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Heloisa Villela: Saudável na França, doente nos Estados Unidos
publicado em 3 de agosto de 2011 às 23:26
por Heloisa Villela, de Washington
Acho curioso o altíssimo índice de casos de TDAH, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, nos
Estados Unidos. Há tempos me pergunto se a cultura de um país pode influenciar o diagnóstico. Conversando com
Stuart Kirk, autor do livro sobre a história do DSM — Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, manual
das doenças mentais editado nos Estados Unidos –, ele me sugeriu procurar o professor Manuel Vallee, da
Universidade de Berkeley, na Califórnia.
Manuel Vallee é formado em antropologia, com PhD em sociologia.
Ele se especializou em sociologia médica e está terminando de redigir a tese “Desconstruindo a Epidemia Americana
de Ritalina: Contrastando o Uso da Ritalina EUA-França”. Ele decidiu comparar o olhar dos psiquiatras franceses com
o dos americanos no que diz respeito ao TDAH.
Até os anos 70, a grande maioria dos psiquiatras americanos praticava a psicanálise e, por isso, olhava sintomas das
doenças como sinais que deveriam ser compreendidos e estudados, não como problemas em si. O que antes servia de
porta de entrada para conhecer o outro passou a ser o foco do tratamento.
Assim, a tendência dominante hoje, pelo menos aqui, é de tirar o indivíduo de seu contexto social e isolar os sintomas.
É uma forma de enquadrar a psiquiatria nas fronteiras bem explícitas da medicina biológica, com doenças claramente
reconhecíveis e tratáveis. Com isso, elimina-se a subjetividade, o impacto do meio social sobre o individuo. Daí, o
recurso fácil às drogas.
Recentemente, o jornalista Jed Bickman publicou, no site Counterpunch, um artigo alertando que em breve
poderemos ter repetido, com as drogas para esquizofrenia e os antipsicóticos, o fenômeno que aconteceu com a
ritalina: receitas em número cada vez maior para jovens e crianças.
Mas, na entrevista com o dr. Manuel Vallee, tratamos apenas do transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, o
TDAH.
Viomundo – Como o senhor se interessou em estudar o tratamento do TDAH, doença que hoje já se considera
uma epidemia nos EUA?
Manuel Vallee – Quando estava na universidade, fiz uma cadeira de antropologia médica e o meu professor, que era
espanhol, me perguntou se eu estava trabalhando em algum lugar. Quando disse que estava trabalhando em um
agência de publicidade, com a conta de uma empresa farmacêutica, ele ficou doido. Passou meia hora me falando o
que eu podia fazer. Fiquei pensando no que fazer. Comecei a desenvolver uma atitude mais crítica em relação à
indústria farmacêutica. Como estudante, fiz análise da CHADD (Children and Adults with ADHD, Organização
Americana de Crianças e Adultos com TDAH). Descobri que eles estavam brigando para desregulamentar a venda de
Ritalina. Alguns jornalistas descobriram, depois, que a organização tinha financiamento da indústria farmacêutica.
Quando essa informação veio à tona, eles pararam de brigar pela liberação da Ritalina.
Quando estava estudando a CHADD, tive a oportunidade de fazer um projeto de pesquisa na França. Primeiro, queria
estudar o uso de antidepressivos. Mas era igual nos dois países [Estados Unidos e França]. O meu orientador me
disse: “O que você precisa é encontrar um país que seja muito semelhante, mas onde os resultados sejam
completamente diferentes”. Comecei a olhar para outras drogas e percebi que com a Ritalina isso acontecia.
Os franceses adoram um remedinho. É um consumo altíssimo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, os Estados
Unidos são os líderes no consumo per capita de remédios. A França vem em terceiro lugar. Mas, na França, é mais
difícil dar Ritalina às crianças. Na minha visão, isso tem relação direta com quem domina o campo do TDAH. Nos
Estados Unidos, a psiquiatria biológica ganhou poder nos anos 80, depois da publicação do DSM III (o Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders, ou Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais). Mas, na Franca, a
psiquiatria biológica não tem o mesmo poder. E os psiquiatras biológicos não são os que lidam com o problema do
TDAH.
Na Franca, os psiquiatras são treinados na psicanálise e aqui, são treinados na psiquiatria biológica, o que provoca
diferenças fundamentais no conceito do TDAH. Aqui, é uma doença biológica e na França é um distúrbio de efeito
psicológico causado por algum trauma ou pelo ambiente social e o tratamento é terapia psicológica, aconselhamento
familiar, terapia de grupo, terapia da fala… é um olhar mais holístico.
Viomundo – Antes de começar seu estudo, o senhor tinha alguma conexão pessoal ou acadêmica com a França?
Manuel Vallee – Sou franco-canadense, falo francês fluentemente. Isso ajudou muito no trabalho. Foi um dos motivos
e tive oportunidade de levantar financiamento para a pesquisa lá. Fazia mais sentido do que ir para a Itália ou um país
escandinavo.
Viomundo -E quais são os resultados desses tratamentos diferentes nos dois países?
Manuel Vallee – Países diferentes adotam estatísticas diferentes. Na França, eu consegui dados sobre o uso da
Ritalina, mas não sobre os diagnósticos, por exemplo. Olhando os resultados aqui [nos Estados Unidos], eles também
não são claros.
Por exemplo, dizem que as crianças têm um rendimento melhor com a Ritalina. Mas todo mundo tem. Ela foi usada,
originalmente, para manter pilotos [da aviação] focados e acordados. Então, o que você quer dizer com resultados?
Qual é o resultado em três meses? Bom, mas… e depois? Não encontramos estudos de longo prazo. A indústria
farmacêutica é que financia os estudos e não tem nenhum interesse em estudar isso. A não ser que seja obrigada.
