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A Interpretação das Escrituras
                                                   A. W. Pink

                                             Capítulo 2
       No capítulo anterior, tentamos mostrar a necessidade da interpretação, como ela
nos possibilita a certeza do entendimento do que significa cada sentença da Santa
Escritura. Aquilo que Deus nos disse é de inestimável importância e valor, contudo qual é
o proveito que podemos usufruir disso a não ser que o seu significado seja claro para nós?
O Espírito Santo nos tem dado mais do que uma pista a esse respeito, ao nos explicar o
significado de certas palavras. Por exemplo, no primeiro capítulo do Novo Testamento,
somos informados a respeito de Cristo que “ele será chamado pelo nome de
EMANUEL. (EMANUEL traduzido1 é: Deus conosco)” (Mateus 1.23). Também em
João 1.41: “Achamos o Messias (que, traduzido2, é o Cristo)”. E em Marcos 15.22: “E
levaram-no ao lugar do Gólgota, que se traduz3 por lugar da Caveira”. Também em
Hebreus 7.1,2: “este Melquisedeque, ... primeiramente é, por interpretação, rei de justiça
e depois também rei de Salém, que é rei de paz”. Essas expressões tornam claro que é
essencial entendermos o sentido de cada palavra usada nas Escrituras. A Palavra de Deus
é formada de palavras, contudo elas nada nos comunicam enquanto permanecem
incompreensíveis. Por essa razão, certificar-nos do exato entendimento daquilo que
lemos deve ser a nossa primeira preocupação.
       Antes de apresentar algumas regras para observar, e os princípios que se devem
usar na interpretação da Escritura, queremos apresentar várias coisas que
obrigatoriamente precisam estar presentes no próprio intérprete. Boas ferramentas são
de fato indispensáveis para um bom trabalho, mas as melhores delas são de pouco
proveito nas mãos de alguém desqualificado para usá-las. Os métodos de estudo bíblico
têm importância meramente relativa; enquanto o espírito em que se estudam as
Escrituras é crucial. Não é nem preciso argumentar para provar que um livro espiritual
exige um leitor de mente espiritual, uma vez que “o homem natural não compreende as
coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque
elas se discernem espiritualmente” (1 Coríntios 2.14). A Palavra de Deus é uma revelação
de coisas da maior importância e que dizem respeito ao nosso bem-estar eterno, e ela
exige acolhida integral e de coração. Exige-se algo mais do que um simples treinamento
intelectual: o coração tem de estar certo, tanto quanto a cabeça. É somente onde existe
honestidade de alma e espiritualidade de coração que haverá clareza de visão para
perceber a Verdade; apenas então a mente será capaz de discernir o pleno significado do
que estiver sendo lido, e entender não apenas o mero significado das palavras, mas
também os sentimentos que elas devem transmitir, e uma adequada reação de nossa
parte.

1
  Versão RC. Em inglês, na versão King James, lê-se assim: “Emanuel, que, INTERPRETADO, significa Deus conosco”.
2
  Idem à nota anterior.
3
  Idem à nota anterior.
A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink                                   -2-

       Queremos repetir aqui aquilo que, vinte anos atrás, escrevemos em nossos Estudos
nas Escrituras. “Há fortes razões para crer que muita leitura bíblica e muito estudo bíblico
nos últimos anos não tem gerado proveito espiritual aos envolvidos nessa leitura e nesse
estudo. Sim, e vamos além: tememos muito que em muitos casos isso tudo tem se
mostrado uma maldição em vez de ser uma bênção. Palavras duras essas, bem o
reconhecemos, mas não são mais duras do que o caso exige. Os dons de Deus podem
ser usados de forma incorreta e também se pode abusar das misericórdias dEle. É fácil
comprovar que isso está ocorrendo: basta ver a evidência dos frutos produzidos. Até
mesmo o homem natural pode (e frequentemente o faz) encarar o estudo das Escrituras
com o mesmo entusiasmo e satisfação com que encara o estudo de alguma ciência. Onde
isso ocorre, há um aumento de conhecimento, e também de orgulho. À semelhança do
químico ocupado em interessantes experiências, aquele que pesquisa intelectualmente a
Palavra muito se alegra quando faz alguma nova descoberta, e contudo a alegria desse
último não é mais espiritual do que a do químico. Assim também, da mesma forma que
o sucesso do químico em geral aumenta o seu senso de importância e o leva a olhar para
baixo, para aqueles mais ignorantes do que ele, assim infelizmente é o caso daqueles que
se dedicam à investigação dos números na Bíblia, a tipologia, a profecia...”
        Uma vez que a imaginação do homem, à semelhança de todas as suas outras
faculdades morais, está infiltrada e depravada pelo pecado, as idéias que ela sugere,
mesmo quando medita nos oráculos divinos, são propensas ao erro e são corruptas. Faz
parte de nossa fraqueza pecaminosa o sermos incapazes de interpretar corretamente a
Palavra de Deus por nós mesmos; mas é parte do gracioso ofício do Espírito Santo guiar
os crentes à verdade, capacitando-os dessa forma a compreender as Escrituras. Essa é
uma operação inconfundível e especial do Espírito na mente do povo de Deus, por meio
da qual Ele lhes comunica sabedoria e luz espirituais, e que é essencial para discernir de
forma correta a mente de Deus na Sua Palavra, e para apreender as coisas celestiais que
ali se encontram. “Uma operação inconfundível” foi o que dissemos, querendo dizer
algo ab extra ou mais alto ou acima da Sua operação inicial de ressuscitar; visto que,
embora seja uma verdade bendita que, na regeneração, Ele “nos tem dado entendimento
para reconhecermos o verdadeiro” (1 João 5.20), contudo precisamos de mais “para que
conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente” (1 Coríntios 2.12). Isso fica
evidente no caso dos apóstolos, porque embora tivessem convivido com Cristo e
estivessem em comunhão com Ele ao longo de três anos, somos informados que, ao
final desse tempo todo, Ele “lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras”
(Lucas 24.45).
       Isso que acabamos de mencionar deve gerar no cristão uma profunda consciência
da necessidade de um santo cuidado na leitura da Palavra, sob pena de sofrer sério dano!
