1) As chuvas fortes anuais na Região Sudeste do Brasil causam tragédias que poderiam ser evitadas com medidas preventivas ao longo dos anos.
2) O governo federal anunciou novas ações de socorro às vítimas das enchentes, mas deveria ter tomado tais medidas preventivamente no passado.
3) Gestores públicos precisam adotar um plano integrado de desenvolvimento sustentável para a região, que considere sua geografia montanhosa e áreas de risco.
1. Sexta-feira, 13 de janeiro de 2012 OPINIÃO ●
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O GLOBO
A inércia LUIZ GARCIA
como
‘estratégia’ Atrás do prejuízo
M
anchete de página no jornal: Apoio Técnico e Emergência e anunciada ta de diversas medidas preventivas no
RUY BARRETO FILHO “Depois da tragédia, as medi- a liberação de R$ 444 milhões para socor- Brasil, até agora.
O
das.” É uma forma tão concisa rer as vítimas das chuvas no Sudeste. O governo alega que vem tomando
consumo do café solúvel
cresce em ritmo acelerado quanto eloquente de anunciar Podem ser boas providências — mas ações preventivas — há quatro ou cinco
em todo o mundo, a taxas uma novidade sugerindo, ao mesmo tem- apresentam um grave defeito. É preciso meses, nas palavras da ministra da Casa
de 3% anuais, mas o Brasil, po, o que há de errado nela. insistir: deveriam ser tomadas no ano pas- Civil, Gleisi Hoffmann. É curioso que o
que já foi o maior exportador do pro- Em outras palavras, numa visão quase sado, ou mesmo em anos anteriores, já pessoal do Palácio do Planalto não saiba
duto, está perdendo espaço neste generosa dos fatos, vocês ficam informa- que há muitíssimo tempo a região é vítima ao certo quando começou o trabalho. Seja
promissor mercado. Somos alvo de
injustificável discriminação comer-
dos de que o governo está fazendo a coisa das águas do verão. O governo está fazen- como for, os moradores das regiões amea-
cial da União Europeia, sem uma efe- certa — mas não no momento convenien- do a coisa certa, mas com atraso históri- çadas certamente estariam mais conten-
tiva reação do governo, que adota te. Para quem tenha chegado recentemen- co. Não é um problema inaugurado na ad- tes se as providências tivessem sido ini-
postura de nação coadjuvante, não te de outro planeta, temos a informar o se- ministração Rousseff, e pelo menos ela es- ciadas assim que o tempo melhorou, no
de líder emergente. guinte: desde tempos muito antigos, cho- tá correndo atrás do prejuízo. Talvez me- início do ano passado.
Enquanto indústrias europeias ex- ve forte todos os verões na Região Sudes- reça até uma discreta salva de palmas. Segundo o governo, o país dispõe de 23
portam livremente café industrializa-
do para o Brasil, não há contraparti- te do Brasil. Há motivos geológicos e cli- Quem não merece aplausos é o minis- radares meteorológicos — mas faltam
da para a sobretaxa de 9% que a UE máticos para isso. Não perderei tempo em tro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mer- quatro, que só virão dentro de dois meses,
impõe ao solúvel nacional. A grande explicá-los porque todo mundo por aqui cadante, que defendeu o governo com o se nada der errado. E há um déficit de três
ironia é que o café industrializado eu- sabe que eles existem e eu, pessoalmente, extraordinário argumento de que os Es- mil pluviômetros, que estão para chegar.
ropeu, o torrado e moído consumido não tenho qualquer palpite ou suspeita tados Unidos e o Japão, apesar de terem Diz a linguagem popular que não é bom
aqui, é, em grande parte, produzido
com café verde (grão) brasileiro.
sobre as causas das tragédias anuais. os melhores sistemas de prevenção de negócio correr atrás do prejuízo. O certo
O governo permite a importação O leque de providências federais — desastres naturais do mundo, não con- é impedir que ele aconteça. Por tudo que
do café industrializado europeu sem anunciado esta semana depois de quase seguem impedir a devastação causada se ouviu de autoridades federais nos úl-
contrapartidas, privilegiando indús- 30 mortes nesta temporada — inclui duas por furacões e tsunamis. O que é verda- timos dias, o Brasil ainda não aprendeu a
trias localizadas no exterior, mas não novidades. Foi criada a Força Nacional de de, mas não serve de desculpa para a fal- correr na frente do prejuízo.
autoriza empresas brasileiras a im-
portar o grão, a fim de reutilizá-lo co-
mo insumo e exportar o nosso solú- Cruz
vel com valor agregado (o chamado
regime de drawback). Síndrome de
colonizado?
O resultado da barreira tarifária im-
posta pela UE desde 2006, sob o fala-
cioso argumento de estimular países
menos desenvolvidos, levou a produ-
ção de solúvel para outras nações da
América Latina, da Ásia e da Europa.