Alguns estudos mostram que as drogas perdem a eficácia depois de seis meses. É preciso descobrir se ajudam as
crianças mesmo. E depois de dois anos, dez anos? Existem resultados negativos para a saúde? Existem vários. O FDA
(Food and Drug Administration, agência federal que regulamenta o consumo de remédios e alimentos nos Estados
Unidos) teve que botar uma tarja preta na caixa do remédio, alertando que ele pode provocar alucinações, problemas
cardíacos, derrame e até a morte. Para algumas crianças que têm disposição genética, a Ritalina foi apontada como
causa de problemas cardiovasculares, houve casos de crianças que morreram.
Viomundo – Recentemente, foi divulgado um estudo dizendo que a Ritalina não provoca problemas
cardiovasculares. Mas o pé da reportagem dizia que o estudo tinha sido financiado pela indústria farmacêutica.
Manuel Vallee – Sob o olhar crítico da Ciência, esses estudos não têm valor. Eu recomendo a você o livro do John
Abramson, “Overdosed America: The Broken Promise of American Medicine”. Ele é da Universidade Harvard e
foi treinado para analisar pesquisas. Ele encontrou vários problemas com os artigos publicados no Lancet, no Journal
of the American Medical Association (JAMA), no New England Journal of Medicine [jornais médicos que são
referência mundial]. Deu-se conta de que as conclusões eram fraudulentas, afirmações feitas sem base. E acabou
descobrindo a indústria farmacêutica por trás, financiando as pesquisas. Ele deixou claro que os estudos financiados
pela indústria não são confiáveis.
O psiquiatra britânico David Healy também fez muita pesquisa sobre a indústria farmacêutica e foi consultor do grupo
que processou os fabricantes do Prozac e de outros antidepressivos. Por isso, teve acesso a todos os dados e descobriu
que o antidepressivo não tem nenhum benefício significativo, quantitativamente, quando usado para crianças. E, com
adolescentes, na verdade aumenta o risco de suicídios. Ele descobriu que quando as indústrias mandam pesquisas à
FDA pedindo a aprovação de remédios, elas escolhem apenas o que tem de positivo no resultado, para promover. Ele
provocou um furor e muitos protestos na FDA.
Viomundo – Começando pelo diagnóstico do TDAH, ele difere muito nos Estados Unidos e na França?
Manuel Vallee – O DSM (manual de diagnósticos adotado nos Estados Unidos), o sistema da França e a classificação
da Organização Mundial de Saúde deveriam ser bastante similares, mas existe uma grande diferença entre estes
sistemas de classificação.
Viomundo – O dos Estados Unidos é mais abrangente?
Manuel Vallee – Para a classificação do TDAH é bem mais abrangente que o sistema da Organização Mundial de
Saúde. Os americanos dizem que o sistema da OMS tem muitos defeitos. Enquanto isso, os britânicos dizem que os
americanos estão completamente loucos. Você conhece a Lynn Payer? Ela é jornalista americana da área médica e
escreveu um livro chamado “Medicine and Culture”, onde mostra o preconceito etnocêntrico de cada país. Todos
acham, sendo os fundadores da Medicina moderna, que têm o monopólio da maneira certa de fazer as coisas. O que eu
achei interessante entre os americanos e os franceses é que o DSM-IV leva a um diagnóstico de TDAH em 5% das
crianças do país, enquanto o método da França atinge 1%. Então, a versão americana leva a um volume de
diagnósticos cinco vezes maior.
Viomundo – Que outras diferenças existem na hora de fazer o diagnóstico?
Manuel Vallee – Na França, eu ouvi repetidas vezes que o TDAH é uma das doenças mais difíceis de diagnosticar
porque tem tantos aspectos diferentes. É muito importante ter um extensivo e rigoroso processo. Analisar todas as
opções para ter certeza de que foram eliminadas todas as possíveis explicações alternativas. Você só pode chegar ao
diagnóstico depois de eliminar toda e qualquer outra explicação. Os franceses dizem que esse processo, em geral, leva
entre oito e 24 horas. E eles preferem dar de 8 a 24 horas de avaliação, com psicoterapeuta, assistente social e tudo
mais. Mesmo os que defendem com força o uso da Ritalina nunca chegam ao diagnóstico com menos de 8 horas de
avaliação.
Aqui nos Estados Unidos, o tempo gasto para se chegar a um diagnóstico de TDAH para criança é de 45 minutos. Fica
entre 22 a 72 minutos. É claro que existem exceções… Nos Estados Unidos, o campo do TDAH é dominado pelos
pediatras. Eles lidam com a grande maioria dos casos. E prescrevem 70% dos remédios consumidos pelas crianças.
Viomundo – Nem mandam a criança para um psiquiatra?
Manuel Vallee – Não. E quando você começa a olhar para isso mais profundamente, fica complicado, porque existem
muitos fatores contribuindo para o resultado final. Nos Estados Unidos, você pode encontrar médicos que gostariam
de passar mais tempo com a criança. Mas eles são avisados pelo HMO [health maintenance organization, organização
que sob a lei americana pode oferecer atendimento em certos hospitais e com certos médicos] ou pela empresa de
seguro de saúde que serão reembolsados apenas por uma visita de 45 minutos. Qualquer tempo extra que eles
investirem no caso vai ter que sair do bolso deles. Temos um sistema que conspira para essa abordagem
completamente diferente de tratamento.
Viomundo – Que outras diferenças o senhor encontrou, nos dois países, com relação ao tratamento do TDAH?
Manuel Vallee – Além do tratamento mais holístico, que envolve a escola e a família, os franceses ensinam os pais a
reconhecer melhor os pontos fracos e fortes dos filhos. Também levam a Ritalina em conta, mas apenas como último
recurso. Nunca como tratamento único. Fiz questão de procurar os médicos que defendem o uso da Ritalina na França.