Isso deve humilhá-lo diante do Autor das Escrituras, levando-o a perceber sua completa
dependência dEle! Se o novo nascimento fosse suficiente para capacitar o crente a
entender as coisas de Deus, jamais o apóstolo teria suplicado a Deus em favor dos
santos colossenses: “que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a
sabedoria e entendimento espiritual” (1.9), nem teria ele dito a seu filho na fé: “o Senhor
te dará compreensão em todas as coisas” (2 Timóteo 2.7). Não existe idéia mais tola nem
perniciosa do que a suposição de que os mistérios do Evangelhos estejam ao alcance da
razão humana, e que podem ser conhecidos com real proveito e por experiência sem a
A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink                                -3-

eficaz ajuda do bendito Espírito da Verdade. Não é que Ele nos instrua de alguma outra
forma que não seja por meio e através da razão e do entendimento (de outra forma
seríamos reduzidos a criaturas irracionais), mas o fato é que Ele tem de iluminar nossa
mente, elevar e dirigir nossos pensamentos, despertar nossa afeição, mover nossa
vontade, e assim capacitar nosso entendimento, a fim de compreendermos as coisas
espirituais.
       Também é fato que o ensino pessoal do Espírito Santo ao cristão de nenhuma
forma o dispensa nem o torna independente de um zeloso e cuidadoso uso do ministério
do púlpito, porque esse é um importante meio através do qual Deus edifica o Seu povo.
Há um apropriado meio termo entre a atitude do etíope que, ao ser perguntado:
“Compreendes o que vens lendo?”, respondeu: “Como poderei entender, se alguém não
me explicar?” (Atos 8.30,31), e o uso indevido de “não tendes necessidade de que
alguém vos ensine” (1 João 2.27) — entre uma servil dependência de instrumentos
humanos e uma soberba independência daqueles a quem Cristo chamou e capacitou para
alimentar as Suas ovelhas. “Não é para descansar na compreensão, no cuidado e na fé
que eles4 têm da verdade, nem ser resoluto na autoridade que eles têm; os pastores não
foram apontados por Deus para terem ‘domínio sobre a vossa fé’, mas para serem
‘cooperadores de vossa alegria’ (2 Coríntios 1.24). E é disso que depende a nossa5
utilidade diante da grande promessa que ‘seremos todos ensinados por Deus’ — isso não
acontece, a não ser que nós6 aprendamos dEle as coisas que Ele revelou na Sua Palavra”
(John Owen).
       “Todos os teus filhos serão ensinados do SENHOR” (Isaías 54.13, cfe. João
6.45). Essa é uma das grandes marcas características de um regenerado. Há multidões de
religiosos não-regenerados que são bem hábeis na letra das Escrituras, inteiramente
familiarizados com a história e com as doutrinas do Cristianismo, mas o conhecimento
deles veio apenas de agentes humanos — os pais, os professores de Escola Bíblica
Dominical, ou através da própria leitura. Dezenas de milhares de pessoas que se dizem
crentes, mas que estão destituídas da genuína graça de Deus, possuem considerável
conhecimento intelectual das coisas espirituais, conhecimento correto, límpido; contudo
não são divinamente ensinados, fato esse que fica evidente pela ausência dos frutos que
sempre acompanham esse ensino. Da mesma forma, há um grande número de
pregadores que detestam os erros do Modernismo e sinceramente lutam em favor da Fé.
Foram ensinados em escolas bíblicas ou foram treinados em seminários teológicos,
contudo é de temer que sejam totalmente estranhos à obra sobrenatural da graça em suas
almas, e que o conhecimento da verdade que eles têm é puramente teórico, não é
acompanhado de nenhuma unção celestial, nenhum poder salvador, nem de efeitos
transformadores. Por meio de diligente empenho e esforço pessoal, pode-se conseguir
uma grande quantidade de informação bíblica, e tornar-se um hábil expositor da Palavra;
mas não se pode obter dessa forma um conhecimento que influencie o coração e que o
purifique. Ninguém a não ser o Espírito da Verdade pode imprimir a lei de Deus em
meu coração, estampando a Sua imagem na minha alma, e santificar-me por meio da
Verdade.
4 Os responsáveis por pastorear o rebanho.
5 A dos responsáveis por pastorear o rebanho.
6 Os responsáveis por pastorear o rebanho.
A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink                                 -4-

        Temos aqui, então, o primeiro e o mais importante requisito para entender e
interpretar as Escrituras, ou seja, UMA MENTE ILUMINADA PELO ESPÍRITO SANTO.
Essa necessidade é fundamental e absoluta. Somos informados a respeito dos judeus:
“Mas até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles” (2
Coríntios 3.15). Ainda que o Velho Testamento seja grandemente venerado e
diligentemente estudado pelos “ortodoxos”, eles, contudo, não percebem o seu sentido
espiritual. E esse é também o caso dos gentios. Há um véu de inimizade, de má vontade
sobre o coração do homem decaído, uma vez que “o pendor da carne é inimizade contra
Deus” (Romanos 8.7). Há um véu de ignorância cobrindo a mente. Da mesma forma que
uma criança pode soletrar as letras e aprender a pronunciar palavras cujo sentido ela não
entende, assim podemos descobrir o significado literal ou gramatical desta Palavra e
contudo não ter conhecimento espiritual dela, e dessa forma pertencer à geração
daqueles de quem se diz “Ouvireis com os ouvidos e de nenhum modo entendereis;
vereis com os olhos e de nenhum modo percebereis” (Mateus 13.14). Há um véu de
preconceito sobre as afeições. “Nosso coração está obscurecido com fortes sentimentos
mundanos, e por isso não consegue avaliar claramente a verdade para aplicá-la”
(Manton). Tudo aquilo que entra em conflito com os interesses naturais e exige a
negação de si mesmo é mal recebido. Há um véu de orgulho que, de forma eficaz, impede
que nos vejamos a nós mesmos no espelho da Palavra.
