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REFLEXÕES NO HIPERESPAÇO
Augusto dos Anjos
(Espírito)
Sonetos captados pelo médium GILBERTO
CAMPISTA GUARINO, por processos de
psicografia e clariaudiência, no Instituto
Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas IBPP –
São Paulo/SP, e em reuniões íntimas, no Rio de
Janeiro e São Paulo
São Paulo
1980
2
Para HERNANI GUIMARÃES
ANDRADE, criador da Teoria Corpuscular do
Espírito, que, a meu sentir, evidenciou o
modus interseccional de duas dimensões da
vida,
A amizade, o reconhecimento e o respeito
do autor espiritual e do médium.
3
REFLEXÕES NO HIPERESPAÇO
UMA FUNDAMENTAÇÃO
O pensamento de Heráclito, o Efésio, Parmênides,
Heisenberg e Einstein constitui a principal motivação filosófica
da maior parte dos sonetos que integram esta coletânea. Aliás, é
possível que a palavra “coletânea” nem possa expressar o
significado, a razão de ser das peças poéticas aqui apresentadas,
porquanto são elas, muito mais, um bloco de pensamento
unificando a rapidez do pensamento-raio do autor: Augusto dos
Anjos.
Afirma Heráclito, o obscuro, o perene fluxo de tudo, mas
uma conseqüente harmonização dos contrários no “Logos”.
Outra é a concepção que da realidade enuncia Parmenides, o
qual, referindo-se à ilusão daquilo que se vê, conforme se o vê,
declara que, basicamente, nada muda.
Ambos os notáveis pre-socráticos procuraram transpor para
a linguagem a visão do mundo numênico, que Platão irá
focalizar, tempos depois, na sua Teoria das Idéias. A propósito,
Heráclito e Parmenides são duas das fontes do pensamento de
Platão. As demais, dentre possivelmente outras, são a Esparta de
Licurgo, que se reflete, em cheio, na "República", e Sócrates,
especialmente quando seu principal discípulo desenvolve a sua
Teoria da Imortalidade, no "Fédon".
Para Heráclito, uma certa “realidade” atribuível ao nosso
contorno é dada pela complementação de opostos; para
Parmenides, nossa irrealidade é, com efeito, "irreal," porquanto
ela advem da atribuição de limites ao ilimitadona, ou de restrições
ao irrestrito. O problema é resolvido com um raciocínio de tipo
tradicional e nitidamente parmenidiano: "Dizes que há o vazio;
logo, o vazio é alguma coisa; logo, não é o vazio".
4
Mais de 20 séculos depois, Werner Heisenberg, genial físico
do Século XX, na linha evolutiva da busca do subjacente,
introduziu um modelo matemático para o átomo, baseado em
equações analíticas, e formulou o famoso e geralmente mal
compreendido “princípio da incerteza” (relações de
indeterminação). Em nível subatômico, no estamento das
chamadas “partículas fundamentais”, não vigorariam, ao que tudo
indica, até o presente momento de observação, os princípios a que
a consciência humana estaria macrocosmicamente acostumada,
por força de uma estratificação psicológica milenar.
Outro excepcional pensador e genial Físico, Albert Einstein,
que alterou, também dramaticamente, o tique-taque do Universo
de Newton, contestando o absolutismo dos “entes espaço e
tempo, unindo-os no construto do "continuum espaço tempo a
quatro dimensões", sob o postulado da constância da velocidade
da luz, parece Ter sido perseguido por uma intuição do meta-
transformismo, um modo de ser estático apenas enquanto
referencial da consciência observadora. Segundo Einstein, que
afirmava nada haver, no mundo dos fatos, apto a traduzir o
mundo dos valores, a irritante indeterminação só era
indeterminação por limitação do observador, sem condições para
aferir os parâmetros disso que seria algo à semelhança de um
outro setor da realidade.
Considerando o panorama exposto, temos, com Heisenberg
(e, com efeito, com os grandes formuladores da Física Quântica),
a formulação de um problema das bases do chamado “real
concreto”, com atribuição ontológica de impermanência. Como
Heraclito, postulou: nada é; tudo parece ser, e aquilo que parece
ser está, simplesmente, sendo. O paradoxo foi bem traduzido pela
verve de Bertrand Russell, ao criticar alguns enfoques de Platão,
principalmente ao que diz respeito à “Teoria das Idéias”, nos
seguintes termos: "Se a aparência aparece, temos de concluir que
é alguma coisa. Todavia, eu poderia perguntar: Será que a
aparência realmente aparece? Ou será que a aparência só
5
aparentemente aparece?...” Parmenidianamente...
Einsteinianamente?...
É possível queira isto dizer que, não obstante a dubiedade
fundamenta de nossas percepções (que Platão desvinculava da
noção de conhecimento verdadeiro, ou “episteme”, ligando-as à
de simples opinião, “doxa”), há uma realidade hiper-real, nem
estática, nem dinâmica, senão plenamente consciencial, sugerida
pela sucessão de paradoxos e aporias ocorrentes sempre que o
observador, interagindo cognitivamente com o Universo, pensa
esse Universo. Dela talvez testemunhe o próprio relativismo, que,
possivelemtne, não passará da redução pragmática do Absoluto
intuído a um absoluto condicionado por si mesmo.
Chame-se-o como se preferir... nomes não importam... Isso,
que é, será sempre um vazio sem limites e, ao mesmo tempo, uma
plenitude condicionada.
Esse, o espírito dos Sonetos de Augusto dos Anjos.
* * *
Devo, por fim, um esclarecimento ao leitor, o que me é
imposto pela consciência. Não tenho como provar (e quem o
terá?...) a correção da informação segundo a qual Augusto dos
Anjos ditou os sonetos que integram este opúsculo. Embora eu
mesmo tenha um conhecimento bastante extenso de Poesia,
impõe-se-me deixar claro que não sou poeta, porquanto uma certa
objetividade, que me caracteriza, não me dá o domínio necessário
da polissemia lingüística, tão fundamental à da poesia, Arte
situada muito além da simples conjugação de rimas e métricas e
versos “corretos”, porém extraídos a marreta, com maior ou
menor maestria. Há hipóteses materialistas e reducionistas,
defendidas mesmo por expoentes de religiões formais
institucionalizadas, que pretendem afastar a sobrevivência
individual do Espírito à morte do corpo físico. Elas são, porém,
dogmáticas, extremamente complicadas, e guardam uma “relação
custo-benefício” fortemente reduzida. Não há necessidade delas
6
para uma vida superiormente ética e moral, especialmente no
campo miúdo das conveniências sociais. É claro que todos
aderimos a estas, por imposição da convivência civilizada.
Contudo, tanto quanto as “críticas” literárias superficiais, que,
vindas (algumas) embora de penas ilustres, não pouparam nem
mesmo Chico Xavier, umas e outras não passam de um “caso
limite” de algo, muito superior e maior, que dá sentido à Vida.
Fico com esta. Sem nenhuma dúvida.
Gilberto Campista Guarino
Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1980
7
REFLEXÕES NESTE ESPAÇO
No dia 29 de abril de 1978, achavam-se reunidos na sala de
estar da nossa residência, na Rua Dr. Diogo de Faria, 239, em São
Paulo, as seguintes pessoas: Dr. Gilberto Campista Guarino, Profa
Suzuko Hashizume, Márcia de Godoy Andrade e Cyomara de
Godoy Andrade, respectivamente minha filha e minha esposa, e
eu, Hernani Guimarães Andrade. A conversa era animada e
informal, versando sobre variados assuntos. Em certo momento
passamos a comentar acerca de poetas e poesias psicografadas. O
referido assunto surgiu porque o Dr. Gilberto Guarino é médium
psicógrafo e tem captado poesias de alguns autores já falecidos
fenômeno este que interessa muito à Profa
. Suzuko  diretora de
pesquisas do IBPP  e a mim, também. Lembro-me que, na
ocasião, externei minha especial predileção pelo falecido poeta
paraibano, Augusto dos Anjos.
Eu não entendo absolutamente nada a respeito da arte de
fazer versos. Sou totalmente destituído de qualquer pendor para
compor uma quadrinha que seja. O mesmo acontece comigo em
matéria de música e outras artes. Lamento ter vindo ao mundo,
assim tão carente de qualidades artísticas. Se consigo expressar-
me por escrito, é desta forma como estão vendo e com uma
dificuldade daquelas. Uso mais a borracha do que o lápis.
Mas, paradoxalmente, sou perdido por música e por poesia.
Não só gosto, como, todas as vezes que ouço música e leio
poesia, fico embasbacado, incrivelmente assombrado, sem saber
como é possível à criatura humana criar essas maravilhas de
expressão e comunicação. Então passo a votar aos artistas uma
forma de admiração que chega a ser mística, um culto quase
religioso, quase de adoração. Esta uma das razões por que tenho
tanta admiração pela poesia e pelo poeta Augusto dos Anjos. A
outra razão é o fato de este poeta escolher temas científico-
filosóficos extremamente sérios e profundos, tocando exatamente
8
as áreas de conhecimento pelas quais eu tenho maior preferência.
A elevação dos conceitos e das reflexões, as antecipações
científicas, a solidez de conhecimento demonstrada pelo sábio
artista e filósofo, tudo isso somado à exímia habilidade de
comunicar suas idéias através da beleza sintética de seus incríveis
versos, foi mais do que suficiente para eu colocar Augusto dos
Anjos no altar da minha devoção, no mais alto pedestal da minha
admiração, nos mesmos nichos onde, com unção mística,
coleciono outras figuras sem par do Pantheon que erigi em meu
coração.
Naquela ocasião falei com entusiasmo a respeito do Augusto
dos Anjos e achei, mesmo, que o nome dele foi muito bem
escolhido pelos seus pais. Sim, para mim ele é augusto (no
sentido de: majestoso, magnífico, respeitável, elevado, solene); e
dos anjos (no sentido de seu espírito, a meu ver, pertencer a uma
categoria angélica).
