano tendo por modelo
também a imagem da Vênus Medici. E não esquecer Simonetta Vespucci presente
também nessa equação.
Nesse sentido, a tradução de uma imagem/figura que se encontrava descrita
na poesia “clássica” (arranjo formal/estrutural em função da sonoridade rítmica das
palavras de um tema), era comumente, na época, “ilustrada”, traduzida em outro
meio artístico, o da pintura “clássica” (desenho, cor e tema em um suporte). A
passagem da tradução de poemas/palavras em imagens ou desenhos/pinturas era do
métier dos artistas. Objetar-se-ia que a tradução, tomada por ilustração, seria uma
denotação descritiva ― imagem direta traduzida por uma palavra com referência
semântica. E. Panofsky, em Renascimento e Renascimentos, faz uma observação
sobre a ilustração ― tradução de palavras em imagens ― de uma Vênus em que o
desenhista compreendeu mal a Metamorphosis ovidiana de P. Berchorius e confundiu
concham, concam marinam, “concha marinha”, com aucam marinam, “ganso
marinho”, e um outro, ao ilustrar uma edição do Ovídio moralizado, incrementou o
ganso com “cauda de peixe e escamas”, imagem que Panofsky considerou
despropositada. Mas lembrando o conceito de emblema em Mario Praz ― citado o
trecho nos pensamentos terceirizados na fusão final “rodapé/bibliografia” ―, um
conceito abstrato era perfeitamente traduzido em imagem que está sempre
impregnada de conteúdo simbólico (também E.Cassirer).
Apenas como exemplo, girando em torno somente de um “simbolismo” de
época, além dos inumeráveis exemplos de Mario Praz dos emblemas, o livro de C.
Ripa, Iconologia, sobre o simbolismo das alegorias ilustra bem isto. E, avançando na
história, uma mulher, com uma “tocha na mão”, nos tempos de “Ilustração” ― já
“dessacralizados” os símbolos, porém ainda interpretados ―, representava, traduzia,
era símbolo, alegoria, do conceito de Razão. Uma imagem traduzindo um conceito
58. 6 47
abstrato. Alegoria: Allos, do grego, “outro”; uma imagem simbólica que remete a
uma outra coisa, um conceito ― que por sua vez é traduzido ou representado por
uma palavra ou palavras. Continuando a passagem diacrônica, só que voltando para
trás e depois pulando e chegando na “modernidade”: uma mulher, ou figura feminina,
segurando uma “tocha na mão” na Grécia antiga era a “representação” (ou
manifestação sagrada/hieros “direta” para os antigos gregos) da deusa Deméter, em
latim traduzida por Ceres; no Egito chamada de Ísis (Plutarco, A. J. Festugière e
Paul Foucart). Na viagem das significações simbólicas, em um poema/soneto de S.
Mallarmé divagando sobre a “imagem” dos cabelos de uma mulher (sinédoque da
figura feminina) vinculada à evocação de “imagens” de uma flama e de uma tocha é
interpretada ― pelos críticos ― como conotação moderna simbólica de sugestão de
“erotismo”. Esses exemplos apenas ilustram que imagens do fogo e da mulher, na
história da cultura ocidental ― e em outras culturas não ocorre o contrário ― são
empregadas e traduzidas “simbolicamente” em muitos outros significados.
Outro exemplo ilustrando essa mesma questão das diferentes traduções, porém
sempre traduções, tratado em outro texto com coincidências também temáticas: a
figura de um monópode designada em tupi, Abaporu; na linguagem dos mitos
brasileiros, Saci; na Idade Média, ciópode; na China Jeou li; na Índia, Ekapada; no
Egito, Osiris/Geb. Uma mesma figura se traduz, conforme a época e a língua de
maneiras diferentes, sendo a mesma forma básica ― monópode, figura
humana/deformada, de um pé só ― modificando-se (imagens em movimento de
A.Warburg) no tempo e no espaço, corroborando o que H. Focillon já afirmara na
Vida das Formas (que as formas são as mesmas, e o que varia são as interpretações),
ou seja, diferentes traduções para uma “mesma” forma atemporal com algumas
variantes. Isso não só com respeito às formas, pois um mesmo nome, “Dioniso”,
designa ao menos cinco deuses com estórias distintas (Paul Foucart).
Mas, retomando os conceitos que permitiriam fazer transitar os assuntos
de um meio artístico para outro. Os conceitos de ekphráseis e ut pictura poesis são
palavras chave para compreender como era feita essa passagem ou tradução. No
59. 48
entanto, não seriam elas, pura e simplesmente, traição? Reconhecer uma traição
literal e completamente infiel de palavras em imagens seria compreender o fato de
que uma pintura (estruturalmente, imagem e cor, etc.) ― é sensivelmente vista ― ou
seja, cujos elementos de percepção dizem respeito, em um primeiro instante, à
sensibilidade óptica. Por se tratarem de meios poéticos (fazeres) distintos, uma
pintura/imagem não poderia ser traduzida, substituída ― fielmente ― por nenhuma
palavra da poesia, muito menos ainda, por palavras da retórica, aqui técnica de
convencimento ou persuasão17
. E se estabelece uma dificuldade de tradução ideal
entre meios não só tecnicamente diferentes, mas cognitivamente reconhecidos como
“separados”.