       Contudo esse véu não é removido completamente do coração quando somos
regenerados, por isso a nossa visão ainda é muito imperfeita e é pequena a nossa
capacidade de receber a Verdade com benefício espiritual. Na sua primeira epístola à
igreja de Corinto, o apóstolo disse: “Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não
aprendeu ainda como convém saber” (8.2). É sinal de grande graça quando o cristão
chega a perceber esse fato. Por todo o tempo em que ele permanece neste mundo mau,
e continua nele o princípio corrupto da carne, o crente precisa ser dirigido e ensinado
pelo Espírito. Vemos isso evidenciado no caso de Davi, pois ao mesmo tempo que o
vemos declarar “Compreendo mais do que todos os meus mestres” (Salmo 119.99), nós
o encontramos orando a Deus: “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as
maravilhas da tua lei. ... Ensina-me, SENHOR, o caminho dos teus decretos... Dá-me
entendimento...” (Salmo 119.18,33,34). Repare que o salmista não se queixa da
obscuridade da lei de Deus, mas entende que a falha está em si mesmo. Ele nem mesmo
pede novas revelações (por meio de sonhos ou visões); em vez disso pede uma visão
mais clara daquilo que já havia sido revelado. É típico daqueles que foram mais bem
ensinados e há mais tempo, que estejam sempre mais prontos a sentar-se aos pés de
Cristo e aprender dEle (Lucas 10.39).
       É importante notar que o verbo, no Salmo 119.18, literalmente significa “destapar,
desvendar meus olhos”, o que confirma a nossa frase inicial do parágrafo anterior. A
Palavra de Deus é uma luz espiritual de forma objetiva, imparcial, mas para discerni-la
corretamente é necessário haver visão ou luz de forma subjetiva, uma vez que é somente
por Sua luz e na Sua luz que “vemos a luz” (Salmo 36.9). A Bíblia é, aqui, chamada de
“lei de Deus” porque está revestida com a autoridade divina, revelando as ordens da Sua
vontade. Ela não contém uma série de bons conselhos, que estamos livres para aceitar
ou não a nosso bel-prazer, mas sim imperiosos decretos que só podemos rejeitar por
nossa conta e risco. Nessa Palavra encontramos “maravilhas” que não conseguimos
A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink                                -5-

alcançar pelo mero uso da razão. São as riquezas da sabedoria divina, que estão muito
além do alcance do intelecto humano. O crente anela perceber ou discernir claramente
essas “maravilhas”, embora seja totalmente incapaz de fazê-lo sem a assistência de Deus.
Por isso, ele ora que Deus lhe desvende os olhos para que as perceba com bom proveito,
ou as apreenda com fé e obediência — isto é, para que as entenda de forma prática e
experimental no caminho da obediência.
        “Eis que Deus exalta [eleva a alma acima do meramente natural] com a sua força;
quem ensina como ele?”7 (Jó 36.22). Ninguém; quando Ele instrui, Ele o faz
eficazmente. “Assim diz o SENHOR, o teu Redentor, o Santo de Israel: Eu sou o
SENHOR, o teu Deus, que te ensina o que é útil e te guia pelo caminho em que deves
andar” (Isaías 48.17): é nisso que consiste o “ensino” de Deus — ele produz uma conduta
piedosa. Não é um mero incremento de nosso estoque mental, mas é levar a alma a uma
atividade santa. A luz que Ele comunica aquece o coração, incendeia as afeições. Assim,
longe de inchar o seu recipiente, como faz o conhecimento natural, ela humilha. Ela nos
revela a nossa ignorância e estupidez, mostra-nos nossa pecaminosidade e indignidade, e
faz o crente ver a sua própria pequenez. O ensino do Espírito também nos concede
clareza para ver a completa inutilidade das coisas que são altamente valorizadas pelos
não-regenerados, mostrando-nos a transitoriedade e a comparativa falta de valor das
honras terrenas, das riquezas e da fama, levando-nos a segurar com mão leve todas as
coisas temporais. O conhecimento concedido por Deus é transformador, fazendo-nos
abandonar pesos que atrapalham, renunciando desejos ímpios e mundanos, e viver
sensata, justa e piedosamente no presente mundo8. Ao contemplarmos a glória do
Senhor, “somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo
Senhor, o Espírito” (2 Coríntios 3.18).
       A própria característica do ensino de Deus revela a tremenda necessidade que
temos dele. Em grande parte, esse ensino é a superação da nossa antipatia natural contra
as coisas de Deus e a nossa hostilidade contra elas. Por natureza, amamos o pecado e
odiamos a santidade (João 3.19), e isso precisa ser vencido de forma eficaz pelo poder do
Espírito, antes que desejemos o genuíno leite da Palavra — repare o que tem de ser
abandonado antes que possamos receber com mansidão a Palavra em nós implantada
(Tiago 1.21; 1 Pedro 2.1); embora isso seja nossa responsabilidade, é somente Ele que
pode nos capacitar a fazê-lo. Por natureza, somos orgulhosos e independentes, auto-
suficientes e confiantes em nossa própria capacidade. Esse espírito maligno se agarra ao
cristão até o final da sua peregrinação, e somente o Espírito de Deus pode operar nele a
humildade e a mansidão necessárias para que ele se coloque como criança diante da
Palavra. O amor à honra e ao louvor dos homens é outra afeição corrupta da alma, um
obstáculo instransponível para a admissão da verdade (João 5.44, 12.43), que precisa ser
removido de nós. A feroz e persistente oposição feita por Satanás para impedir nossa
apreensão da Palavra (Mateus 13.19; 2 Coríntios 4.4) é poderosa demais para resistirmos
com nossa própria força; ninguém menos do que o Senhor pode nos libertar das suas
sugestões malignas e trazer à luz as suas mentiras e os seus raciocínios enganosos.


7
    Versão RC.
8
    Tito 2.12.
