1. --------..< ~---- A Terapia como Construção Social -------- _
J 7
2
O CLIENTE É O ESPECIALISTA:
A ABORDAGEM TERAPÊUTICA
DO NÃO"SABER
Harlene Anderson e Harold Goolishian
Esta é uma questão interessante e complicada. Se uma pessoa
comovocê tivesse achado uma forma de falar comigo quando eu
estava começando a enlouquecer... em todos aqueles meus mo·
mentos de delírio nos quais eu era uma importante figura mili-
tar... Eu sabia que [o delírio] era uma forma de tentar dizer a
mim mesmo que eu era capaz de superar o pânico e o :tmldo...Ao
invés de falarem comigo sobre isso, meus médicos sempre me
faziam o que eu chamo de perguntas condicionais... [Aoque o
terapeuta indagou: "O que são perguntas condicionais?"]
Vocês[osprofissionais] estão sempre me testando ... me testando
para ver se eu sabia o que vocês sabiam, em vez de tentar achar
uma maneira de falar comigo. Vocês perguntavam: "Isso é um
cinzeiro?"para ver se eu sabia ou não. Era comose vocês soubes-
sem e quisessem ver se eu conseguia... aquilo só me deixava mais
apavorado, mais em pânico. Se vocêpudesse ter falado com o"eu"
que sabia como eu estava apavorado. Se vocês tivessem sido ca·
pazes de entender o quanto eu tinha que ser louco para ser forte
o suficiente para lidar comeste medo mortal ... talvez nós pudés~
semos ter controlado aquele general enlouquecido.
Estas são as palavras de um paciente psiquiátrico com uma
história de tratamentos fracassados, um homem de 30 anos, Bill,que
havia sido hospitalizado em diversas ocasiões devido ao que foi diag.
nosticado como esquizofrenia paranóide. Seus aLenclinwntos anterio-
res não tinham tido êxito. Ele se mantinha bravo e d(lClCOnfiado, e tinha
estado incapacitado de trabalhar durante algum tE~[ll[lO, DIJ rante a.
maior parte de sua vida adulta, ele esporadicamente tomoll "rio: I'':, rI"
manutenção" de medicamentos psicoativos. Quando CCJll:cllIl,ll1ip"h
primeira vez um dos autores, ele havia sido mais uma vez clemiLld'l ri,'
um emprego como professor. Mais recentemente, este homem 1,11111:1
melhorado muito, e estava conseguindo se manter empregado. Ele iu
sistia que seu terapeuta atual era diferente dos outros, e de que agora
ele se sentia mais capaz de administrar sua vida. Foi este contexto da
conversaçãoque motivou a pergunta: "O que os seus terapeutas ante-
riores poderiam ter feito que teria sido mais útil para você?"
Nesta conversa, Bill estava se referindo à sua experiência de
terapia da forma como tem sido desenvolvida e praticada pelos autores
e seus colegas no Instituto da Família de Galveston nos últimos 25
anos. Neste período, o pensamento desses profissionais sofreu um im-.
portante afastamento daquelas teorias da Ciência Social que tipica-
mente fundamentam a psicoterapia. As idéias expostas neste capítulo
representam ointeresse atual do grupo em uma abordagem hermenêu-
tica e interpretativa ao entendimento da terapia. Especificamente, será
discutida a posição de "não saber" do terapeuta e sua relevância para
as noções de conversação terapêutica e perguntas conversacionais.
DA ESTRUTURA SOCIAL À CERAÇÃO DE SENTIDO HUMANO
Nas últimas décadas, os progressos da terapia sistêmica esti-
veram voltados para o desenvolvimento de um referendal conceitual
que substituísse o antigo empirismo das teorias sobre a terapia, Estes
progressos conduziram o pensamento em terapia familiar ao que é de-
Inominado cibernética de segunda ordem e, mais recentemente, constru-
[tivismo. Já desde algum tempo, temos concluído (Anderson e Goolishian,
1988, 1989, 1990a) que existem sérias limitações a este paradigma
cibernético enquanto fundamento de práticas terapêuticas. Tais limi-
tes se encontram principalmente :g.as metáforas mecânicas que
embasam a teoria cibernética doQe;dbad;JObservamos que, dentro
desta metáfora, há poucas oportunidades para lidar com a cxpcriilIríJl
,)
2. 7b
Sheila MeNamee e Kenneth J. Gergen A Terapia como Construção Social ----------------------- n
do indivíduo. Também vemos uma utilidade limitada nos modelos
cognitivos e construtivistas, cada vez mais populares, que, em última
fanálise, definem os humanos como simples máquinas de processamento
, de infonnações, em oposição a seres geradores de sentido (Anderson e
~Goolishian,1988, 1990a; Goolishian e Anderson, 1981).