Uma “pintura” (na época, “figurativa”) compreenderia elementos de imagem
― cor e linha combinadas, ou separadas ―, que afetam a sensibilidade de cada um
através e diretamente pelo olhar e que, esteticamente, pela reunião plástica das
formas, suscitam ― tanto no artista quanto no espectador ― sensações talvez não
definíveis, não traduzíveis por “palavras” tanto em definições de conceitos ―
reproduzidas por descrições formais ―, ou mesmo quando evocadas imagens
poéticas, metáforas similares. Imagem é uma coisa, palavra, outra. Já um “poema”
― encadeamento rítmico de palavras lido pelo olhar ou escutado pelos ouvidos, etc. ,
― forja, na mente, a construção das imagens sugeridas ou evocadas e, mesmo que
descritas, são completadas pela imaginação de quem o frui.
Seja a obra uma pintura ou poesia ― compreende-se que elas podem provocar
sensações estéticas semelhantes, causar espécie de deleite indescritível ou inefável
― tanto para quem vê quanto para quem lê ou ouve. O simples contato com esses
dois meios artísticos pode suscitar um prazer não mensurável, não comunicável, não
traduzível, inexplicável. Os conjuntos “visual” e o “visual/sonoro” estão em dois
domínios diferentes ― são comparáveis entre si, porém distintos. Não se tinha dúvida
17
Lembrar que se pensada do ponto de vista da Retórica clássica, um pintor poderia utilizar como
modelo uma descrição (ekphráseis) de uma determinada postura ou gesto advindo deste tipo de
“fonte” e representá-lo em uma tela, assim como o faria com um tema da poesia, mas em ambos
casos, estariam traindo/traduzindo uma linguagem em função de outra.
60. 8 49
quanto a isso e, por este motivo, as “Artes” eram classificadas tendo por índice de
discriminação as faculdades humanas (combinadas ou não) e sentidos humanos, e
consideradas artes separadas. Fazeres técnicos, poiésis/techné, em/ou por meios
diferentes provocariam nos fruidores dos objetos artísticos sensações diferentes e
não traduzíveis, literalmente, umas nas outras. Porém, tentar provocar ou reproduzir
sensações aproximadas, senão as mesmas ― pela via da ekphráseis ou da ut pictura
poesis ― confirmam que traduções sempre foram tentadas e artisticamente
realmente feitas. Lembrar que, conceitualmente, uma obra de arte era revestida de
muitas camadas de significação, que incluíam tanto o caráter estético (simplificando,
em kakos, feio e kallos, belo), quanto o caráter pedagógico, ou mesmo o caráter
anagógico (reparar que, no Renascimento, onde teoricamente, o homem seria
historicamente (Cassirer) concebido como racionalmente liberto, reconhecidamente
um indivíduo separado do Cosmos, obras de arte de programas neoplatônicos
transm itiam exatam ente a ideia contrária, pois carregavam não só um caráter
pedagógico ideal, mas sustentavam o caráter mágico e sua influência (astrológica,
iatromatemática, enquanto amuletos, etc.) nos fruidores, inclusive sugerindo o
mesmo caráter anagógico presente na religiosidade da Idade Média18
).
Enquanto veículo de símbolos ou signos, a obra artística, com seu caráter
pedagógico religioso original comportava as mesmas camadas de significação que
qualquer outra obra “sacra” realizada com outra técnica nas áreas de arquitetura,
escultura, pintura, canto, música, etc. Com relação à exegese ou interpretação de um
texto, por exemplo, o Antigo ou Novo Testamento, deveria levar-se em consideração
quatro sentidos básicos (J.Huizinga, Outono da Idade Média, e E. Auerbach, Figura):
o literal, o alegórico, o moral e, o mais difícil de ser expresso em palavras ― o
sentido anagógico19
. Esse quarto sentido proporcionaria ao religioso, mesmo
18
No ensaio sobre a Hipnerotomaquia Polifili, E. Gombrich informa a inconformidade de Pico
della Mirandola com a presença sensual e mágica de uma estátua de Vênus no Jardim do Belvedere.
19
Interprete-se, por acaso, como exemplo, a frase que se utiliza na possível capa do trabalho, a frase
abstrusa deslocada como divisa ou máxima: “não urinar contra o sol”. Embora não seja, por mais
que se pareça um “mandamento”, acho que não deva constar na Bíblia, porém tem lá seus ares de
antiguidade e “sacralidade”, e parece bom para se tentar arriscar e testar os tais níveis de leitura e
interpretação. O significado Literal e escatológico é que não se deve mijar contra o sol; o Moral, já
61. 50
iletrado, ser transportado, levado em direção ao alto, provocando possivelmente até o
êxtase ― exemplo mais concreto de experiência única cujas palavras não se
poderiam traduzir, comunicar. Extasis: estender-se para fora de si. Transportando a
questão da intradutibilidade de uma sensação para a experiência estética,
“dessacralizada”, mas cuja fruição das obras de arte, também devidamente
“dessacralizadas”, provocam nos “estetas” sensações não passíveis de tradução em
palavras, experiência única, não mais no sentido máximo ― de ir para fora de si ou
ficar fora de si ― de um arroubo, enlevo, arrebatamento íntimo ou encanto profundo
da “alma”; mas funcionando como uma espécie de anagogia de asas cortadas, ou
retiradas, que a apreciação exterior ao objeto artístico proporciona à sensibilidade do
fruidor, que é acompanhada da experimentação, não fora de si, mas em si,
diretamente, de modificações ou transtornos na sensibilidade provocando sensações
indescritíveis, não traduzíveis.