A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink                                -6-

       Em segundo lugar, é preciso UM ESPÍRITO IMPARCIAL, se queremos discernir e
apreender o verdadeiro ensino da Escritura Sagrada. Não há nada que anuvie tanto a
nossa capacidade de julgar do que opinião pré-concebida — não há pior cego do que
aquele que não quer ver. Em particular, esse é o caso de todo aquele que se achega à
Bíblia com o propósito de encontrar passagens que comprovem “nossas doutrinas”. Um
coração honesto é a primeira qualidade que o Senhor atribuiu aos ouvintes da boa terra
(Lucas 8.15), e onde isso é encontrado, estamos não apenas dispostos, mas desejosos de
ter corrigidas as nossas próprias opiniões. Não é possível fazer nenhum avanço em
nossa apreensão espiritual da verdade enquanto não estivermos prontos a submeter
nossas idéias e sentimentos ao ensino da Palavra de Deus. Nem oração nem estudo são
proveitosos para a alma, enquanto nos aferramos a nossas opiniões pré-concebidas e
perspectivas prediletas, em vez de estarmos prontos a abandonar todas as crenças que
não são claramente ensinadas nas Escrituras. Não há nada que Deus odeie mais do que a
insinceridade, e nos tornamos culpados disso se, ao mesmo tempo que pedimos que Ele
nos instrua, recusamos abandonar aquilo que está errado. Uma sede pela própria
verdade, com uma sincera determinação de moldar todo nosso pensamento e direcionar
a nossa prática conforme a verdade — é indispensável se quisermos ser espiritualmente
instruídos.
        Em terceiro lugar, UMA MENTE HUMILDE. “Esta é uma eterna e inalterável lei
instituída por Deus — aquele que deseja conhecer a Sua mente e vontade, conforme
revelada nas Escrituras, precisa ser humilde e modesto, deve renunciar toda confiança e
certeza em si mesmo. O conhecimento de um homem orgulhoso é o trono de Satanás
na sua mente. Supôr que pessoas dominadas pelo orgulho, presunção e auto-confiança
podem entender a mente de Deus de forma apropriada é rejeitar as Escrituras, e
inumeráveis testemunhos que apontam exatamente o contrário” (Owen). O Senhor
Jesus declarou que os mistérios celestiais são ocultos dos sábios e prudentes, mas
revelados aos pequeninos (Mateus 11.25). Aqueles que se julgam competentes, e são
sábios aos próprios olhos, permanecem espiritualmente ignorantes e sem iluminação.
Não importa a quantidade de conhecimento que os homens acumulem por seu esforço e
por suas habilidades naturais, isso não representa nada diante da glória de Deus, nem
produz ganho de valor eterno nenhum para as suas almas, pois o Espírito Se recusa a
instruir os altivos. “Deus resiste aos soberbos” (Tiago 4.6) — “Ele Se opõe ao soberbo,
Ele Se equipa, por assim dizer, com toda a Sua força para opor-se ao seu progresso. Que
expressão terrível! Se Deus simplesmente nos desamparar, deixando-nos por conta
própria, já nos tornamos inteiramente ignorantes e pura escuridão; assim, o que não será
o terrível caso daqueles contra quem Ele Se mostra em pé de guerra?” (John Newton).
Mas, bendito seja o Seu nome, Ele “dá graça aos humildes” — aqueles que têm uma
atitude como a de uma criança.
      Em quarto lugar, UM CORAÇÃO QUE ORA. Uma vez que a Bíblia é diferente de
todos os outros livros, ela exige dos seus leitores algo que nenhum outro livro exige.
Aquilo que um homem escreve, outro homem pode dominar por completo; mas
somente Aquele que inspirou a Palavra é competente para interpretá-la para nós. É
exatamente nesse ponto que muitos tropeçam. Eles se aproximam da Bíblia da mesma
forma que o fariam com outro livro qualquer, dependendo de atenção concentrada e
confiando numa diligente leitura para compreender o seu conteúdo. Antes de mais nada,
A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink                                 -7-

temos de dobrar nossos joelhos e suplicar a Deus que nos conceda luz: “Inclina-me o
coração aos teus testemunhos ... ensina-me para que aprenda os teus mandamentos ...
Firma os meus passos na tua palavra” (Salmo 119.36,73,133). Não é possível fazer
nenhum progresso em nossa apreensão da verdade enquanto não percebemos nossa
profunda e constante necessidade de ter os olhos ungidos por Deus. “Se, porém, algum
de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente” (Tiago 1.5). É
porque fazem uso dessa promessa que muito cristão agricultor e simples donas de casa
são ensinados pelo Espírito, ao passo que eruditos que não recorrem à oração
desconhecem os segredos do Senhor. Não apenas temos de orar “o que não vejo,
ensina-mo tu”9, mas precisamos rogar que Deus escreva a Sua Palavra em nosso
coração.
       Em quinto lugar, UMA INTENÇÃO SANTA. Muitos se enganam nesse assunto,
confundindo uma ânsia por adquirir conhecimento bíblico com o amor à própria
verdade. Curiosidade para descobrir o que a Bíblia diz é tudo o que move algumas
pessoas a lê-la. Outros são movidos por um senso de vergonha por não serem capazes
de descobrir o que ela ensina. Já outros são movidos pelo desejo de familiarizar-se com o
seu conteúdo, de forma que possam ter argumentos nalguma discussão sobre a Bíblia. Se
nada melhor do que um mero desejo de conhecer bem os seus detalhes nos move a ler a
Bíblia, é mais do que provável que o jardim da nossa alma se manterá estéril. Devemos
examinar com honestidade o nosso motivo inspirador. Estou examinando as Escrituras com
o objetivo de conhecer melhor o seu Autor e a Sua vontade para mim? O propósito
dominante que me move é crescer na graça e no conhecimento do Senhor? É que eu
descubra mais clara e plenamente como devo ordenar os detalhes da minha vida, de
forma que agrade e honre mais a Ele? É que eu possa ser conduzido a um andar mais
chegado a Deus e ao gozo de comunhão mais contínua com Ele? Nada menos que isso é
alvo digno: que eu possa ser conformado e transformado pelo seu santo ensino.
       Neste capítulo, lidamos apenas com o lado elementar do nosso assunto, contudo
ele é de importância fundamental, e são poucos que a ele prestam atenção. Mesmo nos
prósperos anos dos Puritanos, Owen se queixava: “são muito poucos aqueles que
diligentemente, humildemente, e cuidadosamente se empenham em aprender a verdade
da voz de Deus nas Escrituras, ou procuram crescer em instrução nos mistérios do
Evangelho pelos únicos meios pelos quais essa sabedoria pode ser adquirida. É de
admirar, portanto, se a maioria dos homens vagueia após as suas próprias vãs
imaginações ou dos outros?” Que não aconteça isso com quem estiver lendo este
capítulo.




