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                                                                                                OGLOBO



                                                                       HISTÓRIA
                                                                                                                                                                                                  Fotos de reprodução




 BALÃO DE carvão do século XIX: estrutura era administrada por até cinco pessoas e devia ser vigiada 24 horas por dia, para que a combustão não saísse de controle e a produção fosse transformada em cinzas




                           O Rio movido a carvão
 Ignorados pela história oficial, carvoeiros geraram energia da cidade nos séculos XIX e XX
            Renato Grandelle                                                                                                                                               pelos pesquisadores estão atualmen-
        renato.grandelle@oglobo.com.br                                                                                                                                     te em áreas abertas.
                                                                                                                                                                             — Esperamos recuperar muitos des-



 P
        or quase um século, o Rio foi                                                                                                                                      ses sítios arqueológicos, que, além de
        movido a carvão. Da indústria e                                                                                                                                    uma história ambiental, também guar-
        das locomotivas à construção                                                                                                                                       dam um relato cultural sobre esses
        de casas e produção ferraduras                                                                                                                                     personagens sem rosto — explica Oli-
 de cavalos, boa parte da economia te-                                                                                                                                     veira, que buscou descendentes de
 ve o carvão como matéria-prima. Foi                                                                                                                                       carvoeiros. — São completamente exí-
 um período crucial para o progresso                                                                                                                                       guas as fontes de informações, escritas
 da cidade — de meados do século XIX                                                                                                                                       ou orais, sobre as pessoas que forneci-
 até a década de 1950 —, mas, ainda as-                                                                                                                                    am energia ao Rio crescente. Sabe-se
 sim, quem impulsionou esse cresci-                                                                                                                                        que em grande parte trabalhavam por
 mento permanece no esquecimento.                                                                                                                                          conta própria, por empreitada ou,
 Pouco se sabe sobre os carvoeiros,                                                                                                                                        mais raramente, como assalariadas.
 em sua maioria escravos libertos, que                                                                                                                                     Tanto uns como outros eram quase
 viviam no Maciço da Pedra Branca, na                                                                                                                                      sempre explorados por intermediários
 Zona Oeste. Ocultos da população ur-                                                                                                                                      que levavam o carvão para a cidade.
 bana, que ainda ignorava a região, eles

                                                                                                                                                                           Da floresta
 desmataram a floresta e transforma-
 ram a lenha em insumo — como reve-

                                                                                                                                                                           para as favelas
 la um trabalho da Pontifícia Universi-
 dade Católica (PUC), responsável por
 um inédito levantamento das carvoa-
 rias da região.                                                                                                                                                           l Longe da mata, o carvão era levado
   Apenas um escritor, Magalhães                                                                                                                                           para casas (onde eram usados em
 Corrêa, dedicou algumas palavras                                                                                                                                          fogões e ferros de passar) ou indús-
 aos carvoeiros. São eles os prota-                                                                                                                                        trias. Uma das que mais usavam o
 gonistas de um capítulo de seu li-                                                                                                                                        produto era a construção civil — on-
 vro “O sertão carioca”, em que                                                                                                                                            de outros profissionais, mestres
 descreve a Barra da Tijuca e Jaca-                                                                                                                                        cantareiros e pedreiros, usavam-no
 repaguá: “Os machadeiros são to-                                                                                                                                          para moldar paralelepípedos em-