Neste meio tempo, o desenvolvimento de nossas teorias da te~
rapia tem caminhado rapidamente em direção a uma posição mais,
hermenêutica e interpretativa. Esta posição enfatiza os "sentidos" à
medida que eles são criados e vivenciados pelos indivíduos nas conver-
sações. Na busca desta nova base teórica, desenvolvemos um conjunto
de idéias que conduzem nosso entendimento e nossas explicações para
a arena dos!sistemas em movimento'~ que existem somente nos capri-
!chos do discurso, dalinguãge:ii1"eda conversação. É uma posição finna-
da nos domínios da semântica e da narrativa, e que se apóia principal-
mente no princípio de que a ~~!~~E1_:'J[t1aIealidade
-ª§l~~!1di:rp.~~~~_~p~<:la pela construçã.o §~~&l:ldo -ªiálogo (Anderson e
Goolishian, 1985;Anderson et al., 1986a;Anderson e Goolishian, 1988).
Desde este ponto de vista, as pessoas vivem e compreendem seu viver
por meio de realidades narrativas construídas socialmente, que confe-
rem sentido e organização à sua experiência. Este é um mundo de lin-
guagem e discurso humanos. Anteriormente, falamos a respeito destas
idéias, de sistemas de sentido, sob o título de sistemas detenninados
por problemas, sistemas de dissolução e organização de problemas e
sistemas de linguagem (Anderson e Goolishian, 1985; Anderson et al.,
1986a, b; Anderson e Goolishian, 1988; Goolishian e Anderson, 1987).
Nossa posição narrativa atual se apóia em grande. parte nas
seguintes premissas (Anderson e Goolishian, 1988; Goolishian e
Anderson, 1990): .
I Primeira: os sistemas humanos são geradores de linguagem e,
i simultaneamente, geradores de sentido. A comunicação e o discurso
definem a organização social. Um sistema sociocultural é o produto da
comunicação social, e não esta o produto da organização estrutural.
Todos os sistemas humanos são sistemas lingüísticos melhor descritos
por aqueles que participam deles, e não por observadores externos "ob-
jetivos". O sistema terapêutico é um destes sistemas lingüísticos.
Segunda: o sentido e o entendimento são construídos social-
mente. Nós não alcançamos ou possuímos um sentido ou um ent.endi-
mento até realizarmos uma ação comunicativa, ou seja, envolvenno-
nos em algum diálogo ou discurso gerador de sentido dentro do sistema
para o qual esta comunicação é relevante. Um sistema terapêutico é. ----.._~. - .'
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io,i
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um sistema para o qual a comunicação tem uma relevância específica
para seu intercâmbio dialógico.
Terceira: qualquer sistema em terapia é formado dialogica~
mente em torno de algum "problema". Este sistema vai operar na evo-
lução de uma linguagem e de um sentido específicos para si mesmo,
para suas organizações e para sua dissolução em torno do "problema".
Assim, o sistema terapêutico se distingue pelo sentido co-produzido em
evolução, o "problema", ao invés de por uma estrutura social arbitrá-
r ria, como uma família. O sistema terapêutico é um sistema de organi-I
L zação e dissolução de problemas.
Quarta: a terapia é um evento lingüístico que ocorre no que
rchamamos de conversação terapêutica. A conversação, terapêutica éuma busca e uma exploração mútuas pelo diálogo, uma troca de mão
--::; I dupla, um entrecruzamento de idéias no qual novos sentidos estão con-
i tinuamente evoluindo em direção à dissolução de problemas e, portan-
: to, à dissolução do sistema terapêutico de organização e dissolução de
'-problemas. _
Quinta: o papel de um terapeuta é o de um artista da conver-
sação - um arquiteto do processo dialógico - cuja especialidade está.
em facilitar e criar o espaço para uma conversação dialógica. O
(terapeuta é um observador-participante e um facilitador-participante
1 da conversação terapêutica.
Sexta: o terapeuta exercita esta arte pelo uso de perguntas
terapêuticas ou conversacionais. A 2i!};gyll.~?-.j;~r:?tJ?~tltic:.::l.L~~instru-
men!9_pri):n;i:rjopara f?-cilitar o desenvolyi!Il~P:t9_-ª-º_e.sp-ª-ç_o~Yênl-a-
cTõUal~-ªQ..PJ_ocessàdialógico. Para alcançar este objetivo, o terapeuta
exercita sua especialidade de fazer perguntas a partir de uma posição
de "não saber", ao invés de questões baseadas em um método e que
demandem respostas específicas.
~~- Sétima: os problemas com os quais lidamos na terapia são ações
que expressam nossa narrativa humana de uma tal forma que dimi-
nuem nossa sensação de liberdade pessoal e capacidade de ação. Os
. problemas são uma objeção preocupada ou assustada a um estado de"
coisas para o qual somos incapazes de definir ações competéiJ.tes (capa-
cidade de ação) para nós mesmos. Neste sentido, os problemas existem
na linguagem e são próprios do contexto narrativo do qual extraem seu
significado.
Oitava: a~l.!..ª-ªJl.Ç.~.~!!"!.terapi~Jé a criação dialógica de uma
nova narrativa e, portanto, a abertura de oportunidades para novos
meios de ação. O poder transformador da narrativa reside em sua ca-
B
3. ?8 ---------------------Sheila MeNameee KennethJ. Gergen A Terapia como Construção Social --- _ ?9
1
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pacidade de re-relatar os eventos de nossa vida no contexto de novos e
diferentes sentidos. Nós vivemos nas e através das identidades narra-
tivas que desenvolvemos em conversações uns com os outros.Aespecia-
lidade do terapeuta é a habilidade de participar deste processo. Nosso
"seIf' está sempre mudando.