Ao externar este meu ponto de vista, durante aquela aludida
reunião do dia 29 de abril de 1978, notamos que o Dr. Gilberto
Guarino empalideceu ligeiramente e, em seguida pediu-nos
arranjássemos rapidamente lápis e papel, no que foi prontamente
atendido. Logo a seguir, passou a escrever com rapidez e, em
menos de 2 (dois) minutos, psicografou um belo soneto, o qual
faz parte desta coletânea. O soneto foi captado sem o título e sem
a assinatura do autor. Mas, ao lê-lo, logo percebemos que o seu
autor só poderia ser o Augusto dos Anjos, embora pessoalmente
eu relutasse em admitir que um Espírito de tão elevada categoria
se dignasse a dar atenção às minhas tão inexpressivas palavras de
admiração. Mas, como havia na sala outras pessoas mais dignas
do que eu, arrisquei-me a perguntar ao médium se ele identificara
o autor espiritual daquele belíssimo soneto, o qual me parecia do
Augusto dos Anjos. Ele respondeu logo:  "'E o próprio! E ele
disse para Você encontrar um título, a seu gosto, para o soneto".
Aí eu fiquei um tanto encabulado. Lidei até o dia seguinte e não
consegui encontrar um título adequado. Mas o Augusto dos Anjos
salvou-me do apuro; no dia imediato, através do próprio médium,
9
ele mesmo deu o título: "MUTAÇÃO"! Então é que me veio o
"estalo de Vieira". Percebi que o grande Poeta, com seu soneto,
estava me respondendo as três perguntas, que, intimamente,
costumava formular a seu respeito. Ei-las com as respectivas
respostas:
Pergunta 1 - Será que o Augusto dos Anjos, agora
desencarnado, ainda estuda e se preocupa com os grandes
temas que eram objeto de sua sede de saber quando encarnado?
Resposta - Os quatro primeiros versos.
Pergunta 2 - De onde teria vindo esse Espírito tão sábio;
qual a sua origem cósmica?
Resposta - Os versos seguintes, do quinto ao oitavo.
Pergunta 3 - Qual a sua atual posição gnoseológica, após
o desencarne e o possível aprendizado adquirido nas altas
esferas espirituais?
Resposta - Os seis últimos versos.
Eis a história da sua mutação tão habilmente sintetizada nos
catorze versos daquele soneto...
* * *
Depois disso vem outra história. A do médium, ao qual me
referirei mais intimamente, usando só o nome Guarino.
Conhecemo-nos através de outro excelente médium espírita e
extraordinário investigador da reencarnação histórica, Dr. Cesar
Burnier Pessoa de Mello, a quem nós ambos votamos imensa
estima e carinhosa admiração.
O Guarino nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 17 de
junho de 1951. Formou-se em Direito, em 1975, pela ex-
Universidade do Estado da Guanabara, atual UERJ. Em 1979,
obteve o seu grau de Mestre nas Faculdades Integradas Estácio de
Sá, Rio de Janeiro e assumiu o cargo de Juiz de Direito do
10
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, após ser
aprovado em concurso público de provas e títulos.
Apesar do seu interesse cultural pender naturalmente para as
matérias concernentes à sua brilhante carreira profissional, o
Guarino absorveu um conhecimento enorme de outras disciplinas
científicas. Possuidor de uma inteligência invulgar, ledor
voracíssimo, escritor de notável erudição, poeta também, ele se
esparrama como uma gigantesca ameba intelectual, apanhando e
digerindo tudo o que cai sob seus tentáculos mentais. Logo que
fizemos amizade, ele surgiu aqui por São Paulo e passou uns dias
sondando as novidades parapsicológicas existentes no IBPP. Isto
ocorreu em outubro de 1976. Daí por diante fez-nos várias outras
visitas para, segundo ele, colher material e mais novidades.
Nesses poucos contactos, ele absorveu tudo o que
acumulamos em dezenas de anos. Agora, é ele quem nos traz as
novidades e material informativo. Com a rapidez do raio,
informou-se acerca da Física Quântica, da Teoria da Relatividade
de Einstein e das últimas novidades a respeito da
Geometrodinâmica Quântica, das novíssimas colocações
filosóficas da moderna Física, e por aí afora.
Com um instrumento como este, o Augusto dos Anjos deve
estar como ele gostaria de estar... Para o "Poeta do Hiperespaço",
o Guarino deve equivaler ao mais sofisticado órgão nas mãos do
genial Bach, compositor, aliás, cujas peças o médium executa ao
cravo e ao piano, já que é também um excelente musicista.
* * *
Agora as palavras finais, na minha modesta posição de
caçador de fenômenos paranormais espontâneos: penso que o
fenômeno da comunicação com os desencarnados é possível.
Não tenho meios de apresentar uma prova, de aceitação universal,
de que, por exemplo, os versos do Augusto dos Anjos
psicografados tanto pelo Chico Xavier como pelo Gilberto
11
Guarino são realmente ditados pelo Espírito do genial Poeta
paraibano.
Nos dois casos mencionados, observam-se duas situações
diametralmente opostas:
O primeiro médium, Chico Xavier, embora inteligentíssimo,
não possui, nem possuía, bagagem cultural-científica que lhe
permitisse produzir os versos atribuídos ao Espírito Augusto dos
Anjos e constantes do livro, Parnaso de Além Túmulo. Mesmo
que o Chico Xavier fosse um gênio equivalente ao próprio
Augusto dos Anjos, seria dificilmente aceitável a tese do pastiche
ou simples imitação por criptomnésia e elaboração subconsciente.
O segundo, Gilberto Guarino, é o oposto de Chico Xavier.
Afora a provável equivalência dos QI's, o Guarino é um erudito,
possuidor de invejável e sólida cultura. Seria possível para ele
compor quaisquer dos sonetos desta coletânea, desde que se
familiarizasse bem com o estilo do Augusto dos Anjos. Por
exemplo, observe-se a "Fundamentação" escrita como
introdução do livro, pelo próprio médium, e sentir-se-á o pulso do
escritor e do intelectual que a produziu.
Entretanto, devem levar-se em conta todos os fatores que se
conjugaram na feitura dos sonetos desta coletânea e das centenas
de outras poesias dadas a lume pelo Guarino. De início, ele tem
"captado" poesias de dezenas de outros poetas, com seus estilos
típicos. Em uma sessão de pesquisa no IBPP, na presença da
Profa
. Suzuko Hashizume e na minha também, o médium
"captou" três poetas diferentes em seus respectivos estilos:
Amaral Ornellas, Bernardo Guimarães, e du Boccage. Não sou
entendido em questões literárias, mas a Profa
. Suzuko é bacharel
em Letras e, melhor do que eu, pôde identificar os respectivos
estilos dos poetas. Mas a questão não para aí. A maneira como
tais poesias foram registradas é importante também. Estávamos
entrevistando o Guarino e tínhamos o gravador preparado para
registrar a entrevista. Durante a nossa conversa quase informal
que ia sendo gravada, Guarino, vez por outra, dava o aviso:
"Estou ouvindo uma poesia que me está sendo ditada, lá vai ela!"
12
E daí ia reproduzindo verbalmente o que estava ouvindo.
Normalmente, cada soneto exigia apenas de quarenta a cinqüenta
segundos para ser assim registrado em fita magnética. Às vezes,
ele não ouvia bem o que lhe era assoprado nos ouvidos-psi e
pedia para o "Espírito" repetir. Um dos sonetos do Augusto dos
Anjos custou-lhe várias reiterações, devido à raridade dos
vocábulos empregados pelo "Poeta do Hiperespaço", cuja
erudição é assaz conhecida. Um dos sonetos que mais lhe deu
trabalho e deve ter desesperado o Augusto dos Anjos foi o
"Homem-Técnica", o qual figura também nesta coletânea. Este
soneto foi gravado, em outra ocasião, em nossa presença. O
médium estranhou alguns termos e colocações, tendo obrigado o
Espírito a repeti-los inúmeras vezes.
* * *
Sou apenas um obscuro colecionador de fatos, e as
eventuais referências lisonjeiras que amigos complacentes me
fazem não devem de forma alguma ser levadas a meu crédito
como cientista ou outras classificações com que sou mimoseado.
Por isso opino como simples observador curioso, e nada além
disso. Sem dúvida estou mais sujeito a erros do que as outras
pessoas, na presente questão, pois não sei se estou raciocinando
friamente ou se estou sendo levado pela emoção, traído pelo
desejo de "manter vivo" o ídolo que admiro tanto. Mas, como é
meu costume, procurei relatar fielmente os fatos, sem omitir os
detalhes a favor e contra a tese eleita.
Depois deste esclarecimento prévio, posso opinar
tranqüilamente: "Penso que há evidências de que o Guarino
captou mediunicamente os sonetos do Espírito do falecido
Augusto dos Anjos.
São Paulo, 24 de fevereiro de 1980
Hernani Guimarães Andrade
13
MUTAÇÃO
Inda sonho com fótons e brancuras
Pulsações estelares e moneras,
Ouvindo a melodia das esferas
Na acústica das células impuras...
Anjo negro, proscrito das alturas,
Prisioneiro inconstante das quimeras,
Precipito-me ao magma das crateras,
Calcinando-me em túrbidas agruras.
Às origens telúricas do medo
Tento arrancar o histórico segredo
Desta esfinge que sou, meta sem-fim...
Até que, num singulto, atro e profundo,
Rebento as cordilheiras do meu mundo
E concebo Jesus dentro de mim!
(28 de abril de 1978, residência de Hernani Guimarães Andrade, na
Rua Dr. Diogo de Faria, 239, Vila Clementino, São Paulo, Capital.)
14
VIR-A-SER
Vago e sinistro, ao longo dos caminhos,
O homem, rente ao fastígio do momento,
Traz no brado o fragor do próprio vento
E nas carnes, um cárcere de espinhos.
Abutre dos abutres comezinhos,
De Baal, de Moloc, de Tarento,
Regurgita a acidez do velho intento,
Devorado em solertes torvelinhos.
É o Saturno insolente que se arrasta,
Prisioneiro dos ódios e das castas,
Num ossuário de lendas e refrões...
Clama, não cesses mais!... Clama de rastros,
Descortinando além da luz dos astros
O teu futuro de superações!...
15
A MORTE
Ei-la... Depois de tantos pesadelos,
Ei-la chegando, enfim... Ei-la que nasce,
Refletindo na máscara da face
A falácia de todos os modelos.
