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A Interpretação das Escrituras
                                      A. W. Pink



                                   Capítulo 4

      O pregador deve ser, acima de tudo mais, um homem do Livro, inteiramente
versado no conteúdo da Palavra de Deus, alguém que seja hábil para tirar do seu tesouro
“coisas novas e velhas” (Mt 13.52). A Bíblia tem de ser o seu único livro texto, e das suas
águas vivas ele haverá de beber profundamente todos os dias. Pessoalmente, nada
usamos além da Versão Autorizada inglesa (King James) e da Concordância de Young,
com alguma ocasional referência à Bíblia Grega Interlinear e à Versão Revisada
Americana. Os comentários nós só consultamos depois de havermos feito nós mesmos
um exaustivo estudo de uma passagem. Encorajamos com veemência os jovens
pregadores a tomarem muito cuidado para não permitir que os comentários se tornem
um substituto, em lugar de um suplemento, para a sua própria minuciosa e exaustiva
pesquisa e meditação das Sagradas Escrituras. Da mesma forma que existe um saudável
meio-termo entre pensar que a Bíblia é tão clara e simples que qualquer um pode
entendê-la ou tão difícil e profunda que seria perda de tempo alguém de capacidade
média lê-la, assim também existe um equilíbrio entre tornar-se essencialmente
dependente do trabalho alheio e um simples eco das suas idéias, e depreciar por
completo a luz e o auxílio que se podem obter dos servos de Deus do passado.
       É aos pés de Deus que o pregador tem de se colocar, aprender dEle o significado
da Sua Palavra, aguardando que Ele lhe abra os seus mistérios, confiando nEle para a
mensagem que deve transmitir. Em nenhum outro lugar, a não ser nas Escrituras ele
pode certificar-se do que agrada e do que desagrada ao Senhor. É somente ali que se
abrem os segredos da sabedoria divina, a respeito da qual nem filósofo nem cientista
sabem nada. Como apontou corretamente o grande puritano holandês: “Qualquer coisa
que não provém das Sagradas Escrituras, qualquer coisa que não for construída tendo-as
como fundamento, qualquer coisa que não estiver em perfeito acordo com elas, embora
possa recomendar-se pela aparência da mais sublime sabedoria, ou repousar sobre a
tradição antiga e ser aprovada por homens estudados, ou tenha o peso de argumentos
plausíveis — é vão, fútil — em suma, uma mentira. ‘À lei e ao testemunho! Se eles não
falarem desta maneira, jamais verão a alva’. Que o teólogo tenha sua satisfação nestes
oráculos sagrados: que se exercite neles dia e noite, medite neles, extraia deles toda a sua
sabedoria. Que limite todos os seus pensamentos a eles, que não adote nada na religião
que não encontre expresso ali” (Herman Witsius).
A Interpretação das Escrituras — A. W. Pink                                     -2-

       1. Ao chegar agora aos princípios que haverão de guiar o estudante nos seus
esforços para interpretar a Palavra de Deus, apresentamos em primeiro lugar e acima de
tudo a necessidade de reconhecer a inter-relação e a mútua dependência do Antigo e do Novo
Testamento. Fazemos isso porque errar neste ponto tem como resultado futuro
inevitável uma séria distorção de entendimento e perversão das Escrituras. Em vez de
nos propomos a refutar a moderna heresia do “dispensacionalismo”, o que faremos aqui
é tratar nosso assunto positivamente. Depois de termos por longo tempo e
cuidadosamente comparado os escritos da escola dispensacionalista com os escritos das
Institutas de Calvino, e depois de reparar no tipo de fruto gerado por aquela e por estes,
chegamos à convicção de que aquele eminente reformador foi de longe mais
profundamente ensinado pelo Espírito Santo do que esses que alegam ter recebido
“nova luz sobre a Palavra de Deus” um século atrás1. Por essa razão, encorajamos a todo
pregador que possui As Institutas de Calvino que examine com a máxima atenção os dois
capítulos seguintes: “A Semelhança do Velho e do Novo Testamento” e “A Diferença
entre os Dois Testamentos”.
        A semelhança dos dois Testamentos é muito maior e mais vital do que a diferença
que existe entre eles. O mesmo Deus triúno Se revela em ambos, o mesmo caminho de
salvação é apresentado, o mesmo padrão de santidade é exibido, os mesmos destinos
eternos dos justos e dos ímpios são apresentados. O Novo tem todas as suas raízes no
Velho, de forma que muito do que se encontra num seria ininteligível à parte do outro.
Não somente é indispensável o conhecimento da história dos patriarcas e das
instituições do judaísmo para entender muitos dos detalhes nos Evangelhos e nas
Epístolas, mas os termos usados e as idéias são idênticas. Supor que a mensagem
proclamada pelo Senhor Jesus era algo novo ou radicalmente diferente daquilo que Deus
havia comunicado anteriormente é totalmente sem fundamento, como se vê nesta Sua
enfática advertência: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para
revogar, vim para cumprir” (Mt 5.17) — para justificar e confirmar, para livrá-los de
perversões humanas e deturpações, e executar aquilo que eles demandavam e
anunciavam. Quando expôs a “lei áurea”, Cristo disse: “porque esta é a Lei e os
Profetas” (Mt 7.12), mostrando que de forma alguma havia qualquer antagonismo entre
o ensino dEle e o dos mensageiros divinos que O precederam.