Estas premissas conferem grande ênfase ao papel da lingua-
gem, da conversação, do seIf e da história, na medida em que elas
influenciam nosso trabalho e nossa teoria clínica... Hoje, existe um gran7
de interesse entre os terapeutas em relação a estas questões, num es-
forço contínuo para entender e descrever o trabalho clínico. Há, entre-
tanto, visões muito diferentes. Alguns autores enfatizam a estabilida-
de temporal das narrativas pessoais com que trabalhamos na terapia.
Nós, por outro lado, enfatizamos a base dialógica, em constante mu-
,dança e evolução, da história do self. Ao tomarmos esta posição, vemo-
nos enfatizando a posição de não saber do terapeuta em relação ao
entendimento que se desenvolve pela conversação terapêutica. O con-
ceito de não-saber contrasta com o entendimento baseado em narrati-
_vas teóricas preexistentes.
Não saber requer que nosso entendimento e nossas explica-
ções e interpretações na terapia não sejam limitadas por experiências
anteriores nem por conhecimentos ou verdades formadas teoricamen-
te. Esta descrição da posição de não saber é influenciada pelas teorias
hermenêuticas e interpretativas, assim como pelos conceitos a elas re-
lacionados de construcionismo social, linguagem e narrativa. (Gergen,
1982; Shapiro e Sica, 1984; Shotter e Gergen, 1989; Wachterhauser,
1986). Esta posição hermenêutica representa a teoria e a prática da
.[Interpretação. Fundamentalmente, ela é uma postura filosófica que
"sustenta que o entendimento é sempre fruto da interpretação c. .. ) que
,não existe um ponto de vista privilegiado para o' entendimento"
Wachterhauser, 1986: 399) e que "a linguagem e a históriá sempre são
tanto as condições como os limites do entendimento" (Wachterhauser,
1986: 6). O sentido e sua compreensão são construídos socialmente
pelas pessoas na conversação, no uso da linguagem umas com as ou-
tras. Assim sendo, as ações humanas têm lugar em uma realidade de
entendimento cria~r meio dãêõnstrliCãosõCiãl e do diálogo. EStãS
imEdãaes narratlvãS cõiistruídas socialmentecõnferem senti~ e or-
i, ganização à experiência individual (Gergen, 1982; ;3hotter e Gergen,
1989; Anderson e Goolishian, 1988).
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II
A CONVERSAÇÃO TERAPÊUTICA: UM MODO DlAlÓCICO
O processo de terapia baseado nesta postura, nesta visão
dialógica, é o que chamamos de conversação terapêutica. A conversa-
ção terapêutica se refere a um esforço no qual há uma busca mútua de
entendimento e exploração através do diálogo de "problemas". A tera-
pia e, conseqüentemente, a conversação terapêutica engendram um
processo conjunto. As pessoas falam umas "com" as outras, e não umas
"para" as outras. É um mecanismo pelo qual o terapeuta e o cliente
participam do co-desenvolvimento de novos sentidos, novas realidades
e novas narrativas. O papel, a especialidade e a ênfase do terapeuta
são desenvolver um espaço conversacionallivre e facilitar um processo
dialógico emergente no qual esta "novidade" possa ocorrer. A ênfase
não está em produzir mudanças, mas em abrir espaços para a conver-
sação. Nesta visão hermenêutica, a mudança em terapia ~,!~..Q.-r.esenta-
da pela criaç,ão dialó.~_~~ÃQy.~~ari~tfy_ãS:"'Ã me.qidi.queo.sli:ílc:>go
evolui, a nova narrativ[i,-ª:s "histórias ainda não-contadas", sJ_O-cria-
das mutuamente (Andersori-;;'GÕolishian, 1988)~ÃJnci.C:l~nçaêl.ªhi$tó-
~e da autonarrativ-àd'é UII!~_ÇoD~~9.li.~g~i.~_~!!.e:r~~e_ª.Q._~iál~gg.
Alcançar este tipo especial de conversação terapêutica requer
que o terapeuta' adote uma posição de não-saber. A posiç~o ,d~não-
saber engendra uma atitude geral, ou postura, na quàl- as ações"a-o
~euta comunicam uma curiosidade genuína e abundante. Ou seja,
as ações e atitudes do terapeuta expressam a necessidade de saber
' mais a respeito do que está sendo dito, ao invés de transmitir opiniões
, e expectativas pré-concebidas sobre o cliente, o problema ou o que deve
i ser mudado. O terapeuta, portanto, se coloca de modo a estar sempre
em um estado de "ser informado" pelo cliente (o termo cliente, neste
capítulo, se refere a uma ou mais pessoas). Esta posição de "ser infor-
mado" é crítica para o princípio da teoria hermenêutica de que a cria-
ção dialógica de sentido é sempre um processo contínuo. Não sabendo,
o terapeuta adota uma postura interpretativa que se traduz na análi-
se contínua. da experiência, à medida que esta ocorre no contexto.
