Silves era uma importante cidade muçulmana no sul de Portugal, localizada em uma planície fértil com abundantes recursos naturais. Era protegida por fortes muralhas e tinha um porto ativo no comércio regional e internacional. Sua população incluía árabes cultos do Iêmen e a cidade era conhecida por sua poesia e cultura florescentes.
Silves, uma importante cidade portuária do Algarve muçulmano
1. Silves, uma cidade do Gharb Al-Andaluz
“Silves, bela cidade edificada numa planície, está rodeada por fortes muralhas”
A cidade muçulmana de Silves, apesar do autor localizá-la numa planície ela implantase numa pequena elevação que atinge cerca de 50m de altura. Como outras cidades do
Gharbe Al –Andaluz esta cidade ocupa mais uma vez uma posição privilegiada e
estratégica. Não que tenham sido os islâmicos a fundar essas cidades em lugares mais
elevados, pois o que acontecia era que eles herdavam esses locais dos antepassados que
habitavam a cidade. A novidade que se dá durante o domínio muçulmano é o grande
reforço e importância que essa zona vai possuir em que Silves não é excepção e como o
próprio Edrici refere: “está rodeada por fortes muralhas”[1] Então, é um facto que a
posição e reforço militar da cidade de Silves é algo que não passa despercebido a Edrici
durante os inícios do século XII. Não é difícil de encontrarmos explicações para o facto
de que Silves estivesse tão bem apetrechada a nível militar, vejamos: Silves a partir do
século X começa a destacar-se como uma das principais urbes do Gharb Al-Andaluz,
nomeadamente pela sua implantação estratégica em termos de recursos naturais entre a
serra e o litoral, no cruzamento de duas das principais vias de acesso ao Algarve (por S.
Bartolomeu de Messines e outra por Monchique) com a que longitudinalmente
atravessava aquela região, encontrando-se ainda suficientemente próxima da costa
sendo, por isso, considerada como uma cidade portuária.[2] Por outro lado a cidade
muçulmana de Silves e também normalmente de todas as outras constituía-se como o
centro de poder religioso, politico, jurídico e militar e aí encontravam-se as elites
político-militares, administrativas e religiosas, nomeadamente na alcáçova, enquanto o
poder judicial habitava nas proximidades da alcáçova mas por sua vez na Medina,[3]tais
pessoas que ocupavam esses cargos públicos importantes e de chefia deveriam estar em
segurança não só eles bem como os edifícios que serviam para o estabelecimento desses
poderes.
Por fim é necessário constatarmos o contexto do domínio muçulmano na Península
Ibérica, que tiveram sempre como inimigos os cristãos e que desde o século VIII
começavam gradualmente a absorver territórios muçulmanos através da reconquista a
partir do Norte da Península Ibérica, face a esta presença e ameaça constante do avanço
2. cristão não é de estranhar que Silves encontre-se altamente bem defendida nos inícios
do século XII.
Este forte sistema defensivo não se limitava só à cidade propriamente dita. A segurança
do território dependente de Silves assentava também num importante sistema defensivo,
constituído por povoações amuralhadas, pequenas fortificações e torres atalaias[4]. A
maior concentração desses dispositivos situava-se próximo da cidade, sob o seu
controlo directo o que reforça ainda mais o carácter defensivo e militar da cidade, mas
também as podemos encontrar próximas de agregados urbanos perto do mar,
defendendo-os da pirataria cristã, porém também vigiavam os principais caminhos
permitindo assim uma circulação de bens e pessoas mais segura. Em caso de perigo elas
serviriam de refúgio, nomeadamente aos habitantes de pequenas povoações e das
propriedades agrícolas.[5]
“Os arredores estão cobertos de hortas e pomares. Bebe-se água de um rio, que banha a
povoação pelo sul e move moinhos. (…) O Oceano fica apenas a três milhas, a ocidente
(...) As montanhas próximas produzem grande quantidade de madeiras (…)”
A região da cidade de Silves localiza-se numa área abundante em recursos
naturais proporcionando abundância e bem-estar. Em Silves segundo Rosa Varela
Gomes[6], encontramos uma importante veiga fértil, orientada nordeste-sudeste,
predominando, em particular junto ao rio Arade. A fertilidade dos solos, com boas
aptidões agrícolas, de tipo mediterrâneo, permitiu o cultivo das célebres hortas, pomares
de amêndoas, pomares de macieiras, figos e uvas. Devido à proximidade do rio, seriam
usadas culturas de regadio, que eram bastante utilizadas pela população muçulmana. O
rio assim como as linhas de água e fontes eram utilizadas para a irrigação em que os
muçulmanos empregavam novas técnicas de regadio como a nora, a azenha ou o açude,
isto é mencionado no documento quando Edrici[7] aludiu “Bebe-se água de um rio, que
banha a povoação pelo sul e move moinhos.” Segundo Rosa Varela Gomes[8], em torno
de Silves, existiam diferentes assentamentos agrícolas e comunidades instaladas junto à
costa, que conciliavam, muitas vezes, a pesca com a agricultura, traduzindo-se na sábia
estratégia de exploração dos recursos naturais e dos meios de produção disponíveis,
consoante as épocas do ano, as oportunidades e a rentabilidade pretendidas. As
principais explorações muçulmanas junto a Silves correspondiam 7850 hectares,
mostrando 42 % de solos com boa capacidade agrícola.
