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Guilherme de Souza Nucci
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revista, atualizada
e ampliada
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o GEN I Grupo Editorial Nacional - maior plataforma editorial brasileira no segmento
cientifico, técnico e profissional- publica conteúdos nas áreas de concursos, ciências jurí-
dicas, humanas, exatas, da saúde e sociais aplicadas, além de prover serviços direcionados
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As editoras que integram o GEN, das mais respeitadas no mercado editorial, construíram
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Guilherme de Souza Nucci
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(2.a
edição
revista, atualizada
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da Lei n. 9.610/98) .
• Capa: Danilo Oliveira
• Fechamento desta edição: 23.02.2017
• CIP - Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Nucci, Guilherme de Souza
Habeas Corpus / Guilherme de Souza Nucci. - 2. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro:
Forense, 2017.
Bibliografia
ISBN 978-85-309-7125-0
1. Habeas corpus. 2. Direito penal. I. Título.
14-12205 CDU: 342.721
APRESENTAÇÃO À 2a EDiÇÃO
A ação constitucional denominada habeas corpus é de extrema relevância
para assegurar os direitos individuais, e não deve, jamais, ser cerceada por
força de lei ordinária. Afirmar que o habeas corpus perturba o andamento dos
trabalhos dos tribunais, em sua área criminal, é irreal, posto que se cuida de
ação apresentada já com provas pré-constituídas. Diante disso, a facilidade
de acesso às alegações, geralmente calcadas em questões de direito, permite
o rápido julgamento dos feitos.
Nunca é demais lembrar que várias situações jurídicas foram alteradas
graças a habeas corpus impetrados diretamente pelo interessado, vale dizer
pelo preso ou condenado. O incentivo do manejo do habeas corpus pela parte
que se julga prejudicada é fundamental para o bom exercício das garantias
constitucionais.
A segunda edição desta obra foiatualizada, trazendo jurisprudência relevan-
te, recente e com acréscimo de dados doutrinários, tudo para facilitar o estudo
e a utilização do habeas corpus pelos estudantes e pelos operadores do Direito.
Agradecemos ao GEN I Grupo Editorial Nacional, pelo apoio quanto à
renovação e atualização desta obra.
Ao leitor, a minha gratidão, pelas considerações e sugestões feitas ao
longo da distribuição da primeira edição.
São Paulo, fevereiro de 2017.
O Autor
APRESENTAÇÃO À 1a EDiÇÃO
Esta é a primeira obra inédita publicada em parceria com a Editora
Forense e não poderia deixar de ser relevante para o universo das ciências
criminais, em particular para o Processo Penal brasileiro: Habeas Corpus.
Trata-se da ação constitucional de impugnação, destinada a coibir qualquer
violência ou coação no tocante à liberdade de locomoção, por ilegalidade ou
abuso de poder (art. 5.°, LXVIII, CF). No contexto dos direitos e das garan-
tias individuais, o habeas corpus é uma garantia ao direito fundamental da
liberdade, com todos os seus reflexos, que abrange outros notórios direitos
humanos, como a inviolabilidade de domicílio, a intimidade, a vida privada,
a integridade física, a saúde e até mesmo a vida. Essa garantia se torna um
instrumento e por isso é denominado remédio heroico.
Pode ser impetrado por qualquer pessoa - física ou jurídica - em favor
de pessoa física, denominada paciente, quando houver constrangimento à
liberdade de ir, vir e ficar. Porém, ampliou-se o alcance do habeas corpus
atualmente, podendo atingir outros atos de coação ou constrangimento, vincu-
lados indiretamente à liberdade de locomoção, motivo pelo qual agigantou-se
nos Tribunais pátrios, necessitando de estudo frequente tanto sob o enfoque
científico da doutrina como também pelo prisma dos julgados diários em
cada Corte brasileira.
Os fundamentos para ingressar com habeas corpus, embora enumerados
no art. 648 do Código de Processo Penal, são abertos e vinculados à liberdade
8 I HABEAS CORPUS - NuCCl
individual, não se podendo considerar o rol da lei ordinária como taxativo;
afinal, a letra da Constituição Federal é ampla e extensiva.
Temos observado que a legitimidade invulgar para impetrar habeas corpus,
sem necessidade de representação do advogado, fazendo-o em nome próprio
ou em favor de terceiro, tem aberto portas sobre questões controversas acerca
de temas cruciais para o Direito Penal e para o Processual Penal. Exemplo
disso se deu no caso do preso que, em seu próprio benefício, impetrou a ação
constitucional junto ao Supremo Tribunal Federal, pleiteando o direito de
progressão, pois estava condenado por delito hediondo, em regime fechado
integral. Deu-se prosseguimento à demanda, inseriu-se o pedido em Plenário
e, no dia 23 de fevereiro de 2006, concedeu-se a ordem para declarar incons-
titucional a vedação à progressão constante da Lei dos Crimes Hediondos,
permitindo a passagem ao semiaberto.
O caso concreto julgado impulsionou o Poder Legislativo a alterar, em
2007, a Lei 8.072/1990 que passou a permitir então, a progressão de regime
a todos os condenados por delitos hediondos e equiparados. Um habeas cor-
pus, impetrado por cidadão leigo, réu condenado e preso, mudou a história
dessa parte do Direito Penal no Brasil. Jamais se pode menosprezar o valor
intrínseco à ação de habeas corpus como bandeira hasteada permanentemente
no púlpito da liberdade.
Esta obra foi constituída com afinco e dedicação, após cuidadosa pes-
quisa na melhor doutrina e valendo-se de incontáveis julgados encontrados
nos vários Tribunais brasileiros, especialmente no STF e no STJ.
Ingressamos na parte histórica apenas para situar o instituto, absorvendo
a sua notoriedade nas letras jurídicas de várias nações, passando logo ao seu
conceito e natureza jurídica, pontos interessantes de debates científicos ao
longo dos anos. Estudamos as condições da ação de habeas corpus e tecemos
comentários a respeito do direito líquido e certo, da liberdade de ir, vir eficar,
bem como da indispensável ampliação do seu alcance para outras frentes,
que lidam indiretamente com a liberdade de locomoção.
Exploramos as restrições à utilização do habeas corpus, sempre apre-
sentando a nossa posição no tocante às controvérsias, marca que assumimos
desde o início de nossa carreira acadêmica, passando a analisar o interesse
de agir e a legitimidade ativa e passiva.
Delimitamos aspectos relativos à competência para conhecer e julgar o
habeas corpus, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, trazendo à tona
a responsabilidade da autoridade coatora de informar corretamente acerca do
ato impugnado, fazendo-o em detalhes, com o fito de sustentar a legalidade
de sua decisão.
APRESENTAÇÃO à 1a edição I 9
Vinculado ao estudo do habeas corpus, inequivocamente, encontra-se o
seu fundamento jurídico, com particular destaque à justa causa para os atos
restritivos à liberdade individual. Por isso, nesta obra, são avaliadas as várias
modalidades de prisão cautelar, seus requisitos e seu alcance, para se apurar
o cabimento ou descabimento de sua mantença frente ao caso concreto da
pessoa presa. Associado à detenção provisória, encontra-se ajusta causa para
a investigação criminal e para a ação penal, que podem ser trancadas, caso
sejam infundadas e injustificadas.
Um dos mais tormentosos temas atuais do Processo Penal brasileiro liga-
-se à duração razoável da prisão provisória, que conta com inúmeras visões
da doutrina e outras variadas opiniões nas Cortes. Busca-se explorar todas
as vertentes, apontando soluções e trazendo para esse cenário o importante
requisito da proporcionalidade, que se vincula à razoabilidade.
Avalia-se o procedimento do habeas corpus e todos os recursos a ele ine-
rentes, ingressando nas formalidades da petição inicial, a importante questão
da liminar, galgando esforços para tecer considerações sobre a produção de
provas, o mérito dessa ação constitucional e a viabilidade de concessão da
ordem de ofício pelo juiz ou tribunal.
O derradeiro capítulo é dedicado aos pontos polêmicos e atuais do
habeas corpus no cotidiano dos operadores do direito, abrangendo o ajuiza-
mento da ação constitucional contra decisão já proferida em outro habeas
corpus; a propositura contra indeferimento de liminar de habeas corpus; o
seu uso como substituto da revisão criminal; o confronto com o mandado
de segurança para impedir a quebra do sigilo bancário, fiscal ou telefônico;
a sua utilização para garantir interesses não previstos expressamente em lei,
tais como a visita íntima do preso e o cumprimento da pena próximo ao
seu local de domicílio; a relevância da ampla defesa no habeas corpus, sob
diversos matizes; o seu uso no procedimento do Tribunal do Júri; a questão
da prisão civil do devedor de alimentos, entre inúmeros outros.
Esperamos que o leitor possa apreciar esse trabalho, servindo-se dele para
estudos acadêmicos e para solução de dúvidas no dia a dia da prática forense.
À Editora Forense o meu agradecimento pelo empenho e pela dedicação
na produção desta obra, confirmando o triunfo da nossa parceria, iniciada
neste ano.
São Paulo, maio de 2014.
o Autor
SUMÁRIO
I. CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LINHAS HISTÓRICAS DO HABEAS
CORPUS 17
1.1 Constituição Federal e habeas corpus 17
1.2 Aspectos históricos em breves linhas 18
1.2.1 Origem do habeas corpus 18
1.2.2 Habeas corpus no Brasil e na América Latina................................... 20
11. CONCEITUAÇÃO 23
2.1 Conceito e natureza jurídica....................................................................... 23
2.2 Espécies de habeas corpus 28
m. CONDIÇÕES DA AÇÃO 31
3.1 Possibilidade jurídica do pedido................................................................ 31
3.1.1 A questão do direito líquido e certo 35
3.1.2 Liberdade de ir, vir e ficar 37
3.1.3 Ampliação do seu alcance 38
3.104 Punição disciplinar militar 42
12 IHABEAS CORPUS - NuCCl
3.1.5 Restrição ao uso do habeas corpus..................................................... 45
3.2 Interesse de agir (necessidade, adequação e utilidade)............................ 45
3.2.1 Existência de recurso legal para impugnar a decisão judicial con-
siderada abusiva 46
3.2.2 Dúvida quanto ao interesse de agir e consulta ao paciente 48
3.2.3 Cessação do interesse de agir 49
3.2.4 Desnecessidade de pedido de reconsideração ao juiz para a impe-
tração no tribunal ou de reiteração de pleito já formulado............. 49
3.3 Legitimidade 50
3.3.1 Legitimidade ativa: impetrante e paciente 51
3.3.2 Legitimidade passiva: autoridade coatora e particular 56
3.3.2.1 Tribunal como órgão coator 59
3.3.2.2 STF como órgão coator 60
3.3.2.3 Legitimidade passiva do particular............................................. 61
3.3.2.4 Membro do Ministério Público como autoridade coatora....... 64
3.3.2.5 Comissão Parlamentar de Inquérito como coatora 67
3.3.3 Intervenção de terceiros 67
3.3.4 Requisição cumprida pela autoridade policial................................ 70
3.3.5 Habeas corpus de ofício 71
IV. COMPETÊNCIA 73
4.1 Jurisdição e competência 73
4.1.1 Erro no endereçamento...................................................................... 74
4.2 Prevenção 74
4.3 Competência do Supremo Tribunal Federa!............................................. 76
4.4 Competência do Superior Tribunal de Justiça.......................................... 79
4.5 Competência de outros Tribunais Superiores 80
4.5.1 Tribunal Superior Eleitoral................................................................ 80
4.5.2 Superior Tribunal Militar 82
4.6 Competências dos Tribunais Estaduais (Justiça e Militar) e Regionais
(Federal e Eleitoral) 83
4.6.1 Competência da Turma Recursal...................................................... 84
4.7 Competência dos juízes de primeiro grau................................................. 85
V. FUNDAMENTO JURÍDICO 87
5.1 Cabimento 87
SUMARIO 113
5.1.1 Natureza do rol previsto no art. 648 do cpp 87
5.1.2 Justa causa 88
5.1.2.1 Prisão em flagrante 90
5.1.2.2 Prisão temporária 92
5.1.2.3 Prisão preventiva, inclusive em pronúncia e decisão condena-
tória 94
5.1.2.4 Trancamento de inquérito e outras investigações 111
5.1.2.5 Trancamento de ação penal......................................................... 118
5.1.3 Duração da prisão cautelar e da prisão-pena 124
5.1.3.1 Razoabilidade................................................................................ 132
5.1.3.2 Proporcionalidade 143
5.1.3.3 Excesso de prazo no julgamento de recursos............................. 147
5.1.3.4 Prisão em flagrante 149
5.1.3.5 Prisão temporária 150
5.1.3.6 Prisão preventiva 151
5.1.3.6.1 Ausência ou deficiência de fundamentação da prisão
cautelar................................................................................... 152
5.1.3.6.2 Final da instrução 152
5.1.3.7 Prisão-pena 153
5.1.4 Incompetência da autoridade coatora 158
5.1.5 Cessação do motivo autorizador da coação 159
5.1.6 Negativa de fiança 160
5.1.7 Nulidade do processo 161
5.1.8 Extinção da punibilidade 163
VI. PROCEDIMENTO 165
6.1 Petição inicial............................................................................................... 165
6.1.1 Concorrência do habeas corpus com o processo criminal.............. 170
6.1.2 Concorrência do habeas corpus com a investigação criminal........ 170
6.1.3 Termos injuriosos contidos na petição inicial................................. 171
6.2 Liminar......................................................................................................... 171
6.3 Apresentação do paciente e figura do detentor 174
6.4 Informações da autoridade coatora e do particular 175
6.5 Ônus e produção de provas......................................................................... 177
6.6 Concessão de ofício 182
6.7 Mérito........................................................................................................... 183
8.1.7
8.1.8
8.1.9
8.1.10
14 I HABEAS CORPUS - NuCCl
6.7.1 Celeridade no julgamento e manifestação do Ministério Público 184
6.8 Não conhecimento do pedido 185
6.9 Desistência e prejudicialidade 186
6.10 Efeitos e alcance da decisão 188
6.10.1 Coisa julgada e reiteração do pedido 190
6.11 Processamento do habeas corpus no TribunaL....................................... 190
VII. RECURSOS 193
7.1 Reexame necessário..................................................................................... 193
7.2 Recurso em sentido estrito 194
7.3 Recurso ordinário constitucional.............................................................. 195
7.4 Recurso especial........................................................................................... 196
7.5 Recurso extraordinário 198
7.6 Embargos de declaração 199
VIII. PONTOS POLÊMICOS DO HABEAS CORPUS...................................... 201
8.1 Aplicação do habeas corpus como recurso................................................ 202
8.1.1 Ajuizamento contra decisão em habeas corpus................................ 202
8.1.2 Ajuizamento contra indeferimento de liminar em habeas corpus.... 208
8.1.3 Habeas corpus em lugar de revisão criminal.................................... 211
8.1.4 Habeas corpus contra a suspensão condicional do processo 213
8.1.5 Habeas corpus contra suspensão condicional da pena.................... 214
8.1.6 Habeas corpus contra a aplicação ou execução da pena de multa e
ônus das custas 214
Habeas corpus contra a designação de audiência preliminar no
JECRIM 215
Habeas corpus contra decisões interlocutórias 215
Habeas corpus contra sentença 217
Habeas corpus contra liminar de deserilbargador que prejudicou
interesse do acusado 220
8.2 Habeas corpus em confronto com o mandado de segurança, no caso de
quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico 221
8.3 Habeas corpus no contexto da extradição no STF 224
8.4 A questão da supressão de instância no habeas corpus 225
8.5 Relevância da ampla defesa no procedimento do habeas corpus 229
8.6 Habeas corpus e provas 229
SUMÁRIO 115
8.6.1 Avaliação da prova ilícita.................................................................... 229
8.6.2 Habeas corpus na produção antecipada de provas em caso de
processo suspenso com base no art. 366 do Cpp 230
8.6.3 Indeferimento de provas 232
8.7 Habeas corpus no Tribunal do Júri 233
8.7.1 Para assegurar a plenitude de defesa 233
8.7.2 Em confronto à soberania dos veredictos......................................... 233
8.7.3 Excesso de fundamentação ou linguagem da decisão de pronúncia
ou do acórdão 235
8.7.4 Desaforamento.................................................... 236
8.7.5 Excesso de prazo após a pronúncia 237
8.7.6 Avaliação do elemento subjetivo: dolo ou culpa.............................. 238
8.7.7 Intimação do réu por edital para julgamento em plenário 239
8.8 Habeas corpus e prisão do devedor de alimentos 240
8.9 Habeas corpus na execução penal 242
8.9.1 Progressão de regime.......................................................................... 242
8.9.2 Penas restritivas de direitos................................................................ 245
8.9.3 Visita íntima a presos.......................................................................... 245
8.9.4 Cumprimento de pena no local do domicílio 246
8.9.5 Ampla defesa na execução 247
8.9.6 Execução provisória da pena 248
8.10 Habeas corpus na Justiça do Trabalho........................................................ 249
8.11 Habeas corpus no cenário de medidas restritivas da liberdade 250
8.11.1 Prisão para averiguação...................................................................... 250
8.11.2 Medidas cautelares alternativas à prisão........................................... 251
8.11.3 Juízo de periculosidade 251
8.11.4 Prisão cautelar substituída por medida alternativa 255
8.11.5 Regime inicial de cumprimento da pena e vedação ao recurso em
liberdade........................... 259
8.12 Investigação conduzida pelo Ministério Público passível de gerar cons-
trangimento ilegal....................................... 259
8.13 Combinação de leis penais no contexto do habeas corpus 261
8.14 Habeas corpus e princípio da colegialidade............................................... 262
8.15 Atipicidade provocada pela insignificância dando margem ao habeas
corpus 264
8.16 Ausência do defensor em audiência e habeas corpus 267
16 I HABEAS CORPUS - NuCCl
8.17 Habeas corpus eregime inicial de cumprimento de pena no tráfico ilícito
de drogas....................................................................................................... 268
8.18 Cumprimento da medida de segurança em local inadequado dando
ensejo ao habeas corpus............................................................................... 270
8.19 Habeas corpus para apressar processo 272
8.20 Habeas corpus e denúncia inepta - genérica ou alternativa 273
8.21 Restrições atuais ao habeas corpus 275
8.22 Busca de nulidade em relação a atos produzidos na fase investigatória
ou processual................................................................................................ 278
8.23 Habeas corpus contra determinação de prisão após ojulgamento em 2a
Instância....................................................................................................... 279
8.24 Audiência de custódia: não realização 281
BIBLI OGRAFIA 283
OBRAS DO AUTOR.................................................................................................. 287
I
Constituição Federal e linhas
históricas do habeas corpus
Sumário: 1.1 Constituição Federal e habeas corpus - 1.2 Aspectos his-
tóricos em breves linhas: 1.2.1 Origem do habeas corpus; 1.2.2 Habeas
corpus no Brasil e na América Latina.
1.1 Constituição Federal e habeas corpus
A Constituição Federal é a Magna Carta dos direitos e garantias in-
dividuais, particularmente previstos no art. 5.°, constitutivos de cláusula
pétrea, intocáveis por qualquer reforma constituinte derivada. Dentre os
vários direitos humanos fundamentais, encontra-se o direito à liberdade,
um dos principais. E, diretamente conectado a ele, instituiu-se um instru-
mento eficiente para assegurá-lo: o habeas corpus, chamado, vulgarmente,
de remédio heroico. I
Na realidade, o habeas corpus é instituto correlato ao mandado de segu-
rança; ambos são ações constitucionais para tutelar direitos líquidos e certos,
1. "O habeas corpus é a água da vida para reviver alguém da morte da prisão" (traduzi),
conforme Rolling C. Hurd (in Vicente Sabino Jr., O habeas corpus, p. 34).
18 I HABEAS CORPUS - NucCl
que foram conspurcados por ilegalidades ou abusos de poder. Enquanto o
habeas corpus visa à proteção da liberdade de locomoção (art. 5.°,LXVIII,
CF), o mandado de segurança destina-se a todos os demais direitos líquidos
e certos (art. 5.°,LXIX,CF), funcionando em caráter residual.
Ainda segundo o art. 5.°, LXXVII, da Constituição Federal, "são
gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os
atos necessários ao exercício da cidadanià: Aliás, o mesmo vem disposto
no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 61, ~ 1.0, I). A
gratuidade é relevante fator de acesso facilitado ao Poder Judiciário.
1.2 Aspectos históricos em breves linhas
1.2.1 Origem do habeas corpus
o absolutismo dos reis, na Idade Média, é historicamente reconhe-
cido como um dos males mais visíveis à liberdade individual em todos
os seus aspectos.2
A cobrança abusiva de impostos, muitos dos quais
possuíam nítido caráter confiscatório, associada ao poder de prender
qualquer pessoa, desprovida do devido processo legal, evidenciava esse
totalitarismo, que, sem dúvida, desagradou à própria elite de vários lu-
gares. Particularmente, na Inglaterra, emergiu a Magna Carta, imposta
pelos barões ao Rei João Sem Terra, para que respeitasse as liberdades
mínimas dos cidadãos.
Um dos mais relevantes passos nessa direção foi a instituição do Tri-
bunal do Júri, oferecendo julgamentos imparciais, realizado por seus pares
- pessoas do povo, desvinculadas do poder real -, além de estabelecer o
princípio da legalidade: ninguém deve ser processado ou preso senão pela
lei da terra (by the law of the land), que, posteriormente, transformou-se
na expressão devido processo legal (due process of law).
Direitos fundamentais - como alegalidade eojuiz imparcial- de nada
serviriam a menos que se criassem instrumentos dinâmicos para assegurar
os ganhos relativos à liberdade individual. Nesse cenário, surgiu o habeas
corpus, hoje intitulado remédio heroico, para obter do Poder Judiciário a
ordem de soltura ou o salvo-conduto, evitando-se constrangimentos ilegais.
2. "Monarquia absoluta e writ de habeas corpus são conceitos contraditórios, pois o
regime absoluto não pode aceitar processo que obriga a Coroa a motivar seus atos"
(Dante Busana, O habeas corpus no Brasil, p. 15).