Essa tradução em meios diferentes sempre foi entendida como uma tentativa de
comunicação ou tradução dos sentimentos e pensamentos que o artista intenta fazer
confluir para suas obras. Um artista, portanto, que compreenda a arte apenas
enquanto experiência estética, pensa na obra realizada enquanto um fim em si ― ao
contrário de W. Kandinsky, por exemplo, que pretende comunicar ao expectador um
fato espiritual e a obra de arte, além da experiência estética, tem por finalidade
provocar sentimentos e reflexões espirituais ― já que a arte é vista como um meio,
e não como um fim (Do espiritual na Arte). Ao contrário também de artistas que
veem na arte o veículo de comunicar fundamentalmente o caráter crítico, ela é meio,
não um fim em si. Nesse segundo caso, pode-se deixar de lado uma preocupação
interpretado, diz: seja modesto; o Alegórico escapa à compreensão, mas poderia ser evocado pela
imagem de talvez um pequeno putto fazendo pipi em uma fonte imaginária, mas o que já poderia
significar outra coisa, o sentido escaparia pois não se encontra, à primeira vista, um significado
mais profundo e, assim, simplesmente, ignora-se do que se trata. Mas sabe-se, se pesquisar, que a
frase é um aforisma pitagórico. Heráclito, em seus escritos contraditórios, informa, em um deles,
que “o Sol tem a medida de um pé”. Mas se para por aqui. O problema maior ainda é quanto a um
possível sentido anagógico, também muito explorado na antiguidade e depois na Idade Média, e no
neoplatonismo do Renascimento. A definição de “anagogia”, ao pé da letra, significa transportar,
levar, conduzir para... o “alto”. No caso antigo, transportar a psyché, a alma. No caso da página do
texto, onde a frase posicionada abaixo, à esquerda ― “não urinar contra o sol” ―, indica que se
transporte o olhar para o alto... Um pequeno rébus não tão hermético...
62. 0 51
artesanal técnica e a necessidade de expressar uma experiência estética de afirmação,
apófase do gosto médio ou ideal, mas procurar transtornar a sensibilidade dos
espectadores via catáfase, deformidade, crueza, escatologia, etc.
Mas o artista que traduz suas experiências artísticas em imagens, por exemplo,
no sentido de comunicar “apenas” seu caráter estético, plástico, preocupa-se,
principalmente, com o perfeccionismo da função técnica que, enquanto experiência
ou fazer artístico, é índice ou sinal que comunicaria todo o processo ou a dificuldade
de construção, de fazer, de organização, de domínio técnico, e de exímia confecção
(um exemplo disso, o “hostinato rigore”, divisa, conceito que procura traduzir algo
de fundamental do gênio de “da Vinci”) do resultado artístico. Assume-se o
pressuposto ou conceito de que uma obra de arte comunica, implícita e
explicitamente, todo esse conjunto de tentativas e acertos no esforço de resolução de
problemas e do efetivo domínio das dificuldades técnicas que culminaram na
realização da obra, pois foram experimentadas também esteticamente pelo artista na
feitura, como resultado final “estético” de uma poiésis/techné, enquanto objeto
estético.20
Esse “fazer técnico”, experimentado/pensado pelo artista na feitura e
consecução da obra é julgado, concebido, como sendo visivelmente “apresentado” e,
por isso, passível de ser apreciado/valorizado também pelo espectador justamente por
deixar evidente ― pela alta qualidade estética ― a fusão dos conceitos
poiésis/techné.
A obra de arte é concebida pelo autor/artista como tradução, em síntese
estética, de todo o esforço, de todos sentimentos e pensamentos, etc. concentrados na
feitura/poiésis extremamente técnica/techné do conhecimento, controle, domínio de
um determinado métier artístico. No entanto, parte-se do pressuposto conceitual de
que a principal função da obra é seu caráter estético, definido nesses termos já que
20
Utilizado nessa frase três vezes o conceito “estético”, por não se ter uma correspondência ou
tradução fiel específica: “sensível, sensitivo, harmonioso, relativo ao sentimento do belo, estudo
das condições e dos efeitos da criação artística, ou estudo racional do belo, quer quanto a
possibilidade da sua conceituação, quer quanto à diversidade de emoções e sentimentos que ele
suscita no homem”. Dicionário Aurélio, Nova Fronteira, Rio de janeiro, edição de 1981.
63. 52
se compreende que o desenho de uma “máquina voadora”, ou um desenho/pintura,21
por exemplo, “A Virgem dos Rochedos”, não comportava crítica social, mas teria
sido esteticamente concebida em moldes de justa proporção, e que continha,
portanto, além de certo “simbolismo” geométrico, um caráter religioso, o que indica,
traduza-se, que em alguns ou vários momentos, o artista, em suas obras, visava a
comunicação não só de seu conceito estético, em si, ou seja, não restringia sua
linguagem artística a ser traduzida apenas em sua “função estética”.