E até mesmo eles disseram que jamais usam apenas o remédio. Enquanto isso, nos EUA, 70% das crianças
diagnosticadas com TDAH tomam Ritalina, ou um outro estimulante. E em 50% dos casos, é tudo que recebem.
Então, é um tratamento completamente diferente nos Estados Unidos e na França.
Agora, existem pais, nos Estados Unidos, que buscam um tratamento mais holístico. Terapia, aconselhamento, mas
têm que montar o pacote sozinhos. E é mais caro. Um dos motivos pelos quais o sistema francês pode oferecer esse
tratamento mais holístico é porque é pago pelo governo; 85% do custo são pagos pelo governo.
Viomundo – Esse é outro aspecto que influencia as decisões, o tipo de sistema de saúde que existe nos EUA?
Manuel Vallee – Ou a falta de um sistema de saúde… Outra coisa que acontece nos Estados Unidos está ligada ao
treinamento de professores. Quando a criança chega ao consultório do pediatra ou do psiquiatra, ele já tem todo um
dossiê, informações sobre aquela criança, fornecidas pela escola. O sistema produz incentivo na direção de um
diagnóstico. Eu sei que houve muita resistência quando a indústria farmacêutica tentou treinar os professores na
França. O ministro da Educação combateu veementemente, dizendo que esse não é o papel dos professores. Eles têm
que ensinar e não diagnosticar. Para isso existem os médicos.
Viomundo – O professor olha apenas para o comportamento da criança, mas não sabe qual é o contexto. E a
impressão que eu tenho do sistema, aqui, é que na maior parte do tempo, todo mundo é retirado do seu próprio
contexto e analisado com base apenas nos chamados sintomas, que podem ser apenas uma reação a isso ou
aquilo. Por isso acho difícil entender um psiquiatra pegar um questionário sobre o comportamento da criança,
preenchido pelo professor, outro dos pais, olhar a criança por 25 minutos e chegar a um diagnóstico sem saber
de onde vem essa criança, qual é a história da vida dela.
Manuel Vallee – Exato. É a descontextualização do indivíduo.
Viomundo – Isso também leva os profissionais a se apoiarem mais em remédios?
Manuel Vallee – Com certeza! Mas não é apenas isso. Eu dou aula de sociologia médica e sempre peço aos meus
alunos que olhem para a individualização das doenças. Não apenas das psiquiátricas, mas de todas elas. Quando a
pessoa aparece no consultório por causa de asma ou diabetes, o que fazem é individualizar a doença. Encontrar algo
errado com o comportamento do paciente. Ver se pode haver algo errado com os genes da pessoa. Mas ninguém fala
do quadro geral.
Por que as crianças que vivem perto de um porto têm vinte vezes mais casos de asma que as outras? Então, ninguém
fala do contexto social, ninguém discute porque as pessoas que vivem nas áreas mais pobres de Richmond [cidade da
Virginia, Estados Unidos], com menos acesso a comida de qualidade, têm índices de câncer mais elevados? Para cada
incidência de doença vamos encontrar que as classes mais baixas têm menos acesso a recursos e têm índices maiores
de doenças. Esta tem sido a tendência nos Estados Unidos, nos últimos 50 anos. E desde a publicação do DSM-III a
psiquiatria parece estar tentando seguir essa tendência de descontextualizar as doenças. Fomos relegados a esse tipo de
solução, que tem como alvo o nível biológico das coisas. Ninguém olha para as causas sociais. E eu acho que a
descontextualizarão das doenças é ainda mais importante para as doenças mentais, me parece.
Por que as crianças francesas não têm Déficit de
Atenção?
Postado em: 20 mai 2013 às 19:28
Como é que a epidemia do Déficit de Atenção, que tornou-se firmemente
estabelecida em vários países do mundo, foi quase completamente
desconsiderada com relação a crianças na França?
Nos Estados Unidos, pelo menos 9% das crianças em idade escolar foram diagnosticadas com TDAH
(Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), e estão sendo tratadas com medicamentos. Na França,
a percentagem de crianças diagnosticadas e medicadas para o TDAH é inferior a 0,5%. Como é que a epidemia
de TDAH, que tornou-se firmemente estabelecida nos Estados Unidos, foi quase completamente
desconsiderada com relação a crianças na França?
Déficit de Atenção em crianças francesas é inferior a 0,5% (Foto: Ilustração)
TDAH é um transtorno biológico-neurológico? Surpreendentemente, a resposta a esta pergunta depende do
fato de você morar na França ou nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, os psiquiatras pediátricos
consideram o TDAH como um distúrbio biológico, com causas biológicas. O tratamento de escolha também é
biológico – medicamentos estimulantes psíquicos, tais como Ritalina e Adderall.
Os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, vêem o TDAH como uma condição médica que tem causas
psico-sociais e situacionais. Em vez de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas,
os médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; não
o cérebro da criança, mas o contexto social da criança. Eles, então, optam por tratar o problema do contexto
social subjacente com psicoterapia ou aconselhamento familiar. Esta é uma maneira muito diferente de ver as
coisas, comparada à tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção biológica a um
desequilíbrio químico no cérebro da criança.
Os psiquiatras infantis franceses não usam o mesmo sistema de classificação de problemas emocionais infantis
utilizado pelos psiquiatras americanos. Eles não usam o Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders ou DSM. De acordo com o sociólogo Manuel Vallee, a Federação Francesa de Psiquiatria
desenvolveu um sistema de classificação alternativa, como uma resistência à influência do DSM-3. Esta
alternativa foi a CFTMEA (Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent),
lançado pela primeira vez em 1983, e atualizado em 1988 e 2000. O foco do CFTMEA está em identificar e
tratar as causas psicossociais subjacentes aos sintomas das crianças, e não em encontrar os melhores
bandaids farmacológicos para mascarar os sintomas.