CAPo I • CONSTITUiÇÃO FEDERAL E LINHAS HISTÓRICAS DO HABEAS CORPUS 119
Professa Pontes de Miranda que "os princípios essenciais do habeas
corpus vêm, na Inglaterra, do ano 1215. Foi no capítulo 29 da Magna
Charta libertatum que se calcaram, através das idades, as demais conquistas
do pOVOinglês para a garantia prática, imediata e utilitária da liberdade
física (no free man shall be taken, or imprisoned, or disseized, or outlawed,
or exiled, or any wise destroyed; nor will we go upon him, nor send upon
him, but by the lawful judgment of his peers or by the law of the land. To
none will we deny or delay, right or justice)':3
Destaca, ainda, que, aos ingleses, cultivadores originários desse instru-
mento de proteção, sempre foi muito cara a liberdade física de ir e vir, porque
matar um cidadão, injustificadamente, provocaria alarme social imediato,
mas o encarceramento de uma pessoa "é arma menos pública. Ninguém a
percebe, ou poucos poderão dela ter notícia. Oprime às escuras, nas prisões,
no interior dos edifícios, nos recantos. É violência silenciosa, secreta, igno-
rada, invisível; portanto, mais grave e mais perigosa do que qualquer outrà:4
Afirma Thiago Bottino do Amaral que "a aristocracia inglesa, vitoriosa
com a Magna Carta, mas em luta constante por sua afirmação, percebeu a
necessidade de uma regulamentação que afirmasse a força do habeas corpus,
enunciando, mais de quatrocentos anos depois, o Habeas Corpus Act, em
1679. (...) Com o Ato, a força do habeas corpus se revelou, então, com toda
sua eficácia e energia ao se instituir um novo rito, mais célere, com previsão
de multas e outras penalidades àqueles que o descumprissem, prazo para a
apresentação do preso perante a Corte, proibição de transferência do preso
de uma prisão para a outra sem consentimento da autoridade competente,
além da proibição (hoje elementar) de que a pessoa que fosse posta em
liberdade por meio de uma ordem de habeas corpus fosse presa novamente
pelo mesmo motivo. (...) O Habeas Corpus Act de 1816 supriu a ausência
para o sujeito que não estivesse sendo acusado da prática de um crime.
Garantiu-se a liberdade de locomoção a qualquer um':s
3. História e prática do habeas corpus, p. 9-21.
4. História e prática do habeas corpus, p. 9-11 e p. 26-28. Assim também a posição
de Galdino Siqueira, (Curso de processo criminal, p. 374).
5. Considerações sobre a origem e evolução da ação de habeas corpus, p. 112.]ustificou-
-se o Ato de Habeas Corpus porque o disposto pela Magna Carta, no tocante à
liberdade individual, "foi desrespeitada, esquecida e postergada a cada passo. Sem
garantias sérias, sem remédios irretorquÍveis, estava exposta, ora às decisões covardes
de certos juízes, ora às interpretações tortuosas dos partidários da 'prerrogativa'"
(Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 55).
20 I HABEAS CORPUS - NuCCl
Em suma, o habeas corpus nasceu na Inglaterra, porém com raízes no
direito romano.6
Depois,estendeu-sepor toda aparte, em constituições ou leis
ordinárias, como aspiração de todos os que lutam pela liberdade individuaU
Nos Estados Unidos, seguindo tradição britânica de apoio à liber-
dade individual, editou-se, em 1868, a XIV Emenda, preceituando que
"nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios
ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar
qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou
negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis':
Na lembrança de Ary Azevedo Franco, "maior amplitude teve, en-
tretanto, o instituto do habeas corpus nos Estados Unidos da América do
Norte, estendendo-lhe a jurisprudência o âmbito ao conhecimento da
constitucionalidade da lei federal ou estadual, desde que seja esta a causa
determinante da coação arguida pelo paciente':s
1.2.2 Habeas corpus no Brasil e na América Latina
A Constituição do Império não o consagrou. Entretanto, no texto
constitucional de 1824,consignou-se que "ninguém poderá ser preso sem
culpa formada, exceto nos casos declarados na lei; e nestes dentro de 24
horas contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras
povoações próximas aos lugares da residência do juiz e nos lugares re-
motos dentro de um prazo razoável, que a lei marcará, atenta a extensão
do território, o juiz por uma nota por ele assinada, fará constar ao réu
o motivo da prisão, os nomes do seu acusador, e os das testemunhas,
havendo-as" (art. 179, inciso VIII).
Por outro lado, de maneira inexplicável, seis tipos penais incrimina-
dores foram introduzidos no Código Criminal de 1830,todos relacionados
ao habeas corpus, antes mesmo que o instituto fosse consagrado no direito
brasileiro.9
6. "No Direito Romano havia um instituto que talvez tenha sido o precursor do habeas
corpus. Destinava-se a garantir a pessoa livre que por qualquer circunstância tivesse
sido reclamada como escravo. Se tal ocorresse havia o recurso ao interdito de homene
libero, mas daí não se passou" (Antonio Macedo de Campos, Habeas corpus, p. 60).
7. Pinto Ferreira (Teoria e prática do habeas corpus, p. 3 e 23); Vicente Sabino Jr. (O
habeas corpus, p. 22).
8. Código de Processo Penal, p. 359.
9. "Art. 183. Recusarem os Juizes, á quem fôr permittido passar ordens de - habeas-
-corpus - concedel-as, quando lhes forem regularmente requeridas, nos casos, em
CAPo I • CONSTITUiÇÃO FEDERAL ELINHAS HISTÓRICAS DO HABEAS CORPUS I 21
Somente em 1832, o habeas corpus foi previsto no Código de Processo
Criminal (arts. 340 a 355).10 Foi estendido aos estrangeiros e ganhou o
caráter preventivo pela Lei 2.033, de 187l.
Após, constou da Constituição Republicana de 1891 e em todas as
demais a partir daí editadas.
Na Constituição Federal de 1988, encontra -se previsto no art. 5.0
(Título dos Direitos e Garantias Fundamentais), inciso LXVIII: "conceder-
-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade
ou abuso de poder':
Consta, igualmente, de documentos internacionais de proteção aos
direitos humanos, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Hu-
que podem ser legalmente passadas; retardarem sem motivo a sua concessão, ou
deixarem de proposito, e com conhecimento de causa, de as passar independente
de petição, nos casos em que a Lei o determinar. Art. 184. Recusarem os Officiaes
de Justiça, ou demorarem por qualquer modo a intimação de uma ordem de -
habeas-corpus- que lhes tenha sido apresentada, ou a execução das outras diligencias
necessarias para que essa ordem surta effeito. Penas - de suspensão do emprego
por um mez a um anno, e de prisão por quinze dias a quatro mezes. Art. 185.
Recusar, ou demorar a pessoa, a quem fôr dirigida uma ordem legal de - habeas-
-corpus - e devidamente intimada, a remessa, e apresentação do preso no lugar, e
tempo determinado pela ordem; deixar de dar conta circumstanciada dos motivos
da prisão, ou do não cumprimento da ordem, nos casos declarados pela Lei. Penas
- de prisão por quatro a dezaseis mezes, e de multa correspondente á metade do
tempo. Art. 186.Fazer remesea do preso á outra autoridade; occultal-o, ou mudai-o
de prisão, com o fim de illudir uma ordem de - habeas-corpus - depois de saber
por qualquer modo que ella foi passada, e tem de lhe ser apresentada. Penas - de
prisão por oito mezes a tres annos, e de multa correspondente á metade do tempo.
Art. 187.Tornar a prender pela mesma causa a pessoa, que tiver sido solta por effeito
de uma ordem de - habeas-corpus - passada competentemente. Penas - de prisão
por quatro mezes a dous annos, e de multa correspondente á metade do tempo.
Se os crimes, de que tratamos tres artigos antecedentes, forem commettidos por
empregados publicos em razão, e no exercicio de seus empregos, incorrerão, em
lugar de pena de multa, na de suspensão dos empregos; a saber: no caso do artigo
cento oitenta e cinco, por dous mezes a dous annos; no caso do artigo cento oitenta
e seis, por um a quatro annos; e no caso do artigo cento oitenta e sete, por seis
mezes a tres annos. Art. 188.Recusar-se qualquer cidadão de mais de dezoito annos
de idade, e de menos de cincoenta, sem motivo justo, a prestar auxilio ao Official
encarregado da execução de uma ordem legitima de - habeas-corpus - sendo para
isso devidamente intimado. Penas - de multa de dez a sessenta mil réis':
10. Como leciona Pontes de Miranda, "habeas corpus é pretensão, ação e remédio. A
pretensão data de 1830 (Código Criminal, arts. 183-188). A ação e o remédio, de
1832" (História e prática do habeas corpus, p. 128).
22 I HABEAS CORPUS - NuCCl
manos (1948), art. 8.°; a Convenção Europeia (1950), art. 5.°, inciso 4; a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7.o
Y
Na América Latina, o habeas corpus não teve uma evolução idêntica;
alguns países o inseriram em seus textos constitucionais ou legais há muitos
anos, como o Brasil; outros o fizeram em época mais recente. Está presente,
atualmente, na Argentina, Bolívia, Chile (recurso de amparo), Colômbia,
Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá,
Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
No México, não possui a mesma denominação, mas está inserido no processo
de amparo, que abriga vários dispositivos processuais. 12
11. Antonio Magalhães Gomes Filho, O habeas corpus como instrumento de proteção
do direito à liberdade de locomoção, p. 62; Pontes de Miranda, História e prática do
habeas corpus, p. 126-127; Galdino Siqueira, Curso de processo criminal, p. 381.
12. Gumesindo GarCÍa Morelos (EI proceso de habeas corpus y los derechos fundamen-
tales, p. 32).
II
Conceituação
Sumário: 2.1 Conceito e natureza jurídica - 2.2 Espécies de habeas corpus.
2.1 Conceito e natureza jurídica
Trata-se de ação constitucional, destinada a coibir qualquer ilegalidade
ou abuso de poder voltado à constrição da liberdade de ir, vir e ficar, seja
na esfera penal, seja na cÍveLJ Encontra-se prevista no art. 5.°, LXVIII, da
Constituição Federal e regulada no Capítulo X do Título II do Livro III
do Código de Processo Pena1,2 Na lição de Frederico Marques, o habeas
1. "O habeas corpus latino-americano paulatinamente vai se consolidando como
um processo de natureza constitucional, alijando-se de seu tratamento processual
penal" (Gumersindo GarcÍa Morelos, EI proceso de habeas corpus y los derechos
fundamentales, p. 77, tradução livre).
2. "Quando os juízes despacham petições de habeas corpus devem ter em vista que a
apresentação do paciente pode ser o maior elemento para que o caso se esclareça.
Ao terem de julgar, afinal, devem ter presente ao espírito que o habeas corpus é a
pedra de toque das civilizaçõessuperiores, um dos poucos direitos, pretensões, ações
e remédios com que se sobrepõem aos séculos passados, mal saídos da Idade Média e
dos absolutismos dos reis,os séculos de civilizaçãoliberal-democrática, nos países em
24 I HABEAS CORPUS - NuCCl
corpus é uma ação popular, pois pode ser ajuizada por qualquer pessoa do
pOVO,3o que, certamente, corresponde à sua natureza de remédio heroi-
co e garantia constitucional. E, há muito, já dizia Oliveira Machado que
"nenhum remédio é mais salutar, mais poderoso a garantir a liberdade
suprimida ou cerceada que o habeas corpus, cujo fim é aliviar o paciente,
com verdadeira presteza e admirável prontidão, da opressão ilegal. O habeas
corpus é o salvo-conduto eficaz, a carta de crédito vigilante e defensora
que preserva a liberdade contra os ataques iníquos e injuriosos".4
Não se trata de recurso, como faz crer a sua inserção na lei processual
penal, no âmbito dos recursos, mas de autêntica ação autônoma, dando
vida a uma relevante garantia humana fundamental. Dentre as principais
razões que se podem enumerar para o seu caráter de ação - e não de re-
curso -, encontra-se a inexistência de prazo para o seu ajuizamento. Pode
ser proposta contra decisão com trânsito em julgado. Além disso, pode
ser impetrada contra ato de autoridade coatora (delegado de polícia, por
exemplo) distinto de decisão judicial - contra a qual poderia caber algum
recurso -, além de ser viável contra abuso de particular (internação com-
pulsória firmada por médico, a título de ilustração). De se anotar, também,
existirem decisões judiciais contra as quais não cabe recurso previsto em
lei, mas que podem significar autêntico constrangimento à liberdade de
locomoção, como a determinação judicial de condução coercitiva de vítima
ou testemunha. Nunca é demais ressaltar o trancamento de inquérito ou
ação penal, situações que não comportam recurso previsto em lei, mas o
habeas corpus se torna o remédio adequado a tanto. Em suma, o habeas
corpus pode até atuar como recurso, em determinadas situações, buscando
corrigir em instância superior algum erro cometido por instância inferior
do Judiciário, mas o seu propósito principal não é este. Eis que o motivo
de sua natureza jurídica concentra-se noutro aspecto.
No entanto, não deixa de ser uma ação sui generis, que possui polo
ativo singular (impetrante e paciente são a mesma pessoa) ou complexo
(impetrante e paciente são pessoas diversas) e polo passivo peculiar, inte-
grado pela autoridade apontada como coatora (ou particular coator), de
que ela logrou se firmar. Fazer respeitada a liberdade física é um dos meios de servir
e sustentar essa civilização, a que todos os homens, de todos os recantos da Terra, se
destinam, sem ser certo que todos a logrem. Os que não a lograrem desaparecerão"
(Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 571).
3. Elementos de direito processual penal, p. 376.
4. O habeas corpus no Brasil, p. 10.
CAPo 11 • CONCEITUAÇÃO I 25
quem não se exige contestação, mas somente informações (que podem ser
dispensadas ou exigidas, sob pena de falta funcional e prática de crime).
Não há citação de réu; em seu lugar, ingressa um ofício de requisição
de informes. Pode-se, inclusive, abrir mão da requisição, impondo-se a
intimação do coator para depoimento pessoal em juízo, como se dá no
caso de particular, a critério do magistrado.
Cuida-se de garantia individual, e não direito. Em nosso posicio-
namento, há diferença entre direito e garantia fundamental. O primeiro
é meramente declaratório - como o direito à liberdade -, enquanto
o segundo é assecuratório - como o devido processo legal. O Estado
reconhece a existência do direito, afirmando-o em norma jurídica. A
garantia é instituída pelo Estado, não existindo naturalmente antes da
norma que a criou. Num panorama amplo, o direito é uma garantia e
esta também é um direito. É in conteste que a liberdade é um direito,
mas também a garantia de uma sociedade livre; o habeas corpus é uma
garantia da liberdade, porém um direito do cidadão, quando deseja
utilizá-lo. Entretanto, a diferença estabelecida entre direito e garantia é
didática e classificatória, permitindo a mais adequada visão dos direitos
e garantias humanas fundamentais.
O termo habeas corpus, do latim (habeo, habere = ter, exibir, tomar,
trazer; corpus, corporis = corpo), etimologicamente, significa "toma o
corpo", isto é, fazer a apresentação de alguém, que esteja preso, em juízo,
para que a ordem de constrição à liberdade seja justificada, podendo o
magistrado mantê-la ou revogá-la. Nas palavras de Pontes de Miranda,
"toma (literalmente: tome, no subjuntivo, habeas, de habeo, habere,
ter, exibir, tomar, trazer etc.) o corpo deste detido e vem submeter ao
Tribunal o homem e o caso. Por onde se vê que era preciso produzir e
apresentar à Corte o homem e o negócio, para que pudesse a Justiça,
convenientemente instruída, estatuir, com justiça, sobre a questão, e
velar pelo indivíduo".5
Distingue-se o habeas corpus de outras medidas cautelares em prol
da liberdade e da defesa de direitos individuais pelo fato de constituir um
procedimento célere, com pronta resposta em face da violação da liberdade
de alguém, por ato inconstitucional ou ilegal, viabilizando a apresentação
imediata da pessoa privada do direito de ir e vir diante da autoridade judi-
ciária, que o liberou por ordem, para que possa, sem qualquer formalismo,
5. História e prática do habeas corpus, p. 21.
26 I HABEAS CORPUS - NuCCl
de forma oral, frente a frente, expor os argumentos e queixas em relação
à sua situação pessoal. O juiz, então, haverá de resolver rapidamente.6
Embora atualmente não mais se tenha que fazer a apresentação do
preso ao juiz, como regra, continua este analisando a legalidade do ato
ameaçador ou constringente à liberdade de ir, vir e ficar do indivíduo.
Desde a sua origem, conhecem-se várias ordens de habeas corpus para
resgatar qualquer constrição à liberdade, como bem demonstra Pontes
de Miranda: a) habeas corpus ad respondendum: expede-se quando uma
pessoa encontra-se presa por ordem de tribunal inferior, com o fito de
transferi-la para local sob competência de tribunal superior, onde deverá
ser ajuizada a ação; b) habeas corpus ad satisfaciendum: busca assegurar
a transferência de um preso, submetido a julgamento por determinada
corte, para que se assegure a execução do julgado por outro juízo; c) ha-
beas corpus ad prosequendum: utiliza-se para remover o preso para local
de competência do juízo onde foi cometido o crime, para que seja julgado;
d) habeas corpus ad testificandum: a finalidade é levar uma pessoa sob
custódia para ser ouvida como testemunha; e) habeas corpus ad facien-
dum et recipiendum: obriga-se os juízes inferiores a apresentar a pessoa
do acusado, comunicando quando foi detido e o motivo; f) habeas corpus
ad subjiciendum: destinado a quem detenha outra pessoa, obrigando o de-
tentor a apresentá-la ao juiz, comunicando data, hora e motivo da prisão.
Portanto, se ilegal, o preso será restituído à liberdade.?
O seu objetivo primário é conceder liberdade a quem dela se viu
privado, sem justo motivo. Diante disso, a sua natureza jurídica é de ação
de conhecimento, mas também denominado de remédio heroico. Aliás,
o texto constitucional refere-se a ação de habeas corpus - e não recurso
(art. 5.°, LXXVII, CF).
Supremo Tribunal Federal
• "1. Pelo art. 5.°, inc. LXVIII, da Constituição da República, condiciona-
-se a concessão do habeas corpus às situações nas quais alguém sofra ou
esteja ameaçado de sofrer violência ou coação na liberdade de locomoção,
por ilegalidade ou abuso de poder, o que não se verifica na espécie em
6. Gustavo López-Mufloz Y Larraz, El auténtico "habeas corpus", p. 74.
7. História eprática do habeas corpus, 41-42. No mesmo prisma, Antonio Magalhães
Gomes Filho (O habeas corpus como instrumento de proteção do direito à liberdade
de locomoção, p. 60) e Galdino Siqueira (Curso de processo criminal, p. 375).
CAPo 11 • CONCEITUAÇÃO I 27
exame. 2. Agravo regimental ao qual se nega provimento" (HC 133753
AgRlDF, Tribunal Pleno, reI. Cármen Lúcia, 02.06.2016, m.v.).
• "O habeas corpus não é a via adequada para questionar decisão defi-
nitiva do Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, mormente
quando ausente risco iminente à liberdade de locomoção do paciente"
(HC 130810 AgR/AL, La T., reI. Roberto Barroso, 02.08.2016, m.v.) .
• "Vale, ainda, lembrar que a Corte, igualmente, não admite o habeas
corpus quando se pretende discutir questões alheias à privação da
liberdade de locomoção. Precedentes" (RHC 120571/RJ, La T., reI.
Dias Toffoli, 11.03.2014, v.u.).
Como bem esclarecem Ada, Magalhães e Scarance, pode-se objetivar um
provimento meramente declaratório (extinção de punibilidade), constitutivo
(anulação de ato jurisdicional) ou condenatório (condenação nas custas da
autoridade que agiu de má-fé). Para nós, entretanto, inexiste o habeas corpus
com finalidade condenatória, pois o art. 5.°, LXXVII, da Constituição prevê
a gratuidade desse tipo de ação. Logo, jamais há custas a pagar. Destacam
os autores supramencionados, ainda, que possui o caráter mandamental,
envolvendo a ordem dada pelo juiz para que a autoridade coatora cesse
imediatamente a constrição, sob pena de responder por desobediência.8
Considerando-o como autêntica ação e não recurso: Pontes de
Miranda;9 Antonio Magalhães Gomes Filho;lO José Frederico Marques;ll
Rogério Lauria Tucci;12 Tourinho Filho;l3 Marco Antonio de Barros;14
Dante Busana;lS Dante Busana e Laerte Sampaio;16 Mauro Cunha e Ro-
berto Geraldo Coelho Silva;l7 Paulo Roberto da Silva Passos;18 Antonio
8. Recursos no processo penal, p. 346.
9. História e prática do habeas corpus, p. 42.
10. O habeas corpus como instrumento de proteção do direito à liberdade de locomoção,
p.68.
11. Elementos de Direito Processual Penal, p. 346.
12. Habeas corpus, ação e processo penal, p. 4-6.
13. Processo penal, p. 654.
14. Ministério Público e o habeas corpus: tendências atuais, p. 119.
15. O habeas corpus no Brasil, p. 29-34.
16. O Ministério Público no processo de habeas corpus, p. 316.
17. Habeas corpus no direito brasileiro, p. 69 e 152.
18. Do habeas corpus, p. 25.
28 I HABEAS CORPUS - NuCCl
Macedo de Campos;19 Diomar Ackel Filho;20Vicente Sabino Jr.;21Gustavo
Badaró;22Edilson Mougenot Bonfim;23 Cesar Antonio da Silva;24Demercian
e Maluly;25 Paulo Lúcio Nogueira;26 Heráclito Antônio Mossin;27 Eugênio
Pacelli de Oliveira;28 Aury Lopes Jr.;29Lúcio Santoro de Constantino;30
Paulo Rangel;31 Luis Alfredo de Diego Díez.32
Em sentido contrário, sustentando tratar-se de um recurso especial:
Galdino Siqueira33 e Tavares Bastos.34
Não é demais citar o entendimento de Pinto Ferreira, para quem "o
pedido de habeas corpus é pedido de prestação jurisdicional em ação, como
a sua real natureza, mas pode, no sistema de duplo grau de jurisdição,
assumir o caráter de recurso, pois é evidente que pode servir ainda contra
decisões do juiz de 1.a instância, para que sejam revistas pelos tribunais
ou pela superior instância':35 No mesmo sentido, Magalhães Noronha.36
2.2 Espécies de habeas corpus
Se, em tempos pretéritos, havia múltiplas ordens de habeas corpus, como
retratado no item anterior, atualmente, há basicamente duas: a) liberatório,
que é o mais comum, dizendo respeito à cessação do constrangimento ilegal
contra a liberdade individual, já consumado; atua em relação a qualquer
espécie de coação já realizada, buscando retornar o coato à situação ante-
19. Habeas corpus, p. 75.
20. Writs constitucionais, p. 29.
21. O habeas corpus, p. 40.
22. Processo penal, p. 675.
23. Curso de processo penal, p. 925.
24. Código de Processo Penal comentado, p. 620.
25. Curso de processo penal, p. 438.
26. Curso completo de processo penal, p. 470.
27. Habeas corpus, p. 68.
28. Curso de processo penal, p. 754.
29. Direito processual penal, p. 1.338.
30. Habeas corpus, p. 33.
31. Direito processual penal, 874.
32. Habeas corpus frente a detenciones ilegales, p. 52.
33. Curso de processo criminal, p. 384.
34. O habeas corpus na República, p. 90.
35. Teoria e prática do habeas corpus, p. 12.
36. Curso de processo penal, p. 411.
CAPo 11 • CONCEITUAÇÃO I 29
riar de plena liberdade; b) preventivo, mais raro, referindo-se à ordem de
cautela, visando a assegurar que determinada potencial coação não ocorra.
Quando liberatório, a concessão da ordem de habeas corpus leva à
expedição de alvará de soltura (libertar quem está indevidamente custo-
diado) ou gera um ofício, contendo uma ordem, enviado à autoridade
coatora para que o constrangimento cesse de imediato (trancamento de
uma investigação, par exemplo).