Devera estar de negro. Mas, passasse
A meu lado, na rua dos meus zelos,
E eu diria, ao sabor dos seus desvelos,
Ser um anjo que a tudo transformasse.
“-Sou a morte”, afirmou. E, num lampejo,
O vulto em sereníssimo desejo
Abriu dois ternos braços ao meu mundo.
E, vencida a inconsciência transitória,
A morte, no apogeu da própria glória,
Mostrou-me a vida no porvir fecundo!...
16
"CONTINUUM"
O cérebro morreu... Fundiu-se em lama
O circuito das células nervosas,
Que levou sensações imaginosas
Ao corpo hirto estendido sobre a cama.
De onde viriam?... A Química proclama
Que, após saturações maravilhosas,
Formam-se as covalências poderosas
De gênios e imbecis... de ócio e de fama.
E, de espasmo em espasmo, a alma, perplexa,
Chora, ante a impermanência, genuflexa,
A sua impermanência epigenial,
Para chegar um dia até a verdade
Que a ciência da periodicidade
Traduziu como a química da Vida!...
17
PARADOXO
O homem sente o fragor dos elementos
Do arquiteto-motor dos universos,
Da luz transcendental dos sóis dispersos
Ao vórtice dos altos pensamentos.
Síntese de insubmissos sentimentos,
Criado no esplendor de mundos tersos,
Ei-lo, esfinge dos evos submersos
Na seleção do carma e dos intentos.
Depois, anjo corroído, espúrio e gasto,
Desceu  lusbel hediondo  ao chão nefasto,
Dos pesadelos que tornou mais seus...
E foi assim dos tempos na subida
Que aquele que viu Deus na própria vida
Gerou a voz dos deuses-prometeus!
18
EVOLUÇÃO
Ser ou não ser ... aqui reside o drama
Das últimas questões evolutivas,
Resumo das essências primitivas,
Na dor de quem odeia e de quem ama.
É a dúvida insolente que proclama
A rigidez nas formas progressivas,
Entre idéias niilísticas e altivas,
Prisioneiras finais da própria trama.
Mas quem disseca o mundo portentoso
Do instinto ferocíssimo e danoso,
Nas pancadas terríficas da sorte,
Descobre-se perene entre os contrários,
A superar os erros milenários,
Nos movimentos críticos da morte...
19
CONQUISTA
Perdido no abscôndito das eras,
Num turbilhão de angústias e incertezas,
Gerado em misteriosas naturezas,
Busquei a luz das grandes primaveras.
Independentemente das quimeras,
E exausto de conter lágrimas presas,
Misérias ri... Misérias e grandezas,
No choro das estrelas e moneras.
Mas, um dia, gritei: “-Eu sou o Todo!...
E veio-me um sabor de terra e lodo,
Tão forte, que pensei jamais ter fim...
E naquele momento supra-humano,
Eu era escravo e era também tirano
Da essência de Poder que vive em mim!...
20
ONICONSCIÊNCIA
A mão de Deus trabalha sobre o mundo...
Uivos plangentes sangram de molossos,
Vindos do luxo original de Cnossos,
No mesmíssimo estrépito infecundo.
É toda uma harmonia de destroços,
Titãs vorazes no paul imundo,
Que encerra o dinamismo mais profundo
No bailado das cinzas e dos ossos.
Átomo de esperança e fatalismo,
Não pode o homem deter o cataclismo
Que abala os subterrâneos marginais...
Nada o contém, senão a mão daquele
Que, se não fora simplesmente Ele, (*)
Teria de ser tudo, e nada mais!...
(*) Leia-se este verso assim: "Que/, se/ não/ fo/ra sim/ples/men/te/
e..."// (com o hiato assinalado entre a 9a
e 10a
sílabas).
21
CONFRONTO
Ronda no espaço a multidão de párias,
Em cortejo onde há morte e desventura,
Trasgos brutais, transidos de amargura,
Gemendo hipocrisias libertárias...
Ei-los, varando as eras milenárias,
Vindos da lama sepulcral e impura,
Escudeiros da sanha da loucura,
Que o Mal consagra, em leis imaginárias...
Ei-los... o horror transmuda-lhes o rosto...
Mas há, no fundo, um colossal desgosto
Que a luz do Bem imprime em céu profundo...
E, enquanto bramem estas almas mortas,
A Vida e o Amor arrombam novas portas,
No paredão que a sombra ergueu no mundo!...
Obs. Soneto captado, na sede do IBPP, em São Paulo, SP, na tarde de 18/02/1988). Presentes:
Hernani Guimarães Andrade, presidente do IBPP, Dra Ercília Pereira Zilli, psicóloga, e Tenente
Cel. Joel F. Souza, da Força Aérea Brasileira, estes dois últimos introduzidos a Hernani pelo
médium.
22
MEDITAÇÃO
Homem, senhor de vales e colinas,
Tua obra?... Contempla-a!... É o caos moderno,
Gerado entre os vapores do Falerno
E o deleite das carnes fesceninas.
Teu império de sombras e verminas,
Desarvoradamente paraeterno,
Transforma a combustão do próprio Inferno
Em alucinações de anfetaminas...
Glória ao rei do Cinismo e da Luxúria,
Discípulo da idéia aziaga e espúria,
Fantasma errante de brutal tirano!...
Glória!... Hosanas!... Meu tristemente amigo...
Quiseste ser um deus para contigo,
E não pudeste ser nem mesmo humano!...
23
ANGÚSTIA
Quase noite... Um presságio me apavora...
Que procissão de espectros será esta
Brotando do vazio, tão depressa,
Que se perde na bruma sem demora?...
De onde virá?... Meu coração deplora
Essa angústia cruel, dura e inconfessa,
Que, súbito, se extingue onde começa
A renúncia à ilusão que nega e chora.
É tudo um sonho morno... E, enquanto passa,
Passa também essa infernal desgraça
Que é pretender falar, embora mudo...
Grande contradição!... Feroz é a estrada
De quem não é senhor de quase nada,
Mas é dono de quase... quase tudo...
24
CONHECIMENTO
Há um mistério guardado na intangível
Intimidade da matéria morta...
Sinto-o pulsando. É um sopro que transporta
O mesmíssimo impulso incognoscível.
Que avantesma voraz, Cérbero incrível,
Meu cérebro entre espasmos quase aborta?...
(Deve ser a maldita linha torta
Dos raciocínios próprios do meu nível...)
“-Exijo a luz!...”, proclamo. “-É o meu direito!...”
E a Luz brada de dentro do meu peito:
“-Ó, verme do saber, cala o teu grito!...
“Abre os olhos ao mal que ainda consome
Teu coração esquálido e sem nome,
E poderás galgar o Infinito!...”
25
"ALTER EGO"
Faz-me a Dor entrever a majestade
Do fechamento obscuro do Universo,
Curvatura abissal de um sonho imerso
Num trêfego vislumbre da Verdade...
A vida traz-me a singularidade
De mostrar, na aparência, um Deus disperso,
Permanecendo eterno e incontroverso
Quando os opostos morrem da unidade...
Entre os computadores e os quasares,
Num frêmito de escórias milenares,
Rasgo-me o peito à Luz que não tem fim...
E, inundado de fótons e de raios,
Ao turbilhão de vozes e desmaios,
Silencio ante o Deus que vive em mim!...
26
"IGNORABIMUS?..."
Sempre o "x" do problema... o desafio
De uma equação irracional e enorme
Que tento resolver, de olhar disforme,
Entre as tenazes do mistério esguio.
Incógnita mortal!.. Fere-me o brio
O jogo da verdade que em mim dorme,
Recusando-me a essência multiforme
Num surrealismo aterrador e frio...
Na Matemática profunda e imensa
Sinto a grandeza que me esteia a crença,
Embora esta ciclópica avantesma...
E, entre constantes e fatores, vou
À procura do número que sou
Perante a essência de minh'alma mesma!
27
HOMEM-LARVA
Das atrabiliaríssimas esferas,
Onde vibram os instintos mais danosos,
O homem-larva, qual fera dentre as feras,
Multiplica os enganos portentosos.
Peregrino estelar de antigas eras,
Centelha dos princípios milagrosos,
Originou as algas e as moneras,
No começo dos tempos dolorosos.
Depois, na vaga hostil da guerra insana,
Ei-lo, a gemer a condição humana,
E quisera poder voltar atrás...
Mas tudo ocorreria novamente...
O anjo de luz, inconseqüentemente,
Faria aquilo mesmo que hoje faz...
28
HOMEM-TÉCNICA
A milhares de graus ferve o Hidrogênio,
Liberando a energia protegida
No ventre profundíssimo da Vida
Que resume as conquistas de um milênio.
Caim, varando umbrais, ganha o proscênio
Da cósmica reação inatingida,
Quadruplicando a estrela concebida
Na luz que faz viver o próprio gênio.
É a força nobre e imensa no deutério
Que envolve o trítio... é a força do mistério
De um nêutron que se atira para além...
Mas é, maldito, o jugo atrabiliário
Do Procusto insolente e sanguinário
Que ainda não conhece a luz do Bem...
29
LIBERTAÇÃO
Vaga no labirinto da amargura,
Entre os vibriões famélicos da morte,
Caim, proscrito, em rápido transporte,
Sombra celeste aos rés da sepultura.
Menestrel da miséria e de Mavorte,
Harmatan quase exangue, em trilha escura,
Fere, brutal, na dor que o transfigura,
A escala marginal da própria sorte.
Prometeu algemado à rocha inerte,
Rói-lhe as entranhas mórbidas, solerte,
A teratologia dos sentidos...
Até que, à voz suprema da harmonia,
Passa do véu da sombra à luz do dia
De asas libertas e grilhões partidos!
30
SONETO
Sorve a taça de fel e de absinto.
Sorve-a... Sorve-a!... Talvez sofras um pouco;
Mas é preciso morra o grito rouco
À garganta estentórica do instinto...
Quê buscas, Prometeu de ouvido mouco,
Em meio às sombras do teu labirinto?...
A origem prosaíssima do helminto
Ou o anjo que hás de ser, depois de louco?...