i'-' _ O terapeuta não "sabe" a priori qual é a intenção de nenhumaL..ação,e deve confiar na explicação dada pelo cliente. Aprendendo movi-
do pela curiosidade e levando a sério a his.tória..do..cliente, o terapeuta
se une a ele em uma expíoração mútua de seu entendimento e de sua
experiência. Desta forma, oprocesso de interpretação, o esforço de com-
preender em terapia, torna~se colaborativo. Esta posição permite ao
terapeuta manter sempre uma continuidade com a posição do cliente,
LI
--
4. 40 Sheila McNamee e Kenneth J. Gergen A 'Ierapia como C~pstrução Social ------ _ 41
----.•..
e atribuir uma importância primária à sua visão de mundo, SellSsenti-
dos e entendimentos. Isto dá aos clientes espaço para o movimento
conversacional, uma vez que eles não têm mais que promover, proteger
. ou convencer o terapeuta de seus pontos de vista. Este relaxamento,
este processo de libertação, é similar a uma noção atribuída a Bateson:
especificamente, para que possam surgir novas idéias, deve haver es-
paço para o conhecido. Isto não significa que oterapeuta desenvolva ou
- ofereça as novas idéias ou os novos sentidos. Eles emergem do diálogo
,entre ele e o cliente e, portanto, são co-criados. O terapeuta simples-
mente se torna parte do círculo de sentido, ou círculo hermenêutico
(para uma discussão do círculo de sentido ou círculo hermenêutico, ver
Wachterhauser, 1986, pp. 23-4, Warnke, 1987, pp. 83-7).
Em terapia, o termo círculo hermenêutico, ou círculo de senti-
do, se refere ao processo dialógico pelo qual a interpretação inicia com
as pré-concepções do terapeuta. Este sempre adentra a arena terapêu-
tica com expectativas a respeito das questões a serem discutidas, que
se baseiam em experiências prévias e em informações de referência. A
terapia sempre começa com uma questão baseada neste sentido já cria-
do. O sentido que emerge na terapia é entendido a partir deste todo (as
pré-concepções do terapeuta), mas este todo, por sua vez, é entendido
desde as partes emergentes (a história do cliente). O terapeuta e o
cliente se movimentam dentro deste círculo de sentido. Eles se deslo-
cam da parte para o todo, e de volta à parte, permanecendo dentro do
círculo. Neste processo, um novo sentido emerge tanto para o cliente
como para o terapeuta.
r Não saber é não fazer um julgamento infundado ou inexperien-
! te, mas se refere de maneira mais ampla ao conjunto de suposições, os
'--sentidos que o terapeuta traz para a entrevista clí:q.ica.O estímulo
para o terapeuta está em aprender a singularidade da verdade narra-
tiva de cada cliente, as verdades coerentes em suas vidas estoriadas.
Isto significa que os terapeutas serão sempre prejudicados por sua ex-
periência, mas que devem escutar os clientes de maneira que esta não
os feche para atotalidad~ do sentido 'das descrições de suas vivências.
Isso só poderá acontecer se o terapfmta abordar cada experiência clíni-
ca desde a posição de não saber. Agir de outra forma é buscar regulari-
dades e sentidos comuns, que podem validar a teoria do terapeuta,
mas invalidam a singularidade das histórias dos clientes, e, logo, sua
_própria identidade.
O desenvolvimento de novos sentidos precisa do frescor e da
novidade, do não saber a respeito do que se está prestes a ouvir. Isto
requer que o terapeuta tenha uma grande capacidade de estar atento
simultaneamente à conversação interna e a externa. Gadamer afir-
mou:
Uma pessoa que tenta compreender um texto está preparada
para que ele lhe diga alguma coisa. Assim deve ser desde o
início a mente treinada hermeneuticamente, sensível à quali-
dade de novidade do texto. Mas este tipo de sensibilidade não
envolve nem uma "neutralidade" em relação ao objeto nem a
extinção do sel{, mas a assimilação consciente do viés indivi-
dual, de modo que o texto possa apresentar-se em toda a sua
novidade e, assim, possa afirmar sua própria verdade contra
os sentidos pré-concebidos do leitor. (1975, p. 238)
r .'
J Interpretar e compreender, logo, são sempre um diálogo entre
)o terapeuta e o cliente, e não o resultado das narrativas teóricas pré-
'determinadas que são essenciais para omundo de sentidos do terapeuta.
Entre as muitas narrativas derivadas socialmente que ope-
ram na organização do comportamento, as mais importantes são aque- .
