O documento descreve o Trovadorismo, um movimento literário surgido na Idade Média na região da Provença que se espalhou pela Europa. Detalha as principais características do Trovadorismo em Portugal, como a influência provençal, o desenvolvimento da poesia e das cantigas, divididas em líricas e satíricas. Apresenta exemplos dessas cantigas, como a "Cantiga da Ribeirinha", considerada a primeira obra literária portuguesa.
O Trovadorismo, primeiro movimento literário português
1. O Trovadorismo foi um movimento literário e poético surgido na Idade Média,
no século XI, na região da Provença (sul da França). O Trovadorismo, que foi
o primeiro movimento literário da língua portuguesa, espalhou-se por toda a
Europa.
1. Datas
1189 ou 1198: "Cantiga da Ribeirinha" ou "Cantiga da Guarvaia", de Paio Soares
Taveirós - início do Trovadorismo, primeiro movimento literário português.
1434: nomeação de Fernão Lopes, pelo rei D. Duarte de Avis, para o cargo de
"Cronista-Mor do Reino" - início do Humanismo em Portugal.
2. Contexto histórico
Portugal é reconhecido como reino independente em 1143. Quinze anos antes,
o Conde Afonso Henriques de Borgonha já havia sido sagrado rei, depois da
batalha de S. Mamede, em que lutou pela liberdade do Condado Portucalense e
da qual saiu vitorioso. Iniciava-se aí a primeira dinastia portuguesa: a Dinastia
de Borgonha.
Essa dinastia tinha origens no sul da França, em Provença, o que explica a
grande influência provençal durante a primeira fase da Era Medieval em
Portugal. Assim, os costumes e a cultura dessa apresentaram fortes traços
provençais, enquanto a estrutura socioeconômica era marcada pelo feudalismo.
2. 3. Características gerais do Trovadorismo
O Trovadorismo desenvolveu-se num período em que a cultura era
monopolizada pelo clero católico, detentor máximo do poder político e
econômico.
Assim, é natural que a visão de mundo da época fosse marcada pelo
teocentrismo - escala de valores determinada a partir dos próprios valores
impostos pela religiosidade. Por essa razão, o homem dessa fase medieval
privilegiava os bens do espírito, da alma, da vida pós-morte, em detrimento do
corpo e da vida carnal, terrena.
Nas artes, houve destaque para o desenvolvimento da música e arquitetura, pois
elas serviam ao propósito religioso daquele tempo: a música religiosa podia
criar uma atmosfera extraterrena, envolvendo o fiel, e a arquitetura era
empregada na construção de catedrais.
Na literatura houve maior desenvolvimento da poesia do que da prosa, pois a
poesia apoiava-se na música e isso facilitava sua transmissão oral.
4. Principais manifestações literárias
A principal manifestação literária do Trovadorismo foi a poesia, representada
pelas cantigas, que eram composições feitas para serem cantadas ou
acompanhadas por instrumento musical.
As cantigas medievais portuguesas eram expressas na chamada "medida velha",
as redondilhas, versos de 5 ou 7 sílabas, de tradição medieval. O idioma
empregado era o galaico-português, comum à Galícia e a Portugal. O poeta
3. chamava-se trovador e as cantigas podiam ser líricas ou satíricas. Elas
encontram-se reunidas em volumes denominados cancioneiros, dos quais se
destacam o Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Vaticana e o Cancioneiro
da Biblioteca Nacional de Lisboa.
A prosa medieval apresentou caráter predominantemente documental, o que
diminuiu seu valor literário. Apenas um gênero se destacou: as Novelas de
Cavalaria, que eram narrativas de feitos heroicos e guerreiros, originadas nas
antigas canções de gesta. Em Portugal, apenas as novelas do Ciclo
Bretão ou Arturiano, sobre o rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda,
deixaram marcas.
5. Projeções do Trovadorismo
O Trovadorismo constituiu a formação da base lírica da literatura em língua
portuguesa, com sugestões formais e temáticas; ainda hoje se observa a
influência das redondilhas em manifestações poéticas e musicais de cunho
popular e folclórico, tanto em Portugal como no Brasil. Além disso, a literatura
trovadoresca exerceu forte influência na obra de vários autores da língua, como
Almeida Garrett, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, Manuel Bandeira, Cecília
Meireles e outros.