Na medida em que os médicos franceses são bem sucedidos em encontrar e reparar o que estava errado no
contexto social da criança, menos crianças se enquadram no diagnóstico de TDAH. Além disso, a definição de
TDAH não é tão ampla quanto no sistema americano, que na minha opinião, tende a “patologizar” muito do que
seria um comportamento normal da infância. O DSM não considera causas subjacentes. Dessa forma, leva os
médicos a diagnosticarem como TDAH um número muito maior de crianças sintomáticas, e também os
incentiva a tratar as crianças com produtos farmacêuticos.
A abordagem psico-social holística francesa também permite considerar causas nutricionais para sintomas do
TDAH, especificamente o fato de o comportamento de algumas crianças se agravar após a ingestão de
alimentos com corantes, certos conservantes, e / ou alérgenos. Os médicos que trabalham com crianças com
problemas, para não mencionar os pais de muitas crianças com TDAH, estão bem conscientes de que as
intervenções dietéticas às vezes podem ajudar. Nos Estados Unidos, o foco estrito no tratamento farmacológico
do TDAH, no entanto, incentiva os médicos a ignorarem a influência dos fatores dietéticos sobre o
comportamento das crianças.
E depois, claro, há muitas diferentes filosofias de educação infantil nos Estados Unidos e na França. Estas
filosofias divergentes poderiam explicar por que as crianças francesas são geralmente mais bem comportadas
do que as americanas. Pamela Druckerman destaca os estilos parentais divergentes em seu recente livro,
Bringing up Bébé. Acredito que suas idéias são relevantes para a discussão, por que o número de crianças
francesas diagnosticadas com TDAH, em nada parecem com os números que estamos vendo nos Estados
Unidos.
A partir do momento que seus filhos nascem, os pais franceses oferecem um firme cadre – que significa
“matriz” ou “estrutura”. Não é permitido, por exemplo, que as crianças tomem um lanche quando quiserem. As
refeições são em quatro momentos específicos do dia. Crianças francesas aprendem a esperar pacientemente
pelas refeições, em vez de comer salgadinhos, sempre que lhes apetecer. Os bebês franceses também se
adequam aos limites estabelecidos pelos pais. Pais franceses deixam seus bebês chorando se não dormirem
durante a noite, com a idade de quatro meses.
Os pais franceses, destaca Druckerman, amam seus filhos tanto quanto os pais americanos. Eles os levam às
aulas de piano, à prática esportiva, e os incentivam a tirar o máximo de seus talentos. Mas os pais franceses
têm uma filosofia diferente de disciplina. Limites aplicados de forma coerente, na visão francesa, fazem as
crianças se sentirem seguras e protegidas. Limites claros, eles acreditam, fazem a criança se sentir mais feliz e
mais segura, algo que é congruente com a minha própria experiência, como terapeuta e como mãe. Finalmente,
os pais franceses acreditam que ouvir a palavra “não” resgata as crianças da “tirania de seus próprios desejos”.
E a palmada, quando usada criteriosamente, não é considerada abuso na França.
Como terapeuta que trabalha com as crianças, faz todo o sentido para mim que as crianças francesas não
precisem de medicamentos para controlar o seu comportamento, porque aprendem o auto-controle no início de
suas vidas. As crianças crescem em famílias em que as regras são bem compreendidas, e a hierarquia familiar
é clara e firme. Em famílias francesas, como descreve Druckerman, os pais estão firmemente no comando de
seus filhos, enquanto que no estilo de família americana, a situação é muitas vezes o inverso.
problemas, para não mencionar os pais de muitas crianças com TDAH, estão bem conscientes de que as
intervenções dietéticas às vezes podem ajudar. Nos Estados Unidos, o foco estrito no tratamento farmacológico
do TDAH, no entanto, incentiva os médicos a ignorarem a influência dos fatores dietéticos sobre o
comportamento das crianças.
E depois, claro, há muitas diferentes filosofias de educação infantil nos Estados Unidos e na França. Estas
filosofias divergentes poderiam explicar por que as crianças francesas são geralmente mais bem comportadas
do que as americanas. Pamela Druckerman destaca os estilos parentais divergentes em seu recente livro,
Bringing up Bébé. Acredito que suas idéias são relevantes para a discussão, por que o número de crianças
francesas diagnosticadas com TDAH, em nada parecem com os números que estamos vendo nos Estados
Unidos.
A partir do momento que seus filhos nascem, os pais franceses oferecem um firme cadre – que significa
“matriz” ou “estrutura”. Não é permitido, por exemplo, que as crianças tomem um lanche quando quiserem. As
refeições são em quatro momentos específicos do dia. Crianças francesas aprendem a esperar pacientemente
pelas refeições, em vez de comer salgadinhos, sempre que lhes apetecer. Os bebês franceses também se
adequam aos limites estabelecidos pelos pais. Pais franceses deixam seus bebês chorando se não dormirem
durante a noite, com a idade de quatro meses.
Os pais franceses, destaca Druckerman, amam seus filhos tanto quanto os pais americanos. Eles os levam às
aulas de piano, à prática esportiva, e os incentivam a tirar o máximo de seus talentos. Mas os pais franceses
têm uma filosofia diferente de disciplina. Limites aplicados de forma coerente, na visão francesa, fazem as
crianças se sentirem seguras e protegidas. Limites claros, eles acreditam, fazem a criança se sentir mais feliz e
mais segura, algo que é congruente com a minha própria experiência, como terapeuta e como mãe. Finalmente,
os pais franceses acreditam que ouvir a palavra “não” resgata as crianças da “tirania de seus próprios desejos”.
E a palmada, quando usada criteriosamente, não é considerada abuso na França.
