Este documento é um despacho de um agravo de instrumento interposto pela Prefeitura Municipal de Mauá contra uma decisão que concedeu liminar em um mandado de segurança impetrado por uma empresa. O relator concedeu efeito suspensivo à liminar, afastando os argumentos utilizados pelo juiz de primeiro grau e entendendo ser razoável a exigência municipal de fornecimento de equipamentos de proteção aos funcionários em meio à pandemia.
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1. PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
DESPACHO
Agravo de Instrumento Processo nº 2078785-44.2020.8.26.0000
Relator(a): ALIENDE RIBEIRO
Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público
AGRAVANTE: PREFEITURA MUNICIPAL DE MAUÁ
AGRAVADA: LOURENCINI COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA.
INTERESSADO: ÁTILA CÉSAR MONTEIRO JACOMUSSI
Juíza de 1ª Instância: Julia Gonçalves Cardoso
Vistos.
Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de
decisão que, em mandado de segurança, deferiu pedido de liminar que pretendia determinar
à Prefeitura Municipal de Mauá, ora agravante, que se abstivesse de aplicar à agravada as
penalidades previstas no artigo 7º-C do Decreto Municipal nº 8.670/20 em razão da não
disponibilização de equipamentos de proteção individual (máscaras e luvas) a seus
empregados.
Narra a requerente que o Decreto Municipal nº 8.670/20, por
meio do qual foi decretado estado de calamidade pública no Município de Mauá em razão
da pandemia do vírus SARS-CoV-2, prevê que os estabelecimentos que desenvolvam
atividades essenciais devem disponibilizar equipamentos de proteção individual (máscaras,
luvas e álcool gel) a seus empregados, sob pena de aplicação das sanções previstas no
artigo 7º-C desse mesmo diploma. Em face disso, impetrou a ora agravada o mandado de
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segurança de que tirada a decisão ora recorrida. A agravante ressalta que a concessão da
liminar não se deu em função do acolhimento das afirmações trazidas com a petição inicial,
mas com fundamento na ausência de razoabilidade da previsão normativa municipal, na
comprovação de dificuldade para a obtenção dos equipamentos em questão e da existência
de precedente favorável quanto ao tema (Mandado de Segurança nº
1002323-86.2020.8.26.0348). Visa ao provimento sob argumento de que este E. Tribunal
de Justiça já se manifestou em sentido contrário à pretensão ora analisada (Agravo de
Instrumento nº 2075512-57.2020.8.26.0000). Aponta para o fato de que o ato normativo
municipal está lastreado na declaração de emergência em saúde pública de importância
internacional da Organização Mundial da Saúde (posteriormente convertida em declaração
de pandemia) e em recomendação conjunta que levou à instauração do Inquérito Civil
Público nº 14.0334.0000335/2020-1 do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Ressaltou, ainda, que o C. Supremo Tribunal Federal já reconheceu a competência dos
Estados e Municípios para tratar de regras de natureza sanitária para a contenção da
pandemia (ADPF nº 672). Requer a antecipação da tutela recursal para que sejam
suspensos os efeitos da decisão recorrida.
A antecipação da tutela recursal e a concessão de efeito
suspensivo ao agravo de instrumento, dispostas no art. 1.019, I do CPC/15, dependem da
conjugação dos requisitos de concessão da tutela de urgência (artigos 300 a 302), quais
sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo,
observando-se não haver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Esta análise preliminar revela a presença dos requisitos
necessários para o deferimento do pedido liminar recursal.
Conforme se verifica da decisão recorrida (f. 404/414 dos
autos principais), a concessão da liminar se deu a partir da afirmação de que não haveria
“ao que consta, demonstração da razoabilidade da previsão normativa municipal -
razoabilidade esta atrelada, em primeiro lugar, à necessidade de embasamento técnico e
científico para que se pudesse obrigar os estabelecimentos comerciais ainda em
funcionamento a fornecerem a seus empregados máscaras e luvas e, em segundo lugar, à
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análise quanto à atual viabilidade de cumprimento de tal exigência, à vista da crescente e
mundial escassez de tais equipamentos” (f. 409).
O que se verifica, no entanto, é que referida constatação tem
como um de seus pressupostos posicionamento técnico-científico que, inicialmente
adotado pela própria Organização Mundial da Saúde, que não indicava a utilização de
máscaras pela população em geral, passou por recente revisão. Nesse sentido, ressalte-se
recomendação publicada em 08/04/2020 no site da Organização Pan-Americana da Saúde,
entidade que atua como escritório regional da OMS para as Américas e que integra a
Organização dos Estados Americanos e a Organização das Nações Unidas:
“A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou na noite desta
segunda-feira (6) um guia atualizado com orientações sobre a utilização de
máscaras no contexto da COVID-19, inclusive para países e territórios que
avaliam recomendar ou já recomendam o uso por pessoas sem sintomas. O
organismo internacional também voltou a reforçar que as máscaras cirúrgicas
e respiradores, como N95, devem ser priorizadas para profissionais de saúde.