Édipo... Atenta à esfinge que te espreita...
Teu sonho de poder sempre deleita,
Mas a verdade é mais que um devaneio...
Debalde clamarás pela justiça
Da tua natureza insubmissa,
Se não quiseres ser teu próprio esteio.
31
MOMENTO-SÍNTESE (I)  ¡ ¢ £ ¤ ¥ ¦ ¥ § ¨ © §  ¦ ¤  £  ¡ ¥  ¤ ¦  £ 
Batimentos telúricos da vida...
Ouço-os... a terra freme de impaciência
Forças divinas pulsam na imanência
Da forma desolada e bipartida.
Estranha sensação irreprimida
Varre-me a solidez da consciência,
Hei-la... é a libertação da augusta essência
Que me abre as carnes numa só ferida...
Tudo o mais se apagou... resta-me ainda
Tatear a imensidão da estrada infinda
Da minha solidão terminal...
E, só, inteiramente abandonado,
Correr para o futuro, lado a lado
Da tua solidão intemporal!
32
MOMENTO-SÍNTESE (II) (*)
Ninguém te ouviu, Caim, o brado insano,
Devorado no fundo dos abismos
Onde choras os mortos eufemismos,
Nos teus vagidos de ente sub-humano...
Ninguém te viu a languidez do arcano,
A contumácia audaz de horrendos trismos,
Ninguém... ninguém colheu os paroxismos
Da crise do teu ego soberano.
Rói-te o pranto, em caótico marulho?
Quem suplica da mística do orgulho
A renúncia ao clamor desesperado?...
É, simplesmente, a Vida que te chama
Do degredo no pântano e na lama
Para os cumes do amor santificado!
(*) Este soneto não tem nenhuma conexão com o primeiro.
33
MOMENTO-SÍNTESE (II)
(Versão definitiva, com explicação no Apêndice)
(Ao estilo de Cruz e Sousa) (*)
Ninguém sentiu, Caim, o espasmo insano,
Devorado na essência dos abismos
Onde choras os mortos eufemismos
Dos teus vagidos de anjo sub-humano...
Enlanguesceste às amplidões do arcano
Na contumácia audaz de horrendos trismos...
E ninguém abrandou os paroxismos
Da crise do teu ego soberano.
Na sordidez de mórbidos penares,
Proscrito às sensações crepusculares,
O horror te enlouqueceu, verme transfundo...
Mas, um dia, no caos dos teus minutos,
Ribombarão clangores absolutos
E emergirão, feliz, de um novo mundo!...
(*) Ver Apêndice, no final do volume.
34
E S P
Entre os singularíssimos sentidos
Que a Natureza oculta ao corpo denso,
Sinto pulsar o coração imenso
Dos universos incontrovertidos.
Surgem clarões de tempos já vividos,
Na padronização de obscuro senso,
Para integrar todo um porvir intenso
No presente dos dias incontidos.
Além da própria Luz, descubro a essência
Das manifestações da Consciência,
Onde me busco, a mim... e, além de mim,
Encontro a origem mesma da Verdade,
Na aterradora sincronicidade
Da criptogênese do Amor sem-fim!...
35
SONETO
(Aos hedonistas do Século XX)
Mais frágil do que fina porcelana,
Exposta à tirania dos sentidos,
Passa, ao longo dos séculos transidos,
A amargurada sombra da alma humana.
Mais triste que uma antiga soberana,
Vivendo entre os proscritos e os vencidos,
Hei-la, fantasma errante dos perdidos,
Qual desalentadíssima Morgana...
Tento detê-la... Em vão... Sigo-lhe o vulto,
Mas do abismo infinito de um singulto
Ouço-a dizer:  Liberta-me do nada!...
E eu, tragado num vórtice medonho,
Desperto do hedonismo do meu sonho
Ante minh'alma aflita e abandonada...
IBPP, 07/02/1983
36
PANTHA REI
O Universo é pulsátil descendência,
Na intimidade estrênua da energia,
Da vígil ressonância em que se amplia
O infinito dilema da existência.
É o microcosmo em bárbara dormência,
Enfeixado no pó que se irradia
Das nebulosas em desarmonia
Ao átomo primevo da aparência.
É a dor de uma galáxia em plena fuga,
O mistério brutal, que envolve e suga
A própria luz, em críptica extinção...
É o labirinto das antimatérias,
Que encadeiam nas cósmicas artérias
Milhões de vidas em renovação!
37
ESSÊNCIA
Filhos da Luz, na sucessão das eras,
Eis-nos, Cains infames e vencidos,
Arrastando os engodos traduzidos
Na herança milenária de homens-feras.
Vindos de imensa altura até às quimeras
Dos sentimentos cáusticos bramidos,
Vemo-nos, finalmente, entre os descidos
À argila monocórdia das moneras.
Hoje, nos labirintos da Imanência,
Somos sonhos de sonho e de consciência,
Despertando de um sono incontroverso...
E somos, lá no fundo, a idéia incrível
Da Luz que nos fez luz incorruptível,
Brilhando eternamente no Universo!...
38
O LIVRO DO FUTURO
(Homenagem à idéia)
Começou na madeira da floresta.
Depois, sob engrenagens torturantes,
Fundiu-se entre sulfúricos amantes,
Até ser folha ao sopro de uma testa.
Prole da inteligência policresta,
Herdeiro de ilações tonitruantes,
Colheu sob o disfarce dos semblantes
A intensão que pulsava, imanifesta.
Mas, quando, um dia, exausto de ocultá-la,
Viu crescerem os tentáculos da fala
Na boca dos Saturnos da maldade,
Disse o livro, na luta que descerra:
“-Quem me quiser aberto sobre a Terra
Seja primeiro um verso de bondade.”
39
NÓS
(Consagração do Espírito)
Espírito... Em consciência transbordante,
Sereníssima, eterna, soberana,
Ouço-Te a Inteligência sobre-humana,
Despertando-me a força de gigante.
Espírito... Ó, Divino Itinerante,
Se hoje pisas a estrada obscura e insana,
Eu te reclamo ao pó da dor tirana
Revelares teu mágico semblante.
Espírito!... Ilação de um mar de luzes,
Quintessência dos berços e das cruzes,
Virtualidade imersa no Eu fecundo...
Espírito de Deus, onipresente,
Vem celebrar, definitivamente,
A idéia sacratíssima do Mundo!...
Augusto dos Anjos
40
APÊNDICE
(Sobre o soneto Momento-Síntese (II))
Este soneto tem uma história interessante.
Foi ditado no Instituto Brasileiro de Pesquisas
Psicobiofísicas  IBPP, em São Paulo, em poucos
segundos, na presença do Eng. Hernani Guimarães
Andrade e da Profa
. Suzuko Hashizume, respectivamente
Diretor-presidente e Diretora de pesquisas dessa
conceituada e internacionalmente conhecida Instituição.
Sua forma primitiva é esta:
Ninguém ouviu, Caim, o brado insano,
Devorado no fundo dos abismos.
Onde choras os mortos eufemismos
Dos teus vagidos de ente sub-humano.
Ninguém te viu a languidez do arcano,
A contumácia audaz de horrendos trismos,
Ninguém, ninguém colhe os paroxismos
Da crise do teu ego soberano...
Rói-te o pranto em caótico marulho?...
Ninguém te pede à mística do orgulho
A renúncia ao clamor desesperado...
Mas, simplesmente, a Vida te reclama
Do degredo no pântano e na lama
Para os cumes do Amor santificado!...
Deste modo passou a integrar o Reflexões no
Hiperespaço. Confesso que não entendi a quem os
versos eram dirigidos, já que, neste tipo de soneto,
41
Augusto costumava direcionar as idéias a uma finalidade
pessoal. Poderia, outrossim, significar um estímulo, um
sentido apelo ao homem, em geral, para que, convencido
do peso e do realismo dos erros cometidos, retomasse os
seus mais nobres impulsos de construção e organização,
trabalhando lado a lado com a Vida. Ainda, era possível
fosse uma alusão a problemas enfrentados por alguém, em
dado momento. Isso, porém, para que fizesse pleno e total
e absoluto sentido, deveria contar com a presença do
destinatário, o que aparentemente não ocorria.
Permaneceu o impasse.
Um dia, porém, Augusto apareceu, afirmando que
estava esclarecendo o enigma do Momento-Síntese
(II)”. Tratava-se, ao que disse, de uma homenagem a Cruz
e Sousa. Para que tudo se clareasse, iria introduzir
pequenas modificações. As confirmações viriam depois.
Ficou o soneto com a forma que, ora, integra o livro.
Na manhã seguinte, não sei por que, fui levado a
retirar de uma alta prateleira de estante em minha
residência um dos volumes da obra Panorama do
Movimento Simbolista Brasileiro, de Andrade Murici,
que  de havia muito esgotada  um caro amigo, João
Antero de Carvalho, jurista internacionalmente conhecido
e coração boníssimo, conseguira, sob a minha insistência,
junto ao Ministério de Educação e Cultura. Experimentei,
ao pegar o livro, uma impressão de afastamento, de
distanciamento do corpo físico (descoincidência vígil?...),
chegando a pensar que estaria na iminência de um
desdobramento (projeção da Consciência).
Maquinalmente, como se minhas mãos estivessem sob
42
controle de força externa, abri o livro, de uma só vez, e dei
com isto:
“VIDA OBSCURA
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto de prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.
Atravessaste no silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes,
Tornando-te mais simples e mais puro.
Ninguém te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.
Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os passos
E o teu suspiro como foi profundo!
Se a semelhança com a forma original já era
impressionante, a segunda versão foi, para mim, incrível.
Confesso que, ainda sob impacto, e sob o influxo, àquele
momento, de presenças espirituais, minha reação demorou
uma fração de segundo para ganhar as expressões de
compreensão. À maneira do que acontece quando, na rua,
quase somos atropelados. A primeira reação é o salto, o
reflexo incondicionado, para escapar ao veículo; a seguir,
vêm os suores gélidos, a tremedeira, o estupor. Em
resumo, foi o que aconteceu.
