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WALTER MIRANDA – SOBRAMES CE – ANTOLOGIA 2012 –
Página – 283
LUZ...CÂMERA...AÇÃO...
O cenário que se descortinava naquele final de tarde de junho
não poderia ser mais representativo daquilo que tanto atrai turistas a
Guaramiranga. Após três dias consecutivos de uma neblina fina, mas
persistente, entremeada por umas retardatárias pancadas de chuva
que não costumam se estender além de abril, e os termômetros
beirando a marca dos quinze graus, o sol resolvera fazer uma
aparição grandiloquente, derramando-se em variados tons de laranja
e dourado e pintando, qual aquarela, as encostas do Maciço de
Baturité.
O grupo de três casais amigos que até então se contentara em
permanecer dentro de casa, bebericando e assistindo a filmes
clássicos em DVD, ou embalando-se nas redes da varanda enquanto
comentavam os enredos e trocavam informações técnicas e
curiosidades sobre os elencos, resolveu dar uma volta nos arredores
para alongar os músculos e aproveitar os derradeiros raios de luz
enquanto a noite não caísse ou os nimbos não tornassem a tingir de
chumbo o já costumeiramente bucólico visual da serra.
Mal se iniciara a caminhada, os cinéfilos retomaram seu
assunto predileto. Na verdade, se encontravam regularmente para
falar de cinema desde a época da faculdade e fora exatamente essa
afinidade pelas telas que os impeliu ao matrimônio. Triplo, diga-se de
passagem, pois performáticos por excelência, jamais perderiam a
oportunidade de uma cerimônia cinematográfica: uma festa coletiva
em que três casais celebravam seus enlaces conjugais ao mesmo
tempo, com cada casal servindo de padrinhos aos outros dois.
Caminhando abraçado à esposa Elizabete, Ricardo, anfitrião e
proprietário da Chácara são Luiz, herança do pai já falecido, nunca
deixava escapar a chance de introduzir um debate sobre seu filme
favorito: vocês ainda têm dúvida de que Casablanca é o melhor
roteiro de todos os tempos? O fato é que mesmo considerando ter
sido rodado durante a Segunda Guerra Mundial em 1942 e com um
orçamento de menos de um milhão de dólares, ganhou três das sete
indicações ao Oscar que recebeu: melhor diretor. Michael Curtiz,
melhor filme e melhor roteiro adaptado Forçava um pigarro, como
que para demonstrar uma falsa modéstia, e encerrava, provocando os
demais: aquele triângulo amoroso... Não é o máximo?
Ingrid, que vinha apenasdois passos atrás de Ricardo,
caminhando ao lado do marido Roberto, sempre se sentia
incomodada quando ele tocava no assunto. Todos sabiam que haviam
sido para Ricardo seus primeiros olhares quando ainda estudantes.
Sem se falar que muitas vezes ele gostava de tirar onda com a
coincidência de seu nome com o da protagonista de Casablanca, a
sueca Ingrid Bergman.
Sabendo do incômodo que os comentários de Ricardo
produziam em Ingrid, e na condição de convidado que não quer se
indispor com o anfitrião, Roberto sugeriu: vamos voltar para casa,
pois já estou sentindo alguns pingos d’água; acho que vai voltar a
chover...
Todos concordaram, e ao iniciarem o retorno à Chácara,
Francisco Alberto, percebendo que o tempo poderia fechar nos dois
sentidos, enquanto tentava proteger a esposa Ava usando um
exemplar da revista Set, da qual era assinante de longa data, rebateu
a provocação de Ricardo: não restam dúvidas de que Casablanca é
uma das melhores produções da Warner de todos os tempos. Mas
gosto não se discute; eu particularmente, prefiro E o Vento Levou. E
vou dizer o porquê: apesar de produzido três anos antes de
Casablanca, em 1939, já era colorido, e é nada menos que o segundo
filme da história em número de indicações ao Oscar, num total de
treze, das quais arrebatou oito. Só perde para A Malvada, de 1950,
este realmente um filmaço, e para aquele açucarado Titanic, de 1997,
ambos com quatorze indicações. Só não entendo como é que o
clássico não conseguiu mais que seis estatuetas, e olhem que além da
impagável Bette Davis, ainda mostrava Marilyn Monroe em um de
seus primeiros papéis de destaque. Já o meloso arrancou onze, vai
entender...
Ricardo já se preparava para a tréplica quando a chuva
resolveu se antecipar e engrossou primeiro, precipitando-se na
forma de milhares de minúsculos dardos úmidos, fazendo-os correr
em direção à casa que não estava assim tão distante, mas longe o
bastante para que eles a alcançassem completamente encharcados.