       Com toda certeza não havia conflito entre o testemunho dos apóstolos e o do seu
Mestre, porque Ele abertamente os convocou para que ensinassem os seus convertidos
“a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado [não o que haverei de ordenar!]” (Mt
28.20). Nem o sistema doutrinário de Paulo difere de forma alguma daquele enunciado
no Velho Testamento. Bem no início da primeira epístola que leva o seu nome, ele é
minucioso ao nos informar que o Evangelho para o qual Deus o havia separado não era
outro senão “o evangelho de Deus, o qual foi por Deus, outrora, prometido por
intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras” (Rm 1.1,2); e quando ele afirma
que a justiça de Deus agora se manifestou sem lei, ele tomou o cuidade de acrescentar:
“testemunhada pela lei e pelos profetas” (3.21). Quando ele defende o seu ensino sobre
a justificação pela fé sem as obras da lei, ele o faz apelando ao caso de Abraão e ao
testemunho de Davi (Rm 4). Quando ele admoesta os coríntios contra a acomodação
1   O Autor escreveu este livro na primeira metade do século XX.
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num falso senso de segurança por causa dos dons espirituais que lhes haviam sido
concedidos, ele os lembra dos israelitas que tinham sido altamente favorecidos por Deus,
contudo que isso não os preservou do Seu desagrado quando pecaram, mesmo que
“Todos eles comeram de um só manjar espiritual e beberam da mesma fonte espiritual”
(1 Co 10.1-5). E quando ilustra uma importante verdade prática, ele cita a história dos
dois filhos de Abraão (Gl 4.22-31).
       Em muitos aspectos, o Novo Testamento é uma continuação e um complemento
do Velho. A diferença entre a antiga e a nova aliança a que se refere a Carta aos Hebreus
é uma diferença relativa e não absoluta. O contraste na verdade não é entre dois opostos,
mas entre uma gradação do nível inferior para o superior — um é a preparação para o
outro. Enquanto uns erram em judaizar o cristianismo, outros nutrem uma concepção
por demais carnal do judaísmo, deixando de perceber os elementos espirituais que existem
nele, e que, por meio do judaísmo, Deus estava colocando em andamento as bênçãos da
aliança eterna para com aqueles que Ele havia escolhido em Cristo de forma tão
verdadeira como Ele o faz agora; sim, que Ele faz isso desde Abel em diante. É com
justiça, então, que Calvino cesura a loucura dos nossos dispensacionalistas modernos
quando reprova os seu precursores, que apareceram nos seus dias (de Calvino), dizendo:
“Ora, pode haver maior absurdo do que Abraão ser o pai de todos os fiéis, e não ocupar
nem mesmo o lugar inferior entre eles? Mas ele não pode ser excluído dentre os fiéis, e
mesmo da mais honrosa posição sem que se destrua a Igreja”.
       Quer seja Cristo que esteja falando, quer seja um dos Seus apóstolos, em quase
cada ponto vital eles apoiam a sua argumentação ao apelar às Escrituras do Velho
Testamento. Em quase cada página do Novo Testamento encontramos textos do Velho,
usados como prova das argumentações ali feitas. Poderíamos fornecer inúmeros
exemplos como prova para demonstrar que tanto as idéias como a linguagem do Antigo
produziram forte impressão no Novo Testamento — mais de seiscentas declarações de
um ocorrem no outro. Cada cláusula do “Magnificat” (Lc 1.46-55) e mesmo na oração
da família (Mt 6.9-13) foi extraída do Antigo Testamento. Por essa razão, cabe ao
estudante dar igual atenção a ambas as principais divisões da Bíblia, não somente
familiarizar-se completamente com a segunda, mas esforçar-se para beber
profundamente do espírito da primeira, de forma que esteja preparado para entender a
segunda. A não ser que proceda dessa forma, ele se verá impossibilitado de compreender
muito do que se encontra nos Evangelhos e nas Epístolas. Para compreender os
antítipos, não basta apenas conhecer os tipos — se alguém desconhece Êxodo 12, que
significado terá para ele a afirmação de que “Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado”
(1 Co 5.7); e, à parte de Levítico 16, quanto poderá alguém entender aquilo de que se
trata em Hebreus 9 e 10? Muitas palavras importantes do Novo Testamento só se
podem definir corretamente se nos reportarmos ao seu uso no Antigo Testamento,
como “primogênito”, “remir”, “propiciação” etc.
        A verdade que deve haver uma harmonia fundamental entre o judaísmo e o
cristianismo se evidencia no fato de que o mesmo Deus é o Autor de ambos, e que Ele é
imutável em Seus atributos e nos princípios do Seu governo. O primeiro na verdade se
dirigia mais ao homem exterior, atuou sob formas e relações visíveis, e se referia
primariamente a um santuário temporal e a uma herança terrena; apesar disso, eram
A Interpretação das Escrituras — A. W. Pink                                           -4-

todos “figura e sombra das coisas celestes” (Hb 8.5, 10.1). “No Novo Testamento,
encontramos uma exibição mais alta da verdade e das obrigações do que no Velho
(embora estreitamente afins), o que envolve tanto as harmonias como as diferenças das
duas alianças. As harmonias estão mais ocultas e dizem respeito aos elementos mais
fundamentais das duas economias; as diferenças são de natureza mais circunstancial e
formal” (Firbairn). Pessoalmente, diríamos que as principais diferenças aparecem no fato
de que num temos promessa e predição; e no outro, apresentação e cumprimento:
primeiro os tipos e as sombras (a “erva”), depois a realidade e a substância ou “o grão
cheio na espiga”2. A dispensação cristã sobrepuja a mosaica numa mais completa e clara
manifestação dos atributos de Deus (1 Jo 2.8), numa mais abundante efusão do Espírito
(Jo 7.39; At 2.3), na sua extensão mais ampla (Mt 28.19,20), e numa mais ampla medida
de liberdade (Rm 8.15; Gl 4.2-7).
       2. O segundo princípio que o expositor tem de estudar com o maior cuidado é o
da citação das Escrituras. Quando estamos determinando as corretas leis de
interpretação, não é pouca a ajuda que se consegue com a diligente observação da maneira
em que é citado o Antigo Testamento no Novo, e o propósito com que isso é feito. É quase fora de
dúvida que o registro que o Espírito Santo fornece da maneira que nosso Senhor e os
Seus apóstolos compreenderam e aplicaram o Antigo Testamento tinha em mira lançar
luz de uma forma geral na maneira como nós devemos usar o Antigo Testamento, da
mesma forma que tinha como propósito fornecer instrução nos pontos específicos pelos
quais se apelou para a citação da Lei e dos Profetas. Quando se examinam com atenção
as palavras citadas e o sentido dado a elas no Novo Testamento, não devemos nos ver
apenas livres de um literalismo servil, mas devemos estar mais bem capacitados para
perceber a plenitude das palavras de Deus e a variada aplicação que se pode
legitimamente fazer delas. Um camplo amplo, mas geralmente negligenciado, abre-se
para a exploração, mas em vez de nos esforçarmos por fazer uma cuidadosa exposição
do que isso significa, simplesmente daremos alguns poucos exemplos.
