1. As pessoas iniciam terapia para não mudar, resistindo à mudança e buscando a homeostase. A tarefa da terapia é dar estrutura e significado às situações difíceis das pessoas.
2. Terapeutas possuem diferentes temperamentos que influenciam como enxergam a tarefa da terapia e buscam realizá-la.
3. Famílias são culturas únicas que exigem uma abordagem relacional e contextual para serem compreendidas em terapia.
Não Tenha Pressa: Sete Lições para Jovens Terapeutas
1. NÃO TENHA PRESSA
Sete Lições para Jovens Terapeutas
Professor Vincenzo Di Nicola
Curso de Especiliazação em Psicoterapia Sistêmico-Integrativa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto da Família de Porto Alegre
Aula Inaugural – 18 de Agosto de 2023
2.
3. Professor Vincenzo Di Nicola
MPhil, MD, DipPsych, FRCPC, PhD, FCAHS, DLFAPA, DFCPA
Professor titular de psiquiatria e de adição
Universidade de Montreal
Presidente, World Association of Social Psychiatry
Email: vincenzodinicola@gmail.com
4. Introdução: “Não Tenha Pressa”
• Com essas sete lições para jovens terapeutas neste tempo tecnocrático
de pressão e velocidade
• Recomendo aos jovens terapeutas – ansiosos para abraçar a mudança e
fazer a diferença – a “tomar o seu tempo” – “não tenha pressa”
• Ao abrir um espaço de reflexão para cada participante do encontro
terapêutico, pode emergir a possibilidade de um acontecimento – algo
surpreendente, imprevisível e novo
5. Essas lições integram meu
trabalho em Psiquiatria e
psicoterapia com meu manifesto
para o Slow Thought ou
Pensamento Lento e meu apelo à
Slow Therapy ou Terapia Lenta
9. Primeira lição
Pessoas iniciam terapia para não mudar
Qual é a tarefa da terapia?
Referência: DI NICOLA, V. Carta a um jovem terapeuta: “Pessoas iniciam terapia para não mudar.”
Revista Pensando Famílias, 2012, 16(1): 15-27.
10. Pessoas iniciam terapia para não mudar
• A psicanálise chama isso de resistência
• A teoria dos sistemas – a base da Terapia Familiar
Sistêmica – chama isso de homeostase
11. Qual é a tarefa da terapia?
Freud escreveu que a tarefa da psicanálise é
tornar o inconsciente consciente
(elaborando* a resistência)
Nota: Elaboração ou perlaboração em português; Durcharbeitung em alemão,
working-through em inglês
12. Qual é a tarefa da terapia?
Para dar estrutura e significado à situação difícil de
um indivíduo, um casal ou uma família, um grupo ou
uma comunidade
Referência: DI NICOLA, V. Um Estranha na Família (1998)
13. Qual é a tarefa da terapia?
Esta exploração de situações difíceis
é feita em terapia quando não é possível
em outro lugar ou de outra maneira
Referência: DI NICOLA, V. Um Estranha na Família (1998)
14. O que ler, por onde começar?
•Leia o próprio Freud primeiro, não leia sobre Freud
•Comece com A Interpretação dos Sonhos (1900)
•Depois de Freud, leia O Brincar e a Realidade de Donald
Winnicott (1971/2019)
18. Quem conduz a terapia e por quê?
O terapeuta que você é agora, que você será e que
deveria ser, foi moldado muito antes de você iniciar
sua formação profissional como terapeuta
22. Léxico Familiar
Somos cinco crianças.…
Quando nos encontramos, podemos ficar indiferentes e distantes. Mas
basta uma palavra, uma frase; uma daquelas frases antigas, ouvidas e
repetidas infinitas vezes na nossa infância… nos faria reconhecer na
escuridão de uma caverna ou entre um milhão de pessoas….
Essas frases são o fundamento da nossa unidade familiar que perdurará
enquanto estivermos neste mundo, e que se recria nos mais diversos
lugares da terra.
—Natalia Ginzburg, Lessico Familiare (1963)
23. Famílias
• Mara Selvini Palazzoli (1916-1999)
• Equipe de Milão: Terapia Familiar
Sistêmica
• “A terapia familiar é o ponto de
partida para o estudo de unidades
sociais cada vez mais amplas.”