E mesmo se um espectador não domina ou compreende as dificuldades
técnicas ultrapassadas pelo esforço e como resultado da fruição estética do artista
inclusive no fazer, essa comunicação/mensagem não ficaria interrompida pois o
espectador não-desenhista e não-pintor iria ter, pela sua própria percepção estética e,
em sua própria sensibilidade estética, a fruição de alguma espécie de beleza, ou
devoção, ou emoção, ou pensamento, ou reflexão moral, etc. que determinada obra,
livremente, lhe permitiria experimentar. Explicando melhor: ainda assim o
espectador fruiria, esteticamente, e traduziria ― experimentando algum movimento
ou alteração em sua sensibilidade ― a obra em função não só da informação cultural
que o “simbolismo” das cores e formas22
carregam; mas mesmo a contemplação
21
Desenhava-se antes de pintar, domínio de duas técnicas, em que a segunda esconde ou apaga o
delineamento estrutural da primeira, que por sua vez tinha sido organizado no espaço da tela,
geometricamente, em justa medida, etc. ― cf. Mario Praz, “ A harmonia e a linha serpentina”, em
Literatura e Artes Visuais, Edusp, São Paulo, 1982).
22
Lembrar que a busca por uma tradução ou correlação ideal entre esses dois meios, sempre foi
objeto de preocupação dos artistas. Exemplo disso o “moderno” W. Kandinsky, que correlacionava
a cor azul com a forma do círculo; na cor amarela identificava certo aspecto triangular, pontiagudo;
e na cor vermelha considerava seu aspecto quadrado, duro. Acrescentava a isso aspectos sonoros
puros, musicais, como anteriormente S.Mallarmé fazia o mesmo em “poesia”. Aquilo não era
novidade, pois a tabela das cores já era organizada em cores frias e quentes. Goethe já salientara os
efeitos psicológicos das cores. Sem dúvida, traduções diferentes entre outras existentes.
Definitivamente, sem entrar no mérito físico da frequência das ondas visuais e sonoras de
tudo que é visto ou escutado, compreende-se nisso apenas a questão do parâmetro da subjetividade.
Tudo é mediado pelas impressões na sensibilidade de cada um. No caso do simbolismo da cor ―
cor simbolizada ―, traduzida por forma geométrica não arbitrariamente por Kandinsky, mas pela
sensação ou sensibilidade que o artista sentia na prática artística. E se ele, também poeta e ensaísta,
além da forma, correlacionava suas pinturas com impressões de sinfonias musicais, a premissa de
que conceitos não podem ser traduzidos em imagens não deveria, como fator subjetivo de cada
artista, ser tomado como opinião geral. Paul Klee, também era músico. Paul Valéry, poeta,
matemático, ensaísta, desenhista, entre outras habilidades. Mas enquanto artistas, conhecedores de
64. 2 53
estética de uma simples obra poderia provocar ou evocar lembranças emotivas, não
exclusivamente restritas ao prazer de uma experiência estética apenas visual ― ou
obrigatoriamente, visualmente constatar que determinada obra “é bela e boa porque
é tecnicamente bem feita”, tecnicamente bem resolvida, já que um espectador leigo
no métier geralmente ignora os preciosismos da técnica. Até mesmo Leonardo (cf.
Paul Valéry, O Método de Leonardo da Vinci, Editora 34, São Paulo, 1998.), de
mestria de execução ― que abandonava obras inconclusas por estar focalizado em
outras preocupações ou invenções, ou que levava consigo uma tela e a modificava
sempre no sentido de atingir um extremado perfeccionismo ― não se atinha
exclusivamente à questões simplesmente técnicas, mas de conteúdo e de relações
simbólicas entre a natureza e a poética (fazer). Aliás, nesse sentido, o fazer técnico
revela-se antes como um processo de pensamento prático e teórico, já que a solução
técnica também é reflexo do pensamento, de “natural” inquietação filosófica de
quem pretende desvendar e entender os mecanismos da natureza e do homem por
meio da técnica de desenhar, “ilustrar” e reproduzir, ou recriar e reinventar esse
mesmo mundo através de um simples desenho ou em escritos, como no Tratado da
Pintura. Entende-se que impregna-se em qualquer obra de Leonardo, o caráter
filosófico, escrito não em um gigantesco tratado, mas traduzido em inúmeros esboços
de desenhos, rascunhos de textos, obras “inacabadas”, etc.
técnicas poéticas, de acordo com suas sensibilidade estética e porque não, conceitual, realizam suas
obras no meio que consideram, pela prática, serem melhor adequados para transmitir sua
sensibilidade estética e inclusive seus “conceitos”.
Dentro do universo dos artistas ou dos espectadores de arte, não é obrigatório que se faça a
tradução ou que se respeite integralmente as correlações em “regras” de sintaxe simbólica visual ou
emocional propostas. Kandinsky não vai pintar todas as formas quadradas de vermelhas. E se seu
verde tem a intenção de transmitir calma e tranquilidade, não vai impedir que um tom mais escuro
de verde produza melancolia ou outra ou nenhuma emoção. Espiritualista, Kandinsky pressupunha
que todos possuíssem “alma”. Mas se algum teórico agnóstico ― afeito unicamente às descrições
formais ― que não concorda com sua teoria de correspondência das cores, objetar que observa um
quadro apenas em seu caráter plástico, observando a direção técnica exímia das pinceladas e a
composição e combinação formal estética fria das cores, ou seja, em seu escrutínio separa o caráter
emocional, que desconsidera, do caráter formal e técnico, creio que o artista não iria se incomodar...