Ainda aos saltos, na tentativa de evitar as poças que
rapidamente se formavam na pequena trilha que levava do portão de
entrada até a varanda. Ricardo foi logo gritando pelo caseiro: Sam,
Sam... Era como ele apelidara José Samaritano da Silva, o empregadoamigo, quase de sua idade e que praticamente acompanhara sua
infância, principalmente durante as férias escolares quando
passavam os dias em sucessivas aventuras, tanto nas pescarias
quanto nas caçadas de estilingue. Sam, Sam, repetia aos berros. Vai
acendendo a lareira e traz aquela cachaça velha que eu mandei
esconder atrás do pote. E vem logo ou a gente morre de frio...
Reunidos na varanda, reinava ainda certa indecisão quanto a
qual atitude tomar. Mesmo enregelados, os hóspedes pareciam
receosos de adentrar a residência e correr o risco de estragar a
decoração da qual Elizabete tanto se orgulhava. Apesar da
predominância do estilo rústico, ela não abria mão de um pouco de
requinte, conceito que aprendera com a mãe e as tias, membros de
tradicional e abastada família guaramiranguense.
E foi Elizabete, com todas sua refinada etiqueta, quem decidiu
quebrar o gelo: fiquem à vontade. Vamos todos entrar e vestir roupas
secas ou em breve estaremos todos com pneumonia. Não esqueçam
os agasalhos, pois a noite, hoje, promete...
A ideia pareceu sensata o suficiente para que todos se
dirigissem à porta da sala, exceto Ricardo, que havendo emborcado
três grandes goles de cana envelhecida, já não sentia tanto frio
quanto os demais. E naquele tom jocoso que lhe era peculiar, desta
feita turbinado pelos vapores etílicos que lhe subiam à cabeça,
emendou: vão vocês. Podem ir que eu já encontrei meu agasalho. E
em seguida, serviu-se mais um trago.
Sozinho na varanda e admirando o efeito luminoso que as
gotas da chuva produziam em torno da lâmpada do poste defronte a
casa, Ricardo bebia dose atrás de dose. Quase em transe pelos efeitos
do álcool ou como que hipnotizado por aquele arco-íris artificial,
começou a assobiar As time goesby, a música tema de Casablanca.
Após concluída a performance, disse a si mesmo: play it again, Sam. E
recomeçou o assobio até o final, para então mais uma vez dizer a si
mesmo: play it again, Sam. E assim repetiu diversas vezes aé sentir
uma intensa dor no peito, subindo para o queixo. Faltou-lhe o ar.
Suando frio, olhou em volta e não viu ninguém. Olhou para a lâmpada
do poste, tentou sorrir e gaguejou: play it again, Sam. E caiu
fulminado.
Corta, corta, ouviu-se ao longe. O diretor berrava através de um
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claquete. Luz... Câmera... Ação...

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Cinema e Amizade em Guaramiranga

  • 1. WALTER MIRANDA – SOBRAMES CE – ANTOLOGIA 2012 – Página – 283 LUZ...CÂMERA...AÇÃO... O cenário que se descortinava naquele final de tarde de junho não poderia ser mais representativo daquilo que tanto atrai turistas a Guaramiranga. Após três dias consecutivos de uma neblina fina, mas persistente, entremeada por umas retardatárias pancadas de chuva que não costumam se estender além de abril, e os termômetros beirando a marca dos quinze graus, o sol resolvera fazer uma aparição grandiloquente, derramando-se em variados tons de laranja e dourado e pintando, qual aquarela, as encostas do Maciço de Baturité. O grupo de três casais amigos que até então se contentara em permanecer dentro de casa, bebericando e assistindo a filmes clássicos em DVD, ou embalando-se nas redes da varanda enquanto comentavam os enredos e trocavam informações técnicas e curiosidades sobre os elencos, resolveu dar uma volta nos arredores para alongar os músculos e aproveitar os derradeiros raios de luz enquanto a noite não caísse ou os nimbos não tornassem a tingir de chumbo o já costumeiramente bucólico visual da serra. Mal se iniciara a caminhada, os cinéfilos retomaram seu assunto predileto. Na verdade, se encontravam regularmente para falar de cinema desde a época da faculdade e fora exatamente essa afinidade pelas telas que os impeliu ao matrimônio. Triplo, diga-se de passagem, pois performáticos por excelência, jamais perderiam a oportunidade de uma cerimônia cinematográfica: uma festa coletiva em que três casais celebravam seus enlaces conjugais ao mesmo tempo, com cada casal servindo de padrinhos aos outros dois. Caminhando abraçado à esposa Elizabete, Ricardo, anfitrião e proprietário da Chácara são Luiz, herança do pai já falecido, nunca deixava escapar a chance de introduzir um debate sobre seu filme favorito: vocês ainda têm dúvida de que Casablanca é o melhor roteiro de todos os tempos? O fato é que mesmo considerando ter sido rodado durante a Segunda Guerra Mundial em 1942 e com um orçamento de menos de um milhão de dólares, ganhou três das sete indicações ao Oscar que recebeu: melhor diretor. Michael Curtiz, melhor filme e melhor roteiro adaptado Forçava um pigarro, como