Se for preventivo, a concessão da ordem acarreta a expedição do
mandado de salvo-conduto, consistente em ordem judicial para que o
ameaçado não venha a sofrer qualquer constrangimento ilegal em sua
liberdade de locomoção.3
? Exemplo concreto disso já ocorreu, quando
prostitutas, na cidade de São Paulo, impetraram habeas corpus contra certo
delegado, que costumava determinar o seu recolhimento ao cárcere por
vadiagem, a pretexto de "limpar" o centro da cidade. Deferida liminarmente
a ordem, expediu-se o salvo-conduto, de modo que as beneficiárias não
mais p ser detidas, a não ser em flagrante delito, por situação diversa de
vadiagem. Pode expedir, ainda, uma ordem preventiva, para que alguém
não se submeta a determinado ato, considerado abusivo (exemplo: impedir
o indiciamento de um suspeito, nos autos do inquérito policial).
Sem dúvida, o mais comum e utilizado habeas corpus é o liberatório,
ajuizado contra ato de autoridade coatora já consumado. Pretende-se
restituir ao paciente a liberdade individual na sua integralidade, que fora
conspurcada por algum abuso ou ilegalidade.
Não se deve, no entanto, desprezar a eficiência do habeas corpus preven-
tivo. A Constituição Federal autoriza essa ação quando se verificar ameaça de
violência ou coação em relação à liberdade de locomoção, hoje visualizada
por amplo espectro, de alguém, em caso de ilegalidade ou abuso de poder.
Esse instrumento é pouco utilizado, até mesmo por desconhecimento
de seu valor e de seu alcance. Exige-se para a propositura do habeas corpus
37. O mais famoso caso de habeas corpus registrado no Brasil foi julgado pelo STF,em
5 de abril de 1919, relatado pelo Ministro Edmundo Lins, concedendo-se salvo-
-conduto em favor do conselheiro Rui Barbosa e alguns de seus amigos para fazerem
na Bahia, sem constrangimento, a sua propaganda política, em função da eleição
presidencial de 13 de abril de 1919. Aliás, consagrou-se, nessa ordem, o direito de
ficar, pois os correligionários de Rui Barbosa estavam autorizados a permanecer
em determinado lugar para o fim de realizar comício político (Pontes de Miranda,
História e prática do habeas corpus, p. 256).
30 I HABEAS CORPUS - NuCCl
a existência de direito líquido e certo, seja para liberar, seja para prevenir.
Por certo, aprova da ameaça (dano futuro) é mais difícil, mas não inviável.
É preciso que o impetrante explicite, detalhadamente, o que pode
acontecer com o paciente, caso a ordem não seja concedida, mesmo ha-
vendo dificuldade de ofertar elementos documentais imediatos.
Ilustrando, são casos de habeas corpus preventivo:
a) indiciamento: antes de ser formalmente apontado pela autoridade
policial, como autor do delito, inscrevendo-se tais dados em sua folha de
antecedentes, o suspeito pode impetrar habeas corpus preventivo, visan-
do a obstar que tal ato se concretize, evitando-se os dissabores que daí
podem advir;
b) quando indiciado por um crime, o suspeito tem direito de acom-
panhar a direção tomada das investigações por meio de seu defensor;
conforme o rumo tomado, pode impetrar habeas corpus para evitar que
seja quebrado o seu sigilo bancário, fiscal ou telefônico;
c) o indiciado pode questionar preventivamente a ordem da autori-
dade policial, quando intimado para participar da reconstituição do crime,
evitando que seja conduzido coercitivamente ao local;
d) caso pretenda participar da prova pericial, por meio de assistente
técnico, produzida durante a fase policial, sabedor que muitos delegados
não permitem esse acompanhamento, pode impetrar a ordem preventiva
para que seu representante tome parte na diligência;
e) da mesma forma que se admite a propositura do habeas corpus
para trancar ação penal, é cabível o remédio heroico para impedir o re-
cebimento da denúncia, por falta de justa causa; imagine-se a finalização
do inquérito, remetendo-se os autos ao órgão acusatório, sem nenhuma
prova a lastrear uma acusação; desde que tenha a oferta da peça acusatória,
pode o indiciado impetrar habeas corpus;
f) durante a instrução, designada a audiência, o réu será intimado a
comparecer; porém ele tem o direito de acompanhar a instrução, e não um
dever; se optar pelo não comparecimento, pode impetrar habeas corpus
preventivo para não ser conduzido coercitivamente ao ato; aliás, o mesmo
se dá se não pretender ser interrogado, valendo-se do direito ao silêncio;
g)intimado adepor como testemunha, especialmente diante de Comis-
são Parlamentar de Inquérito, havendo possibilidade de se autoincriminar
com suasdeclarações,éviávelimpetrar habeas corpus preventivo para invocar
o direito ao silêncio, evitando a prisão em flagrante por falso testemunho.
III
Condições da ação
Sumário: 3.1 Possibilidade jurídica do pedido: 3.1.1 A questão do di-
reito líquido e certo; 3.1.2 Liberdade de ir, vir e ficar; 3.1.3 Ampliação
do seu alcance; 3.1.4 Punição disciplinar militar; 3.1.5 Restrição ao
uso do habeas corpus - 3.2 Interesse de agir (necessidade, adequação
e utilidade): 3.2.1 Existência de recurso legal para impugnar a decisão
judicial considerada abusiva; 3.2.2 Dúvida quanto ao interesse de agir
e consulta ao paciente; 3.2.3 Cessação do interesse de agir; 3.2.4 Des-
necessidade de pedido de reconsideração ao juiz para a impetração no
tribunal ou de reiteração de pleito já formulado - 3.3 Legitimidade:
3.3.1 Legitimidade ativa: impetrante e paciente; 3.3.2 Legitimidade
passiva: autoridade coatora e particular; 3.3.3 Intervenção de tercei-
ros; 3.3.4 Requisição cumprida pela autoridade policial; 3.3.5 Habeas
corpus de ofício.
3.1 Possibilidade jurídica do pedido
Cabe a ação de habeas corpus quando tem por fim o resgate à liberdade
individual que, por qualquer constrangimento, encontra-se restringida ou
ameaçada de restrição. Esse é o fundamento jurídico, retratado no próprio
texto constitucional (art. 5.°, LXVIII): "concede-se habeas corpus quando
32 I HABEAS CORPUS - NuCCl
alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder': I
Como primeira condição da ação, deve-se verificar a possibilidade
jurídica do pedido, vale dizer, se a liberdade individual está em jogo.
Em tese, não se tratando de liberdade de locomoção, seria juridicamente
inviável ajuizar o habeas corpus. E, mesmo havendo alguma constrição a
outro direito fundamental, cabível seria o mandado de segurança (art. 5.°,
LXIX): concede-se mandado de segurança quando algum direito líquido
e certo for violado por ato abusivo ou ilegal de autoridade.
Entretanto, a viabilidade jurídica da ação de habeas corpus alargou-se
sobremaneira, invadindo searas vizinhas ao direito de locomoção, desde
que este, de algum modo, possa ser atingido, ainda que indiretamente.
Tem-se observado, no curso da história do habeas corpus, ao menos
no Brasil, a ampliação da medida de ajuizamento desse remédio heroico, de
forma que é praticamente impossível delimitar, com precisão, esgotando
todas as hipóteses, a possibilidade jurídica do pedido.
Outro aspecto relevante diz respeito ao indeferimento liminar da pe-
tição de habeas corpus, a pretexto de não preencher a viabilidade jurídica
do pleito, por se tratar de direito diverso da liberdade de ir, vir e ficar.
Se assim for feito, embora tecnicamente correto, somente acarretará, na
prática, dissabores tanto ao impetrante (e ao paciente) quanto ao próprio
juízo. Afinal, indeferindo-se um, outro habeas corpus será impetrado, agora
contra esse ato judicial de indeferimento, afirmando constrangimento,
o que, muitas vezes, termina por ser reconhecido em tribunal superior.
Noutros termos, deve-se reservar, para último caso, o indeferimento
imediato da petição inicial.
No contexto global da possibilidade jurídica do pedido, é complexa e
dificultosa a sua avaliação, motivo pelo qual o mais indicado é permitir o
processamento da demanda, que possui rito célere e abreviado, proferindo,
se for o caso, decisão de mérito, indeferindo a ordem. Noutras palavras, a
análise das condições da ação de habeas corpus deve ser feita de maneira
1. Lembrando a importância da liberdade, em todos os seus matizes, narra Pontes de
Miranda ter sido "admirável, em 1943, a força serena com que o povo britânico,
sob as metralhas, conservou o seu amor da liberdade e fez respeitarem-se todos os
poderes. A imprensa britânica, de 1940 a 1943 e o Parlamento são o maior exemplo
humano de que ser livre é mais importante do que viver" (História e prática do
habeas corpus, p. 30).
CAPo 111 • CONDIÇOES DA AÇÃO I 33
mais flexível do que uma ação diversa. A dúvida deve favorecer o impe-
trante e o paciente, jamais o próprio Estado.
Um dos pontos de confronto entre o texto constitucional (art. 5.°,
LXVIII) e a lei ordinária (art. 647, CPP) é o termo iminência, que consta
nesta última, mas não na norma da Constituição Federal.
O Código de Processo Penal prevê o uso de habeas corpus sempre que
alguém sofrer ou se achar na iminência (prestes a acontecer) de sofrer vio-
lência ou coação ilegal no tocante à sua liberdade de ir, vir e ficar, salvo nos
casos de punição disciplinar. A Constituição estipula a utilização de habeas
corpus quando alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou
coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
O texto normativo do Código é mais restritivo do que o previsto na
Constituição, devendo este prevalecer sobre aquele, por duas razões básicas:
a) a Constituição Federal encontra-se em nível superior à lei ordinária;
b) em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação mais favorável
ao paciente, que se encontra de algum modo constrangido.
Afinal, se há o princípio constitucional da presunção de inocência,
quem sofre constrangimento torna-se vítima, considerada, a princípio,
pessoa inocente.
Diante disso, cabe habeas corpus preventivo sempre que alguém se
achar ameaçado de sofrer coação ou violência, seja isso iminente (próximo
de acontecer) ou mais distante (futuro).
A lei ordinária refere-se à liberdade de ir e vir, enquanto o texto
constitucional menciona a liberdade de locomoção; ambas as expressões
possuem significado correlato, não sendo este um fator diferencial.
No Código de Processo Penal, cita-se apenas a coação ou violência
ilegal (contra a lei em amplo sentido); na Constituição, além da ilegalidade,
há referência a abuso de poder, que, no entanto, é desnecessário, visto que
o abuso (excesso indevido) é sempre um ato ilegal.
Configura impossibilidade jurídica do pedido, não sendo cabível
o habeas corpus, a discussão acerca do mérito da ação penal, em que o
paciente figura como réu. A ação mandamental não é ambiente para se
analisar se o acusado é culpado ou inocente pelas seguintes razões:
a) o objetivo do habeas corpus é assegurar a liberdade de ir e vir,
exceto se houver imposição de pena, com trânsito em julgado; assim sen-
do, combater uma sentença condenatória por meio do remédio heroico
significa perverter a sua essência;
34 I HABEAS CORPUS - NuCCl
b) para avaliar o acerto ou desacerto da decisão condenatória existe
recurso apropriado - apelação;
c) a ação de habeas corpus exige prova pré-constituída, sem qualquer
dilação probatória; avaliar integralmente o conteúdo do processo-crime
torna-se incompatível com tal celeridade e estreiteza;
d) havendo o recurso próprio para contrapor a sentença, se o habe-
as corpus pudesse ingressar no mérito, em processo distinto, poderiam
subsistir decisões diversas e, até mesmo, contraditórias.
Se o direito alegado pelo impetrante em favor do paciente é tão ne-
buloso que depende de ampla captação de provas, ainda não existentes,
torna-se impossível tecer considerações sobre o pedido formulado. Aliás,
vale ressaltar que também no habeas corpus - tal como ocorre com o
mandado de segurança - exige-se a evidência de direito líquido e certo,
consistente no direito tão claro quanto possa ser demonstrado por prova
documental ou pela informação da autoridade coatora. É líquido, pois
induvidoso o pedido, sabendo o impetrante exatamente o que pretende
em favor do paciente; é certo, pois claramente demonstrado pela prova
documental ofertada com a inicial.
Supremo Tribunal Federal
• "Impossibilidade de rever, em habeas corpus, a especial gravidade
dos fatos e sua repercussão em causa de aumento de pena, tendo em
vista que o remédio constitucional não se compatibiliza com o reexa-
me de fatos e provas" (HC 132029 AgR/SP, La T., reI. Edson Fachin,
02.09.2016, m.v.).
• "O enfrentamento acerca do elemento subjetivo do delito de homi-
cídio demanda profunda análise fático-probatória, o que, nessa me-
dida, é inalcançável em sede de habeas corpus. 3. Ordem denegada,
revogando-se a liminar anteriormente deferidà' (HC 121654/MG, La
T., reI. Marco Aurélio, 21.06.2016, m.v.).
• "O habeas corpus constitui remédio processual inadequado para a
análise de prova, o reexame do material probatório produzido, a rea-
preciação da matéria de fato e, também, a revalorização dos elementos
instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento" (RHC
121106/SP,2.a T., reI. Cármen Lúcia, 25.03.2014, v.u.).
• "É cediço que a via estreita do habeas corpus não comporta reexame
de fatos e provas para alcançar a absolvição, consoante remansosa
jurisprudência desta Corte: HC 105.022/DF,reI. Cármen Lúcia, La T.,
CAPo 111 • CONDiÇÕES DA AÇÃO I 35
D/e 09.05.2011; HC 102.926/MS, reI. Luiz Fux, La T., DJe 10.05.2011;
HC 101.588/SP, reI. Dias Toffoli, La T., DJe 01.06.2010; HC 100.234/
SP, reI. Joaquim Barbosa, 2.a
T., D/e 01.02.2011; HC 90.922, reI. Cezar
Peluso, 2.a
T., DJe 18.12.2009; e RHC 84.901, reI. Cezar Peluso, 2.a T.,
DJe 07.08.2009" (HC 108181/RS, La T., reI. Luiz Fux, 21.08.2012, v.u.).
Superior Tribunal de Justiça
• ''A análise acerca da negativa de autoria é questão que não pode ser
dirimida em recurso ordinário em habeas corpus, por demandar o re-
exame aprofundado das provas colhidas, vedado na via sumária eleita,
devendo agora ser solucionada pela Corte originária, no julgamento
de eventual apelo defensivo" (RHC 75042/MA, 5.a T., reI. Jorge Mussi,
20.10.2016, v.u.).
• "O pedido de absolvição, por alegada insuficiência das provas coligidas,
além de configurar, no presente caso, supressão de instância, demandaria,
necessariamente, o amplo revolvimento da matéria fático-probatória, o
que é vedado em sede de habeas corpus (precedentes). Habeas corpus
não conhecido" (HC 363469/SP, 5.a T., reI. Felix Fischer, 06.10.2016, v.u.).
• ''A alegação de legítima defesa invocada em favor do paciente exige
acurado exame das circunstâncias da conduta delitiva e demanda di-
1ação probatória, o que é vedado na via exígua do habeas corpus" (HC
31.281/SP, 5.a
T., reI. Laurita Vaz, 22.03.2005, V.u.,DJ02.05.2005, p. 383).
Tribunal de Justiça de São Paulo
• ''Ataque à sentença condenatória - Matéria não passível de discussão
em sede do presente writ - Precedentes do STJ - Inadequação da
via eleita - Ausência de ilegalidade - Ordem não concedida" (HC
990.10.319839-5, 16.a
c., reI. Newton Neves, 21.09.2010, v.u.).
3.1.1 A questão do direito líquido e certo
Embora nem a lei nem a Constituição prevejam expressamente que
a utilização do habeas corpus demanda a existência de direito líquido e
certo, tal postura restou consagrada na doutrina e na jurisprudência, afinal,
não se admite, como regra, qualquer dilação probatória.
Líquido é o que prescinde de apuração, pois já confirmado, em gênero,
número e qualidade. Na verdade, é direito certo. A certeza diz respeito ao
que é incontestável, incontroverso. Em verdade, dever-se-ia considerar o
36 I HABEAS CORPUS - NuCCl
direito, primeiro, certo e, depois, líquido, pois há direitos certos, que são
ilíquidos; porém, não há direito líquido que não seja certo.2
Sintetizando, diz Pontes de Miranda: "direito líquido e certo é aquele
que não desperta dúvidas, que está isento de obscuridades, que não pre-
cisa ser aclarado com o exame de provas em dilações, que é de si mesmo
concludente e inconcusso':3 Exigindo igualmente a constatação de direito
líquido e certo, Galdino Siqueira.4
Supremo Tribunal Federal
• "1. O habeas corpus não constitui via adequada para reexame dos
elementos fático-probatórios que justificaram o reconhecimento da
conexão instrumental e do juízo de conveniência que motivou a unidade
de processamento e julgamento. Preenchida a hipótese modificativa
de competência, não viola o devido processo legal 'a atração por con-
tinência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa
de função de um dos denunciados', forte na Súmula 704/STF" (HC
131164/TO, l.a T., reI. Edson Fachin, 24.05.2016, m.v.) .
• "Rebater os fundamentos do acórdão combatido exigiria o exame
aprofundado de provas, impossível em sede de habeas corpus, visto
tratar-se de instrumento destinado à proteção de direito líquido e
certo, demonstrável de imediato, que não admite dilação probatórià'
(HC 135949/RO, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 04.10.2016, v.u.).
Superior Tribunal de Justiça
• "1. O habeas corpus não é o meio adequado para a análise de tese
de negativa de autoria por exigir, necessariamente, uma avaliação do
conteúdo fático-probatório, procedimento incompatível com a via
estreita do writ, ação constitucional de rito célere e de cognição su-
mária. 2. Ademais, sobreveio sentença condenatória, de modo que, se
o habeas corpus não se presta à análise probatória para comprovação
de elementos suficientes que denotem a autoria, com maior razão
não pode se arvorar a reverter conclusão obtida pelo magistrado
2. Nessa ótica, Pontes de Miranda: "para ser líquido, o direito tem de ser certo. A certeza
é qualidade conceptualmente anterior. O direito certo pode ser líquido ou ilíquido. O
líquido tem, como prius, de ser certo" (Comentários à Constituição de 1967, p. 361).
3. História e prática do habeas corpus, p. 325.
4. Curso de processo criminal, p. 390.
CAPo 111 • CONDiÇÕES DA AÇÃO I 37
singular, após plena cognição de provas no curso da instrução, sob
pena de converter-se em sucedâneo de apelação. 3. A superveniência
do julgamento da ação penal torna prejudicada a alegação de cons-
trangimento ilegal por excesso de prazo" (RHC 66921/SP, 5.a T., reI.
Reynaldo Soares da Fonseca, 27.09.2016, v.u.).
• "O que sempre sustentei e sustento é que o habeas corpus é antídoto
de prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal
evidente, incontroverso, indisfarçável, que se mostra de plano ao jul-
gador. Não se destina à correção de controvérsias ou de situações que,
ainda que existentes, demandam para sua identificação, aprofundado
exame de fatos e provas. Precedentes" (AREsp 770535/RS, Decisão
Monocrática, reI. Joel Ilan Paciornik, 25.10.2016).
• "O habeas corpus, conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior
de Justiça, presta-se a sanar coação ou ameaça ao direito de locomoção,
possuindo âmbito de cognição restrito às hipóteses de ilegalidade evi-
dente, em que não se faz necessária a análise de provas" (HC 243021/
SP, 6.a
T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 16.08.2012, v.u.).
• "O habeas corpus é antídoto de prescrição restrita, que se presta a
reparar constrangimento ilegal evidente, incontroverso, indisfarçável,
que se mostra de plano ao julgador. Não se destina à correção de
controvérsias ou de situações que, embora existentes, demandam para
sua identificação aprofundado exame de fatos e provas" (HC 236914/
PA, 5.a
T., reI. Marco Aurélio Bellizze, 02.08.2012, v.u.).
3.1.2 Liberdade de ir, vir eficar
Em primeira avaliação, a liberdade de locomoção é traduzida, pelo
art. 647 do Código de Processo Penal, como o direito de ir e vir, ou seja,
andar livremente por qualquer lugar almejado. Cuida-se de um postulado
contra a privação da liberdade individual. Olvida-se que, no cenário da
locomoção, deve-se incluir o direito de ficar em algum lugar público ou
privado (nesse caso, se for seu ou quando autorizado pelo proprietário),
sem ser incomodado por qualquer autoridade ou agente estatal.
No contexto deficar, encontra -se o direito de se reunir pacificamente,
sem ser incomodado. Éo conteúdo do art. 5.o da Constituição Federal: "To-
dos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
38 I HABEAS CORPUS - NuCCl
termos seguintes: (...) XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem
armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização,
desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o
mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente".
Vale citar o habeas corpus preventivo impetrado por Artur Pinto
da Rocha em favor do Senador Rui Barbosa, candidato à Presidência da
República, bem como o de correligionários ameaçados, por abuso de au-
toridades estaduais da Bahia, em função de seu direito de reunião e livre
manifestação do pensamento. O habeas corpus teve por finalidade permitir
que os pacientes pudessem se reunir nas ruas, praças, teatros ou recintos,
em comício em prol da candidatura de Rui Barbosa. A ordem foiconcedida,
por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Federal, reconhecendo o direito
de qualquer indivíduo de "permanecer em qualquer lugar, à sua escolha,
desde que seja franqueado ao público; o de ir de qualquer parte para esse
lugar e também o de vir, para ele, também, de qualquer outro ponto" (STF,
HC 4.781, reI. Edmundo Lins, 05.04.1919, V.U., Revista Forense, v. XXXI,
p. 212-216).
3.1.3 Ampliação do seu alcance
Originalmente, o habeas corpus era utilizado para fazer cessar aprisão
considerada ilegal - e mesmo no Brasil essa concepção perdurou por um
largo período. Atualmente, seu alcance tem sido estendido para abranger
qualquer ato constritivo direta ou indiretamente ligado à liberdade de
locomoção, ainda que se refira a decisões jurisdicionais não concernentes
à decretação da prisão.5
Ilustrando, tem-se admitido o habeas corpus para trancar o inquérito
policial ou a ação penal, quando inexista justa causa para o seu trâmite,
bem como quando se utiliza esse instrumento constitucional para impedir
o indiciamento injustificado, entre outras hipóteses. Nada mais lógico,
pois são atos ou medidas proferidas em processos (ou procedimentos)
criminais, que possuem clara repercussão na liberdade do indivíduo,
mesmo que de modo indireto.
5. No dizer de Rogério Lauria Tucci, o âmbito do habeas corpus envolve todas as "hipó-
teses de constrição, potencial ou efetiva, da liberdade física do indivíduo; vale dizer,
quando, por ilegalidade ou abuso de poder, ocorra, pelas mais variadas formas que
se possa conceber, privação ou comprometimento - qualquer restrição, enfim - da
liberdade pessoal do ente humano" (Habeas corpus, ação e processo penal, p. 31).