3. O território de Silves, possui vastas extensões de planícies e terras baixas e uma cadeia
montanhosa de cumes elevados,[9] onde tem pastagens e produz-se em grande
quantidade as macieiras devido à existência de recursos hidrográficos. As montanhas
em redor de Silves produzem uma grande quantidade de madeira tanto para o estaleiro
como para a exportação, actualmente as pequenas manchas de castanheiros e carvalhos
que se encontram à volta de Monchique são o resto de uma floresta que durante séculos
alimentou a construção naval algarvia.
Silves possui importantes recursos hidrográficos que permitiram a ligação entre
a costa que se localizava segundo o geógrafo Edrisi a três milhas de Silves, e o interior
algarvio. Segundo Rosa Varela Gomes[10], o rio Arade que passa junto a Silves é um
bom exemplo pois desde a Antiguidade até meados do século XVI, era uma das
principais vias de acesso. No início da centúria, este rio permitia a navegabilidade de
barcaças carregadas de cortiça e frutos secos que carregavam para o litoral Para além
deste aspecto, Silves possuía um porto onde era realizado as trocas comerciais entre o
litoral.
Deste modo, a distribuição demográfica no território de Silves coincide com os
terrenos mais ricos e localizados junto ao rio Arade, onde aproveitam terras aluvionares
e a água proporcionada pelo rio.
“Tem um porto sobre o rio e estaleiros. As montanhas próximas produzem grande
quantidade de madeiras que se exportam para longe. (…) A cidade é bonita e nela se
vêem elegantes edifícios e mercados bem fornecidos. A cidade de Silves faz parte da
província de Axinxine cujo território é celebrado pelos figos que produz, enviados para
todas as regiões do ocidente e que são de uma excelência e doçura incomparáveis.”
Durante grande parte da Idade Média, Silves exerceu uma enorme influência económica
que abrangia todo o Barlavento Algarvio. Silves era um centro comercial e marítimo de
relevo sendo um centro de comunicações onde passava estradas com destino a Lagos,
Portimão. Ossónoba (Faro) e Alcácer do Sal. Edrici faz uma alusão a ”um porto sobre o
rio e estaleiros”[11], referindo-se a um porto sobre o rio Arade que era responsável por
uma intensa actividade comercial, enraizando uma vida marítima feita de comércio, de
pirataria ou de actividades navais "oficiais". O porto desempenhava várias funções,
4. recebendo as barcaças que subiam até às portas da cidade, carregadas de mercadorias,
permitia a exportação de produtos agrícolas nomeadamente os figos que eram “enviados
para todas as regiões do ocidente e que são de uma excelência e doçura incomparáveis.”
(EDRICI)[12] e as montanhas circundantes “produzem grande quantidade de madeiras
que se exportam para longe.” (EDRICI)[13]. O porto também servia de escala para
numerosos navios (abrigando e equipando) que desde o final do século IX, percorriam o
Oceano Atlântico ao longo das costas. Os barcos que eram construídos no porto eram
utilizados por pescadores que colhiam o seu peixe no rio até Vila Nova ou então na
captura de baleias na costa algarvia ou mesmo em alto-mar.
