O documento discute a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas próximas eleições e apresenta duas opiniões sobre o assunto. Uma opinião defende que a lei deve ser aplicada plenamente para garantir a lisura dos pleitos. A outra opinião argumenta que a condenação de candidatos deve caber ao eleitor e não à justiça, e que a lei fere princípios constitucionais como a presunção da inocência.
Debate sobre aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2012
1. Product: OGlobo PubDate: 09-04-2012 Zone: Nacional Edition: 1 Page: PAGINA_F User: Schinaid Time: 04-08-2012 19:35 Color: K
6 Segunda-feira, 9 de abril de 2012
O GLOBO
TEMA EM DISCUSSÃO: Aplicação plena da Ficha Limpa nas próximas eleições
NOSSA OPINIÃO OUTRA OPINIÃO
Desafio para o TSE Quem julga é o eleitor
A
aprovação da Lei Complementar 135/ de o STF decidir que a Ficha Limpa vale pa- JONAS LOPES DE CARVALHO NETO O que não pode haver num estado demo-
2010, conhecida como Lei da Ficha ra as eleições deste ano, e que condenados crático de direito é a insegurança jurídica,
D
Limpa, foi uma das maiores conquis- por improbidade administrativa — assim epois de vivenciar tantos escândalos vale dizer, afastar a incidência de garantias
tas da sociedade brasileira. Sua trami- como aqueles processados por ações cri- e denúncias de corrupção, o cidadão constitucionais como a presunção de ino-
tação, a partir de um projeto de lei de iniciativa minais — não podem participar do pleito. O brasileiro tem obsessão pela honesti- cência, sob a falaciosa justificativa de mora-
de entidades de comprovada representativi- documento do TSE determina que os candi- dade de seus políticos. Por isso, a lizar a classe política. É um precedente peri-
dade em suas áreas de ação, foi exemplo per- datos apresentem apenas certidões negati- chamada Lei da Ficha Limpa mobilizou tanto a goso para uma sociedade que ostenta o sta-
feito da eficácia da democracia como sistema vas criminais. Ainda que tenham sido con- sociedade e a opinião pública. Vislumbrava-se tus de democracia. Se a preocupação do ci-
político. A proposta ganhou corpo, avalizada denados por improbidade, essa ressalva, com a lei a possibilidade de os maus candida- dadão é garantir a lisura dos pleitos, respei-
por 1,3 milhão de assinaturas, e se impôs no prevista como impeditiva na Lei da Ficha tos ficarem de fora dos pleitos, punidos por temos a Constituição.
Congresso como explícito — e inquestionável Limpa, somente se inscreve em certidões seus erros. A questão é controversa, pois, des- Nesse sentido, louvemos a decisão do Tri-
— desejo do povo brasileiro de ver consagra- cíveis — que, pela resolução do TSE, adver- sa forma, a condenação do candidato, seja bunal Superior Eleitoral (TSE) de negar a qui-
do nas instituições republicanas um dispositi- tem procuradores, os postulantes estariam qual for a acusação, virá da sociedade e não da tação eleitoral — e, por conseguinte, a possi-
vo capaz de afastar da vida pública candidatos desobrigados de apresentar. Justiça. E uma condenação em primeira ins- bilidade de registro de candidaturas — a polí-
de plataformas pífias e prontuários alentados. A questão dos prazos que os promotores te- tância ou até mesmo por órgãos colegiados ticos que tiverem as contas de campanha re-
Aprovada no Parlamento e referendada no rão para impugnar candidaturas com base na não pode ferir o princípio da presunção da ino- provadas. Se, antes, apresentar a prestação
Supremo Tribunal Federal, a lei Ficha Limpa é outro nó que me- cência. Se levarmos em conta que de contas bastava — salvo nos
está em vigor e precisa funcionar rece atenção. Por comparação, muitos julgamentos de colegia- casos em que houvesse ações
nas próximas eleições como efeti- se for levado em conta o núme- dos têm caráter mais político, a próprias de contestação —,
vo filtro contra postulações que O país não pode ro de candidatos a prefeito, vi- injustiça é ainda maior e fere a Se o objetivo é agora, esses dados têm que ser
notoriamente pretendem fazer da ce-prefeito e vereadores que se nossa Carta Magna. reais e muito bem documenta-
representação política mero ins- mais prescindir apresentaram às urnas em 2008 Além disso, em um Estado de- garantir lisura dos. Esse processo administra-
trumento para alcançar ou pre- (pouco menos de 382 mil), o Mi- mocrático, o cidadão deve ter di- tivo coíbe a prática de caixa
servar interesses que passam ao desse essencial nistério Público eleitoral terá de reito de votar em quem quiser, in- nos pleitos, dois e dá igualdade de condi-
largo da razão de ser das Casas le- analisar, por dia, ao longo da dependentemente da folha corri- ções aos candidatos.