CAPo 111 • CONDIÇÓES DA AÇÃO I 39
oajuizamento de ação penal contra alguém provoca constrangimento
natural, havendo registro em sua folha de antecedentes, bem como servindo
de base para, a qualquer momento, o juiz decretar medida restritiva da
liberdade, em caráter cautelar. Explica Florêncio de Abreu que a ampliação
do alcance do habeas corpus deveu-se a "ausência, no nosso mecanismo
processual, de outros remédios igualmente enérgicos e expeditos para o
amparo de outros direitos primários do indivíduo':6
Confiram-se, na jurisprudência, alguns julgados mais restritivos:
Supremo Tribunal Federal
• "O habeas corpus tem como escopo a proteção da liberdade de locomo-
ção e seu cabimento tem parâmetros constitucionalmente estabelecidos,
justificando-se a impetração sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de ir e vir,
por ilegalidade ou abuso de poder, sendo inadequado o writ quando
utilizado com a finalidade de proteger outros direitos. Precedente:
HC(AgR) 82.880/SP, Pleno, Df 16.05.2003" (HC 101136 AgR-ED/RJ,
La T., reI. Luiz Fux, 21.08.2012, v.u.).
• "'O habeas corpus visa a proteger a liberdade de locomoção -liberdade
de ir, vir e ficar - por ilegalidade ou abuso de poder, não podendo
ser utilizado para proteção de direitos outros' (HC no AgR 82.88, reI.
Min. Carlos Velloso, Df 16.5.2003). Precedentes outros" (HC no AgRg
na Mc 107696/SP, La T., reI. Rosa Weber, 20.03.2012, v.u.).
Apesar desse posicionamento, aparentemente, mais limitador do
Supremo Tribunal Federal, verifica-se, na prática, inexistir uma tendência
firme a esse respeito. Em verdade, depende muito do caso concreto e do
direito posto em jogo. Os Tribunais pátrios - superiores e inferiores -
buscam valorizar o habeas corpus, como remédio da liberdade, dando-lhe
alcance muito mais sensível do que a singela proteção direta ao direito
de locomoção.?
6. Comentários ao Código de Processo Penal, V. V, p. 558.
7. Essa sempre foi a firme defesa do instituto feita por Ruy Barbosa: "onde se der
violência, onde o indivíduo sofrer, ou correr risco próximo de sofrer coação, se essa
coação for ilegal, se essa coação produzir-se por excesso de autoridade, por arbítrio
dos que a representam, o habeas corpus é irrecusável. Não há, portanto, em face da
nossa lei constitucional, base alguma para se circunscrever esse remédio contra os
40 I HABEAS CORPUS - NuCCl
Entretanto, essa ampliação de seu alcance já gerou transtornos para
as Cortes brasileiras, permitindo que quase todas as questões criminais
sejam levadas a juízo, por meio do habeas corpus, acarretando um volume
imenso de ações diariamente impetradas em todas as instâncias.8
Os excessos sempre são indevidos, pois conturbam qualquer sistema
judiciário. Restringir o uso do habeas corpus para coibir os constrangimentos
ilegais exclusiva e diretamente quando voltados à liberdade de ir, vir e ficar
é desmerecer a importância desse remédio heroico de longa tradição de
defesa dos direitos individuais. Por outro lado, alargá-lo ilimitadamente,
voltando-se a questionar toda e qualquer controvérsia surgida no âmbito
criminal significa vulgarizá-lo, a ponto de sobrecarregar o Judiciário,
prejudicando os recursos próprios e conturbando o autêntico exame de
mérito das mais sérias questões.
Eis o indispensável meio-termo. O habeas corpus destina-se, basi-
camente, a eliminar constrições ilegais à liberdade individual de ir, vir e
ficar. Paralelamente, admite-se a sua propositura para questões correlatas
a esse relevante direito, justamente pela enorme chance de nele resvalar.
Neste último caso, o trancamento de uma investigação criminal leviana,
instaurada contra alguém, por meio do remédio heroico, é essencial, visto
que, a qualquer momento, pode-se atingir a decretação infundada de prisão
cautelar. Entretanto, pretender debater, na ação constitucional, aspectos de
direito penal, nitidamente ligados ao mérito da causa, é contraproducente
e deve ser coibido pelos juízos e tribunais.
O habeas corpus é um remédio, mas não pode se tornar um veneno
para as instituições, permitindo a morte de recursos expressamente pre-
abusos da força às hipóteses de constrangimento à liberdade de locomoção" (apud
Espínola Filho, Código de Processo Penal brasileiro anotado, p. 25).
8. Destacando o problema, Gustavo Badaró demonstra que o habeas corpus transformou-se
num "amplíssimo 'agravo' cabível contra toda e qualquer decisão interlocutória proferida
em processo penal. (.00) Na prática, porém, verifica-se um paradoxo. Tal medida, em
princípio, parece benéfica, uma vez que amplia a possibilidade de utilização de um
mecanismo para proteção da liberdade de locomoção. Todavia, de fato, a liberdade,
muitas vezes, acaba sendo prejudicada. O volume de habeas corpus nos tribunais é tão
grande que já não se observa uma tramitação prioritária. Não é incomum, em caso até
mesmo de habeas corpus liberatório, a demora de meses e meses para o seu julgamento.
Em suma, a larga utilização do habeas corpus para prevenir lesões longínquas àliberdade
(que muitas vezes, razoavelmente, se estima somente ocorrerão depois de anos) acaba
prejudicando a utilização de habeas corpus para tutelar a liberdade de locomoção em
casos em que já existe a violação a tal direito" (Processo penal, p. 676-677).
CAPo 111 • CONDiÇÕES DA AÇÃO I 41
vistos em lei, desigualando as partes (somente o réu dele pode valer-se)
e deixando o Judiciário refém de uma demanda que se apresenta numa
singela petição inicial, acompanhada de alguns documentos apenas.
Sob diverso aspecto, muitas questões agressivas ao direito líquido e
certo de alguém deveriam ser resolvidas por intermédio de mandado de
segurança. Entretanto, somente por se encontrar o prejudicado na esfera
criminal, prefere ajuizar habeas corpus. E, não raras vezes, conta com a
recepção positiva do Judiciário.
A título de exemplo, verifique a decisão concessiva do habeas corpus
para permitir o direito de visita de familiares à pessoa presa:
Supremo Tribunal Federal
• "A jurisprudência prevalente neste Supremo Tribunal Federal é no
sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete dire-
tamente a liberdade de locomoção do paciente. Alargamento do campo
de abrangência do remédio heroico. Não raro, esta Corte depara-se
com a impetração de habeas corpus contra instauração de inquérito
criminal para tomada de depoimento; indiciamento de determinada
pessoa em inquérito policial; recebimento da denúncia; sentença de
pronúncia no âmbito do processo do júri; sentença condenatória
etc. Liberdade de locomoção entendida de forma ampla, afetando
toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar
constrangimento para a liberdade de ir e vir. Direito de visitas como
desdobramento do direito de liberdade. Só há se falar em direito de
visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Decisão do
juízo das execuções que, ao indeferir o pedido de visitas formulado,
repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava, ainda mais, o grau
de restrição da liberdade do paciente. Eventuais erros por parte do
Estado ao promover a execução da pena podem e devem ser sanados
via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não
restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio
familiar e social. Habeas corpus conhecido. 2. Ressocialização do ape-
nado. A Constituição Federal de 1988tem como um de seus princípios
norteadores o da humanidade, sendo vedadas as penas de morte, salvo
em caso de guerra declarada (nos termos do art. 84, XIX), de caráter
perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5.°,
XLVII).Prevê, ainda, ser assegurado aos presos o respeito à integridade
física e moral (CF, art. 5.°,XLIX). É fato que a pena assume o caráter
de prevenção e retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se
42 I HABEAS CORPUS - NuCCl
pode olvidar seu necessário caráter ressocializador, devendo o Estado
preocupar-se, portanto, em recuperar o apenado. Assim, é que dispõe
o art. 10 da Lei de Execução Penal ser dever do Estado a assistência ao
preso e ao internado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno
à convivência em sociedade. Aliás, o direito do preso receber visitas
do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos está assegurado
expressamente pela própria Lei (art. 41, X), sobretudo com o escopo de
buscar a almejada ressocialização e reeducação do apenado que, cedo
ou tarde, retornará ao convívio familiar e social. Nem se diga que o
paciente não faz jus à visita dos filhos por se tratar de local impróprio,
podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores. De fato,
é público e notório o total desajuste do sistema carcerário brasileiro à
programação prevista pela Lei de Execução Penal. Todavia, levando-se
em conta a almejada ressocialização e partindo-se da premissa de que
o convício familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Po-
der Público propiciar meios para que o apenado possa receber visitas,
inclusive dos filhos e enteados, em ambiente minimamente aceitável,
preparado para tanto e que não coloque em risco a integridade física
e psíquica dos visitantes. 3. Ordem concedidà' (HC 10770l/RS, 2.a T.,
reI. Gilmar Mendes, 13.09.2011, v.u.).
3.1.4 Punição disciplinar militar
O art. 142, ~2.°, da Constituição Federal preceitua: "não caberá habeas
corpus em relação a punições disciplinares militares" (Forças Armadas e
Polícia Militar). Além disso, é preciso anotar que, durante o estado de
defesa (art. 136, CF) e ao longo do estado de sítio (art. 137, CF), muitos
direitos e garantias individuais são suspensos, razão pela qual várias ordens
e medidas podem resultar em constrições à liberdade, que terminam por
afastar, na prática, a utilização do habeas corpus, por serem consideradas,
durante a vigência da época excepcional, legítimas.
É preciso lembrar que tais punições disciplinares, no âmbito militar,
possuem diferentes matizes, abrangendo sanções privativas e não priva-
tivas de liberdade. Quanto a estas, de fato, não cabe habeas corpus, pois
nem mesmo a liberdade de locomoção está em jogO.9 Eventual questio-
9. Súmula 694, STF: "não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão
de military ou de perda de patente ou de função pública':
CAPo 111 • CONDIÇÚES DA AÇÃO I 43
namento pode ser feito, por via de ação própria, junto à Justiça Militar
Federal (punição militar das Forças Armadas) ou Justiça Militar Estadual
(punição da polícia militar). Esse é o conteúdo do art. 125, ~~ 4.° e 5.°,
da Constituição Federal. Ou por meio de recurso administrativo interna
corporis. Confira-se na Lei6.880/1980, art. 51, ~3.°:"O militar que sejulgar
prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar
de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de reconsi-
deração, queixa ou representação, segundo regulamentação específica de
cada Força Armada. (...) ~ 3.° O militar só poderá recorrer ao Judiciário
após esgotados todos os recursos administrativos e deverá participar esta
iniciativa, antecipadamente, à autoridade à qual estiver subordinado".
Não há nenhuma ofensa a direito individual, quando se impõe o
prévio esgotamento da via administrativa.
Tribunal Regional Federal, 5.a Região
• "A despeito de os arts. 142, parágrafo 2.°, da Constituição, e 647 do
Código de Processo Penal estabelecerem expressamente não ser cabível
habeas corpus para discutir punição disciplinar militar, ajurisprudência
tem entendido que, caracterizando-se como ato administrativo, seus
aspectos formais podem ser analisados pelo Poder Judiciário, sendo
vedado apenas o exame do mérito da punição disciplinar militar.
Precedente do TRF/5.a: RHCEXOF n.O2373/RN, Quarta Turma, ReI.
Margarida Cantarelli, Dl 17.05.2006, p. 1069. 02" (RSE 2233/PE, 3.a
T., reI. Janilson Bezerra de Siqueira, 02.06.2016, v.u.).
Tribunal Regional Federal, 1.a Região
• "Estando o militar sujeito à disciplina e à hierarquia, comprometido
estará este vínculo se, antes da possibilidade de reexame de seu pleito
por seus superiores, de logo buscar adecisão judicial, apretexto de uma
açodada proteção a direito supostamente violado, que pode servir à
desmoralização do comando" (RHC 100033848/AM, 4.a
T.,reI. Hilton
de Queiroz, 19.05.1998, m.v., Dl 25.06.1998, p. 168).
Nessa ótica, editou-se a Súmula 694 do STF:"Não cabe habeas corpus
contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente
ou de função públicà:
No tocante às punições disciplinares privativas de liberdade, embora
mencione-se não caber habeas corpus, trata-se da regra, mas não pode
44 I HABEAS CORPUS - NuCCl
abranger excepcionais situações teratológicas, como a falta de competência
da autoridade militar para impor a prisão ou a nítida ilegalidade do ato.
Tribunal Regional Federal, 4. a Região
• "Embora o disposto no art. 142, ~ 2.0
, da Constituição Federal de 1988,
o entendimento jurisprudencial é pacífico no sentido do cabimento do
habeas corpus quando o ato atacado revestir-se de ilegalidade ou consti-
tuir abuso de poder, atingindo a liberdade de locomoção do indivíduo. A
única ressalva diz respeito ao mérito da sanção administrativa emanada da
autoridade militar, ponto que não pode ser objeto de análise pelo Poder
Judiciário. A competência para o julgamento do writ contra ato praticado
por autoridade do Exército Brasileiro é da Justiça Federal, nos termos do
inc. VII do art. 109 da Constituição Federal de 1988, porquanto à Justiça
Militar incumbe 'processar e julgar os crimes militares definidos em lei'
(art. 124, caput, da CRFB/88)" (RSE 2446/RS, 2.3
T., reI. Vilson Darós,
V.U., 24.05.2001, Dl 13.06.2001, p. 684).
Sobre o tema, expressa-se Antonio Magalhães Gomes Filho: "Esse
único caso de impossibilidade do pedido de habeas corpus é justificado
pelos princípios de hierarquia e disciplina inseparáveis das organizações
militares, evitando que as punições aplicadas pelos superiores possam ser
objeto de impugnação e discussão pelos subordinados': No entanto, ressalta
que a proibição não é absoluta, devendo ser admitido habeas corpus nos
seguintes casos: incompetência da autoridade, falta de previsão legal para
a punição, inobservância das formalidades legais ou excesso de prazo de
duração da medida restritiva da liberdade. E argumenta ainda que não
poderia haver proibição no capítulo reservado às Forças Armadas, pois
seria uma limitação à proteção de um direito fundamental (liberdade de
locomoção). Os direitos e garantias fundamentais têm hierarquia dife-
renciada, até porque têm a garantia da eternidade (art. 60, ~ 4.0
, IV).1O
Parece-nos correta essa visão, com a ressalva de que a utilização do habeas
corpus contra a prisão disciplinar militar somente pode dar-se em casos
teratológicos, como os apontados antes, jamais questionando-se a conve-
niência e a oportunidade da medida constritiva à liberdade. I I
10. O habeas corpus como instrumento de proteção do direito à liberdade de locomoção,
p.66-67.
11. Anote-se o mesmo posicionamento de Gilberto Nonaka (Habeas corpus e Justiça
Militar Estadual, p. 251-252) e Paulo Rangel (Direito processual penal, p. 880).
CAPo 111 • CONDiÇÕES DA AÇÃO I 45
3.1.5 Restrição ao uso do habeas corpus
Somente a Constituição Federal pode limitar a utilização do habeas
corpus, tendo em vista tratar-se de autêntica garantia individual. Diante
disso, há apenas duas possibilidades para tanto: a) nas punições disciplina-
res militares (art. 142, ~ 2.°, CF);12b) durante o estado de sítio, se houver
declaração do estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira
(art. 137, 11, c.c. o art. 138, caput, CF).
Não há possibilidade de suspender a garantia do habeas corpus du-
rante o estado de defesa, pois as restrições estão elencadas no art. 136,
I, da CF, não envolvendo essa ação constitucional. Igualmente, durante
o estado de sítio, na hipótese de comoção grave de repercussão nacional
ou ocorrência de fatos comprobatórios da ineficácia de medida tomada
durante o estado de defesa (art. 137, I, CF), não se pode suspender a ga-
rantia do habeas corpus, pois o que é viável restringir encontra-se previsto
no art. 139 da Carta Magna.13
3.2 Interesse de agir (necessidade, adequação e utilidade)
o interesse de agir desdobra-se em três perspectivas: interesse-
-necessidade, interesse-adequação e interesse-utilidade.
O interesse-necessidade configura-se pela indispensabilidade de uso
da via processual para se atingir o objetivo almejado. No caso do habeas
corpus, ação constitucional voltada afazer cessar qualquer constrangimento
ilegal contra o direito de locomoção, presume-se a necessidade. Sem o seu
ajuizamento, inexiste viabilidade de restituir a liberdade individual do
paciente, na esfera em que foi atingida.
O interesse-adequação concentra-se na demonstração de direito
líquido e certo a ser protegido, de modo pré-constituído, exibindo-se
as provas documentais cabíveis. O foco do impetrante deve ser, sempre,
beneficiar o paciente.
O interesse-utilidade éaexibição de que o habeas corpus, seconcedido,
permitirá sanar a constrição ocorrida contra a liberdade de locomoção,
direta ou indiretamente afetada.
12. Ver o item 3.1.4 supra.
13. Igualmente a posição de Dante Busana (O habeas corpus no Brasil, p. 57).
46 I HABEAS CORPUS - NuCCl
Tribunal de Justiça de São Paulo
• "O habeas corpus, como se sabe, é o antídoto invocado contra cons-
trangimento ilegal evidente, claro, indisfarçável e que, de pronto, se
revela à apreciação do julgador. Não se presta à correção de equívocos
que, mesmo se existentes, têm sua percepção e reconhecimento subor-
dinados ao exame e à consideração da prova ou de dados que tenham
servido de suporte à deliberação atacada. Por tudo isso, é remédio
constitucional contra ato que, ictu oculi, se percebe caracterizador de
constrangimento ilegal e que, como tal, atinge direito líquido e certo
do cidadão, o qual, ao ser assim atingido, tem comprometida, efetiva
ou potencialmente, a liberdade. Bem por isso, tampouco serve à reti-
ficação de decisões sujeitas a recurso ou ações apropriadas, pois não
se apresenta como sucedâneo destes. No caso em apreço, o paciente
pretende modificar decisões com carga de definitividade, o que de-
veria ensejar a propositura de Revisão(ões) Criminal(is) - artigo 621
do Código de Processo Penal -, não podendo então o sucumbente,
por consequência, reclamar, através desta via, a retificação dos éditos
condenatórios, porque a isso não se presta o writ. 3. Por conseguin-
te, por revelar-se inadequada a utilização do habeas corpus para a
finalidade apontada na impetração, configurando a falta de interesse
de agir na perspectiva da adequação e consoante reza o artigo 663 da
lei penal adjetiva, impõe-se, de plano, o desacolhimento do pedido,
indeferindo-se a petição inicial, dispensadas informações da autorida-
de tida como coatora e exsurgindo desnecessário o parecer da douta
Procuradoria-Geral de Justiçà' (HC 0048685-82.2016.8.26.0000/SP,
3.a Câmara de Direito Criminal, reI. Geraldo Wohlers, 27.09.2016,
v.u., grifamos).
3.2.1 Existência de recurso legal para impugnar a decisão Judicial
considerada abusiva
A ação constitucional de habeas corpus independe de qualquer
recurso previsto em lei para se opor à decisão judicial considerada abu-
siva. Entretanto, ela também não se substitui ao recurso apropriado. O
meio-termo é o enfoque a ser adotado. Se a questão controversa pode
ser resolvida por meio do recurso, sem afetar diretamente a liberdade de
locomoção, não se deve ajuizar habeas corpus. No entanto, caso a espera,
até que o recurso seja julgado, prejudique a liberdade individual, a ação
constitucional torna-se necessária.
CAPo 111 • CONDIÇÚES DA AÇÃO I 47
Ilustrando, para combater uma sentença condenatória cabe apelação,
logo, inexiste cabimento para a propositura de habeas corpus com o pro-
pósito de discutir o mérito da demanda criminal. Sob outro aspecto, se,
na decisão condenatória, além da sanção aplicada, o juiz impedir o réu de
recorrer em liberdade, de maneira injustificada, interpõe-se o habeas corpus
para esse fim, vale dizer, garantir o direito de recurso em liberdade. Em
suma, a apelação destina-se a debater o mérito da ação penal, enquanto
o habeas corpus limita-se somente a discutir o direito de permanecer em
liberdade até o trânsito em julgado.
Em qualquer hipótese, não se admite o habeas corpus, quando en-
volver exame aprofundado das provas, tal como ocorre, por exemplo,
no caso de progressão de regime de réu condenado, por exigir a análise
de laudos e colheita de pareceres. Nesta última hipótese, somente cabe a
impetração e conhecimento do writ, quando a decisão de indeferimento
do juiz for considerada teratológica, pois todos os exames foram feitos e
todos os pareceres favoráveis já constam dos autos, sem necessidade de
maior dilação probatória.
Superior Tribunal de Justiça
• "1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Ter-
ceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização
crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua
admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela
via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da or-
dem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. O habeas corpus,
ação constitucional de rito célere e de cognição sumária, não é meio
processual adequado para analisar a tese de insuficiência probatória
para a condenação" (HC 273763/SP, S.aT., reI. Reynaldo Soares da
Fonseca, 11.10.2016,v.u.).
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
• "O habeas corpus é via de restrita cognição precária para exame
superficial do direito líquido e certo do paciente, e, em regra, não
se apresenta como a via processual adequada para a modificação de
sentença penal condenatória, sendo certo que para tanto existe re-
curso próprio previsto em nossa legislação - apelação -, que possui
ampla cognição, capaz de permitir a análise das questões em telà'
(HCC 1.0000.16.032S63-S/000/MG, 2.aCâmara Criminal, reI. Beatriz
Pinheiro Caires, 09.06.2016).
48 I HABEAS CORPUS - NuCCl
Tribunal de Justiça de São Paulo
• "Pleito objetivando o afastamento da realização de exame criminoló-
gico como requisito para a concessão do benefício de progressão de
regime. Ausência de interesse de agir no âmbito da via eleita - Matéria
pertinente a recurso de agravo em execução - Ordem indeferida in
limine" (HC 2174966-49.2016.8.26.0000/SP, 16.a
Câmara de Direito
Criminal, reI. Guilherme de Souza Nucci, 27.09.2016, v.u.).
3.2.2 Dúvida quanto ao interesse de agir e consulta ao paciente
O habeas corpus pode ser ajuizado por qualquer pessoa em favor
de outra, mesmo que ambas não se conheçam e independentemente de
procuração. Por isso, por vezes, é questionável o real interesse de quem
o impetra. Imagine-se um preso famoso, nacionalmente conhecido, que
possa despertar a atenção da mídia. Propondo habeas corpus em seu favor,
o motivo de agir pode ser somente ganhar notoriedade, desatendendo
vantagem autêntica para quem está detido.
Diante disso, se o paciente tiver procurador constituído, antes de
conhecer e julgar o habeas corpus impetrado por terceiro estranho, deve-
-se consultar a defesa constituída do preso. Afinal, o julgamento do writ
pode causar prejuízo à linha defensiva oficial adotada em prol do paciente
pelo seu advogado. Se não houver concordância, o juízo ou tribunal deve
indeferir, liminarmente, o habeas corpus, por falta de interesse de agir.