                                                                                                                              “
 dos nacionais, boas pessoas, mui-                                                                                                                                         pregados em sobrados, das calça-
 to gentis; (...) são verdadeiros he-      VENDEDORES DE carvão, em quadro de Debret: insumo era usado nas casas do Rio, por locomotivas e diversas indústrias             das às fachadas, muitos ainda de pé
 róis, que não conhecem o medo e a                                                                                                                                         no Centro Antigo e em diversos bair-
 preguiça nesse trabalho penosís-          zas. Por exigir tanta dedicação,         nal, ele gera três vezes mais ener-                                                    ros da Zona Sul, como Catete, Laran-
 simo”, exaltou.                           era comum que os trabalhadores           gia, é leve e facilmente transportá-                                                   jeiras e Cosme Velho.
   A região do Maciço da Pedra Bran-       vivessem ao lado dos balões. Esca-       vel, e poderia ser empregado na fa-                                                      As carvoarias viveram o seu apogeu
 ca, conhecida como Planície dos On-       vações já encontraram algumas            bricação de vinho ou na metalur-                                                       entre 1880 e 1920. Trinta anos depois,
 ze Engenhos no século XVII, era ocu-      ruínas de casebres ao lado daque-        gia, algo impossível com a lenha.                                                      quase todas haviam encerrado as ativi-
 pada por grandes propriedades, que        las produções.                             Oliveira e Joana Stingel Fraga, pes-                                                 dades, quando o país mais uma vez tro-
 dependiam de lenha para a produção          Os carvoeiros estavam à frente de      quisadora de História Ambiental da          Esperamos recuperar                        cou sua matriz energética — o carvão
 do açúcar. Os escravos, responsáveis
 pelo trabalho, adquiriram ali o conhe-
                                           um empreendimento delicado, mas
                                           barato — exigia apenas uma enxada,
                                                                                    PUC, buscaram vestígios das carvo-
                                                                                    arias numa área de 100 hectares do
                                                                                                                                muitos desses sítios                       deu lugar ao petróleo. Devido à carên-
                                                                                                                                                                           cia de fontes, é possível apenas espe-
 cimento que, anos depois, usariam
 nas carvoarias.
                                           um machado e uma espécie de is-
                                           queiro. Não à toa tantos ex-trabalha-
                                                                                    maciço, próximo à Taquara. Encon-
                                                                                    traram 157. Surpresos com o resulta-
                                                                                                                                arqueológicos, que,                        cular sobre o destino dos antigos tra-
                                                                                                                                                                           balhadores da Pedra Branca. Oliveira
   Estas pequenas estruturas fo-           dores da lavoura decidiram se aven-      do da busca, estimam que a Pedra            além de uma história                       acredita que a maioria foi para o Cen-
 ram erigidas em platôs, áreas pla-        turar na mata.                           Branca, em seus 7 mil hectares, po-                                                    tro, onde alguns conseguiram empre-
 nas do maciço, no meio da flores-           — Os engenhos da região come-          de ter abrigado até 3 mil empreendi-        ambiental, também                          gos na construção civil. Para morar
 ta. Quatro ou cinco homens reve-          çaram a alforriar seus escravos          mentos semelhantes.                                                                    próximo ao serviço, engrossaram o
 zavam-se na administração do ba-          cerca de 20 anos antes da Lei Áu-          Uma área equivalente a 80 campos          guardam um relato                          contingente das primeiras favelas.
 lão de carvão, um cone de lenha           rea — destaca Rogério Ribeiro de         de futebol foi desmatada para dar ori-                                                   — O carvão gerou riqueza, mas
 empilhada, revestido de barro,            Oliveira, professor do Departa-          gem a estas carvoarias, dispersas por       cultural sobre                             os carvoeiros se beneficiaram
 com cerca de 3,5 metros de altura.        mento de Geografia da PUC-Rio e          todo o local de pesquisa. Algumas fo-                                                  muito pouco de seu próprio traba-
 A queima da lenha era abafada em          pesquisador de História Ambien-          ram instaladas a até 650 metros de al-      esses personagens                          lho — ressalta o pesquisador. —
 um processo que exigia atenção
 dia e noite, já que a ventilação de-
                                           tal da Mata Atlântica. — Alguns re-
                                           ceberam pequenas propriedades,
                                                                                    tura, quase a mesma do morro do
                                                                                    Corcovado (710 metros). No entanto,
                                                                                                                                sem rosto                                  Primeiro, porque eram negros, em
                                                                                                                                                                           uma sociedade que havia acabado
 veria ser controlada com a abertu-        mas outros debandaram para a flo-        como estas estruturas foram abando-                                                    de abolir a escravidão. Segundo,
 ra ou fechamento de “respiros”.           resta. Por volta de 1850, a lenha,       nadas há muito tempo, praticamente          Rogério Ribeiro de Oliveira, pesquisador   porque mexiam com um material
 Caso contrário, toda a produção           até então insumo básico do Brasil,       todas foram engolidas pela vegeta-          de História Ambiental da Mata Atlântica    sujo. Terceiro, porque moravam
 seria perdida, convertida em cin-         perdeu espaço para o carvão. Afi-        ção. Apenas cinco das encontradas                                                      numa área muito distante. n

