Rilke oferece conselhos a um jovem poeta em uma série de cartas. Ele enfatiza a importância de olhar para dentro de si mesmo, explorar as profundezas da alma, e deixar que as respostas surjam naturalmente ao longo do tempo. A paciência, a solidão e a coragem em enfrentar o desconhecido são essenciais no caminho de um artista.
1. Locimar Massalai – Excertos
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. 18ª ed. São Paulo: Globo,
1992.
[...] O Rilke dessas cartas é como um intermediário de mistérios, uma espécie
de oráculo, que se consulta e em quem se crê. Prefácio
As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos
pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre
num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. (21)
[...] O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer
neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, - ninguém. Não há senão
um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda
escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua
alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? (22).
[...] relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé
em qualquer beleza – relate tudo isto com íntima e humilde sinceridade. Utilize,
para se exprimir, as coisas de seu ambiente, as imagens de seus sonhos e os
objetos de suas lembranças. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre,
não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para
extrair suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar
mesquinho e indiferente. (23)
[...] Não lhe posso dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as
profundidades de onde jorra a sua vida; na fonte desta é que encontrará a
resposta à questão de saber se deve criar. (24)
Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e sua grandeza, sem
nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com
efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em sie nessa
natureza a que se aliou. (25)
Nada a poderia perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora
respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa
responder na hora mais silenciosa. (25)
Com efeito, em última análise, é precisamente nas coisas mais profundas e
importantes que estamos indizivelmente sós. (27)
[...] Quanto mais leio, mais tenho a impressão de que tudo está aí dentro, do
perfume mais discreto da vida ao sabor pleno e forte de seus frutos mais
pesados. (30)
[...] o menos acontecimento desdobra-se com um destino. O próprio destino é
como um amplo e admirável tecido em que dedos de infinita ternura conduzem
cada fio, colocando-o entre os demais, fixando-o a cem outros que o sustentam.
(30)
2. Locimar Massalai – Excertos
Mesmo que se engane, o desenvolvimento natural de sua vida interior há de
conduzi-lo devagar, e com o tempo, a outra compreensão. Deixe a seus
julgamentos sua própria e silenciosa evolução sem a perturbar; como qualquer
progresso, ela deve vir do âmago do seu ser e não pode ser reprimida ou
acelerada por coisa alguma. (32)
Deixar amadurecer inteiramente, no âmago de si, nas trevas do indizível e do
inconsciente, do inacessível a seu próprio intelecto, cada impressão e cada
germe de sentimento e aguardar com profunda humildade e paciência a hora do
parto de uma nova claridade: só isto é viver artisticamente na compreensão e na
criação. (32)
[...] amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva e enfrenta tranquila
as tempestades da primavera, sem medo de que depois dela não venha nenhum
verão. O verão há de vir. Mas virá só para os pacientes, que aguardam num
grande silêncio intrépido, como se diante deles estivesse a eternidade. Aprendo-
o diariamente, no meio de dores a que sou agradecido: a paciência é tudo. (33)
Mesmo os melhores se enganam no uso das palavras quando estas têm de
significar o que há de mais discreto, de quase indizível. (37)
[...] lhe rogo, como melhor posso, ter paciência com tudo o que há para resolver
em seu coração e procurar amar as próprias perguntas como quartos fechados
ou livros escritos num idioma muito estrangeiro. Não busque por enquanto
respostas que não lhe podem ser dadas, porque não as poderia viver. Pois trata-
se precisamente de viver tudo. Viva por enquanto as perguntas. Talvez depois,
aos poucos, sem que o perceba, num dia longínquo, consiga viver a resposta.
(41)
Sabemos pouca coisa, mas que temos de nos agarrar ao difícil é uma certeza
que não nos abandonará. É bom estar só, porque a solidão é difícil. O fato de
uma coisa ser difícil deve ser um motivo a mais para que seja feita. (55)
[...], mas a aprendizagem é sempre uma longa clausura. (56)
[...], mas quão melhor é admitir que se é só, e mesmo partir daí. (65)
Temos de aceitar a nossa existência em toda a plenitude possível; tudo, inclusive
o inaudito, deve ficar possível dentro dela. No fundo, só essa coragem nos é
exigida: a de sermos corajosos em face do estranho, do maravilhoso e do
inexplicável que se nos pode defrontar. Por se terem os homens revelado
covardes neste sentido, foi a vida prejudicada imensamente. (66)
Não é apenas a preguiça que faz as relações humanas se repetirem numa tão
indizível monotonia em cada caso; é também o modo de algum acontecimento
novo, incalculável, frente ao qual não nos sentimos bastante fortes. Somente
quem está preparado para tudo, quem não exclui nada, nem mesmo o mais
enigmático, poderá viver sua relação com outrem como algo de vivo e ir até o
fundo de sua própria existência. (67)
3. Locimar Massalai – Excertos
Não temos motivos de desconfiar de nosso mundo, pois ele não nos é hostil.
Havendo nele espantos, são os nossos; abismos, eles nos pertencem; perigos,
devemos procurar amá-los. (67)
Talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas que aguardam apenas
o momento de nos ver um dia belos e corajosos. Talvez todo horror em última
análise, não passe de um desamparo que implora o nosso auxílio. (68)
[...] desejo que encontre bastante paciência em si para suportar e bastante
simplicidade para crer; que confie cada vez mais no que é difícil, entre outras
coisas na sua solidão. No restante, deixe a vida acontecer. Acredite-me: a vida
tem razão em todos os casos. (72)
Imenso dever ser o silêncio em que há lugar par tais ruídos e movimentos. (74)