65. 54
Com relação ao significado de uma simples digressão, que segue:
“ ) . (
A escrita do texto poético pode tentar acompanhar, mesmo que como ficção, a
gênese do desenho. Um conceito traduz em palavras uma imagem. De modo
análogo, um emblema é uma conjunção entre imagem e conceito. Na descrição
poética de um desenho abstrato um . é emblema dele mesmo. Sendo assim, desenhar
um ponto no meio de um texto pode significar escrevê-lo, e, ― na continuidade da
descrição ― a pausa explicativa torna-se tempo para que ele se multiplique no
desenho : neste caso podem, ambos, deixar de serem apenas indicação de um final e,
se anotados em um novo arranjo linear retilíneo ― em sua unidade tripartida ―,
sugerir que algo de seu emblema ultrapassa sua própria linguagem … ”
Explicitando melhor essa digressão linguístico/metalinguística:
ponto = (palavra = conceito)
ponto = ( . = desenho)
logo, se ponto = ponto, então também (palavra = conceito) = ( . = desenho)
Depreende-se disso que, retirando os símbolos/ conceitos de parênteses da linha
anterior,
( ) ( )
tem-se:
palavra = conceito = . = desenho
portanto,
66. 4 55
chega-se a importante confusão, melhor, conclusão ― que também explicitaria de
maneira significativa a página inicial do trabalho (feita com desenhos, sinais gráficos,
letras, palavras, frases, etc. e está ligada à todas as digressões e rodapés/bibliografias
incluídas nele e nas obras) ― sem exceção, que:
PALAVRA = DESENHO
PALAVRA = DESENHO
DESENHO= PALAVRA
DESSIN = MOT
word = design
ῥἠμα = γράψειν
ῥἠμα = σκιαγραφέω
já que é paradigma da própria possibilidade de linguagem, a comunicação: referir,
traduzir uma coisa, algo, um desenho, uma imagem, por um conceito, representado
por palavras, que por sua vez remete a outro conceito que é o que a palavra significa
ou traduz. Quando se faz essa transposição da passagem do meio visual da apreensão
de uma imagem para o meio linguístico da palavra, suponho que se concorde, nesse
sentido, que um conceito traduz palavras em imagens
. Mas compreende-se também, seguindo a mesma lógica, mas com argumentação
contrária, onde ao invés de ler “igual à” ( = ), considere-se ler “diferente de”( ≠ ) :
ponto ≠ ( palavra ≠ conceito)
ponto ≠ ( . ≠ desenho)
logo, se
ponto ≠ ponto,
então também
67. 56
(palavra ≠ conceito) ≠ ( . ≠ desenho);
isolando os sinais gráficos de parênteses ― ( ) ( )
―, obtém-se:
palavra ≠ conceito ≠ . ≠ desenho
e que termina com uma conclusão completamente antagônica à primeira sequência:
palavra ≠ desenho
e, nos esquemas, lê-se desenho = imagem ou figura, ou forma fazendo valer a
mesma combinação de diferença ou igualdade com qualquer desses termos
. Apenas constata-se, com isso, que os sinais gráficos são completamente diferentes
entre si. Poderia se discordar, nesse raciocínio ― do ponto de vista do caráter visual
―, da afirmação de que “ponto ≠ ponto” pois, grosso modo, visualmente ― do
ponto de vista da forma tipográfica ―, “ponto = ponto”. Mas uma discriminação
importante se impõe à lógica “enganadora” do olhar. Pelo simples fato de se
reproduzir, grafadas, as duas palavras “ponto” em locais de coordenadas espaciais
não coincidentes, implica que elas não são “as mesmas”, pois, espacialmente e,
porque não, temporalmente nesse caso (já que foram digitadas de caractere em
caractere), uma vem seguida da outra na linha. Ou seja, grafadas uma antes e outra
depois do sinal/símbolo de “diferença” também explicita que essas duas palavras
“ponto” quando reproduzidas em um espaço visual (tela, ou papel e seus
correspondentes formatos espaciais), são observadas em relação a um conjunto
espacial de base/fundo e a um conjunto de relações co-laterais que contrasta com o
espaço da folha em branco. Por exemplo, o defensor da tese de que “ponto = ponto”,
visualmente falando, concordaria que “ponto ≠ ponto”, se, em uma página em branco,
fossem reproduzidas a palavra “ponto” no alto da página, à esquerda, e outra palavra
“ponto” abaixo na página, no centro. Observa-se que o efeito visual de percepção
não é o mesmo. Suponho que o distanciamento e o posicionamento diferentes da
reprodução das duas palavras ajude a mostrar que, visualmente, devido às relações de
localização espacial serem completamente diferentes com respeito ao conjunto de
68. 6 57
elementos visuais correlacionados ― além das palavras não serem as mesmas
(lembrar que são duas palavras) ―, por estarem posicionadas (referência de
relações) em locais diferentes, distintos, carregam consigo, visualmente, essa
diferença “existencial” no espaço. O olho vê uma separada da outra, em locais
diferentes, portanto são diferentes.