Como terapeuta que trabalha com as crianças, faz todo o sentido para mim que as crianças francesas não
precisem de medicamentos para controlar o seu comportamento, porque aprendem o auto-controle no início de
suas vidas. As crianças crescem em famílias em que as regras são bem compreendidas, e a hierarquia familiar
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Tdah eua e frança

  • 1. Heloisa Villela: Saudável na França, doente nos Estados Unidos publicado em 3 de agosto de 2011 às 23:26 por Heloisa Villela, de Washington Acho curioso o altíssimo índice de casos de TDAH, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, nos Estados Unidos. Há tempos me pergunto se a cultura de um país pode influenciar o diagnóstico. Conversando com Stuart Kirk, autor do livro sobre a história do DSM — Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, manual das doenças mentais editado nos Estados Unidos –, ele me sugeriu procurar o professor Manuel Vallee, da Universidade de Berkeley, na Califórnia. Manuel Vallee é formado em antropologia, com PhD em sociologia. Ele se especializou em sociologia médica e está terminando de redigir a tese “Desconstruindo a Epidemia Americana de Ritalina: Contrastando o Uso da Ritalina EUA-França”. Ele decidiu comparar o olhar dos psiquiatras franceses com o dos americanos no que diz respeito ao TDAH. Até os anos 70, a grande maioria dos psiquiatras americanos praticava a psicanálise e, por isso, olhava sintomas das doenças como sinais que deveriam ser compreendidos e estudados, não como problemas em si. O que antes servia de porta de entrada para conhecer o outro passou a ser o foco do tratamento. Assim, a tendência dominante hoje, pelo menos aqui, é de tirar o indivíduo de seu contexto social e isolar os sintomas. É uma forma de enquadrar a psiquiatria nas fronteiras bem explícitas da medicina biológica, com doenças claramente reconhecíveis e tratáveis. Com isso, elimina-se a subjetividade, o impacto do meio social sobre o individuo. Daí, o recurso fácil às drogas. Recentemente, o jornalista Jed Bickman publicou, no site Counterpunch, um artigo alertando que em breve poderemos ter repetido, com as drogas para esquizofrenia e os antipsicóticos, o fenômeno que aconteceu com a ritalina: receitas em número cada vez maior para jovens e crianças. Mas, na entrevista com o dr. Manuel Vallee, tratamos apenas do transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, o TDAH. Viomundo – Como o senhor se interessou em estudar o tratamento do TDAH, doença que hoje já se considera uma epidemia nos EUA? Manuel Vallee – Quando estava na universidade, fiz uma cadeira de antropologia médica e o meu professor, que era espanhol, me perguntou se eu estava trabalhando em algum lugar. Quando disse que estava trabalhando em um agência de publicidade, com a conta de uma empresa farmacêutica, ele ficou doido. Passou meia hora me falando o que eu podia fazer. Fiquei pensando no que fazer. Comecei a desenvolver uma atitude mais crítica em relação à indústria farmacêutica. Como estudante, fiz análise da CHADD (Children and Adults with ADHD, Organização Americana de Crianças e Adultos com TDAH). Descobri que eles estavam brigando para desregulamentar a venda de Ritalina. Alguns jornalistas descobriram, depois, que a organização tinha financiamento da indústria farmacêutica. Quando essa informação veio à tona, eles pararam de brigar pela liberação da Ritalina. Quando estava estudando a CHADD, tive a oportunidade de fazer um projeto de pesquisa na França. Primeiro, queria estudar o uso de antidepressivos. Mas era igual nos dois países [Estados Unidos e França]. O meu orientador me disse: “O que você precisa é encontrar um país que seja muito semelhante, mas onde os resultados sejam completamente diferentes”. Comecei a olhar para outras drogas e percebi que com a Ritalina isso acontecia.
  • 2. Os franceses adoram um remedinho. É um consumo altíssimo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, os Estados Unidos são os líderes no consumo per capita de remédios. A França vem em terceiro lugar. Mas, na França, é mais difícil dar Ritalina às crianças. Na minha visão, isso tem relação direta com quem domina o campo do TDAH. Nos Estados Unidos, a psiquiatria biológica ganhou poder nos anos 80, depois da publicação do DSM III (o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, ou Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais). Mas, na Franca, a psiquiatria biológica não tem o mesmo poder. E os psiquiatras biológicos não são os que lidam com o problema do TDAH. Na Franca, os psiquiatras são treinados na psicanálise e aqui, são treinados na psiquiatria biológica, o que provoca diferenças fundamentais no conceito do TDAH. Aqui, é uma doença biológica e na França é um distúrbio de efeito psicológico causado por algum trauma ou pelo ambiente social e o tratamento é terapia psicológica, aconselhamento familiar, terapia de grupo, terapia da fala… é um olhar mais holístico. Viomundo – Antes de começar seu estudo, o senhor tinha alguma conexão pessoal ou acadêmica com a França? Manuel Vallee – Sou franco-canadense, falo francês fluentemente. Isso ajudou muito no trabalho. Foi um dos motivos e tive oportunidade de levantar financiamento para a pesquisa lá. Fazia mais sentido do que ir para a Itália ou um país escandinavo. Viomundo -E quais são os resultados desses tratamentos diferentes nos dois países? Manuel Vallee – Países diferentes adotam estatísticas diferentes. Na França, eu consegui dados sobre o uso da Ritalina, mas não sobre os diagnósticos, por exemplo. Olhando os resultados aqui [nos Estados Unidos], eles também não são claros. Por exemplo, dizem que as crianças têm um rendimento