                                    Tradução: Helio Kirchheim


9
    Jó 34.32.

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A interpretacao das escrituras [ capitulo 2 ]A.W PINK

  • 1. A Interpretação das Escrituras A. W. Pink Capítulo 2 No capítulo anterior, tentamos mostrar a necessidade da interpretação, como ela nos possibilita a certeza do entendimento do que significa cada sentença da Santa Escritura. Aquilo que Deus nos disse é de inestimável importância e valor, contudo qual é o proveito que podemos usufruir disso a não ser que o seu significado seja claro para nós? O Espírito Santo nos tem dado mais do que uma pista a esse respeito, ao nos explicar o significado de certas palavras. Por exemplo, no primeiro capítulo do Novo Testamento, somos informados a respeito de Cristo que “ele será chamado pelo nome de EMANUEL. (EMANUEL traduzido1 é: Deus conosco)” (Mateus 1.23). Também em João 1.41: “Achamos o Messias (que, traduzido2, é o Cristo)”. E em Marcos 15.22: “E levaram-no ao lugar do Gólgota, que se traduz3 por lugar da Caveira”. Também em Hebreus 7.1,2: “este Melquisedeque, ... primeiramente é, por interpretação, rei de justiça e depois também rei de Salém, que é rei de paz”. Essas expressões tornam claro que é essencial entendermos o sentido de cada palavra usada nas Escrituras. A Palavra de Deus é formada de palavras, contudo elas nada nos comunicam enquanto permanecem incompreensíveis. Por essa razão, certificar-nos do exato entendimento daquilo que lemos deve ser a nossa primeira preocupação. Antes de apresentar algumas regras para observar, e os princípios que se devem usar na interpretação da Escritura, queremos apresentar várias coisas que obrigatoriamente precisam estar presentes no próprio intérprete. Boas ferramentas são de fato indispensáveis para um bom trabalho, mas as melhores delas são de pouco proveito nas mãos de alguém desqualificado para usá-las. Os métodos de estudo bíblico têm importância meramente relativa; enquanto o espírito em que se estudam as Escrituras é crucial. Não é nem preciso argumentar para provar que um livro espiritual exige um leitor de mente espiritual, uma vez que “o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Coríntios 2.14). A Palavra de Deus é uma revelação de coisas da maior importância e que dizem respeito ao nosso bem-estar eterno, e ela exige acolhida integral e de coração. Exige-se algo mais do que um simples treinamento intelectual: o coração tem de estar certo, tanto quanto a cabeça. É somente onde existe honestidade de alma e espiritualidade de coração que haverá clareza de visão para perceber a Verdade; apenas então a mente será capaz de discernir o pleno significado do que estiver sendo lido, e entender não apenas o mero significado das palavras, mas também os sentimentos que elas devem transmitir, e uma adequada reação de nossa parte. 1 Versão RC. Em inglês, na versão King James, lê-se assim: “Emanuel, que, INTERPRETADO, significa Deus conosco”. 2 Idem à nota anterior. 3 Idem à nota anterior.
  • 2. A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink -2- Queremos repetir aqui aquilo que, vinte anos atrás, escrevemos em nossos Estudos nas Escrituras. “Há fortes razões para crer que muita leitura bíblica e muito estudo bíblico nos últimos anos não tem gerado proveito espiritual aos envolvidos nessa leitura e nesse estudo. Sim, e vamos além: tememos muito que em muitos casos isso tudo tem se mostrado uma maldição em vez de ser uma bênção. Palavras duras essas, bem o reconhecemos, mas não são mais duras do que o caso exige. Os dons de Deus podem ser usados de forma incorreta e também se pode abusar das misericórdias dEle. É fácil comprovar que isso está ocorrendo: basta ver a evidência dos frutos produzidos. Até mesmo o homem natural pode (e frequentemente o faz) encarar o estudo das Escrituras com o mesmo entusiasmo e satisfação com que encara o estudo de alguma ciência. Onde isso ocorre, há um aumento de conhecimento, e também de orgulho. À semelhança do químico ocupado em interessantes experiências, aquele que pesquisa intelectualmente a Palavra muito se alegra quando faz alguma nova descoberta, e contudo a alegria desse último não é mais espiritual do que a do químico. Assim também, da mesma forma que o sucesso do químico em geral aumenta o seu senso de importância e o leva a olhar para baixo, para aqueles mais ignorantes do que ele, assim infelizmente é o caso daqueles que se dedicam à investigação dos números na Bíblia, a tipologia, a profecia...” Uma vez que a imaginação do homem, à semelhança de todas as suas outras faculdades morais, está infiltrada e depravada pelo pecado, as idéias que ela sugere, mesmo quando medita nos oráculos divinos, são propensas ao erro e são corruptas. Faz parte de nossa fraqueza pecaminosa o sermos incapazes de interpretar corretamente a Palavra de Deus por nós mesmos; mas é parte do gracioso ofício do Espírito Santo guiar os crentes à verdade, capacitando-os dessa forma a compreender as Escrituras. Essa é uma operação inconfundível e especial do Espírito na mente do povo de Deus, por meio da qual Ele lhes comunica