gislativas. Ocorre, no entanto, filtro das campanha, uma média de 76 mil da do candidato. Ao legitimar a respeite-se a A falha na legislação que exi-
que, por falta de estrutura dos tri- pedidos de registro em todo o Lei da Ficha Limpa, o Supremo gia apenas a apresentação das
bunais eleitorais, o país corre o candidaturas país. A tarefa já era hercúlea an- Tribunal Federal (STF) nega esse Constituição contas precisava ser corrigi-
risco de adiar a aplicação plena tes das exigências da nova legis- direito. Mesmo que tenha toma- da, pois tornava o pleito pou-
do conceito da lei. A ameaça re- lação; com as novas normas exi- do essa decisão visando a saciar co transparente. Cobrar que
cai, entre outros, num dos pontos gidas pela lei eleitoral, o traba- um desejo de justiça que ecoava cada receita e cada despesa
de maior rigor asséptico estabelecido sob ins- lho de analisar folhas corridas tornou-se ainda nas ruas, a decisão da Corte não garante que da campanha eleitoral sejam comprovadas
piração da lei — aquele que impede o registro mais complexo. maus políticos sejam eleitos. é, sim, uma medida constitucional e que
de candidatos cujas contas de campanha não São questões, no entanto, que nem de longe Afinal, nem todos os que envergonham os promoverá eleições mais limpas.
tenham sido aprovadas, os contas-sujas. Co- justificam eventuais novos adiamentos da apli- brasileiros têm ficha suja e muitos daqueles A reivindicação da sociedade por polí-
mo nem todas as prestações de contas foram cação da lei. Se há dificuldades na adoção ple- beatificados pelos defensores da ética e da mo- ticos idôneos é válida. Mas isso deve ser
analisadas, surgem brechas para a ação de ad- na da Ficha Limpa, este é um desafio do qual o ral possuem ficha limpa perante a Justiça, mas garantido com respeito à Constituição.
vogados. Mesmo que já tenha sido decidido TSE não pode se eximir de enfrentar — e resol- na vida privada mantêm relações inescrupulo- Envolvido ou não em campanhas eleito-
que candidaturas serão registradas com as ver. Trata-se de dispositivo aprovado em 2010, sas com setores da contravenção penal e com rais, todo cidadão tem direitos que preci-
contas de 2010 ainda não auditadas.. e, mesmo tendo ficado à espera de referendo o crime organizado, transformando aquele ou- sam ser respeitados. O Poder Judiciário
Outro problema: procuradores da Justiça do STF, foi convalidado em definitivo pela Cor- trora considerado ficha-suja num cidadão aci- tem que atuar de maneira técnica, respei-
Eleitoral alertam que a resolução do Tribu- te. Num momento político em que se choca ma de qualquer suspeita. A sociedade deve ter tando as leis e sem se deixar levar pela
nal Superior Eleitoral (TSE) que determina com o avanço da corrupção e da criminalidade o direto de fazer julgamentos pelo voto e, fa- emoção que emana do povo.
quais documentos o postulante deve apre- nas bancadas legislativas, o país não pode zendo isso, pode até errar. O amadurecimento
sentar ao fazer o pedido de registro da can- prescindir dessa essencial barreira contra os da consciência do eleitor não será assegurado JONAS LOPES DE CARVALHO NETO é advogado e
didatura na zona eleitoral foi editada antes fichas-sujas. pelo impedimento de candidaturas. membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-RJ.
O interesse nacional
Marcelo
DENIS LERRER ROSENFIELD cional, inscreve-se em uma preocu- jurídica, em um trabalho que se apre-
O
pação legítima de defesa do interesse senta, atualmente, como conjunto
mundo atual se caracteriza, nacional, ao voltar-se, por exemplo, entre o governo e a Câmara dos De-
cada vez mais, por uma per- para a questão de propriedade de putados, conviria estabelecer alguns
cepção aguda de que os re- terras brasileiras por governos es- critérios que, ao mesmo tempo em
cursos do planeta são fini- trangeiros. Consequentemente, tor- que assegurassem a soberania nacio-
tos. Cabe, evidentemente, a pergunta na-se necessário regulamentar o in- nal, sinalizassem para uma abertura
de se essa percepção corresponde vestimento na compra de terras de para o mundo.
ou não à realidade, pois a própria vi- tal modo que obedeça a critérios que É necessário fazer a distinção entre
gência do capitalismo tem mostrado, ordenem a especulação de terras e o empresas brasileiras de capital es-
no decurso de sua história, o surgi- investimento de empresas estatais trangeiro, com investimentos produ-
mento de novas formas de explora- em nosso país. Caberia, aliás, distin- tivos, diretos, no país, e investimen-
ção da terra e a invenção de novos guir entre empresas estrangeiras pri- tos especulativos ou operados por
instrumentos científicos e tecnológi- vadas e empresas estrangeiras esta- empresas estrangeiras de capital es-
cos. Em todo caso, nossos governan- tais, pois seguem objetivos clara- tatal.