        Em Mateus 8.16, somos informados que em certa ocasião Cristo “curou todos os
que estavam doentes” e depois, sob a orientação do Espírito Santo, o evangelista
acrescentou: “para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías
(isto é, em 53.4): Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas
doenças”. Essa forma de usar a profecia messiânica é extremamente esclarecedora,
sugerindo que ela tinha uma significação mais ampla do que fazer expiação pelos
pecados do Seu povo, ou seja, durante os dias do Seu ministério público, Cristo
associou-Se com simpatia com a condição dos sofredores, e tomou sobre o Seu espírito
os sofrimentos e as dores daqueles a quem Ele ministrou, que os Seus milagres de cura
Lhe custaram muito no que diz respeito a compaixão e tolerância. Ele Se afligiu
pessoalmente com as aflições deles. Cristo iniciou a Sua obra de mediador (remover o
mal que o pecado havia trazido ao mundo) curando as dores físicas que eram frutos do
pecado, e assim fazendo prenunciava a obra maior que estava para realizar na cruz. A
conexão entre uma e outra ficou mais claramente demonstrada quando Ele disse
primeiro ao paralítico: “estão perdoados os teus pecados” e depois: “Levanta-te, toma o
teu leito e vai para tua casa” (Mt 9.2,6).
2   Marcos 4.28.
A Interpretação das Escrituras — A. W. Pink                                                        -5-

        Depois, considere como Cristo usou o Antigo Testamento para refutar os
materialistas do Seu tempo. Os saduceus mantinham a crença de que alma e corpo estão
ligados de tal forma que, se uma perece, forçosamente perece também o outro (At 23.8).
Eles viam o corpo morrer, e disso concluíam que a alma havia morrido também. É
impressionante contemplar a Sabedoria Encarnada argumentando com eles no próprio
território deles. Ele o fez citando Êxodo 3, onde Jeová disse a Moisés: “Eu sou o Deus
de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó”. Mas de que forma essas palavras foram
direto ao ponto? O que havia nelas que expusesse o erro dos saduceus? Nada explícito,
pelo contrário muito implícito. Dessas palavras Cristo extraiu a conclusão de que “Deus
não é Deus dos mortos, mas dos vivos”3 (Mt 22.32). Não é que Ele tivesse sido o
“Deus” deles, mas Ele ainda o era — “Eu sou o Deus deles”, então eles ainda estavam
vivos. Uma vez que o espírito e a alma deles continuavam vivos, forçosamente o corpo
deles seria ressuscitado no tempo apropriado, porque ser o “Deus” deles lhes garantia
que Ele seria e faria por eles tudo o que um relacionamento desse tipo requer, e não
deixaria uma parte da constituição deles sofrer deterioração. Dessa forma Cristo
estabeleceu o importante princípio de interpretação de que podemos extrair qualquer
inferência clara e necessária, desde que não vá de encontro a4 nenhuma outra declaração
específica das Sagradas Escrituras.
       Em Romanos 4.11-18, encontramos um singular exemplo de raciocínio apostólico
baseado em duas curtas passagens de Gênesis, onde Deus promete a Abraão que ele será
pai de muitas nações (17.5) e que na sua descendência serão benditas todas as nações da
terra (22.18). Uma vez que essas promessas foram dadas ao patriarca como um simples
crente, antes da divina ordem da circuncisão, Paulo extraiu a conclusão lógica que essas
promessas pertencem tanto aos judeus como aos gentios, desde que tenham crido como
Abraão creu e dessa forma lhes seja imputada a justiça de Cristo, para que o benefício
dessas promessas diga respeito a todos que “andam nas pisadas da fé que teve Abraão”.
Dessa forma somos claramente instruídos que a “descendência” da bênção mencionada
nessas antigas profecias era essencialmente de natureza espiritual (cfe. Gl 3.7-9; 4.29),
incluindo-se aí todos os membros da família da fé, onde quer que se encontrem.
Conforme a pertinente observação de Stifler, “Não é num senso físico nem num senso
espiritual que Abraão é chamado pai: ele é pai porque é o cabeça do clã da fé, e dessa
forma é o seu exemplo típico”. Em Romanos 9.6-13, o apóstolo foi igualmente claro ao
excluir da abrangência daquelas promessas os que são descendentes meramente naturais
de Abraão.
       Romanos 10.5-9 nos fornece uma notável ilustração desse princípio, na maneira
que o apóstolo “expôs” Deuteronômio 30.11-14. O seu propósito era demover os
judeus da necessidade de prestar obediência à Lei como algo essencial para a justificação
(Rm 10.2,3). Ele fez isso extraindo um argumento dos escritos de Moisés, onde havia
sido feita uma distinção entre a justiça da Lei e a justiça da fé. Os judeus haviam
rejeitado Cristo porque Ele veio até eles não pela via das suas expectativas carnais, e isso
os levou a recusar a graça que Ele lhes ofereceu. Eles pensavam que o Messias estivesse
bem longe, quando na verdade Ele estava “perto” deles. Não havia porque, então,

3   Versão Revista e Corrigida.
4   “De encontro a” = contra, no sentido oposto a; “Ao encontro de” = a favor de, em procura de.