Uma fatwa de Ibn Rushd, cádi-mor de Córdova, menciona que no século XI a XII
existia uma associação de oito grandes proprietários da região de Silves que exploravam
as florestas da Serra do Arade e de Monchique. De facto, os produtos florestais
sobretudo de Monchique, revestiam um particular interesse para os muçulmanos uma
vez que eram uma raridade no mundo muçulmano.
Os Portos serviam essencialmente para as actividades comerciais mas também
desempenharam a função de postos de vigilância (Alcácer e Lisboa). Nos princípios do
século XII, para além da preponderância que exercia junto do comércio local, Silves
tornou-se um centro de comércio e de escala marítima importante, em relação com o
Oriente (sobretudo com o Egipto) o Magrebe mediterrânico e atlântico, até ao deserto e
com a Europa cristã, quer no Oceano, quer no Mediterrâneo, particularmente com a
Itália. Silves, era um ponto de chegada das principais vias do Al-Andaluz. Estas vias
eram no sentido Leste – Oeste desde Sevilha, por exemplo, mas também Norte-Sul,
desde as antigas cidades muçulmanas de Lisboa e Santarém.
No século XII, esta região conhece o seu ponto de viragem, passando de um local
secundário a uma cidade importante.
Silves possuía uma grande e próspera cidade que chegava a ser muito mais forte do que
Lisboa e dez vezes mais rica e com edifícios de mais valor, “A cidade é bonita e nela se
vêem elegantes edifícios e mercados bem fornecidos” (EDRICI)[14], ressaltando a sua
importância política e sociocultural.
Silves deve o seu desenvolvimento à diversidade, quantidade e qualidade dos recursos
naturais existentes no seu território, assim como às novas tecnologias aplicadas.
5. “A população, bem como a dos povoados vizinhos, é constituída por árabes do Iémene e
outros que falam um dialecto árabe muito puro. Sabem também dizer versos e, em geral,
são eloquentes e hábeis, tanto a gente do povo como a das classes elevadas.”
Silves foi uma cidade que inspirou poetas, sendo Al- Muthamid (século XI) a figura
lendária mais conhecida. Al-Mu'tamid filho e sucessor do rei árabe de Sevilha. Foi
poeta e rei, amante e guerreiro e dedicou a Silves muitos dos seus magníficos poemas.
O poeta cantou eloquentemente a terra fértil do vale do rio e os seus belos pomares. A
ligação de Silves às artes e ao conhecimento é uma tónica, que se mantém ao longo dos
vários séculos de ocupação. A poesia de Silves era ligada aos prazeres da vida, às
vivências da cidade, estes poemas rapidamente se difundiram por outros territórios
levando outros poetas à cidade e principalmente ao palácio. Nos poemas era bem
expressa a magnificência da cidade, associando-se à presença dos seus inesquecíveis
poetas como Mariame Alansari, Ibne Almilhe, Ibne Amar, Assilbia. Como grande
centro cultural, Silves também foi palco de inúmeros historiadores e filósofos como Ibn
Qasi, Ibne Asside, Ibne Mozaine, Ibne Badr–un e Salam Al-B–ahil.
Na época dos Almorávidas, Silves é caracterizada pelo triunfo da oratória, da
história e das ciências exactas. Nesta época floresceu em Silves em Silves a poesia
associando-se à presença de poetas como Ibne Atalá, Ibne Arruhe, Ibne Abi Habibe,
Ibne Assaíade e Ibne Habibe.
A preponderância e influência de Silves pode estar relacionada com os seus primeiros
ocupantes maometanos que, segundo alguns textos, seriam oriundos do Iémen. A quase
mítica proveniência dos seus habitantes, da região que esteve na origem da própria
civilização islâmica, enobreceu-a, tal como por ter sido uma das últimas grandes cidades
muçulmanas do Ocidente Peninsular.
“De Silves a Badajoz, 3 jornadas.
De Silves à fortaleza de Mértola, 4 jornadas.
De Mértola a Huelva, 2 jornadas curtas.
De Silves ao estreito de Azauia, porto e vila, 20 milhas.
De lá a Sagres, vila à beira-mar, 18 milhas pelo oceano, 12 milhas.
Daí à igreja do Corvo, 7 milhas”.