sabedoria e luz espirituais, e que é essencial para discernir de forma correta a mente de Deus na Sua Palavra, e para apreender as coisas celestiais que ali se encontram. “Uma operação inconfundível” foi o que dissemos, querendo dizer algo ab extra ou mais alto ou acima da Sua operação inicial de ressuscitar; visto que, embora seja uma verdade bendita que, na regeneração, Ele “nos tem dado entendimento para reconhecermos o verdadeiro” (1 João 5.20), contudo precisamos de mais “para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente” (1 Coríntios 2.12). Isso fica evidente no caso dos apóstolos, porque embora tivessem convivido com Cristo e estivessem em comunhão com Ele ao longo de três anos, somos informados que, ao final desse tempo todo, Ele “lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras” (Lucas 24.45). Isso que acabamos de mencionar deve gerar no cristão uma profunda consciência da necessidade de um santo cuidado na leitura da Palavra, sob pena de sofrer sério dano! Isso deve humilhá-lo diante do Autor das Escrituras, levando-o a perceber sua completa dependência dEle! Se o novo nascimento fosse suficiente para capacitar o crente a entender as coisas de Deus, jamais o apóstolo teria suplicado a Deus em favor dos santos colossenses: “que transbordeis de pleno conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual” (1.9), nem teria ele dito a seu filho na fé: “o Senhor te dará compreensão em todas as coisas” (2 Timóteo 2.7). Não existe idéia mais tola nem perniciosa do que a suposição de que os mistérios do Evangelhos estejam ao alcance da razão humana, e que podem ser conhecidos com real proveito e por experiência sem a
  • 3. A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink -3- eficaz ajuda do bendito Espírito da Verdade. Não é que Ele nos instrua de alguma outra forma que não seja por meio e através da razão e do entendimento (de outra forma seríamos reduzidos a criaturas irracionais), mas o fato é que Ele tem de iluminar nossa mente, elevar e dirigir nossos pensamentos, despertar nossa afeição, mover nossa vontade, e assim capacitar nosso entendimento, a fim de compreendermos as coisas espirituais. Também é fato que o ensino pessoal do Espírito Santo ao cristão de nenhuma forma o dispensa nem o torna independente de um zeloso e cuidadoso uso do ministério do púlpito, porque esse é um importante meio através do qual Deus edifica o Seu povo. Há um apropriado meio termo entre a atitude do etíope que, ao ser perguntado: “Compreendes o que vens lendo?”, respondeu: “Como poderei entender, se alguém não me explicar?” (Atos 8.30,31), e o uso indevido de “não tendes necessidade de que alguém vos ensine” (1 João 2.27) — entre uma servil dependência de instrumentos humanos e uma soberba independência daqueles a quem Cristo chamou e capacitou para alimentar as Suas ovelhas. “Não é para descansar na compreensão, no cuidado e na fé que eles4 têm da verdade, nem ser resoluto na autoridade que eles têm; os pastores não foram apontados por Deus para terem ‘domínio sobre a vossa fé’, mas para serem ‘cooperadores de vossa alegria’ (2 Coríntios 1.24). E é disso que depende a nossa5 utilidade diante da grande promessa que ‘seremos todos ensinados por Deus’ — isso não acontece, a não ser que nós6 aprendamos dEle as coisas que Ele revelou na Sua Palavra” (John Owen). “Todos os teus filhos serão ensinados do SENHOR” (Isaías 54.13, cfe. João 6.45). Essa é uma das grandes marcas características de um regenerado. Há multidões de religiosos não-regenerados que são bem hábeis na letra das Escrituras, inteiramente familiarizados com a história e com as doutrinas do Cristianismo, mas o conhecimento deles veio apenas de agentes humanos — os pais, os professores de Escola Bíblica Dominical, ou através da própria leitura. Dezenas de milhares de pessoas que se dizem crentes, mas que estão destituídas da genuína graça de Deus, possuem considerável conhecimento intelectual das coisas espirituais, conhecimento correto, límpido; contudo não são divinamente ensinados, fato esse que fica evidente pela ausência dos frutos que sempre acompanham esse ensino. Da mesma forma, há um grande número de pregadores que detestam os erros do Modernismo e sinceramente lutam em favor da Fé. Foram ensinados em escolas bíblicas ou foram treinados em seminários teológicos, contudo é de temer que sejam totalmente estranhos à obra sobrenatural da graça em suas almas, e que o conhecimento da verdade que eles têm é puramente teórico, não é acompanhado de nenhuma unção celestial, nenhum poder salvador, nem de efeitos transformadores. Por meio de diligente empenho e esforço pessoal, pode-se conseguir uma grande quantidade de informação bíblica, e tornar-se um hábil expositor da Palavra; mas não se pode obter dessa forma um conhecimento que influencie o coração e que o purifique. Ninguém a não ser o Espírito da Verdade pode imprimir a lei de Deus em meu coração, estampando a Sua imagem na minha alma, e santificar-me por meio da Verdade. 4 Os responsáveis por pastorear o rebanho. 5 A dos responsáveis por pastorear o rebanho. 6 Os responsáveis por pastorear o rebanho.
