(1) No século XIX e início do XX, carvoeiros produziram carvão em balões de lenha no Maciço da Pedra Branca para abastecer a cidade do Rio de Janeiro com energia;
(2) Esses carvoeiros, muitos ex-escravos, viviam distantes da cidade e deixaram poucos registros, permanecendo esquecidos na história;
(3) Recentemente, pesquisadores mapearam centenas de locais de antigas carvoarias, revelando a importância desconhecida desses trabal
1. 36 Sábado, 4 de fevereiro de 2012
OGLOBO
HISTÓRIA
Fotos de reprodução
BALÃO DE carvão do século XIX: estrutura era administrada por até cinco pessoas e devia ser vigiada 24 horas por dia, para que a combustão não saísse de controle e a produção fosse transformada em cinzas
O Rio movido a carvão
Ignorados pela história oficial, carvoeiros geraram energia da cidade nos séculos XIX e XX
Renato Grandelle pelos pesquisadores estão atualmen-
renato.grandelle@oglobo.com.br te em áreas abertas.
— Esperamos recuperar muitos des-
P
or quase um século, o Rio foi ses sítios arqueológicos, que, além de
movido a carvão. Da indústria e uma história ambiental, também guar-
das locomotivas à construção dam um relato cultural sobre esses
de casas e produção ferraduras personagens sem rosto — explica Oli-
de cavalos, boa parte da economia te- veira, que buscou descendentes de
ve o carvão como matéria-prima. Foi carvoeiros. — São completamente exí-
um período crucial para o progresso guas as fontes de informações, escritas
da cidade — de meados do século XIX ou orais, sobre as pessoas que forneci-
até a década de 1950 —, mas, ainda as- am energia ao Rio crescente. Sabe-se
sim, quem impulsionou esse cresci- que em grande parte trabalhavam por
mento permanece no esquecimento. conta própria, por empreitada ou,
Pouco se sabe sobre os carvoeiros, mais raramente, como assalariadas.
em sua maioria escravos libertos, que Tanto uns como outros eram quase
viviam no Maciço da Pedra Branca, na sempre explorados por intermediários
Zona Oeste. Ocultos da população ur- que levavam o carvão para a cidade.
bana, que ainda ignorava a região, eles
Da floresta
desmataram a floresta e transforma-
ram a lenha em insumo — como reve-
para as favelas
la um trabalho da Pontifícia Universi-
dade Católica (PUC), responsável por
um inédito levantamento das carvoa-
rias da região. l Longe da mata, o carvão era levado
Apenas um escritor, Magalhães para casas (onde eram usados em
Corrêa, dedicou algumas palavras fogões e ferros de passar) ou indús-
aos carvoeiros. São eles os prota- trias. Uma das que mais usavam o
gonistas de um capítulo de seu li- produto era a construção civil — on-
vro “O sertão carioca”, em que de outros profissionais, mestres
descreve a Barra da Tijuca e Jaca- cantareiros e pedreiros, usavam-no
repaguá: “Os machadeiros são to- para moldar paralelepípedos em-
“
dos nacionais, boas pessoas, mui- pregados em sobrados, das calça-
to gentis; (...) são verdadeiros he- VENDEDORES DE carvão, em quadro de Debret: insumo era usado nas casas do Rio, por locomotivas e diversas indústrias das às fachadas, muitos ainda de pé
róis, que não conhecem o medo e a no Centro Antigo e em diversos bair-
preguiça nesse trabalho penosís- zas. Por exigir tanta dedicação, nal, ele gera três vezes mais ener- ros da Zona Sul, como Catete, Laran-
simo”, exaltou. era comum que os trabalhadores gia, é leve e facilmente transportá- jeiras e Cosme Velho.
A região do Maciço da Pedra Bran- vivessem ao lado dos balões. Esca- vel, e poderia ser empregado na fa- As carvoarias viveram o seu apogeu
ca, conhecida como Planície dos On- vações já encontraram algumas bricação de vinho ou na metalur- entre 1880 e 1920. Trinta anos depois,
ze Engenhos no século XVII, era ocu- ruínas de casebres ao lado daque- gia, algo impossível com a lenha. quase todas haviam encerrado as ativi-
pada por grandes propriedades, que las produções. Oliveira e Joana Stingel Fraga, pes- dades, quando o país mais uma vez tro-
dependiam de lenha para a produção Os carvoeiros estavam à frente de quisadora de História Ambiental da Esperamos recuperar cou sua matriz energética — o carvão
do açúcar. Os escravos, responsáveis
pelo trabalho, adquiriram ali o conhe-
um empreendimento delicado, mas
barato — exigia apenas uma enxada,
PUC, buscaram vestígios das carvo-
arias numa área de 100 hectares do
muitos desses sítios deu lugar ao petróleo. Devido à carên-
cia de fontes, é possível apenas espe-
cimento que, anos depois, usariam
nas carvoarias.
um machado e uma espécie de is-
queiro. Não à toa tantos ex-trabalha-
maciço, próximo à Taquara. Encon-
traram 157. Surpresos com o resulta-
arqueológicos, que, cular sobre o destino dos antigos tra-
balhadores da Pedra Branca. Oliveira
Estas pequenas estruturas fo- dores da lavoura decidiram se aven- do da busca, estimam que a Pedra além de uma história acredita que a maioria foi para o Cen-
ram erigidas em platôs, áreas pla- turar na mata. Branca, em seus 7 mil hectares, po- tro, onde alguns conseguiram empre-
nas do maciço, no meio da flores- — Os engenhos da região come- de ter abrigado até 3 mil empreendi- ambiental, também gos na construção civil. Para morar
ta. Quatro ou cinco homens reve- çaram a alforriar seus escravos mentos semelhantes. próximo ao serviço, engrossaram o
zavam-se na administração do ba- cerca de 20 anos antes da Lei Áu- Uma área equivalente a 80 campos guardam um relato contingente das primeiras favelas.
lão de carvão, um cone de lenha rea — destaca Rogério Ribeiro de de futebol foi desmatada para dar ori- — O carvão gerou riqueza, mas
empilhada, revestido de barro, Oliveira, professor do Departa- gem a estas carvoarias, dispersas por cultural sobre os carvoeiros se beneficiaram
com cerca de 3,5 metros de altura. mento de Geografia da PUC-Rio e todo o local de pesquisa. Algumas fo- muito pouco de seu próprio traba-
A queima da lenha era abafada em pesquisador de História Ambien- ram instaladas a até 650 metros de al- esses personagens lho — ressalta o pesquisador. —
um processo que exigia atenção
dia e noite, já que a ventilação de-
tal da Mata Atlântica. — Alguns re-
ceberam pequenas propriedades,
tura, quase a mesma do morro do
Corcovado (710 metros). No entanto,
sem rosto Primeiro, porque eram negros, em
uma sociedade que havia acabado
veria ser controlada com a abertu- mas outros debandaram para a flo- como estas estruturas foram abando- de abolir a escravidão. Segundo,
ra ou fechamento de “respiros”. resta. Por volta de 1850, a lenha, nadas há muito tempo, praticamente Rogério Ribeiro de Oliveira, pesquisador porque mexiam com um material
Caso contrário, toda a produção até então insumo básico do Brasil, todas foram engolidas pela vegeta- de História Ambiental da Mata Atlântica sujo. Terceiro, porque moravam
seria perdida, convertida em cin- perdeu espaço para o carvão. Afi- ção. Apenas cinco das encontradas numa área muito distante. n