A Interpretação das Escrituras — A. W. Pink                                       -6-

subirem até ao céu, porque Cristo havia descido de lá; nem havia necessidade de
descerem aos abismos, porque Ele de lá havia ressuscitado dos mortos. O apóstolo não
estava meramente adaptando a linguagem de Deuteronômio 30 para os seus propósitos,
mas estava mostrando o seu sentido evangélico. Como disse Manton, “O capítulo inteiro
é um sermão sobre o arrependimento evangélico” (Veja os versos 1 e 2). É evidente que
as palavras se referiam ao tempo após a ascensão de Cristo, quando Israel fosse disperso
entre as nações, de forma que as palavras de Moisés então fossem plenamente aplicáveis
a essa dispensação do Evangelho. O sentido dos versos 11-14 é que o conhecimento da
vontade de Deus será de livre acesso, de forma que não se pede que ninguém faça algo
impossível.
        Em Romanos 10.18, temos mais do que uma simples pista dos caminhos
profundos da Palavra de Deus, e da larga amplitude da sua aplicação. “Mas pergunto:
Porventura, não ouviram [o evangelho, embora não lhe tenham obedecido — v.16]?
Sim, por certo: Por toda a terra se fez ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins
do mundo” — citação feita do Salmo 19.4. A proclamação do Evangelho não ficou
restrita (Cl 1.5,6), mas foi tão geral e livre como os céus proclamam a glória de Deus (Sl
19.1). “A revelação universal de Deus por meio da natureza foi uma predição
providencial da proclamação universal do Evangelho. Se a primeira não fosse gratuita,
mas fundada na natureza de Deus, assim teria de ser a última. A manifestação de Deus
por meio da natureza destina-se a todas as Suas criaturas para as quais ela se destina,
como garantia de que haverão de participar de revelações mais claras e elevadas”
(Hengstenberg). A profecia do Antigo Testamento não apenas anuncia que o Evangelho
deve destinar-se ao mundo todo, mas os céus declaram a mesma coisa de forma mística. Os
céus falam não apenas com uma nação, mas a toda a raça humana! Se os homens não
crêem, isso não se deve ao fato de não terem ouvido. Outro exemplo do significado
místico de algumas Escrituras nós encontramos em 1 Coríntios 9.9,10.
       Em Gálatas 4.24, a pena inspirada de Paulo nos informa que alguns dos incidentes
que ocorreram na casa de Abraão “são alegorias”, que Hagar e Sara representam “duas
alianças”, e que os filhos delas prefiguram a espécie de adoradores que essas alianças
haverão de produzir. Se não fosse essa revelação divina recebida pelo apóstolo e por ele
a nós transmitida, jamais teríamos chegado a conhecer que nesses fatos históricos Deus
havia ocultado um mistério profético, que essas ocorrências familiares prefiguravam
profeticamente importantes negócios vitais futuros, que elas ilustram grandes verdades
doutrinárias e exemplificam a diferença de conduta dos escravos espirituais e dos
homens espiritualmente livres. Contudo esse era o caso, como o apóstolo expôs ao nos
revelar o significado oculto desses eventos. Eles eram uma parábola viva: Deus modelou
de tal forma os assuntos da família de Abraão, que eles tipificam coisas de imensa
magnitude. Os dois filhos foram ordenados para prefigurar aqueles que haveriam de
nascer do alto e aqueles nascidos segundo a carne — mesmo os descendentes naturais
de Abraão, em espírito, nada mais eram que ismaelitas, estranhos à promessa. Embora o
exemplo de Paulo aqui não seja um precedente para que o expositor da Palavra dê largas à
imaginação e faça os epísódios do Velho Testamento ensinarem qualquer coisa que ele
queira, ele (o exemplo) declara sim que Deus ordenou a vida dos patriarcas de tal forma
que fornecessem lições de grande valor espiritual.
A Interpretação das Escrituras — A. W. Pink                                      -7-

       Escolhemos, acima, de propósito, uma variedade de exemplos, e por meio deles o
estudante diligente (o leitor apressado não achará proveito nisso) descobrirá algumas
proveitosas dicas divinas e auxílios de como as Escrituras devem ser compreendidas, e os
princípios pelos quais elas devem ser interpretadas. Leia e releia os exemplos e medite-os
com cuidado.
       3. É necessário tomar constante e diligente cuidado para conformar toda nossa
interpretação à Analogia da Fé, ou, como Romanos 12.6 o diz: “profetizemos segundo a
proporção da nossa fé”5. Charles Hodge, que é sem igual em matéria de firmeza
doutrinária, sabedoria espiritual, e agudeza crítica, declara que o significado original e
correto da palavra “profeta” é intérprete — alguém que declara a vontade de Deus, que
expõe a Sua mente aos outros. Ele também diz que a palavra traduzida como
“proporção” pode tanto significar ‘proporção’, como ‘medida’, ‘regra’, ‘padrão’. Uma vez
que a palavra “fé” neste versículo tem de ser tomada no sentido objetivo (porque houve
“profetas” como Balaão e Caifás, destituídos de toda e qualquer fé interior, fé salvífica),
então essa importante expressão significa que o intérprete da mente de Deus tem de ser
muito detalhista e escrupuloso de forma que se esmere para que tudo o que fizer como
intérprete seja feito de acordo com o padrão revelado que Ele nos deu. Dessa forma, a
palavra “fé” aqui é usada com o mesmo sentido em que aparece “a fé” em passagens
como Gálatas 1.23, 1 Timóteo 4.1 etc. Ou seja, é a “uma só fé” de Efésios 4.5, a “fé uma
vez por todas entregue aos santos” (Jd 3) — a Palavra de Deus em forma escrita.
       A exposição que se faz de qualquer versículo da Sagrada Escritura tem de estar em
completo acordo com a Analogia da Fé, ou seja, ao sistema de verdade que Deus tornou
conhecido ao Seu povo. Isso, é evidente, exige um amplo conhecimento do conteúdo da
Bíblia — prova evidente de que nenhum principiante está qualificado a pregar ou a
tentar ensinar aos outros. Esse tipo de amplo conhecimento só se obtém por meio de
leitura sistemática e constante da própria Palavra — e somente então alguém se torna
capaz de avaliar os escritos de outras pessoas! Uma vez que toda Escritura foi dada pela
inspiração de Deus, não há contradições nela; segue-se então que é claramente errônea
qualquer explanação que se faça de uma passagem, que vá de encontro ao claro ensino
de outros textos. Para que qualquer interpretação seja válida, ela tem de estar em perfeita
harmonia com o esquema da verdade de Deus. Uma parte da Verdade está mutuamente
relacionada e depende das outras partes, e por isso há pleno acordo entre elas. Ao
referir-se aos livros das Escrituras, disse Bengel: “Todos eles juntos ressaltam um belo e
harmonioso sistema de Verdade, gloriosamente conectado”.