—Mara Selvini Palazzoli (1974)
24. Famílias
• Salvador Minuchin (1921-2017)
• Articulou uma abordagem
coerente:
Terapia Familiar Estrutural
• A psicanálise, argumentou ele,
vê “o homem fora de contexto”
25. Famílias
• Maurizio Andolfi (b. 1942)
• Psicologia e terapia relacional
• Isso representa nada menos
que um repensar da psicologia
com base em relacionamentos
e terapias que decorrem da
psicologia relacional
27. Qual é a natureza do problema e
quando começou?
(Terapeuta
freudiano)
Vamos dar uma volta e ver o que
acontece
(Terapeuta
comportamental)
28. Como funciona a terapia
O terapeuta faz três coisas simples com a informação:
• Aumenta a incerteza
(Isso não parece estar funcionando tão bem para você)
• Introduz novidades
(Pode haver outras maneiras de olhar para isso)
• Incentiva a diversidade
(Vamos tentar uma abordagem diferente)
Referência: DI NICOLA, V. Um Estranha na Família (1998)
29. Como funciona a terapia
• O método psicanalítico de Freud usa a introspecção para chegar ao
“insight”
• No entanto, Freud nunca usou a palavra “insight” Freud (1914)
escreveu sobre elaboração ou perlaboração*
* Nota: Elaboração ou perlaboração em português; Durcharbeitung em alemão,
working-through em inglês
Referência: FREUD, S. Remembering, repeating and working-through (1914).
Standard Edition: 12 (1955).
30. Donald Winnicott
(1896-1971)
• O ambiente “holding”
• Permite ambos – criança e pai,
paciente e terapeuta – brincar
Referência: WINNICOTT, D.W. O Brincar e a
Realidade (1971/2019)
32. Cem anos de invisibilidade
A evolução da terapia
• Da descoberta do inconsciente do sec. XIX
• aos valores de diversidade, descolonização e mudança do
sec. XXI
Ainda, pessoas ficam invisíveis – sobretudo os mais
vulneráveis – crianças e minoridades
33. Tornando visível o que era invisível
• Freud disse que a psicanálise visa tornar o inconsciente
consciente
• A historia da terapia é a historia de tornar visível o que era
invisível
“A poesia deve arrastar mais longe para a clara nudez da luz
ainda mais das causas ocultas do que Freud poderia perceber.”
—Dylan Thomas
34. O mito da independência
Tenho a sensação de que há outras pessoas dentro de mim.
35. Freud desconstruído
A história da terapia é também a história da
revisão de Freud:
• Das críticas radicais (terapia
comportamental, terapia cognitiva)
• Às adaptações (terapia infantil, terapia
breve)
• Às novas aplicações (Trauma-informed
therapy – Di Nicola, 2018; Mollica, 2006)
• Às expansões (Terapia de casal, família,
grupo e comunidade – Barreto, et al.,
2020) e revisões (“turno” Interpessoal e
Narrativo)
36. Somos animais sociais
Nenhuma punição mais diabólica poderia ser planejada...
do que aquela que deveria ser solta na sociedade e permanecer
absolutamente despercebida pelos membros dela...
Somos animais gregários com uma propensão inata para ser
notados favoravelmente por nossa própria espécie.
—William James, Princípios de Psicologia (1890)
37. Solidão x pertencer
• Não queremos apenas ser notados na sociedade, mas
sofremos enquanto isolados
• A solidão é uma questão importante que contribui para o
sofrimento mental e relacional
• E nós compartilhamos a necessidade de pertencer
39. O que é dito e o que é não dito
• Pessoas dirão ou mostrarão para você o que você precisa saber
• O antropólogo Gregory Bateson (1972) disse que as vezes
pessoas falam em “metáforas concretas”
• “Eu sou um tapete. Meu marido caminha por cima de mim”
Referência: BATESON, G. Steps to an Ecology of Mind (1972)
40. O que é dito e o que é não dito
• Terapeuta haitiano para mãe haitiana em Montreal:
“Eu entendi tudo o que você NÃO disse.”
“Se você não testemunhar o que não pode ser dito,
você despedaçará o que pode ser dito.”