Ias que contêm em si os elementos articulados como autodescrições, ou
onarrativas em primeira pessoa. O desenvolvimento destas narrativas
.,de autodefinição acontece em um contexto social e local, envolveMo a
rO"jo'<;l?'W""nversaçãocom outros significativos, incluindo o próprio sujeito, ou,'I'" .~. seja, as pessoas vivem nas e através das identidades narrativas que
O'C ,o::-desenvolvem em conversações umas com as outras. Os indivíduos deri-
"/' vam sua percepção de que são capazes de agir socialmente destas nar-
'7 rativas dialógicas. As.narrativas permitem (ou inibem) uma percepção
pessoal de liberdade ou de competência para ser compreendido e para
agir (capacidade de ação). Os "problemas" tratados em terapia podem
ser entendidos como resultantes de autodefinições e narrativas sociais
que não produzem uma capacidade de ação efetiva para as tarefas
implícitas em suas autonarrativas.A terapia proporciona uma oportu-
nidade para o desenvolvimento de novas e diferentes narrativas, que
permitem uma gama maior de meios alternativos de ação para a disso-
lução dos "problemas". A construção desta nova capacidade de ação
narrativa é o que é vivenciado comolibertação por aqueles que atribuem
êxito às suas terapias.
Ao mesmo tempo, esta libertação requer um afastamento do
conceito tradicional da separação entr.e terapeuta e cliente. Entende-
mos que amb9s estão juntos em um sistema que E'.V"oluino curso da
.~
5. 42 ----------------------Sheila MeNameee KennethJ. Gergen A Terapia como Construção Social -------------- _ 47
conversação terapêutica, e que os sentidos passam a ser uma função
i'do relacionamento entre eles. Nesta perspectiva, entende-se que os
" sentidos do cliente e do terapeuta se afetam mutuamente, e passam a
.ser um subproduto desta mutualidade. Cliente e terapeuta dependem
Cda criação constante de novos entendimentos. Como resultado, eles
geram um sentido compartilhado dialogicamente, que existe apenas
momentaneamente na conversação terapêutica, a qual continua a
mudar ao longo do tempo.
PERGUNTAS CONVERSACIONAIS: EM DIREÇÃO AO ENTENDIMENTO
Tradicionalmente, as perguntas em terapia são influenciadas
pelo conhecimento do terapeuta, que reflete um entendimento teórico
e um conhecimento dos fenômenos psicológicos e do comportamento
humano. Ou seja, o terapeuta explica (diagnostica) e intervém (trata)
no fenômeno ou comportamento a partir deste conhecimento prévio,
desta teoria generalizada. Ao fazerem isso, os terapeutas enfatizam (e
protegem) sua própria coerência narrativa, ao invés da dos clientes.
Esta posição de saber é similar ao que Bruner (1984) distingue como
uma "postura paradigmática" em oposição a uma "postura narrativa".
Na postura paradigmática, aquele que interpreta se concentra em ex-
plicações que enfatizam um entendimento denotativo, categorias ge-
rais e regras mais amplas. Por exemplo, o uso de conceitos como o de
"id", "superego" ou "funcionalidade do sintoma" são o tipo de categoria
ampla freqüentemente desenvolvida no processo do entendimento te-
rapêutico. Formular perguntas desde uma posição de saber se encaixa na
postura paradigmática de Bruner porque a resposta fica limitada à pers-
pectiva teórica preexistente do terapeuta. Em contraste~ a posição de não
saber - similar à "postura narrativa" - sugere um tipo diferente de co-
nhecimento, limitado ao processo da terapia mais do que ao conteúdo (di-
agnóstico) e à mudança (tratamento) de estruturas patológicas.
i A L!.er[Unt~erapêutica ou conversacional é a ferramenta pri-
-",. mária usada pelo terapeutã para expressar este conhecimento. Ela é o
meio pelo qual ele se mantém no caminho do entendimento. As pergun-
tas terapêuticas sempre se originam de uma necessidade de saber mais
sobre o que foi dito. Desse modo, o terapeuta está s~mpre sendo infor-
mado pelas histórias do cliente, e está sempre aprendendo nova.s lin-
guagens e novas narrativas. Perguntas explicitamente guiadas por uma
metodologia põem em risco a possibilidade de o terapeuta ser conduzi-
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do pelos clientes para dentró de seus mundos.Abase do questionamento
terapêutico _~ª-º-é simplesmente interrogar o cliente"Ou:Spletar infor-
mações para valiclar oufundamentar hipóteses. Ao contrário,seu·obje-
tivo é permitir que o cliente coloqueopróprio entendimento do terapeuta
em questão.
Neste sentido hermenêutico, durante o processo de psicoterapia,
o terapeuta não está aplicando um método de questionamento, mas
sim ajustando continuamente seu entendimento ao de outra pessoa.
Logo, ele está sempre em processo de entendimento, sempre indo em
direção ao entendimento e sempre mudando. As perguntas geradas
pelo não-saber refletem esta posição do profissional e este processo te-
rapêutico. Desta forma, o terapeuta não domina o cliente com conheci-
rmentos psicológicos especializados, mas é conduzido e aprende com o conhecimento do cliente. Sua tarefa, portanto, não é a de analisar, mas
a de tentar entender, entender desde a perspectiva mutante da experiên-
u;ia de vida do cliente. O objetivo do entendimento hermenêutico é ser
conduzido pelo i;n6ínenn. As palavras de Bill no início deste capítulo
soam como um pran.tõPor este tipo de entendimento.