Os Regimentos Internos do Supremo Tribunal Federal (art. 192, ~
3.°) e do Superior Tribunal de Justiça (art. 202, ~ 1.0) dispõem no sentido
de não ser conhecido o pedido, quando houver oposição do paciente.
Embora alguns prefiram indicar o não conhecimento da ação constitu-
cional, parece-nos equivocada tal postura. Somente não se conhece do
habeas corpus, quando o juízo ou tribunal for incompetente para proferir
a decisão. No mais, deve-se agir como em qualquer ação indevidamente
ajuizada: indefere-se o pedido, sem adentrar no mérito.
Na doutrina, Pontes de Miranda sustenta que o paciente não pode
recusar a impetração de habeas corpus em seu favor, por três razões: a) a
Constituição proporciona legitimação processual, conferindo ao impetrante
um direito constitucional; b) o Estado e o paciente devem obedecer a lei;
c) é inviável a renúncia ao direito à liberdade.14
E ainda critica Bento de
14. História e prática do habeas corpus, p. 403-404.
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  • 1. Guilherme de Souza Nucci (2.a edição L revista, atualizada e ampliada *** ~ & ~~~~... FORENSE
  • 3. *** ----~---- Nacional o GEN I Grupo Editorial Nacional - maior plataforma editorial brasileira no segmento cientifico, técnico e profissional- publica conteúdos nas áreas de concursos, ciências jurí- dicas, humanas, exatas, da saúde e sociais aplicadas, além de prover serviços direcionados à educação continuada. As editoras que integram o GEN, das mais respeitadas no mercado editorial, construíram catálogos inigualáveis, com obras decisivas para a formação acadêmica eo aperfeiçoamento de várias gerações de profissionais e estudantes, tendo se tornado sinônimo de qualidade e seriedade. A missão do GEN e dos núcleos de conteúdo que o compõem é prover a melhor informa- ção científica e distribuí-la de maneira flexível e conveniente, a preços justos, gerando benefícios e servindo a autores, docentes, livreiros, funcionários, colaboradores e acionistas. Nosso comportamento ético incondicional e nossa responsabilidade social e ambiental são reforçados pela natureza educacional de nossa atividade e dão sustentabilidade ao crescimento contínuo e à rentabilidade do grupo.
  • 4. Guilherme de Souza Nucci [j (2.a edição revista, atualizada e ampliada
  • 5. • A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vicios do produto no que concerne à sua edição (impressão e apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo). Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoa ou bens, decorrentes do uso da presente obra. Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais, é proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive através de processos xerográficos, fotocópia e gravação, sem permissão por escrito do autor e do editor. Impresso no Brasil - Printed in Brazil • Direitos exclusivos para o Brasil na Iingua portuguesa Copyright @ 2017 by EDITORA FORENSE LTDA. Uma editora integrante do GEN I Grupo Editorial Nacional Travessa do Ouvidor, 11 - Térreo e 6° andar - 20040-040 - Rio de Janeiro - RJ Tel.: (OXX21) 3543-0770 - Fax: (OXX21) 3543-0896 forense@grupogen.com.br I www.grupogen.com.br • O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabivel (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998). Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98) . • Capa: Danilo Oliveira • Fechamento desta edição: 23.02.2017 • CIP - Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Nucci, Guilherme de Souza Habeas Corpus / Guilherme de Souza Nucci. - 2. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2017. Bibliografia ISBN 978-85-309-7125-0 1. Habeas corpus. 2. Direito penal. I. Título. 14-12205 CDU: 342.721
  • 6. APRESENTAÇÃO À 2a EDiÇÃO A ação constitucional denominada habeas corpus é de extrema relevância para assegurar os direitos individuais, e não deve, jamais, ser cerceada por força de lei ordinária. Afirmar que o habeas corpus perturba o andamento dos trabalhos dos tribunais, em sua área criminal, é irreal, posto que se cuida de ação apresentada já com provas pré-constituídas. Diante disso, a facilidade de acesso às alegações, geralmente calcadas em questões de direito, permite o rápido julgamento dos feitos. Nunca é demais lembrar que várias situações jurídicas foram alteradas graças a habeas corpus impetrados diretamente pelo interessado, vale dizer pelo preso ou condenado. O incentivo do manejo do habeas corpus pela parte que se julga prejudicada é fundamental para o bom exercício das garantias constitucionais. A segunda edição desta obra foiatualizada, trazendo jurisprudência relevan- te, recente e com acréscimo de dados doutrinários, tudo para facilitar o estudo e a utilização do habeas corpus pelos estudantes e pelos operadores do Direito. Agradecemos ao GEN I Grupo Editorial Nacional, pelo apoio quanto à renovação e atualização desta obra. Ao leitor, a minha gratidão, pelas considerações e sugestões feitas ao longo da distribuição da primeira edição. São Paulo, fevereiro de 2017. O Autor
  • 7.
  • 8. APRESENTAÇÃO À 1a EDiÇÃO Esta é a primeira obra inédita publicada em parceria com a Editora Forense e não poderia deixar de ser relevante para o universo das ciências criminais, em particular para o Processo Penal brasileiro: Habeas Corpus. Trata-se da ação constitucional de impugnação, destinada a coibir qualquer violência ou coação no tocante à liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5.°, LXVIII, CF). No contexto dos direitos e das garan- tias individuais, o habeas corpus é uma garantia ao direito fundamental da liberdade, com todos os seus reflexos, que abrange outros notórios direitos humanos, como a inviolabilidade de domicílio, a intimidade, a vida privada, a integridade física, a saúde e até mesmo a vida. Essa garantia se torna um instrumento e por isso é denominado remédio heroico. Pode ser impetrado por qualquer pessoa - física ou jurídica - em favor de pessoa física, denominada paciente, quando houver constrangimento à liberdade de ir, vir e ficar. Porém, ampliou-se o alcance do habeas corpus atualmente, podendo atingir outros atos de coação ou constrangimento, vincu- lados indiretamente à liberdade de locomoção, motivo pelo qual agigantou-se nos Tribunais pátrios, necessitando de estudo frequente tanto sob o enfoque científico da doutrina como também pelo prisma dos julgados diários em cada Corte brasileira. Os fundamentos para ingressar com habeas corpus, embora enumerados no art. 648 do Código de Processo Penal, são abertos e vinculados à liberdade
  • 9. 8 I HABEAS CORPUS - NuCCl individual, não se podendo considerar o rol da lei ordinária como taxativo; afinal, a letra da Constituição Federal é ampla e extensiva. Temos observado que a legitimidade invulgar para impetrar habeas corpus, sem necessidade de representação do advogado, fazendo-o em nome próprio ou em favor de terceiro, tem aberto portas sobre questões controversas acerca de temas cruciais para o Direito Penal e para o Processual Penal. Exemplo disso se deu no caso do preso que, em seu próprio benefício, impetrou a ação constitucional junto ao Supremo Tribunal Federal, pleiteando o direito de progressão, pois estava condenado por delito hediondo, em regime fechado integral. Deu-se prosseguimento à demanda, inseriu-se o pedido em Plenário e, no dia 23 de fevereiro de 2006, concedeu-se a ordem para declarar incons- titucional a vedação à progressão constante da Lei dos Crimes Hediondos, permitindo a passagem ao semiaberto. O caso concreto julgado impulsionou o Poder Legislativo a alterar, em 2007, a Lei 8.072/1990 que passou a permitir então, a progressão de regime a todos os condenados por delitos hediondos e equiparados. Um habeas cor- pus, impetrado por cidadão leigo, réu condenado e preso, mudou a história dessa parte do Direito Penal no Brasil. Jamais se pode menosprezar o valor intrínseco à ação de habeas corpus como bandeira hasteada permanentemente no púlpito da liberdade. Esta obra foi constituída com afinco e dedicação, após cuidadosa pes- quisa na melhor doutrina e valendo-se de incontáveis julgados encontrados nos vários Tribunais brasileiros, especialmente no STF e no STJ. Ingressamos na parte histórica apenas para situar o instituto, absorvendo a sua notoriedade nas letras jurídicas de várias nações, passando logo ao seu conceito e natureza jurídica, pontos interessantes de debates científicos ao longo dos anos. Estudamos as condições da ação de habeas corpus e tecemos comentários a respeito do direito líquido e certo, da liberdade de ir, vir eficar, bem como da indispensável ampliação do seu alcance para outras frentes, que lidam indiretamente com a liberdade de locomoção. Exploramos as restrições à utilização do habeas corpus, sempre apre- sentando a nossa posição no tocante às controvérsias, marca que assumimos desde o início de nossa carreira acadêmica, passando a analisar o interesse de agir e a legitimidade ativa e passiva. Delimitamos aspectos relativos à competência para conhecer e julgar o habeas corpus, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, trazendo à tona a responsabilidade da autoridade coatora de informar corretamente acerca do ato impugnado, fazendo-o em detalhes, com o fito de sustentar a legalidade de sua decisão.
  • 10. APRESENTAÇÃO à 1a edição I 9 Vinculado ao estudo do habeas corpus, inequivocamente, encontra-se o seu fundamento jurídico, com particular destaque à justa causa para os atos restritivos à liberdade individual. Por isso, nesta obra, são avaliadas as várias modalidades de prisão cautelar, seus requisitos e seu alcance, para se apurar o cabimento ou descabimento de sua mantença frente ao caso concreto da pessoa presa. Associado à detenção provisória, encontra-se ajusta causa para a investigação criminal e para a ação penal, que podem ser trancadas, caso sejam infundadas e injustificadas. Um dos mais tormentosos temas atuais do Processo Penal brasileiro liga- -se à duração razoável da prisão provisória, que conta com inúmeras visões da doutrina e outras variadas opiniões nas Cortes. Busca-se explorar todas as vertentes, apontando soluções e trazendo para esse cenário o importante requisito da proporcionalidade, que se vincula à razoabilidade. Avalia-se o procedimento do habeas corpus e todos os recursos a ele ine- rentes, ingressando nas formalidades da petição inicial, a importante questão da liminar, galgando esforços para tecer considerações sobre a produção de provas, o mérito dessa ação constitucional e a viabilidade de concessão da ordem de ofício pelo juiz ou tribunal. O derradeiro capítulo é dedicado aos pontos polêmicos e atuais do habeas corpus no cotidiano dos operadores do direito, abrangendo o ajuiza- mento da ação constitucional contra decisão já proferida em outro habeas corpus; a propositura contra indeferimento de liminar de habeas corpus; o seu uso como substituto da revisão criminal; o confronto com o mandado de segurança para impedir a quebra do sigilo bancário, fiscal ou telefônico; a sua utilização para garantir interesses não previstos expressamente em lei, tais como a visita íntima do preso e o cumprimento da pena próximo ao seu local de domicílio; a relevância da ampla defesa no habeas corpus, sob diversos matizes; o seu uso no procedimento do Tribunal do Júri; a questão da prisão civil do devedor de alimentos, entre inúmeros outros. Esperamos que o leitor possa apreciar esse trabalho, servindo-se dele para estudos acadêmicos e para solução de dúvidas no dia a dia da prática forense. À Editora Forense o meu agradecimento pelo empenho e pela dedicação na produção desta obra, confirmando o triunfo da nossa parceria, iniciada neste ano. São Paulo, maio de 2014. o Autor
  • 11.
  • 12. SUMÁRIO I. CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LINHAS HISTÓRICAS DO HABEAS CORPUS 17 1.1 Constituição Federal e habeas corpus 17 1.2 Aspectos históricos em breves linhas 18 1.2.1 Origem do habeas corpus 18 1.2.2 Habeas corpus no Brasil e na América Latina................................... 20 11. CONCEITUAÇÃO 23 2.1 Conceito e natureza jurídica....................................................................... 23 2.2 Espécies de habeas corpus 28 m. CONDIÇÕES DA AÇÃO 31 3.1 Possibilidade jurídica do pedido................................................................ 31 3.1.1 A questão do direito líquido e certo 35 3.1.2 Liberdade de ir, vir e ficar 37 3.1.3 Ampliação do seu alcance 38 3.104 Punição disciplinar militar 42
  • 13. 12 IHABEAS CORPUS - NuCCl 3.1.5 Restrição ao uso do habeas corpus..................................................... 45 3.2 Interesse de agir (necessidade, adequação e utilidade)............................ 45 3.2.1 Existência de recurso legal para impugnar a decisão judicial con- siderada abusiva 46 3.2.2 Dúvida quanto ao interesse de agir e consulta ao paciente 48 3.2.3 Cessação do interesse de agir 49 3.2.4 Desnecessidade de pedido de reconsideração ao juiz para a impe- tração no tribunal ou de reiteração de pleito já formulado............. 49 3.3 Legitimidade 50 3.3.1 Legitimidade ativa: impetrante e paciente 51 3.3.2 Legitimidade passiva: autoridade coatora e particular 56 3.3.2.1 Tribunal como órgão coator 59 3.3.2.2 STF como órgão coator 60 3.3.2.3 Legitimidade passiva do particular............................................. 61 3.3.2.4 Membro do Ministério Público como autoridade coatora....... 64 3.3.2.5 Comissão Parlamentar de Inquérito como coatora 67 3.3.3 Intervenção de terceiros 67 3.3.4 Requisição cumprida pela autoridade policial................................ 70 3.3.5 Habeas corpus de ofício 71 IV. COMPETÊNCIA 73 4.1 Jurisdição e competência 73 4.1.1 Erro no endereçamento...................................................................... 74 4.2 Prevenção 74 4.3 Competência do Supremo Tribunal Federa!............................................. 76 4.4 Competência do Superior Tribunal de Justiça.......................................... 79 4.5 Competência de outros Tribunais Superiores 80 4.5.1 Tribunal Superior Eleitoral................................................................ 80 4.5.2 Superior Tribunal Militar 82 4.6 Competências dos Tribunais Estaduais (Justiça e Militar) e Regionais (Federal e Eleitoral) 83 4.6.1 Competência da Turma Recursal...................................................... 84 4.7 Competência dos juízes de primeiro grau................................................. 85 V. FUNDAMENTO JURÍDICO 87 5.1 Cabimento 87
  • 14. SUMARIO 113 5.1.1 Natureza do rol previsto no art. 648 do cpp 87 5.1.2 Justa causa 88 5.1.2.1 Prisão em flagrante 90 5.1.2.2 Prisão temporária 92 5.1.2.3 Prisão preventiva, inclusive em pronúncia e decisão condena- tória 94 5.1.2.4 Trancamento de inquérito e outras investigações 111 5.1.2.5 Trancamento de ação penal......................................................... 118 5.1.3 Duração da prisão cautelar e da prisão-pena 124 5.1.3.1 Razoabilidade................................................................................ 132 5.1.3.2 Proporcionalidade 143 5.1.3.3 Excesso de prazo no julgamento de recursos............................. 147 5.1.3.4 Prisão em flagrante 149 5.1.3.5 Prisão temporária 150 5.1.3.6 Prisão preventiva 151 5.1.3.6.1 Ausência ou deficiência de fundamentação da prisão cautelar................................................................................... 152 5.1.3.6.2 Final da instrução 152 5.1.3.7 Prisão-pena 153 5.1.4 Incompetência da autoridade coatora 158 5.1.5 Cessação do motivo autorizador da coação 159 5.1.6 Negativa de fiança 160 5.1.7 Nulidade do processo 161 5.1.8 Extinção da punibilidade 163 VI. PROCEDIMENTO 165 6.1 Petição inicial............................................................................................... 165 6.1.1 Concorrência do habeas corpus com o processo criminal.............. 170 6.1.2 Concorrência do habeas corpus com a investigação criminal........ 170 6.1.3 Termos injuriosos contidos na petição inicial................................. 171 6.2 Liminar......................................................................................................... 171 6.3 Apresentação do paciente e figura do detentor 174 6.4 Informações da autoridade coatora e do particular 175 6.5 Ônus e produção de provas......................................................................... 177 6.6 Concessão de ofício 182 6.7 Mérito........................................................................................................... 183
  • 15. 8.1.7 8.1.8 8.1.9 8.1.10 14 I HABEAS CORPUS - NuCCl 6.7.1 Celeridade no julgamento e manifestação do Ministério Público 184 6.8 Não conhecimento do pedido 185 6.9 Desistência e prejudicialidade 186 6.10 Efeitos e alcance da decisão 188 6.10.1 Coisa julgada e reiteração do pedido 190 6.11 Processamento do habeas corpus no TribunaL....................................... 190 VII. RECURSOS 193 7.1 Reexame necessário..................................................................................... 193 7.2 Recurso em sentido estrito 194 7.3 Recurso ordinário constitucional.............................................................. 195 7.4 Recurso especial........................................................................................... 196 7.5 Recurso extraordinário 198 7.6 Embargos de declaração 199 VIII. PONTOS POLÊMICOS DO HABEAS CORPUS...................................... 201 8.1 Aplicação do habeas corpus como recurso................................................ 202 8.1.1 Ajuizamento contra decisão em habeas corpus................................ 202 8.1.2 Ajuizamento contra indeferimento de liminar em habeas corpus.... 208 8.1.3 Habeas corpus em lugar de revisão criminal.................................... 211 8.1.4 Habeas corpus contra a suspensão condicional do processo 213 8.1.5 Habeas corpus contra suspensão condicional da pena.................... 214 8.1.6 Habeas corpus contra a aplicação ou execução da pena de multa e ônus das custas 214 Habeas corpus contra a designação de audiência preliminar no JECRIM 215 Habeas corpus contra decisões interlocutórias 215 Habeas corpus contra sentença 217 Habeas corpus contra liminar de deserilbargador que prejudicou interesse do acusado 220 8.2 Habeas corpus em confronto com o mandado de segurança, no caso de quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico 221 8.3 Habeas corpus no contexto da extradição no STF 224 8.4 A questão da supressão de instância no habeas corpus 225 8.5 Relevância da ampla defesa no procedimento do habeas corpus 229 8.6 Habeas corpus e provas 229
  • 16. SUMÁRIO 115 8.6.1 Avaliação da prova ilícita.................................................................... 229 8.6.2 Habeas corpus na produção antecipada de provas em caso de processo suspenso com base no art. 366 do Cpp 230 8.6.3 Indeferimento de provas 232 8.7 Habeas corpus no Tribunal do Júri 233 8.7.1 Para assegurar a plenitude de defesa 233 8.7.2 Em confronto à soberania dos veredictos......................................... 233 8.7.3 Excesso de fundamentação ou linguagem da decisão de pronúncia ou do acórdão 235 8.7.4 Desaforamento.................................................... 236 8.7.5 Excesso de prazo após a pronúncia 237 8.7.6 Avaliação do elemento subjetivo: dolo ou culpa.............................. 238 8.7.7 Intimação do réu por edital para julgamento em plenário 239 8.8 Habeas corpus e prisão do devedor de alimentos 240 8.9 Habeas corpus na execução penal 242 8.9.1 Progressão de regime.......................................................................... 242 8.9.2 Penas restritivas de direitos................................................................ 245 8.9.3 Visita íntima a presos.......................................................................... 245 8.9.4 Cumprimento de pena no local do domicílio 246 8.9.5 Ampla defesa na execução 247 8.9.6 Execução provisória da pena 248 8.10 Habeas corpus na Justiça do Trabalho........................................................ 249 8.11 Habeas corpus no cenário de medidas restritivas da liberdade 250 8.11.1 Prisão para averiguação...................................................................... 250 8.11.2 Medidas cautelares alternativas à prisão........................................... 251 8.11.3 Juízo de periculosidade 251 8.11.4 Prisão cautelar substituída por medida alternativa 255 8.11.5 Regime inicial de cumprimento da pena e vedação ao recurso em liberdade........................... 259 8.12 Investigação conduzida pelo Ministério Público passível de gerar cons- trangimento ilegal....................................... 259 8.13 Combinação de leis penais no contexto do habeas corpus 261 8.14 Habeas corpus e princípio da colegialidade............................................... 262 8.15 Atipicidade provocada pela insignificância dando margem ao habeas corpus 264 8.16 Ausência do defensor em audiência e habeas corpus 267
  • 17. 16 I HABEAS CORPUS - NuCCl 8.17 Habeas corpus eregime inicial de cumprimento de pena no tráfico ilícito de drogas....................................................................................................... 268 8.18 Cumprimento da medida de segurança em local inadequado dando ensejo ao habeas corpus............................................................................... 270 8.19 Habeas corpus para apressar processo 272 8.20 Habeas corpus e denúncia inepta - genérica ou alternativa 273 8.21 Restrições atuais ao habeas corpus 275 8.22 Busca de nulidade em relação a atos produzidos na fase investigatória ou processual................................................................................................ 278 8.23 Habeas corpus contra determinação de prisão após ojulgamento em 2a Instância....................................................................................................... 279 8.24 Audiência de custódia: não realização 281 BIBLI OGRAFIA 283 OBRAS DO AUTOR.................................................................................................. 287
  • 18. I Constituição Federal e linhas históricas do habeas corpus Sumário: 1.1 Constituição Federal e habeas corpus - 1.2 Aspectos his- tóricos em breves linhas: 1.2.1 Origem do habeas corpus; 1.2.2 Habeas corpus no Brasil e na América Latina. 1.1 Constituição Federal e habeas corpus A Constituição Federal é a Magna Carta dos direitos e garantias in- dividuais, particularmente previstos no art. 5.°, constitutivos de cláusula pétrea, intocáveis por qualquer reforma constituinte derivada. Dentre os vários direitos humanos fundamentais, encontra-se o direito à liberdade, um dos principais. E, diretamente conectado a ele, instituiu-se um instru- mento eficiente para assegurá-lo: o habeas corpus, chamado, vulgarmente, de remédio heroico. I Na realidade, o habeas corpus é instituto correlato ao mandado de segu- rança; ambos são ações constitucionais para tutelar direitos líquidos e certos, 1. "O habeas corpus é a água da vida para reviver alguém da morte da prisão" (traduzi), conforme Rolling C. Hurd (in Vicente Sabino Jr., O habeas corpus, p. 34).