Como resultado, veio a redução de
nossa produção e de nossas exporta-
ções, justamente no período de maior
aumento do consumo mundial.
As vendas de solúvel brasileiro pa-
ra o Velho Continente, que chegaram
a ser de 25 mil toneladas em 2004,
quando éramos o principal exporta-
dor mundial, despencaram para 13,7
mil em 2010. Nesse período, países
que sequer contavam com uma fábri-
ca passaram a produzir e exportar
solúvel.
O Vietnã montou plantas com ca-
pacidade para 20 mil toneladas
anuais, totalmente voltadas para a
exportação. A Colômbia, que produ-
zia 5 mil toneladas anuais de solúvel,
montou novas fábricas e agora pro-
duz 20 mil toneladas. A Índia, que
contava com rudimentares fábricas e
Bicho digital
praticamente não consome café, ins-
talou um moderno parque que hoje
produz 40 mil toneladas anualmente,
passando o Brasil como líder nas ex-
portações de solúvel.
Nos anos 1990, o Brasil contava NELSON MOTTA so, para que tudo continue como es- dido por controle remoto à luz do dia, Até os privatistas vão concordar que é
com 11 fábricas de café solúvel, que tá: o jogo do bicho como fonte ines- o bicho é visto com tolerância, e até um raro caso em que o Estado, que já
D
produziam em conjunto 130 mil tone- epois de prender, seis dias gotável de corrupção policial, políti- confiança, pela população. administra inúmeras loterias, pode e
ladas, a maior parte (80%) voltada seguidos, o mesmo bicheiro ca e judicial. Poucas instituições no Brasil têm deve assumir mais uma, zoológica —
para a exportação. De lá para cá, a que anotava apostas próxi- Seja por um marketing eficiente ou mais credibilidade do que o jogo do bi- porque já tem estrutura, tecnologia e
produtividade dessas empresas até mo à sua casa, levá-lo à de- por razões antropológicas que só o cho, embora nunca tenha sido feita uma rede nacional eficiente. Além da
aumentou — num impressionante es- legacia, e vê-lo voltar para o ponto professor DaMatta pode explicar, o jo- uma auditoria nos seus sorteios. Diz- faxina ética, o governo poderia arreca-
forço do setor para manter o seu sem qualquer punição, o secretário go do bicho é considerado um passa- se que é jogo de pobre, de pequenas dar uma CPMF com o jogo do bicho.
mercado, a despeito das dificuldades de Segurança, José Mariano Beltra- tempo inocente, uma instituição secu- apostas, pequenas perdas ou ganhos, Os bicheiros que vemos todo dia em
—, mas o número de fábricas caiu pa- me, deu o ultimato: a sociedade tem lar da nossa cultura popular, e os bi- alimentadas pelo sonho de acertar no suas cadeiras na calçada poderão con-
ra sete, com produção na casa dos que decidir de uma vez se legaliza ou cheiros são vistos como grandes bene- milhar e a certeza que o bicheiro vai tinuar anotando apostas, mas em ma-
110 mil. Apenas no ano de 2008 a que- proíbe o jogo do bicho. A pior esco- méritos de escolas de samba e de co- pagar, garantida pela frase clássica im- quinetas eletrônicas ligadas à central
da nas exportações de solúvel brasi- lha é continuar gastando o tempo da munidades carentes. Embora as guer- pressa no talão: vale o escrito. de loterias da Caixa, emitindo talões
leiro foi superior a 20%. polícia com a farsa da “contraven- ras por territórios entre bicheiros se- É urgente legalizar, mas não faz com a nova garantia: vale o digitado.
Como além de maiores produto- ção”, em que a polícia finge que pren- jam sangrentas, recentemente o carro sentido privatizar o bicho para deixá-
res de café em grão, somos o segun- de e o contraventor finge que é pre- do chefão Rogério Andrade foi explo- lo nas mãos dos bandidos de sempre. NELSON MOTTA é jornalista.
