Minha Casa Minha Dívida - Inadimplência recorde no programa habitacional do governo Dilma
1. Revista Veja – Edição 2340 – 25 de setembro de 2013
Alana Rizzo – Colaborou Natália Cacioli
MINHA CASA MINHA DÍVIDA
Vitrine do governo Dilma Rousseff na próxima eleição, o programa que pretende entregar moradias
populares subsidiadas a 3 milhões de famílias até o fim do ano tem índice recorde de inadimplência.
Ele foi planejado para ser a mais vistosa vitrine eleitoral da gestão Dilma Rousseff – a resposta do governo
para o sonho da casa própria. Lançado em 2009, o programa Minha Casa Minha Vida consumiu 134,5
bilhões de reais para fazer 2,1 milhões de casa populares. O primeiro milhão já foi distribuído. A presidente
Dilma percorreu seis estados brasileiros neste ano para providenciar ela mesma a entrega. O potencial de
dividendos eleitorais da iniciativa é tamanho que ela é tratada como uma espécie de Bolsa Família da área
urbana.
Programa subsidiado, o Minha Casa Minha Vida prevê que o governo arque com uma parte das prestações e
o beneficiado banque o restante. O valor das parcelas é calculado com base na renda de cada família. No
papel, tudo certo. Na realidade, tudo mais ou menos. Dados obtidos por Veja revelam que o índice de
inadimplência na faixa do financiamento que inclui participantes com renda mensal mais baixa, até 1600
reais, está em 20%. É um número dez vezes maior que a média dos financiamentos imobiliários no Brasil e
4 pontos mais alto que a porcentagem de atrasos em pagamento de hipoteca nos Estados Unidos em 2007,
quando se acentuou a crise que serviu de gatilho para a pior recessão desde o fim da II Guerra Mundial. O
programa de habitação do governo tem 270 000 famílias na faixa de renda mais baixa e 1 milhão nas duas
faixas seguintes. Nas duas últimas, a taxa de inadimplência está na média do mercado. A Caixa só divulgou
estes dados depois de a reportagem de Veja entrar com recurso junto à Controladoria-Geral da União. Antes
disso, o pedido, feito com base na Lei de Acesso à Informação, havia sido negado duas vezes.
O fato de uma porcentagem tão extraordinariamente alta de participantes do programa não estar conseguindo
pagar as prestações significa que sua capacidade de pagamento foi mal avaliada. Se essa má avaliação
ocorreu por incompetência ou estratégia é difícil saber. Cinco de seis moradores ouvidos por Veja em dois
conjuntos habitacionais do Minha Casa Minha Vida em São Paulo contaram que não tiveram nenhum
dificuldade para ser aceitos pelo programa, ainda que não tivessem emprego fixo e não pudessem comprovar
comprovante de renda. Todos disseram ter sido incluídos depois de aprovados com base no mesmo método:
apresentaram uma “estimativa” de quanto ganhavam e a prestação foi fixada em 10% desse valor declarado.
Todos estão inadimplentes há pelo menos três meses.
Essa arquitetura financeira ruinosa obriga o setor produtivo a bancar a conta para manter o programa de pé.
Na última quarta-feira, em votação no Congresso, o governo conseguiu manter a multa adicional de 10% do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) paga pelas empresas nas demissões sem justa causa. O
dinheiro será usado exclusivamente para financiar o Minha Casa Minha Vida. É o processo que o ex-
presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore descreveu bem: o governo “compra” o eleitor à vista e
obriga a sociedade a pagar por ele a prazo. O valor dos financiamentos do Minha Casa Minha Vida com
atraso superior a noventa dias já beira os 2 bilhões de reais na faixa mais baixa de renda, o equivalente a
tudo que o governo repassou para as universidades no ano passado.
Mas os beneficiários inadimplentes do programa não correm o risco de perder o imóvel. A reintegração de
posse não está entre as medidas do governo para evitar os calotes. “Como se trata de política habitacional
para a população de baixo poder aquisitivo, o monitoramento da inadimplência nesta faixa tem por objetivo
2. principal auxiliar o beneficiário a encontrar soluções para manter a posse do imóvel”, informaram a Caixa e
o Ministério das Cidades. O resultado dessa estratégia é mais inadimplência, como explica o consultor em
assunto bancários Roberto Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban): “Se
um em cada cinco fica sem pagar e nada acontece, isso vira um incentivo para que os outros façam o
mesmo. Ninguém é contra o programa habitacional. Mas ele precisa de boa execução, e existem mecanismos
para incentivar a responsabilidade financeira.”
Além de não cobrar a dívida para valer, o governo vem se esforçando para piorar endividamento das
famílias. Em junho, lançou o Minha Casa Melhor, uma linha de crédito de até 5000 reais para a compra de
móveis e eletrodomésticos dos participantes Minha Casa Minha Vida. Até agora, a Caixa já distribuiu 1
bilhão de reais, aparentemente, com o mesmo grau de rigor que usou no programa de habitação: não é
preciso comprovar renda para ter acesso à nova linha de crédito. O governo poderia simplificar as coisas e
jogar dinheiro direto do alto de um avião. Sairia mais barato para o contribuinte.
O BURACO NO PROGRAMA HABITACIONAL
Na categoria de renda mais baixa, o atraso nos pagamentos é dez vezes maior que a média brasileira e
superior até ao dos créditos podres que impulsionaram a crise econômica nos EUA
A inadimplência no programa brasileiro,
na faixa de renda mensal de até 1600 reais = 20%
A taxa nos EUA, em 2007, quando chegou ao patamar que
serviu de gatilho para a crise imobiliária no país* = 16%
*Nos financiamentos com pior avaliação de crédito (subprime).
CORTESIA ELEITORAL
Rudileia de Aragão engrossa a fila de inadimplentes do
programa habitacional, mas não corre o risco de perder a casa.
O governo, que não quis saber antes se ela poderia pagar, agora
também não vai cobrá-la.