  • 19. 18 I HABEAS CORPUS - NucCl que foram conspurcados por ilegalidades ou abusos de poder. Enquanto o habeas corpus visa à proteção da liberdade de locomoção (art. 5.°,LXVIII, CF), o mandado de segurança destina-se a todos os demais direitos líquidos e certos (art. 5.°,LXIX,CF), funcionando em caráter residual. Ainda segundo o art. 5.°, LXXVII, da Constituição Federal, "são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadanià: Aliás, o mesmo vem disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 61, ~ 1.0, I). A gratuidade é relevante fator de acesso facilitado ao Poder Judiciário. 1.2 Aspectos históricos em breves linhas 1.2.1 Origem do habeas corpus o absolutismo dos reis, na Idade Média, é historicamente reconhe- cido como um dos males mais visíveis à liberdade individual em todos os seus aspectos.2 A cobrança abusiva de impostos, muitos dos quais possuíam nítido caráter confiscatório, associada ao poder de prender qualquer pessoa, desprovida do devido processo legal, evidenciava esse totalitarismo, que, sem dúvida, desagradou à própria elite de vários lu- gares. Particularmente, na Inglaterra, emergiu a Magna Carta, imposta pelos barões ao Rei João Sem Terra, para que respeitasse as liberdades mínimas dos cidadãos. Um dos mais relevantes passos nessa direção foi a instituição do Tri- bunal do Júri, oferecendo julgamentos imparciais, realizado por seus pares - pessoas do povo, desvinculadas do poder real -, além de estabelecer o princípio da legalidade: ninguém deve ser processado ou preso senão pela lei da terra (by the law of the land), que, posteriormente, transformou-se na expressão devido processo legal (due process of law). Direitos fundamentais - como alegalidade eojuiz imparcial- de nada serviriam a menos que se criassem instrumentos dinâmicos para assegurar os ganhos relativos à liberdade individual. Nesse cenário, surgiu o habeas corpus, hoje intitulado remédio heroico, para obter do Poder Judiciário a ordem de soltura ou o salvo-conduto, evitando-se constrangimentos ilegais. 2. "Monarquia absoluta e writ de habeas corpus são conceitos contraditórios, pois o regime absoluto não pode aceitar processo que obriga a Coroa a motivar seus atos" (Dante Busana, O habeas corpus no Brasil, p. 15).
  • 20. CAPo I • CONSTITUiÇÃO FEDERAL E LINHAS HISTÓRICAS DO HABEAS CORPUS 119 Professa Pontes de Miranda que "os princípios essenciais do habeas corpus vêm, na Inglaterra, do ano 1215. Foi no capítulo 29 da Magna Charta libertatum que se calcaram, através das idades, as demais conquistas do pOVOinglês para a garantia prática, imediata e utilitária da liberdade física (no free man shall be taken, or imprisoned, or disseized, or outlawed, or exiled, or any wise destroyed; nor will we go upon him, nor send upon him, but by the lawful judgment of his peers or by the law of the land. To none will we deny or delay, right or justice)':3 Destaca, ainda, que, aos ingleses, cultivadores originários desse instru- mento de proteção, sempre foi muito cara a liberdade física de ir e vir, porque matar um cidadão, injustificadamente, provocaria alarme social imediato, mas o encarceramento de uma pessoa "é arma menos pública. Ninguém a percebe, ou poucos poderão dela ter notícia. Oprime às escuras, nas prisões, no interior dos edifícios, nos recantos. É violência silenciosa, secreta, igno- rada, invisível; portanto, mais grave e mais perigosa do que qualquer outrà:4 Afirma Thiago Bottino do Amaral que "a aristocracia inglesa, vitoriosa com a Magna Carta, mas em luta constante por sua afirmação, percebeu a necessidade de uma regulamentação que afirmasse a força do habeas corpus, enunciando, mais de quatrocentos anos depois, o Habeas Corpus Act, em 1679. (...) Com o Ato, a força do habeas corpus se revelou, então, com toda sua eficácia e energia ao se instituir um novo rito, mais célere, com previsão de multas e outras penalidades àqueles que o descumprissem, prazo para a apresentação do preso perante a Corte, proibição de transferência do preso de uma prisão para a outra sem consentimento da autoridade competente, além da proibição (hoje elementar) de que a pessoa que fosse posta em liberdade por meio de uma ordem de habeas corpus fosse presa novamente pelo mesmo motivo. (...) O Habeas Corpus Act de 1816 supriu a ausência para o sujeito que não estivesse sendo acusado da prática de um crime. Garantiu-se a liberdade de locomoção a qualquer um':s 3. História e prática do habeas corpus, p. 9-21. 4. História e prática do habeas corpus, p. 9-11 e p. 26-28. Assim também a posição de Galdino Siqueira, (Curso de processo criminal, p. 374). 5. Considerações sobre a origem e evolução da ação de habeas corpus, p. 112.]ustificou- -se o Ato de Habeas Corpus porque o disposto pela Magna Carta, no tocante à liberdade individual, "foi desrespeitada, esquecida e postergada a cada passo. Sem garantias sérias, sem remédios irretorquÍveis, estava exposta, ora às decisões covardes de certos juízes, ora às interpretações tortuosas dos partidários da 'prerrogativa'" (Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 55).
  • 21. 20 I HABEAS CORPUS - NuCCl Em suma, o habeas corpus nasceu na Inglaterra, porém com raízes no direito romano.6 Depois,estendeu-sepor toda aparte, em constituições ou leis ordinárias, como aspiração de todos os que lutam pela liberdade individuaU Nos Estados Unidos, seguindo tradição britânica de apoio à liber- dade individual, editou-se, em 1868, a XIV Emenda, preceituando que "nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis': Na lembrança de Ary Azevedo Franco, "maior amplitude teve, en- tretanto, o instituto do habeas corpus nos Estados Unidos da América do Norte, estendendo-lhe a jurisprudência o âmbito ao conhecimento da constitucionalidade da lei federal ou estadual, desde que seja esta a causa determinante da coação arguida pelo paciente':s 1.2.2 Habeas corpus no Brasil e na América Latina A Constituição do Império não o consagrou. Entretanto, no texto constitucional de 1824,consignou-se que "ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na lei; e nestes dentro de 24 horas contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz e nos lugares re- motos dentro de um prazo razoável, que a lei marcará, atenta a extensão do território, o juiz por uma nota por ele assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes do seu acusador, e os das testemunhas, havendo-as" (art. 179, inciso VIII). Por outro lado, de maneira inexplicável, seis tipos penais incrimina- dores foram introduzidos no Código Criminal de 1830,todos relacionados ao habeas corpus, antes mesmo que o instituto fosse consagrado no direito brasileiro.9 6. "No Direito Romano havia um instituto que talvez tenha sido o precursor do habeas corpus. Destinava-se a garantir a pessoa livre que por qualquer circunstância tivesse sido reclamada como escravo. Se tal ocorresse havia o recurso ao interdito de homene libero, mas daí não se passou" (Antonio Macedo de Campos, Habeas corpus, p. 60). 7. Pinto Ferreira (Teoria e prática do habeas corpus, p. 3 e 23); Vicente Sabino Jr. (O habeas corpus, p. 22). 8. Código de Processo Penal, p. 359. 9. "Art. 183. Recusarem os Juizes, á quem fôr permittido passar ordens de - habeas- -corpus - concedel-as, quando lhes forem regularmente requeridas, nos casos, em
  • 22. CAPo I • CONSTITUiÇÃO FEDERAL ELINHAS HISTÓRICAS DO HABEAS CORPUS I 21 Somente em 1832, o habeas corpus foi previsto no Código de Processo Criminal (arts. 340 a 355).10 Foi estendido aos estrangeiros e ganhou o caráter preventivo pela Lei 2.033, de 187l. Após, constou da Constituição Republicana de 1891 e em todas as demais a partir daí editadas. Na Constituição Federal de 1988, encontra -se previsto no art. 5.0 (Título dos Direitos e Garantias Fundamentais), inciso LXVIII: "conceder- -se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder': Consta, igualmente, de documentos internacionais de proteção aos direitos humanos, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Hu- que podem ser legalmente passadas; retardarem sem motivo a sua concessão, ou deixarem de proposito, e com conhecimento de causa, de as passar independente de petição, nos casos em que a Lei o determinar. Art. 184. Recusarem os Officiaes de Justiça, ou demorarem por qualquer modo a intimação de uma ordem de - habeas-corpus- que lhes tenha sido apresentada, ou a execução das outras diligencias necessarias para que essa ordem surta effeito. Penas - de suspensão do emprego por um mez a um anno, e de prisão por quinze dias a quatro mezes. Art. 185. Recusar, ou demorar a pessoa, a quem fôr dirigida uma ordem legal de - habeas- -corpus - e devidamente intimada, a remessa, e apresentação do preso no lugar, e tempo determinado pela ordem; deixar de dar conta circumstanciada dos motivos da prisão, ou do não cumprimento da ordem, nos casos declarados pela Lei. Penas - de prisão por quatro a dezaseis mezes, e de multa correspondente á metade do tempo. Art. 186.Fazer remesea do preso á outra autoridade; occultal-o, ou mudai-o de prisão, com o fim de illudir uma ordem de - habeas-corpus - depois de saber por qualquer modo que ella foi passada, e tem de lhe ser apresentada. Penas - de prisão por oito mezes a tres annos, e de multa correspondente á metade do tempo. Art. 187.Tornar a prender pela mesma causa a pessoa, que tiver sido solta por effeito de uma ordem de - habeas-corpus - passada competentemente. Penas - de prisão por quatro mezes a dous annos, e de multa correspondente á metade do tempo. Se os crimes, de que tratamos tres artigos antecedentes, forem commettidos por empregados publicos em razão, e no exercicio de seus empregos, incorrerão, em lugar de pena de multa, na de suspensão dos empregos; a saber: no caso do artigo cento oitenta e cinco, por dous mezes a dous annos; no caso do artigo cento oitenta e seis, por um a quatro annos; e no caso do artigo cento oitenta e sete, por seis mezes a tres annos. Art. 188.Recusar-se qualquer cidadão de mais de dezoito annos de idade, e de menos de cincoenta, sem motivo justo, a prestar auxilio ao Official encarregado da execução de uma ordem legitima de - habeas-corpus - sendo para isso devidamente intimado. Penas - de multa de dez a sessenta mil réis': 10. Como leciona Pontes de Miranda, "habeas corpus é pretensão, ação e remédio. A pretensão data de 1830 (Código Criminal, arts. 183-188). A ação e o remédio, de 1832" (História e prática do habeas corpus, p. 128).
  • 23. 22 I HABEAS CORPUS - NuCCl manos (1948), art. 8.°; a Convenção Europeia (1950), art. 5.°, inciso 4; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7.o Y Na América Latina, o habeas corpus não teve uma evolução idêntica; alguns países o inseriram em seus textos constitucionais ou legais há muitos anos, como o Brasil; outros o fizeram em época mais recente. Está presente, atualmente, na Argentina, Bolívia, Chile (recurso de amparo), Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. No México, não possui a mesma denominação, mas está inserido no processo de amparo, que abriga vários dispositivos processuais. 12 11. Antonio Magalhães Gomes Filho, O habeas corpus como instrumento de proteção do direito à liberdade de locomoção, p. 62; Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 126-127; Galdino Siqueira, Curso de processo criminal, p. 381. 12. Gumesindo GarCÍa Morelos (EI proceso de habeas corpus y los derechos fundamen- tales, p. 32).
  • 24. II Conceituação Sumário: 2.1 Conceito e natureza jurídica - 2.2 Espécies de habeas corpus. 2.1 Conceito e natureza jurídica Trata-se de ação constitucional, destinada a coibir qualquer ilegalidade ou abuso de poder voltado à constrição da liberdade de ir, vir e ficar, seja na esfera penal, seja na cÍveLJ Encontra-se prevista no art. 5.°, LXVIII, da Constituição Federal e regulada no Capítulo X do Título II do Livro III do Código de Processo Pena1,2 Na lição de Frederico Marques, o habeas 1. "O habeas corpus latino-americano paulatinamente vai se consolidando como um processo de natureza constitucional, alijando-se de seu tratamento processual penal" (Gumersindo GarcÍa Morelos, EI proceso de habeas corpus y los derechos fundamentales, p. 77, tradução livre). 2. "Quando os juízes despacham petições de habeas corpus devem ter em vista que a apresentação do paciente pode ser o maior elemento para que o caso se esclareça. Ao terem de julgar, afinal, devem ter presente ao espírito que o habeas corpus é a pedra de toque das civilizaçõessuperiores, um dos poucos direitos, pretensões, ações e remédios com que se sobrepõem aos séculos passados, mal saídos da Idade Média e dos absolutismos dos reis,os séculos de civilizaçãoliberal-democrática, nos países em
  • 25. 24 I HABEAS CORPUS - NuCCl corpus é uma ação popular, pois pode ser ajuizada por qualquer pessoa do pOVO,3o que, certamente, corresponde à sua natureza de remédio heroi- co e garantia constitucional. E, há muito, já dizia Oliveira Machado que "nenhum remédio é mais salutar, mais poderoso a garantir a liberdade suprimida ou cerceada que o habeas corpus, cujo fim é aliviar o paciente, com verdadeira presteza e admirável prontidão, da opressão ilegal. O habeas corpus é o salvo-conduto eficaz, a carta de crédito vigilante e defensora que preserva a liberdade contra os ataques iníquos e injuriosos".4 Não se trata de recurso, como faz crer a sua inserção na lei processual penal, no âmbito dos recursos, mas de autêntica ação autônoma, dando vida a uma relevante garantia humana fundamental. Dentre as principais razões que se podem enumerar para o seu caráter de ação - e não de re- curso -, encontra-se a inexistência de prazo para o seu ajuizamento. Pode ser proposta contra decisão com trânsito em julgado. Além disso, pode ser impetrada contra ato de autoridade coatora (delegado de polícia, por exemplo) distinto de decisão judicial - contra a qual poderia caber algum recurso -, além de ser viável contra abuso de particular (internação com- pulsória firmada por médico, a título de ilustração). De se anotar, também, existirem decisões judiciais contra as quais não cabe recurso previsto em lei, mas que podem significar autêntico constrangimento à liberdade de locomoção, como a determinação judicial de condução coercitiva de vítima ou testemunha. Nunca é demais ressaltar o trancamento de inquérito ou ação penal, situações que não comportam recurso previsto em lei, mas o habeas corpus se torna o remédio adequado a tanto. Em suma, o habeas corpus pode até atuar como recurso, em determinadas situações, buscando corrigir em instância superior algum erro cometido por instância inferior do Judiciário, mas o seu propósito principal não é este. Eis que o motivo de sua natureza jurídica concentra-se noutro aspecto. No entanto, não deixa de ser uma ação sui generis, que possui polo ativo singular (impetrante e paciente são a mesma pessoa) ou complexo (impetrante e paciente são pessoas diversas) e polo passivo peculiar, inte- grado pela autoridade apontada como coatora (ou particular coator), de que ela logrou se firmar. Fazer respeitada a liberdade física é um dos meios de servir e sustentar essa civilização, a que todos os homens, de todos os recantos da Terra, se destinam, sem ser certo que todos a logrem. Os que não a lograrem desaparecerão" (Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 571). 3. Elementos de direito processual penal, p. 376. 4. O habeas corpus no Brasil, p. 10.
  • 26. CAPo 11 • CONCEITUAÇÃO I 25 quem não se exige contestação, mas somente informações (que podem ser dispensadas ou exigidas, sob pena de falta funcional e prática de crime). Não há citação de réu; em seu lugar, ingressa um ofício de requisição de informes. Pode-se, inclusive, abrir mão da requisição, impondo-se a intimação do coator para depoimento pessoal em juízo, como se dá no caso de particular, a critério do magistrado. Cuida-se de garantia individual, e não direito. Em nosso posicio- namento, há diferença entre direito e garantia fundamental. O primeiro é meramente declaratório - como o direito à liberdade -, enquanto o segundo é assecuratório - como o devido processo legal. O Estado reconhece a existência do direito, afirmando-o em norma jurídica. A garantia é instituída pelo Estado, não existindo naturalmente antes da norma que a criou. Num panorama amplo, o direito é uma garantia e esta também é um direito. É in conteste que a liberdade é um direito, mas também a garantia de uma sociedade livre; o habeas corpus é uma garantia da liberdade, porém um direito do cidadão, quando deseja utilizá-lo. Entretanto, a diferença estabelecida entre direito e garantia é didática e classificatória, permitindo a mais adequada visão dos direitos e garantias humanas fundamentais. O termo habeas corpus, do latim (habeo, habere = ter, exibir, tomar, trazer; corpus, corporis = corpo), etimologicamente, significa "toma o corpo", isto é, fazer a apresentação de alguém, que esteja preso, em juízo, para que a ordem de constrição à liberdade seja justificada, podendo o magistrado mantê-la ou revogá-la. Nas palavras de Pontes de Miranda, "toma (literalmente: tome, no subjuntivo, habeas, de habeo, habere, ter, exibir, tomar, trazer etc.) o corpo deste detido e vem submeter ao Tribunal o homem e o caso. Por onde se vê que era preciso produzir e apresentar à Corte o homem e o negócio, para que pudesse a Justiça, convenientemente instruída, estatuir, com justiça, sobre a questão, e velar pelo indivíduo".5 Distingue-se o habeas corpus de outras medidas cautelares em prol da liberdade e da defesa de direitos individuais pelo fato de constituir um procedimento célere, com pronta resposta em face da violação da liberdade de alguém, por ato inconstitucional ou ilegal, viabilizando a apresentação imediata da pessoa privada do direito de ir e vir diante da autoridade judi- ciária, que o liberou por ordem, para que possa, sem qualquer formalismo, 5. História e prática do habeas corpus, p. 21.
  • 27. 26 I HABEAS CORPUS - NuCCl de forma oral, frente a frente, expor os argumentos e queixas em relação à sua situação pessoal. O juiz, então, haverá de resolver rapidamente.6 Embora atualmente não mais se tenha que fazer a apresentação do preso ao juiz, como regra, continua este analisando a legalidade do ato ameaçador ou constringente à liberdade de ir, vir e ficar do indivíduo. Desde a sua origem, conhecem-se várias ordens de habeas corpus para resgatar qualquer constrição à liberdade, como bem demonstra Pontes de Miranda: a) habeas corpus ad respondendum: expede-se quando uma pessoa encontra-se presa por ordem de tribunal inferior, com o fito de transferi-la para local sob competência de tribunal superior, onde deverá ser ajuizada a ação; b) habeas corpus ad satisfaciendum: busca assegurar a transferência de um preso, submetido a julgamento por determinada corte, para que se assegure a execução do julgado por outro juízo; c) ha- beas corpus ad prosequendum: utiliza-se para remover o preso para local de competência do juízo onde foi cometido o crime, para que seja julgado; d) habeas corpus ad testificandum: a finalidade é levar uma pessoa sob custódia para ser ouvida como testemunha; e) habeas corpus ad facien- dum et recipiendum: obriga-se os juízes inferiores a apresentar a pessoa do acusado, comunicando quando foi detido e o motivo; f) habeas corpus ad subjiciendum: destinado a quem detenha outra pessoa, obrigando o de- tentor a apresentá-la ao juiz, comunicando data, hora e motivo da prisão. Portanto, se ilegal, o preso será restituído à liberdade.? O seu objetivo primário é conceder liberdade a quem dela se viu privado, sem justo motivo. Diante disso, a sua natureza jurídica é de ação de conhecimento, mas também denominado de remédio heroico. Aliás, o texto constitucional refere-se a ação de habeas corpus - e não recurso (art. 5.°, LXXVII, CF). Supremo Tribunal Federal • "1. Pelo art. 5.°, inc. LXVIII, da Constituição da República, condiciona- -se a concessão do habeas corpus às situações nas quais alguém sofra ou esteja ameaçado de sofrer violência ou coação na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, o que não se verifica na espécie em 6. Gustavo López-Mufloz Y Larraz, El auténtico "habeas corpus", p. 74. 7. História eprática do habeas corpus, 41-42. No mesmo prisma, Antonio Magalhães Gomes Filho (O habeas corpus como instrumento de proteção do direito à liberdade de locomoção, p. 60) e Galdino Siqueira (Curso de processo criminal, p. 375).
  • 28. CAPo 11 • CONCEITUAÇÃO I 27 exame. 2. Agravo regimental ao qual se nega provimento" (HC 133753 AgRlDF, Tribunal Pleno, reI. Cármen Lúcia, 02.06.2016, m.v.). • "O habeas corpus não é a via adequada para questionar decisão defi- nitiva do Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, mormente quando ausente risco iminente à liberdade de locomoção do paciente" (HC 130810 AgR/AL, La T., reI. Roberto Barroso, 02.08.2016, m.v.) . • "Vale, ainda, lembrar que a Corte, igualmente, não admite o habeas corpus quando se pretende discutir questões alheias à privação da liberdade de locomoção. Precedentes" (RHC 120571/RJ, La T., reI. Dias Toffoli, 11.03.2014, v.u.). Como bem esclarecem Ada, Magalhães e Scarance, pode-se objetivar um provimento meramente declaratório (extinção de punibilidade), constitutivo (anulação de ato jurisdicional) ou condenatório (condenação nas custas da autoridade que agiu de má-fé). Para nós, entretanto, inexiste o habeas corpus com finalidade condenatória, pois o art. 5.°, LXXVII, da Constituição prevê a gratuidade desse tipo de ação. Logo, jamais há custas a pagar. Destacam os autores supramencionados, ainda, que possui o caráter mandamental, envolvendo a ordem dada pelo juiz para que a autoridade coatora cesse imediatamente a constrição, sob pena de responder por desobediência.8 Considerando-o como autêntica ação e não recurso: Pontes de Miranda;9 Antonio Magalhães Gomes Filho;lO José Frederico Marques;ll Rogério Lauria Tucci;12 Tourinho Filho;l3 Marco Antonio de Barros;14 Dante Busana;lS Dante Busana e Laerte Sampaio;16 Mauro Cunha e Ro- berto Geraldo Coelho Silva;l7 Paulo Roberto da Silva Passos;18 Antonio 8. Recursos no processo penal, p. 346. 9. História e prática do habeas corpus, p. 42. 10. O habeas corpus como instrumento de proteção do direito à liberdade de locomoção, p.68. 11. Elementos de Direito Processual Penal, p. 346. 12. Habeas corpus, ação e processo penal, p. 4-6. 13. Processo penal, p. 654. 14. Ministério Público e o habeas corpus: tendências atuais, p. 119. 15. O habeas corpus no Brasil, p. 29-34. 16. O Ministério Público no processo de habeas corpus, p. 316. 17. Habeas corpus no direito brasileiro, p. 69 e 152. 18. Do habeas corpus, p. 25.
  • 29. 28 I HABEAS CORPUS - NuCCl Macedo de Campos;19 Diomar Ackel Filho;20Vicente Sabino Jr.;21Gustavo Badaró;22Edilson Mougenot Bonfim;23 Cesar Antonio da Silva;24Demercian e Maluly;25 Paulo Lúcio Nogueira;26 Heráclito Antônio Mossin;27 Eugênio Pacelli de Oliveira;28 Aury Lopes Jr.;29Lúcio Santoro de Constantino;30 Paulo Rangel;31 Luis Alfredo de Diego Díez.32 Em sentido contrário, sustentando tratar-se de um recurso especial: Galdino Siqueira33 e Tavares Bastos.34 Não é demais citar o entendimento de Pinto Ferreira, para quem "o pedido de habeas corpus é pedido de prestação jurisdicional em ação, como a sua real natureza, mas pode, no sistema de duplo grau de jurisdição, assumir o caráter de recurso, pois é evidente que pode servir ainda contra decisões do juiz de 1.a instância, para que sejam revistas pelos tribunais ou pela superior instância':35 No mesmo sentido, Magalhães Noronha.36 2.2 Espécies de habeas corpus Se, em tempos pretéritos, havia múltiplas ordens de habeas corpus, como retratado no item anterior, atualmente, há basicamente duas: a) liberatório, que é o mais comum, dizendo respeito à cessação do constrangimento ilegal contra a liberdade individual, já consumado; atua em relação a qualquer espécie de coação já realizada, buscando retornar o coato à situação ante- 19. Habeas corpus, p. 75. 20. Writs constitucionais, p. 29. 21. O habeas corpus, p. 40. 22. Processo penal, p. 675. 23. Curso de processo penal, p. 925. 24. Código de Processo Penal comentado, p. 620. 25. Curso de processo penal, p. 438. 26. Curso completo de processo penal, p. 470. 27. Habeas corpus, p. 68. 28. Curso de processo penal, p. 754. 29. Direito processual penal, p. 1.338. 30. Habeas corpus, p. 33. 31. Direito processual penal, 874. 32. Habeas corpus frente a detenciones ilegales, p. 52. 33. Curso de processo criminal, p. 384. 34. O habeas corpus na República, p. 90. 35. Teoria e prática do habeas corpus, p. 12. 36. Curso de processo penal, p. 411.