—al-Niffari (citado por ADONIS, 2005)
41. A lição da raposa: Ética relacional
Les hommes ont oublié cette vérité, dit le renard. Mais tu ne dois pas l’oublier.
Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé.
—Antoine de St-Exupéry, Le Petit Prince (1943)
“Os homens se esqueceram dessa verdade, disse a raposa.
Mas você não deve esquecê-lo.
Você se torna responsável para sempre pelo que cativou.”
—Antoine de St-Exupéry, O Pequeno Príncipe (1943)
42. A lição da raposa: Ética relacional
• Psicoterapia é um encontro face a face com outros
• Resposta e responsabilidade iniciam com esse encontro
• Emmanuel Levinas – “Ética como filosofia primeira”
• “Holding”/segurar – cuidar – curar em psicoterapia são fundados na
ética do encontro face a face
Referência: LEVINAS, E. Entre Nous: Thinking-of-the-Other (1998)
43. A relação gurū-chelā
• Cada sociedade tem os recursos para construer a psicoterapia de
acordo com as seus valores e tradições
• Na India, Jaswant Singh Neki utilisou a relação gurū-chelā
(mestre-discípulo) como paradigma para a psicoterapia Indiana
Referência: DI NICOLA, V. The Gurū-Chelā relationship revisited: The contemporary
relevance of the work of Indian psychiatrist Jaswant Singh Neki. World Social Psychiatry,
2022;4:182-6.
44. Repensando a hierarquia de necessidades de
Maslow
“O povo precisa de poesia como de pão.”
—Osip Mandelstam (1891-1938)
• Poeta russo escrevendo no Gulag
soviético
• Viktor Frankl sobreviveu ao Holocausto, escreveu
sobre ”a busca de sentido”
Referência: FRANKL, VE. Em Busca do Sentido (1946/1991)
48. Sétima Lição
“E no sétimo dia o Senhor descansou …”
Quando a terapia acaba:
O mito do encerramento, fluxo e
lentidão na terapia
49. O mito do encerramento
• Freud disse que a terapia acaba quando o paciente se
dá conta que pode durar pra sempre
• Não há encerramento, apenas uma escolha para
seguir em frente
50. Sabático
Faça seu trabalho por seis anos; mas no sétimo, vá
para a solidão ou entre estranhos para que a
memória de seus amigos não o impedem de ser o
que você se tornou.
—Leo Szilard, “Os Dez Mandamentos” (1992)
51. “Não Tenha Pressa”
Pergunta: “Como um filósofo se dirige a outro?”
Resposta: “Não tenha pressa”.
—Ludwig Wittgenstein, Culture and Value (1980)
52. Lentidão em terapia, fluxo
Precisamos de uma filosofia do Pensamento Lento para
facilitar o pensamento em um diálogo mais lúdico e
poroso sobre o que significa viver.
—Di Nicola, “Pensamento Lento, um manifesto” (2020)
54. Belonging/Pertencer
Pertencer é para a psiquiatria social
o que o apego é para a psiquiatria infantil
Pertencer é a cola que mantém unida os Determinantes
Sociais da Saúde e lhes dá estrutura e significado
55. O Holding/Segurar
Segurar é a cola que liga a introspecção ao insight em
um ato relacional de empatia e testemunho
ou, como disse a filósofa Martha Nussbaum (2011),
“as transações altamente particulares que constituem
amor entre duas pessoas imperfeitas”
56. Sete Lições: Sumário
1. As pessoas não querem mudar (resistência, homeostase)
2. Diferentes temperamentos terapêuticos enxergam tarefas diferentes,
buscam formas diferentes de fazer terapia
3. Famílias são culturas únicas que exigem uma abordagem relacional
4. A terapia abre novas perspectivas de vida em um ambiente ”holding”
5. A terapia torna visível o invisível. Como animais sociais, prosperamos
em contextos sociais, sofremos em isolamento. A independência é um
mito!
6. As pessoas buscam vidas significativas
7. A Terapia Slow respeita o fluxo e os ritmos da vida, leva tempo para
integrar a mudança e sabe quando parar
58. Agradecimentos
• Profa. Dra. Olga Garcia Falceto
• Instituto da Família de Porto Alegre (INFAPA)
• Profa. Dra. Angela Helena Marin
• Instituto de Psicologia (UFRGS)
• Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
• Dr. John Farnsworth, PhD (Nova Zelândia)
59. Referências Bibliográficas
• Adonis. Sufism and Surrealism (trans. J. Cumberbatch). London: SAQI, 2005.