SENTIDO LOCAL E DIÁLOCO LOCAL
O processo das perguntas geradas desde a posição de não sa-
ber resulta no desenvolvimento de um entendimento construído local-
mente (dialogicamente) e de um vocabulário local (dialógico). O termo
local se refere ao vocabulário, ao sentido e ao entendimento desenvol-
vidos entre pessoas em diálogo, mais do que a considerações culturais
amplamente aceitas. É atr-ª.vés do~ten~i!!1eIltp loc.ªL.q),1~:Lconferimos
um sentido íntimo a le~branças, ll,ªI.ç-ªllcõese histórias. Através deste
processo, o espaço para a continuidade das novas narrativas e novas
histórias - e, conseqüentemente, novos futuros - permanece aberto.
A questão do sentido e do vocabulário locais é importante por-
que parece haver uma gama de experiências e uma forma de vivenciá-
Ias suficientemente diferente de indivíduo para indivíduo, que vaiva-
riar de terapia a terapia. Garfinkel (1967) e Shotter (1990) argumen-
tam que, em qualquer conversação, os participantes vão se recusar a
compreender o que for dito de outro modo que não aquele dentro das
regras de sentido que foram negociadas no contexto da própria troca
dialógica imediata. O sentido e o entendimento são, segundo Garfinkel, "
sempre uma questão de negociação entre os participantes. A lingua-
ç,
6. 44 ----------------------Sheila MeNameeeKennethJ. Gergen
!i
j A Terapia como Construção Social ---------- _ 45
gem paradigmática tradicional das teorias psicológicas e familiares
gerais nunca poderá ser suficiente para explicar ou compreender o sen-
tido derivado localmente. Tentar entender as experiências em primei-
ra pessoa com as quais se lida em terapia através do uso de modelos
psicológicos e familiares gerais, bem comodos vocabulários a eles associ-
ados, leva a úma redução a conceitos teóricos estereotipados. Ao usarem
estes conceitos, estes pré-conhecimentos, para compreender as narrativas
dos clientes, os terapeutas comfreqüência perdem o contato com os senti~
dos desenvolvidoslocalmente, e podeminibir suas narrativas. O terapeuta,
portanto, passa a ser um especialista em fazer perguntas a respeito das
histórias contadas na terapia e relacionadas aos motivos da consulta (por
exemplo, o problema relatado). Isto requer que ele se mantenha atento ao
desenvolvimento das narrativas e metáforas específicas do problema, e as
compreenda dentro da linguagem do cliente.
o QUE NÃO SÃO AS PERCUNTAS TERAPÊUTICAS
As perguntas terapêuticas formuladas a partir de uma posi-
ção de não-saber são, em muitos aspectos, similares às questões ditas
socráticas. Elas não são perguntas retóricas ou pedagógicas. As per-
guntas retóricas suprem sua própria resposta; as pedagógicas indicam
a direção da resposta. As perguntas da terapia tradicional são geral-
mente desta natureza, ou seja, elas com freqüência indicam uma dire-
ção (a realidade correta), e dão ao cliente uma deixa para que ele al-
cance a resposta "correta".
Em contraste, as perguntas geradas pelo não-saber trazem à
luz algo desconhecido e inédito no universo das possibilidades .•.:s per-
guntas terapêuticas são impulsionadas por diferenças de entendimen-
to, e extraídas do futuro pela possibilidade ainda não realizada de um
entendimento comum. Ao formular suas perguntas desde esta posição,
o terapeuta é capaz de mexer com o "ainda não dito" (Anderson e
Goolishian, 1988). As perguntas terapêuticas também implicam na
possibilidade de muitas respostas. A conversação em terapia é o desdo-
bramento destas possibilidades "ainda não ditas", destas narrativas
,"ainda não ditas". Este processo acelera a evolução de novas realida-
des pessoais e de uma nova capacidade de ação, que, emergem do de-
senvolvimento de novas narrativas. Os novos sentidos e, conseqüepte-
mente, a nova possibilidade de ação, são vivenciados como uma mu-
,,--ªança da organização pessoal e social.
)
"í
"
ilji1,1
.,
ti
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Exemplo de Caso: "Há quanto tempo você tem esta doença?"
Um colega psiquiatra, muito frustrado, requisitou uma con-
sulta para um caso impenetrável- um homem de 40 anos que croni-
camente achava que tinha uma doença contagiosa e estava perpetua-
mente infeetando outras pessoas, e mesmo matando-as, com ela. Múl-
tiplas consultas médicas e psicológicas não tinham conseguido aliviar
o homem de sua convicção e de seu medo desta doença infecciosa. Em-
bora ele relatasse dificuldades em seu casamento (sua esposa não o
compreendia) e sua incapacidade para trabalhar, sua preocupação pri-
mária era com a doença e o alastramento da contaminação. Ele estava
apavorado e perturbado, e não conseguia ficar em paz em decorrência
dos danos e da destruição que sabia estar espalhando. No início de sua
história, torcendo as mãos, ele mencionou estar com uma doença con-
tagiosa. O terapeuta (Goolishian) .perguntou-Ihe: "Há quanto tempo
você tem esta doença?" Atônito, e após uma longa pausa, o homem
começou a contar a história. Tudo começou, disse ele, quando estava
na Marinha Mercante e teve uma relação sexual com uma prostituta
na Ásia. Após este contato, recordando as palestras sobre doenças se-
xualmente transmissíveis dadas à tripulação de seu navio, ficou com
medo de que sua luxúria o tivesse exposto a uma destas terríveis doen-
ças sexuais, e que ele precisasse de tratamento. Em pânico, ele foi a
uma clínica local, onde explicou sua situação a uma enfermeira que
era de uma ordem religiosa. Ela o mandou embora, dizendo que lá eles
não tratavam pervertidos sexuais, e que ele precisava de confissão e de
Deus, não de remédios. Por um longo tempo após este episódio, enver-
gonhado e culpado, guardou suas preocupações para si mesmo e não as
confidenciou a ninguém.