  • 30. CAPo 11 • CONCEITUAÇÃO I 29 riar de plena liberdade; b) preventivo, mais raro, referindo-se à ordem de cautela, visando a assegurar que determinada potencial coação não ocorra. Quando liberatório, a concessão da ordem de habeas corpus leva à expedição de alvará de soltura (libertar quem está indevidamente custo- diado) ou gera um ofício, contendo uma ordem, enviado à autoridade coatora para que o constrangimento cesse de imediato (trancamento de uma investigação, par exemplo). Se for preventivo, a concessão da ordem acarreta a expedição do mandado de salvo-conduto, consistente em ordem judicial para que o ameaçado não venha a sofrer qualquer constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção.3 ? Exemplo concreto disso já ocorreu, quando prostitutas, na cidade de São Paulo, impetraram habeas corpus contra certo delegado, que costumava determinar o seu recolhimento ao cárcere por vadiagem, a pretexto de "limpar" o centro da cidade. Deferida liminarmente a ordem, expediu-se o salvo-conduto, de modo que as beneficiárias não mais p ser detidas, a não ser em flagrante delito, por situação diversa de vadiagem. Pode expedir, ainda, uma ordem preventiva, para que alguém não se submeta a determinado ato, considerado abusivo (exemplo: impedir o indiciamento de um suspeito, nos autos do inquérito policial). Sem dúvida, o mais comum e utilizado habeas corpus é o liberatório, ajuizado contra ato de autoridade coatora já consumado. Pretende-se restituir ao paciente a liberdade individual na sua integralidade, que fora conspurcada por algum abuso ou ilegalidade. Não se deve, no entanto, desprezar a eficiência do habeas corpus preven- tivo. A Constituição Federal autoriza essa ação quando se verificar ameaça de violência ou coação em relação à liberdade de locomoção, hoje visualizada por amplo espectro, de alguém, em caso de ilegalidade ou abuso de poder. Esse instrumento é pouco utilizado, até mesmo por desconhecimento de seu valor e de seu alcance. Exige-se para a propositura do habeas corpus 37. O mais famoso caso de habeas corpus registrado no Brasil foi julgado pelo STF,em 5 de abril de 1919, relatado pelo Ministro Edmundo Lins, concedendo-se salvo- -conduto em favor do conselheiro Rui Barbosa e alguns de seus amigos para fazerem na Bahia, sem constrangimento, a sua propaganda política, em função da eleição presidencial de 13 de abril de 1919. Aliás, consagrou-se, nessa ordem, o direito de ficar, pois os correligionários de Rui Barbosa estavam autorizados a permanecer em determinado lugar para o fim de realizar comício político (Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 256).
  • 31. 30 I HABEAS CORPUS - NuCCl a existência de direito líquido e certo, seja para liberar, seja para prevenir. Por certo, aprova da ameaça (dano futuro) é mais difícil, mas não inviável. É preciso que o impetrante explicite, detalhadamente, o que pode acontecer com o paciente, caso a ordem não seja concedida, mesmo ha- vendo dificuldade de ofertar elementos documentais imediatos. Ilustrando, são casos de habeas corpus preventivo: a) indiciamento: antes de ser formalmente apontado pela autoridade policial, como autor do delito, inscrevendo-se tais dados em sua folha de antecedentes, o suspeito pode impetrar habeas corpus preventivo, visan- do a obstar que tal ato se concretize, evitando-se os dissabores que daí podem advir; b) quando indiciado por um crime, o suspeito tem direito de acom- panhar a direção tomada das investigações por meio de seu defensor; conforme o rumo tomado, pode impetrar habeas corpus para evitar que seja quebrado o seu sigilo bancário, fiscal ou telefônico; c) o indiciado pode questionar preventivamente a ordem da autori- dade policial, quando intimado para participar da reconstituição do crime, evitando que seja conduzido coercitivamente ao local; d) caso pretenda participar da prova pericial, por meio de assistente técnico, produzida durante a fase policial, sabedor que muitos delegados não permitem esse acompanhamento, pode impetrar a ordem preventiva para que seu representante tome parte na diligência; e) da mesma forma que se admite a propositura do habeas corpus para trancar ação penal, é cabível o remédio heroico para impedir o re- cebimento da denúncia, por falta de justa causa; imagine-se a finalização do inquérito, remetendo-se os autos ao órgão acusatório, sem nenhuma prova a lastrear uma acusação; desde que tenha a oferta da peça acusatória, pode o indiciado impetrar habeas corpus; f) durante a instrução, designada a audiência, o réu será intimado a comparecer; porém ele tem o direito de acompanhar a instrução, e não um dever; se optar pelo não comparecimento, pode impetrar habeas corpus preventivo para não ser conduzido coercitivamente ao ato; aliás, o mesmo se dá se não pretender ser interrogado, valendo-se do direito ao silêncio; g)intimado adepor como testemunha, especialmente diante de Comis- são Parlamentar de Inquérito, havendo possibilidade de se autoincriminar com suasdeclarações,éviávelimpetrar habeas corpus preventivo para invocar o direito ao silêncio, evitando a prisão em flagrante por falso testemunho.
  • 32. III Condições da ação Sumário: 3.1 Possibilidade jurídica do pedido: 3.1.1 A questão do di- reito líquido e certo; 3.1.2 Liberdade de ir, vir e ficar; 3.1.3 Ampliação do seu alcance; 3.1.4 Punição disciplinar militar; 3.1.5 Restrição ao uso do habeas corpus - 3.2 Interesse de agir (necessidade, adequação e utilidade): 3.2.1 Existência de recurso legal para impugnar a decisão judicial considerada abusiva; 3.2.2 Dúvida quanto ao interesse de agir e consulta ao paciente; 3.2.3 Cessação do interesse de agir; 3.2.4 Des- necessidade de pedido de reconsideração ao juiz para a impetração no tribunal ou de reiteração de pleito já formulado - 3.3 Legitimidade: 3.3.1 Legitimidade ativa: impetrante e paciente; 3.3.2 Legitimidade passiva: autoridade coatora e particular; 3.3.3 Intervenção de tercei- ros; 3.3.4 Requisição cumprida pela autoridade policial; 3.3.5 Habeas corpus de ofício. 3.1 Possibilidade jurídica do pedido Cabe a ação de habeas corpus quando tem por fim o resgate à liberdade individual que, por qualquer constrangimento, encontra-se restringida ou ameaçada de restrição. Esse é o fundamento jurídico, retratado no próprio texto constitucional (art. 5.°, LXVIII): "concede-se habeas corpus quando
  • 33. 32 I HABEAS CORPUS - NuCCl alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder': I Como primeira condição da ação, deve-se verificar a possibilidade jurídica do pedido, vale dizer, se a liberdade individual está em jogo. Em tese, não se tratando de liberdade de locomoção, seria juridicamente inviável ajuizar o habeas corpus. E, mesmo havendo alguma constrição a outro direito fundamental, cabível seria o mandado de segurança (art. 5.°, LXIX): concede-se mandado de segurança quando algum direito líquido e certo for violado por ato abusivo ou ilegal de autoridade. Entretanto, a viabilidade jurídica da ação de habeas corpus alargou-se sobremaneira, invadindo searas vizinhas ao direito de locomoção, desde que este, de algum modo, possa ser atingido, ainda que indiretamente. Tem-se observado, no curso da história do habeas corpus, ao menos no Brasil, a ampliação da medida de ajuizamento desse remédio heroico, de forma que é praticamente impossível delimitar, com precisão, esgotando todas as hipóteses, a possibilidade jurídica do pedido. Outro aspecto relevante diz respeito ao indeferimento liminar da pe- tição de habeas corpus, a pretexto de não preencher a viabilidade jurídica do pleito, por se tratar de direito diverso da liberdade de ir, vir e ficar. Se assim for feito, embora tecnicamente correto, somente acarretará, na prática, dissabores tanto ao impetrante (e ao paciente) quanto ao próprio juízo. Afinal, indeferindo-se um, outro habeas corpus será impetrado, agora contra esse ato judicial de indeferimento, afirmando constrangimento, o que, muitas vezes, termina por ser reconhecido em tribunal superior. Noutros termos, deve-se reservar, para último caso, o indeferimento imediato da petição inicial. No contexto global da possibilidade jurídica do pedido, é complexa e dificultosa a sua avaliação, motivo pelo qual o mais indicado é permitir o processamento da demanda, que possui rito célere e abreviado, proferindo, se for o caso, decisão de mérito, indeferindo a ordem. Noutras palavras, a análise das condições da ação de habeas corpus deve ser feita de maneira 1. Lembrando a importância da liberdade, em todos os seus matizes, narra Pontes de Miranda ter sido "admirável, em 1943, a força serena com que o povo britânico, sob as metralhas, conservou o seu amor da liberdade e fez respeitarem-se todos os poderes. A imprensa britânica, de 1940 a 1943 e o Parlamento são o maior exemplo humano de que ser livre é mais importante do que viver" (História e prática do habeas corpus, p. 30).
  • 34. CAPo 111 • CONDIÇOES DA AÇÃO I 33 mais flexível do que uma ação diversa. A dúvida deve favorecer o impe- trante e o paciente, jamais o próprio Estado. Um dos pontos de confronto entre o texto constitucional (art. 5.°, LXVIII) e a lei ordinária (art. 647, CPP) é o termo iminência, que consta nesta última, mas não na norma da Constituição Federal. O Código de Processo Penal prevê o uso de habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência (prestes a acontecer) de sofrer vio- lência ou coação ilegal no tocante à sua liberdade de ir, vir e ficar, salvo nos casos de punição disciplinar. A Constituição estipula a utilização de habeas corpus quando alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. O texto normativo do Código é mais restritivo do que o previsto na Constituição, devendo este prevalecer sobre aquele, por duas razões básicas: a) a Constituição Federal encontra-se em nível superior à lei ordinária; b) em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação mais favorável ao paciente, que se encontra de algum modo constrangido. Afinal, se há o princípio constitucional da presunção de inocência, quem sofre constrangimento torna-se vítima, considerada, a princípio, pessoa inocente. Diante disso, cabe habeas corpus preventivo sempre que alguém se achar ameaçado de sofrer coação ou violência, seja isso iminente (próximo de acontecer) ou mais distante (futuro). A lei ordinária refere-se à liberdade de ir e vir, enquanto o texto constitucional menciona a liberdade de locomoção; ambas as expressões possuem significado correlato, não sendo este um fator diferencial. No Código de Processo Penal, cita-se apenas a coação ou violência ilegal (contra a lei em amplo sentido); na Constituição, além da ilegalidade, há referência a abuso de poder, que, no entanto, é desnecessário, visto que o abuso (excesso indevido) é sempre um ato ilegal. Configura impossibilidade jurídica do pedido, não sendo cabível o habeas corpus, a discussão acerca do mérito da ação penal, em que o paciente figura como réu. A ação mandamental não é ambiente para se analisar se o acusado é culpado ou inocente pelas seguintes razões: a) o objetivo do habeas corpus é assegurar a liberdade de ir e vir, exceto se houver imposição de pena, com trânsito em julgado; assim sen- do, combater uma sentença condenatória por meio do remédio heroico significa perverter a sua essência;
  • 35. 34 I HABEAS CORPUS - NuCCl b) para avaliar o acerto ou desacerto da decisão condenatória existe recurso apropriado - apelação; c) a ação de habeas corpus exige prova pré-constituída, sem qualquer dilação probatória; avaliar integralmente o conteúdo do processo-crime torna-se incompatível com tal celeridade e estreiteza; d) havendo o recurso próprio para contrapor a sentença, se o habe- as corpus pudesse ingressar no mérito, em processo distinto, poderiam subsistir decisões diversas e, até mesmo, contraditórias. Se o direito alegado pelo impetrante em favor do paciente é tão ne- buloso que depende de ampla captação de provas, ainda não existentes, torna-se impossível tecer considerações sobre o pedido formulado. Aliás, vale ressaltar que também no habeas corpus - tal como ocorre com o mandado de segurança - exige-se a evidência de direito líquido e certo, consistente no direito tão claro quanto possa ser demonstrado por prova documental ou pela informação da autoridade coatora. É líquido, pois induvidoso o pedido, sabendo o impetrante exatamente o que pretende em favor do paciente; é certo, pois claramente demonstrado pela prova documental ofertada com a inicial. Supremo Tribunal Federal • "Impossibilidade de rever, em habeas corpus, a especial gravidade dos fatos e sua repercussão em causa de aumento de pena, tendo em vista que o remédio constitucional não se compatibiliza com o reexa- me de fatos e provas" (HC 132029 AgR/SP, La T., reI. Edson Fachin, 02.09.2016, m.v.). • "O enfrentamento acerca do elemento subjetivo do delito de homi- cídio demanda profunda análise fático-probatória, o que, nessa me- dida, é inalcançável em sede de habeas corpus. 3. Ordem denegada, revogando-se a liminar anteriormente deferidà' (HC 121654/MG, La T., reI. Marco Aurélio, 21.06.2016, m.v.). • "O habeas corpus constitui remédio processual inadequado para a análise de prova, o reexame do material probatório produzido, a rea- preciação da matéria de fato e, também, a revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento" (RHC 121106/SP,2.a T., reI. Cármen Lúcia, 25.03.2014, v.u.). • "É cediço que a via estreita do habeas corpus não comporta reexame de fatos e provas para alcançar a absolvição, consoante remansosa jurisprudência desta Corte: HC 105.022/DF,reI. Cármen Lúcia, La T.,
  • 36. CAPo 111 • CONDiÇÕES DA AÇÃO I 35 D/e 09.05.2011; HC 102.926/MS, reI. Luiz Fux, La T., DJe 10.05.2011; HC 101.588/SP, reI. Dias Toffoli, La T., DJe 01.06.2010; HC 100.234/ SP, reI. Joaquim Barbosa, 2.a T., D/e 01.02.2011; HC 90.922, reI. Cezar Peluso, 2.a T., DJe 18.12.2009; e RHC 84.901, reI. Cezar Peluso, 2.a T., DJe 07.08.2009" (HC 108181/RS, La T., reI. Luiz Fux, 21.08.2012, v.u.). Superior Tribunal de Justiça • ''A análise acerca da negativa de autoria é questão que não pode ser dirimida em recurso ordinário em habeas corpus, por demandar o re- exame aprofundado das provas colhidas, vedado na via sumária eleita, devendo agora ser solucionada pela Corte originária, no julgamento de eventual apelo defensivo" (RHC 75042/MA, 5.a T., reI. Jorge Mussi, 20.10.2016, v.u.). • "O pedido de absolvição, por alegada insuficiência das provas coligidas, além de configurar, no presente caso, supressão de instância, demandaria, necessariamente, o amplo revolvimento da matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de habeas corpus (precedentes). Habeas corpus não conhecido" (HC 363469/SP, 5.a T., reI. Felix Fischer, 06.10.2016, v.u.). • ''A alegação de legítima defesa invocada em favor do paciente exige acurado exame das circunstâncias da conduta delitiva e demanda di- 1ação probatória, o que é vedado na via exígua do habeas corpus" (HC 31.281/SP, 5.a T., reI. Laurita Vaz, 22.03.2005, V.u.,DJ02.05.2005, p. 383). Tribunal de Justiça de São Paulo • ''Ataque à sentença condenatória - Matéria não passível de discussão em sede do presente writ - Precedentes do STJ - Inadequação da via eleita - Ausência de ilegalidade - Ordem não concedida" (HC 990.10.319839-5, 16.a c., reI. Newton Neves, 21.09.2010, v.u.). 3.1.1 A questão do direito líquido e certo Embora nem a lei nem a Constituição prevejam expressamente que a utilização do habeas corpus demanda a existência de direito líquido e certo, tal postura restou consagrada na doutrina e na jurisprudência, afinal, não se admite, como regra, qualquer dilação probatória. Líquido é o que prescinde de apuração, pois já confirmado, em gênero, número e qualidade. Na verdade, é direito certo. A certeza diz respeito ao que é incontestável, incontroverso. Em verdade, dever-se-ia considerar o
  • 37. 36 I HABEAS CORPUS - NuCCl direito, primeiro, certo e, depois, líquido, pois há direitos certos, que são ilíquidos; porém, não há direito líquido que não seja certo.2 Sintetizando, diz Pontes de Miranda: "direito líquido e certo é aquele que não desperta dúvidas, que está isento de obscuridades, que não pre- cisa ser aclarado com o exame de provas em dilações, que é de si mesmo concludente e inconcusso':3 Exigindo igualmente a constatação de direito líquido e certo, Galdino Siqueira.4 Supremo Tribunal Federal • "1. O habeas corpus não constitui via adequada para reexame dos elementos fático-probatórios que justificaram o reconhecimento da conexão instrumental e do juízo de conveniência que motivou a unidade de processamento e julgamento. Preenchida a hipótese modificativa de competência, não viola o devido processo legal 'a atração por con- tinência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados', forte na Súmula 704/STF" (HC 131164/TO, l.a T., reI. Edson Fachin, 24.05.2016, m.v.) . • "Rebater os fundamentos do acórdão combatido exigiria o exame aprofundado de provas, impossível em sede de habeas corpus, visto tratar-se de instrumento destinado à proteção de direito líquido e certo, demonstrável de imediato, que não admite dilação probatórià' (HC 135949/RO, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 04.10.2016, v.u.). Superior Tribunal de Justiça • "1. O habeas corpus não é o meio adequado para a análise de tese de negativa de autoria por exigir, necessariamente, uma avaliação do conteúdo fático-probatório, procedimento incompatível com a via estreita do writ, ação constitucional de rito célere e de cognição su- mária. 2. Ademais, sobreveio sentença condenatória, de modo que, se o habeas corpus não se presta à análise probatória para comprovação de elementos suficientes que denotem a autoria, com maior razão não pode se arvorar a reverter conclusão obtida pelo magistrado 2. Nessa ótica, Pontes de Miranda: "para ser líquido, o direito tem de ser certo. A certeza é qualidade conceptualmente anterior. O direito certo pode ser líquido ou ilíquido. O líquido tem, como prius, de ser certo" (Comentários à Constituição de 1967, p. 361). 3. História e prática do habeas corpus, p. 325. 4. Curso de processo criminal, p. 390.
  • 38. CAPo 111 • CONDiÇÕES DA AÇÃO I 37 singular, após plena cognição de provas no curso da instrução, sob pena de converter-se em sucedâneo de apelação. 3. A superveniência do julgamento da ação penal torna prejudicada a alegação de cons- trangimento ilegal por excesso de prazo" (RHC 66921/SP, 5.a T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 27.09.2016, v.u.). • "O que sempre sustentei e sustento é que o habeas corpus é antídoto de prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal evidente, incontroverso, indisfarçável, que se mostra de plano ao jul- gador. Não se destina à correção de controvérsias ou de situações que, ainda que existentes, demandam para sua identificação, aprofundado exame de fatos e provas. Precedentes" (AREsp 770535/RS, Decisão Monocrática, reI. Joel Ilan Paciornik, 25.10.2016). • "O habeas corpus, conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, presta-se a sanar coação ou ameaça ao direito de locomoção, possuindo âmbito de cognição restrito às hipóteses de ilegalidade evi- dente, em que não se faz necessária a análise de provas" (HC 243021/ SP, 6.a T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 16.08.2012, v.u.). • "O habeas corpus é antídoto de prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal evidente, incontroverso, indisfarçável, que se mostra de plano ao julgador. Não se destina à correção de controvérsias ou de situações que, embora existentes, demandam para sua identificação aprofundado exame de fatos e provas" (HC 236914/ PA, 5.a T., reI. Marco Aurélio Bellizze, 02.08.2012, v.u.). 3.1.2 Liberdade de ir, vir eficar Em primeira avaliação, a liberdade de locomoção é traduzida, pelo art. 647 do Código de Processo Penal, como o direito de ir e vir, ou seja, andar livremente por qualquer lugar almejado. Cuida-se de um postulado contra a privação da liberdade individual. Olvida-se que, no cenário da locomoção, deve-se incluir o direito de ficar em algum lugar público ou privado (nesse caso, se for seu ou quando autorizado pelo proprietário), sem ser incomodado por qualquer autoridade ou agente estatal. No contexto deficar, encontra -se o direito de se reunir pacificamente, sem ser incomodado. Éo conteúdo do art. 5.o da Constituição Federal: "To- dos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- -se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
  • 39. 38 I HABEAS CORPUS - NuCCl termos seguintes: (...) XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente". Vale citar o habeas corpus preventivo impetrado por Artur Pinto da Rocha em favor do Senador Rui Barbosa, candidato à Presidência da República, bem como o de correligionários ameaçados, por abuso de au- toridades estaduais da Bahia, em função de seu direito de reunião e livre manifestação do pensamento. O habeas corpus teve por finalidade permitir que os pacientes pudessem se reunir nas ruas, praças, teatros ou recintos, em comício em prol da candidatura de Rui Barbosa. A ordem foiconcedida, por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Federal, reconhecendo o direito de qualquer indivíduo de "permanecer em qualquer lugar, à sua escolha, desde que seja franqueado ao público; o de ir de qualquer parte para esse lugar e também o de vir, para ele, também, de qualquer outro ponto" (STF, HC 4.781, reI. Edmundo Lins, 05.04.1919, V.U., Revista Forense, v. XXXI, p. 212-216). 3.1.3 Ampliação do seu alcance Originalmente, o habeas corpus era utilizado para fazer cessar aprisão considerada ilegal - e mesmo no Brasil essa concepção perdurou por um largo período. Atualmente, seu alcance tem sido estendido para abranger qualquer ato constritivo direta ou indiretamente ligado à liberdade de locomoção, ainda que se refira a decisões jurisdicionais não concernentes à decretação da prisão.5 Ilustrando, tem-se admitido o habeas corpus para trancar o inquérito policial ou a ação penal, quando inexista justa causa para o seu trâmite, bem como quando se utiliza esse instrumento constitucional para impedir o indiciamento injustificado, entre outras hipóteses. Nada mais lógico, pois são atos ou medidas proferidas em processos (ou procedimentos) criminais, que possuem clara repercussão na liberdade do indivíduo, mesmo que de modo indireto. 5. No dizer de Rogério Lauria Tucci, o âmbito do habeas corpus envolve todas as "hipó- teses de constrição, potencial ou efetiva, da liberdade física do indivíduo; vale dizer, quando, por ilegalidade ou abuso de poder, ocorra, pelas mais variadas formas que se possa conceber, privação ou comprometimento - qualquer restrição, enfim - da liberdade pessoal do ente humano" (Habeas corpus, ação e processo penal, p. 31).