5   Tradução Brasileira.

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  • 1. A Interpretação das Escrituras A. W. Pink Capítulo 4 O pregador deve ser, acima de tudo mais, um homem do Livro, inteiramente versado no conteúdo da Palavra de Deus, alguém que seja hábil para tirar do seu tesouro “coisas novas e velhas” (Mt 13.52). A Bíblia tem de ser o seu único livro texto, e das suas águas vivas ele haverá de beber profundamente todos os dias. Pessoalmente, nada usamos além da Versão Autorizada inglesa (King James) e da Concordância de Young, com alguma ocasional referência à Bíblia Grega Interlinear e à Versão Revisada Americana. Os comentários nós só consultamos depois de havermos feito nós mesmos um exaustivo estudo de uma passagem. Encorajamos com veemência os jovens pregadores a tomarem muito cuidado para não permitir que os comentários se tornem um substituto, em lugar de um suplemento, para a sua própria minuciosa e exaustiva pesquisa e meditação das Sagradas Escrituras. Da mesma forma que existe um saudável meio-termo entre pensar que a Bíblia é tão clara e simples que qualquer um pode entendê-la ou tão difícil e profunda que seria perda de tempo alguém de capacidade média lê-la, assim também existe um equilíbrio entre tornar-se essencialmente dependente do trabalho alheio e um simples eco das suas idéias, e depreciar por completo a luz e o auxílio que se podem obter dos servos de Deus do passado. É aos pés de Deus que o pregador tem de se colocar, aprender dEle o significado da Sua Palavra, aguardando que Ele lhe abra os seus mistérios, confiando nEle para a mensagem que deve transmitir. Em nenhum outro lugar, a não ser nas Escrituras ele pode certificar-se do que agrada e do que desagrada ao Senhor. É somente ali que se abrem os segredos da sabedoria divina, a respeito da qual nem filósofo nem cientista sabem nada. Como apontou corretamente o grande puritano holandês: “Qualquer coisa que não provém das Sagradas Escrituras, qualquer coisa que não for construída tendo-as como fundamento, qualquer coisa que não estiver em perfeito acordo com elas, embora possa recomendar-se pela aparência da mais sublime sabedoria, ou repousar sobre a tradição antiga e ser aprovada por homens estudados, ou tenha o peso de argumentos plausíveis — é vão, fútil — em suma, uma mentira. ‘À lei e ao testemunho! Se eles não falarem desta maneira, jamais verão a alva’. Que o teólogo tenha sua satisfação nestes oráculos sagrados: que se exercite neles dia e noite, medite neles, extraia deles toda a sua sabedoria. Que limite todos os seus pensamentos a eles, que não adote nada na religião que não encontre expresso ali” (Herman Witsius).
  • 2. A Interpretação das Escrituras — A. W. Pink -2- 1. Ao chegar agora aos princípios que haverão de guiar o estudante nos seus esforços para interpretar a Palavra de Deus, apresentamos em primeiro lugar e acima de tudo a necessidade de reconhecer a inter-relação e a mútua dependência do Antigo e do Novo Testamento. Fazemos isso porque errar neste ponto tem como resultado futuro inevitável uma séria distorção de entendimento e perversão das Escrituras. Em vez de nos propomos a refutar a moderna heresia do “dispensacionalismo”, o que faremos aqui é tratar nosso assunto positivamente. Depois de termos por longo tempo e cuidadosamente comparado os escritos da escola dispensacionalista com os escritos das Institutas de Calvino, e depois de reparar no tipo de fruto gerado por aquela e por estes, chegamos à convicção de que aquele eminente reformador foi de longe mais profundamente ensinado pelo Espírito Santo do que esses que alegam ter recebido “nova luz sobre a Palavra de Deus” um século atrás1. Por essa razão, encorajamos a todo pregador que possui As Institutas de Calvino que examine com a máxima atenção os dois capítulos seguintes: “A Semelhança do Velho e do Novo Testamento” e “A Diferença entre os Dois Testamentos”. A semelhança dos dois Testamentos é muito maior e mais vital do que a diferença que existe entre eles. O mesmo Deus triúno Se revela em ambos, o mesmo caminho de salvação é apresentado, o mesmo padrão de santidade é exibido, os mesmos destinos eternos dos justos e dos ímpios são apresentados. O Novo tem todas as suas raízes no Velho, de forma que muito do que se encontra num seria ininteligível à parte do outro. Não somente é indispensável o conhecimento da história dos patriarcas e das instituições do judaísmo para entender muitos dos detalhes nos Evangelhos e nas Epístolas, mas os termos usados e as idéias são idênticas. Supor que a mensagem proclamada pelo Senhor Jesus era algo novo ou radicalmente diferente daquilo que Deus havia comunicado anteriormente é totalmente sem fundamento, como se vê nesta Sua enfática advertência: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir” (Mt 5.17) — para justificar e confirmar, para livrá-los de perversões humanas e deturpações, e executar aquilo que eles demandavam e anunciavam. Quando expôs a “lei áurea”, Cristo disse: “porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7.12), mostrando que de forma alguma havia qualquer antagonismo entre o ensino dEle e o dos mensageiros divinos que O precederam. Com toda certeza não havia conflito entre o testemunho dos apóstolos e o do seu Mestre, porque Ele abertamente os convocou para que ensinassem os seus convertidos “a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado [não o que haverei de ordenar!]” (Mt 28.20). Nem o sistema doutrinário de Paulo difere de forma alguma daquele enunciado no Velho Testamento. Bem no início da primeira epístola que leva o seu nome, ele é minucioso ao nos informar que o Evangelho para o qual Deus o havia separado não era outro senão “o evangelho de Deus, o qual foi por Deus, outrora, prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras” (Rm 1.1,2); e quando ele afirma que a justiça de Deus agora se manifestou sem lei, ele tomou o cuidade de acrescentar: “testemunhada pela lei e pelos profetas” (3.21). Quando ele defende o seu ensino sobre a justificação pela fé sem as obras da lei, ele o faz apelando ao caso de Abraão e ao testemunho de Davi (Rm 4). Quando ele admoesta os coríntios contra a acomodação 1 O Autor escreveu este livro na primeira metade do século XX.