43
Percebi, então, leve sorriso na face de duas entidades
espirituais, e vi-as: Augusto dos Anjos e Cruz e Sousa. O
soneto era, ao mesmo tempo, uma homenagem ao poeta de
Broquéis e uma ampliação de uma sua dedicatória
pessoal.
Só me resta dar o seguinte testemunho: não aprecio
tanto a poesia de Cruz e Sousa, considerando o pouco que
li do que ele escreveu., Não me recordo de haver lido o
Vida Obscura. Deixo, assim, ao leitor concluir pela
cópia propositada, com a invenção de tudo o que narrei, ou
pela realidade dos fatos, como se passaram.
Gilberto Campista Guarino

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  • 1. REFLEXÕES NO HIPERESPAÇO Augusto dos Anjos (Espírito) Sonetos captados pelo médium GILBERTO CAMPISTA GUARINO, por processos de psicografia e clariaudiência, no Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas IBPP – São Paulo/SP, e em reuniões íntimas, no Rio de Janeiro e São Paulo São Paulo 1980
  • 2. 2 Para HERNANI GUIMARÃES ANDRADE, criador da Teoria Corpuscular do Espírito, que, a meu sentir, evidenciou o modus interseccional de duas dimensões da vida, A amizade, o reconhecimento e o respeito do autor espiritual e do médium.
  • 3. 3 REFLEXÕES NO HIPERESPAÇO UMA FUNDAMENTAÇÃO O pensamento de Heráclito, o Efésio, Parmênides, Heisenberg e Einstein constitui a principal motivação filosófica da maior parte dos sonetos que integram esta coletânea. Aliás, é possível que a palavra “coletânea” nem possa expressar o significado, a razão de ser das peças poéticas aqui apresentadas, porquanto são elas, muito mais, um bloco de pensamento unificando a rapidez do pensamento-raio do autor: Augusto dos Anjos. Afirma Heráclito, o obscuro, o perene fluxo de tudo, mas uma conseqüente harmonização dos contrários no “Logos”. Outra é a concepção que da realidade enuncia Parmenides, o qual, referindo-se à ilusão daquilo que se vê, conforme se o vê, declara que, basicamente, nada muda. Ambos os notáveis pre-socráticos procuraram transpor para a linguagem a visão do mundo numênico, que Platão irá focalizar, tempos depois, na sua Teoria das Idéias. A propósito, Heráclito e Parmenides são duas das fontes do pensamento de Platão. As demais, dentre possivelmente outras, são a Esparta de Licurgo, que se reflete, em cheio, na "República", e Sócrates, especialmente quando seu principal discípulo desenvolve a sua Teoria da Imortalidade, no "Fédon". Para Heráclito, uma certa “realidade” atribuível ao nosso contorno é dada pela complementação de opostos; para Parmenides, nossa irrealidade é, com efeito, "irreal," porquanto ela advem da atribuição de limites ao ilimitadona, ou de restrições ao irrestrito. O problema é resolvido com um raciocínio de tipo tradicional e nitidamente parmenidiano: "Dizes que há o vazio; logo, o vazio é alguma coisa; logo, não é o vazio".
  • 4. 4 Mais de 20 séculos depois, Werner Heisenberg, genial físico do Século XX, na linha evolutiva da busca do subjacente, introduziu um modelo matemático para o átomo, baseado em equações analíticas, e formulou o famoso e geralmente mal compreendido “princípio da incerteza” (relações de indeterminação). Em nível subatômico, no estamento das chamadas “partículas fundamentais”, não vigorariam, ao que tudo indica, até o presente momento de observação, os princípios a que a consciência humana estaria macrocosmicamente acostumada, por força de uma estratificação psicológica milenar. Outro excepcional pensador e genial Físico, Albert Einstein, que alterou, também dramaticamente, o tique-taque do Universo de Newton, contestando o absolutismo dos “entes espaço e tempo, unindo-os no construto do "continuum espaço tempo a quatro dimensões", sob o postulado da constância da velocidade da luz, parece Ter sido perseguido por uma intuição do meta- transformismo, um modo de ser estático apenas enquanto referencial da consciência observadora. Segundo Einstein, que afirmava nada haver, no mundo dos fatos, apto a traduzir o mundo dos valores, a irritante indeterminação só era indeterminação por limitação do observador, sem condições para aferir os parâmetros disso que seria algo à semelhança de um outro setor da realidade. Considerando o panorama exposto, temos, com Heisenberg (e, com efeito, com os grandes formuladores da Física Quântica), a formulação de um problema das bases do chamado “real concreto”, com atribuição ontológica de impermanência. Como Heraclito, postulou: nada é; tudo parece ser, e aquilo que parece ser está, simplesmente, sendo. O paradoxo foi bem traduzido pela verve de Bertrand Russell, ao criticar alguns enfoques de Platão, principalmente ao que diz respeito à “Teoria das Idéias”, nos seguintes termos: "Se a aparência aparece, temos de concluir que é alguma coisa. Todavia, eu poderia perguntar: Será que a aparência realmente aparece? Ou será que a aparência só
  • 5. 5 aparentemente aparece?...” Parmenidianamente... Einsteinianamente?... É possível queira isto dizer que, não obstante a dubiedade fundamenta de nossas percepções (que Platão desvinculava da noção de conhecimento verdadeiro, ou “episteme”, ligando-as à de simples opinião, “doxa”), há uma realidade hiper-real, nem estática, nem dinâmica, senão plenamente consciencial, sugerida pela sucessão de paradoxos e aporias ocorrentes sempre que o observador, interagindo cognitivamente com o Universo, pensa esse Universo. Dela talvez testemunhe o próprio relativismo, que, possivelemtne, não passará da redução pragmática do Absoluto intuído a um absoluto condicionado por si mesmo. Chame-se-o como se preferir... nomes não importam... Isso, que é, será sempre um vazio sem limites e, ao mesmo tempo, uma plenitude condicionada. Esse, o espírito dos Sonetos de Augusto dos Anjos. * * * Devo, por fim, um esclarecimento ao leitor, o que me é imposto pela consciência. Não tenho como provar (e quem o terá?...) a correção da informação segundo a qual Augusto dos Anjos ditou os sonetos que integram este opúsculo. Embora eu mesmo tenha um conhecimento bastante extenso de Poesia, impõe-se-me deixar claro que não sou poeta, porquanto uma certa objetividade, que me caracteriza, não me dá o domínio necessário da polissemia lingüística, tão fundamental à da poesia, Arte situada muito além da simples conjugação de rimas e métricas e versos “corretos”, porém extraídos a marreta, com maior ou menor maestria. Há hipóteses materialistas e reducionistas, defendidas mesmo por expoentes de religiões formais institucionalizadas, que pretendem afastar a sobrevivência individual do Espírito à morte do corpo físico. Elas são, porém, dogmáticas, extremamente complicadas, e guardam uma “relação custo-benefício” fortemente reduzida. Não há necessidade delas
  • 6. 6 para uma vida superiormente ética e moral, especialmente no campo miúdo das conveniências sociais. É claro que todos aderimos a estas, por imposição da convivência civilizada. Contudo, tanto quanto as “críticas” literárias superficiais, que, vindas (algumas) embora de penas ilustres, não pouparam nem mesmo Chico Xavier, umas e outras não passam de um “caso limite” de algo, muito superior e maior, que dá sentido à Vida. Fico com esta. Sem nenhuma dúvida. Gilberto Campista Guarino Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1980
  • 7. 7 REFLEXÕES NESTE ESPAÇO No dia 29 de abril de 1978, achavam-se reunidos na sala de estar da nossa residência, na Rua Dr. Diogo de Faria, 239, em São Paulo, as seguintes pessoas: Dr. Gilberto Campista Guarino, Profa Suzuko Hashizume, Márcia de Godoy Andrade e Cyomara de Godoy Andrade, respectivamente minha filha e minha esposa, e eu, Hernani Guimarães Andrade. A conversa era animada e informal, versando sobre variados assuntos. Em certo momento passamos a comentar acerca de poetas e poesias psicografadas. O referido assunto surgiu porque o Dr. Gilberto Guarino é médium psicógrafo e tem captado poesias de alguns autores já falecidos fenômeno este que interessa muito à Profa . Suzuko  diretora de pesquisas do IBPP  e a mim, também. Lembro-me que, na ocasião, externei minha especial predileção pelo falecido poeta paraibano, Augusto dos Anjos. Eu não entendo absolutamente nada a respeito da arte de fazer versos. Sou totalmente destituído de qualquer pendor para compor uma quadrinha que seja. O mesmo acontece comigo em matéria de música e outras artes. Lamento ter vindo ao mundo, assim tão carente de qualidades artísticas. Se consigo expressar- me por escrito, é desta forma como estão vendo e com uma dificuldade daquelas. Uso mais a borracha do que o lápis. Mas, paradoxalmente, sou perdido por música e por poesia. Não só gosto, como, todas as vezes que ouço música e leio poesia, fico embasbacado, incrivelmente assombrado, sem saber como é possível à criatura humana criar essas maravilhas de expressão e comunicação. Então passo a votar aos artistas uma forma de admiração que chega a ser mística, um culto quase religioso, quase de adoração. Esta uma das razões por que tenho tanta admiração pela poesia e pelo poeta Augusto dos Anjos. A outra razão é o fato de este poeta escolher temas científico- filosóficos extremamente sérios e profundos, tocando exatamente