  • 4. A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink -4- Temos aqui, então, o primeiro e o mais importante requisito para entender e interpretar as Escrituras, ou seja, UMA MENTE ILUMINADA PELO ESPÍRITO SANTO. Essa necessidade é fundamental e absoluta. Somos informados a respeito dos judeus: “Mas até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles” (2 Coríntios 3.15). Ainda que o Velho Testamento seja grandemente venerado e diligentemente estudado pelos “ortodoxos”, eles, contudo, não percebem o seu sentido espiritual. E esse é também o caso dos gentios. Há um véu de inimizade, de má vontade sobre o coração do homem decaído, uma vez que “o pendor da carne é inimizade contra Deus” (Romanos 8.7). Há um véu de ignorância cobrindo a mente. Da mesma forma que uma criança pode soletrar as letras e aprender a pronunciar palavras cujo sentido ela não entende, assim podemos descobrir o significado literal ou gramatical desta Palavra e contudo não ter conhecimento espiritual dela, e dessa forma pertencer à geração daqueles de quem se diz “Ouvireis com os ouvidos e de nenhum modo entendereis; vereis com os olhos e de nenhum modo percebereis” (Mateus 13.14). Há um véu de preconceito sobre as afeições. “Nosso coração está obscurecido com fortes sentimentos mundanos, e por isso não consegue avaliar claramente a verdade para aplicá-la” (Manton). Tudo aquilo que entra em conflito com os interesses naturais e exige a negação de si mesmo é mal recebido. Há um véu de orgulho que, de forma eficaz, impede que nos vejamos a nós mesmos no espelho da Palavra. Contudo esse véu não é removido completamente do coração quando somos regenerados, por isso a nossa visão ainda é muito imperfeita e é pequena a nossa capacidade de receber a Verdade com benefício espiritual. Na sua primeira epístola à igreja de Corinto, o apóstolo disse: “Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como convém saber” (8.2). É sinal de grande graça quando o cristão chega a perceber esse fato. Por todo o tempo em que ele permanece neste mundo mau, e continua nele o princípio corrupto da carne, o crente precisa ser dirigido e ensinado pelo Espírito. Vemos isso evidenciado no caso de Davi, pois ao mesmo tempo que o vemos declarar “Compreendo mais do que todos os meus mestres” (Salmo 119.99), nós o encontramos orando a Deus: “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei. ... Ensina-me, SENHOR, o caminho dos teus decretos... Dá-me entendimento...” (Salmo 119.18,33,34). Repare que o salmista não se queixa da obscuridade da lei de Deus, mas entende que a falha está em si mesmo. Ele nem mesmo pede novas revelações (por meio de sonhos ou visões); em vez disso pede uma visão mais clara daquilo que já havia sido revelado. É típico daqueles que foram mais bem ensinados e há mais tempo, que estejam sempre mais prontos a sentar-se aos pés de Cristo e aprender dEle (Lucas 10.39). É importante notar que o verbo, no Salmo 119.18, literalmente significa “destapar, desvendar meus olhos”, o que confirma a nossa frase inicial do parágrafo anterior. A Palavra de Deus é uma luz espiritual de forma objetiva, imparcial, mas para discerni-la corretamente é necessário haver visão ou luz de forma subjetiva, uma vez que é somente por Sua luz e na Sua luz que “vemos a luz” (Salmo 36.9). A Bíblia é, aqui, chamada de “lei de Deus” porque está revestida com a autoridade divina, revelando as ordens da Sua vontade. Ela não contém uma série de bons conselhos, que estamos livres para aceitar ou não a nosso bel-prazer, mas sim imperiosos decretos que só podemos rejeitar por nossa conta e risco. Nessa Palavra encontramos “maravilhas” que não conseguimos
  • 5. A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink -5- alcançar pelo mero uso da razão. São as riquezas da sabedoria divina, que estão muito além do alcance do intelecto humano. O crente anela perceber ou discernir claramente essas “maravilhas”, embora seja totalmente incapaz de fazê-lo sem a assistência de Deus. Por isso, ele ora que Deus lhe desvende os olhos para que as perceba com bom proveito, ou as apreenda com fé e obediência — isto é, para que as entenda de forma prática e experimental no caminho da obediência. “Eis que Deus exalta [eleva a alma acima do meramente natural] com a sua força; quem ensina como ele?”7 (Jó 36.22). Ninguém; quando Ele instrui, Ele o faz eficazmente. “Assim diz o SENHOR, o teu Redentor, o Santo de Israel: Eu sou o SENHOR, o teu Deus, que te ensina o que é útil e te guia pelo caminho em que deves andar” (Isaías 48.17): é nisso que consiste o “ensino” de Deus — ele produz uma conduta piedosa. Não é um mero incremento de nosso estoque mental, mas é levar a alma a uma atividade santa. A luz que Ele comunica aquece o coração, incendeia as afeições. Assim, longe de inchar o seu recipiente, como faz o conhecimento natural, ela humilha. Ela nos revela a nossa ignorância e estupidez, mostra-nos nossa pecaminosidade e indignidade, e faz o crente ver a sua própria pequenez. O ensino do Espírito também nos concede clareza para ver a completa inutilidade das coisas que são altamente valorizadas pelos não-regenerados, mostrando-nos a transitoriedade e a comparativa falta de valor das honras terrenas, das riquezas e da fama, levando-nos a segurar com mão leve todas as coisas temporais. O conhecimento concedido por Deus é transformador, fazendo-nos abandonar pesos que atrapalham, renunciando desejos ímpios e mundanos, e viver sensata, justa e piedosamente no presente mundo8. Ao contemplarmos a glória do Senhor, “somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2 Coríntios 3.18). A própria característica do ensino de Deus revela a tremenda necessidade que temos dele. Em grande parte, esse ensino é a superação da nossa antipatia natural contra as coisas de Deus e a nossa hostilidade contra elas. Por natureza, amamos o pecado e odiamos a santidade (João 3.19), e isso precisa ser vencido de forma eficaz pelo poder do Espírito, antes que desejemos o genuíno leite da Palavra — repare o que tem de ser abandonado antes que possamos receber com mansidão a Palavra em nós implantada (Tiago 1.21; 1 Pedro 2.1); embora isso seja nossa responsabilidade, é somente Ele que pode nos capacitar a fazê-lo. Por natureza, somos orgulhosos e independentes, auto- suficientes e confiantes em nossa própria capacidade. Esse espírito maligno se agarra ao cristão até o final da sua peregrinação, e somente o Espírito de Deus pode operar nele a humildade e a mansidão necessárias para que ele se coloque como criança diante da Palavra. O amor à honra e ao louvor dos homens é outra afeição corrupta da alma, um obstáculo instransponível para a admissão da verdade (João 5.44, 12.43), que precisa ser removido de nós. A feroz e persistente oposição feita por Satanás para impedir nossa apreensão da Palavra (Mateus 13.19; 2 Coríntios 4.4) é poderosa demais para resistirmos com nossa própria força; ninguém menos do que o Senhor pode nos libertar das suas sugestões malignas e trazer à luz as suas mentiras e os seus raciocínios enganosos. 7 Versão RC. 8 Tito 2.12.