  • 3. A Interpretação das Escrituras — A. W. Pink -3- num falso senso de segurança por causa dos dons espirituais que lhes haviam sido concedidos, ele os lembra dos israelitas que tinham sido altamente favorecidos por Deus, contudo que isso não os preservou do Seu desagrado quando pecaram, mesmo que “Todos eles comeram de um só manjar espiritual e beberam da mesma fonte espiritual” (1 Co 10.1-5). E quando ilustra uma importante verdade prática, ele cita a história dos dois filhos de Abraão (Gl 4.22-31). Em muitos aspectos, o Novo Testamento é uma continuação e um complemento do Velho. A diferença entre a antiga e a nova aliança a que se refere a Carta aos Hebreus é uma diferença relativa e não absoluta. O contraste na verdade não é entre dois opostos, mas entre uma gradação do nível inferior para o superior — um é a preparação para o outro. Enquanto uns erram em judaizar o cristianismo, outros nutrem uma concepção por demais carnal do judaísmo, deixando de perceber os elementos espirituais que existem nele, e que, por meio do judaísmo, Deus estava colocando em andamento as bênçãos da aliança eterna para com aqueles que Ele havia escolhido em Cristo de forma tão verdadeira como Ele o faz agora; sim, que Ele faz isso desde Abel em diante. É com justiça, então, que Calvino cesura a loucura dos nossos dispensacionalistas modernos quando reprova os seu precursores, que apareceram nos seus dias (de Calvino), dizendo: “Ora, pode haver maior absurdo do que Abraão ser o pai de todos os fiéis, e não ocupar nem mesmo o lugar inferior entre eles? Mas ele não pode ser excluído dentre os fiéis, e mesmo da mais honrosa posição sem que se destrua a Igreja”. Quer seja Cristo que esteja falando, quer seja um dos Seus apóstolos, em quase cada ponto vital eles apoiam a sua argumentação ao apelar às Escrituras do Velho Testamento. Em quase cada página do Novo Testamento encontramos textos do Velho, usados como prova das argumentações ali feitas. Poderíamos fornecer inúmeros exemplos como prova para demonstrar que tanto as idéias como a linguagem do Antigo produziram forte impressão no Novo Testamento — mais de seiscentas declarações de um ocorrem no outro. Cada cláusula do “Magnificat” (Lc 1.46-55) e mesmo na oração da família (Mt 6.9-13) foi extraída do Antigo Testamento. Por essa razão, cabe ao estudante dar igual atenção a ambas as principais divisões da Bíblia, não somente familiarizar-se completamente com a segunda, mas esforçar-se para beber profundamente do espírito da primeira, de forma que esteja preparado para entender a segunda. A não ser que proceda dessa forma, ele se verá impossibilitado de compreender muito do que se encontra nos Evangelhos e nas Epístolas. Para compreender os antítipos, não basta apenas conhecer os tipos — se alguém desconhece Êxodo 12, que significado terá para ele a afirmação de que “Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado” (1 Co 5.7); e, à parte de Levítico 16, quanto poderá alguém entender aquilo de que se trata em Hebreus 9 e 10? Muitas palavras importantes do Novo Testamento só se podem definir corretamente se nos reportarmos ao seu uso no Antigo Testamento, como “primogênito”, “remir”, “propiciação” etc. A verdade que deve haver uma harmonia fundamental entre o judaísmo e o cristianismo se evidencia no fato de que o mesmo Deus é o Autor de ambos, e que Ele é imutável em Seus atributos e nos princípios do Seu governo. O primeiro na verdade se dirigia mais ao homem exterior, atuou sob formas e relações visíveis, e se referia primariamente a um santuário temporal e a uma herança terrena; apesar disso, eram
  • 4. A Interpretação das Escrituras — A. W. Pink -4- todos “figura e sombra das coisas celestes” (Hb 8.5, 10.1). “No Novo Testamento, encontramos uma exibição mais alta da verdade e das obrigações do que no Velho (embora estreitamente afins), o que envolve tanto as harmonias como as diferenças das duas alianças. As harmonias estão mais ocultas e dizem respeito aos elementos mais fundamentais das duas economias; as diferenças são de natureza mais circunstancial e formal” (Firbairn). Pessoalmente, diríamos que as principais diferenças aparecem no fato de que num temos promessa e predição; e no outro, apresentação e cumprimento: primeiro os tipos e as sombras (a “erva”), depois a realidade e a substância ou “o grão cheio na espiga”2. A dispensação cristã sobrepuja a mosaica numa mais completa e clara manifestação dos atributos de Deus (1 Jo 2.8), numa mais abundante efusão do Espírito (Jo 7.39; At 2.3), na sua extensão mais ampla (Mt 28.19,20), e numa mais ampla medida de liberdade (Rm 8.15; Gl 4.2-7). 2. O segundo princípio que o expositor tem de estudar com o maior cuidado é o da citação das Escrituras. Quando estamos determinando as corretas leis de interpretação, não é pouca a ajuda que se consegue com a diligente observação da maneira em que é citado o Antigo Testamento no Novo, e o propósito com que isso é feito. É quase fora de dúvida que o registro que o Espírito Santo fornece da maneira que nosso Senhor e os Seus apóstolos compreenderam e aplicaram o Antigo Testamento tinha em mira lançar luz de uma forma geral na maneira como nós devemos usar o Antigo Testamento, da mesma forma que tinha como propósito fornecer instrução nos pontos específicos pelos quais se apelou para a citação da Lei e dos Profetas. Quando se examinam com atenção as palavras citadas e o sentido dado a elas no Novo Testamento, não devemos nos ver apenas livres de um literalismo servil, mas devemos estar mais bem capacitados para perceber a plenitude das palavras de Deus e a variada aplicação que se pode legitimamente fazer delas. Um camplo amplo, mas geralmente negligenciado, abre-se para a exploração, mas em vez de nos esforçarmos por fazer uma cuidadosa exposição do que isso significa, simplesmente daremos alguns poucos exemplos. Em Mateus 8.16, somos informados que em certa ocasião Cristo “curou todos os que estavam doentes” e depois, sob a orientação do Espírito Santo, o evangelista acrescentou: “para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías (isto é, em 53.4): Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças”. Essa forma de usar a profecia messiânica é extremamente esclarecedora, sugerindo que ela tinha uma significação mais ampla do que fazer expiação pelos pecados do Seu povo, ou seja, durante os dias do Seu ministério público, Cristo associou-Se com simpatia com a condição dos sofredores, e tomou sobre o Seu espírito os sofrimentos e as dores daqueles a quem Ele ministrou, que os Seus milagres de cura Lhe custaram muito no que diz respeito a compaixão e tolerância. Ele Se afligiu pessoalmente com as aflições deles. Cristo iniciou a Sua obra de mediador (remover o mal que o pecado havia trazido ao mundo) curando as dores físicas que eram frutos do pecado, e assim fazendo prenunciava a obra maior que estava para realizar na cruz. A conexão entre uma e outra ficou mais claramente demonstrada quando Ele disse primeiro ao paralítico: “estão perdoados os teus pecados” e depois: “Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa” (Mt 9.2,6). 2 Marcos 4.28.