melhor com a Ritalina. Mas todo mundo tem. Ela foi usada, originalmente, para manter pilotos [da aviação] focados e acordados. Então, o que você quer dizer com resultados? Qual é o resultado em três meses? Bom, mas… e depois? Não encontramos estudos de longo prazo. A indústria farmacêutica é que financia os estudos e não tem nenhum interesse em estudar isso. A não ser que seja obrigada. Alguns estudos mostram que as drogas perdem a eficácia depois de seis meses. É preciso descobrir se ajudam as crianças mesmo. E depois de dois anos, dez anos? Existem resultados negativos para a saúde? Existem vários. O FDA (Food and Drug Administration, agência federal que regulamenta o consumo de remédios e alimentos nos Estados Unidos) teve que botar uma tarja preta na caixa do remédio, alertando que ele pode provocar alucinações, problemas cardíacos, derrame e até a morte. Para algumas crianças que têm disposição genética, a Ritalina foi apontada como causa de problemas cardiovasculares, houve casos de crianças que morreram. Viomundo – Recentemente, foi divulgado um estudo dizendo que a Ritalina não provoca problemas cardiovasculares. Mas o pé da reportagem dizia que o estudo tinha sido financiado pela indústria farmacêutica. Manuel Vallee – Sob o olhar crítico da Ciência, esses estudos não têm valor. Eu recomendo a você o livro do John Abramson, “Overdosed America: The Broken Promise of American Medicine”. Ele é da Universidade Harvard e foi treinado para analisar pesquisas. Ele encontrou vários problemas com os artigos publicados no Lancet, no Journal of the American Medical Association (JAMA), no New England Journal of Medicine [jornais médicos que são referência mundial]. Deu-se conta de que as conclusões eram fraudulentas, afirmações feitas sem base. E acabou descobrindo a indústria farmacêutica por trás, financiando as pesquisas. Ele deixou claro que os estudos financiados pela indústria não são confiáveis. O psiquiatra britânico David Healy também fez muita pesquisa sobre a indústria farmacêutica e foi consultor do grupo que processou os fabricantes do Prozac e de outros antidepressivos. Por isso, teve acesso a todos os dados e descobriu que o antidepressivo não tem nenhum benefício significativo, quantitativamente, quando usado para crianças. E, com
  • 3. adolescentes, na verdade aumenta o risco de suicídios. Ele descobriu que quando as indústrias mandam pesquisas à FDA pedindo a aprovação de remédios, elas escolhem apenas o que tem de positivo no resultado, para promover. Ele provocou um furor e muitos protestos na FDA. Viomundo – Começando pelo diagnóstico do TDAH, ele difere muito nos Estados Unidos e na França? Manuel Vallee – O DSM (manual de diagnósticos adotado nos Estados Unidos), o sistema da França e a classificação da Organização Mundial de Saúde deveriam ser bastante similares, mas existe uma grande diferença entre estes sistemas de classificação. Viomundo – O dos Estados Unidos é mais abrangente? Manuel Vallee – Para a classificação do TDAH é bem mais abrangente que o sistema da Organização Mundial de Saúde. Os americanos dizem que o sistema da OMS tem muitos defeitos. Enquanto isso, os britânicos dizem que os americanos estão completamente loucos. Você conhece a Lynn Payer? Ela é jornalista americana da área médica e escreveu um livro chamado “Medicine and Culture”, onde mostra o preconceito etnocêntrico de cada país. Todos acham, sendo os fundadores da Medicina moderna, que têm o monopólio da maneira certa de fazer as coisas. O que eu achei interessante entre os americanos e os franceses é que o DSM-IV leva a um diagnóstico de TDAH em 5% das crianças do país, enquanto o método da França atinge 1%. Então, a versão americana leva a um volume de diagnósticos cinco vezes maior. Viomundo – Que outras diferenças existem na hora de fazer o diagnóstico? Manuel Vallee – Na França, eu ouvi repetidas vezes que o TDAH é uma das doenças mais difíceis de diagnosticar porque tem tantos aspectos diferentes. É muito importante ter um extensivo e rigoroso processo. Analisar todas as opções para ter certeza de que foram eliminadas todas as possíveis explicações alternativas. Você só pode chegar ao diagnóstico depois de eliminar toda e qualquer outra explicação. Os franceses dizem que esse processo, em geral, leva entre oito e 24 horas. E eles preferem dar de 8 a 24 horas de avaliação, com psicoterapeuta, assistente social e tudo mais. Mesmo os que defendem com força o uso da Ritalina nunca chegam ao diagnóstico com menos de 8 horas de avaliação. Aqui nos Estados Unidos, o tempo gasto para se chegar a um diagnóstico de TDAH para criança é de 45 minutos. Fica entre 22 a 72 minutos. É claro que existem exceções… Nos Estados Unidos, o campo do TDAH é dominado pelos pediatras. Eles lidam com a grande maioria dos casos. E prescrevem 70% dos remédios consumidos pelas crianças. Viomundo – Nem mandam a criança para um psiquiatra? Manuel Vallee – Não. E quando você começa a olhar para isso mais profundamente, fica complicado, porque existem muitos fatores contribuindo para o resultado final. Nos Estados Unidos, você pode encontrar médicos que gostariam de passar mais tempo com a criança. Mas eles são avisados pelo HMO [health maintenance organization, organização que sob a lei americana pode oferecer atendimento em certos hospitais e com certos médicos] ou pela empresa de seguro de saúde que serão reembolsados apenas por uma visita de 45 minutos. Qualquer tempo extra que eles investirem no caso vai ter que sair do bolso deles. Temos um sistema que conspira para essa abordagem completamente diferente de tratamento. Viomundo – Que outras diferenças o senhor encontrou, nos dois países, com relação ao tratamento do TDAH?