• Andolfi, M., Angelo, C., de Nichilo, M. & Di Nicola, V. The Myth of Atlas: Families &
the Therapeutic Story. New York: Brunner/Routledge, 1989.
• Barreto, A.P., Filha, M.O., Silva, M.Z., & Di Nicola, V. Integrative Community
Therapy in the time of the new coronavirus pandemic in Brazil and Latin America.
World Social Psychiatry, 2020, 2(2): 103-5.
• Bateson, G. Steps to an Ecology of the Mind. New York: Ballantine Books, 1972.
• Di Nicola, V. Um Estranho na Família: Cultura, Famílias e Terapia. (Traduzido por
MA Verissimo Veronese). Prefacio por Luiz Carlos Osorio, MD. Porto Alegre, RS,
Brasil: Editora Artes Medicas Sul Ltda., 1998.
60. Referências Bibliográficas
• Di Nicola, V. Letters to a Young Therapist: Relational Practices for the Coming Community. New
York & Dresden: Atropos Press, 2011.
• Di Nicola, V., Carta a um jovem terapeuta: “Pessoas iniciam terapia para não mudar.” Revista
Pensando Famílias 2012;16(1):15-27.
• Di Nicola, V. “Pensamento Lento, Um Manifesto” (traduzido por Patrícia Manozzo Colossi). Revista
Universo Psi 2020;2(1):123-133.
• Di Nicola, V. Two trauma communities: A philosophical archaeology of cultural and clinical trauma
theories. In: P.T. Capretto & E. Boynton (Eds), Trauma and Transcendence: Limits in Theory and
Prospects in Thinking. New York: Fordham University Press, 2018, pp. 17-52.
• Di Nicola, V. The gurū-chelā relationship revisited: The contemporary relevance of the work of
Indian psychiatrist Jaswant Singh Neki. World Social Psychiatry 2022;4:182-6.
61. Referências Bibliográficas
• Frankl, VE. Em Busca do Sentido: Um psicólogo no campo de concentração.
(Traduzido por CC Aveline e WO Schlupp.) São Leopoldo: Editora Vozes 1991.
• Freud, S. The Interpretation of Dreams. 1900. Available at:
https://en.wikisource.org/wiki/The_Interpretation_of_Dreams
• Freud, S. Remembering, repeating and working-through (1914). Standard Edition:
12 (trans. J. Strachey). London: The Hogarth Press, 1955, pp. 147-156.
• Ginzburg, N. Family Sayings (trans. DM Low). New York: Arcade Publishing, 1963.
• James, W. Principles of Psychology. New York: Henry Holt, 1890.
• Levinas, E. Entre Nous: Thinking-of-the-Other (trans. M.B. Smith, B. Harshav).
Chicago: University of Chicago Press, 1998.
62. Referências Bibliográficas
• Minuchin, S. Families and Family Therapy. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1974.
• Mollica, R.F. Healing Invisible Wounds: Paths to Hope and Recovery in a Violent World. New York:
Harcourt International, 2006.
• Nussbaum, M.C. Philosophical Interventions: 1986-2011. Oxford: Oxford University Press, 2011.
• Selvini Palazzoli, M. Self-Starvation–From the Intrapsychic to the Transpersonal Approach to
Anorexia Nervsoa (trans. A. Pomerans). London: Chaucer, 1974.
• Selvini Palazzoli, M., Boscolo, L., Cecchin, G., & Prata, G. Paradox and Counterparadox: A New
Model in the Therapy of the Family in Schizophrenic Transaction (trans. E.V. Burt). New York: Jason
Aronson, 1978.
• Szilard, L. The Ten Commandments of Leo Szilard. In: The Voice of the Dolphins & Other Stories.
Stanford, CA: Stanford University Press, 1992.
• Winnicott, D.W. O Brincar e a Realidde. São Paulo: Ubu Editora, 2019.
• Wittgenstein, L. Culture and Value (trans. P. Winch). Oxford: Basil Blackwell, 1980.