  • 5. A Interpretação das Escrituras — A. W. Pink -5- Depois, considere como Cristo usou o Antigo Testamento para refutar os materialistas do Seu tempo. Os saduceus mantinham a crença de que alma e corpo estão ligados de tal forma que, se uma perece, forçosamente perece também o outro (At 23.8). Eles viam o corpo morrer, e disso concluíam que a alma havia morrido também. É impressionante contemplar a Sabedoria Encarnada argumentando com eles no próprio território deles. Ele o fez citando Êxodo 3, onde Jeová disse a Moisés: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó”. Mas de que forma essas palavras foram direto ao ponto? O que havia nelas que expusesse o erro dos saduceus? Nada explícito, pelo contrário muito implícito. Dessas palavras Cristo extraiu a conclusão de que “Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos”3 (Mt 22.32). Não é que Ele tivesse sido o “Deus” deles, mas Ele ainda o era — “Eu sou o Deus deles”, então eles ainda estavam vivos. Uma vez que o espírito e a alma deles continuavam vivos, forçosamente o corpo deles seria ressuscitado no tempo apropriado, porque ser o “Deus” deles lhes garantia que Ele seria e faria por eles tudo o que um relacionamento desse tipo requer, e não deixaria uma parte da constituição deles sofrer deterioração. Dessa forma Cristo estabeleceu o importante princípio de interpretação de que podemos extrair qualquer inferência clara e necessária, desde que não vá de encontro a4 nenhuma outra declaração específica das Sagradas Escrituras. Em Romanos 4.11-18, encontramos um singular exemplo de raciocínio apostólico baseado em duas curtas passagens de Gênesis, onde Deus promete a Abraão que ele será pai de muitas nações (17.5) e que na sua descendência serão benditas todas as nações da terra (22.18). Uma vez que essas promessas foram dadas ao patriarca como um simples crente, antes da divina ordem da circuncisão, Paulo extraiu a conclusão lógica que essas promessas pertencem tanto aos judeus como aos gentios, desde que tenham crido como Abraão creu e dessa forma lhes seja imputada a justiça de Cristo, para que o benefício dessas promessas diga respeito a todos que “andam nas pisadas da fé que teve Abraão”. Dessa forma somos claramente instruídos que a “descendência” da bênção mencionada nessas antigas profecias era essencialmente de natureza espiritual (cfe. Gl 3.7-9; 4.29), incluindo-se aí todos os membros da família da fé, onde quer que se encontrem. Conforme a pertinente observação de Stifler, “Não é num senso físico nem num senso espiritual que Abraão é chamado pai: ele é pai porque é o cabeça do clã da fé, e dessa forma é o seu exemplo típico”. Em Romanos 9.6-13, o apóstolo foi igualmente claro ao excluir da abrangência daquelas promessas os que são descendentes meramente naturais de Abraão. Romanos 10.5-9 nos fornece uma notável ilustração desse princípio, na maneira que o apóstolo “expôs” Deuteronômio 30.11-14. O seu propósito era demover os judeus da necessidade de prestar obediência à Lei como algo essencial para a justificação (Rm 10.2,3). Ele fez isso extraindo um argumento dos escritos de Moisés, onde havia sido feita uma distinção entre a justiça da Lei e a justiça da fé. Os judeus haviam rejeitado Cristo porque Ele veio até eles não pela via das suas expectativas carnais, e isso os levou a recusar a graça que Ele lhes ofereceu. Eles pensavam que o Messias estivesse bem longe, quando na verdade Ele estava “perto” deles. Não havia porque, então, 3 Versão Revista e Corrigida. 4 “De encontro a” = contra, no sentido oposto a; “Ao encontro de” = a favor de, em procura de.