De acordo com o guia técnico provisório, intitulado “Advice on the use
of masks in the context of COVID-19” [Recomendação quanto ao uso de
máscaras no contexto do COVID-19], os tomadores de decisão nos países e
territórios devem considerar o nível de vulnerabilidade de seus grupos
populacionais. Por exemplo, pessoas idosas e com comorbidades como
doença cardiovascular e diabetes mellitus podem ter mais chances de
desenvolver uma doença grave ou morrer.
Outra orientação é levar em conta o cenário em que a população vive em
termos de densidade populacional, de risco de propagação rápida (por
exemplo, ambientes fechados, comunidades carentes, acampamentos) e de
capacidade de adotar o distanciamento físico (por exemplo, em um ônibus). Da
mesma forma, há que se considerar se a pessoa trabalha em contato próximo
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com o público (por exemplo, agente comunitário, caixa de supermercado) e
qual o risco de exposição ao vírus, entre outros fatores.
O guia também ressalta que pode haver vantagens e desvantagens no uso
da máscara por pessoas sem sintomas. Entre os riscos potenciais estão a auto-
contaminação, que pode ocorrer quando a pessoa toca e reutiliza uma
máscara contaminada; possíveis dificuldades respiratórias; falsa sensação de
segurança, levando a potencialmente menos adesão a outras medidas
preventivas, como distanciamento físico e higiene das mãos; entre outros. Uma
das possíveis vantagens apontadas é a redução do risco potencial de
transmissão de uma pessoa que foi infectada e está no período pré-sintomático
(antes do aparecimento de sintomas como tosse seca e febre).
Qualquer que seja a abordagem adotada por autoridades nacionais e
subnacionais, é importante desenvolver uma forte estratégia de comunicação
para explicar à população as circunstâncias, critérios e razões da decisão. As
pessoas devem receber instruções claras sobre quais máscaras usar, quando e
como”1.
De modo que cabe às autoridades locais avaliar e determinar
as medidas que considere necessárias à proteção das comunidades inseridas em suas áreas
de atuação o que se dá caso a caso a partir do exercício do juízo de oportunidade e
conveniência.
Essa circunstância foi recentemente analisada por este E.
Tribunal de Justiça por ocasião da análise do pedido de efeito suspensivo formulado no
Agravo de Instrumento nº 2075512-57.2020.8.26.0348, mencionado pela agravante em sua
minuta e tirado de decisão proferida pela 4ª Vara Cível da Comarca de Mauá. Como
constou da decisão interlocutória ali proferida pelo E. Desembargador Relator José Luiz
1
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6138:covid-19-oms-atualiza-
guia-com-recomendacoes-sobre-uso-de-mascaras&Itemid=812
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Gavião de Almeida:
“Mais de um mês se passou entre a impetração do mandado de
segurança de onde saiu este recurso, e esta decisão.
Nesse período o Supremo Tribunal Federal entendeu como concorrente a
competência para tratar de regras de natureza sanitária para a contenção da
pandemia já citada.
De outro lado, hoje os noticiários informam um aumento grande no
número de mortes em razão da propagação desse vírus, que passaram de cento
e pouco para mais de quatrocentas.
Por fim, o uso de máscaras, tão atacado pela agravada, tem hoje outro
colorido. Não se fala mais em falta delas, especialmente porque há inúmeras
outras sendo fabricadas, substituindo às vezes com vantagens, as hospitalares,
estas sim em falta quando da impetração do mandado de segurança pela
agravada.
E o uso das máscaras vem sendo incentivado e em muitos casos exigido
em inúmeras cidades, como forma eficaz para evitar a propagação do corona
vírus.
Tudo isso justifica o afastamento da decisão liminar que concedeu à
agravada possibilidade de ficar indene ao decreto municipal aqui atacado. Em
razão disso, concede-se a liminar pretendida, para afastar a liminar concedida
em primeiro grau.”
Tais considerações também se prestam a afastar, ao menos
nesta fase processual, a subsistência da afirmação de que haveria dificuldade intransponível
na obtenção dos equipamentos de proteção individual em questão.
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Por fim, ressalte-se que, nos termos em que formulado, o
pedido veiculado na petição inicial de que seja determinada “a suspensão do artigo 6º,
parágrafo único, do Decreto 8.672/20, devendo a Autoridade Coatora se abster de aplicar
contra a Impetrante as penalidades previstas no artigo 7º-C do Decreto 8.671/20” (f. 14
dos autos principais) aparenta estar em conflito com a Súmula nº 266 do C. Supremo
Tribunal Federal, segundo a qual “não cabe mandado de segurança contra lei em tese”.
Feitas todas essas considerações, concedo o efeito
suspensivo.
Intime-se a agravada, nos termos do artigo 1.019, inciso II, do
Código de Processo Civil de 2015.
Comunique-se a presente decisão, com urgência, ao MM.
Juiz a quo, nos termos do artigo 1.019, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015.
Int.
São Paulo, 28 de abril de 2020.
ALIENDE RIBEIRO
Relator