  • 4. Manuel Vallee – Além do tratamento mais holístico, que envolve a escola e a família, os franceses ensinam os pais a reconhecer melhor os pontos fracos e fortes dos filhos. Também levam a Ritalina em conta, mas apenas como último recurso. Nunca como tratamento único. Fiz questão de procurar os médicos que defendem o uso da Ritalina na França. E até mesmo eles disseram que jamais usam apenas o remédio. Enquanto isso, nos EUA, 70% das crianças diagnosticadas com TDAH tomam Ritalina, ou um outro estimulante. E em 50% dos casos, é tudo que recebem. Então, é um tratamento completamente diferente nos Estados Unidos e na França. Agora, existem pais, nos Estados Unidos, que buscam um tratamento mais holístico. Terapia, aconselhamento, mas têm que montar o pacote sozinhos. E é mais caro. Um dos motivos pelos quais o sistema francês pode oferecer esse tratamento mais holístico é porque é pago pelo governo; 85% do custo são pagos pelo governo. Viomundo – Esse é outro aspecto que influencia as decisões, o tipo de sistema de saúde que existe nos EUA? Manuel Vallee – Ou a falta de um sistema de saúde… Outra coisa que acontece nos Estados Unidos está ligada ao treinamento de professores. Quando a criança chega ao consultório do pediatra ou do psiquiatra, ele já tem todo um dossiê, informações sobre aquela criança, fornecidas pela escola. O sistema produz incentivo na direção de um diagnóstico. Eu sei que houve muita resistência quando a indústria farmacêutica tentou treinar os professores na França. O ministro da Educação combateu veementemente, dizendo que esse não é o papel dos professores. Eles têm que ensinar e não diagnosticar. Para isso existem os médicos. Viomundo – O professor olha apenas para o comportamento da criança, mas não sabe qual é o contexto. E a impressão que eu tenho do sistema, aqui, é que na maior parte do tempo, todo mundo é retirado do seu próprio contexto e analisado com base apenas nos chamados sintomas, que podem ser apenas uma reação a isso ou aquilo. Por isso acho difícil entender um psiquiatra pegar um questionário sobre o comportamento da criança, preenchido pelo professor, outro dos pais, olhar a criança por 25 minutos e chegar a um diagnóstico sem saber de onde vem essa criança, qual é a história da vida dela. Manuel Vallee – Exato. É a descontextualização do indivíduo. Viomundo – Isso também leva os profissionais a se apoiarem mais em remédios? Manuel Vallee – Com certeza! Mas não é apenas isso. Eu dou aula de sociologia médica e sempre peço aos meus alunos que olhem para a individualização das doenças. Não apenas das psiquiátricas, mas de todas elas. Quando a pessoa aparece no consultório por causa de asma ou diabetes, o que fazem é individualizar a doença. Encontrar algo errado com o comportamento do paciente. Ver se pode haver algo errado com os genes da pessoa. Mas ninguém fala do quadro geral. Por que as crianças que vivem perto de um porto têm vinte vezes mais casos de asma que as outras? Então, ninguém fala do contexto social, ninguém discute porque as pessoas que vivem nas áreas mais pobres de Richmond [cidade da Virginia, Estados Unidos], com menos acesso a comida de qualidade, têm índices de câncer mais elevados? Para cada incidência de doença vamos encontrar que as classes mais baixas têm menos acesso a recursos e têm índices maiores de doenças. Esta tem sido a tendência nos Estados Unidos, nos últimos 50 anos. E desde a publicação do DSM-III a psiquiatria parece estar tentando seguir essa tendência de descontextualizar as doenças. Fomos relegados a esse tipo de solução, que tem como alvo o nível biológico das coisas. Ninguém olha para as causas sociais. E eu acho que a descontextualizarão das doenças é ainda mais importante para as doenças mentais, me parece.
  • 5. Por que as crianças francesas não têm Déficit de Atenção? Postado em: 20 mai 2013 às 19:28 Como é que a epidemia do Déficit de Atenção, que tornou-se firmemente estabelecida em vários países do mundo, foi quase completamente desconsiderada com relação a crianças na França? Nos Estados Unidos, pelo menos 9% das crianças em idade escolar foram diagnosticadas com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), e estão sendo tratadas com medicamentos. Na França, a percentagem de crianças diagnosticadas e medicadas para o TDAH é inferior a 0,5%. Como é que a epidemia de TDAH, que tornou-se firmemente estabelecida nos Estados Unidos, foi quase completamente desconsiderada com relação a crianças na França? Déficit de Atenção em crianças francesas é inferior a 0,5% (Foto: Ilustração) TDAH é um transtorno biológico-neurológico? Surpreendentemente, a resposta a esta pergunta depende do fato de você morar na França ou nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, os psiquiatras pediátricos consideram o TDAH como um distúrbio biológico, com causas biológicas. O tratamento de escolha também é biológico – medicamentos estimulantes psíquicos, tais como Ritalina e Adderall. Os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, vêem o TDAH como uma condição médica que tem causas psico-sociais e situacionais. Em vez de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas, os médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; não o cérebro da criança, mas o contexto social da criança. Eles, então, optam por tratar o problema do contexto social subjacente com psicoterapia ou aconselhamento familiar. Esta é uma maneira muito diferente de ver as coisas, comparada à tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção biológica a um desequilíbrio químico no cérebro da criança. Os psiquiatras infantis franceses não usam o mesmo sistema de classificação de problemas emocionais infantis utilizado pelos psiquiatras americanos. Eles não usam o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ou DSM. De acordo com o sociólogo Manuel Vallee, a Federação Francesa de Psiquiatria desenvolveu um sistema de classificação alternativa, como uma resistência à influência do DSM-3. Esta alternativa foi a CFTMEA (Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent), lançado pela primeira vez em 1983, e atualizado em 1988 e 2000. O foco do CFTMEA está em identificar e tratar as causas psicossociais subjacentes aos sintomas das crianças, e não em encontrar os melhores bandaids farmacológicos para mascarar os sintomas. Na medida em que os médicos franceses são bem sucedidos em encontrar e reparar o que estava errado no contexto social da criança, menos crianças se enquadram no diagnóstico de TDAH. Além disso, a definição de TDAH não é tão ampla quanto no sistema americano, que na minha opinião, tende a “patologizar” muito do que seria um comportamento normal da infância. O DSM não considera causas subjacentes. Dessa forma, leva os médicos a diagnosticarem como TDAH um número muito maior de crianças sintomáticas, e também os incentiva a tratar as crianças com produtos farmacêuticos. A abordagem psico-social holística francesa também permite considerar causas nutricionais para sintomas do TDAH, especificamente o fato de o comportamento de algumas crianças se agravar após a ingestão de alimentos com corantes, certos conservantes, e / ou alérgenos. Os médicos que trabalham com crianças com