  • 6. A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink -6- Em segundo lugar, é preciso UM ESPÍRITO IMPARCIAL, se queremos discernir e apreender o verdadeiro ensino da Escritura Sagrada. Não há nada que anuvie tanto a nossa capacidade de julgar do que opinião pré-concebida — não há pior cego do que aquele que não quer ver. Em particular, esse é o caso de todo aquele que se achega à Bíblia com o propósito de encontrar passagens que comprovem “nossas doutrinas”. Um coração honesto é a primeira qualidade que o Senhor atribuiu aos ouvintes da boa terra (Lucas 8.15), e onde isso é encontrado, estamos não apenas dispostos, mas desejosos de ter corrigidas as nossas próprias opiniões. Não é possível fazer nenhum avanço em nossa apreensão espiritual da verdade enquanto não estivermos prontos a submeter nossas idéias e sentimentos ao ensino da Palavra de Deus. Nem oração nem estudo são proveitosos para a alma, enquanto nos aferramos a nossas opiniões pré-concebidas e perspectivas prediletas, em vez de estarmos prontos a abandonar todas as crenças que não são claramente ensinadas nas Escrituras. Não há nada que Deus odeie mais do que a insinceridade, e nos tornamos culpados disso se, ao mesmo tempo que pedimos que Ele nos instrua, recusamos abandonar aquilo que está errado. Uma sede pela própria verdade, com uma sincera determinação de moldar todo nosso pensamento e direcionar a nossa prática conforme a verdade — é indispensável se quisermos ser espiritualmente instruídos. Em terceiro lugar, UMA MENTE HUMILDE. “Esta é uma eterna e inalterável lei instituída por Deus — aquele que deseja conhecer a Sua mente e vontade, conforme revelada nas Escrituras, precisa ser humilde e modesto, deve renunciar toda confiança e certeza em si mesmo. O conhecimento de um homem orgulhoso é o trono de Satanás na sua mente. Supôr que pessoas dominadas pelo orgulho, presunção e auto-confiança podem entender a mente de Deus de forma apropriada é rejeitar as Escrituras, e inumeráveis testemunhos que apontam exatamente o contrário” (Owen). O Senhor Jesus declarou que os mistérios celestiais são ocultos dos sábios e prudentes, mas revelados aos pequeninos (Mateus 11.25). Aqueles que se julgam competentes, e são sábios aos próprios olhos, permanecem espiritualmente ignorantes e sem iluminação. Não importa a quantidade de conhecimento que os homens acumulem por seu esforço e por suas habilidades naturais, isso não representa nada diante da glória de Deus, nem produz ganho de valor eterno nenhum para as suas almas, pois o Espírito Se recusa a instruir os altivos. “Deus resiste aos soberbos” (Tiago 4.6) — “Ele Se opõe ao soberbo, Ele Se equipa, por assim dizer, com toda a Sua força para opor-se ao seu progresso. Que expressão terrível! Se Deus simplesmente nos desamparar, deixando-nos por conta própria, já nos tornamos inteiramente ignorantes e pura escuridão; assim, o que não será o terrível caso daqueles contra quem Ele Se mostra em pé de guerra?” (John Newton). Mas, bendito seja o Seu nome, Ele “dá graça aos humildes” — aqueles que têm uma atitude como a de uma criança. Em quarto lugar, UM CORAÇÃO QUE ORA. Uma vez que a Bíblia é diferente de todos os outros livros, ela exige dos seus leitores algo que nenhum outro livro exige. Aquilo que um homem escreve, outro homem pode dominar por completo; mas somente Aquele que inspirou a Palavra é competente para interpretá-la para nós. É exatamente nesse ponto que muitos tropeçam. Eles se aproximam da Bíblia da mesma forma que o fariam com outro livro qualquer, dependendo de atenção concentrada e confiando numa diligente leitura para compreender o seu conteúdo. Antes de mais nada,
  • 7. A Interpretação das Escrituras — 02 — A. W. Pink -7- temos de dobrar nossos joelhos e suplicar a Deus que nos conceda luz: “Inclina-me o coração aos teus testemunhos ... ensina-me para que aprenda os teus mandamentos ... Firma os meus passos na tua palavra” (Salmo 119.36,73,133). Não é possível fazer nenhum progresso em nossa apreensão da verdade enquanto não percebemos nossa profunda e constante necessidade de ter os olhos ungidos por Deus. “Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente” (Tiago 1.5). É porque fazem uso dessa promessa que muito cristão agricultor e simples donas de casa são ensinados pelo Espírito, ao passo que eruditos que não recorrem à oração desconhecem os segredos do Senhor. Não apenas temos de orar “o que não vejo, ensina-mo tu”9, mas precisamos rogar que Deus escreva a Sua Palavra em nosso coração. Em quinto lugar, UMA INTENÇÃO SANTA. Muitos se enganam nesse assunto, confundindo uma ânsia por adquirir conhecimento bíblico com o amor à própria verdade. Curiosidade para descobrir o que a Bíblia diz é tudo o que move algumas pessoas a lê-la. Outros são movidos por um senso de vergonha por não serem capazes de descobrir o que ela ensina. Já outros são movidos pelo desejo de familiarizar-se com o seu conteúdo, de forma que possam ter argumentos nalguma discussão sobre a Bíblia. Se nada melhor do que um mero desejo de conhecer bem os seus detalhes nos move a ler a Bíblia, é mais do que provável que o jardim da nossa alma se manterá estéril. Devemos examinar com honestidade o nosso motivo inspirador. Estou examinando as Escrituras com o objetivo de conhecer melhor o seu Autor e a Sua vontade para mim? O propósito dominante que me move é crescer na graça e no conhecimento do Senhor? É que eu descubra mais clara e plenamente como devo ordenar os detalhes da minha vida, de forma que agrade e honre mais a Ele? É que eu possa ser conduzido a um andar mais chegado a Deus e ao gozo de comunhão mais contínua com Ele? Nada menos que isso é alvo digno: que eu possa ser conformado e transformado pelo seu santo ensino. Neste capítulo, lidamos apenas com o lado elementar do nosso assunto, contudo ele é de importância fundamental, e são poucos que a ele prestam atenção. Mesmo nos prósperos anos dos Puritanos, Owen se queixava: “são muito poucos aqueles que diligentemente, humildemente, e cuidadosamente se empenham em aprender a verdade da voz de Deus nas Escrituras, ou procuram crescer em instrução nos mistérios do Evangelho pelos únicos meios pelos quais essa sabedoria pode ser adquirida. É de admirar, portanto, se a maioria dos homens vagueia após as suas próprias vãs imaginações ou dos outros?” Que não aconteça isso com quem estiver lendo este capítulo. Tradução: Helio Kirchheim 9 Jó 34.32.