Quando voltou para casa, ele ainda estava com medo de haver
contraído alguma doença, mas não conseguia conversar com ninguém
a respeito disso. Ele ia a várias clínicas médicas, pedia um exame físico
e ouvia em todas elas que estava em excelente forma. Estes vereditos
negativos o convenceram de que sua doença era ainda pior, pois era
desconhecida da ciência médica. À medida que sua preocupação cres-
cia, ele pâ§sou a crer que sua doença era contagiosa, e que estava con-
taminando outraspessoas. Isso se tornou um tal problema que, final-
mente, ele se deu conta de que estava infectando os outros indireta~
mente, como, por exemplo, através da televisão ou do rádio. Ele conti-
nuava a procurar médicos, mas os exames físicos e laboratoriais eram
sempre negativos. Nesta época, ele começou a ouvir que ele não ape-
nas não tinha uma doença física, como tinha um problema mental, e
~
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foi encaminhado em diversas ocasiões para consultas psiquiátricas. Com
o passar do tempo, ele se convenceu de que ninguém compreendia a
gravidade de sua contaminação, a extensão de sua doença, nem a des-
truição que ele estava causando.
À medida que o terapeuta continuava a demonstrar interesse
em seu dilema, o homem foi ficando mais relaxado. Com alguma ani-
mação, ele elaborou sua história e embarcou na curiosidade do
terapeuta. Este não recolheu simplesmente uma história ou eventos
de um passado estático, mas manteve sua curiosidade a respeito da
realidade do homem (sua doença e o problema da contaminação). A
intenção não era contestar sua realidade ou sua história, mas conhecê-
Ia e permitir que ela fosse recontada de uma forma que facilitasse a
emergência de novos sentidos e novas narrativas. Em outras palavras,
a intenção do terapeuta não era manipular ou convencer o homem a
abandonar suas idéias, e, sim, através do não-saber (não-negar e não-
julgar), proporcionar um ponto de partida para o diálogo e a abertura
do espaço conversacional.
Os colegas que assistiram ao processo de entrevista fizeram
muitas criticas a esta posição colaborativa e a perguntas como: "Há
quanto tempo você tem esta doença?" Eles temiam que elas poderiam
ter o efeito de reforçar o "delírio hipocondríaco" do paciente. Muitos
sugeriram que uma pergunta mais segura teria sido: "Há quanto tem-
po você acha que tem esta doença?"
A posição de não saber, entretanto, exclui a idéia de que a
história do cliente era delirante. Ele dizia que estava doente e, portan-
/;0, era preciso ouvir mais, aprender mais sobre sua doença, e conver-
:.;ardentro desta realidade de linguagem. Ser sensível e tentar compre-
(mder sua realidade era um passo essencial em um processo contínuo
('In direção ao estabelecimento e a manutenção de 'um diálogo. Era
critico que o terapeuta permanecesse dentro das regras de sentido de-
:,envolvidas na conversação local, e que compreendesse e falasse a lin-
,'~llageme o vocabulário do cliente. Isto não é o mesmo que justificar e
n~ificar a realidade de outra pessoa. É uma con"versação gue se move
dpntro do sentido daquilo que foi ditó: Ela se move com a verdade nar-
rativa da história do cliente, ao invés de contestá-Ia, e se mantém den-
tro do sistema de sentido negociado e desenvolvido localmente.
Formular uma pergunta mais segura, como.:"Há quanto tem-
po você acha que tem esta doença?" teria servido somente para i:mpora
v it,ão pré-determinada ou "paradigmática" de que a doença era um
produto da imaginação do paciente, um delírio ou uma distorção que
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metodologia põem em risco a POSSlOl.lJ.uau,," ~~ ~ ----,
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precisava ser corrigida. Em resposta a uma tal pergunta, o homem
teria sido levado a operar desde suas próprias idéias e expectativas
pré-concebidas a respeito do terapeuta. Muito provavelmente, ele teria
novamente se sentido incompreendido e alienado, e o terapeuta seria
apenas mais um no rol de profissionais que não acreditaram nele e lhe
fizeram perguntas "condicionais". A incompreensão e a alienação são
ingredientes que fecham o diálogo, ao invés de abri-Ia.
Ao sair desta entrevista, o paciente foi indagado pelo psiquia-
tra que o havia encaminhado, e que estivera observando os trabalhos,
sobre como havia sido a sessão. Sua resposta imediata foi: "Sabe, ele
acreditou em mim!" Em um encontro de acompanhamento, o psiquia-
tra descreveu o efeito duradouro que aquela entrevista tinha tido so-
bre ele e sobre o cliente. Ele relatou que as sessões de terapia pareciam
mais fáceis, e que a situação de vida do homem estava muito melhor.