No entanto, seguindo por esse caminho, percebe-se que se instala um
problema de ambiguidade, ou, exatamente, mais uma coincidentia oppositorum
(recordando que a primeira delas aqui exposta foi a de que uma palavra é também
desenho). O paradoxo, a contradição entre as duas opiniões fica nítido quando,
visualmente, pede-se que se abstraia ou se retire o fundo (folha em branco) de
relações entre as duas palavras, e se insiste com razão que elas, verdadeiramente, são
iguais, e não diferentes. Aí nota-se que o problema não está na palavra “ponto”, em
si, mas nos conceitos de igualdade ou diferença. A argumentação separa, diferencia,
assim como a argumentação junta e identifica. Retórica. Mesmo que se pensasse em
uma reprodução, uma duplicação, uma “clonagem idêntica” da palavra “ponto”,
ainda sim um retórico argumentaria que elas seriam como gêmeas, idênticas em
aparência visual, porém nunca as mesmas. Ou um desenhista perfeccionista iria
continuar insistindo na diferença ― mesmo sendo utilizadas as mesmas técnicas na
reprodução caligráfica das duas palavras “ponto” ―, que uma reprodução ou cópia,
por mais perfeitas, jamais ficariam absolutamente iguais, em todos os detalhes
mínimos, a elas mesmas. Seriam parecidas, o mais possivelmente semelhantes, mas
sempre cópia uma da outra, reprodução da outra, portanto diferentes. Mas o olhar
teimoso que continua vendo identidade ou igualdade clonada entre as duas palavras
“ponto” só será efetivamente convencido dessa diferença, quando lhe for proposto
comprar uma cópia, exatamente igual, e pelo mesmo valor do original, de uma
pintura, por exemplo, de Leonardo. Aí ele compreenderá, desapontado,
definitivamente, que a palavra “ponto”, mesmo duplicada, perfeitamente, pode ser
entendida e vista de modo a se reconhecer certa diferença... Contra um fato que
“mexe no bolso” não há argumentos... Finalmente, ponto ≠ ponto.
69. 58
Então, voltando a copiar aqui ― não mais caractere por caractere, mais em
cortar/copiar ― a conclusão do raciocínio da diferença:
palavra ≠ desenho
. Afinal, cognitivamente, a palavra e o desenho são ou tornaram-se conjuntos
separados, já na formatação da alfabetização. Porém, como um exemplo, na
transição, a forma/figura circular da letra “o” de “ovo” tem o formato aproximado
do objeto “ovo”, ou de um “olho”. Uma palavra poderia ser, pela criança, desenhada
em “rébus”, Sl.
Até que a passagem do reconhecimento do objeto concreto/coisa como
referência, tradução, do objeto abstrato/palavra tivesse sido efetivamente ensinado a
ser reconhecido como separado e considerado simples tradução de uma coisa em
outra, e julgados completamente diferentes. Nesse sentido, uma palavra é e está em
um meio diferente da “coisa” que ela pode designar. O ovo, representado pela palavra
“ovo”, pode ser escrito ao se desenhar dois “círculos” ou mesmo em rébus, dois
“ovos” literalmente, porém em nada teria a ver com a letra “V”23
. Mas uma criança
poderia ver, por sinédoque visual, uma relação simbólica com uma galinha ou um
pintinho ― sujeitos ontológicos causais e finais que pertencem ao conjunto de
relações absolutamente existenciais que envolvem um simples ovo ― pois,
graficamente “estilizada”, a palavra da língua portuguesa “ovo” pode ser vista como
nada menos senão um “bico” desenhado entre “dois olhos” ― representação
simbólica de um generalizado “bípede empenado”. Poder-se-ia ignorar as aspas
enquanto designação de diferenciação metalinguística e completar o desenho
estilizado do “pintinho” vendo as “aspas” como “peninhas”, ou simplesmente,
“asinhas estilizadas”. Em maiúsculas, “OVO”. Mas a essa criança poder-se-ia objetar
que uma cobrinha também se reproduz pelo ovo. No que a esperta criança, ao olhar
detidamente para o desenho da palavra, reconheceria imediatamente, entre os olhos
23
Em uma foto com a escultura Amplexo/Implexo, nota-se, ao fundo, uma revoada em “Fibonacci”
desconstruída ― pois o casal de araras que se posicionaria na “segunda fila” deu uma escapulida
no instante do “clic” para voltar logo em seguida e completar o desenho no espaço da forma de um
“V”, < . Expressão talvez, como os seus ninhos (Jung: instinto formal circular) de um simbolismo
formal mais complexo, ou emblematicamente captado e sintetizado linguisticamente em um simples
“ovo” e em um belo “ voo”.
70. 8 59
de uma “serpente”, sua “linguinha bifurcada”... “ovo” tsiiiii... Retórica, melhor
“dialética”. (Dessa vez, por conta da Dialética de Marciano Capella, cujo livro em
volumes que versa sobre as sete artes liberais presentes nas Núpcias de Mercúrio
com a Filologia está citado, de ponta cabeça, na página final depois da diagramação
de textos “terceirizados” misturados, confusos, do casamento do “rodapé com a
bibliografia”).
Continuando e não concluindo. Então, uma palavra que é diferente de
desenho, mesmo que parecido com ele, pode ser objeto de outras interpretações, ou
traduções e, nesse sentido, vai traduzir significados diferentes; fato proporcionado
pelas associações simbólicas terem seu caráter aberto, livre. Nesse caso, concorda-se
absolutamente que um conceito não pode traduzir em palavras uma imagem, pois
além de meios diferentes, simbolicamente podem ser vistos, traduzidos por muitos
outros conceitos ou n-outros conceitos diferentes ― de acordo com a subjetiva
interpretação de quem vê qualquer símbolo, em uma tradução/traição individual,
pessoal.
