O documento descreve o kefir, um leite fermentado produzido pela adição de grãos de kefir a leite. Discutem-se as propriedades probióticas e funcionais do kefir, incluindo sua capacidade de inibir tumores e estimular a imunidade, devido à presença de vários microrganismos benéficos como lactobacilos. Também analisa-se a composição nutricional rica do kefir em vitaminas, minerais, aminoácidos e outras substâncias.
1. Kefir, valor alimentar microbiológico e terapêutico
1. O que é o Kefir?
O Kefir é um leite fermentado tradicional ligeiramente alcoólico e ácido
que resulta da adição de grãos de Kefir a leite pasteurizado de vaca, cabra
ou ovelha (Motaghi et al, 1997; Russell et al. 2010) . Estes grãos de Kefir
são uma combinação simbiótica de bactérias lácteas e não- lácteas
acidificantes e leveduras, agregadas a uma matriz de proteínas, lípidos e açúcares (polissacarídeos)
(Russell et al. 2010; Marshal and Cole, 1985; Journal of food, 2015). Depois de transformado o
leite em Kefir, estes grãos são recolhidos e usados posteriormente em novo fabrico (Marshal and
Cole, 1985; Motaghi et al, 1997). Esta é também a forma de multiplicação dos grãos de Kefir.
Motaghi et al (1997) produziu Kefir num saco de couro de cabra usando leite pasteurizado
inoculado com flora intestinal de ovelha, seguido do cultivo das bactérias e leveduras em leite.
Apesar da pesquisa intensiva e muitas tentativas de produzir grãos de kefir a partir de culturas puras
ou misturadas que estão normalmente presentes nos grãos do Kefir, nenhum resultado bem-
sucedido foi relatado. Este insucesso, provavelmente poderá ser atribuído ao facto de que muito
pouco se sabe sobre o mecanismo de formação dos grãos de Kefir ( Chen et al. 2009).
A origem etimológica do termo Kefir é turca e este facto é consensual, no entanto, o produto (Kefir)
tem origem e tradição de uso nas montanhas do Cáucaso, na Rússia e países da Ásia central como o
Cazaquistão e Uzbequistão. Actualmente, o Kefir é consumido um pouco por todo o mundo.
(Journal of food, 2015; Chen et al. 2009).
Figura 1 - Grãos de Kefir prontos
a ser adicionados ao leite.
(Ahmed et al.,2013) (reprinted from
Critical Reviews in Food Science and
Nutrition, Z.
Ahmed, Y. Wang, A. Ahmad et al., Kefir
and health: A contemporary
perspective, 53, 422–434. Copyright
2013, with permission from Taylor
& Francis).
2. 1.1 – Kefir como probiótico.
A noção de Kefir enquanto probiótico encontra a sua origem nos trabalhos
de Metchnikov, microbiologista e Prémio Nobel da Medicina no início do
Século XX. Depois da síntese dos seus trabalhos, realizada por Tannock
(2002), Metchnikov associa a longevidade das populações da Europa de
Leste, a um importante consumo de Kefir. Ele atribui esta longevidade à
substituição das bactérias intestinais que ele qualifica de “putrificantes”
por bactérias “acidificantes” dos leites fermentados. Segundo Metchnikov, as bactérias intestinais
“putrificantes” produzem substâncias tóxicas responsáveis pelo envelhecimento. Então, para
prevenir a auto-intoxicação gerada pelas bactérias “putrificantes” do intestino e aumentar a
esperança de vida, Metchnikov propôs a ingestão de bactérias lácteas vivas. Esta ideia de ingerir
micro-organismos para melhorar a saúde do hospedeiro, foi sublinhada e confirmada por outros
cientistas que apresentaram de forma mais precisa a noção de “probiótico”. O termo probiótico foi
introduzido por Lilly e Stillwell (1965) para descrever as substâncias, produzidas por um micro-
organismo, que estimula o desenvolvimento de outros micro-organismos. Desde então, a definição
de probiótico tem evoluído de acordo com o estado de conhecimento de seus mecanismos de acção
sobre a saúde. Em 1974, Parker alargou a noção de probióticos aos micro-organismos que
contribuem para a manutenção do equilíbrio da flora intestinal, englobando também os micro-
organismos e os metabólitos microbianos produzidos. Hoje em dia, entende-se que probióticos são
“micro-organismos vivos, que administrados em quantidades adequadas, são benéficos para a saúde
do hospedeiro.