6. Por fim Edrici faz referência ás distâncias entre alguns locais do Gharbe Al-Andaluz, na
realidade estas referências que Edrici faz ás distâncias parecem ser uma imagem de
marca deste autor pois este tipo de descrição é bastante comum em muitos dos textos da
sua autoria. Haveria algum motivo para que ele anotasse todas estas distâncias? Bem,
isso é algo que de facto que não podemos responder com exactidão, contudo,
poderemos ter a ideia de que sendo ele um geógrafo era com naturalidade que ele
registasse essas distâncias, era algo que enquanto geógrafo deveria ser feito, era a
realidade da sua função enquanto geógrafo. E na verdade essas indicações que em
primeira instância podem-nos parecer algo que não é de alguma importância o são, pois
a transmissão dessas distâncias a outras pessoas que iriam percorrer esses destinos seria
muito útil, pois sendo uma jornada um dia de caminho a cavalo e sendo muitas das
distâncias que se tinham de percorrer mais do que uma jornada, como por exemplo as
descritas por Edrici, era importante para o viajante que as ia fazer saber de antemão
quanto tempo iria demorar para que se guarnecesse antes de ir ou que pelo menos
estivesse preparado para tal.
Em relação aos locais mencionados por Edrici, Mértola, Badajoz e Huelva eram de
facto entre outros locais dos mais importantes da estrutura muçulmana na Península
Ibérica. Azauia segundo alguns autores seria a cidade de Lagos já com uma actividade
portuária. A alusão mais interessante que Edrici faz é a referência a uma igreja
denominada igreja do corvo. Essa igreja seria um pequeno santuário de eremitas ou
monges moçárabes. É referenciado pelos cronistas islâmicos como um edifício em
forma de cúpula, debruçado sobre o atlântico, em frente do qual também se erguia uma
mesquita, sendo os dois muito visitados por peregrinos de ambas as religiões[15].
Os cristãos moçárabes tinham uma grande afluência a essa igreja pois segundo a lenda o
corpo de S. Vicente[16] tinha sido trasladado por mar para Sagres quando Valência foi
cercada pelos muçulmanos e muitos peregrinos afluíam para visitar o túmulo do mártir
valenciano. Devido a tão grandes afluências a esse local e por Silves se situar próximo
desse grande centro de peregrinação, Edrici não deixa de referir na sua “lista de
distâncias” de locais mencionados no seu texto já que se tornou um local de verdadeira
importância de peregrinação, nomeadamente de cristãos.
7. [1] COELHO, António Borges, Portugal na Espanha Árabe, p.51
[2] GOMES, Rosa Varela, Silves (Xelb), uma cidade do Gharb Al-Andalus: território e
cultura, p. 111
[3] Gomes, Rosa Varela, Palácio Almóada da Alcáçova de Silves, p.43
[4] É uma torre de onde se vigia o território circundante. Normalmente integra o sistema
defensivo de um castelo, sendo distribuídas em lugares estratégicos na área ao redor.
[5] GOMES Rosa Varela, Silves (Xelb), uma cidade do Gharb Al-Andalus: território e
cultura, pp. 114
[6] Idem, Silves (Xelb), uma cidade do Gharb Al-Andalus: território e cultura, pp. 58
[7] COELHO, António Borges, Portugal na Espanha Árabe, pp.51
[8] GOMES Rosa Varela, Silves (Xelb), uma cidade do Gharb Al-Andalus: território e
cultura, pp.103
[9] Silves encontra-se a norte protegido por uma cordilheira tendo a direcção nascentepoente. Considerada uma “fronteira natural”, esta cordilheira faz a separação entre o
Algarve e as pene-planícies do Alentejo.
[10] Rosa Varela Gomes, Silves: uma cidade do Gharb Al-Andalus: Arqueologia e
História (Séc VII-XIII) (Vol I), pp.71
[11] COELHO, António Borges, Portugal na Espanha Árabe, pp. 51
[12] Idem, Portugal na Espanha Árabe, pp.51
[13] Idem, Portugal na Espanha Árabe, pp 51
[14] Idem, Portugal na Espanha Árabe, pp.
8. [15] MARTINS, Mário, “Peregrinações a S. Vicente do Cabo”, Peregrinações e livros
de milagres na nossa idade média, Lisboa, Brotéria, p.103
[16] Foi um mártir do início do século IV que sofreu o martírio em Valência