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História (7)

  • 1. 36 Sábado, 4 de fevereiro de 2012 OGLOBO HISTÓRIA Fotos de reprodução BALÃO DE carvão do século XIX: estrutura era administrada por até cinco pessoas e devia ser vigiada 24 horas por dia, para que a combustão não saísse de controle e a produção fosse transformada em cinzas O Rio movido a carvão Ignorados pela história oficial, carvoeiros geraram energia da cidade nos séculos XIX e XX Renato Grandelle pelos pesquisadores estão atualmen- renato.grandelle@oglobo.com.br te em áreas abertas. — Esperamos recuperar muitos des- P or quase um século, o Rio foi ses sítios arqueológicos, que, além de movido a carvão. Da indústria e uma história ambiental, também guar- das locomotivas à construção dam um relato cultural sobre esses de casas e produção ferraduras personagens sem rosto — explica Oli- de cavalos, boa parte da economia te- veira, que buscou descendentes de ve o carvão como matéria-prima. Foi carvoeiros. — São completamente exí- um período crucial para o progresso guas as fontes de informações, escritas da cidade — de meados do século XIX ou orais, sobre as pessoas que forneci- até a década de 1950 —, mas, ainda as- am energia ao Rio crescente. Sabe-se sim, quem impulsionou esse cresci- que em grande parte trabalhavam por mento permanece no esquecimento. conta própria, por empreitada ou, Pouco se sabe sobre os carvoeiros, mais raramente, como assalariadas. em sua maioria escravos libertos, que Tanto uns como outros eram quase viviam no Maciço da Pedra Branca, na sempre explorados por intermediários Zona Oeste. Ocultos da população ur- que levavam o carvão para a cidade. bana, que ainda ignorava a região, eles Da floresta desmataram a floresta e transforma- ram a lenha em insumo — como reve- para as favelas la um trabalho da Pontifícia Universi- dade Católica (PUC), responsável por um inédito levantamento das carvoa- rias da região. l Longe da mata, o carvão era levado Apenas um escritor, Magalhães para casas (onde eram usados em Corrêa, dedicou algumas palavras fogões e ferros de passar) ou indús- aos carvoeiros. São eles os prota- trias. Uma das que mais usavam o gonistas de um capítulo de seu li- produto era a construção civil — on- vro “O sertão carioca”, em que de outros profissionais, mestres descreve a Barra da Tijuca e Jaca- cantareiros e pedreiros, usavam-no repaguá: “Os machadeiros são to- para moldar paralelepípedos em- “ dos nacionais, boas pessoas, mui- pregados em sobrados, das calça- to gentis; (...) são verdadeiros he- VENDEDORES DE carvão, em quadro de Debret: insumo era usado nas casas do Rio, por locomotivas e diversas indústrias das às fachadas, muitos ainda de pé róis, que não conhecem o medo e a no Centro Antigo e em diversos bair- preguiça nesse trabalho penosís- zas. Por exigir tanta dedicação, nal, ele gera três vezes mais ener- ros da Zona Sul, como Catete, Laran- simo”, exaltou. era comum que os trabalhadores gia, é leve e facilmente transportá- jeiras e Cosme Velho. A região do Maciço da Pedra Bran- vivessem ao lado dos balões. Esca- vel, e poderia ser empregado na fa- As carvoarias viveram o seu apogeu ca, conhecida como Planície dos On- vações já encontraram algumas bricação de vinho ou na