  • 6. A Interpretação das Escrituras — A. W. Pink -6- subirem até ao céu, porque Cristo havia descido de lá; nem havia necessidade de descerem aos abismos, porque Ele de lá havia ressuscitado dos mortos. O apóstolo não estava meramente adaptando a linguagem de Deuteronômio 30 para os seus propósitos, mas estava mostrando o seu sentido evangélico. Como disse Manton, “O capítulo inteiro é um sermão sobre o arrependimento evangélico” (Veja os versos 1 e 2). É evidente que as palavras se referiam ao tempo após a ascensão de Cristo, quando Israel fosse disperso entre as nações, de forma que as palavras de Moisés então fossem plenamente aplicáveis a essa dispensação do Evangelho. O sentido dos versos 11-14 é que o conhecimento da vontade de Deus será de livre acesso, de forma que não se pede que ninguém faça algo impossível. Em Romanos 10.18, temos mais do que uma simples pista dos caminhos profundos da Palavra de Deus, e da larga amplitude da sua aplicação. “Mas pergunto: Porventura, não ouviram [o evangelho, embora não lhe tenham obedecido — v.16]? Sim, por certo: Por toda a terra se fez ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo” — citação feita do Salmo 19.4. A proclamação do Evangelho não ficou restrita (Cl 1.5,6), mas foi tão geral e livre como os céus proclamam a glória de Deus (Sl 19.1). “A revelação universal de Deus por meio da natureza foi uma predição providencial da proclamação universal do Evangelho. Se a primeira não fosse gratuita, mas fundada na natureza de Deus, assim teria de ser a última. A manifestação de Deus por meio da natureza destina-se a todas as Suas criaturas para as quais ela se destina, como garantia de que haverão de participar de revelações mais claras e elevadas” (Hengstenberg). A profecia do Antigo Testamento não apenas anuncia que o Evangelho deve destinar-se ao mundo todo, mas os céus declaram a mesma coisa de forma mística. Os céus falam não apenas com uma nação, mas a toda a raça humana! Se os homens não crêem, isso não se deve ao fato de não terem ouvido. Outro exemplo do significado místico de algumas Escrituras nós encontramos em 1 Coríntios 9.9,10. Em Gálatas 4.24, a pena inspirada de Paulo nos informa que alguns dos incidentes que ocorreram na casa de Abraão “são alegorias”, que Hagar e Sara representam “duas alianças”, e que os filhos delas prefiguram a espécie de adoradores que essas alianças haverão de produzir. Se não fosse essa revelação divina recebida pelo apóstolo e por ele a nós transmitida, jamais teríamos chegado a conhecer que nesses fatos históricos Deus havia ocultado um mistério profético, que essas ocorrências familiares prefiguravam profeticamente importantes negócios vitais futuros, que elas ilustram grandes verdades doutrinárias e exemplificam a diferença de conduta dos escravos espirituais e dos homens espiritualmente livres. Contudo esse era o caso, como o apóstolo expôs ao nos revelar o significado oculto desses eventos. Eles eram uma parábola viva: Deus modelou de tal forma os assuntos da família de Abraão, que eles tipificam coisas de imensa magnitude. Os dois filhos foram ordenados para prefigurar aqueles que haveriam de nascer do alto e aqueles nascidos segundo a carne — mesmo os descendentes naturais de Abraão, em espírito, nada mais eram que ismaelitas, estranhos à promessa. Embora o exemplo de Paulo aqui não seja um precedente para que o expositor da Palavra dê largas à imaginação e faça os epísódios do Velho Testamento ensinarem qualquer coisa que ele queira, ele (o exemplo) declara sim que Deus ordenou a vida dos patriarcas de tal forma que fornecessem lições de grande valor espiritual.
  • 7. A Interpretação das Escrituras — A. W. Pink -7- Escolhemos, acima, de propósito, uma variedade de exemplos, e por meio deles o estudante diligente (o leitor apressado não achará proveito nisso) descobrirá algumas proveitosas dicas divinas e auxílios de como as Escrituras devem ser compreendidas, e os princípios pelos quais elas devem ser interpretadas. Leia e releia os exemplos e medite-os com cuidado. 3. É necessário tomar constante e diligente cuidado para conformar toda nossa interpretação à Analogia da Fé, ou, como Romanos 12.6 o diz: “profetizemos segundo a proporção da nossa fé”5. Charles Hodge, que é sem igual em matéria de firmeza doutrinária, sabedoria espiritual, e agudeza crítica, declara que o significado original e correto da palavra “profeta” é intérprete — alguém que declara a vontade de Deus, que expõe a Sua mente aos outros. Ele também diz que a palavra traduzida como “proporção” pode tanto significar ‘proporção’, como ‘medida’, ‘regra’, ‘padrão’. Uma vez que a palavra “fé” neste versículo tem de ser tomada no sentido objetivo (porque houve “profetas” como Balaão e Caifás, destituídos de toda e qualquer fé interior, fé salvífica), então essa importante expressão significa que o intérprete da mente de Deus tem de ser muito detalhista e escrupuloso de forma que se esmere para que tudo o que fizer como intérprete seja feito de acordo com o padrão revelado que Ele nos deu. Dessa forma, a palavra “fé” aqui é usada com o mesmo sentido em que aparece “a fé” em passagens como Gálatas 1.23, 1 Timóteo 4.1 etc. Ou seja, é a “uma só fé” de Efésios 4.5, a “fé uma vez por todas entregue aos santos” (Jd 3) — a Palavra de Deus em forma escrita. A exposição que se faz de qualquer versículo da Sagrada Escritura tem de estar em completo acordo com a Analogia da Fé, ou seja, ao sistema de verdade que Deus tornou conhecido ao Seu povo. Isso, é evidente, exige um amplo conhecimento do conteúdo da Bíblia — prova evidente de que nenhum principiante está qualificado a pregar ou a tentar ensinar aos outros. Esse tipo de amplo conhecimento só se obtém por meio de leitura sistemática e constante da própria Palavra — e somente então alguém se torna capaz de avaliar os escritos de outras pessoas! Uma vez que toda Escritura foi dada pela inspiração de Deus, não há contradições nela; segue-se então que é claramente errônea qualquer explanação que se faça de uma passagem, que vá de encontro ao claro ensino de outros textos. Para que qualquer interpretação seja válida, ela tem de estar em perfeita harmonia com o esquema da verdade de Deus. Uma parte da Verdade está mutuamente relacionada e depende das outras partes, e por isso há pleno acordo entre elas. Ao referir-se aos livros das Escrituras, disse Bengel: “Todos eles juntos ressaltam um belo e harmonioso sistema de Verdade, gloriosamente conectado”. 5 Tradução Brasileira.