  • 8. 8 as áreas de conhecimento pelas quais eu tenho maior preferência. A elevação dos conceitos e das reflexões, as antecipações científicas, a solidez de conhecimento demonstrada pelo sábio artista e filósofo, tudo isso somado à exímia habilidade de comunicar suas idéias através da beleza sintética de seus incríveis versos, foi mais do que suficiente para eu colocar Augusto dos Anjos no altar da minha devoção, no mais alto pedestal da minha admiração, nos mesmos nichos onde, com unção mística, coleciono outras figuras sem par do Pantheon que erigi em meu coração. Naquela ocasião falei com entusiasmo a respeito do Augusto dos Anjos e achei, mesmo, que o nome dele foi muito bem escolhido pelos seus pais. Sim, para mim ele é augusto (no sentido de: majestoso, magnífico, respeitável, elevado, solene); e dos anjos (no sentido de seu espírito, a meu ver, pertencer a uma categoria angélica). Ao externar este meu ponto de vista, durante aquela aludida reunião do dia 29 de abril de 1978, notamos que o Dr. Gilberto Guarino empalideceu ligeiramente e, em seguida pediu-nos arranjássemos rapidamente lápis e papel, no que foi prontamente atendido. Logo a seguir, passou a escrever com rapidez e, em menos de 2 (dois) minutos, psicografou um belo soneto, o qual faz parte desta coletânea. O soneto foi captado sem o título e sem a assinatura do autor. Mas, ao lê-lo, logo percebemos que o seu autor só poderia ser o Augusto dos Anjos, embora pessoalmente eu relutasse em admitir que um Espírito de tão elevada categoria se dignasse a dar atenção às minhas tão inexpressivas palavras de admiração. Mas, como havia na sala outras pessoas mais dignas do que eu, arrisquei-me a perguntar ao médium se ele identificara o autor espiritual daquele belíssimo soneto, o qual me parecia do Augusto dos Anjos. Ele respondeu logo:  "'E o próprio! E ele disse para Você encontrar um título, a seu gosto, para o soneto". Aí eu fiquei um tanto encabulado. Lidei até o dia seguinte e não consegui encontrar um título adequado. Mas o Augusto dos Anjos salvou-me do apuro; no dia imediato, através do próprio médium,
  • 9. 9 ele mesmo deu o título: "MUTAÇÃO"! Então é que me veio o "estalo de Vieira". Percebi que o grande Poeta, com seu soneto, estava me respondendo as três perguntas, que, intimamente, costumava formular a seu respeito. Ei-las com as respectivas respostas: Pergunta 1 - Será que o Augusto dos Anjos, agora desencarnado, ainda estuda e se preocupa com os grandes temas que eram objeto de sua sede de saber quando encarnado? Resposta - Os quatro primeiros versos. Pergunta 2 - De onde teria vindo esse Espírito tão sábio; qual a sua origem cósmica? Resposta - Os versos seguintes, do quinto ao oitavo. Pergunta 3 - Qual a sua atual posição gnoseológica, após o desencarne e o possível aprendizado adquirido nas altas esferas espirituais? Resposta - Os seis últimos versos. Eis a história da sua mutação tão habilmente sintetizada nos catorze versos daquele soneto... * * * Depois disso vem outra história. A do médium, ao qual me referirei mais intimamente, usando só o nome Guarino. Conhecemo-nos através de outro excelente médium espírita e extraordinário investigador da reencarnação histórica, Dr. Cesar Burnier Pessoa de Mello, a quem nós ambos votamos imensa estima e carinhosa admiração. O Guarino nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 17 de junho de 1951. Formou-se em Direito, em 1975, pela ex- Universidade do Estado da Guanabara, atual UERJ. Em 1979, obteve o seu grau de Mestre nas Faculdades Integradas Estácio de Sá, Rio de Janeiro e assumiu o cargo de Juiz de Direito do
  • 10. 10 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, após ser aprovado em concurso público de provas e títulos. Apesar do seu interesse cultural pender naturalmente para as matérias concernentes à sua brilhante carreira profissional, o Guarino absorveu um conhecimento enorme de outras disciplinas científicas. Possuidor de uma inteligência invulgar, ledor voracíssimo, escritor de notável erudição, poeta também, ele se esparrama como uma gigantesca ameba intelectual, apanhando e digerindo tudo o que cai sob seus tentáculos mentais. Logo que fizemos amizade, ele surgiu aqui por São Paulo e passou uns dias sondando as novidades parapsicológicas existentes no IBPP. Isto ocorreu em outubro de 1976. Daí por diante fez-nos várias outras visitas para, segundo ele, colher material e mais novidades. Nesses poucos contactos, ele absorveu tudo o que acumulamos em dezenas de anos. Agora, é ele quem nos traz as novidades e material informativo. Com a rapidez do raio, informou-se acerca da Física Quântica, da Teoria da Relatividade de Einstein e das últimas novidades a respeito da Geometrodinâmica Quântica, das novíssimas colocações filosóficas da moderna Física, e por aí afora. Com um instrumento como este, o Augusto dos Anjos deve estar como ele gostaria de estar... Para o "Poeta do Hiperespaço", o Guarino deve equivaler ao mais sofisticado órgão nas mãos do genial Bach, compositor, aliás, cujas peças o médium executa ao cravo e ao piano, já que é também um excelente musicista. * * * Agora as palavras finais, na minha modesta posição de caçador de fenômenos paranormais espontâneos: penso que o fenômeno da comunicação com os desencarnados é possível. Não tenho meios de apresentar uma prova, de aceitação universal, de que, por exemplo, os versos do Augusto dos Anjos psicografados tanto pelo Chico Xavier como pelo Gilberto
  • 11. 11 Guarino são realmente ditados pelo Espírito do genial Poeta paraibano. Nos dois casos mencionados, observam-se duas situações diametralmente opostas: O primeiro médium, Chico Xavier, embora inteligentíssimo, não possui, nem possuía, bagagem cultural-científica que lhe permitisse produzir os versos atribuídos ao Espírito Augusto dos Anjos e constantes do livro, Parnaso de Além Túmulo. Mesmo que o Chico Xavier fosse um gênio equivalente ao próprio Augusto dos Anjos, seria dificilmente aceitável a tese do pastiche ou simples imitação por criptomnésia e elaboração subconsciente. O segundo, Gilberto Guarino, é o oposto de Chico Xavier. Afora a provável equivalência dos QI's, o Guarino é um erudito, possuidor de invejável e sólida cultura. Seria possível para ele compor quaisquer dos sonetos desta coletânea, desde que se familiarizasse bem com o estilo do Augusto dos Anjos. Por exemplo, observe-se a "Fundamentação" escrita como introdução do livro, pelo próprio médium, e sentir-se-á o pulso do escritor e do intelectual que a produziu. Entretanto, devem levar-se em conta todos os fatores que se conjugaram na feitura dos sonetos desta coletânea e das centenas de outras poesias dadas a lume pelo Guarino. De início, ele tem "captado" poesias de dezenas de outros poetas, com seus estilos típicos. Em uma sessão de pesquisa no IBPP, na presença da Profa . Suzuko Hashizume e na minha também, o médium "captou" três poetas diferentes em seus respectivos estilos: Amaral Ornellas, Bernardo Guimarães, e du Boccage. Não sou entendido em questões literárias, mas a Profa . Suzuko é bacharel em Letras e, melhor do que eu, pôde identificar os respectivos estilos dos poetas. Mas a questão não para aí. A maneira como tais poesias foram registradas é importante também. Estávamos entrevistando o Guarino e tínhamos o gravador preparado para registrar a entrevista. Durante a nossa conversa quase informal que ia sendo gravada, Guarino, vez por outra, dava o aviso: "Estou ouvindo uma poesia que me está sendo ditada, lá vai ela!"
  • 12. 12 E daí ia reproduzindo verbalmente o que estava ouvindo. Normalmente, cada soneto exigia apenas de quarenta a cinqüenta segundos para ser assim registrado em fita magnética. Às vezes, ele não ouvia bem o que lhe era assoprado nos ouvidos-psi e pedia para o "Espírito" repetir. Um dos sonetos do Augusto dos Anjos custou-lhe várias reiterações, devido à raridade dos vocábulos empregados pelo "Poeta do Hiperespaço", cuja erudição é assaz conhecida. Um dos sonetos que mais lhe deu trabalho e deve ter desesperado o Augusto dos Anjos foi o "Homem-Técnica", o qual figura também nesta coletânea. Este soneto foi gravado, em outra ocasião, em nossa presença. O médium estranhou alguns termos e colocações, tendo obrigado o Espírito a repeti-los inúmeras vezes. * * * Sou apenas um obscuro colecionador de fatos, e as eventuais referências lisonjeiras que amigos complacentes me fazem não devem de forma alguma ser levadas a meu crédito como cientista ou outras classificações com que sou mimoseado. Por isso opino como simples observador curioso, e nada além disso. Sem dúvida estou mais sujeito a erros do que as outras pessoas, na presente questão, pois não sei se estou raciocinando friamente ou se estou sendo levado pela emoção, traído pelo desejo de "manter vivo" o ídolo que admiro tanto. Mas, como é meu costume, procurei relatar fielmente os fatos, sem omitir os detalhes a favor e contra a tese eleita. Depois deste esclarecimento prévio, posso opinar tranqüilamente: "Penso que há evidências de que o Guarino captou mediunicamente os sonetos do Espírito do falecido Augusto dos Anjos. São Paulo, 24 de fevereiro de 1980 Hernani Guimarães Andrade
  • 13. 13 MUTAÇÃO Inda sonho com fótons e brancuras Pulsações estelares e moneras, Ouvindo a melodia das esferas Na acústica das células impuras... Anjo negro, proscrito das alturas, Prisioneiro inconstante das quimeras, Precipito-me ao magma das crateras, Calcinando-me em túrbidas agruras. Às origens telúricas do medo Tento arrancar o histórico segredo Desta esfinge que sou, meta sem-fim... Até que, num singulto, atro e profundo, Rebento as cordilheiras do meu mundo E concebo Jesus dentro de mim! (28 de abril de 1978, residência de Hernani Guimarães Andrade, na Rua Dr. Diogo de Faria, 239, Vila Clementino, São Paulo, Capital.)
  • 14. 14 VIR-A-SER Vago e sinistro, ao longo dos caminhos, O homem, rente ao fastígio do momento, Traz no brado o fragor do próprio vento E nas carnes, um cárcere de espinhos. Abutre dos abutres comezinhos, De Baal, de Moloc, de Tarento, Regurgita a acidez do velho intento, Devorado em solertes torvelinhos. É o Saturno insolente que se arrasta, Prisioneiro dos ódios e das castas, Num ossuário de lendas e refrões... Clama, não cesses mais!... Clama de rastros, Descortinando além da luz dos astros O teu futuro de superações!...