No entanto, impossibilidade da linguagem, enquanto imagem/desenho ou
palavra/conceito, sempre irão ser traduzidos uns pelos outros. Mesmo que em uma
recusa negativa. Exemplificando: poderia até me postar diante de uma página
contendo a palavra “ponto” ou do desenho “.” ― se quiser pensá-los como separados
― , e me recusar a falar o que penso sobre eles ou me recusar a expressar qual o tipo
de sensação inefável ou banal que experimento ao visualizá-los. Porém, minha recusa
seria compreendida por um interlocutor. Negar em se comunicar, já é se comunicar
implicitamente, negando. Não falar ou se recusar a falar, já é um indício, sinal, de
comunicação, e irei ser compreendido como alguém que olhou, viu, leu, etc., e que
traduziu suas impressões ou em negação (“não é bem isso nem aquilo”, etc.), recusa,
ou que, traduziu não- traduzindo, ficando calado. Problema da linguagem. Se chegar
à conclusão, ao analisar um ponto inserido dentro do conjunto ― por exemplo, da
história da arte: um ponto abstrato pintado no meio de uma tela em branco ― que
não posso definir, traduzir fielmente, em palavras, todas ou algumas das impressões
71. 60
na sensibilidade que a fruição da tela provoca, vou simplesmente definir pela
negatividade ou por palavras que remetam à sugestão de algo indeterminado,
teoricamente não traduzível, pois escapa ou transpõe os limites do conjunto de
sentimentos, emoções, pensamentos, etc. que a impressão estética me causou. Mas
vou me expressar, traduzir esse emaranhado de sensações/pensamentos como não-
traduzível, não comunicável. Pela definição negativa determino algo indeterminado.
Mas determino, traduzo, comunico. Paradoxo. Falo não falando, traduzo não
traduzindo. Coincidentia oppositorum. O que confirmaria o sentido da
impossibilidade de se concordar com a afirmação de que “um conceito traduz em
palavras uma imagem”, pois não os comportaria todos ou os explicaria todos, já que
não é possível também traduzir, identificar, que tipo de sensação, emoção,
pensamento, etc. pode ser produzido ou evocado pela sensibilidade estética de cada
um.
Ponto Final
Ou melhor,
( . ),
ou simplesmente
72. 0 61
) . (
infelizmente, como o assunto não se esgota e continua antes e depois dos
parênteses...
(continuando, pois o raciocínio ou digressões nunca/sempre terminam..., lembrar a
citação, no “rodapé/bibliografia”, recortada de um final de ensaio de Paul Valéry, que
quando não se encerram por “reticências”, por um magnífico “Tal, sem dúvida, foi
minha pequena exortação”. E insere após isso, grafado em latim/itálico, um Et
cætera … (…) )
73. 62
acelerando no vazio
Dentro do trecho da também “metáfora do ponto”, se fosse para me referir
“corretamente” ao dito cujo como metalinguagem “deveria” tê-lo grafado separado
pelas aspas, como agora, mas procurei falar do “ponto” como imagem/desenho, nele
mesmo ― “confusão” de conceito/imagem. Como o costume é entender o “.” como
final de uma frase, na leitura ocorre um lapso, uma pausa, pois parece que se
suprimiu algo ou que algo está errado, pois também se espera a palavra seguinte ao
“.” grafada em maiúsculo. Deixei o “.” entre duas palavras em itálico ( um . é ),
funcionando como sugestão da diferenciação metalinguística. No breve instante em
que ocorre a pausa de estranhamento, o ponto “aproveita” para se transformar,
durante a pausa explicativa compreendida entre dois “ ― ”, duas linhas (ou um
ponto que se arrastou e cujo rastro é traduzido por “travessão”), em índice de pausa
explicativa ( : ), duplicando-se ― espécie de mitose linguística. E, no final do trecho,
aparece triplicado nas reticências, que sugerem a continuidade da reflexão ou
interpretação em outros símbolos, como se a explicação metalinguística do ponto
enquanto desenho e imagem fosse incompleta, insinuando que o próprio “ . ”,
“escrito” desenhado não se resume a só isso, mas que sai para fora do texto... Não
se transforma o ponto em linha e espaço tridimensional em Photius e Kandinsky,
ambos terceirizados na globalidade do texto? Segundo o “pintor”, a respeito da
gênese dos pontos, seu “aparecimento” pode ser resultado do processo de adição de
pontos terceiros ou por multiplicação/divisão deles mesmos (mais uma coincidentia
oppositorum) ― e por falar em multiplicação, na linguagem matemática, ponto é
sinal/representação, tradução, dessa mesma operação: “ multiplicação = .” Aliás,
esse “ponto” que “vejo” na tela projetado pelo código binário dos pixels, em
caractere, parece ser, em uma apreciação estética mais aguçada, um minúsculo
quadradinho... (novamente, coincidentia oppositorum: uma forma quadrada
representando uma forma circular!) Em suma, as reticências finais sugerem, além
74. 2 63
dessas apresentadas, que existem outras correlações e que a interpretação simbólica
do “ponto/ .” não se esgota nessa reflexão ou nesse trecho, que remete a outros
significados possíveis... ou não.
Bem, retornando ao assunto do sentido de tradução/fusão inseparável de
conceito/palavra/imagem ― especificamente e também amplificando ― a
explicitação desse trecho retórico/poético pode ser apontada como uma
demonstração simples de que um conceito/palavra realmente traduz uma imagem,
desenho/conceito já que, na linguagem, o “ponto” ― palavra/conceito ― é
denotação direta, tradução primeira da imagem “.”, ou vice-versa. Uma
palavra/conceito representado, traduzido, por outra figura: um desenho/ imagem.