De alguma forma, disse ele, o fato deste homem estar ou não infectado
não estava mais em questão. Ele estava agora lidando com os proble-
mas de seu casamento e do desemprego, e tinha havido até mesmo
algumas sessões conjuntas com sua esposa. O não-saber do terapeuta
abriu um ponto de partida, uma possibilidade de troca dialógica entre
ele e o cliente, entre o cliente e o psiquiatra e entre o psiquiatra e ele.
Isto não quer dizer que as perguntas do terapeuta produziram
uma cura milagrosa, nem que qualquer outra pergunta teria aumen-
I'-tado o impasse terapêutico. Nenhuma pergunta ou intervenção mági- ca pode influenciar sozinha o desenvolvimento de uma vida, e nenhu-
I ma pergunta única pode abrir um espaço dialógico. A pergunta em si
! não causa uma mudança de sentido, osurgimento ou não de uma nova
i_idéia, mas sim cada pergunta é um elemento de um processo globaL
A tarefa central do terapeuta é encontrar a pergunta para a
qual o relato imediato da experiência e da narrativa apresentem uma
resposta. Tais perguntas não podem ser pré-planejadas ou pré-conhe-
cidas. O que recém foi contado, o que recém foi recontado, é a resposta
para a qual o terapeuta deve encontrar uma pergunta. O desenvolvi-
mento da narrativa terapêutica está sempre apresentando a próxima
pergunta ao terapeuta. A partir desta perspectiva, as perggnt~s __em
terapia são sempre @iada~2elo evento conversacio_JJ.~U~~ªªto-'-Não
s~ que a experiência e o entendimento acumulados de cada
terapeuta estão sempre sofrendo mudanças interpretati'vas. É neste
processo contínuo e local de perguntas e respostas que um entendi-
mento ou uma narrativa em particular passam a ser um ponto de par-
tida para o novo e o "ainda não dito".
..-'
8. 48 ---------------------Sheila McNameeeKennethJ. Gergen ATerapia cornoConstruçãoSocial ----------- -'- _ 49
RESUMO
A conversação e as perguntas terapêuticas produzidas pela
posição de não-saber se tornam um esforço colaborativo para gerar no-
vos sentidos baseados na história lingüística e explicativa do cliente, à
medida que sua história é continuamente recontada e elaborada atra-
vés do diálogo terapêutica. Este tipo de troca dialógica facilita a mu-
dança das narrativas em primeira pessoa, que é tão necessária para a
mudança em terapia. Novos futuros resultam do desenvolvimento de
narrativas que conferem novos sentidos e entendimentos à vida de uma
pessoa, e lhe possibilitam novos meios de ação. Em terapia, isto é mais
facilmente alcançado através de perguntas nascidas de uma curiosida-
de genuína em relação àquilo que é "não sabido" no que foi dito.
Contar a história de um indivíduo é uma reapresentação da
experiência; é a reconstrução da história no presente. Areapresentação
reflete a redescrição e a reexplicação da experiência daquele que conta
em resposta ao que é não sabido pelo terapeuta. Eles evoluem juntos e
se influenciam mutuamente, bem como à experiência e, conseqüente-
mente, a reapresentação da experiência. Isto não significa que, no cur-
so da terapia, os terapeutas simplesmente narrem o que já é sabido.
Eles não recuperam uma história ou um quadro idêntico. Ao contrário,
eles exploram os recursos do "ainda não dito". As pessoas têm uma
memória imaginativa, e os relatos do passado são recuperados de uma
tal forma que o·poder de inúmeras novas possibilidades é evocado e,
assim, novas ficções e novas histórias são criadas. Aimaginação é cons-
tituída no poder criador da linguagem pelo processo ativo da conversa-
ção, a busca pelo "ainda não dito".
Na terapia, a interpretação, a busca do entendimento, é sem-
pre um diálogo entre o cliente e o terapeuta. Ela não e o resultado de
narrativas teóricas pré-determinadas, essenciais para omundo de sen-
tidos do terapeuta. Na tentativa de entender o cliente, deve-se supor
que ele tem algo a dizer, e que este algo tem um sentido narrativo,
afirma sua própria verdade, dentro do contexto da história do cliente.
A resposta do terapeuta ao sentido da história do cliente e seus ele-
mentos está em contradição com a posição tradicional em terapia, que
é responder ao que não faz sentido, à patolõgia presente no que foi dito.
Neste processo, o novo entendimento narrativo, construído em co-au-
toria, deve estar na linguagem comum do cliente. Uma convers,ação
terapêutica não é mais do que uma história de vida individual, concre-
ta, detalhada e em lenta evolução, estimulada pela posição de não-
saber e pela curiosidade do terapeuta. São esta curiosidade e este não-
saber que abrem o espaço conversacional e, assim, aumentamo poten-
cial do desenvolvimento narrativo de novos meios de ação e liberdade
pessoal.
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