  • 40. CAPo 111 • CONDIÇÓES DA AÇÃO I 39 oajuizamento de ação penal contra alguém provoca constrangimento natural, havendo registro em sua folha de antecedentes, bem como servindo de base para, a qualquer momento, o juiz decretar medida restritiva da liberdade, em caráter cautelar. Explica Florêncio de Abreu que a ampliação do alcance do habeas corpus deveu-se a "ausência, no nosso mecanismo processual, de outros remédios igualmente enérgicos e expeditos para o amparo de outros direitos primários do indivíduo':6 Confiram-se, na jurisprudência, alguns julgados mais restritivos: Supremo Tribunal Federal • "O habeas corpus tem como escopo a proteção da liberdade de locomo- ção e seu cabimento tem parâmetros constitucionalmente estabelecidos, justificando-se a impetração sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder, sendo inadequado o writ quando utilizado com a finalidade de proteger outros direitos. Precedente: HC(AgR) 82.880/SP, Pleno, Df 16.05.2003" (HC 101136 AgR-ED/RJ, La T., reI. Luiz Fux, 21.08.2012, v.u.). • "'O habeas corpus visa a proteger a liberdade de locomoção -liberdade de ir, vir e ficar - por ilegalidade ou abuso de poder, não podendo ser utilizado para proteção de direitos outros' (HC no AgR 82.88, reI. Min. Carlos Velloso, Df 16.5.2003). Precedentes outros" (HC no AgRg na Mc 107696/SP, La T., reI. Rosa Weber, 20.03.2012, v.u.). Apesar desse posicionamento, aparentemente, mais limitador do Supremo Tribunal Federal, verifica-se, na prática, inexistir uma tendência firme a esse respeito. Em verdade, depende muito do caso concreto e do direito posto em jogo. Os Tribunais pátrios - superiores e inferiores - buscam valorizar o habeas corpus, como remédio da liberdade, dando-lhe alcance muito mais sensível do que a singela proteção direta ao direito de locomoção.? 6. Comentários ao Código de Processo Penal, V. V, p. 558. 7. Essa sempre foi a firme defesa do instituto feita por Ruy Barbosa: "onde se der violência, onde o indivíduo sofrer, ou correr risco próximo de sofrer coação, se essa coação for ilegal, se essa coação produzir-se por excesso de autoridade, por arbítrio dos que a representam, o habeas corpus é irrecusável. Não há, portanto, em face da nossa lei constitucional, base alguma para se circunscrever esse remédio contra os
  • 41. 40 I HABEAS CORPUS - NuCCl Entretanto, essa ampliação de seu alcance já gerou transtornos para as Cortes brasileiras, permitindo que quase todas as questões criminais sejam levadas a juízo, por meio do habeas corpus, acarretando um volume imenso de ações diariamente impetradas em todas as instâncias.8 Os excessos sempre são indevidos, pois conturbam qualquer sistema judiciário. Restringir o uso do habeas corpus para coibir os constrangimentos ilegais exclusiva e diretamente quando voltados à liberdade de ir, vir e ficar é desmerecer a importância desse remédio heroico de longa tradição de defesa dos direitos individuais. Por outro lado, alargá-lo ilimitadamente, voltando-se a questionar toda e qualquer controvérsia surgida no âmbito criminal significa vulgarizá-lo, a ponto de sobrecarregar o Judiciário, prejudicando os recursos próprios e conturbando o autêntico exame de mérito das mais sérias questões. Eis o indispensável meio-termo. O habeas corpus destina-se, basi- camente, a eliminar constrições ilegais à liberdade individual de ir, vir e ficar. Paralelamente, admite-se a sua propositura para questões correlatas a esse relevante direito, justamente pela enorme chance de nele resvalar. Neste último caso, o trancamento de uma investigação criminal leviana, instaurada contra alguém, por meio do remédio heroico, é essencial, visto que, a qualquer momento, pode-se atingir a decretação infundada de prisão cautelar. Entretanto, pretender debater, na ação constitucional, aspectos de direito penal, nitidamente ligados ao mérito da causa, é contraproducente e deve ser coibido pelos juízos e tribunais. O habeas corpus é um remédio, mas não pode se tornar um veneno para as instituições, permitindo a morte de recursos expressamente pre- abusos da força às hipóteses de constrangimento à liberdade de locomoção" (apud Espínola Filho, Código de Processo Penal brasileiro anotado, p. 25). 8. Destacando o problema, Gustavo Badaró demonstra que o habeas corpus transformou-se num "amplíssimo 'agravo' cabível contra toda e qualquer decisão interlocutória proferida em processo penal. (.00) Na prática, porém, verifica-se um paradoxo. Tal medida, em princípio, parece benéfica, uma vez que amplia a possibilidade de utilização de um mecanismo para proteção da liberdade de locomoção. Todavia, de fato, a liberdade, muitas vezes, acaba sendo prejudicada. O volume de habeas corpus nos tribunais é tão grande que já não se observa uma tramitação prioritária. Não é incomum, em caso até mesmo de habeas corpus liberatório, a demora de meses e meses para o seu julgamento. Em suma, a larga utilização do habeas corpus para prevenir lesões longínquas àliberdade (que muitas vezes, razoavelmente, se estima somente ocorrerão depois de anos) acaba prejudicando a utilização de habeas corpus para tutelar a liberdade de locomoção em casos em que já existe a violação a tal direito" (Processo penal, p. 676-677).
  • 42. CAPo 111 • CONDiÇÕES DA AÇÃO I 41 vistos em lei, desigualando as partes (somente o réu dele pode valer-se) e deixando o Judiciário refém de uma demanda que se apresenta numa singela petição inicial, acompanhada de alguns documentos apenas. Sob diverso aspecto, muitas questões agressivas ao direito líquido e certo de alguém deveriam ser resolvidas por intermédio de mandado de segurança. Entretanto, somente por se encontrar o prejudicado na esfera criminal, prefere ajuizar habeas corpus. E, não raras vezes, conta com a recepção positiva do Judiciário. A título de exemplo, verifique a decisão concessiva do habeas corpus para permitir o direito de visita de familiares à pessoa presa: Supremo Tribunal Federal • "A jurisprudência prevalente neste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete dire- tamente a liberdade de locomoção do paciente. Alargamento do campo de abrangência do remédio heroico. Não raro, esta Corte depara-se com a impetração de habeas corpus contra instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento; indiciamento de determinada pessoa em inquérito policial; recebimento da denúncia; sentença de pronúncia no âmbito do processo do júri; sentença condenatória etc. Liberdade de locomoção entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir. Direito de visitas como desdobramento do direito de liberdade. Só há se falar em direito de visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Decisão do juízo das execuções que, ao indeferir o pedido de visitas formulado, repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava, ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente. Eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução da pena podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social. Habeas corpus conhecido. 2. Ressocialização do ape- nado. A Constituição Federal de 1988tem como um de seus princípios norteadores o da humanidade, sendo vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada (nos termos do art. 84, XIX), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5.°, XLVII).Prevê, ainda, ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5.°,XLIX). É fato que a pena assume o caráter de prevenção e retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se
  • 43. 42 I HABEAS CORPUS - NuCCl pode olvidar seu necessário caráter ressocializador, devendo o Estado preocupar-se, portanto, em recuperar o apenado. Assim, é que dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal ser dever do Estado a assistência ao preso e ao internado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Aliás, o direito do preso receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos está assegurado expressamente pela própria Lei (art. 41, X), sobretudo com o escopo de buscar a almejada ressocialização e reeducação do apenado que, cedo ou tarde, retornará ao convívio familiar e social. Nem se diga que o paciente não faz jus à visita dos filhos por se tratar de local impróprio, podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores. De fato, é público e notório o total desajuste do sistema carcerário brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal. Todavia, levando-se em conta a almejada ressocialização e partindo-se da premissa de que o convício familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Po- der Público propiciar meios para que o apenado possa receber visitas, inclusive dos filhos e enteados, em ambiente minimamente aceitável, preparado para tanto e que não coloque em risco a integridade física e psíquica dos visitantes. 3. Ordem concedidà' (HC 10770l/RS, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 13.09.2011, v.u.). 3.1.4 Punição disciplinar militar O art. 142, ~2.°, da Constituição Federal preceitua: "não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares" (Forças Armadas e Polícia Militar). Além disso, é preciso anotar que, durante o estado de defesa (art. 136, CF) e ao longo do estado de sítio (art. 137, CF), muitos direitos e garantias individuais são suspensos, razão pela qual várias ordens e medidas podem resultar em constrições à liberdade, que terminam por afastar, na prática, a utilização do habeas corpus, por serem consideradas, durante a vigência da época excepcional, legítimas. É preciso lembrar que tais punições disciplinares, no âmbito militar, possuem diferentes matizes, abrangendo sanções privativas e não priva- tivas de liberdade. Quanto a estas, de fato, não cabe habeas corpus, pois nem mesmo a liberdade de locomoção está em jogO.9 Eventual questio- 9. Súmula 694, STF: "não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de military ou de perda de patente ou de função pública':
  • 44. CAPo 111 • CONDIÇÚES DA AÇÃO I 43 namento pode ser feito, por via de ação própria, junto à Justiça Militar Federal (punição militar das Forças Armadas) ou Justiça Militar Estadual (punição da polícia militar). Esse é o conteúdo do art. 125, ~~ 4.° e 5.°, da Constituição Federal. Ou por meio de recurso administrativo interna corporis. Confira-se na Lei6.880/1980, art. 51, ~3.°:"O militar que sejulgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de reconsi- deração, queixa ou representação, segundo regulamentação específica de cada Força Armada. (...) ~ 3.° O militar só poderá recorrer ao Judiciário após esgotados todos os recursos administrativos e deverá participar esta iniciativa, antecipadamente, à autoridade à qual estiver subordinado". Não há nenhuma ofensa a direito individual, quando se impõe o prévio esgotamento da via administrativa. Tribunal Regional Federal, 5.a Região • "A despeito de os arts. 142, parágrafo 2.°, da Constituição, e 647 do Código de Processo Penal estabelecerem expressamente não ser cabível habeas corpus para discutir punição disciplinar militar, ajurisprudência tem entendido que, caracterizando-se como ato administrativo, seus aspectos formais podem ser analisados pelo Poder Judiciário, sendo vedado apenas o exame do mérito da punição disciplinar militar. Precedente do TRF/5.a: RHCEXOF n.O2373/RN, Quarta Turma, ReI. Margarida Cantarelli, Dl 17.05.2006, p. 1069. 02" (RSE 2233/PE, 3.a T., reI. Janilson Bezerra de Siqueira, 02.06.2016, v.u.). Tribunal Regional Federal, 1.a Região • "Estando o militar sujeito à disciplina e à hierarquia, comprometido estará este vínculo se, antes da possibilidade de reexame de seu pleito por seus superiores, de logo buscar adecisão judicial, apretexto de uma açodada proteção a direito supostamente violado, que pode servir à desmoralização do comando" (RHC 100033848/AM, 4.a T.,reI. Hilton de Queiroz, 19.05.1998, m.v., Dl 25.06.1998, p. 168). Nessa ótica, editou-se a Súmula 694 do STF:"Não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função públicà: No tocante às punições disciplinares privativas de liberdade, embora mencione-se não caber habeas corpus, trata-se da regra, mas não pode
  • 45. 44 I HABEAS CORPUS - NuCCl abranger excepcionais situações teratológicas, como a falta de competência da autoridade militar para impor a prisão ou a nítida ilegalidade do ato. Tribunal Regional Federal, 4. a Região • "Embora o disposto no art. 142, ~ 2.0 , da Constituição Federal de 1988, o entendimento jurisprudencial é pacífico no sentido do cabimento do habeas corpus quando o ato atacado revestir-se de ilegalidade ou consti- tuir abuso de poder, atingindo a liberdade de locomoção do indivíduo. A única ressalva diz respeito ao mérito da sanção administrativa emanada da autoridade militar, ponto que não pode ser objeto de análise pelo Poder Judiciário. A competência para o julgamento do writ contra ato praticado por autoridade do Exército Brasileiro é da Justiça Federal, nos termos do inc. VII do art. 109 da Constituição Federal de 1988, porquanto à Justiça Militar incumbe 'processar e julgar os crimes militares definidos em lei' (art. 124, caput, da CRFB/88)" (RSE 2446/RS, 2.3 T., reI. Vilson Darós, V.U., 24.05.2001, Dl 13.06.2001, p. 684). Sobre o tema, expressa-se Antonio Magalhães Gomes Filho: "Esse único caso de impossibilidade do pedido de habeas corpus é justificado pelos princípios de hierarquia e disciplina inseparáveis das organizações militares, evitando que as punições aplicadas pelos superiores possam ser objeto de impugnação e discussão pelos subordinados': No entanto, ressalta que a proibição não é absoluta, devendo ser admitido habeas corpus nos seguintes casos: incompetência da autoridade, falta de previsão legal para a punição, inobservância das formalidades legais ou excesso de prazo de duração da medida restritiva da liberdade. E argumenta ainda que não poderia haver proibição no capítulo reservado às Forças Armadas, pois seria uma limitação à proteção de um direito fundamental (liberdade de locomoção). Os direitos e garantias fundamentais têm hierarquia dife- renciada, até porque têm a garantia da eternidade (art. 60, ~ 4.0 , IV).1O Parece-nos correta essa visão, com a ressalva de que a utilização do habeas corpus contra a prisão disciplinar militar somente pode dar-se em casos teratológicos, como os apontados antes, jamais questionando-se a conve- niência e a oportunidade da medida constritiva à liberdade. I I 10. O habeas corpus como instrumento de proteção do direito à liberdade de locomoção, p.66-67. 11. Anote-se o mesmo posicionamento de Gilberto Nonaka (Habeas corpus e Justiça Militar Estadual, p. 251-252) e Paulo Rangel (Direito processual penal, p. 880).
  • 46. CAPo 111 • CONDiÇÕES DA AÇÃO I 45 3.1.5 Restrição ao uso do habeas corpus Somente a Constituição Federal pode limitar a utilização do habeas corpus, tendo em vista tratar-se de autêntica garantia individual. Diante disso, há apenas duas possibilidades para tanto: a) nas punições disciplina- res militares (art. 142, ~ 2.°, CF);12b) durante o estado de sítio, se houver declaração do estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira (art. 137, 11, c.c. o art. 138, caput, CF). Não há possibilidade de suspender a garantia do habeas corpus du- rante o estado de defesa, pois as restrições estão elencadas no art. 136, I, da CF, não envolvendo essa ação constitucional. Igualmente, durante o estado de sítio, na hipótese de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos comprobatórios da ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa (art. 137, I, CF), não se pode suspender a ga- rantia do habeas corpus, pois o que é viável restringir encontra-se previsto no art. 139 da Carta Magna.13 3.2 Interesse de agir (necessidade, adequação e utilidade) o interesse de agir desdobra-se em três perspectivas: interesse- -necessidade, interesse-adequação e interesse-utilidade. O interesse-necessidade configura-se pela indispensabilidade de uso da via processual para se atingir o objetivo almejado. No caso do habeas corpus, ação constitucional voltada afazer cessar qualquer constrangimento ilegal contra o direito de locomoção, presume-se a necessidade. Sem o seu ajuizamento, inexiste viabilidade de restituir a liberdade individual do paciente, na esfera em que foi atingida. O interesse-adequação concentra-se na demonstração de direito líquido e certo a ser protegido, de modo pré-constituído, exibindo-se as provas documentais cabíveis. O foco do impetrante deve ser, sempre, beneficiar o paciente. O interesse-utilidade éaexibição de que o habeas corpus, seconcedido, permitirá sanar a constrição ocorrida contra a liberdade de locomoção, direta ou indiretamente afetada. 12. Ver o item 3.1.4 supra. 13. Igualmente a posição de Dante Busana (O habeas corpus no Brasil, p. 57).
  • 47. 46 I HABEAS CORPUS - NuCCl Tribunal de Justiça de São Paulo • "O habeas corpus, como se sabe, é o antídoto invocado contra cons- trangimento ilegal evidente, claro, indisfarçável e que, de pronto, se revela à apreciação do julgador. Não se presta à correção de equívocos que, mesmo se existentes, têm sua percepção e reconhecimento subor- dinados ao exame e à consideração da prova ou de dados que tenham servido de suporte à deliberação atacada. Por tudo isso, é remédio constitucional contra ato que, ictu oculi, se percebe caracterizador de constrangimento ilegal e que, como tal, atinge direito líquido e certo do cidadão, o qual, ao ser assim atingido, tem comprometida, efetiva ou potencialmente, a liberdade. Bem por isso, tampouco serve à reti- ficação de decisões sujeitas a recurso ou ações apropriadas, pois não se apresenta como sucedâneo destes. No caso em apreço, o paciente pretende modificar decisões com carga de definitividade, o que de- veria ensejar a propositura de Revisão(ões) Criminal(is) - artigo 621 do Código de Processo Penal -, não podendo então o sucumbente, por consequência, reclamar, através desta via, a retificação dos éditos condenatórios, porque a isso não se presta o writ. 3. Por conseguin- te, por revelar-se inadequada a utilização do habeas corpus para a finalidade apontada na impetração, configurando a falta de interesse de agir na perspectiva da adequação e consoante reza o artigo 663 da lei penal adjetiva, impõe-se, de plano, o desacolhimento do pedido, indeferindo-se a petição inicial, dispensadas informações da autorida- de tida como coatora e exsurgindo desnecessário o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiçà' (HC 0048685-82.2016.8.26.0000/SP, 3.a Câmara de Direito Criminal, reI. Geraldo Wohlers, 27.09.2016, v.u., grifamos). 3.2.1 Existência de recurso legal para impugnar a decisão Judicial considerada abusiva A ação constitucional de habeas corpus independe de qualquer recurso previsto em lei para se opor à decisão judicial considerada abu- siva. Entretanto, ela também não se substitui ao recurso apropriado. O meio-termo é o enfoque a ser adotado. Se a questão controversa pode ser resolvida por meio do recurso, sem afetar diretamente a liberdade de locomoção, não se deve ajuizar habeas corpus. No entanto, caso a espera, até que o recurso seja julgado, prejudique a liberdade individual, a ação constitucional torna-se necessária.
  • 48. CAPo 111 • CONDIÇÚES DA AÇÃO I 47 Ilustrando, para combater uma sentença condenatória cabe apelação, logo, inexiste cabimento para a propositura de habeas corpus com o pro- pósito de discutir o mérito da demanda criminal. Sob outro aspecto, se, na decisão condenatória, além da sanção aplicada, o juiz impedir o réu de recorrer em liberdade, de maneira injustificada, interpõe-se o habeas corpus para esse fim, vale dizer, garantir o direito de recurso em liberdade. Em suma, a apelação destina-se a debater o mérito da ação penal, enquanto o habeas corpus limita-se somente a discutir o direito de permanecer em liberdade até o trânsito em julgado. Em qualquer hipótese, não se admite o habeas corpus, quando en- volver exame aprofundado das provas, tal como ocorre, por exemplo, no caso de progressão de regime de réu condenado, por exigir a análise de laudos e colheita de pareceres. Nesta última hipótese, somente cabe a impetração e conhecimento do writ, quando a decisão de indeferimento do juiz for considerada teratológica, pois todos os exames foram feitos e todos os pareceres favoráveis já constam dos autos, sem necessidade de maior dilação probatória. Superior Tribunal de Justiça • "1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Ter- ceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da or- dem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. O habeas corpus, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária, não é meio processual adequado para analisar a tese de insuficiência probatória para a condenação" (HC 273763/SP, S.aT., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 11.10.2016,v.u.). Tribunal de Justiça de Minas Gerais • "O habeas corpus é via de restrita cognição precária para exame superficial do direito líquido e certo do paciente, e, em regra, não se apresenta como a via processual adequada para a modificação de sentença penal condenatória, sendo certo que para tanto existe re- curso próprio previsto em nossa legislação - apelação -, que possui ampla cognição, capaz de permitir a análise das questões em telà' (HCC 1.0000.16.032S63-S/000/MG, 2.aCâmara Criminal, reI. Beatriz Pinheiro Caires, 09.06.2016).
  • 49. 48 I HABEAS CORPUS - NuCCl Tribunal de Justiça de São Paulo • "Pleito objetivando o afastamento da realização de exame criminoló- gico como requisito para a concessão do benefício de progressão de regime. Ausência de interesse de agir no âmbito da via eleita - Matéria pertinente a recurso de agravo em execução - Ordem indeferida in limine" (HC 2174966-49.2016.8.26.0000/SP, 16.a Câmara de Direito Criminal, reI. Guilherme de Souza Nucci, 27.09.2016, v.u.). 3.2.2 Dúvida quanto ao interesse de agir e consulta ao paciente O habeas corpus pode ser ajuizado por qualquer pessoa em favor de outra, mesmo que ambas não se conheçam e independentemente de procuração. Por isso, por vezes, é questionável o real interesse de quem o impetra. Imagine-se um preso famoso, nacionalmente conhecido, que possa despertar a atenção da mídia. Propondo habeas corpus em seu favor, o motivo de agir pode ser somente ganhar notoriedade, desatendendo vantagem autêntica para quem está detido. Diante disso, se o paciente tiver procurador constituído, antes de conhecer e julgar o habeas corpus impetrado por terceiro estranho, deve- -se consultar a defesa constituída do preso. Afinal, o julgamento do writ pode causar prejuízo à linha defensiva oficial adotada em prol do paciente pelo seu advogado. Se não houver concordância, o juízo ou tribunal deve indeferir, liminarmente, o habeas corpus, por falta de interesse de agir. Os Regimentos Internos do Supremo Tribunal Federal (art. 192, ~ 3.°) e do Superior Tribunal de Justiça (art. 202, ~ 1.0) dispõem no sentido de não ser conhecido o pedido, quando houver oposição do paciente. Embora alguns prefiram indicar o não conhecimento da ação constitu- cional, parece-nos equivocada tal postura. Somente não se conhece do habeas corpus, quando o juízo ou tribunal for incompetente para proferir a decisão. No mais, deve-se agir como em qualquer ação indevidamente ajuizada: indefere-se o pedido, sem adentrar no mérito. Na doutrina, Pontes de Miranda sustenta que o paciente não pode recusar a impetração de habeas corpus em seu favor, por três razões: a) a Constituição proporciona legitimação processual, conferindo ao impetrante um direito constitucional; b) o Estado e o paciente devem obedecer a lei; c) é inviável a renúncia ao direito à liberdade.14 E ainda critica Bento de 14. História e prática do habeas corpus, p. 403-404.