metalur- entre 1880 e 1920. Trinta anos depois, ze Engenhos no século XVII, era ocu- ruínas de casebres ao lado daque- gia, algo impossível com a lenha. quase todas haviam encerrado as ativi- pada por grandes propriedades, que las produções. Oliveira e Joana Stingel Fraga, pes- dades, quando o país mais uma vez tro- dependiam de lenha para a produção Os carvoeiros estavam à frente de quisadora de História Ambiental da Esperamos recuperar cou sua matriz energética — o carvão do açúcar. Os escravos, responsáveis pelo trabalho, adquiriram ali o conhe- um empreendimento delicado, mas barato — exigia apenas uma enxada, PUC, buscaram vestígios das carvo- arias numa área de 100 hectares do muitos desses sítios deu lugar ao petróleo. Devido à carên- cia de fontes, é possível apenas espe- cimento que, anos depois, usariam nas carvoarias. um machado e uma espécie de is- queiro. Não à toa tantos ex-trabalha- maciço, próximo à Taquara. Encon- traram 157. Surpresos com o resulta- arqueológicos, que, cular sobre o destino dos antigos tra- balhadores da Pedra Branca. Oliveira Estas pequenas estruturas fo- dores da lavoura decidiram se aven- do da busca, estimam que a Pedra além de uma história acredita que a maioria foi para o Cen- ram erigidas em platôs, áreas pla- turar na mata. Branca, em seus 7 mil hectares, po- tro, onde alguns conseguiram empre- nas do maciço, no meio da flores- — Os engenhos da região come- de ter abrigado até 3 mil empreendi- ambiental, também gos na construção civil. Para morar ta. Quatro ou cinco homens reve- çaram a alforriar seus escravos mentos semelhantes. próximo ao serviço, engrossaram o zavam-se na administração do ba- cerca de 20 anos antes da Lei Áu- Uma área equivalente a 80 campos guardam um relato contingente das primeiras favelas. lão de carvão, um cone de lenha rea — destaca Rogério Ribeiro de de futebol foi desmatada para dar ori- — O carvão gerou riqueza, mas empilhada, revestido de barro, Oliveira, professor do Departa- gem a estas carvoarias, dispersas por cultural sobre os carvoeiros se beneficiaram com cerca de 3,5 metros de altura. mento de Geografia da PUC-Rio e todo o local de pesquisa. Algumas fo- muito pouco de seu próprio traba- A queima da lenha era abafada em pesquisador de História Ambien- ram instaladas a até 650 metros de al- esses personagens lho — ressalta o pesquisador. — um processo que exigia atenção dia e noite, já que a ventilação de- tal da Mata Atlântica. — Alguns re- ceberam pequenas propriedades, tura, quase a mesma do morro do Corcovado (710 metros). No entanto, sem rosto Primeiro, porque eram negros, em uma sociedade que havia acabado veria ser controlada com a abertu- mas outros debandaram para a flo- como estas estruturas foram abando- de abolir a escravidão. Segundo, ra ou fechamento de “respiros”. resta. Por volta de 1850, a lenha, nadas há muito tempo, praticamente Rogério Ribeiro de Oliveira, pesquisador porque mexiam com um material Caso contrário, toda a produção até então insumo básico do Brasil, todas foram engolidas pela vegeta- de História Ambiental da Mata Atlântica sujo. Terceiro, porque moravam seria perdida, convertida em cin- perdeu espaço para o carvão. Afi- ção. Apenas cinco das encontradas numa área muito distante. n