  • 6. problemas, para não mencionar os pais de muitas crianças com TDAH, estão bem conscientes de que as intervenções dietéticas às vezes podem ajudar. Nos Estados Unidos, o foco estrito no tratamento farmacológico do TDAH, no entanto, incentiva os médicos a ignorarem a influência dos fatores dietéticos sobre o comportamento das crianças. E depois, claro, há muitas diferentes filosofias de educação infantil nos Estados Unidos e na França. Estas filosofias divergentes poderiam explicar por que as crianças francesas são geralmente mais bem comportadas do que as americanas. Pamela Druckerman destaca os estilos parentais divergentes em seu recente livro, Bringing up Bébé. Acredito que suas idéias são relevantes para a discussão, por que o número de crianças francesas diagnosticadas com TDAH, em nada parecem com os números que estamos vendo nos Estados Unidos. A partir do momento que seus filhos nascem, os pais franceses oferecem um firme cadre – que significa “matriz” ou “estrutura”. Não é permitido, por exemplo, que as crianças tomem um lanche quando quiserem. As refeições são em quatro momentos específicos do dia. Crianças francesas aprendem a esperar pacientemente pelas refeições, em vez de comer salgadinhos, sempre que lhes apetecer. Os bebês franceses também se adequam aos limites estabelecidos pelos pais. Pais franceses deixam seus bebês chorando se não dormirem durante a noite, com a idade de quatro meses. Os pais franceses, destaca Druckerman, amam seus filhos tanto quanto os pais americanos. Eles os levam às aulas de piano, à prática esportiva, e os incentivam a tirar o máximo de seus talentos. Mas os pais franceses têm uma filosofia diferente de disciplina. Limites aplicados de forma coerente, na visão francesa, fazem as crianças se sentirem seguras e protegidas. Limites claros, eles acreditam, fazem a criança se sentir mais feliz e mais segura, algo que é congruente com a minha própria experiência, como terapeuta e como mãe. Finalmente, os pais franceses acreditam que ouvir a palavra “não” resgata as crianças da “tirania de seus próprios desejos”. E a palmada, quando usada criteriosamente, não é considerada abuso na França. Como terapeuta que trabalha com as crianças, faz todo o sentido para mim que as crianças francesas não precisem de medicamentos para controlar o seu comportamento, porque aprendem o auto-controle no início de suas vidas. As crianças crescem em famílias em que as regras são bem compreendidas, e a hierarquia familiar é clara e firme. Em famílias francesas, como descreve Druckerman, os pais estão firmemente no comando de seus filhos, enquanto que no estilo de família americana, a situação é muitas vezes o inverso.
  • 7. problemas, para não mencionar os pais de muitas crianças com TDAH, estão bem conscientes de que as intervenções dietéticas às vezes podem ajudar. Nos Estados Unidos, o foco estrito no tratamento farmacológico do TDAH, no entanto, incentiva os médicos a ignorarem a influência dos fatores dietéticos sobre o comportamento das crianças. E depois, claro, há muitas diferentes filosofias de educação infantil nos Estados Unidos e na França. Estas filosofias divergentes poderiam explicar por que as crianças francesas são geralmente mais bem comportadas do que as americanas. Pamela Druckerman destaca os estilos parentais divergentes em seu recente livro, Bringing up Bébé. Acredito que suas idéias são relevantes para a discussão, por que o número de crianças francesas diagnosticadas com TDAH, em nada parecem com os números que estamos vendo nos Estados Unidos. A partir do momento que seus filhos nascem, os pais franceses oferecem um firme cadre – que significa “matriz” ou “estrutura”. Não é permitido, por exemplo, que as crianças tomem um lanche quando quiserem. As refeições são em quatro momentos específicos do dia. Crianças francesas aprendem a esperar pacientemente pelas refeições, em vez de comer salgadinhos, sempre que lhes apetecer. Os bebês franceses também se adequam aos limites estabelecidos pelos pais. Pais franceses deixam seus bebês chorando se não dormirem durante a noite, com a idade de quatro meses. Os pais franceses, destaca Druckerman, amam seus filhos tanto quanto os pais americanos. Eles os levam às aulas de piano, à prática esportiva, e os incentivam a tirar o máximo de seus talentos. Mas os pais franceses têm uma filosofia diferente de disciplina. Limites aplicados de forma coerente, na visão francesa, fazem as crianças se sentirem seguras e protegidas. Limites claros, eles acreditam, fazem a criança se sentir mais feliz e mais segura, algo que é congruente com a minha própria experiência, como terapeuta e como mãe. Finalmente, os pais franceses acreditam que ouvir a palavra “não” resgata as crianças da “tirania de seus próprios desejos”. E a palmada, quando usada criteriosamente, não é considerada abuso na França. Como terapeuta que trabalha com as crianças, faz todo o sentido para mim que as crianças francesas não precisem de medicamentos para controlar o seu comportamento, porque aprendem o auto-controle no início de suas vidas. As crianças crescem em famílias em que as regras são bem compreendidas, e a hierarquia familiar é clara e firme. Em famílias francesas, como descreve Druckerman, os pais estão firmemente no comando de seus filhos, enquanto que no estilo de família americana, a situação é muitas vezes o inverso.