Sem entrar aqui em semiótica ou semiologia, onde se deve utilizar termos mais
precisos (significado, significante, sentido, emissor, receptor, etc.), mas ficando no
senso comum, que é de onde partem essas observações sintático/semânticas
empíricas, suponho que a própria palavra “ponto”, mesmo sem ser “poeta
concreto”, graficamente, enquanto imagem, representa ou pode traduzir, nela mesma,
alguns conceitos enquanto imagens via design, tipografia, diagramação das
palavras, etc.
Uma evidência empírica desse fato pode ser constatada ao se escrever com
tinta preta a palavra “ponto” no meio de uma folha em branco, pendurá-la na parede e
ir se afastando ― de preferência em direção ao encontro de uma porta aberta ou fazer
isso observando os obstáculos atrás ― até que a “palavra ponto” torne-se,
confusamente, por anamorfose, não mais identificável com a palavra “ponto”
inicial, mas que se observa traduzir, no caminho intermediário, visualmente, por um
borrão. Distanciando-se mais ainda, no limite, esse conceito/palavra “ponto” vai ser
traduzido/visto/entendido/ tomado, coincidentemente, como um “ponto negro”. Pode-
se corroborar esse experimento, digitando a palavra ponto em outra fonte tamanho 24
e reduzir até o tamanho 6 (limite dessa versão de planilha de texto):
Ponto ponto ponto ponto ponto (lembrar, ou imaginar, a partir daqui, as idas ao oculista ) ... .
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E voilà, sem ser poeta concreto (que em algum lugar do mundo já deve ter
feito essa mesmíssima constatação em algum veículo tecnológico de imagens
móveis) ou expert em metalinguagem, verificar que um conceito traduz, em palavras
ou letras, uma imagem e vice-versa, uma segunda vez, já que o desenho
símbolo/ponto “.”, em primeira instância, em um “texto”, representa/denota/ traduz
o sinal/ conceito “ponto final”. O “ponto”, em letras garrafais do início da frase,
pela anamorfose provocada pela diminuição, redução, pode acabar, no final dela,
percebido, visto, traduzido como “ponto final”. Coincidem-se, mais uma vez, duas
mesmas coisas percebidas diferentemente: coincidentia oppositorum; em chinês, .
E fica provado mais uma vez, por anamorfose (lembrar J. Baltrusaitis, também
terceirizado e englobado nesse texto ) que, como se queria demonstrar:
um conceito traduz em palavras uma imagem, sem muitos problemas...
Ainda pensando na tendência do movimento centrípeto do ponto para fora dele
mesmo, notar na reflexão que um simples e insignificante “.” grafado,
estranhamente, no meio de uma linha ― em tese não transmitindo, não traduzindo
apenas um de seus conceitos, já que seria de “bom tom” ignorá-lo na leitura, quando
ele porta ou representa, ou pretende traduzir somente o conceito de sinal sintático
indicando a ideia de “final de frase ou oração” ―, funcionaria, no decorrer da
leitura dessa linha, no sentido de produzir o mesmo estranhamento que uma
inocente “pedra no meio do caminho” poderia provocar: um ligeiro escorregão ou
um leve tropeço metafóricos na passagem do olhar por aquele trecho da linha . O
“ . ” , no caso, é reproduzido mentalmente, na leitura muda, o que desrespeita a regra
sintática básica da formatação da escrita e da leitura, que determina ignorá-lo na
reprodução mental fonética quando grafado em um texto. Mas desse preconceito, de
estofo gramatical sintático, acrescente-se também o preconceito gramatical
ortográfico que “torce o nariz”, desapontado, quando não vê/lê a palavra “ponto”
designada/ escrita em “letras”. Mas o . não se incomoda quando ignorado
foneticamente nas leituras, ou mesmo quando interpretado como um simples e
insignificante “ponto”, minúscula sujeira na página ou na tela. Recorda-se sempre,
coincidentia oppositorum, dos tempos em que ele expressava, em sua extrema e
intensa magnificência ― uns aproximados quinze bilhões de anos atrás, quando se
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deu início a todos os quiproquós, desentendimentos, confusões ―, quando ele
resolveu, em um im pulso extemporâneo (ou “intemporâneo”?), explodir, ou
simplesmente deixar de conter-se, potencialmente, nele mesmo. E apresentaria,
escrito em sua identidade “inomniaomnibusexomniaomnibus”24
: “ponto”,
compreendido simplesmente em “tudo”. Um pitagórico poderia chamá-lo de
“mônada”, ou “Uno”. Um físico moderno, pela camaradagem, de “ponto”, e contar,
como seu “historiador”, que ele “explode” e acelera no vazio...
e se continua, pontuando, com mais um exemplo de que “um conceito traduz palavras
em imagem”...
☗☖
24
Com relação aos símbolos e o todo, de que tudo o que está dentro está fora e de que tudo o que
está fora está dentro: “Ou encore, comme le dit Giordano Bruno, presentant, au seuil même dans de
ses écrits mnémoniques, l'infini tautologie des signes:“ut ex omnibus omnia eliciantur, omnia
omnibus significentur, et in omnibus omnia contemplemur.”
“afin que de toutes choses soient tirées toutes choses, que toutes choses soient signifiées par
toutes choses, et que dans toutes choses nous appréhendions toutes les choses.” Chevrolet, Teresa.
L'idée de fable: théories de la fiction poétique a la renaissance, Genève, Droz, 2007, p.58.
Resumindo poeticamente: “inomniaomnibusexominiaomnibus”.