  • 2. que para demonstrar uma falsa modéstia, e encerrava, provocando os demais: aquele triângulo amoroso... Não é o máximo? Ingrid, que vinha apenasdois passos atrás de Ricardo, caminhando ao lado do marido Roberto, sempre se sentia incomodada quando ele tocava no assunto. Todos sabiam que haviam sido para Ricardo seus primeiros olhares quando ainda estudantes. Sem se falar que muitas vezes ele gostava de tirar onda com a coincidência de seu nome com o da protagonista de Casablanca, a sueca Ingrid Bergman. Sabendo do incômodo que os comentários de Ricardo produziam em Ingrid, e na condição de convidado que não quer se indispor com o anfitrião, Roberto sugeriu: vamos voltar para casa, pois já estou sentindo alguns pingos d’água; acho que vai voltar a chover... Todos concordaram, e ao iniciarem o retorno à Chácara, Francisco Alberto, percebendo que o tempo poderia fechar nos dois sentidos, enquanto tentava proteger a esposa Ava usando um exemplar da revista Set, da qual era assinante de longa data, rebateu a provocação de Ricardo: não restam dúvidas de que Casablanca é uma das melhores produções da Warner de todos os tempos. Mas gosto não se discute; eu particularmente, prefiro E o Vento Levou. E vou dizer o porquê: apesar de produzido três anos antes de Casablanca, em 1939, já era colorido, e é nada menos que o segundo filme da história em número de indicações ao Oscar, num total de treze, das quais arrebatou oito. Só perde para A Malvada, de 1950, este realmente um filmaço, e para aquele açucarado Titanic, de 1997, ambos com quatorze indicações. Só não entendo como é que o clássico não conseguiu mais que seis estatuetas, e olhem que além da impagável Bette Davis, ainda mostrava Marilyn Monroe em um de seus primeiros papéis de destaque. Já o meloso arrancou onze, vai entender... Ricardo já se preparava para a tréplica quando a chuva resolveu se antecipar e engrossou primeiro, precipitando-se na forma de milhares de minúsculos dardos úmidos, fazendo-os correr em direção à casa que não estava assim tão distante, mas longe o bastante para que eles a alcançassem completamente encharcados. Ainda aos saltos, na tentativa de evitar as poças que rapidamente se formavam na pequena trilha que levava do portão de entrada até a varanda. Ricardo foi logo gritando pelo caseiro: Sam, Sam... Era como ele apelidara José Samaritano da Silva, o empregadoamigo, quase de sua idade e que praticamente acompanhara sua infância, principalmente durante as férias escolares quando
  • 3. passavam os dias em sucessivas aventuras, tanto nas pescarias quanto nas caçadas de estilingue. Sam, Sam, repetia aos berros. Vai acendendo a lareira e traz aquela cachaça velha que eu mandei esconder atrás do pote. E vem logo ou a gente morre de frio... Reunidos na varanda, reinava ainda certa indecisão quanto a qual atitude tomar. Mesmo enregelados, os hóspedes pareciam receosos de adentrar a residência e correr o risco de estragar a decoração da qual Elizabete tanto se orgulhava. Apesar da predominância do estilo rústico, ela não abria mão de um pouco de requinte, conceito que aprendera com a mãe e as tias, membros de tradicional e abastada família guaramiranguense. E foi Elizabete, com todas sua refinada etiqueta, quem decidiu quebrar o gelo: fiquem à vontade. Vamos todos entrar e vestir roupas secas ou em breve estaremos todos com pneumonia. Não esqueçam os agasalhos, pois a noite, hoje, promete... A ideia pareceu sensata o suficiente para que todos se dirigissem à porta da sala, exceto Ricardo, que havendo emborcado três grandes goles de cana envelhecida, já não sentia tanto frio quanto os demais. E naquele tom jocoso que lhe era peculiar, desta feita turbinado pelos vapores etílicos que lhe subiam à cabeça, emendou: vão vocês. Podem ir que eu já encontrei meu agasalho. E em seguida, serviu-se mais um trago. Sozinho na varanda e admirando o efeito luminoso que as gotas da chuva produziam em torno da lâmpada do poste defronte a casa, Ricardo bebia dose atrás de dose. Quase em transe pelos efeitos do álcool ou como que hipnotizado por aquele arco-íris artificial, começou a assobiar As time goesby, a música tema de Casablanca. Após concluída a performance, disse a si mesmo: play it again, Sam. E recomeçou o assobio até o final, para então mais uma vez dizer a si mesmo: play it again, Sam. E assim repetiu diversas vezes aé sentir uma intensa dor no peito, subindo para o queixo. Faltou-lhe o ar. Suando frio, olhou em volta e não viu ninguém. Olhou para a lâmpada do poste, tentou sorrir e gaguejou: play it again, Sam. E caiu fulminado. Corta, corta, ouviu-se ao longe. O diretor berrava através de um megafone: repete a última cena e vê se melhora essa queda; silêncio, claquete. Luz... Câmera... Ação...