As cantigas medievais trovadorescas dividiam-se em dois tipos principais: as
cantigas líricas e as cantigas satíricas. As líricas, por sua vez, classificavam-se
em cantigas de amor e cantigas de amigo, enquanto as satíricas podiam ser de
escárnio ou de maldizer.
1. Cantiga de amor
4. A cantiga de amor contém a confissão amorosa de um homem para uma mulher:
o eu-lírico é, portanto, masculino. Essa confissão é marcada por um intenso
subjetivismo e fala de um amor platônico, impossível: a amada não corresponde
aos sentimentos do eu-lírico ou é socialmente superior a ele, o que impede a
realização amorosa. Assim, a visão que ele tem da mulher é sublimada,
idealizada: ele a coloca em um plano superior e inacessível.
Ocorre o servilismo amoroso, a vassalagem amorosa: o trovador comporta-se
como um servo humilde e adorador, praticando o ideal do amor cortês,
cavalheiresco, e sofrendo a “coita amorosa”, a “soidão”.
A linguagem dessas cantigas é elaborada e mais trabalhada do que a das
cantigas de amigo; apresentam, também, um vocabulário mais rico. Sua
estrutura e o comportamento do trovador em relação à amada evidenciam uma
forte influência provençal.
O texto abaixo é a “Cantiga da Ribeirinha”, ou “Cantiga da Guarvaia”,
considerada uma cantiga de amor e o primeiro documento literário da língua
portuguesa:
Cantiga da Ribeirinha ou Cantiga da Guarvaia
Paio Soares de Taveirós
No mundo non me sei parelha,
mentre me for como me vai,
ca já moiri por vós — e ai!
mia senhor branca e vermelha
queredes que vos retraia
quando vos eu vi en saia!
Mau dia me levantei,
que vos enton non vi fea!
5. E, mia senhor, des aquel dia, ai!
me foi a mi mui mal,
e vós, filha de don Paai
Moniz, e ben vos semelha
d’haver por vós guarvaia
pois eu, mia senhor d’alfaia
nunca de vós houve nen hei
valia d’ua correa.
2. Cantiga de amigo
A cantiga de amigo apresenta o lamento amoroso de uma mulher: o eu-lírico é
feminino. Ela dirige-se à mãe, às amigas, à natureza ou ao próprio amado
ausente, lamentando a saudade provocada pela falta dele. Esse eu-lírico
feminino é normalmente representado por uma moça do povo, na qual o
trovador se traveste.
A concepção de amor dessa cantiga é mais realista e espontânea do que nas
cantigas de amor e desenvolve-se num plano concreto. A linguagem é popular
e ocorre a presença de refrão e paralelismo, o que denuncia o rudimentarismo
da construção poética. A influência de Castela é mais forte que a provençal; as
cantigas de amigo têm raiz ibérica.
O texto abaixo foi escrito por uma dos maiores trovadores portugueses, o rei D.
Dinis, e é uma cantiga de amigo:
Cantiga de amigo
D. Dinis
— Ai flores, ai flores do verde piño,
se sabedes novas do meu amigo?
ai, Deus, e u é?
6. Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
ai, Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
ai, Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado?
aquel que mentiu do que mi á jurado?
ai, Deus, e u é?
— Vós me preguntades polo voss’amigo?
E eu ben vos digo que é san’ e vivo:
ai, Deus, e u é?
Vós me preguntades polo voss’amado?
E eu ben vos digo que é viv” e sano:
ai, Deus, e u é?
E eu ben vos digo que é san’e vivo,
e será vosc’ant’o prazo saído.
Ai, Deus, e u é?
E eu ben vos digo que é viv’e sano,
e será vosc’ant’o prazo passado.
Ai, Deus, e u é?
3. Escárnio e maldizer: as cantigas satíricas medievais
As cantigas satíricas diferenciam-se pela forma como a sátira se processa: na
cantiga de escárnio, a agressão é indireta e realiza-se por meio de palavras sutis;
a linguagem é suavizada e o tom é marcado pela ironia. Já na cantiga de
maldizer, a agressão é direta, através de palavras contundentes e até termos
7. chulos, de calão; há grosseria, muitas vezes resvalando para a mais grosseira
obscenidade.