As potencialidades probióticas do kefir foram avaliadas sob a perspectiva tradicional da prevenção
e tratamento de desordens gasto-intestinais. Santos et al. (2003) avaliaram o potencial primário in
vitro da microflora contida nos grãos de kefir pelo exame de parâmetros implicados em dois modos
de acção intervenientes na regularização de problemas gasto-intestinais: a exclusão competitiva da
aderência de organismos patogénicos à mucosa intestinal e a produção de substâncias anti-
microbianas. Duas das famílias de bactérias isoladas dos grãos de kefir por estes autores, mostraram
uma capacidade de adesão às famílias de bactérias diarreicas humanas e uma actividade anti-
microbiana contra diversas famílias de agentes patogénicos. Na mesma ordem de ideias, Golowczyc
et al. (2007) avaliaram o potencial das famílias da bactéria procarionte Lactobacillus Kefiri isoladas
3. a partir de grãos de Kefir na prevenção da adesão e invasão do intestino
por organismos unicelulares diarreicos e por uma família de Salmonella
enterica investigando também o seu modo de acção. Na sequência desta
investigação, os autores do estudo reportaram o facto de que a presença de
bactérias da família Lactobacillus Kefiri reduziram a capacidade de adesão
e invasão da família de bactérias de Salmonella enterica
independentemente das capacidades de agregação dos Lactobacillus Kefiri a estes organismos
patogénicos. Golowczyc et al. (2008) isolaram famílias de Lactobacillus plantarum a partir de grãos
de kefir, que demonstraram um poder inibidor contra diversas famílias de agentes patogénicos ou
potencialmente patogénicos. As famílias bacteriológicas isoladas a partir do kefir por Santos et al.
(2003) tal como as famílias de Lactobacillus plantarum isoladas por Golowczyc et al. (2008),
apresentam uma resistência à acidez e à Bile que deixa antever a possibilidade de uma
sobrevivência à passagem pelo trato gastro-intestinal, embora este facto não tenha sido
completamente provado (Véronique et al. 2009).
1.2 – Kefir como alimento funcional.
O conceito de alimento funcional nasceu no Japão nos anos 80. Nesta época o crescimento das
doenças ligadas à alimentação, e em particular as da população envelhecida, conduziu o governo
Japonês a subsidiar um programa de investigação visando identificar as funções fisiológicas dos
alimentos. A colocação em evidência de funções biomodulantes intervindo no controlo da
homeostase do organismo, desde a identificação de compostos bioactivos e a determinação de
factores de saúde que eles melhoram, definiu uma nova categoria de alimentos identificados pelo
termo de “alimento funcional”. Importado para a Europa nos anos 90, este conceito sofreu uma
evolução, passando a significar uma alternativa “mais sã” em relação à alimentação clássica
(Renard, 2000). A razão fundamental pela qual o Kefir pode ser considerado um alimento funcional
reside na realização de um grande número de estudos que comprovam o potencial anticarcinogénico
do Kefir. Alguns estudos colocaram em evidência o efeito inibidor do Kefir sobre o
desenvolvimento de tumores e sobre a proliferação de células cancerígenas. Shiomi et al. (1982)
observou que a administração oral de um polisacarídeo solúvel isolado a partir de grãos de Kefir, o
Kéfirane, inibe a crescensa de tumores induzidos em ratos. Este efeito sobre os tumores em ratos foi
4. confirmado numa outra experiência, em que aos ratos foi administrado
kefir ou sumo de soja fermentado por via oral (Liu et al.,2002).