  • 15. 15 A MORTE Ei-la... Depois de tantos pesadelos, Ei-la chegando, enfim... Ei-la que nasce, Refletindo na máscara da face A falácia de todos os modelos. Devera estar de negro. Mas, passasse A meu lado, na rua dos meus zelos, E eu diria, ao sabor dos seus desvelos, Ser um anjo que a tudo transformasse. “-Sou a morte”, afirmou. E, num lampejo, O vulto em sereníssimo desejo Abriu dois ternos braços ao meu mundo. E, vencida a inconsciência transitória, A morte, no apogeu da própria glória, Mostrou-me a vida no porvir fecundo!...
  • 16. 16 "CONTINUUM" O cérebro morreu... Fundiu-se em lama O circuito das células nervosas, Que levou sensações imaginosas Ao corpo hirto estendido sobre a cama. De onde viriam?... A Química proclama Que, após saturações maravilhosas, Formam-se as covalências poderosas De gênios e imbecis... de ócio e de fama. E, de espasmo em espasmo, a alma, perplexa, Chora, ante a impermanência, genuflexa, A sua impermanência epigenial, Para chegar um dia até a verdade Que a ciência da periodicidade Traduziu como a química da Vida!...
  • 17. 17 PARADOXO O homem sente o fragor dos elementos Do arquiteto-motor dos universos, Da luz transcendental dos sóis dispersos Ao vórtice dos altos pensamentos. Síntese de insubmissos sentimentos, Criado no esplendor de mundos tersos, Ei-lo, esfinge dos evos submersos Na seleção do carma e dos intentos. Depois, anjo corroído, espúrio e gasto, Desceu  lusbel hediondo  ao chão nefasto, Dos pesadelos que tornou mais seus... E foi assim dos tempos na subida Que aquele que viu Deus na própria vida Gerou a voz dos deuses-prometeus!
  • 18. 18 EVOLUÇÃO Ser ou não ser ... aqui reside o drama Das últimas questões evolutivas, Resumo das essências primitivas, Na dor de quem odeia e de quem ama. É a dúvida insolente que proclama A rigidez nas formas progressivas, Entre idéias niilísticas e altivas, Prisioneiras finais da própria trama. Mas quem disseca o mundo portentoso Do instinto ferocíssimo e danoso, Nas pancadas terríficas da sorte, Descobre-se perene entre os contrários, A superar os erros milenários, Nos movimentos críticos da morte...
  • 19. 19 CONQUISTA Perdido no abscôndito das eras, Num turbilhão de angústias e incertezas, Gerado em misteriosas naturezas, Busquei a luz das grandes primaveras. Independentemente das quimeras, E exausto de conter lágrimas presas, Misérias ri... Misérias e grandezas, No choro das estrelas e moneras. Mas, um dia, gritei: “-Eu sou o Todo!... E veio-me um sabor de terra e lodo, Tão forte, que pensei jamais ter fim... E naquele momento supra-humano, Eu era escravo e era também tirano Da essência de Poder que vive em mim!...
  • 20. 20 ONICONSCIÊNCIA A mão de Deus trabalha sobre o mundo... Uivos plangentes sangram de molossos, Vindos do luxo original de Cnossos, No mesmíssimo estrépito infecundo. É toda uma harmonia de destroços, Titãs vorazes no paul imundo, Que encerra o dinamismo mais profundo No bailado das cinzas e dos ossos. Átomo de esperança e fatalismo, Não pode o homem deter o cataclismo Que abala os subterrâneos marginais... Nada o contém, senão a mão daquele Que, se não fora simplesmente Ele, (*) Teria de ser tudo, e nada mais!... (*) Leia-se este verso assim: "Que/, se/ não/ fo/ra sim/ples/men/te/ e..."// (com o hiato assinalado entre a 9a e 10a sílabas).
  • 21. 21 CONFRONTO Ronda no espaço a multidão de párias, Em cortejo onde há morte e desventura, Trasgos brutais, transidos de amargura, Gemendo hipocrisias libertárias... Ei-los, varando as eras milenárias, Vindos da lama sepulcral e impura, Escudeiros da sanha da loucura, Que o Mal consagra, em leis imaginárias... Ei-los... o horror transmuda-lhes o rosto... Mas há, no fundo, um colossal desgosto Que a luz do Bem imprime em céu profundo... E, enquanto bramem estas almas mortas, A Vida e o Amor arrombam novas portas, No paredão que a sombra ergueu no mundo!... Obs. Soneto captado, na sede do IBPP, em São Paulo, SP, na tarde de 18/02/1988). Presentes: Hernani Guimarães Andrade, presidente do IBPP, Dra Ercília Pereira Zilli, psicóloga, e Tenente Cel. Joel F. Souza, da Força Aérea Brasileira, estes dois últimos introduzidos a Hernani pelo médium.
  • 22. 22 MEDITAÇÃO Homem, senhor de vales e colinas, Tua obra?... Contempla-a!... É o caos moderno, Gerado entre os vapores do Falerno E o deleite das carnes fesceninas. Teu império de sombras e verminas, Desarvoradamente paraeterno, Transforma a combustão do próprio Inferno Em alucinações de anfetaminas... Glória ao rei do Cinismo e da Luxúria, Discípulo da idéia aziaga e espúria, Fantasma errante de brutal tirano!... Glória!... Hosanas!... Meu tristemente amigo... Quiseste ser um deus para contigo, E não pudeste ser nem mesmo humano!...
  • 23. 23 ANGÚSTIA Quase noite... Um presságio me apavora... Que procissão de espectros será esta Brotando do vazio, tão depressa, Que se perde na bruma sem demora?... De onde virá?... Meu coração deplora Essa angústia cruel, dura e inconfessa, Que, súbito, se extingue onde começa A renúncia à ilusão que nega e chora. É tudo um sonho morno... E, enquanto passa, Passa também essa infernal desgraça Que é pretender falar, embora mudo... Grande contradição!... Feroz é a estrada De quem não é senhor de quase nada, Mas é dono de quase... quase tudo...
  • 24. 24 CONHECIMENTO Há um mistério guardado na intangível Intimidade da matéria morta... Sinto-o pulsando. É um sopro que transporta O mesmíssimo impulso incognoscível. Que avantesma voraz, Cérbero incrível, Meu cérebro entre espasmos quase aborta?... (Deve ser a maldita linha torta Dos raciocínios próprios do meu nível...) “-Exijo a luz!...”, proclamo. “-É o meu direito!...” E a Luz brada de dentro do meu peito: “-Ó, verme do saber, cala o teu grito!... “Abre os olhos ao mal que ainda consome Teu coração esquálido e sem nome, E poderás galgar o Infinito!...”
  • 25. 25 "ALTER EGO" Faz-me a Dor entrever a majestade Do fechamento obscuro do Universo, Curvatura abissal de um sonho imerso Num trêfego vislumbre da Verdade... A vida traz-me a singularidade De mostrar, na aparência, um Deus disperso, Permanecendo eterno e incontroverso Quando os opostos morrem da unidade... Entre os computadores e os quasares, Num frêmito de escórias milenares, Rasgo-me o peito à Luz que não tem fim... E, inundado de fótons e de raios, Ao turbilhão de vozes e desmaios, Silencio ante o Deus que vive em mim!...
  • 26. 26 "IGNORABIMUS?..." Sempre o "x" do problema... o desafio De uma equação irracional e enorme Que tento resolver, de olhar disforme, Entre as tenazes do mistério esguio. Incógnita mortal!.. Fere-me o brio O jogo da verdade que em mim dorme, Recusando-me a essência multiforme Num surrealismo aterrador e frio... Na Matemática profunda e imensa Sinto a grandeza que me esteia a crença, Embora esta ciclópica avantesma... E, entre constantes e fatores, vou À procura do número que sou Perante a essência de minh'alma mesma!
  • 27. 27 HOMEM-LARVA Das atrabiliaríssimas esferas, Onde vibram os instintos mais danosos, O homem-larva, qual fera dentre as feras, Multiplica os enganos portentosos. Peregrino estelar de antigas eras, Centelha dos princípios milagrosos, Originou as algas e as moneras, No começo dos tempos dolorosos. Depois, na vaga hostil da guerra insana, Ei-lo, a gemer a condição humana, E quisera poder voltar atrás... Mas tudo ocorreria novamente... O anjo de luz, inconseqüentemente, Faria aquilo mesmo que hoje faz...
  • 28. 28 HOMEM-TÉCNICA A milhares de graus ferve o Hidrogênio, Liberando a energia protegida No ventre profundíssimo da Vida Que resume as conquistas de um milênio. Caim, varando umbrais, ganha o proscênio Da cósmica reação inatingida, Quadruplicando a estrela concebida Na luz que faz viver o próprio gênio. É a força nobre e imensa no deutério Que envolve o trítio... é a força do mistério De um nêutron que se atira para além... Mas é, maldito, o jugo atrabiliário Do Procusto insolente e sanguinário Que ainda não conhece a luz do Bem...
  • 29. 29 LIBERTAÇÃO Vaga no labirinto da amargura, Entre os vibriões famélicos da morte, Caim, proscrito, em rápido transporte, Sombra celeste aos rés da sepultura. Menestrel da miséria e de Mavorte, Harmatan quase exangue, em trilha escura, Fere, brutal, na dor que o transfigura, A escala marginal da própria sorte. Prometeu algemado à rocha inerte, Rói-lhe as entranhas mórbidas, solerte, A teratologia dos sentidos... Até que, à voz suprema da harmonia, Passa do véu da sombra à luz do dia De asas libertas e grilhões partidos!
  • 30. 30 SONETO Sorve a taça de fel e de absinto. Sorve-a... Sorve-a!... Talvez sofras um pouco; Mas é preciso morra o grito rouco À garganta estentórica do instinto... Quê buscas, Prometeu de ouvido mouco, Em meio às sombras do teu labirinto?... A origem prosaíssima do helminto Ou o anjo que hás de ser, depois de louco?... Édipo... Atenta à esfinge que te espreita... Teu sonho de poder sempre deleita, Mas a verdade é mais que um devaneio... Debalde clamarás pela justiça Da tua natureza insubmissa, Se não quiseres ser teu próprio esteio.