tes orientam-se por essa percepção, mente distintos. O país necessita, por exemplo, ter
que se torna uma espécie de guia da Contudo, o parecer da AGU, alte- um cadastro nacional de proprieda-
ação política. rando o anterior, distinguiu empre- des, instrumento confiável que per-
Surge, daí, uma preocupação legíti- sas brasileiras de capital nacional de mita não somente a regulamentação
ma desses governantes em relação à empresas brasileiras de capital es- do setor, mas torne transparente, pu-
propriedade de terras, pois ela termi- trangeiro. Até então, no contexto an- blicamente, uma base de dados da
na sendo inserida dentro de um con- terior, as duas tinham sido equipara- estrutura fundiária nacional.
texto não somente econômico, mas, das, usufruindo dos mesmos benefí- solução satisfatória, até agora, tenha tam a dezenas de bilhões de dólares, Poder-se-ia, igualmente, pensar na
também, geopolítico. Ela vem a ser cios e obrigações, sempre em claro sido apresentada. incluindo, entre outros, os setores aplicação do princípio da reciproci-
identificada à soberania nacional. No respeito à lei nacional. Conviria, assim, fazer a distinção florestais, de papel e celulose, cana dade. Ou seja, países que não permi-
entanto, convém distinguir entre A situação terminou por complicar- entre duas ordens de questões: a) o de açúcar e etanol. tem que empresas privadas brasilei-
uma política legítima de defesa do in- se ainda mais, pois a referida mudan- estabelecimento de uma regra de Logo, seria necessária a formula- ras comprem terras não poderiam
teresse nacional de posições nacio- ça de legislação se fez tão somente transição; b) critérios para uma solu- ção de uma regra de transição, que exigir um tratamento diferente de
nalistas estreitas, que podem vir a por um ato administrativo da AGU, ção definitiva do problema. poderia ser feita administrativamen- nosso país. Inversamente, países que
ser um empecilho para o desenvolvi- não tendo passado pela Câmara dos A necessidade de uma regra de te ou mesmo por medida provisória, acolhem empresas brasileiras na
mento econômico nacional. Deputados e pelo Senado. Foi intro- transição diz respeito à insegurança que contemplasse as empresas brasi- compra de terra teriam um tratamen-
O mundo globalizado não dá guari- duzida, por assim dizer, da noite para jurídica criada. A imagem mesma do leiras de capital estrangeiro com in- to equivalente no Brasil. Com isto,
da para nenhum tipo de nacionalis- o dia, uma nova regra que alterou país está em questão, pois não se de- vestimentos em curso. As empresas evitar-se-ia qualquer retórica antiem-
mo estreito, sob pena de o país que completamente a área de atuação ve, administrativamente, por um pa- em pauta deveriam comprovar esses presarial, mostrando um país aberto
implantá-lo vir a ser o mais prejudica- das empresas brasileiras de capital recer que contradiz um parecer ante- investimentos por projetos, licenças a tratamentos internacionais equita-
do. O Brasil faz parte desse mundo, estrangeiro. Note-se que elas opera- rior do mesmo órgão estatal, alterar ambientais, licenças de instalação, tivos. Exceções seriam tratadas co-
vindo a ocupar nele a sexta posição vam normalmente no país e, de re- abruptamente as regras do jogo me- protocolos de intenções junto a go- mo tais, em função do interesse naci-
internacional em termos de PIB. Mais pente, foram remetidas a uma com- diante uma legislação infralegal. Em- vernos municipais e estadual ou ne- onal. Trata-se, aliás, de um princípio
precisamente, o país necessita des- pleta insegurança. presas brasileiras de capital estran- gociações de compra de terras (con- amplamente utilizado no mundo di-
ses capitais internacionais para o seu O governo está, agora, debruçado geiro, com investimentos em curso, tratos particulares de compra e ven- plomático.
desenvolvimento, condição essa de sobre essa questão, assim como a Câ- não sabem mais como agir. Empresas da). O parecer da AGU a elas não se O Brasil precisa, urgentemente, do
criação de empregos, aumento da mara dos Deputados está elaboran- com investimentos previstos, licen- aplicaria e a segurança jurídica seria equacionamento dessa questão.
renda e da competitividade. do um novo projeto de lei visando a ças ambientais já concedidas e negó- restabelecida, tendo, ainda, como
O novo parecer da AGU, que regula- equacionar o imbróglio criado. As cios em andamento vêm-se, assim, efeito um grande ganho de imagem DENIS LERRER ROSENFIELD é professor
menta a compra de terra por estran- idas e vindas têm se multiplicado impedidas de seguir adiante. Os pre- para o país. de filosofia na Universidade Federal do
geiros e redefine o que é empresa na- nesses últimos meses, sem que uma juízos econômicos para o país mon- Uma vez restabelecida a segurança Rio Grande do Sul.
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