Chen et al. (2007) num estudo realizado concluiu que o soro de leite
produzido pelo kefir quando adicionado a culturas de células de origem
humana, reduz a proliferação de células mamárias cancerosas sem
prejudicar a proliferação de células epiteliais sãs. Nesta experiência, o soro
de leite de kefir apresentou um poder anticarcinogénico sobre as células mamárias superior ao de
qualquer iogurte combatendo a proliferação de células cancerígenas de forma mais intensa.
Paralelamente ao efeito inibidor sobre os tumores em ratos, Shiomi et al. (1982) constataram que o
polisacarídeo solúvel em água – kefiran, produzido pela bactéria Lactobacillus kefiranofaciens –
extraído do Kefir é desprovido de efeito cito-tóxico directo sobre as células cancerosas, concluindo
então que a sua acção é dirigida por intermédio do hospedeiro. A mesma equipa, estabeleceu de
seguida uma relação entre a acção antitumoral observada e uma estimulação da imunidade por via
de uma mediação celular (Murofushi et al., 1983). Num segundo estudo oncológico feito em ratos,
foi reportada a morte apoptótica de células tumorais e uma estimulação da imunidade humoral nos
tecidos intestinais induzidas pela ingestão de kefir ou de soja fermentada (Liu et al., 2002). A
estimulação da imunidade intestinal devida à ingestão de kefir tradicional, foi confirmada noutras
experiências laboratoriais com ratos jovens e ratazanas (Thoreux et al.,2001; Vinderola et al., 2006).
As propriedades antioxidantes do kefir foram igualmente demonstradas em ratazanas que quando
sujeitas à ingestão de kefir diminuíram os danos oxidativos nos tecidos hepáticos e renais, induzidos
por um agente tóxico ( neste caso foi o tetracloro de carbono – CCL4). Nesta experiência, o kefir
mostrou um poder antioxidante superior ao da vitamina E (Guven et al., 2003).
1.3 – Riqueza microbiológica e alimentar do Kefir
A riqueza alimentar e terapêutica do Kefir aparece como resultado da composição do substrato
inicial (ou produto inicial, que é o leite) e da junção a esse substrato dos grãos de Kefir que contêm
em si um conjunto alargado de micro-organismos vivos, dos quais cerca de 65 a 80% são
lactobacillus e 35% a 20% são lactococus e leveduras (Seher Arslan in Journal of food 2015). Foi
observada a presença de bactérias lácteas em forma de bastonete nos grãos de Kefir que juntamente
com as leveduras e os lactococus fornecem ao Kefir vitaminas, minerais e aminoácidos essenciais
5. que são benéficos em processos de cicatrização e na homeostase. O Kefir
adquire desta forma, alguns nutrientes importantes como Vitamina B1, B2,
B5, C, A, K e caroteno (Seher Arslan in Journal of food 2015). Para além
destes nutrientes, o Kefir contém proteínas de elevado valor biológico
parcialmente digeridas ficando desta forma facilitada a sua digestão. No
que se refere aos aminoácidos, durante a fermentação, o leite sofre
alterações de perfil que resultam em níveis mais elevados de Trionina,
Serina, Alanina e Lisina. Depois de terminado o processo de fermentação, o Kefir passa a conter
outros aminoácidos como sejam, Valina, Isoleucina, Metionina, Lisina, Fenilalanina e Triptofano.
Este último, um dos aminoácidosem maior quantidade no Kefir, é de importância fundamental para
o sistema nervoso (Seher Arslan in Journal of food 2015).
Em relação ao teor em minerais, o Kefir é uma boa fonte de Cálcio e Magnésio. O Fósforo, que é o
segundo mineral mais abundante no nosso organismo e um importante auxiliar na utilização de
Hidratos de Carbono, gorduras e proteínas, importante para o crescimento, manutenção do
organismo em geral e produção de energia, também é abundante no Kefir (Seher Arslan in Journal
of food 2015).