  • 31. 31 MOMENTO-SÍNTESE (I)  ¡ ¢ £ ¤ ¥ ¦ ¥ § ¨ © § ¦ ¤ £ ¡ ¥ ¤ ¦ £ Batimentos telúricos da vida... Ouço-os... a terra freme de impaciência Forças divinas pulsam na imanência Da forma desolada e bipartida. Estranha sensação irreprimida Varre-me a solidez da consciência, Hei-la... é a libertação da augusta essência Que me abre as carnes numa só ferida... Tudo o mais se apagou... resta-me ainda Tatear a imensidão da estrada infinda Da minha solidão terminal... E, só, inteiramente abandonado, Correr para o futuro, lado a lado Da tua solidão intemporal!
  • 32. 32 MOMENTO-SÍNTESE (II) (*) Ninguém te ouviu, Caim, o brado insano, Devorado no fundo dos abismos Onde choras os mortos eufemismos, Nos teus vagidos de ente sub-humano... Ninguém te viu a languidez do arcano, A contumácia audaz de horrendos trismos, Ninguém... ninguém colheu os paroxismos Da crise do teu ego soberano. Rói-te o pranto, em caótico marulho? Quem suplica da mística do orgulho A renúncia ao clamor desesperado?... É, simplesmente, a Vida que te chama Do degredo no pântano e na lama Para os cumes do amor santificado! (*) Este soneto não tem nenhuma conexão com o primeiro.
  • 33. 33 MOMENTO-SÍNTESE (II) (Versão definitiva, com explicação no Apêndice) (Ao estilo de Cruz e Sousa) (*) Ninguém sentiu, Caim, o espasmo insano, Devorado na essência dos abismos Onde choras os mortos eufemismos Dos teus vagidos de anjo sub-humano... Enlanguesceste às amplidões do arcano Na contumácia audaz de horrendos trismos... E ninguém abrandou os paroxismos Da crise do teu ego soberano. Na sordidez de mórbidos penares, Proscrito às sensações crepusculares, O horror te enlouqueceu, verme transfundo... Mas, um dia, no caos dos teus minutos, Ribombarão clangores absolutos E emergirão, feliz, de um novo mundo!... (*) Ver Apêndice, no final do volume.
  • 34. 34 E S P Entre os singularíssimos sentidos Que a Natureza oculta ao corpo denso, Sinto pulsar o coração imenso Dos universos incontrovertidos. Surgem clarões de tempos já vividos, Na padronização de obscuro senso, Para integrar todo um porvir intenso No presente dos dias incontidos. Além da própria Luz, descubro a essência Das manifestações da Consciência, Onde me busco, a mim... e, além de mim, Encontro a origem mesma da Verdade, Na aterradora sincronicidade Da criptogênese do Amor sem-fim!...
  • 35. 35 SONETO (Aos hedonistas do Século XX) Mais frágil do que fina porcelana, Exposta à tirania dos sentidos, Passa, ao longo dos séculos transidos, A amargurada sombra da alma humana. Mais triste que uma antiga soberana, Vivendo entre os proscritos e os vencidos, Hei-la, fantasma errante dos perdidos, Qual desalentadíssima Morgana... Tento detê-la... Em vão... Sigo-lhe o vulto, Mas do abismo infinito de um singulto Ouço-a dizer:  Liberta-me do nada!... E eu, tragado num vórtice medonho, Desperto do hedonismo do meu sonho Ante minh'alma aflita e abandonada... IBPP, 07/02/1983
  • 36. 36 PANTHA REI O Universo é pulsátil descendência, Na intimidade estrênua da energia, Da vígil ressonância em que se amplia O infinito dilema da existência. É o microcosmo em bárbara dormência, Enfeixado no pó que se irradia Das nebulosas em desarmonia Ao átomo primevo da aparência. É a dor de uma galáxia em plena fuga, O mistério brutal, que envolve e suga A própria luz, em críptica extinção... É o labirinto das antimatérias, Que encadeiam nas cósmicas artérias Milhões de vidas em renovação!
  • 37. 37 ESSÊNCIA Filhos da Luz, na sucessão das eras, Eis-nos, Cains infames e vencidos, Arrastando os engodos traduzidos Na herança milenária de homens-feras. Vindos de imensa altura até às quimeras Dos sentimentos cáusticos bramidos, Vemo-nos, finalmente, entre os descidos À argila monocórdia das moneras. Hoje, nos labirintos da Imanência, Somos sonhos de sonho e de consciência, Despertando de um sono incontroverso... E somos, lá no fundo, a idéia incrível Da Luz que nos fez luz incorruptível, Brilhando eternamente no Universo!...
  • 38. 38 O LIVRO DO FUTURO (Homenagem à idéia) Começou na madeira da floresta. Depois, sob engrenagens torturantes, Fundiu-se entre sulfúricos amantes, Até ser folha ao sopro de uma testa. Prole da inteligência policresta, Herdeiro de ilações tonitruantes, Colheu sob o disfarce dos semblantes A intensão que pulsava, imanifesta. Mas, quando, um dia, exausto de ocultá-la, Viu crescerem os tentáculos da fala Na boca dos Saturnos da maldade, Disse o livro, na luta que descerra: “-Quem me quiser aberto sobre a Terra Seja primeiro um verso de bondade.”
  • 39. 39 NÓS (Consagração do Espírito) Espírito... Em consciência transbordante, Sereníssima, eterna, soberana, Ouço-Te a Inteligência sobre-humana, Despertando-me a força de gigante. Espírito... Ó, Divino Itinerante, Se hoje pisas a estrada obscura e insana, Eu te reclamo ao pó da dor tirana Revelares teu mágico semblante. Espírito!... Ilação de um mar de luzes, Quintessência dos berços e das cruzes, Virtualidade imersa no Eu fecundo... Espírito de Deus, onipresente, Vem celebrar, definitivamente, A idéia sacratíssima do Mundo!... Augusto dos Anjos
  • 40. 40 APÊNDICE (Sobre o soneto Momento-Síntese (II)) Este soneto tem uma história interessante. Foi ditado no Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas  IBPP, em São Paulo, em poucos segundos, na presença do Eng. Hernani Guimarães Andrade e da Profa . Suzuko Hashizume, respectivamente Diretor-presidente e Diretora de pesquisas dessa conceituada e internacionalmente conhecida Instituição. Sua forma primitiva é esta: Ninguém ouviu, Caim, o brado insano, Devorado no fundo dos abismos. Onde choras os mortos eufemismos Dos teus vagidos de ente sub-humano. Ninguém te viu a languidez do arcano, A contumácia audaz de horrendos trismos, Ninguém, ninguém colhe os paroxismos Da crise do teu ego soberano... Rói-te o pranto em caótico marulho?... Ninguém te pede à mística do orgulho A renúncia ao clamor desesperado... Mas, simplesmente, a Vida te reclama Do degredo no pântano e na lama Para os cumes do Amor santificado!... Deste modo passou a integrar o Reflexões no Hiperespaço. Confesso que não entendi a quem os versos eram dirigidos, já que, neste tipo de soneto,
  • 41. 41 Augusto costumava direcionar as idéias a uma finalidade pessoal. Poderia, outrossim, significar um estímulo, um sentido apelo ao homem, em geral, para que, convencido do peso e do realismo dos erros cometidos, retomasse os seus mais nobres impulsos de construção e organização, trabalhando lado a lado com a Vida. Ainda, era possível fosse uma alusão a problemas enfrentados por alguém, em dado momento. Isso, porém, para que fizesse pleno e total e absoluto sentido, deveria contar com a presença do destinatário, o que aparentemente não ocorria. Permaneceu o impasse. Um dia, porém, Augusto apareceu, afirmando que estava esclarecendo o enigma do Momento-Síntese (II)”. Tratava-se, ao que disse, de uma homenagem a Cruz e Sousa. Para que tudo se clareasse, iria introduzir pequenas modificações. As confirmações viriam depois. Ficou o soneto com a forma que, ora, integra o livro. Na manhã seguinte, não sei por que, fui levado a retirar de uma alta prateleira de estante em minha residência um dos volumes da obra Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, de Andrade Murici, que  de havia muito esgotada  um caro amigo, João Antero de Carvalho, jurista internacionalmente conhecido e coração boníssimo, conseguira, sob a minha insistência, junto ao Ministério de Educação e Cultura. Experimentei, ao pegar o livro, uma impressão de afastamento, de distanciamento do corpo físico (descoincidência vígil?...), chegando a pensar que estaria na iminência de um desdobramento (projeção da Consciência). Maquinalmente, como se minhas mãos estivessem sob
  • 42. 42 controle de força externa, abri o livro, de uma só vez, e dei com isto: “VIDA OBSCURA Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro, Ó ser humilde entre os humildes seres. Embriagado, tonto de prazeres, O mundo para ti foi negro e duro. Atravessaste no silêncio escuro A vida presa a trágicos deveres E chegaste ao saber de altos saberes, Tornando-te mais simples e mais puro. Ninguém te viu o sentimento inquieto, Magoado, oculto e aterrador, secreto, Que o coração te apunhalou no mundo. Mas eu que sempre te segui os passos Sei que cruz infernal prendeu-te os passos E o teu suspiro como foi profundo! Se a semelhança com a forma original já era impressionante, a segunda versão foi, para mim, incrível. Confesso que, ainda sob impacto, e sob o influxo, àquele momento, de presenças espirituais, minha reação demorou uma fração de segundo para ganhar as expressões de compreensão. À maneira do que acontece quando, na rua, quase somos atropelados. A primeira reação é o salto, o reflexo incondicionado, para escapar ao veículo; a seguir, vêm os suores gélidos, a tremedeira, o estupor. Em resumo, foi o que aconteceu.
  • 43. 43 Percebi, então, leve sorriso na face de duas entidades espirituais, e vi-as: Augusto dos Anjos e Cruz e Sousa. O soneto era, ao mesmo tempo, uma homenagem ao poeta de Broquéis e uma ampliação de uma sua dedicatória pessoal. Só me resta dar o seguinte testemunho: não aprecio tanto a poesia de Cruz e Sousa, considerando o pouco que li do que ele escreveu., Não me recordo de haver lido o Vida Obscura. Deixo, assim, ao leitor concluir pela cópia propositada, com a invenção de tudo o que narrei, ou pela realidade dos fatos, como se passaram. Gilberto Campista Guarino