do maior consumidor de café do
mundo (cerca de 18,5 milhões de sa-
Calamidades revelam: falta governo
cas atendem ao mercado interno),
para nos mantermos competitivos
no mercado mundial deveríamos
importar o produto in natura e usá-
lo na industrialização, visando à ex-
por tação, dentro do regime de NILTON SALOMÃO tores estaduais e municipais, que du- universidades públicas para a elabo- regional. Muitas das famílias que fo-
drawback. rante anos deixaram de investir em ração de políticas e projetos e com o ram morar em área de risco o fizeram
E
Ressalte-se que todos os nossos stamos completando um ano habitação e defesa civil, ou, ainda, es- aproveitamento de seus alunos como porque houve uma perda do poder
concorrentes adotam esse mecanis- da tragédia que se abateu so- timularam ocupações em áreas de estagiários, o programa de engenha- aquisitivo com o empobrecimento
mo, aproveitando-se inclusive da ofer- bre a Região Serrana do Esta- riscos, conforme levantamentos e de- ria pública pode gerar excelentes re- gradativo que vem desde a mudança
ta de grãos a preços mais competiti- do do Rio. As chuvas de ja- poimentos na CPI da Serra na Assem- sultados, organizando estrutural e da capital federal para Brasília, agra-
vos em diferentes países. Além disso, neiro de 2011 deixaram um rastro de bleia Legislativa, uma visão objetiva arquitetonicamente os bairros já vando-se no governo Collor, cuja
a importação desses grãos em nada destruição, incluindo a perda de cer- do problema mostra que falta um existentes e instruindo o processo de abertura desenfreada da economia
prejudicaria o produtor nacional, pois ca de mil vidas. O acontecido trouxe projeto integrado de desenvolvimen- regularização fundiária em localida- levou ao fechamento de inúmeras fá-
seria feita de forma seletiva, suple- à cena a discussão sobre nossa capa- to sustentável para des de ocupação irre- bricas na região.
mentarmente à produção interna e cidade de dar resposta a um fenôme- uma região de estrutu- gular. Este é um pode- O desenvolvimento econômico da
sempre voltada para a exportação. no da natureza, agravado pela ação ra física montanhosa e roso instrumento a ser- Serra merece um programa especial
Inexplicavelmente, as gestões do homem ao longo dos anos. com as poucas áreas Quando vamos viço do gestor munici- do governo do estado, que tem com-
que o setor de café solúvel tem feito Nas primeiras horas daquela ma- planas situadas às mar- pal, desde que ele te- petência para sua elaboração e im-
para que o Ministério da Agricultu- nhã do dia 12 e nos dias seguintes gens dos rios. dar uma resposta nha coragem de im- plantação, mas precisa ter vontade
ra autorize o drawback mostram-se prevaleceu a solidariedade do povo A sustentabilidade plantar e destinar re- política, semelhante à decisão de in-
infrutíferas, como se a “estratégia” brasileiro e as ações emergenciais da região começará consistente e cursos. centivar e subsidiar a implantação da
do governo fosse transformar o país dos governos do estado e federal, quando os gestores pú- Ainda, no campo am- indústria automobilística no Médio
novamente num mero exportador que foram ágeis na liberação dos re- blicos, nos três níveis, eficaz a essa biental, faz-se necessá- Paraíba. Só uma economia ajustada
de produtos primários, num retor- cursos financeiros e na disponibiliza- compreenderem e agi- ria parceria entre o Iba- às potencialidades dos municípios e
no aos tempos da Colônia. Chegou a ção de equipamentos e servidores. rem a partir desta rea- rotina anual? ma, o Inea e as secreta- geradora de emprego e renda enseja-
hora de superar a “síndrome de co- Passada esta primeira etapa, no lidade. Isto indica im- rias de Meio Ambiente rá ambiência para uma cultura de
lonizado” e reverter esse quadro, entanto, descortinou-se o desprepa- portantes ações no municipais, com rigor respeito ao meio ambiente e o apro-
sob o risco de perda de mais divisas ro para o enfrentamento de calamida- campo da defesa civil e na fiscalização e puni- veitamento do bom clima, das belas
e do desmanche paulatino de todo des provocadas pelas chuvas. Se na economia regional. ção para as agressões que sofrem os paisagens e do jeito agradável de
um segmento industrial que empre- considerarmos que, anualmente, so- Não se pode mais ter a defesa civil cumes dos morros. Esta agressão, quem vive na Serra Fluminense.
ga milhões de brasileiros direta e in- fremos transtornos e prejuízos, por- apenas reativa, diante da tragédia. que desestabiliza as encostas e asso-
diretamente. tanto a novidade só foi a intensidade Há que agir preventivamente, desde reia os rios, não tem encontrado NILTON SALOMÃO é deputado estadual
das águas, devemos nos perguntar: a implantação de sistemas de alerta ação enérgica das autoridades, o que (PT/RJ). E-mail: niltonsalomao@oi.com.br.
RUY BARRETO FILHO é diretor da Café quando vamos dar uma resposta até a implantação de um programa pode ser comprovado com uma sim-
Solúvel Brasília, da Associação Brasileira consistente e eficaz a está rotina de engenharia pública. Com alguns ples visita à região. O GLOBO NA INTERNET
da Indústria do Café Solúvel e da anual? engenheiros, assistentes sociais e ad- Um vilão que tem passado desper- OPINIÃO Leia mais artigos
Associação Comercial do Rio de Janeiro. Além da responsabilidade de ges- vogados e com convênios com as cebido é a fragilização da economia oglobo.com.br/opiniao