O Kefir é também uma boa opção para indivíduos com intolerância parcial à Lactose, uma vez que
esta se encontra nele em quantidades reduzidas devido ao aumento da Beta-galactosidase durante o
processo de fermentação.
Ficou provado que a presença de Aminas biogénicas nas amostras de Kefir se deveram à actividade
das lacto-bactérias nele contidas. Putrescine, cadaverine e espermidine foram encontradas em todas
as amostras, enquanto que a tiramina foi a que apareceu em maior abundância. Alguns
investigadores demonstraram que as camadas de proteínas do Lactobacillus Kefir causaram um
decrescimo significante da influência citopática da toxina Clostridium difficile em células
eucarióticas.
Como demonstrado até aqui, a microflora do Kefir contém muitos micro-organismos, incluindo:
Lactobacillus Kefir, Lactobacillus Acidophilus, Lactobacillus Casei, Lactobacillus Helveticus,
Lactobacillus Bulgaricus, Lactobacillus Parakefir, Lactobacillus Plantarum, Lactobacillus
Delbrueckii subespécie Delbrueckii, Lactobacillus Rhamnosus, Lactobacillus Fructivorans,
Lactobacillus Hilgardii, Lactobacillus Paracasei, Lactobacillus Fermemtum, Lactobacillus,
6. Lactobacillus Kefiranofaciens; Crispatus, Lactobacillus Gallinarum,
Lactobacillus Reuteri, Bifidobacterium bifidum, Lactobacillus Brevis,
Leuconostoc Mesenteroides da subespécie Cremoris, Streptococcus
Thermophilus, Lactococcus Lactis, Enterococcus Durans, Pediococcus
Acidilactici, Pediococcus dextrinicus, Pediococcus Pentosaceus,
Acetobacter Aceti, A. Lovaniensis; A. Syzgii.
Witthuhn et al. (2004) afirmam num estudo realizado, que os níveis de bactérias ácidas e de
leveduras presentes no Kefir podem variar amplamente. Outros investigadores fazem também notar
a presença de ácido acético no Kefir, após 24 horas de fermentação.
Apesar de toda esta riqueza bacteriológica e fúngica, Leite at al. 2012, identificou o Lactobacillus
Kefiranofaciens e o Lactobacillus Kefiri, como sendo as principais populações bacterianas em todos
os grãos de Kefir. Por outro lado, as leveduras são reconhecidas como tendo um papel fundamental
na produção de fermentados lácteos, onde impulsionam um crescimento de nutrientes muito
importantes como aminoácidos e vitaminas. Também contribuem para a alteração do pH do
produto, segregam Etanol e produzem CO2 (Seher Arslan in Journal of food 2015). As leveduras do
Kefir foram até agora muito menos estudadas e investigadas do que as bactérias, embora
desempenhem um papel determinante na criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento das
bactérias do Kefir, produzindo metabólitos que são determinantes para o sabor agradável do Kefir.
As leveduras identificadas no Kefir incluem: Zygosaccharomyces sp.; Candida lipolytica; Candida
Holmii; Candida inconspicua; Candida Maris; Candida Kefyr; Candida Lambica; Candida Krusei;
Cryptococcus humicolus; Kluyveromyces marxianus; Klyveromyces lactis; Saccharomyces
cerevisiae; Saccharomyces Fragilis; Saccharomyces lactis; Saccharomyces Lipolytic;
Zygosaccharomyces rouxii; Torulaspora delbrus; Torulaspora delbrueckii; Debaryomyces
hansenii; Kazachstania aerobia, Lachancea meyersii e Geotrichum candidum(Seher Arslan in
Journal of food 2015).
Figura 2 – Micrografia electrónica
de um grão de Kefir.
(Farnworth, 2005) (Reimpresión de Food
Science and Technology
Bulletin: Functional Foods, E. R.
Farnworth, Kefir - a complex probiotic,
2, 1–17. Copyright 2005, con el permiso de
IFIS).